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“Nesse mundo, onde o poder se distribuía com mais igualdade entre os grupos humanos e os múltiplos representantes de natureza não-humana, onde a balança do poder entre os seres humanos e não-humanos ainda não se havia inclinado, como posteriormente, para os grupos humanos dotados de instalações e moradias construídas por eles mesmos, o grupo tinha para o indivíduo uma função protetora indispensável e inconfundível”. P. 141. “Por ora os exemplos talvez tornem mais fácil compreender que o exame da relação entre individuo e sociedade continuará sendo necessariamente unilateral e estéril se for conduzido apenas com respeito à situação atual – e, portanto, subordinado a questões e ideais da atualidade. O que se faz necessário, em vez disso, é uma abordagem do problema pela sociologia dos processos. Um dos mais importantes requisitos dessa abordagem é que as ciências sociais se emancipem da maneira de colocar os problemas que é própria das ciências naturais”. P. 142. “A relação entre individuo e sociedade observável no século XX, em nações industrializadas que comportam mais de 1 milhão de pessoas, ou, quem sabe, mais de 100 milhões, bem como as estruturas de personalidade e toda a formação grupal neste estágio, não podem ser usadas como um modelo experimental com a ajuda do qual possam ser feitas ou verificadas, sequer em caráter provisório, afirmações universais sobre as estruturas de personalidade humanas, as formas sociais ou a relação entre indivíduo e sociedade”. P. 143. “A decepção coletiva com o fato de se haver frustrado tão visivelmente a confiança nos ideais antes associados às ideias de “progresso” e “desenvolvimento social” produziu certa cegueira em relação ao fato de elas não se referirem realmente a ideais obsoletos e decepcionantes, mas a simples fatos comprováveis”. P. 145. “Também os sociólogos se juntaram ao coro da decepção. Em vez de se empenharem em desenvolver uma teoria do desenvolvimento social baseada em fatos, não distorcida por ideais e esperanças frustrados, a maioria deles, salvo algumas exceções pouco entusiastas, simplesmente expulsou o desenvolvimento das sociedades humanas de suas teorias sociais. Eles recaíram em teorias estáticas, fundadas no

Fichamento Elias (Salvo Automaticamente)

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Fichamento do Capítulo 3 do livro A sociedade dos indivíduos

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Nesse mundo, onde o poder se distribua com mais igualdade entre os grupos humanos e os mltiplos representantes de natureza no-humana, onde a balana do poder entre os seres humanos e no-humanos ainda no se havia inclinado, como posteriormente, para os grupos humanos dotados de instalaes e moradias construdas por eles mesmos, o grupo tinha para o indivduo uma funo protetora indispensvel e inconfundvel. P. 141.Por ora os exemplos talvez tornem mais fcil compreender que o exame da relao entre individuo e sociedade continuar sendo necessariamente unilateral e estril se for conduzido apenas com respeito situao atual e, portanto, subordinado a questes e ideais da atualidade. O que se faz necessrio, em vez disso, uma abordagem do problema pela sociologia dos processos. Um dos mais importantes requisitos dessa abordagem que as cincias sociais se emancipem da maneira de colocar os problemas que prpria das cincias naturais. P. 142.A relao entre individuo e sociedade observvel no sculo XX, em naes industrializadas que comportam mais de 1 milho de pessoas, ou, quem sabe, mais de 100 milhes, bem como as estruturas de personalidade e toda a formao grupal neste estgio, no podem ser usadas como um modelo experimental com a ajuda do qual possam ser feitas ou verificadas, sequer em carter provisrio, afirmaes universais sobre as estruturas de personalidade humanas, as formas sociais ou a relao entre indivduo e sociedade. P. 143.A decepo coletiva com o fato de se haver frustrado to visivelmente a confiana nos ideais antes associados s ideias de progresso e desenvolvimento social produziu certa cegueira em relao ao fato de elas no se referirem realmente a ideais obsoletos e decepcionantes, mas a simples fatos comprovveis. P. 145.Tambm os socilogos se juntaram ao coro da decepo. Em vez de se empenharem em desenvolver uma teoria do desenvolvimento social baseada em fatos, no distorcida por ideais e esperanas frustrados, a maioria deles, salvo algumas excees pouco entusiastas, simplesmente expulsou o desenvolvimento das sociedades humanas de suas teorias sociais. Eles recaram em teorias estticas, fundadas no pressuposto tcito de que somente seria possvel construir teorias universais da sociedade humana com base em observaes de nossa prpria sociedade, aqui e agora. P. 145.Tambm a relao entre individuo e sociedade tudo menos imvel. (...) A mudana que nos interessa aqui uma mudana estruturada numa de duas direes opostas. exatamente isso o que se procura transmitir com um uso do conceito de desenvolvimento social orientado pelos fatos. A questo de saber se as pessoas se tornam mais felizes no decorrer dessa mudana no est em discusso aqui. Estamos interessados em compreender a mudana em si, sua direo e, talvez mais tarde, at mesmo suas causas. P. 145.Essas diferenas podem ser encontradas em nossa prpria poca, ao compararmos a relao entre individuo e sociedade nas sociedades mais desenvolvidas com a que se encontra nas menos desenvolvidas. P. 146.

