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FORMAÇÃO INICIAL DE EDUCADORES: RELAÇÃO TEORIA-
PRÁTICA E SUAS INTERFACES FORMATIVAS
As pesquisas deste painel tratam dos processos didáticos na formação inicial de
educadores, evidenciando as perspectivas formativas que se entrelaçam em três cursos
distintos de licenciatura (Pedagogia (UFJF); Letras – Língua Portuguesa e Literaturas
(UNEB/DEDC-X) e Educação do Campo (UnB)). Objetiva-se problematizar os
processos didáticos circunscritos no âmbito da formação inicial de educadores, com
vistas ao debate sobre a relação teoria-prática aí estabelecida. O primeiro discute os
significados construídos pelo futuro docente no aprendizado com e sobre as tecnologias
digitais no interior da disciplina Tecnologia da Informação e Comunicação (TICE) do
curso de Pedagogia da FACED/UFJF. O estudo problematiza a articulação dos
estudantes sobre o vivido na disciplina com a sua futura prática pedagógica. O segundo,
discute a formação de professores com ênfase na educação inclusiva, investigando as
dimensões da prática pedagógica dos professores em formação. A pesquisa aponta para
a necessidade da formação de professores para a educação especial, na perspectiva de
conhecer os sentidos da atuação docente na escola regular com vistas a enfrentar os
desafios da alteridade na formação de professores. O terceiro focaliza reflexões sobre os
processos formativos da Educação Superior no curso de Licenciatura em Educação do
Campo da UnB – LedoC, cujo objetivo foi discutir as proposições formativas oriundas
da alternância de tempos educativos com vistas à ampliação do debate sobre as
implicações desta organização do trabalho pedagógico, na universidade, para a
formação de educadores e o exercício da docência na Escola do Campo. As conclusões
deste painel sinalizam os desafios da formação de professores nos cursos de
Licenciatura em busca da articulação teoria e prática em diferentes processos
formativos, seja com as tecnologias digitais, na educação inclusiva e na alternância de
processos educativos.
Palavras-Chave: Formação De Educadores, Processos Didáticos, Práxis
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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FORMAÇÃO DE EDUCADORES PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL E
INCLUSIVA: SABERES NECESSÁRIOS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO
Guilhermina Elisa Bessa da Costa Universidade do Estado da Bahia
UNEB/CAMPUS X
RESUMO
Nesta pesquisa teve-se como proposito estudar a formação de professores para a
educação especial com ênfase na educação inclusiva, investigando as dimensões da
prática pedagógica dos professores em formação.. Tendo em vista as mudanças
tecnológicas e os avanços que ocorrem cotidianamente em nossa sociedade, a inclusão
necessita ser considerada na contemporaneidade como elemento basilar da prática
pedagógica. Sendo assim, surge a necessidade de se compreender a relação entre
educação, inclusão social e didática, e seus pressupostos teóricos-metodológicos. Os
pressupostos teóricos norteadores dessa pesquisa estão pautados nos estudos de Cunha,
Soares e Ribeiro (2009), Demo (2009), Mantoan (1998), Masetto (2013), Pimenta e
Anastasiou (2005), Soares (2012), Stainback (1999), Tardif (2002) dentre outros. Com
o objetivo de relatar a experiência de pesquisa vivenciada no componente curricular:
Aspectos sociopsicológicos da Educação Especial, do curso de Letras - Língua
Portuguesa e suas Literaturas, da Universidade do Estado da Bahia/ Campus X. Na
metodologia foi utilizada o estudo de caso. Os resultados da pesquisa apontam para a
necessidade da formação de professores para a educação especial, na perspectiva de
conhecer os sentidos da atuação docente na escola regular. Conclui-se este trabalho,
sintetizando a necessidade da aproximação dos conhecimentos teóricos com as teorias e
prática da sala de aula., estabelecendo uma interlocução constante entre os conteúdos e
as estratégias de ensino, bem como na relação entre os educadores e educandos
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de forma significativa, numa
perspectiva de educação crítica, criativa e inclusiva, com vistas a enfrentar os desafios
da alteridade na contemporaneidade.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores. Prática pedagógica e educação
especial e educação inclusiva
A instituição escolar possui, entre outras funções, a grande missão de promover
o processo de aprendizagem no que diz respeito aos mais diversos saberes e valores,
propiciando o desenvolvendo das habilidades de raciocino lógico, solução de
problemas, apropriação de conhecimentos vitais ao indivíduo e a coletividade, na
perspectiva de preparar o sujeito para o futuro, promovendo a sua interação com o meio.
No entanto, devido a vários fatores que estão presentes de forma explícita ou
implícita no contexto escolar, como: distúrbios de aprendizagem; problemas
socioculturais; obstáculos epistemológicos; epistêmicos ou funcionais; necessidades
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educacionais especiais; falta de mediação, entre outros, alguns sujeitos desse processo
ainda precisam ser incluídos no âmbito escolar, com um ser integral: social, afetivo,
psicomotor, emocional, enfim um ser capaz de aprender.
As dificuldades de aprendizagem têm sido durante muito tempo uma das grandes
preocupações da escola, tendo em vista que o processo de aprendizagem ocorre em cada
sujeito de maneira singular, a partir da interação individual e social do sujeito.
Atualmente, volta-se para uma realidade tipicamente educacional, que são certos
fenômenos relativos à não-aprendizagem, que ocorrem dentro do âmbito familiar,
escolar e comunitário, que podem e devem ser remediáveis e prevenidos.
Essa temática necessita ser inserida na pauta das discussões educacionais e faz
parte do currículo de alguns cursos de graduação, como, por exemplo, a disciplina
Aspectos Sóciopsicológicos da Educação Especial, que faz parte do projeto do curso de
Letras –Língua Portuguesa e suas Literaturas do Departamento de Educação do Campus
X. Este trabalho tem como objetivo estudar a formação de professores para a educação
especial com ênfase na educação inclusiva, investigando as dimensões da prática
pedagógica dos professores em formação, em uma relação dialógica entre ensino e
pesquisa, na perspectiva de concatenar teoria e prática na formação inicial de
educadores.
No decorrer do semestre foram desenvolvidas atividades de pesquisa
bibliográfica e pesquisa de campo, atreladas às atividades de elaboração do seminário
temático e da elaboração e exposição de recursos didáticos, incluindo jogos
pedagógicos, por compreender que na atuação como docente universitário é necessário
apresentar estratégias que possibilitem uma interação entre estudantes, uma interlocução
entre os conteúdos teóricos e práticos, de forma crítica e inovadora, possibilitando
novos olhares e novas possibilidades de atuação com crianças com necessidades
educacionais especiais, as quais necessitam de um olhar atencioso por parte do
educador, evitando os estereótipos que circundam a sala de aula. Dessa maneira, vai se
propiciando novas descobertas, abrindo-se novas possibilidades de aprender com o
outro, respeitando-se a diversidade existente dentro e fora do âmbito escolar, numa
perspectiva de construção do conhecimento que deve ser uma constante em nossas
relações.
Como pressupostos teóricos na área das práticas pedagógicas, destacam-se as
pesquisas de DEMO (2009); CASTANHO (2005); CUNHA, SOARES E RIBEIRO
(2009); SOARES (2012); PIMENTA E ANASTASIOU (2005); TARDIF (2002).
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Dentre os estudos realizados, enfatizamos a contribuição de Soares (2012), quando
ressalta que,
As belas teorias não conseguem fazer sentido para os estudantes se elas
não são praticadas no próprio processo de sua aprendizagem. Sem a
possibilidade de experimentar, de elaborar não acontece aprendizagem
significativa. Vale lembrar que, para Vigotsky (1987), o
desenvolvimento cognitivo não pode ser entendido sem referência ao
contexto social, histórico e cultural em que ocorre. Para ele, os
processos mentais superiores (pensamento, linguagem, comportamento
voluntário), têm origem em processos sociais, o desenvolvimento
cognitivo é a conversão de relações sociais em funções mentais.
Os estudos teóricos que embasam a prática pedagógica foram fundamentais para
compreender com mais clareza e profundidade como devem ser enfrentados os dilemas
da docência, por se tratar especialmente de um curso de formação de professores, os
quais lidam cotidianamente com os saberes da docência que necessita ser ressignificada
e por esse motivo devemos estar atentos a todos os aspectos que envolvem o fazer
pedagógico, perpassando o social, o histórico, o cognitivo e o cultural na perspectiva de
compreender os múltiplos cenários da diversidade na formação humana.
Bases legais para a educação inclusiva: tensões e proposições
A educação inclusiva é uma proposta de aplicação prática ao campo da educação
em um movimento mundial, denominado inclusão social, proposto como um novo
paradigma, que implica a construção de um processo bilateral no qual as pessoas
excluídas e a sociedade buscam, em parceria, efetivar a equiparação de oportunidade
para todos, a começar pelo direito de aprender, de frequentar uma escola, de ser aceito e
acolhido. O movimento pela inclusão está atrelado à construção de uma sociedade
democrática em que todos, sem distinção da raça, credo ou limitações, tenham seus
direitos garantidos e possam exercer sua cidadania em plenitude.
A Constituição Federal estabelece o direito das pessoas com necessidades
especiais receberem educação, preferencialmente na rede regular de ensino (inciso III
do artigo 208) visando a plena integração dessas pessoas em todas as áreas da sociedade
e o direito à educação comum a todas elas, através de uma educação inclusiva, em
escola de ensino regular, como forma de assegurar o mais plenamente possível o direito
de integração na sociedade. No entanto, a legislação determina ressalvas quando se
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tratar de casos de excepcionalidade em que as necessidades do educando exigem outro
tipo de atendimento.
A discussão sobre o movimento da inclusão vem ocorrendo no Brasil há mais de
uma década, todavia, ainda existe uma grande parte dos estudantes fora da escola, ou
dentro da escola sem estar incluído. As leis e declarações que fundamentam o
movimento de inclusão não bastam para que esta seja efetivada. Importantes
documentos internacionais afirmam e fundamentam a prática da educação inclusiva,
como por exemplo, os resultados da Conferência Mundial de Educação para Todos em
Jomtien, Tailândia (1990) e da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais
Especiais: acesso e qualidade, na Espanha, em 1994, quando foi elaborada a Declaração
de Salamanca. Mas, no cotidiano das escolas, verifica-se ainda uma discrepância entre
o que diz a lei e o que é efetivamente realizado na prática.
