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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO Disciplina : Direitos Humanos e Direitos Fundamentais Fichamento da obra: “Direito, Escassez & Escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas”, de Gustavo Amaral (capítulos 5, 6 e post scriptum) Aluno: Leandro Santos de Aragão 1

Fichamento 06 [Leandro Aragão] - Direito, Escassez e Escolha, De Gustavo Amaral

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO PÚBLICO

Disciplina: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais

Fichamento da obra:

“Direito, Escassez & Escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez

de recursos e as decisões trágicas”, de Gustavo Amaral

(capítulos 5, 6 e post scriptum)

Aluno: Leandro Santos de Aragão

SALVADOR - BAHIA

2012

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Universidade Federal da BahiaFaculdade de Direito – Programa de Pós-Graduação Mestrado em Direito Público - 2012.2Disciplina: Direitos Humanos e Direitos FundamentaisProf. Saulo José Casali Bahia

Aluno: Leandro Santos de Aragão

Notas de fichamento

LivroDireito, Escassez & Escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas

AutorGustavo Amaral

EditoraLumen Juris

CidadeRio de Janeiro

Ano2010

Edição2ª ed.

Modo de citação:AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha: critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

Esse fichamento diz respeito aos capítulos 5 e 6, à conclusão e ao posfácio

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Páginas 73-76 O autor apresenta as três variáveis relativas à alocação de recursos: a escassez (insuficiência para satisfação de todas as necessidades humanas), a divisibilidade e a homogeneidade do bem a ser alocado. Esses três elementos “desafiam a visão igualitária do tratamento igual para todos” (p. 74). Segundo o autor, a questão da escassez se avulta no acesso à saúde, em que recursos financeiros e não financeiros (pessoal especializado, equipamentos, órgãos para transplantes etc.) implicam custos incapazes de serem cobertos se o tratamento for igualitário para todos; mesmo diante disso, qualquer debate sobre custos na área de saúde é costumeiramente invadido por razões emocionais de que é repugnante ou imoral fazer qualquer referência a custos quando a saúde e a vida estão em jogo (p. 74-75). Além disso, a deontologia da área médica, que obriga os médicos a prescreverem qualquer ação que possa ajudar a recuperar o paciente, torna indiferente a questão dos custos. A indagação principal aqui é: até que ponto a liberdade médica pode sobreviver em um ambiente de limite orçamentário.

Páginas 77-81 Citando o artigo Health Care Rationing in the Courts: a Comparative Study (In Hastings International and Comparative Law Review, 21: 639-714, 1998) do Professor TIMOTHY STOLZFUS JOST, o autor afirma que a relação profissional médica com seu paciente é, também, um vínculo de caráter econômico, porque envolve serviços por profissionais especializados, medicamentos e equipamentos adequados que são alocados com o dispêndio de recursos. Diante disso, o maior desafio dos modernos sistemas de saúde é a alocação de recursos. Essa decisão de alocação se faz num ambiente de escassez e incertezas. E isso pode gerar conflitos alocativos, os quais inevitavelmente serão resolvidos por mecanismos jurídicos aplicados pelo Judiciário (p. 78). Esses conflitos se potencializam se olharmos pelo lado da demanda. A oferta de serviços médicos não acompanha a demanda por eles. A curva da demanda se desloca constantemente para a direita, pela própria essencialidade do produto (um serviço de saúde), pelo contínuo progresso da tecnologia médica e por características demográficas como o envelhecimento da população (p. 78-79). O autor cita a seguinte passagem do texto do TIMOTHY STOLZFUS JOST: “O fator mais relevante para o aumento dos custos com saúde em todo o mundo, e em particular nos Estados Unidos, é o contínuo progresso da tecnologia médica. (...) Ao contrário de outras indústrias, investimentos de capital e desenvolvimento tecnológico raramente resultam em substancial economia de custos de trabalho na indústria da saúde. A demanda por tecnologia de cuidados de saúde parece que não irá deixar de crescer. Outro importante fator que inexoravelmente leva ao aumento da demanda por cuidados médicos em longo prazo é o envelhecimento da população” (p. 79). Aliás, a própria evolução da tecnologia médica gera um cenário de escassez e escolha, na medida em que elas, em sua fase inicial, são natural e extensamente caras. Assim, diz o autor, diante “de um quadro como esse, a tendência natural é fugir do problema, negá-lo. Esse processo é bastante fácil nos meios judiciais. Basta observar apenas o caso concreto posto nos autos. Tomada individualmente, não há situação para a qual não haja recursos. Não há tratamento que suplante o orçamento da saúde ou, mais ainda, aos orçamentos da União, de cada um dos Estados, do Distrito Federal ou da grande maioria dos municípios. Assim, enfocando apenas o caso individual, vislumbrando apenas o custo de cinco mil reais por mês para um coquetel de remédios, ou de cento e setenta mil reais para um tratamento no exterior, não se vê a escassez de recurso, mormente se adotado o discurso de que o Estado tem recursos ‘nem sempre bem empregados’” (p. 80-81).