A tarefa que esse nvel de integrao impe aos seres humanos em busca de orientao consiste em descobrir a ordem da mudana no correr do tempo, a ordem dos eventos sucessivos, e em buscar conceitos com os quais as pessoas possam comunicar-se acerca dos aspectos individuais dessa ordem. P. 144.O desconhecimento desse tipo de diferena um grave obstculo para os pases menos desenvolvidos em seus esforos de ascender ao nvel dos mais desenvolvidos. A necessidade dessa ascenso e sua emergncia cada vez mais clara como necessidade costuma ser expressa por lemas como modernizao. Isso direciona a ateno para o desenvolvimento no sentido do progresso tcnico ou econmico, da introduo de mquinas ou de mudanas na organizao econmica que prometam um aumento da produo nacional. Menor ateno d-se, em geral, ao fato de que, no curso desse processo de desenvolvimento, toda a posio do indivduo em sua sociedade, e portanto as estruturas de personalidade dos indivduos e de suas relaes mtuas, se modificam de maneira especfica. P. 147.Nos pases comparativamente menos desenvolvidos, a relao de cada pessoa com a famlia, a comunidade e o Estado costuma ser especificamente diferente da relao correspondente nos pases mais desenvolvidos. Nos primeiros, o ser humano singular , de hbito, mais estreitamente ligado famlia que, nesse caso, geralmente tem a forma de uma famlia ampliada e aldeia ou cidade natal do que nos ltimos. Em muitos desses pases menos desenvolvidos, embora certamente no em todos, o Estado representa um nvel de integrao relativamente novo. P. 147.Se considerarmos a relao entre a identidade-eu e a identidade-ns, poderemos dizer que em todos os pases, tanto mais quanto menos desenvolvidos, as duas esto presentes, mas nos primeiros mais forte a nfase na identidade-eu, enquanto nos ltimos ela recai sobre a identidade-ns pr-nacional, seja ela a famlia, a aldeia nativa ou a tribo. P. 147.A mudana da identidade-ns que ocorre durante a transio de um estgio de desenvolvimento para outro tambm pode ser elucidada em termos de um conflito de lealdades. A formao tradicional da conscincia moral, o ethos tradicional de apego antiga unidade de sobrevivncia, representada pela famlia ou pelo cl em suma, o grupo mais estreito ou mais amplo de parentesco , determina que um membro mais abastado no dever negar nem mesmo aos parentes distantes uma certa medida de ajuda, caso eles a solicitem. Assim, fica difcil para as altas autoridades de uma nao recm-independente recusar apoio a seus parentes quando eles tentam conseguir um dos cobiados cargos estatais, mesmo subalternos. Considerada em termos da tica e da conscincia das naes mais desenvolvidas, essa nomeao de parentes no preenchimento de cargos estatais uma forma de corrupo. Em termos da conscincia moral pr-nacional, ela constitui um dever e, uma vez que todos a praticam na luta tribal tradicional pelo poder e pelo status, uma necessidade. Na transio para um novo nvel de integrao, portanto, h conflitos de lealdade e conscincia que so, ao mesmo tempo, conflitos de identidade pessoal. P. 148.Mas, em relao ao cidado individualmente considerado, o Estado tem uma funo dupla muito peculiar que, primeira vista, parece contraditria. Por um lado, ele elimina as diferenas entre as pessoas. Nos registros e rgos estatais, o indivduo basicamente despojado de sua personalidade caracterstica. (...) Mas, embora o aparelho de Estado assim introduza o indivduo numa rede de normas que basicamente idntica para todos os cidados, a moderna organizao estatal no se relaciona com as pessoas como irms ou tios, como membros de um grupo familiar ou de uma das outras formas pr-nacionais de integrao, e sim com as pessoas como indivduos. No estgio atual e mais recente de desenvolvimento, o processo de formao das naes d sua prpria contribuio para um novo avano da individualizao em massa. P. 150.Mas a extenso e o padro dessa individualizao diferem amplamente, conforme a estrutura da nao e, em especial, a distribuio do poder entre governo e governados, aparelho de Estado e cidados. P. 150.