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CoordenaoFernando Luiz Abrucio
FORMAO DE PROFESSORESNO BRASILDiagnstico, agenda de polticas e
estratgias para a mudana
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Diagnstico, agenda de polticas e
estratgias para a mudana
Fernando Luiz Abrucio
Coordenao
FORMAO DE PROFESSORESNO BRASIL
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2016 Editora Moderna
PROJETO EDITORIAL
Editora ModernaDiretoria de Relaes InstitucionaisLuciano MonteiroKaryne Arruda de Alencar Castro
Fundao Santillana
DiretoriaAndr Luiz de Figueiredo Lzaro
Todos Pela Educao
Presidente-executivaPriscila Cruz
Diretora Administrativo-financeiraMaria Lcia Meirelles Reis
SuperintendenteAlejandra Meraz Velasco
Gerente de contedoRicardo Falzetta
PRODUO EDITORIAL
Coordenao e edioAna Luisa Astiz / AA Studio
RevisoJuliana Caldas e Cida Medeiros
Editorao eletrnicaPaula Astiz Design
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Formao de professores no Brasil : diagnstico, agenda depolticas e estratgias para a mudana / Fernando Luiz Abrucio,coordenao. So Paulo : Moderna, .
. Brasil - Poltica educacional . Educao - Brasil. Educao - Finalidades e objetivos . Professores - FormaoI. Abrucio, Fernando Luiz.
- CDD-.
ndices para catlogo sistemtico:. Brasil : Formao de professores : Educao
.
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Apresentao 7
Contextualizao do problema 9
Objetivos da pesquisa 17
Diagnstico da formao docente 23
Mapa da literatura: tendncias e lacunas 24 Reviso bibliogrfica internacional 24 Reviso bibliogrfica nacional 29 Lista dos principais problemas 33
Prognstico, alternativas e estratgias de implementao 55 Breve relato de boas prticas 55
Alternativas, consensos e dissensos 58
Consideraes finais: proposio de uma agenda estratgica 65
Anexo 1 Bibliografia 73
Anexo 2 Entrevistados 87
Anexo 3 Roteiro geral da entrevista 95
Anexo 4 Roteiro do grupo focal 105
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APRESENTAO
Em 2010, aps uma exaustiva reviso da literatura nacional e in-ternacional, o Todos Pela Educao (TPE), movimento da sociedadebrasileira que tem como misso contribuir para que o pas assegure atodas as crianas e jovens o direito a Educao Bsica de qualidade,escolheu cinco frentes de poltica pblica nas quais iria concentraresforos1. Mesmo sabendo que no h bala de prata em Educao,uma dessas frentes se destaca pelo enorme impacto que tem na apren-dizagem das crianas e jovens: a formao dos professores.
No entanto, a aproximao ao tema no trivial, pelas mlti-plas facetas que apresenta formao inicial, formao continuada,formao em servio, formao para as diferentes etapas da EducaoBsica e pela complexidade das relaes entre as partes interessadas professores da Educao Bsica, alunos das licenciaturas, professoresuniversitrios, gestores pblicos de Educao, gestores das universida-des pblicas e privadas, instncias avaliadoras e certificadoras, rgosfinanciadores e promotores de pesquisa.
1. Denominadas 5 Bandeiras, essas frentes so: melhoria da formao e da carreira do pro-fessor; definio dos direitos de aprendizagem; uso pedaggico das avaliaes de larga escala;ampliao da oferta de Educao integral; e aperfeioamento da governana e da gestoescolares.
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Diversos estudos2identificam a falta de polticas docentes capazesde formar, atrair e manter em sala de aula os melhores profissionais,mas os caminhos institucionais para conseguir a mudana no so cla-ros. Com o objetivo de contribuir para a definio de aes que levema uma efetiva mudana, o TPE idealizou a pesquisa Formao deProfessores no Brasil Diagnstico, agenda de polticas e estratgiaspara a mudana, coordenada pelo professor Fernando Luiz Abrucio3,da Fundao Getlio Vargas, e realizada no decorrer de 2015.
Com o apoio de especialistas da rea, definiu-se que a pesqui-sa deveria contemplar, em primeiro lugar, uma reviso da literaturados estudos relativos pertinncia e suficincia dos programas deformao de professores existentes4. Esse primeiro passo traria ele-mentos para a definio de escopo e elementos a indagar aos atoresestratgicos numa segunda fase do estudo, na qual se foi a campo pararealizar entrevistas em profundidade e grupos focais que permitiramidentificar as principais problemticas e proposies para avanar noterreno das polticas pblicas.
Apresentamos nesta publicao um resumo dessa pesquisa, reali-zada com o apoio do Ita BBA e do Instituto Pennsula.
A edio do texto do jornalista Ricardo Falzetta, gerente decontedo do Todos Pela Educao.
Alejandra Meraz VelascoSuperintendente
odos Pela Educao
2. Destaca-se aqui a pesquisa coordenada pela profa. Bernardete Gatti em 2011, Polticasdocentes no Brasil: um estado da arte.
3. Este trabalho contou com a participao decisiva das pesquisadoras Catarina Ianni Seg-gatto, Ana Paula Massonetto, rica Farias e Catherine Rojas Merchn, sem as quais no seriapossvel realizar o estudo.4. Para a seleo da bibliografia contamos com o apoio inestimvel da profa. BernardeteGatti.
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CONTEXTUALIZAODOPROBLEMA
A Educao um dos principais meios pelos quais os pases sedesenvolvem nos campos econmico, social e poltico. Entre os ca-minhos capazes de gerar eficcia educacional, a literatura tem dadodestaque cada vez maior ao papel dos professores5.
Nas origens do debate, em meados da dcada de 1980, buscava--se avaliar a qualidade dos professores por meio da escolaridade, daformao prvia e dos certificados obtidos ao longo da carreira. Em-bora essas variveis ainda sejam consideradas relevantes, as pesqui-sas recentes procuram entender quais competncias e habilidades osprofessores devem ter e como as desenvolvem na formao inicial econtinuada, para que de fato os alunos aprendam.