Uma das barreiras quer se constitui para efetivar a inclusão no contexto escolar,
está na atuação dos educadores, para que promova ações efetivas para a diminuição da
exclusão escolar. Mas vale ressaltar que a preparação para o processo de inclusão
necessita se estender para todos os profissionais que atuam no âmbito escolar e não
apenas aos educadores e educadoras.
É importante enfatizar a necessidade da reformulação dos cursos de graduação,
na perspectiva de adequar-se às diretrizes nacionais, ao plano nacional de educação e a
LDB nº 9394/96. A análise Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, vigente,
traz seu bojo a ênfase na Universalização do ensino, igualdade de acesso e permanência
na escola, com gestão democrática.
Mantoan (1997, p.145) ressalta que,
A noção de inclusão não é incompatível com a integração, porém
institui a inserção de uma forma mais radical, completa e sistemática.
(...) A inclusão causa uma mudança de perspectiva educacional, pois
não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam dificuldades
na escola, mas apoia a todos: professores, alunos, pessoal
administrativo, para que obtenham sucesso na corrente educativa
geral.
Não basta universalizar o ensino, não basta igualdade de acesso. É necessário
também que o educando tenha condições propícias para permanecer na escola, com
qualidade, autonomia, responsabilidade e acima de tudo que o mesmo se sinta partícipe
de todo o processo educativo e inserido em todas as atividades propostas pela instituição
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escolar em todos os aspectos, vislumbrando diferentes possibilidades de
desenvolvimento. Tendo em vista que,
Ao falarmos de processo de aprendizagem, queremos nos referir a um
processo de crescimento e desenvolvimento de uma pessoa em sua
totalidade, abarcando minimamente quatro grandes áreas: a do
conhecimento, a do afetivo-emocional, a de habilidades e a de atitudes
ou valores. (MASETTO, 2003)
Assim, é relevante discutir, debater e aprofundar essa temática na docência
universitária, tendo em vista a urgência em possibilitar novos conhecimentos na área de
educação especial e educação inclusiva na capacitação dos profissionais da educação,
aos que já atuam e aos que estão em processo de formação.
A escola inclusiva deve ser feita por todos os membros da escola e comunidade.
A adaptação do aluno com necessidades especiais, com distúrbios de aprendizagem,
com diferenças étnicas, sociais, religiosas, precisa acontecer naturalmente. Ele deve ser
tratado como qualquer outra criança da escola. Seu direito a escolarização deve ser o
mais próximo possível do normal. O principal objetivo é a sua integração com a
comunidade.
É condição sine qua non que todos os atores sociais estejam preparados para
viver uma educação inclusiva e de qualidade, principalmente o educador. É necessário
ter suporte e capacitação necessária para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra
de forma harmônica e adequada, estabelecendo parcerias constantes com os pais e com
a comunidade, e acima de tudo acreditando que o movimento da inclusão social é
necessário, urgente e possível.
Stainback (1999) esclarece que:
em geral, os locais segregados, são prejudiciais pois alienam os
alunos. Os alunos com deficiência recebem afinal, pouca educação útil
para a vida real, e os alunos sem deficiência experimentam
fundamentalmente uma educação que valoriza pouco a diversidade, a
cooperação e o respeito por aqueles que são diferentes. Em contraste,
o ensino inclusivo proporciona às pessoas com deficiência a
oportunidade de adquirir habilidades para o trabalho e para a vida em
comunidade. Os alunos aprendem como atuar e interagir com seus
pares, no mundo „real‟. Igualmente importante, seus pares e
professores também aprendem como agir e interagir com eles.
(STAINBACK, 1999, p. 25).
A Universidade tem uma função fundamental no sentido de contribuir para a
formação de um profissional que, para atuar no mercado de trabalho tenha visão ampla
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da realidade e possa concatenar teoria e prática, organizando debates, seminários, mesa-
redonda, grupos de estudo para debater a temática da inclusão social e buscando
propostas efetivas de articulação entre a Universidade, escolas municipais e estaduais e
a comunidade. Os conhecimentos teóricos preconizados no mundo acadêmico no
decorrer de um curso de licenciatura necessitam ser ampliado através da formação
continuada e com novas experiências de atuação profissional, tendo em vista as
mudanças paradigmáticas que se tem enfrentado na contemporaneidade.
Caminhos da docência na formação inicial: desvelando diferentes olhares e saberes
A pesquisa relata um percurso formativo o qual ocorreu no semestre letivo
2015.1 no curso de Letras - Língua Portuguesa e suas Literaturas no componente
curricular: Aspectos Sociopsicológicos da Educação Especial, no Departamento de
Educação – Campus X da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, cuja ementa
prevê: discutir a Educação Especial, nos seus aspectos sócio psicológicos, orientando o
profissional de Letras para trabalhar com a integração e a inclusão do indivíduo que
apresenta necessidades especiais.
Para atingir os objetivos propostos pela disciplina e para propiciar uma
aprendizagem significativa, foram utilizadas estratégias diversificadas como: dinâmicas
de grupo: integração, reflexão e sistematização de conteúdos; exposição dialogada (aula
expositiva e dialogada); leitura individuais e em grupo de textos e produção textual;
pesquisa bibliográfica, estudo dirigido em grupo/ individuais; projeção e análise de
filmes relacionados a temática em estudo; socialização de textos e debates; seminário
temático com os principais temas abordados nas aulas; elaboração de jogos pedagógicos
para intervenção com crianças com necessidades educacionais especiais; visita à
Associação Pestalozzi de Teixeira de Freitas, instituição educativa para educandos com
necessidades educacionais especiais; encerrando com a elaboração de um relatório da
experiência/ pesquisa de campo.
Os seminários temáticos também se constituíram em um momento de
aprendizagem para a disciplina. Cada grupo apresentou os aspectos gerais das principais
deficiências identificadas nas salas de aula e nos períodos de estágio, bem como as
principais dificuldades de aprendizagem da área de leitura e escrita. Para esses
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seminários foi realizada uma divulgação no Campus X através de folders e cartazes e
houve a participação de outros estudantes dos cursos de Licenciatura.
Para a realização dos Seminários, no primeiro momento, os grupos fizeram uma
pesquisa bibliográfica em livros, revistas e sites especializados na área de educação
especial e a posteriori realizaram pesquisas utilizando entrevistas com professores,
coordenadores pedagógicos, familiares e em associações que prestam atendimento a
estudantes com necessidades educacionais especiais. Inicialmente, no processo de
pesquisa, foi realizada uma entrevista pela docente (com o consentimento da família,
com a presença de toda a turma), para que os estudantes tivessem a dimensão de como
deveria ocorrer a entrevista, do ponto de vista da metodologia científica e do ponto de
vista da ética. Demo (2009, p.78), o qual ressalta que “para o aluno aprender, tem de
pesquisar, principalmente, para se formar de maneira adequada; pesquisa não se reduz a
conhecimento de ponta, mas é antes de tudo, ambiente de aprendizagem”.
Assim, o ensino com pesquisa é aquele em que a aprendizagem somente se
realiza caso o aluno seja um sujeito investigador com a ajuda do professor
(CASTANHO, 2005) e propicia a articulação entre teoria e prática nas ações formativas
docentes. Conforme esse autor (Idem p, 88) “O ensino com pesquisa leva o aluno à
aquisição dos processos e procedimentos de produção de conhecimentos, e não apenas
aos produtos dessa processual idade”.
A experiência com a pesquisa na área de Educação Especial foi um desafio para
os estudantes e também para a educadora, pois exigiu uma série de elementos para que
houvesse uma compreensão mais clara da realidade e principalmente para ressignificar
o fazer pedagógico. Nesse sentido destaco a fala de algumas estudantes:
Fiquei apreensiva no início da pesquisa, apesar de ter lido os textos
sugeridos em sala. Na hora de realizar a pesquisa gerou uma certa
insegurança, mas o bom que depois percebi que daria conta, e é
importante deixar fluir. Deixar o outro falar e desenvolver a
habilidade da escuta. É um processo de aprendizagem também para
nós. (Estudante A)
O depoimento da estudante nos provoca para a nossa responsabilidade de educar
na e para a pesquisa, e como nós educadores também aprendemos com essa prática, pois
a prática pedagógica inovadora requer abertura para novas formar de ensinar e aprender,
requer dialogicidade e mediação, estimulando a „ensinagem‟. Esse termo é utilizado por
Anastasiou (1998, p. 193) quando menciona uma situação em que o ensino concebe
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uma relação de troca contínua entre educando e educador, uma mediação do processo de
ensino-aprendizagem. Nesse sentido, destaco a relevância de uma mudança de
paradigma na minha forma de ensinar, possibilitando rever algumas concepções e
estratégias de atuação. Outra estudante salienta após a execução do seminário:
No início, achei que faltavam aulas mais expositivas, era muito texto
para ler. Quando fomos para a pesquisa e tivemos que produzir um
relatório para apresentar no Seminário, vi a dimensão do que tínhamos
estudado e só então percebi a minha responsabilidade de estar em uma
sala em contato com uma criança com algum tipo de deficiência. Mais
um desafio! (Estudante B)
Outro momento marcante foi a visita realizada na Associação Pestalozzi de
Teixeira de Freitas – Escola Nova Flor. Inicialmente, a coordenadora pedagógica da
escola, apresentou a Instituição através de projeções de slides, com a apresentação da
missão, objetivos e finalidades da instituição e depois conhecemos as instalações da
escola: salas de aula, campinho de areia, brinquedoteca, biblioteca, sala das aulas de
educação física, sala da direção, sala da coordenação pedagógica, pátio e refeitório.