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Página 81 “Firmado que há menos recursos do que o necessário para o atendimento das demandas e que a escassez não é acidental, mas essencial, toma vulto a alocação de recursos. As decisões alocativas são, como bem captado por Calabresi e Bobbitt, escolhas trágicas, pois, em última instância, implicam a negação de direitos que, no campo da saúde, podem redundar em grande sofrimento ou mesmo em morte.As decisões alocativas são, basicamente, de duas ordens: quanto disponibilizar e a quem atender.”

Página 82-83 “Esse caráter disjuntivo das escolhas traz, muitas vezes, uma teia de consequências, uma cadeia de ações e reações que não conseguem ser sequer imaginadas dentro da ótica estrita da microjustiça, e que só vem sendo abordada há poucos anos. Tome-se como exemplo a regulação do risco. Não raro, a diminuição de um risco à saúde gera simultaneamente o aumento de outro risco. A proibição do uso de amianto em freios protege a saúde dos operários, mas pode ceifar vidas em acidentes automobilísticos, dada a menor eficiência de outros materiais na frenagem, além de poder provocar outros riscos ambientais, ante a toxidade dos elementos usados em substituição. A decisão de proteger um dado interesse muitas vezes gera novas formas de ameaça, tornando as decisões alocativas ainda mais complexas.”

Página 83-91 A definição dos critérios de alocação de recursos é tarefa da justiça distributiva. As teorias da justiça escrutinadas no trabalho são a do liberal JOHN RAWLS, a do libertário ROBERT NOZICK, a do comunitarista MICHAEL WALZER, a de JOHN ELSTER e a de CASS SUNSTEIN.A teoria da justiça de JOHN RAWLS é uma reformulação em bases liberais e extremamente abstratas da teoria do contrato social. Nela, porém, não “se concebe o contrato original como aquele que permite a adesão a uma sociedade determinada ou que estabelece uma determinada forma de governo. A ideia condutora é antes a de que princípios da justiça aplicáveis à estrutura básica formam o objeto do acordo original. Esses princípios são os que seriam aceites por pessoas livres e racionais, colocadas numa situação inicial de igualdade e interessadas em prosseguir os seus próprios objetivos, para definir os termos fundamentais da sua associação” (p. 85). “Os princípios da justiça, então, são escolhidos sob um véu da ignorância, sob o qual os participantes desse diálogo nada sabem sobre sua futura posição na sociedade. Com isso, o fundamento dos direitos não está em qualquer argumento apriorístico, mas na justificação de certos princípios da justiça como fruto de um acordo unânime numa situação inicial hipotética, em que a igualdade é assegurada pelo fato de que não sabendo cada um qual será sua posição, sua situação na sociedade, ninguém poderá defender princípios que beneficiem sua situação particular. Assim, pensa Rawls, ficaria assegurado que tais princípios são resultado de um acordo ou negociação equitativa” (p. 85). Com base nisso, Rawls elenca dois princípios básicos da justiça: o da igual liberdade (cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para as outras) e o da diferença. O autor também apresenta a visão liberal (quase libertária) de Nozick, para quem o Estado mínimo é o mais extenso que pode ser justificado tendo em vista que o objeto da justiça está na propriedade.Tanto no modelo de Rawls, quanto no de Nozick, não há preocupações quanto à escassez de recursos, que é o tema do trabalho de Gustavo Amaral: para esse, as obras desses dois liberais não enfrentam “o conflito de pretensões cuja satisfação reclama a exaustão de recursos indispensáveis ao atendimento a outras pretensões, em situação de comutatividade” (p. 90).

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Páginas 91-97 Demonstrada a insuficiência da visão dos dois liberais contratualistas acima mencionados, Gustavo Amaral menciona o trabalho de filósofos comunitaristas como Michael Walzer, Jon Elster e Cass Sunstein, cujos trabalhos partem de uma premissa comum: indivíduos autônomos não existem isoladamente, mas são moldados por valores e pela cultura da comunidade em que estão inseridos. Em todos eles, há uma preocupação em mostrar que não existe um critério único, isolado e prevalecente em matéria de justiça distributiva. Uma grande variedade de arranjos e ideologias comunitárias formam múltiplas combinações de critérios de justiça distributiva, que não são necessariamente critérios individuais (“a cada um segundo sua necessidade”, ou “a cada um segundo seu mérito”), e de mecanismos distributivos de justiça. Há nos três, também, uma preocupação constante com a escassez e as escolhas dramáticas, em razão das quais existe uma vasta gama de critérios e metodologias para a tomada das decisões alocativas. O que é incorreto, na visão de Gustavo Amaral, é achar que um critério é neutro e soberano o bastante para eliminar a necessidade de justificação das escolhas feitas. Como ele próprio argumenta, “[t]alvez pela própria complexidade da questão e pela complexidade moral de ostensivamente negar a alguém um recurso que lhe é vital, há a tentação de ‘escolher por não escolher’, disfarçar a existência de escolhas trágicas por meio de critérios que parecem neutros, nos quais a ‘negativa à vida’ pode ser creditada à Providência” (p. 95). Em seguida, o autor procura escrutinar a realidade brasileira em matéria de escassez de recursos e direitos fundamentais (com foco na área da saúde).Para ele, o Judiciário brasileiro tenta resolver os conflitos na área de direitos fundamentais à saúde com o instrumental próprio para solucionar os microconflitos. Há, ainda, uma refutação a priori de qualquer argumento relativo à repercussão financeira das decisões sobre o orçamento e a continuidade de prestação dos serviços públicos de saúde para todos, igualitariamente. O procedimento alocativo habitualmente praticado pelo Judiciário é o das “escolhas inconscientes” (na expressão de Guido Calabresi et al.), em que o cenário não é adequadamente ponderado do ponto de vista macro e as consequências dessa decisão individual para a manutenção do atendimento dos interesses numa escala coletiva não são devidamente mensuradas.Por isso, diz Gustavo Amaral, o “conflito entre critérios adotados numa ótica de microjustiça e critérios adotados numa ótica de macrojustiça põe em questão um somatório de escolhas individuais racionais que produzem um resultado coletivo irracional. A situação é bem ilustrada pelo chamado dilema do prisioneiro, (...)” (p. 97).