Essa viso coloca a formao docente em outro patamar de im-portncia: d maior peso s metodologias de ensino, insero na
5. Na experincia internacional, podem ser citados, entre outros, os trabalhos de Darling--Hammond (2000), Chetty, Friedman e Rockoff (2011), Hanushek (1992), Kane, McCaffrey,Miller e Staiger (2013) e OCDE (2005) para realar o impacto do corpo docente sobre odesempenho, presente e futuro, de seus discentes, ao passo que no Brasil vale destacar a pes-quisa pioneira de Gabriela Moriconi (2012), a qual estudou a rede municipal de So Paulo edemonstrou que o efeito dos professores foi maior do que o efeito das escolas na explicaoda proficincia dos alunos.
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carreira com processos de mentoria e ao trabalho pedaggico co-letivo. Tais saberes devem ser desenvolvidos num contexto de pro-fissionalizao da carreira, com incentivos, cobranas e processos deaprendizado profissional construdos adequadamente pelas institui-es educacionais (OCDE, 2005).
No Brasil, a Educao comeou a ganhar mais importncia ape-nas na histria recente. At ento, a poltica educacional, sobretudoa relacionada universalizao da Educao Bsica, nunca recebeu adevida prioridade. Foi somente com a Constituio de 1988, marcoinicial de um Estado de bem-estar social no pas, e com o fortale-cimento da democracia, que grandes transformaes comearam aocorrer. A Educao se tornou, finalmente, um direito dos cidadosbrasileiros.
Os avanos so inegveis, mas ainda h muitos problemas aresolver. Uma srie de aes se fazem necessrias para aumentar, aomesmo tempo, a qualidade e a equidade na Educao brasileira, demodo a garantir o direito Educao igualmente a todos. Entende--se por qualidade no apenas o melhor desempenho e aprendizadodos alunos, mas o processo6que cria as condies (capital humano,insumos, monitoramento/avaliao, gesto do sistema e participaosocial) para o avano cognitivo, emocional e cidado dos alunos, emespecial os da escola pblica.
Num pas to desigual como o Brasil, o tema da equidade es-sencial, mas vale frisar que a literatura internacional tambm destacaessa questo em outros pases, incluindo os desenvolvidos, em parti-cular os Estados Unidos (ver, por exemplo, PESKE e HAYCOCK,2006, e para o caso brasileiro, SIMIELLI, 2015).
6. A qualidade de uma poltica pblica diz respeito tanto a seus resultados quantoa seus processos, como ensinam as teorias de governana pblica (PETERS E SA-VOIE, 2000).
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O aumento da qualidade e da equidade no campo educacionaldepende de vrias aes. Um dos pontos nevrlgicos tem a ver como capital humano e se traduz na criao de uma slida carreira demagistrio, com professores bem formados e profissionalizados. Paraatingir esse objetivo, uma das peas centrais a formao e o aperfei-oamento dos docentes, seja dos que vo entrar na carreira, seja dosque nela esto.
O tema ganha relevncia no Brasil por causa de quatro fatores.Em primeiro lugar, porque os resultados ruins nos exames nacionaise internacionais mostram que preciso melhorar o ensino pblico.
Em segundo, porque preciso considerar a provvel aposentado-ria de um grande nmero de professores nos prximos anos (ABRU-CIO, 2014). Problemtico, esse quadro tambm uma janela deoportunidade, um momento de reposio propcio reformulao daformao dos professores no pas.
O terceiro fator tem a ver com o contexto das reformas que de-vem ser impulsionadas pelo Plano Nacional de Educao (PNE), quese casam com a temtica da formao dos professores, porque depen-dem da melhoria do capital humano que chega s escolas e podemfavorecer mudanas nos cursos de pedagogia e nas licenciaturas.
Por fim, vrios governos pelo mundo pases e entes subnacio-nais, como na experincia norte-americana esto fazendo reformu-laes na formao docente, tanto na inicial quanto na continuada. OBrasil pode aproveitar o momento para dialogar com essas reformas,aprender com algumas medidas e adapt-las realidade local.
Na primeira metade do sculo 20, adotou-se no pas o modelode formao em que as Escolas Normais formavam os professores dasprimeiras sries, enquanto a Educao Superior formava para os de-mais ciclos, principalmente os responsveis pelas especialidades. Naslicenciaturas, vingou o modelo 3+1, isto , trs anos da especialidademais um de cunho pedaggico.
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Entre o final da dcada de 1960 e o incio dos anos 1970, duastransformaes educacionais impactaram a formao docente. A pri-meira foi a massificao do ensino pblico, em particular no antigo 1grau embora no se tenha atingido a universalizao, uma vez que oacesso ainda no era tido como direito de todos. Tal crescimento, commaior acelerao nas reas que passavam por intensa urbanizao, de-mandou expanso do nmero de escolas e de professores.
Naquele momento, em decorrncia da reforma universitriaocorrida no pas, que consolidava um sistema de ps-graduao, asuniversidades, principalmente as pblicas e as de melhor qualidade,voltaram-se pesquisa e formao de bacharis para o mercado. Asfaculdades de pedagogia, por sua vez, ampliaram o escopo da forma-o, congregando um conjunto maior de atividades na rea educa-cional, sobretudo no campo da gesto, e procuraram se estabelecerprincipalmente como produtoras de reflexo e pesquisa. Isso produ-ziu, sem dvida, uma identidade mais clara desse campo acadmico o que tem seu efeito positivo , mas distanciou a universidade darealidade escolar, sobretudo no que se refere ao fornecimento e aoacompanhamento dos quadros docentes.
Essa dissociao criou um fosso entre as universidades e as es-colas e trouxe carreira docente profissionais mais preocupados emdisseminar as prprias especialidades, com a ampliao dos contedosensinados na Educao Bsica fato que favoreceu o predomnio doconteudismo nos currculos escolares.
A preocupao didtica, o saber como ensinar melhor para umconjunto grande de alunos que chegavam Educao pblica, noesteve presente na formao dos professores que entraram no sistemanesse perodo de massificao educacional.