Ao final da visita às instalações, foi promovido um momento de interação, entre
as estudantes de Letras e os estudantes da escola especial, no pátio, onde as estudantes
da UNEB fizeram a apresentação de uma peça teatral infantil. Para a integração, houve
um momento de lanche coletivo, possibilitando uma aproximação com as crianças e um
momento de afetividade e observação da realidade, proporcionando uma aprendizagem
significativa para os futuros docentes, principalmente no que tange ao respeito às
diferenças. Essa experiência gerou um impacto em algumas estudantes, uma delas
destacou que,
Foi a primeira vez que vim a uma Escola como a Pestalozzi. Não
imaginava que conseguiria interagir com uma criança especial.
Quando a professora propôs a atividade eu confesso que tive muito
receio, fique um pouco angustiada. Mas no dia que fomos a essa
escola Especial e uma criança olhou para mim como olhar mais
amoroso do mundo e sorriu, eu me desarmei...foi uma sensação
diferente, não sei explicar. Senti que sou posso aprender a lidar com as
crianças especiais. (Estudante C).
Percebi que a importância de integrar os conhecimentos teóricos com
a realidade da escola especial, pois lidar com crianças que apresentam
deficiência é um desafio. Essas atividades na escola especial, me fez
refletir sobre a educação fora do muro da universidade e como a troca
é necessária. (Estudante D)
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Percebemos no depoimento das estudantes a relevância da interlocução entre a
Universidade com a realidade do cotidiano escolar. Nesse sentido, destaca-se que “a
extensão acadêmica é um processo educativo que objetiva articular os diversos saberes,
em uma íntima relação da produção do conhecimento com a realidade social (JENIZE,
2004).
A abordagem teórica que defende a extensão como função acadêmica
na universidade, objetiva integrar ensino-pesquisa, e a que incorpora a
extensão universitária às práticas de ensino e pesquisa, partem da
crítica à extensão voltada para prestação de serviços em uma
perspectiva assistencialista [...]. (JENIZE, 2004, p. 01)
Essa experiência revela a importância do estudos e pesquisas voltadas para a
Educação especial nos cursos de licenciatura para esclarecer dúvidas, possibilitar
aprofundamento dos estudos e fomentar debates acerca de uma temática que precisa ser
estudado com mais profundidade, modificando a visão assistencialista que algumas
pessoas possuem no que se refere a Educação Especial. A universidade necessita cada
vez mais se articular com a educação básica e também com a Educação Especial. Nesse
sentido destacamos o comentário de outra estudante:
Até o primeiro contato com as crianças especiais, tinha uma visão
muito ingênua da realidade. Achava que iria ensinar algo, deixá-las
feliz com a apresentação que iríamos fazer, mas na verdade, confesso:
eu que saí daquela escola mais feliz. Eu posso aprender a lidar com as
crianças especiais. É claro que exige uma longa caminhada, que
requer desapego as velhas formas de ensinar. (Estudante E).
Percebemos com os depoimentos como as estratégias de aproximação da
universidade com outras realidades educacionais contribuem significativamente para a
formação do futuro profissional da educação. Digo isso, porque a maioria dos
estudantes dessa turma ainda não tinha experiência como docente. Nessa perspectiva,
percebemos que essa atividade possibilitou a aproximação dos estudantes do curso de
Letras com essa realidade. Portanto, uma atividade na qual o sujeito possa expressar-se
de maneira mais dialógica contribui sensivelmente na formação do pesquisador,
tomando como princípio o educar, na e pela pesquisa (DEMO, 2006).
Ao final desse processo formativo, foi realizado um relatório, com as impressões
e saberes obtidos pelos estudantes na perspectiva de avaliar o percurso didático. Além
dos conhecimentos teórico-práticos, foi perceptível que apesar da diversidade existente,
tanto na escola especial, quanto na escola regular, é possível que ocorra a aprendizagem,
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respeitando os limites de cada criança, adolescente, jovem ou adulto. Evidenciou-se que
é preciso propiciar uma didática que respeite as diferenças, pois muitas vezes o sistema
educacional almeja moldar os estudantes, como se todos fossem iguais, e essa não é a
nossa realidade, nem na escola especial e nem na escola regular. Ressaltamos ainda o
depoimento de uma estudante que revela que,
Essa disciplina me fez rever muitos conceitos, pois percebi a
importância de aprender esses conteúdos no curso de Letras,
pois no meu estágio me deparei com estudantes com dificuldade
de aprendizagem e não sabia o que fazer. Essa disciplina poderia
ser oferecida no período dos estágios. Depois essa experiência,
percebo a importância da educação especial. Por enquanto,
tenho noções básicas, preciso estudar muito e perceber que
precisamos respeitar o tempo de cada criança e os ritmos
diferentes de aprender. (Estudante F).
Esse depoimento nos remete a uma reflexão que “a educação é um processo de
humanização, que ocorre na sociedade humana com a finalidade explícita de tornar os
indivíduos participantes do processo civilizatório e responsáveis por levá-los adiante”
(PIMENTA, 2008, p. 45). Essa experiência proporcionou além do ensino com pesquisa,
uma aproximação com conteúdos e com uma realidade de humanização nas relações
educativas. Nesse sentido, destacamos que “os saberes profissionais são plurais,
compostos e heterogêneos, bastante diversificados, provenientes de fontes variadas,
provavelmente de natureza diferente” (TARDIF, 2002, p. 213)
Nessa perspectiva, é imprescindível enfatizar que os conteúdos estudados, bem
como as estratégias de ensino para serem utilizadas não se esgotaram ao final do
trabalho com o componente curricular, pois é necessário um aprofundamento teórico e
metodológico para além da sala de aula, através da busca constante de novos saberes e
investimento na formação continuada e em serviço, no intuito de acompanhar as
mudanças de paradigmas da nossa sociedade.
Algumas considerações finais: os desafios da prática pedagógica para a inclusão
Os desafios em relação à educação inclusiva exigem uma longa caminhada,
nesse sentido, essa experiência possibilitou um novo olhar no que tange à diversidade
existente em sala de aula e na necessidade de investir ainda mais nos cursos de
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formação de professores no intuito de investir na difusão dos conhecimentos e ampliar o
arcabouço teórico e metodológico referente a educação especial e inclusiva.
Assim, os conhecimentos adquiridos no decorrer desse processo formativo,
poderão contribuir com estudos relacionados à aquisição do conhecimento, ao
desenvolvimento humano, às dificuldades de aprendizagem; e aos fatores que estão
subjacentes ao processo de aprendizagem, realizando estudo de casos, traçando
estratégias metodológicas que favoreçam a inclusão, realizando palestras para pais,
reuniões de estudo com educadores, desmistificando a ideia dos culpados pelo fracasso
escolar e pela exclusão social.
Muito mais que cumprir leis e diretrizes, é necessário enfrentar o desafio de
romper com os estigmas de uma sociedade excludente a partir do envolvimento da
comunidade escolar como um todo através de ações que viabilizem uma educação
efetivamente inclusiva, na perspectiva de conviver com as diferenças culturais, étnicas,
sociais, entre outras. A educação deve ser garantida como um direito de todos e não
apenas uma “realidade” de discurso.
Diante do exposto, percebemos a importância do componente curricular para o
futuro profissional da área de Letras e a relevância das estratégias utilizadas para
aquisição de novas aprendizagens na área de educação especial e inclusiva. Este é um
dos desafios da contemporaneidade, pois falar da sala de aula universitária requer uma
interlocução constante com a ação-reflexão-ação. Considerando que este lócus nos
oportuniza aprender e ensinar de forma crítica e reflexiva, devemos desenvolver os
sabores e saberes da docência, de modo a oportunizar uma aprendizagem que para além
da qualidade, seja criadora, nos prepare para a vida e que seja efetivamente significativa
e inovadora, mesmo tendo a certeza de que somos seres inacabados, por esse motivo há
vários desafios a serem percorridos no exercício da docência.
Nessa perspectiva, há um longo caminho a ser trilhado na perspectiva de
estabelecer uma relação teoria-prática na formação docente e em sua prática
pedagógica. Nenhuma mudança ocorre repentinamente, mas é no caminhar que tecemos
novos diálogos e novos conhecimentos e trajetórias. Como não temos um manual pronto
e acabado, é no cotidiano da sala de aula, na interação com a comunidade que vamos
nos fazendo professores e professoras, numa grande teia de relações que acontecem
cotidianamente e muitas vezes necessita de tempo para o fortalecimento da ação-
reflexão-ação do educador (a) frente aos novos desafios que a profissão exige, quer seja
na educação básica ou na docência superior, pois como ressalta Arroyo (2000, p. 67) “
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[...] aprendemos que educar é revelar saberes, significados, mas antes de mais nada
revelar-nos como docentes educadores em nossa condição humana. É nosso ofício. É
nossa humana docência. ”
Portanto, precisamos estar abertos para novas aprendizagens e novos saberes.
Seguir o caminho para desvendar a complexa e ao mesmo tempo desafiadora arte de
ensinar, arte de inovar, arte de crescer e arte de recriar; perceber as interfaces entre
incluir e educar, compreendendo a dimensão da equidade e da alteridade na práxis
pedagógica diante dos diferentes cenários na educação brasileira na contemporaneidade.
REFERÊNCIAS
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PIMENTA, Selma, ANASTASIOU, Lea. Docência no ensino superior. 2.ed. São
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
2293ISSN 2177-336X
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PROCESSOS DIDÁTICOS NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES,
INDAGANDO OS TRABALHOS PEDAGÓGICOS NA ESCOLA DO CAMPO
Maria Jucilene Lima Ferreira
Universidade do Estado da Bahia (UNEB/DEDC X)
[email protected] ou [email protected]
Resumo: O estudo focaliza reflexões sobre os processos formativos da Educação
Superior no curso de Licenciatura em Educação do Campo da UnB - LEdoC.