(...) cada pessoa singular, por mais diferente que seja de todas as demais, tem uma composio cientfica que compartilha com outros membros de sua sociedade. Esse habitus, a composio social dos indivduos, como que constitui o solo de que brotam as caractersticas pessoais mediante as quais um indivduo difere dos outros membros de sua sociedade. Dessa maneira, alguma coisa brota da linguagem comum que o indivduo compartilha com outros e que , certamente, um componente do habitus social um estilo mais ou menos individual, algo que poderia ser chamado de grafia individual inconfundvel que brota da escrita social. P. 150. do nmero de planos interligados de sua sociedade que depende o nmero de camadas entrelaadas no habitus social de uma pessoa. Entre elas, uma certa camada costuma ter especial proeminncia. Trata-se da camada caracterstica da filiao a determinado grupo social de sobrevivncia, como por exemplo uma tribo ou uma nao. P. 151.No h identidade-eu sem identidade-ns. Tudo o que varia a ponderao dos termos na balana eu-ns, o padro da relao eu-ns. P. 152.(...) o conceito de identidade humana est relacionado com um processo. (...) primeira vista, as afirmaes-eu e as afirmaes-ns talvez paream ter um carter esttico. Eu, diria algum, sou sempre a mesma pessoa. Mas isso no verdade. P. 152.O conceito de desenvolvimento referiu-se, de incio, a aspectos muito tangveis da prxis social, num nvel inferior de sntese. As necessidades especficas da compreenso humana levaram elaborao ulterior do conceito de desenvolvimento como smbolo de processos que atuam em determinada direo, tais como o processo de crescimento ou a mudana da humanidade em determinado sentido. P. 152.O processo de desenvolvimento e sua representao simblica, o processo como tal e como objeto da experincia individual, so igualmente entrelaados e inseparveis. Como exemplo do processo em si, poderamos apontar inicialmente para o fato de que cada fase posterior do processo de desenvolvimento atravessada por um indivduo pressupe uma sequencia contnua dos estgios precedentes. P. 152.No caso do ser humano, a continuidade da sequencia processual como elemento da identidade-eu est entrelaada, em maior grau do que em qualquer outra criatura viva, com outro elemento da identidade-eu: a continuidade da memria. P. 154.A imensa capacidade de preservao seletiva das experincias, em todas as idades, um dos fatores que desempenham papel decisivo na individualizao das pessoas. Quanto maior a margem de diferenciao nas experincias gravadas na memria dos indivduos no curso do desenvolvimento social, maior a probabilidade de individualizao. P. 154.A identidade-eu das pessoas depende, em imensa medida, de elas estarem cientes de si como organismos ou, em outras palavras, como unidades biolgicas altamente organizadas. Graas a uma peculiaridade de sua organizao corporal, as pessoas tm condio de se distanciarem de si enquanto organizao fsica ao se observarem e pensarem a seu prprio respeito. Em virtude dessa peculiaridade de sua organizao fsica, que lhes permite perceberem-se como imagens espao-temporais entre outras imagens similares, como pessoas corporalmente existentes em meio a outras pessoas semelhantes, elas esto aptas a caracterizar sua posio, dentre outras maneiras, mediante o uso do smbolo eu e a caracterizar a posio das outras atravs de smbolos como voc, ele ou eles. P. 154.Natureza x sociedade. A prevalncia do discurso das cincias naturais no que diz respeito ao organismo humano. A preponderncia da perspectiva que analisa o ser humano enquanto corpo real, organismo