A crise do regime autoritrio e a luta pela democracia ajudarama colocar a poltica educacional em um novo patamar da agenda pol-tica. Mesmo antes da Constituio de 1988, foram tomadas medidas
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para melhorar o setor, desde o aumento de recursos at uma maiorpreocupao com a formao de professores.
Destaca-se, em 1982, a criao do Centro Especfico de Forma-o e Aperfeioamento do Magistrio (Cefam), cujas unidades cres-ceram em vrias partes do pas at meados da dcada de 1990, dentrode um modelo considerado de grande qualidade formativa e que davacondies, inclusive com bolsas, para atrair bons candidatos ao pro-fessorado (cf., entre outros, NEUBAUER e PISANESCHI, 2013 eTANURI, 2000).
Outra mudana ocorreu em 1986: por meio de parecer do entoConselho Federal de Educao, foi permitido que os graduados empedagogia passassem a exercer docncia nas primeiras sries do EnsinoFundamental. O intuito era trazer melhor capital humano formaoinicial das crianas, mas as principais universidades no se voltarampara esse projeto.
Nas dcadas ps-Constituio, houve vrias reformas e propostasde aperfeioamento da Educao. No campo da formao docente, ocaminho inicial foi, no mnimo, ambguo. No governo Itamar Franco(1992-1995), o ministro da Educao, Murilo Hingel, apoiou a cria-o de Institutos Superiores de Formao de Professores, que teriamum papel especfico, diferente do modelo voltado pesquisa e s es-pecialidades, predominante nas universidades.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, de 1996, bemcomo legislaes posteriores, fortaleceram, por sua vez, o papel doscursos de pedagogia e das licenciaturas, apostando na suposio deque o aumento do grau de escolaridade traria automaticamente maisqualidade ao corpo docente da Educao Bsica.
Os dois modelos no conviveram harmoniosamente a partir dofinal da dcada de 1990. No que fossem necessariamente antagni-cos, dado que no se trata, conceitualmente, de uma contraposioentre um formato tecnicista versusuma concepo cientfica e crtica
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da Educao. Vale considerar que h pases de tradio variada, comoFrana e Inglaterra, que combinam aes de formao prtica comcentros avanados de pesquisa.
No foi, portanto, por uma ordenao lgica, e sim por umasituao histrica que a convivncia dos dois modelos no vingou.Praticamente foram extintos, nos ltimos anos, os processos de for-mao de professores fora dos cursos universitrios de pedagogia oudas licenciaturas excees honrosas so os casos do Instituto VeraCruz e do Instituto Singularidades, ambos em So Paulo.
O modelo propugnado pelas universidades de ponta, mormenteas pblicas, se concentrou na rea de pesquisa, de modo que vm for-mando, em certa medida, mais pensadores da Educao, em vez dedocentes preparados para as escolas pblicas reais da Educao Bsica,seja em termos de metodologias de ensino, seja em termos vocacionais.
Nesse mesmo perodo, da dcada de 1990 para c, houve umenorme crescimento da proviso educacional pblica, especialmen-te na Educao Bsica. E a formao dos professores, num contextode grande expanso, vem ocorrendo nas instituies privadas. Atual-mente, quase 80% dos alunos de pedagogia estudam em faculdadesparticulares, grande parte em cursos noturnos e quase metade dosestudantes das licenciaturas tambm se encontra nessa situao. Oprocesso foi impulsionado por polticas como o Programa Universi-dade para Todos (Prouni) e, mais recentemente, o Fundo de Financia-mento Estudantil (Fies).
Outro fenmeno importante foi o expressivo aumento da Edu-cao a Distncia (EAD) na ltima dcada, em instituies pblicas eprivadas. No caso das universidades pblicas, o impulso foi dado pelacriao da Universidade Aberta do Brasil (UAB), em 2006, visando formao inicial e continuada, e pela instituio do Plano Nacionalde Formao da Educao Bsica (Parfor), voltado licenciatura e formao pedaggica. Porm, o avano maior da EAD ocorreu nas
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instituies privadas, que respondem por 90% das matrculas na mo-dalidade (ver BARRETO, 2015; e LIMA, 2014).
O aumento do nmero de docentes com formao superior e/ou continuada , em si, uma boa notcia. Primeiro porque, at 1988,boa parte do professorado no tinha nvel superior. Em 1991, 20%dos professores no eram graduados, segundo dados do Instituto Na-cional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep).Em 2006, o nmero de formados chegou a 60% e, em 2013, a 75%.
Mas ainda h no Brasil grande desigualdade no acesso forma-o, notadamente nas regies Norte e Nordeste. Por isso, para buscara equidade, ser preciso ampliar a oferta de vagas e usar bem a EAD,modalidade fundamental para se chegar aos lugares mais distantes emenos desenvolvidos do pas. A EAD tambm tem o potencial dealcanar um professorado que j trabalha na rede pblica, mas que,sobretudo em razo do fator etrio, teria dificuldades de fazer umprimeiro ou um novo curso presencial.
Ocorre que o aumento do acesso formao inicial e continua-da no suficiente para melhorar a qualidade da Educao. Pesquisafeita com os prprios licenciados revela que, em geral, os cursos nasinstituies privadas so baseados, prioritariamente, em apostilas comresumos de livros (GATTI, 2013: 40), o que revela a precariedade detais graduaes.
Por outro lado, a literatura indica que as universidades pblicasno esto resolvendo a questo formativa dos futuros docentes. O tra-balho de Louzano, Rocha, Moriconi e Oliveira (2010), por meio daanlise do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade),revelou que os cursos de pedagogia das instituies pblicas so, namdia, melhores que os das instituies privadas, mesmo tomandocomo base o contexto socioeconmico dos alunos desses cursos. Noentanto, afirmam os autores, essa vantagem desaparece quando seconsidera a experincia prvia na docncia. Entre os graduados de
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pedagogia que j deram aulas ou j so professores dois teros dosingressantes dos cursos no se observam diferenas significativas noresultado do Enade dos alunos de cursos pblicos e privados (LOU-ZANO, ROCHA, MORICONI e OLIVEIRA, 2010: 564).