Objetivamos discutir as proposições formativas oriundas da alternância de tempos
educativos, com vistas à ampliação do debate sobre as implicações desta organização do
trabalho pedagógico, na universidade, para a formação de educadores e o exercício da
docência na Escola do Campo. Em que medida a alternância de tempos educativos na
formação de Educadores do Campo se constitui como espaço e tempo de produção de
conhecimento sobre a gestão dos processos educativos escolares e a gestão dos
processos educativos na comunidade? Quais as relações existentes entre a organização
do trabalho pedagógico na universidade e as implicações dessas relações para o
exercício docente na Escola do Campo? Nos procedimentos investigativos foram
utilizados a observação direta, entrevista e pesquisa documental. Os resultados apontam
que as relações sociais e pedagógicas entre os processos formativos, na universidade, e
o trabalho docente, na Escola do Campo, encontram possibilidades de se
ressignificarem, de se superarem pela materialidade do trabalho coletivo entre os
Educadores do Campo e os professores formadores, seja da universidade ou de outras
instâncias sociais e educativas que se fizerem necessárias.
Palavras-chave: Didática, Formação de Educadores, Escola do Campo
Considerações iniciais
Este texto resulta do trabalho de pesquisa realizado entre os anos 2012 a 2014 e
dos estudos, debates protagonizados na linha de pesquisa Educação do Campo e
Educação ambiental, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de
Brasília-UnB. O foco do trabalho é a formação de educadores e as implicações desta
formação para o exercício da docência na Escola do Campo.
Partimos do princípio de que a formação inicial de educadores do campo se
caracteriza, primeiramente, como uma conquista da luta dos trabalhadores camponeses
pelo direito à educação, depois pela luta de uma identidade de ser educador do campo e
sua profissionalidade correspondente. Então, pelo protagonismo dos sujeitos do campo
em revindicar o direito à educação, à singularidade de uma formação para educadores,
que atuam ou atuarão nas Escolas do Campo, é que nos inserimos no debate acerca dos
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processos didáticos que circundam as dimensões político-pedagógicas do curso de
Licenciatura em Educação do Campo da UnB – LEdoC e suas relações com a profissão
docente.
Primeiramente é preciso destacar que não se trata de uma discussão ou debate
isolado das questões sobre a política e modelos de formação de professores no país, ou
ainda, de negar as categorias de análise próprias dessa área de conhecimento, como por
exemplo: conhecimento e funções da docência, trabalho, relação teoria e prática,
pesquisa, profissionalidade, dentre outras. Busca-se articular as discussões mais gerais
do campo da formação com as especificidades do contexto da formação de Educadores
do Campo.
Todavia, consideramos que se faz imprescindível que essa articulação focalize as
implicações que os processos didáticos dessa formação estabelecem com o exercício da
docência na Escola do Campo. Neste sentido, tomamos como objeto de estudo os
procedimentos didáticos relacionados à alternância de tempos educativos e sua
articulação com o trabalho pedagógico da Escola do Campo.
Assim, no procedimento da pesquisa, indagamos: Em que medida a alternância
de tempos educativos na formação de Educadores do Campo se constitui como espaço e
tempo de produção de conhecimento sobre a gestão dos processos educativos escolares
e a gestão dos processos educativos na comunidade? Quais as relações existentes entre a
organização do trabalho pedagógico na universidade e as implicações dessas relações
para o exercício docente na Escola do Campo?
A pesquisa empírica se realizou pela observação direta das atividades
curriculares no Tempo Universidade (LEdoC/UnB) e das atividades curriculares do
Tempo Comunidade, no período de 2012 a 2014, no território do Sítio Histórico e
Patrimônio Cultural Quilombo Kalunga, na região nordeste do Estado de Goiás. Foram
feitas 11 entrevistas com os estudantes do curso que atuam como docentes em uma das
comunidades do território, além da análise do Projeto Político Pedagógico (PPP) do
curso.
As reflexões estão organizadas em duas partes: a primeira situa contextualmente
o curso de Licenciatura em Educação do Campo (definição, objetivos, fundamentos e
práticas) e a segunda aborda as relações entre os processos didáticos e o exercício
docente na Escola do Campo onde os estudantes atuam. Nesta segunda parte, nos
deteremos no conceito de alternância de tempos educativos e articulação do trabalho
pedagógico escolar com a realidade social do campo.
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Situando o curso de Licenciatura em Educação do Campo – LEdoC/UnB
A Educação do Campo é uma prática social, porque pensada e exercida a partir
de um coletivo, que se preocupa não apenas com os processos educativos em si, mas,
sobremaneira, com as dimensões da formação humana e sua estreita ligação com a
produção da existência, como Caldart esclarece:
No plano da práxis pedagógica, a Educação do Campo projeta futuro quando
recupera o vínculo com a formação humana e produção da existência, quando
concebe a intencionalidade educativa na direção de novos padrões de
relações sociais, pelos vínculos com novas formas de produção, com o
trabalho associado e livre, com outros valores e compromissos políticos, com
lutas sociais que enfrentam as contradições envolvidas nesse processo.
(CALDART, 2012, p. 263)
Em consonância, cabe ressaltar que encontramos no projeto de Educação do
Campo a realidade social do campo, a cultura e a identidade dos camponeses, seus
valores de parceria, coletividade e solidariedade. Essa realidade social é o seu pilar de
sustentação, de onde surgem as proposições formativas que a ela própria devem retornar
como possibilidade de mudança para melhoria da vida. É, desse propósito que emerge o
curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC), na UnB.
Este curso foi implementado em 2007, com o apoio do Ministério da Educação,
e se apresenta como um dos resultados da luta dos camponeses organizados pelo acesso
ao ensino superior e permanência nele, sobretudo, pela formação inicial dos docentes
nesse nível de ensino.
O curso tem como objeto a Escola de Educação Básica do Campo, com ênfase
na construção da organização escolar e do trabalho pedagógico para os anos finais do
ensino fundamental e médio. Seu Projeto Político Pedagógico (UnB, 2009), oferece três
áreas de conhecimento: Linguagens (expressão oral e escrita em Língua Portuguesa,
Artes e Literatura), Ciências da Natureza e Matemática. A partir dessa oferta, cada
estudante pode optar por se habilitar em uma dessas áreas.
A carga horária total prevista é de 3.525 horas/aula, somando 235 créditos,
integralizados em oito semestres presenciais de curso.
Cinco turmas já foram diplomadas nesse curso, e há ainda mais cinco em
andamento. São ofertadas, anualmente, 60 vagas, que são preenchidas por seleção
pública (vestibular), de modo que o curso se constitui como ação afirmativa da
necessidade de se contribuir com a superação das imensas desigualdades históricas e
com a garantia do direito à Educação Superior para a população camponesa.
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Observamos, nesta proposição curricular, a intencionalidade de processos
formativos, que visam à construção de uma nova perspectiva de formação de
educadores, e a uma nova forma de organização do trabalho docente, a partir da
dimensão integral, interdisciplinar e articulada do conhecimento das áreas de
Linguagens, Ciências da Natureza e Matemática e do protagonismo efetivo dos próprios
sujeitos em formação.
Destacamos que a oferta do curso de licenciatura em alternância de tempos
educativos constitui-se em uma perspectiva formativa que desafia os processos
didáticos do curso, na medida em que exige uma lógica organizativa distinta daquelas
que comumente observamos em outros cursos de licenciatura, no país. Essa organização
curricular se apresenta em 08 etapas presenciais, em regime de alternância entre Tempo
Escola, que realiza na Universidade e Tempo Comunidade, que se realiza nos territórios
de origem dos estudantes, com vistas à articulação entre educação e realidade específica
das populações camponesas. Cada uma das etapas do curso compreende a alternância
entre estes dois tempos educativos.
Segundo os estudos de Queiroz (2004), a formação por alternância surgiu com a
criação das Casas Familiares Rurais (CFRs), na década de 30 do século passado. As
primeiras experiências foram se consolidando na França e, depois, se propagaram por
vários países da Europa e pelo mundo.
No Brasil, as experiências nasceram no final da década de 60 e, atualmente,
verifica-se que os Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA), em
diversos lugares do país, reúnem diferentes trabalhos sob esta perspectiva formativa.
Destaquem-se suas características formativas, como: sua responsabilidade; a alternância
de permanência entre o meio de vida socioprofissional e a casa familiar; a vida dos
alunos em pequenos grupos e em internato; e uma equipe de formadores. Esse perfil das
Casas Familiares Rurais-CFRs e dos CEFFA foi sendo construído ao longo das
experiências, no seu lugar de origem – no Brasil e em outros países –, e, hoje, delineia
os pilares da formação por alternância, como bem observa Queiroz (2004).
Vê-se uma proposição formativa com intrínseca relação família e escola, e a
centralidade do processo se caracteriza como prática social, construção coletiva dos
processos de ensinar e aprender.
Ademais, a formação em alternância consiste em uma perspectiva de totalidades
dos distintos espaços e tempos educativos que estão relacionados aos processos
formativos de uma escola, curso ou grupo de estudantes. É uma perspectiva de
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totalidade que se ancora na indissociabilidade teoria-prática – práxis –, visto que as
atividades correspondentes ao processo formativo do alternante estão comprometidas
com a dinâmica de estudos e exercícios práticos, a qual tem como finalidades, a médio e
longo prazo, intervenções críticas e de transformação da realidade estudada.
Dessa maneira, a práxis educativa e social, imbuída do princípio da alternância
pela experiência viva, dinâmica e intencional de aprendizagens que este oportuniza,
lança-se, em larga medida, a outros espaços educativos, onde os sujeitos em formação
atuam ou poderão atuar (ensino fundamental e médio, Secretarias, setores de
organização dos Movimentos Sociais e Sindicais do Campo etc.). Nesse ponto,
entrelaçam-se a Universidade, a formação de educadores, a escola e outros espaços
educativos da sociedade, uma vez que as relações socioculturais mediadas pelas
convivências sociais e por estudos forçam as trocas de experiências, saberes,
conhecimentos e aprendizagens entre os sujeitos. Ao mesmo tempo, esse
entrelaçamento se constitui numa prática intencional no processo formativo dos
estudantes em TE e TC, respectivamente.
No entanto, vale o registro de que, para se efetivar um trabalho formativo
respaldado na alternância de processos educativos, se fazem imprescindíveis condições
materiais, na Universidade e na Escola do Campo, de modo que seja possível a
concretização de um planejamento político-pedagógico articulado com as instâncias e
instituições que envolvem a formação e o exercício da docência no campo e, ainda, um
rigoroso trabalho coletivo.