Página 98-102 “Na doutrina, como demonstramos no primeiro capítulo, os autores mais preocupados com a efetividade das normas constitucionais não se ocuparam detidamente das questões alocativas. A nota central para ser um otimismo positivista, em que a inserção no campo do direito positivo afasta conjecturas sobre possibilidades fáticas. Ressalva-se que o direito não pode tudo, mas não são fornecidos maiores detalhes sobre como encontrar esses limites de possibilidades do campo normativo.” (p. 98)Gustavo Amaral cita, ainda, Ricardo Lobo Torres que divisa status positivus libertatis de status positivus socialis. O primeiro compreende um conteúdo positivo nos direitos de liberdade, no qual se inclui o mínimo existencial. O segundo, que é de extrema importância para o aperfeiçoamento do Estado Social de Direito e compreende o fornecimento de serviço público inessencial (educação superior, saúde curativa, moradia etc.) e as prestações financeiras em favor dos fracos. Entretanto, o status positivus socialis depende da situação econômica do país e da riqueza nacional, sendo tanto mais abrangente quanto mais rico e menos suscetível a crises seja o Estado, motivo por que não tem dimensão originariamente constitucional, sendo objeto de legislação ordinária e de política social e econômica. Gustavo Amaral aponta, também, a lição de Robert Alexy sobre a fundamentabilidade dos direitos fundamentais (interesse ou carência é tão fundamental que a necessidade de seu respeito se fundamento somente pelo direito). Ele aponta as incongruências e as insuficiências de todas essas visões e, a partir daí, se propõe a estabelecer novos critérios para lidar com a escassez de recursos e as necessidades de fazer escolhas na área do direito.