A precariedade da formao inicial amplificada pelo baixo ca-pital cultural e social da grande maioria dos estudantes de magistrio.Isso faz com que a garantia de uma boa formao continuada ganheainda mais relevncia. Atualmente, os futuros professores vm, tipi-camente, dos piores estratos da avaliao do Enem, e um pouco maisda metade deles constitui a primeira gerao em suas famlias a chegar Educao Superior. Na maioria das licenciaturas, tais caractersticasse repetem.
Professores com esse perfil, mais frequente nas instituies priva-das, tero de dar aula para um pblico mais heterogneo, resultante dabusca da universalizao educacional em todos os ciclos da EducaoBsica, incluindo grupos historicamente negligenciados pelo Estadobrasileiro. A eles soma-se um contingente de cerca de dois milhes emeio de professores que j trabalham nas redes pblicas estaduais e,sobretudo, municipais (DIEESE, 2014).
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OBJETIVOSDAPESQUISA
Cabe aqui demarcar o sentido deste trabalho. No se trata depesquisa emprica sobre os resultados dos programas de formao ini-cial e continuada no Brasil. Para tal objetivo, dado o tamanho douniverso temtico, seria necessria uma investigao bem mais ampla,talvez com um grupo maior de pesquisadores embora essa seja umatarefa indispensvel nos prximos anos.
Em vez disso, foi captado material secundrio, referente lite-ratura, documentos e dados oficiais, e realizou-se um estudo indito,com material primrio, de levantamento de percepes dos principaisatores do sistema sobre o modelo de formao docente no pas.
O objetivo foi encontrar diagnsticos, medidas consensuais epontos de discordncia os quais ainda no haviam sido devidamentemapeados , e articul-los na construo de propostas e estratgias deaperfeioamento do processo formativo dos professores, da fase inicial Educao continuada.
Essa estratgia de pesquisa, mais orientada a produzir polticas erespectivas aes de implementao, no comum no Brasil, mas temsido utilizada internacionalmente quando se pretende construir cen-rios e aes de mudana envolvendo os prprios atores na produode solues de polticas pblicas, num debate embasado por evidn-
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cias apresentadas pela literatura. Sob essa orientao, o resultado dotrabalho foi a produo de umpolicy paper.
A pesquisa dividiu-se, assim, em trs fases. Na primeira, foi feitauma reviso bibliogrfica (ver Anexo 1) que analisou ampla gama detextos artigos, livros, captulos, relatrios de organismos internacio-nais, dissertaes e teses sobre a realidade nacional e tambm sobrea experincia internacional.
No plano internacional, o intuito foi destacar as principais ques-tes e tendncias que aparecem nas pesquisas sobre formao docente,buscando trazer temticas importantes e raras na bibliografia brasi-leira e tambm procurar eixos analticos e solues relevantes paraalimentar o aperfeioamento da formao docente no Brasil.
Para a literatura brasileira estabeleceu-se uma lista mais precisade temas:
histrico da formao de professores no Brasil; contedo e prtica dos cursos de pedagogia e licenciaturas, ob-
servando o modelo das universidades pblicas e a expanso doensino privado;
evoluo, organizao e resultados da EAD; estgios, residncias e tutorias nas escolas; impacto do currculo, tanto o da universidade quanto o da Edu-
cao Bsica, na prtica dos professores; polticas educacionais recentes no campo da formao, especial-
mente as aes adotadas pelo MEC e pelos governos estaduais; o perfil dos profissionais que optam pela profisso de professor e
o efeito do modelo atual de carreira sobre essa escolha profissio-nal (e sobre quem escolhe);
o conceito de profissionalizao da carreira docente, tomandocomo base as competncias requeridas e as condies para o exer-ccio da profisso;
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diferenas na formao inicial segundo o ciclo e a modalidadede ensino;
a utilizao de Escolas de Formao, sejam as governamentais,sejam Institutos Superiores, para alm da formao universitria;
os programas de formao continuada dos docentes, bem comoos impactos do acrscimo de escolaridade superior graduaoou ps-graduao no desempenho dos professores;
anlises sobre as relaes entre os eixos do sistema formativo in-tegrado por universidades, redes de ensino (MEC e secretarias)e escolas;
temticas da escola e da sala de aula, em termos de clima e con-texto organizacional, e seus efeitos sobre a prtica pedaggica;
estudos sobre os mtodos de ensino e sua efetividade em termosde aprendizagem, inclusive em relao s diferentes disciplinas; e
pesquisas que identificam o uso de prticas pedaggicas ino-vadoras.
A hiptese inicial do trabalho, confirmada pela pesquisa, era deque os estudos nacionais sobre formao de professores eram fragmen-tados e tinham lacunas muitas justificveis, em face das mudanasainda recentes para possibilitar uma reflexo acadmica consistente ,e que parte do diagnstico poderia ser captado por entrevistas e deba-tes com os atores que participam do processo, analisando as mltiplasposies envolvidas.
Assim, a segunda parte da pesquisa consistiu na realizao de 57entrevistas em profundidade com atores estratgicos (ver Anexo 2) dosistema educacional, influenciadores da temtica da formao.
Foram entrevistados pesquisadores das universidades, gestorespblicos de todos os nveis de governo, coordenadores de cursos degraduao em pedagogia, professores das reas de didtica e meto-dologia de ensino, profissionais da rea de EAD, presidentes de as-
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sociaes de pesquisa cujas temticas tm licenciaturas, membros doterceiro setor que trabalham com o tema, representantes sindicais,membros do Conselho Nacional de Educao (CNE), membros deorganismos internacionais que trabalham com o assunto e diretores eprofessores de escolas pblicas.
A seleo dos entrevistados orientou-se pela diversidade de posi-es, tanto de viso de mundo quanto de vnculo institucional. Dessemodo, foram selecionados, por exemplo, gestores e pesquisadores deinstituies universitrias pblicas e privadas. A relevncia do traba-lho de cada entrevistado tambm foi critrio, no s pela importnciado cargo ocupado ou da pesquisa realizada, mas tambm buscandoprofissionais com experincias bem-sucedidas no campo da formao.