Por isso, de antemão assumimos afirmar que as atuais condições de trabalho
tanto no âmbito da universidade quanto da escola do campo, na maioria das vezes,
impedem a concretização do trabalho coletivo na sua inteireza, pois a conjuntura do
cotidiano acadêmico e escolar se caracteriza pela sobrecarga de trabalho, pelas
responsabilidades e compromissos distintos entre ensino, pesquisa e extensão e o pelo
acúmulo de questões que precisam ser debatidas no pequeno espaço de tempo/carga
horária institucional destinada ao planejamento e reuniões docentes, que incide em
deixarmos sempre para depois algumas etapas do processo e/ou conclusão de atividades
dessa natureza.
Nesse sentido, é possível afirmar que o trabalho formativo no curso de LEdoC, o
qual intenta assegurar o conhecimento e a prática educativa a serviço do povo camponês
como ação contra-hegemônica em relação ao atual modelo de Educação, de Campo e de
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Sociedade, só será possível pelo esforço generoso do coletivo dos sujeitos que fazem o
curso (docentes, discentes e gestores, no contexto da realidade onde se encontram estes
sujeitos) para efetivar frações de práticas e trabalhos pedagógicos revolucionários
A seguir nos deteremos nas reflexões e análises acerca das relações existentes
entre a organização do trabalho pedagógico na universidade e as implicações dessas
relações para o exercício docente na Escola do Campo.
Processos didáticos e o exercício docente na Escola do Campo
Segundo Pistrak,
A realidade atual é tudo o que, na vida social da nossa época, está destinado
a viver e a se desenvolver, tudo o que se agrupa em torno da revolução
social vitoriosa e que serve à organização da vida nova. [...].
Mas não basta estudar a realidade atual [...] a escola deve educar as crianças
de acordo com as concepções da realidade atual, o espírito da realidade
atual; esta deve invadir a escola, mas invadi-la de uma forma organizada. A
escola deve viver no seio da realidade atual (PISTRAK, 2000, p. 32-33).
Em concordância com o pensamento de Pistrak, o Projeto de Educação do
Campo coloca como condição elementar do trabalho pedagógico, na Escola do Campo,
o estudo da realidade social, propondo a estreita vinculação entre escola e a vida e
problematizando as formas de produção e reprodução da vida. Nesse sentido, é preciso:
“Desenvolvê-lo nas relações que permitem efetivamente a cientificidade do
conhecimento, processo que supõe o vínculo entre teoria e prática. Algo que não
acontece de maneira fácil, ou sem o enfrentamento cotidiano de dilemas” (CALDART,
2010, p. 34).
Daí que a organização do trabalho escolar está diretamente relacionada ao
projeto histórico em vigência ou ao contrário, pelo tenso processo de resistência,
relaciona-se ao projeto histórico que se intenciona construir (FREITAS, 2008).
Assim se pronuncia o autor:
[...] A escola não é uma ilha na sociedade. Não está totalmente determinada
por ela, mas não está totalmente livre dela. Entender os limites existentes
para a organização do trabalho pedagógico ajuda-nos a lutar contra eles;
desconsiderá-los conduz à ingenuidade e ao romantismo [...] (FREITAS,
2008, p. 99)
Cabe ressaltar que a escola existente, no contexto do sistema capitalista,
descumpre um papel importante no desenvolvimento do trabalho pedagógico, na
medida em que prioriza a transmissão de conhecimentos listados nos currículos que são
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elaborados dentro das quatro paredes de secretarias de educação em detrimento dos
diálogos que podem ser estabelecidos entre estes e a realidade concreta dos estudantes.
Isso não significa negar a importância e pertinência de conhecimentos sistematizados ao
longo da história da humanidade, mas questionar a intencionalidade de processos
formativos que se apresentam estéreis, alheios à vida dos sujeitos que aprendem.
A escola existente se mostra pouco adepta a mudanças, circunscrita em
programas curriculares conteudistas, rígidos, que não se propõem a articular-se com a
vida. Mas, é possível que esta escola se proponha a um outro projeto formativo,
ancorado no trabalho como atividade criadora. Então pelo trabalho, sobretudo o trabalho
coletivo, talvez seja possível concretizar um trabalho pedagógico de perspectiva crítica
e emancipadora com os sujeitos em formação.
No decorrer da pesquisa indagamos aos estudantes do curso de licenciatura que
atuam como docentes em uma escola do campo sobre as dificuldades e possibilidades
de organizar e de fazer um trabalho pedagógico a partir da realidade social dos
educandos e obtivemos os seguintes depoimentos:
Na medida do possível, a gente tenta fazer isso, usar exemplos de coisas que
ele tem em casa, de algo relacionado com o turismo com a cultura deles –
isso a gente tenta fazer. Mas não é tão fácil assim. As quatro operações e a
porcentagem você consegue fazer isso, outro exemplo medidas de áreas,
volume você consegue, mas outras matérias não tem como adequar à
realidade deles aqui. Eu tenho que seguir o que está na planilha mesmo [...]
(Professor P, outubro, 2013)
Talvez eu não consiga com todos [os temas], mas muitos eu estou puxando
para a realidade falo de meio ambiente, eletricidade, modo de vida, às vezes
até pesquisa com pessoas mais velhas. Tipos de medida que hoje é diferente
de antes [...]. (Professor A, outubro, 2013).
O curso fala que não é pra a gente ficar muito presa a livro, ter uma aula de
campo... só que eu quero trabalhar na escola repetindo o que eu vejo
aqui[LEdoC], mas as aulas ficaram muito fechadas lá na sala de aula, muitos
textos, lógico que a gente tem que ver alguns teóricos pra a gente estar
estudando, mas – não sei nem como explicar – Lá na escola mesmo eu quero
fazer alguma coisa diferente mas eu não consigo fazer. (Professor T, outubro
de 2013)
Mas se eu fosse trabalhar a interdisciplinaridade eu acho que a gente teria que
trabalhar alguma coisa sobre a realidade [...] (Professor L, outubro de 2013)
O Professor P e o Professor A se referem ao trabalho pedagógico articulado à
realidade social dos educandos como sendo as relações feitas, pelo discurso do
professor, entre o conteúdo escolar e aspectos do dia a dia que têm a ver com esse
conteúdo. Há um limite destes professores em compreender e em realizar o ensino a
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partir da realidade, quer seja pela condição de formação, quer seja pela inexistência de
material adequado, quer seja pelas condições de trabalho. Neste sentido, o movimento
pedagógico entre os conteúdos, se faz pelo inverso – a centralidade do ensino está no
conteúdo escolar e quando possível se lança mão de exemplos postos na realidade –
quando devesse ser o contrário: partir da realidade, ler interpretar formas de vida e de
trabalho na comunidade, desenvolvendo a partir desse lugar os conteúdos escolares.
Para tanto, a perspectiva da Educação do Campo e da construção da Escola do
Campo requer que nos processos de mudanças da escola existente “o objeto da
educação, sua organização, seus objetivos devem ser novos; [...] [estes] dependem
inteiramente dos problemas e dos objetivos da construção revolucionária considerada no
seu conjunto” (PISTRAK, 2000, p. 31).
Quanto ao depoimento do Professor L podemos realizar a mesma análise, uma
vez que este atribui à interdisciplinaridade o mote para o estudo da realidade – quando,
no nosso entendimento, deva esse estudo da realidade requerer uma perspectiva
interdisciplinar do conhecimento. No entanto, evidencia-se que esta perspectiva de
conhecimento é uma possibilidade de articulação entre processos educativos e trabalho
pedagógico com a realidade social.
Observa-se ainda que, embora estes estudantes-docentes tenham vivenciado, no
seu processo de formação, experiências concretas de alternância dos processos
educativos há limites de concepção e de práticas sobre um trabalho pedagógico
articulado à realidade social dos educandos e da comunidade onde a escola se insere.
Ademais, a realização de processos educativos a partir da realidade concreta
pressupõe condições de trabalhos condizentes com os objetivos formativos e
pedagógicos, com a proposta que se intenciona realizar, bem como com materiais
didáticos que subsidiem o trabalho.
Não sem razão, Mészáros (2005, p. 27) salienta que:
procurar margens de reforma sistêmica na própria estrutura do sistema do
capital é uma contradição em termos. É por isso que é necessário romper
com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma
alternativa educacional significativamente diferente. [Grifos do autor].
Nesse sentido, e em consonância com uma interpretação dialética do sentido dos
processos educativos, encontramos no trabalho coletivo entre os docentes formadores,
os educadores, universidade, Escola do Campo e comunidade. Entendemos por trabalho
coletivo a realização de atividades integradas, produzidas e realizadas entre pares, no
âmbito de processos educativos (escolares e comunitários), bem como o
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acompanhamento efetivo das atividades orientadas pelos docentes no processo de
formação dos Educadores do Campo, para que, desse modo, se estreitem as relações
formativas entre esses professores-formadores, os Educadores do Campo, o trabalho na
escola e outros trabalhos educativos na comunidade.
Trata-se, sobretudo, de um acompanhamento concreto, vivo e efetivo sobre o
trabalho que está sendo realizado, o qual foi pensado coletivamente e necessita ser
igualmente acompanhado e orientado durante seu desenvolvimento, para que os
objetivos sejam alcançados e a intencionalidade da ação pedagógica seja materializada
nos resultados obtidos.
Até mesmo as possibilidades de trabalho pedagógico, a partir da realidade social,
apontados nos depoimentos supracitados, indicam a necessidade de ações e atitudes
coletivas para a realização de um trabalho pedagógico de perspectiva crítico-
emancipadora.
Portanto, reforçamos a necessidade de realização de um trabalho essencialmente
coletivo, entre os professores-formadores e Educadores do Campo em formação, para
definirem a intencionalidade dos processos formativos e os rumos que devem tomar a
organização do trabalho pedagógico na universidade e suas implicações para os
processos didáticos na Escola do Campo.