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Páginas 103-115 Antes de estabelecer os critérios para atuação judicial em cenários de escassez, o autor estabelece algumas premissas acerca da interpretação das pretensões positivas.O autor se propõe a conjugar os cenários de escassez e a aplicação do direito com base no processo hermenêutico de Gadamer, para entender como uma previsão jurídica abstrata pode se tornar uma pretensão de um indivíduo específico. Partindo da pré-compreensão, como elemento estrutural da tese hermenêutica de Gadamer e uma projeção de um sentido em que o intérprete se integra ao texto a partir de determinadas expectativas para então adentrar na estrutura circular de compreensão, Gustavo Amaral afirma que a hermenêutica gadameriana exige uma atividade vinculante e não abolível, que vincule por igual todos os membros da comunidade. Assim, a pré-compreensão é uma primeira aproximação para uma projeção de sentido; a partir de então, ela gera um anteprojeto que é submetido a confirmações, correções e revisões até que, como resultado da aproximação permanente dos projetos revisados, determina-se univocamente o sentido. Gustavo Amaral demonstra, também, que alguns autores partilham da ideia hermenêutica de Gadamer mesmo que intuitivamente. Em vista disso, ele afirma: “Vemos, claramente, o emprego de fatores históricos e culturais como determinantes de um dado ponto de vista para o intérprete, obtido a priori do texto. A defesa do método jurídico como limitador do apriorismo funciona, a nosso ver, como inserção de uma reflexividade na compreensão e aplicação da norma ao menos bastante similar ao círculo hermenêutico. O reconhecimento da pré-compreensão e do círculo hermenêutico é de grande relevância prática, pois rompe com a linearidade da argumentação jurídica, tão influenciada e sugerida através do uso dos silogismos” (p. 109).Aplicando o processo hermenêutico de Gadamer ao processo de satisfação das pretensões originadas na dimensão positiva dos direitos fundamentais, “deve o intérprete pressupor a limitação de recursos para atender a todos e, assim, deve pressupor a existência e a legitimidade de decisões alocativas pelo Estado, de primeira e segunda ordem, com vistas à concretização dessas normas” (p. 109). “Assim, salvo se o texto claramente dispuser de modo contrário, haverá espaço para decisões alocativas, decisões essas que são sindicáveis, na forma demonstrada adiante. As disposições em contrário do texto, todavia, passam por um crivo especial, que é o controle de razoabilidade ligado ao ‘excesso de otimismo normativo’. Se a norma jurídica pretender regrar o que refoge a seu âmbito, o que não se comporta no campo do poder-ser, que é a imagem refletida do dever-ser, ficará evidente sua invalidade. A impossibilidade não costuma voltar-se para o grotesco, mas para aquilo que aparentemente é factível. É possível fornecer tratamento médico a uma dada pessoa ou assegurar emprego a outra, mas parece ser incontornável o ‘excesso de otimismo’, a ingenuidade ou demagogia de pretender assegurar como direito subjetivo um direito a qualquer tratamento de saúde ou de um direito ao pleno emprego” (p. 109). “Nada obstante, quando factíveis, são legítimas opções normativas que vedam a tomada de decisões alocativas inferiores, como, por exemplo, assegurar a todas as crianças vacinação contra dadas doenças. Essas decisões normativas, longe de negar a escassez de recursos, são, por si, decisões alocativas, pois o atendimento por elas determinado implica o consumo de recursos que poderiam ser empregados para atender a outros. As preferir uns em relação a outros, a norma comporta, novamente, controle de razoabilidade, mas aqui pela potencial ao princípio da igualdade” (p. 110).Assim, muitas decisões alocativas são, via de regra, disjuntivas. E elas, já que a própria natureza da democracia determina que não há direitos que não sejam escrutináveis por arranjos políticos, devem ser construídas politicamente, desconsiderando clamores populares ou pressão da opinião pública marcada por preferências endógenas recheadas de crenças e desejos particulares. Por isso, o nível de proteção dos direitos sociais, que eminentemente envolvem uma questão alocativa, deve ser ditado pela esfera política. Sunstein et al. sustentam que a decisão deve ser política até por obediência ao princípio da separação de poderes. Toda e qualquer decisão de “primeira ordem” (envolvendo vida, liberdade, igualdade) implica desvios de recursos de outras situações trágicas e esse dilema é institucionalmente melhor trabalhado pelo legislativo e pelo executivo. Esses reúnem as melhores condições e estruturas institucionais para a alocação de recursos escassez por meio do orçamento e de políticas públicas. Como há um leque de critérios e considerações que podem ser utilizados e combinados entre si, isso dá à decisão alocativa um teor nitidamente discricionário (discricionariedade técnica) e político, devendo ser sindicável apenas como decisão política e por meio de instrumentos políticos (voto, pressão da sociedade civil organizada etc.). Isso não significa, contudo, que não haja um espaço mínimo sequer para atuação do Judiciário. É o que será analisado na próxima ficha.

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Páginas 115-126 Se as decisões alocativas, por suas características, possuem teor discricionário e político, qual o papel do Judiciário perante elas?“No que diz respeito às pretensões positivas, cabe ao Judiciário o controle do discurso, o controle das condutas adotadas por aqueles que ocupam função executiva ou legislativa. Não cabe ao magistrado fazer a mediação fato-norma, seja pela subsunção ou pela concreção. Cabe-lhe, isto sim, projetar o conteúdo de pretensão positiva em que está investido o particular para, depois, contrastando o teor dessa pretensão com a realidade fática, verificar se há violação potencial. Havendo a violação potencial, cabe ao magistrado, então, questionar as razões dadas pelo Estado para suas escolhas, fazendo a ponderação entre o grau de essencialidade da pretensão e o grau de excepcionalidade da situação concreta, a justificar, ou não, a escolha estatal” (p. 115). “Dentro desse contexto, a decisão judicial para o indivíduo deve sempre ser circunstancial, (...). Com decisões para o caso concreto e não para a generalidade dos casos, como se tem visto nas decisões relacionadas à saúde, mantém-se a flexibilidade para o futuro, o que é uma virtude notável no que diz respeito à saúde, já que a evolução dos tratamentos torna o quadro sempre mutante” (p. 116). Gustavo Amaral entende que seu posicionamento é realista e não padece da ingenuidade positivista de que “a norma é pra valer”. Toda e qualquer prestação de serviços decorrente de uma previsão normativa depende da real existência dos meios.Em seguida, Gustavo Amaral salienta os seus pontos de divergências quanto às concepções de que a lei não pode ordenar o irrealizável (de Luís Roberto Barroso e de Clèmerson Clève) ou de exigibilidade do mínimo existencial (Ricardo Lobo Torres e Robert Alexy). A formulação dele para o problema é distinta. Prestações positivas exigidas pelos indivíduos em face do Estado podem não ser atendidas por circunstâncias concretas que impedem o atendimento de todos que demandam prestações essenciais. Haverá, portanto, escolhas trágicas a fazer. Como haverá espaços para escolhas, o Estado deve estabelecer critérios de alocação de recursos e de atendimento das demandas tendo em vista o grau de excepcionalidade (a razão para deixar de atender uma prestação) e o grau de essencialidade do bem. Para Gustavo Amaral, o “grau de essencialidade está ligado ao mínimo existencial, à dignidade da pessoa humana. Quão mais necessário for o bem para a manutenção de uma existência digna, maior será seu grau de essencialidade” (p. 119-120). Por outro lado, quanto mais essencial for a prestação, mais excepcional deverá ser a razão para que ela não atendida. “Cabe ao aplicador ponderar essas duas variáveis, de modo que se a essencialidade for maior que a excepcionalidade, a prestação deve ser entregue, caso contrário, a escolha estatal será legítima” (p. 120).Quanto às possíveis críticas à sua formulação teórica, Gustavo Amaral as rebate do seguinte modo. Quanto à crítica de sua fórmula violaria a separação de poderes porque retiraria algo próprio do Judiciário que é a capacidade de lidar melhor com questões de princípios e de valores, o autor entende que as decisões alocativas não dizem respeito a um estado ideal de coisas axiologicamente determinado, mas sim a múltiplos critérios e procedimentos a serem escolhidos para justamente se chegar a esse estado ideal de coisas, com o que a escolha ganha caráter nitidamente político, sindicável por meios políticos. Quanto à crítica da violação da separação de poderes, já que a submissão das decisões alocativas em cenários de escassez (escolhas trágicas) somente ao escrutínio político as tornaria quase que imunes à atividade jurisdicional, o autor sustenta ela é incabível porque a gênese do modelo de separação brasileiro foi a norte-americana, em que a separação de poderes reflete mais um equilíbrio dinâmico na divisão de atividade entre todos sem atribuição de exclusividade a ninguém. Nessa visão dinâmica da separação de poderes que marca os EUA, o ato de julgar, de administrar ou de legislar não é visto como “próprio” de um dos poderes em detrimento dos demais. Ao contrário, aliás, da francesa, de profunda desconfiança quanto à atividade judicial, a ponto de os atos do Executivo serem sindicáveis apenas por estruturas do próprio Executivo denominadas tribunais administrativos.