As entrevistas seguiram um roteiro de perguntas (ver Anexo 3)construdo com base na leitura da bibliografia, de modo a colocar emdiscusso o diagnstico presente nos estudos e a trabalhar com ques-tes pouco tratadas pelas pesquisas consultadas.
O tema da formao continuada, por exemplo, no tem litera-tura extensa no Brasil, mas fundamental para o aperfeioamento daprtica docente no pas e apareceu fortemente nas entrevistas, sobre-tudo nas dos gestores.
Tambm foi possvel captar diagnsticos e medidas mais consen-suais, provenientes de atores influentes em diversas partes do sistemaeducacional, gerando alternativas crveis e desejveis. As divergnciascaptadas ajudaram a identificar polticas que podem ter problemas deimplementao.
A terceira e ltima etapa da pesquisa foi a realizao de cincogrupos focais com parte dos profissionais entrevistados (ver Anexo 4).Sua constituio foi pautada pela diversidade de perspectivas e pelaqualidade e abrangncia das entrevistas individuais. Nos grupos, fo-ram debatidos os consensos e dissensos mais importantes, aprofun-dando anlises individuais. O dilogo e o contraditrio foram muito
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bem acolhidos, sendo que muitos dos participantes nunca haviamdiscutido o assunto com os demais.
Nesse sentido, o grupo focal provoca um sentimento de redede polticas pblicas que no existia entre aqueles que trabalham, naprtica ou academicamente, com o tema. Com isso, o estudo permi-tiu a interao entre atores que pouco tm dialogado para alm dasprprias singularidades. Sem esse tipo de espao, muito difcil sairde posies estanques e construir sadas negociadas para as polticaspblicas.
A ideia de rede de polticas pblicas em geral engloba profis-sionais que tratam de um mesmo campo de ao, mas que no tm,necessariamente, a mesma vinculao institucional. O poder de influ-ncia advm das ideias e da reputao de cada um, seja pelo conhe-cimento terico, seja pela atuao prtica ou, em alguns casos, porambos.
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DIAGNSTICODAFORMAODOCENTE
Com base na bibliografia analisada e, principalmente, nas en-trevistas e grupos focais realizados, chegou-se a um diagnstico cujoponto de partida so os conceitos de profissionalidade e profissiona-lizao, ligeiramente adaptados aqui da ideia proposta por Ramalho,Nues e Gauthier (2003). Assim, a profissionalidade tomada comoo conjunto de conhecimentos necessrios ao exerccio profissional, e aprofissionalizao entendida como um campo de trabalho reconhe-cido pela sociedade e que tem estruturas de carreira e aperfeioamen-to permanente do ofcio.
Com base nessa definio, a conceituao principal que embasouo conjunto da pesquisa foi a necessidade de se articular o trip ins-titucional de sustentao do processo de formao docente: centrosformadores (Instituies de Ensino Superior, doravante IES), redeseducacionais (MEC, secretarias estaduais e municipais) e escolas. por meio desse trip formativo que se analisam os problemas e se pro-pem solues para a formao de professores no Brasil.
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MAPA DA LITERATURA: TENDNCIAS E LACUNAS
Reviso bibliogrfica internacional
A literatura internacional comeou a dar maior importncia aopapel dos professores como varivel-chave no resultado dos alunos apartir do final da dcada de 1980. O processo foi precedido da revisodos argumentos do trabalho seminal do socilogo norte-americanoJames Coleman publicado nos anos 1960 ele havia mostrado que oefeito escola era muito menor do que o peso das variveis socioecon-micas no desempenho do alunado.
Textos como os de Rutter et alii (1979) e de Madaus, Airasian eKellaghan (1980) comearam a rever o argumento de Coleman, mos-trando a importncia de se olhar para elementos da chamada eficciaescolar. Como resultado, estudar os insumos e os processos se tornoucentral para o entendimento da dinmica dos resultados educacionais(ver WELNER e CARTER, 2013).
Alm disso, ainda nos anos 1980, a literatura sobre gesto pbli-ca revelava que, se inegvel a relevncia de desenhos institucionais emodelos de gesto, o elemento humano pedra angular na provisode servios pblicos (WILSON, 1989)7. Essa viso tambm foi abra-ada por pesquisas no campo educacional, impulsionando estudossobre o papel dos professores, das lideranas e dos gestores escolaresnos ltimos vinte anos.
Nesse mesmo perodo histrico, organismos internacionais e go-vernos centraram foco no estudo da efetividade dos professores e de
7. O trabalho de James Wilson um marco nas anlises que pretendem combinar a aborda-gem institucional com o estudo das aes de lideranas. Em seu seminal Bureaucracy WhatGovernment Agencies Do and Why Tey Do It (1989), Wilson estuda uma escola de umacomunidade pobre e problemtica, mostrando como as lideranas escolares, professores ediretores podem atuar para modificar uma situao adversa.
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sua formao (OCDE, 2005; BRUNS e LUQUE, 2014). Vrios soos trabalhos acadmicos que mostram o peso dos professores no de-sempenho discente.
Destaca-se, por exemplo, o estudo de Chetty, Friedman e Ro-ckoff (2011), que conclui que os impactos de um bom professor po-dem ocorrer ao longo de toda a vida das pessoas. Segundo os autores,alunos que tiveram acesso a docentes com alto valor adicionado es-to mais propensos a frequentar uma universidade, a ganhar salriosmaiores, a viver em bairros mais afluentes e a poupar mais para aaposentadoria8.
Mesmo havendo uma importante bibliografia sobre o diferencialdos professores na Educao, vale dizer que h muita controvrsiasobre quais caractersticas dos docentes afetariam mais o desempe-nho dos alunos. H textos realando o efeito do conhecimento sobreas disciplinas ministradas, da escolaridade prvia, do conhecimentodidtico, da obteno de certificados, da experincia ao longo da car-reira, do comportamento docente em sala de aula, alm do trabalhocoletivo da escola e seu impacto no professorado.
H, portanto, comportamentos mais observveis e quantific-veis em larga escala, e outros mais vinculados prtica escolar e queprecisam de observao direta para caracterizao e mensurao deresultados. De todo modo, ambos so importantes, e a pesquisa deponta hoje busca entend-los melhor.