Considerações conclusivas
No decorrer de nosso estudo, focalizamos os processos formativos no curso de
Licenciatura em Educação do Campo, na UnB, e suas implicações para o exercício da
docência na Escola do Campo, com vistas à produção de reflexões e análises acerca dos
processos didáticos aí envolvidos.
Os resultados evidenciam que o curso de licenciatura em foco apresenta
características singulares quando se origina da luta dos trabalhadores camponeses por
um projeto de campo e de educação contra-hegemônico, se materializa pelo
protagonismo dos sujeitos do campo em formação, se organiza metodologicamente em
alternância de processos educativos na universidade e na comunidade (em ambientes
escolares e não escolares) e quando se propõe à realização de um trabalho pedagógico
que articula formação/conhecimento e realidade social.
Assim, consideramos que a alternância pode ser um espaço-tempo significativo
para a práxis de docentes e discentes engajados em uma perspectiva de formação e de
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produção de conhecimento que não se restrinja a “programas curriculares requentados”,
mas, sobretudo, se lancem aos desafios de problematizar a realidade social camponesa,
problematizar a escola e os espaços educativos da comunidade onde os estudantes estão
inseridos, a dialogar com outras instâncias educativas, como as Secretarias Municipais e
Estaduais, responsáveis pelo funcionamento da Escola do Campo.
O trabalho coletivo entre docentes, educadores, universidade, escola do campo e
comunidade, por sua vez, se constitui como elemento chave e mediador para a
realização de processos didáticos, nas instâncias e instituições formativas.
Em síntese, pode-se afirmar que o trabalho docente, com sua definição e o
cumprimento de seus objetivos, trabalho coletivo e alternância constituem o âmago dos
processos didáticos na Universidade e na Escola do Campo. Mas, esse trabalho, com
essa natureza e propósito aqui apontados, não se concretiza sem condições vitais a ele,
tais como a participação e a cumplicidade da escola, dos estudantes, da comunidade e
das instâncias públicas gestoras. Por isso, faz-se imprescindível o processo de formação
inicial e continuada dos professores, em nível superior, e que esse processo seja
orientado por um significativo trabalho coletivo entre os Educadores do Campo e os
professores formadores, seja da universidade ou de outras instâncias sociais e educativas
que se fizerem necessárias ou interessadas em participar de processos formativos que
visem ao enfrentamento do sistema educacional e econômico vigente e à sua
consequente superação.
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TECNOLOGIAS DIGITAIS NO CURSO DE PEDAGOGIA: INDÍCIOS DA
RELAÇÃO ENTRE APRENDER E ENSINAR
Elzicléia Tavares dos Santos (UNEB)
RESUMO: Este texto emerge da pesquisa sobre os significados construídos pelo futuro
docente no aprendizado com e sobre as tecnologias digitais no interior da disciplina
Tecnologia da Informação e Comunicação (TICE) do curso de Pedagogia da
FACED/UFJF. A pesquisa foi fundamentada nos estudos histórico-culturais da
constituição do ser humano. Compreende-se que os estudantes do curso de Pedagogia
são adultos em processo de aprendizagem e desenvolvimento que apresentam
singularidades no aprender com e sobre as tecnologias digitais. Encontra-se na obra de
Vygotsky o fio norteador para a discussão da aprendizagem do adulto e da apropriação
da cultura digital pelos sujeitos investigados. O processo ensino-aprendizagem dos
estudantes na disciplina foi acompanhado no primeiro semestre letivo de 2010, a partir
da observação nas aulas em conjunto com os demais instrumentos metodológicos:
questionário, projetos elaborados pelos estudantes e entrevista com a professora.
Discuto a articulação dos estudantes sobre o vivido na disciplina com a sua futura
prática pedagógica. Essa articulação se mostrou ancorada no vivido e experimentado em
suas aulas da graduação, mas distante das situações de ensino e aprendizagem nas
escolas de Ensino Fundamental, público para o qual deveriam elaborar os projetos
solicitados pela professora. A disciplina investigada possui um significativo papel na
formação dos futuros professores, pois possibilita aos atuais discentes construir
significados e sentidos para seu uso em sua vida acadêmica e em sua futura sala de aula;
porém os sentidos, assim como nós, são históricos, sociais e vão se metamorfoseando.
O estudante como um sujeito adulto precisa construir sua autonomia para continuar a
sua imersão na cultura digital, que não se encerra ao fim da disciplina nem do Curso de
Pedagogia.
Palavras-chave: perspectiva histórico-cultural, cultura digital, formação inicial de
professores
A olaria era como um campo de batalha onde uma só pessoa tivesse andando
durante quatro dias a pelejar contra si mesma e contra tudo o que a rodeava.
Isto está um bocado desarrumado, desculpou-se Cipriano Algor, não é nada
como antes, quando fazíamos louça tínhamos uma norma, uma rotina
estabelecida, É apenas uma questão de tempo disse Marta, com o tempo as
mãos e as coisas acabam por se habitar umas às outras, a partir desse dia nem
as coisas atrapalham nem as mãos se deixam atrapalhar.
Saramago, a Caverna
As palavras da epígrafe que abre esse texto me fizeram refletir se a incorporação
das tecnologias digitais nas práticas pedagógicas dos professores também é uma questão
de tempo. Tempo para que professores mais jovens envolvidos na cultura digital
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incorporem em sua sala de aula as tecnologias de forma natural. Tempo para que os
mais velhos, que já estão na sala de aula, conheçam as possibilidades das tecnologias
digitais. Será que com o tempo as tecnologias digitais irão habitar as salas de aula de
forma natural? De certo que precisamos de tempo para que os futuros docentes do Curso
de Pedagogia se apropriem dessas tecnologias em sua formação inicial, pois
compreendo que
as tecnologias são tão importantes no processo de formação de professores
quanto a língua materna, as metodologias, a psicologia, a sociologia, e todas
as demais áreas que compõem o currículo de uma licenciatura em qualquer
área do conhecimento, ou de um curso de formação continuada. (BONILLA,
2005, p. 203)
Para a autora, não é possível pensar em um currículo separado de uma das
principais dimensões do sujeito, que é a sua dimensão técnica. É preciso pensar na
produção e na inserção dos sujeitos no contexto tecnológico permeado de tecnologias,
analógicas ou digitais (BONILLA, 2011). A inserção das tecnologias digitais no Curso
de Pedagogia através de uma disciplina é uma entre outras ações necessárias para
incorporar de forma plena nos cursos de licenciatura a discussão do contexto
tecnológico contemporâneo.
A interlocução com a docência nessa área fez-me investigar os significados
construídos pelos futuros docentes no aprendizado com e sobre as tecnologias digitais
no interior da disciplina Tecnologia da Informação e Comunicação na Educação
(TICE) do Curso de Pedagogia a partir da perspectiva histórico-culturali.Tal pesquisa
foi realizada junto à turma do quarto período do Curso de Pedagogia, que, no primeiro
semestre de 2010, cursava a disciplina, no turno noturno na FACED/UFJFii.
Diante da impossibilidade de tratar a temática abordada na tese de doutorado em
sua totalidade, procuro nesse texto discutir os indícios da relação do aprender com o
ensinar, focalizando a articulação do vivido pelos estudantes em sala de aula com a sua
futura prática pedagógica. Desse modo, organizei o texto em tres textos/retalhos. No
primeiro retalho costuro sobre a abordagem teorica orientadora da pesquisa e discuto
alguns termos que perpassam a pesquisa. A relação do aprender com o ensinar é
discutida em seguida. Por fim, teço algumas conclusões da discussão aqui proposta.
Costurando alguns termos
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Costuro de forma breve, alguns termos refletidos no processo da pesquisa com a
intenção de deixar pistas para o leitor compreender de onde parto para discutir a relação
do aprender com o ensinar sobre as tecnologias digitais.
A pesquisa teve como ancoragem os princípios basilares da metodologia
qualitativa na perspectiva histórico cultural, respaldando-me nas produções de
Vygotsky (1995;2001;2007) e Bakhtin (2003). Esses autores defendem uma proposta
dialógica de ciência que não apaga o sujeito, pelo contrário, a radicalidade teórica dos
dois autores está justamente na defesa do homem, não como coisa, mas como pessoa
historicamente situada, como enfatiza Freitas (2003;2003).
Bakhtin (2003) propõe uma epistemologia em pesquisa nas Ciências Humanas,
na qual pesquisador e pesquisado são sujeitos ativos prenhes de perspectivas na
produção de sentidos. Isso é de extrema importância nas pesquisas educacionais. Meu
encontro é com o outro na pesquisa e suas vozes repercutem sentidos diversos e visões
diferentes de mundo que me lançam à sua compreensão. Nesse encontro com o outro
emerge a alteridade bakhtiniana. Eu me constituo e me transformo com o outro nas
interações com as palavras e com os signos.
Vygostky (2007), no início do século XX, defendeu o materialismo como
caminho histórico e metodológico que daria conta de atender a especificidade do objeto
psicológico, com as idiossincrasias e subjetividades próprias do humano. Em sua
abordagem, o sujeito é concebido como ser de um contexto cultural dialético e histórico.
O elemento-chave do seu método de investigação é decorrente da concepção de Engels
de que ao agir sobre a natureza, o homem nela provoca mudanças e cria novas
condições naturais para sua própria existência. O autor concebia como requisito básico
do método dialético o fato de que estudar algo historicamente é estudá-lo em suas
mudanças, no seu devir, compreendendo o método, como “pré-requisito e produto, o
instrumento e o resultado do estudo” (2007,p. 69).
Somando-me à perspectiva histórico-cultural, foi necessário lançar um olhar
indiciário na escuta dos escritos do outro. A interpretação dos indícios se dá na procura
dos significados e sentidos que os discursos dos sujeitos têm para o pesquisador,
levando em conta a natureza dialética do processo de que participam os indícios (PINO,
2005). Nesse contexto, compreendo que a procura de indícios defendida por Ginzburg
(1989) se aproxima da forma de compreender o método em Vygotsky, uma vez que
[...] procurar indícios de um processo é muito diferente de procurar relações
causais entre fatos. [...] procurar indícios implica em optar por um tipo de
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análise que siga pistas, não evidências, sinais, não significações, inferências,
não causas desse processo. (PINO, 2005, p. 178)
Como lembra Pino (2005), o processo de constituição cultural é um processo
dialético na perspectiva histórico-cultural, uma vez que se constituiu reciprocamente no
encontro de duas realidades opostas e distintas, o biológico e o cultural, no decorrer do
tempo histórico. Nesse contexto, “[...] interpretar indícios é procurar a significação que
eles têm para o olhar interpretativo do pesquisador, esse olhar deve levar em conta a
natureza dialética do processo de que os indícios participam” (PINO, 2005, p. 189).