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Página 127 Das conclusões do autor, destacam-se:(i) Os direitos fundamentais concedem aos particulares o direito a prestações positivas estatais;(ii) O atendimento dessas prestações positivas pelo Estado demanda o consumo de recursos

materiais que são intrinsecamente escassos (vale dizer, são impossíveis de serem fruíveis por todos para atendimento dos respectivos interesses);

(iii) O cenário de escassez gera conflitos, que, por sua vez, impõe decisões disjuntivas sobre a alocação de recursos;

(iv) Decisões alocativas são políticas porque comportam vários momentos e há vários mecanismos de escolha, não havendo um critério uniforme para todos os casos;

(v) Tendo em vista a dimensão política das decisões alocativas, não cabe ao Judiciário fazer o controle da incidência normativa, mas, apenas, um papel secundário de controlar as escolhas feitas pelos demais poderes;

(vi) Na alocação de recursos, é imprescindível considerar a pluralidade social, seus diversos interesses, as múltiplas necessidades e, principalmente, o grau de essencialidade da pretensão frente à situação de momento;

(vii) O Judiciário deve sempre ponderar o grau de essencialidade da pretensão em função do mínimo existencial e da excepcionalidade da situação, principalmente quando a decisão alocativa tomada pelo Estado tenha resultado no não-atendimento da pretensão.

Página 129-135 Quase dez anos após a 1ª edição do livro, Gustavo Amaral revisita o tema por meio de um posfácio. O autor destaca que, passada quase uma década, as conclusões se manteriam, mas as premissas teóricas seriam outras. Em matéria jurisprudencial, ele destaca o posicionamento dos Tribunais Superiores (enquanto o STF se prepara decidir o RE 566.471 em repercussão geral) quanto à superioridade do direito à vida e sua intangibilidade por questões inferiores de orçamento e finanças públicas. Ele aponta, também, a pesquisa de Daniel Wang sobre escassez de recursos, custos dos direitos e reserva do possível na jurisprudência do STF (disponível em http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v4n2/a09v4n2.pdf). Essa pesquisa da jurisprudência do STF demostrou que a escassez de recursos, os custos dos direitos e a reserva do possível são uniformemente desconsiderados quando a decisão envolve direito à educação, à saúde e ao acesso à creche, mas, contraditoriamente, são amplamente invocados quando se trata de pedido de intervenção federal, mesmo que para pagamento de precatórios alimentares. Há, portanto, incongruência nas decisões do STF. Algumas dessas decisões do STF aplicam normas jurídicas ignorando a realidade e as consequências distributivas da decisão tomada, enquanto outras a consideram. Ressalte-se, aliás, que o direito à vida é também invocado de modo absoluto nos casos em que se determina o pagamento de precatório de credor acometido de grave moléstia quebrando a ordem de pagamento dos precatórios. O STF, principalmente nos julgamentos do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 393.175-0 (Rel. Min. Celso de Mello) e no Agravo Regimental na Reclamação nº 3034 (Rel. Min Eros Grau), estabeleceu uma regra não escrita em que a circunstância de um credor público, via precatório, estar acometido de moléstia grave quebra excepcionalmente o comando de pagamento ordinatório dos precatórios. O STJ, a propósito, segue o mesmo posicionamento do STF. Como diz Gustavo Amaral, a jurisprudência do STF e do STJ “apontam para uma compreensão do ‘direito à vida’ como amplo, não passível de limitação quanto ao conteúdo, como na estipulação de tratamentos-padrão, seja quanto à eficácia, como à submissão ao regime de precatórios. Haveria, então, um direito à vida absoluto, superior a todos os outros, não ponderável e não suscetíveis a contingências econômicas ou financeiras. Praticamente ignorando que o Direito não tem a capacidade de gerar, por si só, recursos materiais para sua efetivação, as decisões dos Tribunais superiores massacram a realidade e não pensam sobre as consequências distributivas da decisão tomada.