Observa-se no cenrio internacional que ainda h lacunas de co-nhecimento sobre o que torna algum um bom professor. Pode-seafirmar que a maioria dos pases no est contente com a formao deseus professores. Mesmo assim, possvel destacar temticas que vmsendo apresentadas como tpicos centrais.
8. A tese de Lara Simielli (2015) faz um excelente balano sobre a literatura internacionalacerca do efeito dos professores no desempenho dos alunos.
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Uma delas reformar e reforar o ofcio do professor, desde aformao at a prtica, por meio de uma maior integrao entre oque se aprende na Educao Superior e o que se efetiva nas escolas.A atuao prtica desde o momento formativo aparece em muitosestudos como essencial para criar melhores docentes, alm de tornar aformao um processo contnuo ao longo da carreira. A permanente emelhor articulao institucional entre a formao inicial, a formaocontinuada e a vida escolar vista hoje pelos estudiosos como pea--chave para melhorar os resultados dos professores.
A ideia de integrao entre centros formadores e a oferta educa-cional no caso brasileiro, MEC, redes de ensino e escolas colocao problema para alm do acrscimo de escolaridade dos docentes.Embora alguns estudos mostrem efeitos positivos nisso, nem sempretal resultado ocorre.
A integrao tambm ultrapassa a utilizao da formao con-tinuada, se essa no for efetivamente acoplada prtica cotidiana daescola e a instrumentos de coaching (ver, por exemplo, a pesquisa deKANE, ROCKOFF e STAIGER, 2008).
Um segundo ponto importante no cenrio internacional aavaliao dos processos de motivao que afetam o desempenho dosprofessores. No que se refere aos incentivos individuais, a remune-rao parece ter efeitos importantes na seleo inicial e na reduodo abandono da carreira (cf. GUARINO, SANTIBANEZ e DALEY2006), sendo esse ltimo ponto fundamental, porque os estudos re-alam o efeito positivo da estabilidade do professor, principalmentenuma mesma escola. Mas um balano geral da literatura constata queo aumento da remunerao com base no desempenho dos alunos noexplica, sozinho, a melhoria do processo educacional.
Na verdade, no h uma bala de prata que defina o processomotivacional docente. Assim, em vez de se prender a um incentivoque capte somente uma das motivaes, fundamental, diz Umansky
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(2005), garantir condies bsicas para o bom trabalho: planejamen-to e trabalho coletivo nas escolas, alinhamento dos currculos, infor-mao sobre melhores prticas de ensino, infraestrutura bsica, apoiodos pais etc. A literatura internacional converge para o argumento deque professores mais motivados e capazes de estimular seus alunos (cf.ANDERSON, 2008) tm mais chances de melhorar os resultadoseduacionais.
Pode-se concluir que a motivao est vinculada a um sistemade incentivo amplo, no qual preciso articular vrias aes. Nessalinha, juntamente com medidas para fortalecer a carreira (atrao, re-teno e desenvolvimento), dar um sentido atuao profissional, aotrabalho coletivo da escola e ao relacionamento com alunos e comu-nidade aparecem como as variveis motivadoras com maior impacto(OCDE, 2005). A formao dos professores, inicial e continuada,tem de levar em conta essa complexidade.
Outro ponto essencial, baseado num conjunto de trabalhosquantitativos e qualitativos consultados, a ideia de que o trabalhopedaggico, a formao e a interveno nas escolas tm de ser vis-tos, ao mesmo tempo, como algo individual e coletivo. Desse modo,o processo formativo envolve a construo de saberes, habilidades ecompetncias tanto individuais quanto organizacionais.
A viso presente na literatura internacional, especialmente emestudos nos campos sociolgicos e educacionais, a de que a forma-o pedaggica do professor tem uma dimenso tripla:
a) o conhecimento do contedodo que ser ensinado, envol-vendo a soma de uma formao geral bsica, tomada comoum capital social que alicera a capacidade de aprender aaprender com o saber especfico de cada campo de estudo;
b) a capacitao e a formao em relao prtica e s meto-dologias de ensino, de modo que os docentes sejam capazes
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de ensinar os alunos a aprender, motivando-os continuamen-te ao aprendizado. Essa prtica pedaggica leva em conta asespecificidades etrias, de reas disciplinares e de modalidadesde ensino; e
c) a constituio de habilidades e competncias de educadorem questes como gesto de tempo e espao na sala de aula;relacionamento com diferentes perfis e componentes sociais(gnero, base econmica e cultural etc.); mediao dos con-flitos entre alunos; trabalho em equipe com os docentes e agesto escolar a fim de integrar melhor as disciplinas e as ati-vidades da escola; conscincia do papel do professor na co-munidade, de modo que seu ofcio envolva a atuao em proldo apoio comunitrio e familiar com vistas no aumento doaprendizado e na motivao do alunado.
A construo dessa dimenso tripla passa por cinco caminhosinstitucionais. Primeiro, o momento da formao inicial, duran-te o qual os futuros professores j devem ter alguma ligao com avida docente; segundo, processos de certificao por meio de examesnacionais ou de cursos que dialoguem com as necessidades dos go-vernos e das escolas, geralmente voltados para questes curricularese pedaggicas; terceiro, aes de mentoria e tutoria por professoresmais experientes e/ou mais bem avaliados; quarto, a adoo e a dis-seminao de padres que definam o que ser um bom professor(DARLING-HAMMOND, 2000); e quinto, a criao de incentivosgovernamentais a prticas inovadoras, seja na formao superior, sejana atuao escolar.
Essa viso tem levado a uma maior pluralidade de objetos e mtodosde pesquisa na literatura internacional, com abordagens quantitativas,qualitativas e combinadas. A escola e, especialmente, a sala de aula tmganhado centralidade nos estudos sobre a docncia e suas qualidades.
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Outra linha importante da investigao internacional envolveo acompanhamento longitudinal dos egressos da formao docente,bem como dos alunos da Educao Bsica. No primeiro caso, o obje-tivo entender o efeito e os caminhos do processo formativo docente;no segundo, os impactos dos professores sobre os alunos em termosde proficincia acadmica e carreira profissional.