Compreendo que aprender e ensinar são atividades entrelaçadas, como ressalta
Freire (1998) ao falar da indissolubilidade entre docência e discência. Nós nos
constituímos com o Outro na concepção de Vygostky, Bakhtin e Freire. Freire (1998)
concebe que alunos e professores não podem ser reduzidos à condição de objeto um do
outro. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém, como também aprende nesse
processo que é dialético e interdependente. Ademais, Vygotsky (2001) emprega a
mesma palavra russa obutchênie para falar de ensino e aprendizagem, uma vez que não
enxerga o processo de aprender desvencilhado das interações com o outro em situações
de ensino.
Das múltiplas relações das pessoas envolvidas na sala de aula pesquisada no
mundo que os envolvem, volto minha atenção para uma em especial: as tecnologias
digitais que fazem parte da constituição dos sujeitos no bojo dos avanços tecnológicos.
Considero que essas tecnologias digitais são a base da cultura digital. Para Costa (2008,
p. 8), a cultura digital está relacionada com a capacidade dos indivíduos de se
relacionarem com ambientes informacionais que nos cercam, uma vez que “[...] a
cultura da atualidade está intimamente ligada à ideia de interatividade, de interconexão,
de inter-relações entre homens, informações e imagens dos mais variados gêneros”.
Articulo o termo de cultura na teoria de Vygotsky compreendido como toda
produção humana para discutir a cultura digital. Entendo que a revolução das
tecnologias digitais impõe ao ser humano um novo jeito de ser, de se comunicar, de se
relacionar e interagir constituindo novos parâmetros, essencialmente, culturais. O uso
dessas tecnologias trazem mudanças céleres para nossas vidas, sejam elas boas ou más.
Nessa discussão, entendo que o significado do termo cultura digital se encontra em
aberto, uma vez que busca caracterizar um movimento que está no seu devir.
Na apropriação das tecnologias digitais em que o aprender está entrelaçado ao
ensinar, faz-se necessário compreender os sentidos e significados que os sujeitos
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envolvidos constroem em torno dessa atividade. Termos que são compreendidos a partir
de Bakhtin e Vygotsky, porque significado e sentido são constituídos pela mediação
semiótica envolvendo a apropriação dos signos.
Bakhtin (2003) destaca que a relação com o sentido é sempre uma relação
dialógica. Mesmo considerando o significado fora do diálogo, ele está abstraído de
modo deliberado e convencional porque nele existe uma potência do sentido. Já o
significado da palavra descrito em um dicionário, por exemplo, não tem essa mesma
vivacidade e dinamismo do sentido, segundo Bakhtin. O significado é mais estável e
consolidado, mas também sofre mudanças no deslocar de um contexto apreciativo para
outro.
Vygotsky (2001) compreende o sentido como uma formação dinâmica, fluida,
complexa, com zonas de estabilidade variada. E o significado é compreendido como
“apenas uma dessas zonas de sentido”, sendo uma zona uniforme, estabilizada e exata.
Para Vygotsky, “[...] o significado é apenas uma pedra no edifício do sentido” (2001, p.
465), o que confere ao significado a ideia de algo mais estável.
Tanto em Bakhtin quanto em Vygotsky o que se destaca é que não é o objeto em
si que é apropriado, mas a significação desse objeto, ou seja, o signo é apropriado pelo
sujeito em sua significação nas relações que se estabelecem mediadas pela cultura.
Nesse processo, estão envolvidos o contexto histórico de que os sujeitos fazem parte e o
que eles estabelecem como significativo para se apropriarem.
Os sujeitos por mim pesquisados estão sendo compreendidos como adultos
escolarizados a partir da perspectiva histórico-cultural, sobretudo na teoria de Vygotsky
(1995; 2001; 2007). O autor não formulou uma teoria de aprendizagem do adulto, mas
já destacava em seus trabalhos a capacidade de aprender dos sujeitos adultos em
contraponto às teorias psicológicas da sua época que reduziam o processo de
aprendizagem à formação de hábitos e, dessa forma, não viam nenhuma diferença na
maneira como os adultos e as crianças aprendiam.
Direcionando os estudos do autor para a compreensão da apropriação da cultura
digital pelos futuros docentes, entendo que o desenvolvimento das funções mentais
superiores não é estanque no indivíduo. Se novas etapas do desenvolvimento não
excluem a etapa anterior, mas agregam a ela novos conhecimentos, transitando e
desenvolvendo nossas funções psíquicas superiores, levam-me a apreender que na fase
adulta essas atividades não se esgotam; pelo contrário, elas constituem e alimentam
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nosso devir. O que me faz considerar que tanto a professora quanto os estudantes
investigados são pessoas adultas em processo de aprendizagem e desenvolvimento.
A seguir discuto os indícios da relação do aprender com ensinar a partir da
análise e dicussão dos projetos elaborados pelos estudantes no final da disciplina.
“Gostei da atividade como aluna e futura professora”: indícios da relação do
aprender com o ensinar
Na busca dos significados do aprender com e sobre as tecnologias circunscrevia
a intenção de compreender se os discentes realizavam articulações do vivido na
disciplina com a sua futura prática pedagógica.
Dessa maneira, encontrei indícios de que essa articulação iniciava com a
preocupação dos estudantes em se apropriar de as tecnologias digitais na disciplina
diante da necessidade de enfrentar os desafios de ser docente na contemporaneidade.
Um docente que, entre tantas questões postas pelo mundo de hoje, enfrentará alunos
com grande intimidade com as tecnologias digitais, afirmava:
Acho muito importante, pois os alunos estão cada vez mais ligados com a tecnologia; e, para que esses
alunos aprendam e tenham um melhor aproveitamento em sala, temos que falar a linguagem deles.
(Questionário. 5, grifos meus)
Para mim, computador é fundamental, pois é a nova linguagem dos nossos futuros alunos.
(Questionário. 10, grifos meus)
Para os estudantes, era importante aprender na disciplina o que faz parte do
mundo dos futuros alunos, a cultura digital. Estavam com um olhar para sua formação
na disciplina tendo em vista sua futura sala de aula. Assim, o estudante desloca de uma
situação do futuro – ser professor para alunos que lidam com as tecnologias digitais – a
importância de aprender algo no presente. O que está à frente em sua vida alimenta o
hoje na disciplina. A perspectiva dos estudantes em torno da disciplina TICE é a de que
ela possa colaborar com esse seu “projeto de futuro”.
Fazer aposta para o futuro é considerar o inacabado do ser humano, como
defendem Vygotsky e Bakhtin. Geraldi (2010) traz uma interessante discussão sobre o
termo “compromisso com o futuro” ao percorrer conceitos formulados por Bakhtin.
Para Geraldi (2010), enquanto a posição exotópica ocupada pelo Outro lhe permite um
excedente de visão, na busca de completude e acabamento, o próprio sujeito desloca-se
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no tempo e estabelece no futuro a razão de ser de sua ação presente que, concretizada,
se torna pré-datada para futuras ações, orientadas pelo sentido que lhe concede a razão
perpetuamente situada à frente (GERALDI, 2010, p. 109).
Sendo assim, “[...] É do futuro que tiramos os valores com que qualificamos a
ação do presente e com que estamos sempre revisitando e recompreendendo o passado
[...]” (GERALDI, 2010, p. 109). Na perspectiva da memória do futuro, o futuro é visto
como “estabilidade instável”, não possui território e se desloca perpetuamente.
O futuro em que se antecipa na possibilidade de estar em uma sala de aula no
mundo cada vez mais permeado de tecnologias impulsiona e mobiliza os estudantes em
sua formação inicial a cursarem a disciplina não apenas para serem aprovados no final
do semestre, mas para viverem a cultura digital em curso e também para ensinarem a
seu futuro aluno.
A pesquisa de Pepe (2007), que investigou como os professores de Ensino
Fundamental I percebem e expressam sua motivação e aprendizagem da docência em
seu trabalho e em seu processo de formação, evidenciou que o aluno é a principal
motivação dos professores para buscarem a aprender sempre mais e também a investir
na profissão. Os futuros docentes, apesar de não estarem na sala de aula, já demonstram
uma inquietação com o fato de se tornarem professoras dos alunos da chamada geração
digital.
Para Vygotsky (1995), o homem é constituído no e com o social; e essa relação é
um processo dialético, o contexto tecnológico no qual os estudantes vivem influência
em suas decisões sobre o que é importante aprender. Rodeado de tecnologias digitais,
esse estudante quer fazer parte dessa realidade, o que aponta que a aprendizagem
necessita ser significativa para esses aprendizes adultos.
Flagrei outros indícios de articulações do vivido na disciplina TICE com a sua
futura sala de aula. Desse modo, ao refletirem sobre a relação da produção do
jornal/boletim informativo com sua futura prática pedagógica, eles disseram que:
Essa atividade foi muito interessante, desde a procura do tema até a apresentação para a turma, pois, no
futuro (quando já estiver em sala de aula), esse recurso será muito oportuno [...]. E para podermos
usá-lo com nossos alunos, temos que aprendê-lo antes. (Maria Lúcia, Diário Online1, grifos meus)
Acho que, para minha futura prática pedagógica, é uma forma muito interessante para trabalhar com
as crianças, tanto usando o computador, quanto para incentivá-los a escreverem, mostrando que eles
terão outros leitores além dos colegas da sala e o professor. (Anatália, Diário Online1, grifos meus)
Então penso: se nos atraiu muito, acredito que a garotada também se interessaria [...]. Gostei da
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atividade como aluna e como futura professora. (Márcia, Diário Online1,grifos meus)
Percebi que na maioria das atividades propostas na disciplina TICE, os
estudantes teceram articulações das mesmas com a sua futura prática pedagógica,
refletindo a possibilidade de uso ou não das tecnologias digitais no ensino. Mas foi no
“Projeto/planejamento: o uso das TICs em sala de aula” que essa articulação se
tornou “real”, pois tinham que pensar em uma hipotética sala de aula e planejar
atividades mediadas pelas tecnologias digitais. O meu olhar para os projetos elaborados
pelos estudantes não se deu na intenção de avaliá-los didaticamente. Minha intenção era
procurar indícios de como eles articularam, de forma hipotética, a inserção das
tecnologias digitais no ensino nesses projetos.