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Páginas 136-143 Quanto à doutrina nacional, Gustavo Amaral aponta as divergências existentes.De um lado, há os que defendem a alocação dos recursos por decisão judicial para garantir os direitos mais essenciais do homem: vida, integridade e saúde. Para esses, o argumento da falta de recursos é inidôneo, porque recursos podem ser drenados de outras áreas menos essenciais onde estão alocados para atendimento daqueles direitos. Por outro lado, há os que ponderem a existência de dificuldade alocativas por insuficiência de recursos. Haveria, aqui, para esses doutrinadores, um “limite do real”, principalmente porque o Direito não é autossuficiente na geração de recursos materiais para sua realização fática. Ingo Sarlet é um desses que defende a barreira fática da reserva do possível como limites para realização do direito, embora igualmente defenda que direitos subjetivos relativos a padrões mínimos de existência deve ser atendidos absolutamente, enquanto direitos vinculados a situações onde o mínimo é ultrapassado, haveria apenas um direito prima facie. Ingo Sarlet faz também “importante conexão entre a reserva do possível e o princípio da subsidiariedade para extrair uma primazia da autorresponsabilidade, que implica para o indivíduo o dever de zelar pelo seu próprio sustento e o de sua família” (p. 138). Já Ricardo Lobo Torres diferenciou reserva do orçamento de reserva do possível com base na distinção alemã: a primeira diz respeito à abertura de créditos adicionais no orçamento por parte dos poderes políticos, cabendo ao Judiciário um papel de apenas manter a intangibilidade do mínimo existencial e ordenar aos outros poderes a prática de atos possíveis do ponto de vista orçamentário; a segunda é apenas um conceito heurístico aplicável aos direitos sociais (que não são considerados direitos fundamentais na Alemanha), uma concessão discricionária em lei. Assim, a reserva do possível não é aplicável ao mínimo existencial, que se vincula à reserva orçamentária. No Brasil, porém, esses conceitos foram embaralhados e reserva do possível passou a ser a possibilidade de adjudicação de direitos prestacionais se houver disponibilidade financeira. Gustavo Amaral faz uma crítica a todas as concepções doutrinárias que refutam a possibilidade de elementos externos ou reflexos ao direito condicionarem a justiça ou moralidade de uma decisão. Para ele, a “noção de justiça e moralidade, qualquer que seja, deve levar em conta não apenas um catálogo de ‘boas intenções’, aspirações legítimas ou utopias distantes, mas sim os resultados concretos que se pode antever para o sentido. Ademais, as soluções justas para o caso devem ter por substrato a enunciação de normas com um mínimo de generalidade e um nível ao menos adequado de não contradição” (p. 140). Ele destaca, também, a impossibilidade estrutural do Judiciário de medir os ganhos líquidos com as mais variadas decisões individuais concessivas de medicamentos ou tratamentos médicos: quantas vidas foram perdidas por conta do direcionamento exclusivo de recursos para o atendimento de uma única pessoa portadora de uma decisão judicial? Uma ordem judicial para o custeio de tratamentos ou medicamentos com recursos públicos para uma única pessoa implica a privação de quantas outras? Será que essas decisões judiciais não impactam a eficiência dos programas públicos de saúde, na medida em que retiram recursos e diminuem as chances de se tomar decisões alocativas que se permitam fazer mais por menos? Portanto, o impacto que as decisões judiciais geram para a administração das finanças públicas e para a alocação dos recursos públicos é completamente desconhecido pelo Judiciário. Outro problema trazido por Gustavo Amaral é a questão da quebra de patentes como medida para baratear o acesso aos medicamentos e ampliar o acesso à saúde por todos. O autor demonstra que medidas dessa natureza podem ter indesejáveis efeitos negativos sobre o desenvolvimento de novas tecnologias farmacológicas, porque implicam um desestímulo aos investimentos privados nessa área, às novas pesquisas e à descoberta de novos medicamentos ou terapias. Elas são medidas que estimulariam um retrocesso quando deveriam estimular o progresso. Eu entendo, porém, que essa última passagem de Gustavo Amaral é equivocada. A quebra de patentes de medicamentos curiosamente não gerou qualquer um desses efeitos que ele mencionou, principalmente no caso dos medicamentos retrovirais (há, a propósito, um interessante estudo de professores da Faculdade de Direito da USP sobre o tema – disponível em http://www.direito.usp.br/pesquisa/direitos_propriedade_intelectual_saude_publica.pdf).