complexo e de funcionamento autnomo repele a perspectiva que o compreende enquanto ser social. A sociedade, a vida em comunidade, os relacionamentos no so efetivamente reais. Elias entende que com a limitao de no conhecermos o processo de diferenciao dos seres humanos no que tange ao seu organismo e a sua forma de se individualizar atravs da singularidade dos rostos, devemos reconhecer sim o resultado dessa diferenciao e lidar com eles de forma a compreendermos melhor a relao entre indivduo e sociedade. Deve bastar-nos assinalar, em algumas frases, que dois outros traos singulares dos seres humanos esto estreitamente ligados a esse predomnio da comunicao atravs dos smbolos. Esses traos no so geneticamente fixos, embora se baseiem numa predisposio geneticamente determinada. Os dois traos que tenho em mente so, em primeiro lugar, a capacidade de transmitir um registro simblico do conhecimento social de uma gerao para outra, sendo esse conhecimento mutvel e, portanto, passvel de crescimento; e, em segundo lugar, a inexistncia de uma forma de socializao biologicamente determinada, isto , especfica da espcie, ou ainda, dito em termos positivos, a presena de uma forma de vida comunitria que pode ser modificada juntamente com os processos de aprendizagem e que, portanto, passvel de desenvolvimento. P. 160.Somente por conviverem com outras que as pessoas podem perceber-se como indivduos diferentes dos demais. E essa percepo de si como pessoa distinta das outras inseparvel da conscincia de tambm se ser percebido pelos outros, no apenas como algum semelhante a eles, mas, em alguns aspectos, como diferente de todos os demais. P. 160.Numa sociedade em que a participao num grupo amide hereditria tinha importncia decisiva para a posio e as perspectivas do individuo, as pessoas sem grupo tinham menor margem de ascenso social. Os humanistas foram um dos primeiros grupos de pessoas a quem as realizaes e os traos de carter pessoais deram oportunidade de galgar posies sociais respeitadas, especialmente como funcionrios estatais e municipais. O deslocamento para a individualizao que eles representaram constituiu, sem dvida, um sinal de mudana na estrutura social. P. 162.O cogito cartesiano, com sua nfase no eu, foi tambm um sinal dessa mudana na posio da pessoa singular na sociedade. Enquanto pensava, Descartes podia esquecer todas as relaes-ns de sua pessoa. (...) o pensador isolado percebeu-se ou, mais exatamente, percebeu seu pensamento, sua razo como a nica coisa real e indubitvel. Tudo o mais podia muito bem ser uma iluso arquitetada pelo demnio, mas no isso, no sua existncia como pensador. P. 162.Obviamente, a experincia subjacente ideia do eu desprovido do ns o conflito entre, de um lado, a necessidade humana natural de afirmao afetiva da pessoa por parte dos outros e dos outros por parte dela e, de outro, o medo da satisfao dessa necessidade e uma resistncia a ela. A necessidade de amar e ser amado , em certa medida, a mais vigorosa condensao desse anseio humano natural. P. 165.Seja qual for a forma que assuma, porm, essa necessidade emocional de companhia humana, o dar e receber das relaes afetivas com outras pessoas, uma das condies fundamentais da existncia humana. P. 165.A questo se o desenvolvimento da humanidade, ou a forma global de vida comunitria humana, j chegou ou poder algum dia chegar a um estgio em que prevalea um equilbrio mais estvel da balana ns-eu. P. 165.A utilidade do conceito de uma balana ns-eu como instrumento de observao e reflexo talvez possa ser ampliada se prestarmos alguma ateno a esse aspecto multiestratificado dos conceitos-ns. Ele se equipara pluralidade dos planos interligados de integrao que caracterizam a sociedade humana em seu atual estgio de desenvolvimento. P. 166.Logo se v que a intensidade da