Uma tendncia recente verificar como o uso de metodologiasinovadoras pode ter efeito sobre o aprendizado, abarcando o estudode aulas por meio da gravao da prtica docente (ver, por exemplo, otrabalho de CARNOY, 2007), do uso de estudos etnogrficos ou deexperimentos que procuram reconstruir a vida escolar, bem como daanlise dos efeitos das tecnologias de informao como instrumentodidtico de aprendizado dos alunos.
Reviso bibliogrfica nacional
No Brasil, o campo de estudos relacionados formao docenteainda muito incipiente, em comparao com o exterior e com ou-tros temas estudados pela pedagogia. H um conjunto razovel deestudos, mas muito fragmentados quanto ao ngulo de anlise, o queno permite constituir um debate sistemtico que gere um campo deestudos contnuo, inclusive com a multiplicao de pesquisadores.
Do ponto de vista temtico, existem importantes estudos hist-ricos sobre a formao de professores (TANURI, 2000 e SAVIANI,2009) e pesquisas que tentam diferenciar o campo conceitual da pe-dagogia daquele representado pela prtica docente (LIBNEO, 2006e SAVIANI, 2007). Tais trabalhos relacionam-se construo episte-molgica da rea no pas, na tentativa de se firmar como um campocientfico. Esses textos tm o mrito de no transformar o saber cien-tfico em mera tecnicalidade, mas, no geral, no mostram empirica-
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mente como as teorias pedaggicas podem melhorar a formao e aatuao dos professores.
A expanso da formao docente gerou trabalhos importantes.Nessa linha, h estudos sobre o perfil dos alunos que fazem peda-gogia (como LOUZANO, ROCHA, MORICONI e OLIVEIRA,2010). Mesmo assim, pouco se sabe, do ponto de vista da pesquisaemprica, a respeito do percurso posterior dos alunos de pedagogia edas licenciaturas.
Podem ser citados, ainda, estudos sobre processos recentes detransformao na formao de professores, como a Educao a Dis-tncia ou o Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia(Pibid) do governo federal. Nesse caso, ainda cedo para se esperarum maior volume de estudos e maturidade analtica. O que h, sim, uma grande agenda de pesquisa que dever, nos prximos anos, ana-lisar essas mudanas institucionais, particularmente as aes federais.
Vale a pena destacar os trabalhos de autores que procuram mos-trar como a docncia lida com uma srie de aspectos da carreira e docontexto escolar, apontando para habilidades e competncias que voalm da didtica sobre determinado contedo. Essa rea de sociolo-gia da Educao tambm merece um investimento maior por partedas IES, uma vez que preciso entender o trabalho pedaggico numcontexto coletivo mais amplo, como tem colocado a literatura inter-nacional j analisada (ver o trabalho organizado por SOUZA, DINIZe OLIVEIRA, 2014).
Uma rea fundamental, presente na pesquisa internacional, em-bora rara nos estudos brasileiros, a da viso dos egressos. importantecitar estudos que buscam ver como os professores veem sua formaoe o ofcio docente, entendendo a construo simblica da carreira e arelao dela com o processo formativo, o inicial e o contnuo (comoapontam NUNES e RAMALHO, 2008). Infelizmente, no h muitosestudos sobre o significado da formao para os que esto na prtica.
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Feito esse balano temtico, a questo central que, na literatu-ra brasileira, h poucas pesquisas que fazem avaliao de resultadosdo processo de formao dos docentes ou da prtica didtica dosprofessores.
No primeiro caso, podem ser citados os trabalhos de Nicolella,Kassouf e Belluzzo Jnior (2014) sobre o impacto do acrscimo de es-colaridade e de cursos oferecidos pelas redes de ensino na efetividadedos professores, numa amostra de escolas de abrangncia nacional, e ode Fontanive e Klein (2010) acerca de uma experincia bem-sucedidade formao continuada. O trabalho de Bauer (2011) sobre o Progra-ma Letra e Vida trata da formao em servio, outro tema fundamen-tal para se entender como aperfeioar a formao docente no Brasil.
Em relao prtica didtica e seus resultados, o contingentede trabalhos ainda menor. Um deles pode ser realado: o de Fon-tanive e Klein (2012) sobre boas prticas de ensino de matemtica,considerando casos com melhores resultados pedaggicos dos alunos.Tambm h investigaes sobre o uso da tecnologia de informaocomo ferramenta de aprendizado. Nessa linha, vale citar o trabalhode Biondi e Felcio (2007), que procura analisar o efeito positivo dosatributos escolares sobre o desempenho em matemtica das crianasde 5 ano do Ensino Fundamental da rede pblica, revelando impac-to positivo da existncia de acesso internet na escola.
De todo modo, o conjunto de trabalhos que relaciona metodolo-gias de ensino com melhorias no processo educacional, especialmentepara o corpo discente, ainda pequeno. Uma das principais explica-es para isso deriva do fato de que a didtica tem lugar secundrionas grades curriculares dos cursos de pedagogia e nas licenciaturas,algo que tambm acontece no campo da pesquisa, tornando-se umtema menos nobre para os estudiosos.
Como afirmado nas entrevistas, tanto em termos de ensinoquanto de investigao, a reflexo dos pesquisadores sobre Educao
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no Brasil, especialmente na pedagogia, concentra-se mais no o queensinar do que no como ensinar.
importante evitar uma confuso conceitual que acompanha odebate brasileiro. Trata-se do descolamento dos estudos tericos daspesquisas sobre a formao e a prtica docente. Esse descasamento prejudicial no s porque estudos empricos devem ser embasados emteorias, e formulaes tericas precisam de embasamento nos fatos,mas sobretudo porque isso afeta, ao final, a formao dos alunos e dospesquisadores nas IES.