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Páginas 143-164 As páginas 143-149 são repetições praticamente literais das páginas 73-79 e pouco serviram do ponto de vista de aprofundamento dos argumentos apresentados na primeira edição. Gustavo Amaral aponta que o trade-off envolvido na área da saúde é frequentemente ultrapassado por liminares decorrentes da judicialização do acesso à saúde. Essa pode corroer o plano da equidade ao absorver, por ordens judiciais de prioridades individuais, vultosas quantias de recursos para beneficiar grupos extremamente restritos. É o que ocorreu, por exemplo, no Rio Grande do Sul, onde, em 2007, 50% do orçamento do Estado destinado à saúde era comprometido com a compra de medicamentos por ordens judiciais em casos particulares.Ele ressalta, ainda, que a escassez é uma característica implacável dos direitos no campo da saúde. E isso é um fator que tem papel “mais relevante na aplicação do direito do que na especificação de seu conteúdo sem ser em vista de um caso concreto” (p. 151). Mas para explicar corretamente o papel relevante na aplicação do direito, Gustavo Amaral apontou as premissas metodológicas nessa área. Afirmou que, tradicionalmente, o que se tem é uma corrente em que o comportamento normativo é uma questão de seguir a regra, pouco importando sua origem. Haveria como que um causalismo jurídico, em que a objetividade e a racionalidade informariam a tomada de decisões jurídicas; era, praticamente, um ato mecânico, um experimento quase matemático, embora as ciências sociais sejam permeadas e suscetíveis de influências externas e contingências as mais variadas. Era como se as explicações para os fenômenos sociais – dentre os quais, o direito – fossem dotadas das mesmas características do modelo de inteligibilidade típico das ciências naturais. Com essa transposição dos métodos de trabalho das ciências naturais para as ciências sociais, surgiu um culto desmesurado à lógica formal e à racionalidade da construção dedutiva: o direito passou, então, a ser concebido sob a lógica do formalismo, como um sistema de relações entre ideias, e não como uma prática social. A visão formalista desconsiderou que elementos não-jurídicos podem ter sido postos em normas e isso exigirá uma abertura do sistema jurídico a outros campos e outras considerações extrajurídicas. Além disso, essa mesma visão não atentou que direitos não se realizam em abstrato, mas somente diante de situações concretas em que estão envolvidos um conjunto de valores, aspectos e interesses não necessariamente visualidade ou adequadamente ponderados quando da edição da norma geral e abstrata pelo legislador. Gustavo Amaral ressaltou também, com base em MacCormick, as dificuldades dos processos deliberativos legislativos e o distanciamento desses de uma deliberação moral pura. A construção de “acordos políticos” e a “contratualização” dos processos políticos geram frequentemente soluções possíveis, mas inferiores quanto à eficácia. Tudo isso exige que a enunciação do caso a partir da situação posta tenha de ser em referência ao ordenamento (algo já tradicional), mas, principalmente, que a atribuição de sentido ao texto, a interpretação da norma, deve estar orientada ao caso. Assim, para a determinação de uma regra concreta se exige um descobrimento dúplice e circular entre o caso e o ordenamento. “A escolha dos elementos relevantes da situação trazida à debate e a escolha das normas pertinentes para chegar à solução fazem parte de um processo não linear, mas circular, em que se compreende o caso a partir do ordenamento e o ordenamento a partir do caso, em círculos concêntricos a partir de antecipações de sentido” (p. 163). Os casos jurídicos mais simples e rotineiros (ou de menor repercussão) não exigiriam, de regra, esse processo circular de mútuas descobertas; eles se justificariam internamente, por inferências ou pela lógica dedutiva. Já os casos mais difíceis, complexos, que permitem mais de uma resposta ou cujos efeitos repercutem sobre partes formalmente alheias à decisão, exigirão a adoção daquele processo circular: há, aqui, uma justificação externa.

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Páginas 164-167 Ainda em abandono à visão exclusivamente causalista que tradicionalmente domina a aplicação do direito, outra técnica relevante para solução de casos difíceis, em que mais de uma resposta é possível, é o consequencialismo. A predição e ponderação dos resultados da aplicação de regras jurídicas acabam por influenciar a própria adequação do conteúdo das regras e conceitos jurídicos. E aqui é importante ressaltar que ponderar “as consequências não corresponde necessariamente a um utilitarismo quanto aos efeitos do ato em concreto, mas sim quanto ao prestígio do conjunto de regras cuja observação pela grande maioria dos envolvidos deva produzir os melhores resultados” (p. 165-166). Ponderá-las significa apenas verificar se elas e os efeitos colaterais de sua observância podem ser aceitos por todos sob as mesmas circunstâncias e conforme os interesses individuais de cada um. Assim é que a argumentação consequencialista significa a elaboração de uma deliberação universalizada necessária que envolva critérios múltiplos mensuráveis, como justiça, senso comum, interesse público e conveniência jurídica. Se todas as atividades (atos práticos) geram consequências, desconsiderá-las por conta de eventual valor intrínseco predisposto de uma atividade é equivocado. Muitas vezes, a valia ou desvalia de uma atividade só é medida pelas resultantes dela (pela verificação a posteriori ou pela utilização de razoáveis mecanismos preditivos), com o que as consequências também terão alguma importância na própria extensão de valor da atividade.