identificao varia amplamente, conforme esses diferentes planos de integrao. O envolvimento ou compromisso expresso pelo emprego do pronome ns costuma ser mais forte, provavelmente, no tocante famlia, ao domiclio ou regio natal e afiliao a um pas. P. 166.A funo do plano mais elevado de integrao a humanidade como foco de identidade-ns humana talvez esteja crescendo. Mas provavelmente no haver exagero em dizer que, para a maioria das pessoas, a humanidade como referencial da identidade-ns uma rea em branco em seus mapas afetivos. P. 166.Nos estgios anteriores do desenvolvimento social, a relao com o que agora chamamos famlia, isto , com a associao maior ou menor de parentes, era completamente inevitvel para a maioria dos indivduos. P. 166.A mudana decisiva ocorrida na identidade-ns e na correspondente orientao emocional para a famlia deveu-se, em grande parte, ao fato de esta j no ser inevitvel como grupo-ns. A partir de certa idade, comum o indivduo afastar-se da famlia sem perder suas probabilidades de sobrevivncia fsica ou social. P. 166.Essa maior frequncia de relaes no-permanentes ou, pelo menos, potencialmente mutveis entre os indivduos , poder-se-ia dizer, uma das caractersticas estruturais das modernas sociedades nacionais, consideradas em termos mais genricos, nas quais o avano da individualizao ligado a sua ascenso desempenhou papel influente. P. 166.Agora o individuo tem que contar muito mais consigo mesmo ao decidir sobre a forma dos relacionamentos e sobre sua continuao ou trmino. Ao lado da permanncia reduzida, surgiu uma permutabilidade maior dos relacionamentos, uma forma peculiar de habitus social. Essa estrutura de relaes requer do indivduo maior circunspeco, formas de autocontrole mais conscientes e menor espontaneidade dos atos e do discurso no estabelecimento e na administrao das relaes. P. 167.Mas essa conformao social das relaes humanas no extinguiu a necessidade humana fundamental de um impulso de afeio e espontaneidade nos relacionamentos com os outros. P. 167.A avanada diferenciao social, caminhando pari passu com uma diferenciao igualmente avanada entre as pessoas, ou individualizao, traz consigo uma grande diversidade e variabilidade das relaes pessoais. Dentre suas variaes, uma que ocorre com frequncia marcada pelo j mencionado conflito bsico do eu desprovido do ns: um anseio de calor afetivo, de ter afirmada a afeio dos outros e pelos outros, aliado a uma incapacidade de proporcionar afeio espontnea. Nesses casos, o hbito de circunspeco no estabelecimento das relaes no sufoca o desejo de dar e receber calor afetivo e o desejo de compromisso nas relaes com os outros, mas sufoca a capacidade de d-los e recebe-los. P. 167.O plano de integrao do Estado, mais que qualquer outra camada da identidade-ns, tem a funo, na conscincia da maioria dos membros, de unidade de sobrevivncia, de unidade de proteo da qual depende sua segurana fsica e social nos conflitos entre grupos humanos e nos casos de catstrofes fsicas. P. 170.A natureza especificamente bifacial do credo nacional deriva, entre outras coisas, do fato de a funo do Estado como unidade de sobrevivncia, como avalista da segurana de seus membros, combinar-se com a exigncia de que estes se disponham a renunciar a sua prpria vida caso o governo o julgue necessrio para a segurana de toda a nao. P. 170.Alm disso, a dupla funo dos Estados nacionais contemporneos como unidades de sobrevivncia e unidades potenciais ou efetivas de aniquilao expressa-se em peculiaridades do habitus social dos indivduos que os compem. P. 171. comum constatar-se que as pessoas tentam superar a contradio entre sua autopercepo como um eu desprovido de um ns, como indivduos totalmente isolados, e seu engajamento no grupo-ns da nao mediante uma estratgia de encapsulao. P. 171.Olhando mais