Tive acesso e analisei treze projetos elaborados pelos discentes. Os recursos
tecnológicos mais citados foram: Power Point, Word, Paint, Webquest, blog, YouTube,
Moodle e suas ferramentas com destaque para o fórum e wiki. Cabe destacar que, dos 13
projetos, sete deles citaram o uso do Moodle, juntamente com a discussão nos fóruns e
no wiki. Desses projetos, quatro citaram apenas o uso do wiki. Dois grupos planejaram
aulas com o uso de games. Um propunha atividades com o Second Life e o outro com os
games on-line dos sites Smart Kids e Cocoricó. Assistir vídeos no Youtube também foi
bastante citado.
A escolha da tecnologia digital para o projeto estava estritamente articulada
com as tecnologias digitais que lhes foram mais significativas no seu processo ensino-
aprendizagem e que em sua avaliação poderiam contribuir com o ensino em sua futura
sala de aula. Tomo como exemplo a questão dos games, na qual os estudantes, desde as
primeiras explorações na sala de aula, se mostraram reticentes. Mesmo após mudarem
de opinião sobre o uso dos mesmos na educação na discussão do fórum on-line, eles não
se sentiram seguros de propor atividades com os games eletrônicos, ainda que de forma
hipotética. O mesmo ocorreu com as redes sociais, em que se mostraram temerosos com
o uso de algumas delas no ensino como o Facebook.
Os projetos são resultado das interações em sala de aula com as tecnologias
digitais, dos trabalhos realizados coletivamente e da relação de cada um com a cultura
digital. Na concepção de Oliveira,
os seres humanos estão em constante interação com os objetos de ação e de
conhecimento, com signos e significados culturais e com outros sujeitos, em
situações de construção coletiva de significados. A relação entre signos,
sujeitos, significados e objetos, complexa, constante e intensa, gera conceitos
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e redes conceituais que nunca estão acabados, definitivos, mas sempre
sujeitos a transformações. (OLIVEIRA, 2009, p. 250)
Em suas interações com as tecnologias digitais na disciplina TICE, construiriam
sentidos e significados para as mesmas no ensino, que podem sofrer transformações
após a conclusão do curso. No entanto, esses sentidos e significados sustentaram suas
escolhas. Cada um é afetado de diversas maneiras com o que está aprendendo
(SMOLKA, 2000).
Segundo Lévy (2010), o uso de alguma tecnologia é “o prolongamento do
caminho já traçado pelas interpretações precedentes; ou, pelo contrário, a construção de
novos agenciamentos de sentido” (2010, p. 58). Os estudantes optaram por usar as
tecnologias digitais que estavam de certa forma mais natural para eles. Para Bonilla
(2005), o professor deve atentar que:
[....]em seu processo formativo necessita ser capaz de perceber as
potencialidades das tecnologias para a transformação das práticas pedagógicas
instituídas, conhecer suas características, as possibilidades de articulação com
as demais linguagens já em uso na escola e como é possível trabalhar com elas
sem sufocar. (BONILLA, 2005, p. 201)
Os estudantes perceberam as potencialidades de algumas das tecnologias digitais
com que trabalharam na disciplina e tentaram articular seu uso com a sua futura prática
pedagógica. No entanto, ao articular as tecnologias digitais vistas na disciplina com
uma hipotética sala de aula, os estudantes também recorreram às mesmas
formas/maneiras com que elas foram trabalhadas. Assim, a metodologia de trabalho da
professora na sala de aula esteve presente em muitos projetos.
O futuro docente pode se apropriar tanto do conteúdo da disciplina quanto dos
modos que o professor utilizou para abordá-lo. Vê-se que a mediação do professor no
curso de formação inicial do discente de Pedagogia tem um duplo papel:
o papel mediador do outro, professor/formador, se destaca não somente
nos processos de apropriação e elaboração de conhecimento pelo
indivíduo, aluno/licenciando, mas, também, na sua constituição como
sujeito (futuro professor). (SILVA e SCHNETZLER, 2006, p. 59)
Nesse constituir-se professor, o futuro docente incorpora os modos de fazer do
professor em sala de aula, muitas vezes como uma receita a ser seguida em sua futura
prática pedagógica, como comenta a professora:
O cuidado que a gente tem que ter é para que eles não entendam que aquilo é uma receita. Porque há um
desejo dessa transposição didática como receita de bolo. “Ai, que bom! Aprendi a fazer isso, vou lá para
minha sala de aula, e eu vou dar exatamente o que aprendi!” Não é esse o objetivo. Assim a gente vive
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pisando num cenário muito arenoso para que eles possam olhar o uso da tecnologia com crítica[...]
(Fragmento da entrevista da professora Jussara)
O professor em certa medida passa a ser o espelho do futuro licenciando, seus
gestos e suas ações em sala de aula são interpretados pelos estudantes como “modelos”
possíveis de serem empregados em situações semelhantes. Realmente concordo com a
professora de que as tecnologias digitais na formação inicial se apresentam como um
terreno arenoso. São muitas questões em torno do aprender e do ensinar com e sobre as
tecnologias digitais. Mesmo com o cuidado da professora em não enfatizar o uso das
tecnologias digitais no ensino como uma receita para os futuros docentes, não foi isso
que aconteceu em alguns dos projetos elaborados por alguns grupos.
De maneira geral, os estudantes encontraram dificuldades em planejar aulas com
as tecnologias digitais de uma forma mais natural. Muitos planejaram o uso de recursos
distante das situações de ensino e aprendizagem nas escolas de Ensino Fundamental,
público para o qual deveriam elaborar os projetos solicitados pela professora. O que me
surpreendeu foi o fato de alguns grupos proporem o uso do Moodle e da escrita coletiva
no wiki para as turmas iniciais do Ensino Fundamental sem maiores preocupações com
as questões técnicas e pedagógicas envolvendo esses recursos. É comum o uso do fórum
de discussão on-line nos cursos de graduação e pós-graduação. Ainda são poucas as
experiências do uso dessa ferramenta com outros públicos, como as crianças do Ensino
Fundamental I, público alvo dos projetos. Além disso, desconsideraram que o uso do
Moodle necessita de um servidor da web e que nem sempre as escolas públicas possuem
acesso à internet.
Se, por um lado, a feitura dos projetos revelou que o futuro discente, ao estar
familiarizado com uma tecnologia digital, possa pensar em inseri-la em sua futura
prática pedagógica, por outro, ficou evidente o desconhecimento da turma quanto à
realidade dos estudantes e das escolas públicas brasileiras.
Algumas considerações
Considerando a indissociabilidade entre o desenvolvimento do sujeito e o
contexto que tal desenvolvimento ocorre, o avanço das tecnologias digitais na sociedade
contemporânea não pode ser descartado no processo de apropriação do conhecimento
pelos sujeitos. Tecnologias que são compreendidas como produção do homem, portanto
provenientes das atividades humanas que vêm trazendo alterações sociais e culturais em
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todos os setores dinâmicos da vida, não sendo diferente para o licenciando do Curso de
Pedagogia.
Durante o percurso investigativo pude acompanhar os movimentos que tratam da
participação e do envolvimento dos sujeitos, colaboração e tensões em torno do
aprender e ensinar. O estudante do ensino superior é um adulto que traz em sua
bagagem um inventário de experiências e constrói sua aprendizagem a partir do que lhe
é significativo. Dessa maneira, existem finalidades, significados e sentidos que
circunscrevem a apropriação desses estudantes adultos com as tecnologias digitais,
afetando-os de diferentes maneiras.
O aprender para o estudante adulto pesquisado se configurou como um projeto
de futuro, o aprender tendo em vista seu futuro aluno. Os estudantes tiveram a
oportunidade de estabelecer uma articulação do vivido com a sua futura sala de aula de
forma hipotética. Essa articulação se mostrou ancorada no vivido e experimentado em
suas aulas da graduação, mas distante das situações de ensino e aprendizagem nas
escolas de Ensino Fundamental, público para o qual deveriam elaborar os projetos.
Reconheço que o tempo/espaço da disciplina TICE no Curso de Pedagogia é
insuficiente para que os estudantes articulem as práticas com as tecnologias digitais e a
razão de ser/usar as mesmas no ensino, além das dimensões políticas, econômicas e
sociais da cultura digital na vida das pessoas.
A disciplina, lócus da pesquisa, possui um importante papel na formação dos
futuros professores, pois possibilita aos atuais discentes construir significados e sentidos
para seu uso em sua vida acadêmica e em sua futura sala de aula; porém os sentidos,
assim como nós, são históricos, sociais e vão se metamorfoseando. O estudante como
um sujeito adulto precisa construir sua autonomia para continuar a sua imersão na
cultura digital, que não se encerra ao fim da disciplina nem do Curso de Pedagogia. Ou
seja, novos sentidos e significados ou uma questão de tempo?
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Freitas. ii O processo ensino-aprendizagem dos trinta e seis estudantes na disciplina TICE foi acompanhado no
primeiro semestre letivo de 2010, a partir da observação nas aulas ministradas no Infocentro e no
ambiente de aprendizagem Moodle em conjunto com os demais instrumentos metodológicos:
questionário; diário on-line de aprendizagem no ambiente Moodle sobre duas atividades realizadas;
produções escritas dos estudantes (mensagens nos fóruns de discussão on-line de textos e dos grupos,
projetos e avaliação final); e entrevista dialógica com a professora. Os nomes dos sujeitos sao ficticios.
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