Páginas 167-170 Gustavo Amaral apresentou, ainda, a defesa que Robert Alexy fez da tese dele de princípios como mandamentos de otimização. Algumas críticas salientaram que a ideia de princípios como mandamentos de otimização levariam a uma concepção do ponto máximo e com isso seriam subtraídos todos os espaços possíveis para o legislador. Diante disso, Alexy afirmou que os princípios são mandamentos de otimização que não se aplicam no “ponto máximo”, mas que se realizam pelas máximas da adequação e necessidade que expressam uma exigência de máxima realização em relação às possibilidades fáticas. Essas possibilidades, então, passam a condicionar o grau de amplitude na realização dos princípios. Além disso, quando se trata de estabelecer o uso racional dos recursos públicos, aplica-se o sopesamento, “que abrange avaliar tanto o grau de não-satisfação ou afetação de cada um dos princípios envolvidos quanto se a importância de satisfazer o princípio prestigiado justifica a afetação ou não-satisfação do outro, correspondendo à lei da taxa marginal decrescente de substituição” (p. 169). O sopesamento exige a remissão a padrões e hierarquias já sedimentados, bem como a verificação dos efeitos da adoção da medida e da não-adoção da medida questionada, não sendo, pois, algo realizado de forma arbitrária ou não refletida.

Páginas 170-175 O autor, então, busca a definição de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Após criticar o STF, que deixa de reconhecer o princípio do uso racional dos recursos públicos, criando um direito-a-qualquer-custo, ele tenta esclarecer determinados aspectos das decisões alocativas de recursos escassos e critica a posição restritiva de Ingo Sarlet quanto ao direito à vida (no qual a escassez não está integrada). Para Gustavo Amaral, a escassez de recursos não é adequadamente considerada nas decisões trágicas (principalmente nos casos de direito à vida e direito à saúde). Além disso, recursos não financeiros também fazem parte do conceito de escassez, o que é esquecido por muitos. As trocas intertemporais características das decisões alocativas (pagar agora e viver depois ou viger agora e pagar depois?) podem gerar efeitos deletérios no futuro: os satisfeitos no curto prazo podem implicar vários insatisfeitos no médio ou longo prazo. A pressa, aqui, pode ser inimiga da prosperidade. A onerosidade excessiva de tratamentos singulares para patologias raríssimas também pode gerar um impacto elevado sobre o orçamento público, em detrimento dos casos mais numerosos e comuns. As dificuldades do próprio Judiciário, como escassez de tempo para lidar com todos os casos por exigência de produtividade social e a inabilidade do julgador em pautar as decisões cotidianas em complexos métodos de adjudicação. Para Gustavo Amaral, tudo isso não foi adequadamente ponderado por Ingo Sarlet, que, todavia, aponta corretamente para a necessidade de correlação entre a reserva do possível e o princípio da subsidiariedade, extraindo daí a primazia da autorresponsabilidade do indivíduo (com o que o dever de prover o tratamento recai primeiro sobre o indivíduo e sua família).

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Páginas 175-183 Gustavo Amaral aponta, também, que há situações em que, por força da prerrogativa de avaliação e decisão para escolha entre caminhos potencialmente adequados e do princípio do uso racional dos recursos públicos, o direito à obtenção de determinado medicamento pode ser negado se houve outro equivalente oferecido a preço mais barato.Ele, com base na teoria das capacidades institucionais na interpretação do direito criada por Cass Sunstein e Adrian Vermuele, sugere uma postura mais contida do Judiciário, já que o Legislativo e o Executivo reuniriam melhores capacidades institucionais e técnicas para ligar com as escolhas trágicas. O Judiciário atuaria, portanto, no controle as escolhas manifestamente inadequadas. Gustavo Amaral aponta, também, para a necessidade de resgate do orçamento e de todo o processo que o cerca como a sede por excelência das escolhas trágicas, da mensuração dos efeitos adversos das escolhas a curto, médio e longo prazos, e, principalmente, das decisões alocativas. O orçamento é uma peça do planejamento econômico da vida em sociedade, com o que é importante criar mecanismos de incentivos à participação popular na modelagem das escolhas financeiras, até como forma de dividir responsabilidades e impedir que os desacertos da política orçamentária sejam atribuíveis somente ao poder público. O processo de escolha pública tenderá à eliminação dos dilemas diante dos casos trágicos e diminuirá a discricionariedade das decisões judiciais singulares. A postura do Executivo e do Legislativo também deveria mudar. De reclusos, eles deveriam abrir seus processos deliberativos para a participação da sociedade civil, ouvindo técnicos de fora do quadro estatal e a população de um modo geral para que as decisões sobre o direito à saúde sejam as mais internalizáveis (por aceitação) possíveis. Por tudo isso, fica claro que o direito à saúde se afirma melhor por meio de políticas públicas, e não por conta de inúmeras e distintas liminares judiciais.