de perto, constata-se que os traos da identidade grupal nacional aquilo a que chamamos carter nacional constituem uma camada do habitus social engastada muito profunda e firmemente na estrutura de personalidade do indivduo. P. 171.O habitus social, e portanto a camada desse habitus que constitui o carter nacional, certamente no um enigma. Como formao social, ela , semelhana da lngua, slida e firme, mas tambm flexvel e est longe de ser imutvel. A rigor, est sempre em fluxo. P. 171.Toda essa rea ainda carece de uma teoria social factual e prtica que nos permita compreender essas questes e, desse modo, nos ajude a superar a ideia de uma existncia separada do indivduo e da sociedade. P. 171.Essa constelao, a preservao da identidade-ns tradicional em reservas semelhantes a museus, uma das consequncias possveis do efeito de trava. Alguns fragmentos do habitus e dos costumes tradicionais sobrevivem, nem que seja apenas como atraes tursticas. Mas a forma social que dava funo social a esse habitus e a esses costumes, particularmente a vida dos guerreiros e caadores, desaparece com a insero da tribo num grande Estado nacional. P. 173.A dinmica do processo social no-planejado, que impele as tribos a se congregarem na unidade integradora mais ampla do Estado, quase inevitvel. Mas o habitus social das pessoas, na maioria dos casos, ajusta-se de maneira igualmente inevitvel integrao e identidade-ns sob a forma da tribo. P. 174.Como fase de um processo social no-planejado, o atual movimento no sentido da integrao poderoso demais para ser contido por muito tempo por unidades sociais especficas, menos ainda por indivduos. Mas no nvel tribal (como no nvel dos Estados nacionais) ele traz em si conflitos especficos. Eles no ocorrem por acaso. Fazem parte da estrutura do processo inteiro. Esses conflitos processuais vinculam-se, em parte, mudana da estrutura social de personalidade de cada um dos membros dos grupos, mudana esta que imposta pela mudana de um nvel de integrao para outro por exemplo, do nvel tribal para o nacional. Alguns conflitos desse tipo tem que ser travados entre o individuo e ele mesmo. P. 174.Mas sempre indicam que, comparado mudana relativamente rpida do movimento de integrao, o ritmo da mudana correspondente no habitus social dos indivduos em questo extraordinariamente lento. A estrutura social de personalidade dos indivduos, inclusive as imagens do eu e do ns, relativamente duradoura. P. 174.A presso dominante que agora impele as pessoas para a integrao estatal costuma deixar s unidades pr-nacionais (...) apenas uma alternativa, a de preservarem sua identidade como uma espcie de pea de useu, um bolso estagnado na periferia de uma humanidade em rpido desenvolvimento, ou renunciarem a uma parcela de sua identidade e, portanto, ao habitus social tradicional e seus membros. Isso pode acontecer atravs da integrao destes numa unidade preexistente, no nvel de um estado nacional ou continental, ou de sua combinao com outras tribos numa nova nao. Em alguns casos especiais, contudo, h uma terceira alternativa: a encapsulao de uma sociedade pr-estatal mais antiga numa grande sociedade estatal, to poderosa e autoconfiante que possa tolerar em seu meio, encapsuladas, essas sociedades anteriores. P. 176.Alguns representantes de sociedades pr-estatais que sobrevivem inseridas numa sociedade estatal, preservando ao mesmo tempo boa parte de sua forma pr-estatal, conseguem faz-lo por serem capazes de desempenhar certas funes no interior da sociedade estatal dominante. P. 176.O que essas observaes e reflexes trazem luz que a identidade-ns e a identidade-eu dos indivduos no so nem to evidentes nem to imutveis quanto pode parecer primeira vista, antes de esses problemas serem introduzidos no campo da investigao sociolgica terica e emprica. P. 177.