A pesquisa sobre a prtica de ensino nas escolas teria de seguiro chamado efeito bumerangue, acompanhando o seguinte ciclo: en-sina-se na universidade como ser professor em termos de contedo eforma, para cada disciplina; depois, esse saber testado e modifica-do pela prtica na sala de aula; num momento posterior, a academiareflete sobre isso, com vinculao orgnica com as escolas, para en-tender o que d certo e o que d errado, produzindo, por fim, novasreflexes que se traduziriam na melhoria da formao dos alunos depedagogia e licenciaturas.
Em suma, a literatura nacional, com honrosas excees, no ana-lisa a formao do professor como um continuumde carreira, separan-do a profissionalidade da profissionalizao.
Poderia-se argumentar que a falta de um modelo que analise oefeito bumerangue na formao inicial um dado da realidade atualdo sistema educacional brasileiro, no qual h pouca interligao entreos centros formadores e as escolas. Todavia, a carncia de pesquisasacadmicas e, sobretudo, de grupos de pesquisa que investiguem otema dificulta uma reflexo mais profunda sobre a formao inicial.As lacunas bibliogrficas revelam, desse modo, no apenas a realidadeda poltica educacional, mas a maneira como a academia estuda aquesto, criando um crculo vicioso.
A melhor sntese desse debate fica por conta da argumentao de
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Louzano, Rocha, Moriconi e Oliveira (2010). Para eles, apesar de otema gerar grande controvrsia, no h pesquisas empricas que ava-liem a formao inicial de professores no Brasil e a eficcia de diferen-tes currculos na capacitao do docente para o ensino.
De todo modo, essa carncia pode vir a ser uma oportunidade: preciso investir na criao de grupos de estudos sobre formao docen-te e, especialmente, sobre o efeito desse processo, em suas diversas face-tas, na qualidade da Educao. Seria necessrio concentrar a pesquisanas reas de didtica, metodologias de ensino e condio docente, eapoiar projetos multidisciplinares e interinstitucionais que centrem ainvestigao na figura do professor e no impacto de seu trabalho.
Vale reforar que j h um nmero importante de pesquisadoresna rea, mas os estudos e o debate so dispersos, com carncias emp-ricas em assuntos estratgicos. O apoio a esse campo de investigao,como parte da reforma do modelo de formao de professores, pode-ria criar maior sinergia, com concluses mais sistmicas e orientadaspara a poltica educacional.
LISTA DOS PRINCIPAIS PROBLEMAS
Tomando como base a literatura e a pesquisa qualitativa com osatores estratgicos, foi possvel elencar uma srie de questes relevan-tes para o processo formativo docente. Com o intuito de categorizaressa lista, foram selecionados sete principais problemas na formaodocente:
1. integrao do trip formativo (universidades-centros forma-dores/redes de ensino/escolas);
2. perfil do aluno que poder ser futuramente professor;
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3. currculo da Educao Bsica;4. currculo e estrutura profissional-pedaggica dos cursos de
pedagogia e licenciaturas;5. Educao a Distncia;6. profissionalizao da prtica docente, da formao inicial
continuada; e7. atratividade/motivao da carreira docente.
Detalhados a seguir, tais problemas so vistos aqui de forma sis-tmica, isto , articulados entre si na explicao do desempenho daformao docente no Brasil, e devem ser integrados em prol da pro-duo de uma poltica pblica mais bem-sucedida.
1. Integrao do trip formativoConstata-se que h no pas uma m articulao entre profissio-
nalidade e profissionalizao, reflexo de uma baixa integrao do tripuniversidades-centros formadores/redes de ensino/escolas. Isso ocor-re, primeiramente, porque h uma relao muito compartimentaliza-da entre essas estruturas institucionais, cada qual isolada na prpriadinmica organizacional e com poucos mecanismos de interligao.
Isso aparece na relao entre formao e prtica, uma vez que oscursos de pedagogia e licenciaturas, gradativamente desde a dcada de1970, foram se afastando das escolas. Como disse um dos entrevista-dos, h hoje um verdadeiro fosso entre a universidade e as escolas.O que se aprende na faculdade, na formao inicial, no contemplaa vida real das escolas, isto , no leva em conta as vulnerabilidadeseconmicas e sociais das crianas da rede pblica de ensino.
Ao falar sobre o mesmo tema, outro entrevistado acrescentou: Auniversidade desconhece a escola bsica e no a transforma em objetode estudo. por isso que a preocupao com a didtica e a dinmicareal das escolas no aparece na formao dos futuros professores.
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Essa argumentao vai alm do desconhecimento da dinmicasocial. Ela revela que as preocupaes acadmicas da universidade es-to, em geral, distantes do que as escolas precisam para melhorar o de-sempenho. A esse diagnstico, outro entrevistado acrescenta que faltauma relao mais institucionalizada entre uma e outra: Por vezes,a universidade tem preconceitos em relao escola e alimenta umciclo vicioso que contribui para desvalorizar socialmente a profisso edesmotivar o futuro professor do Ensino Bsico. As parcerias so pon-tuais e dependem da iniciativa individual de professores e gestores,que no recebem incentivos para tanto.
Esses problemas tambm esto do outro lado do balco, isto, nas redes educacionais, principalmente nas secretarias dos gover-nos subnacionais. Elas tm um peso mais especial no Brasil, onde osistema predominantemente orientado pelas redes, ao contrrio depases desenvolvidos, como Estados Unidos e Gr-Bretanha, onde algica predominante a da escola, que tem maior autonomia e queorienta o conjunto das aes e reformas.
No que as escolas pblicas brasileiras no sejam peas-chave,mas so as redes que tm maior poder na ordenao das principaisaes em reas como a gesto de pessoas, o fluxo financeiro, a defi-nio das diretrizes de gesto organizacional ou mesmo de polticaspedaggicas. O predomnio transparece, inclusive, ao se analisar oagregado dos resultados dos alunos em exames de proficincia, muitomais correlacionados com as secretarias correspondentes do que comas unidades escolares (cf. ABRUCIO, 2010).
Por causa do predomnio desse modelo rede-orientado, a for-mao de professores tem de estar ligada s secretarias, que precisamter uma relao mais orgnica com os centros formadores. Essa inte-grao no pode ser pontual. Ela deve ter um planejamento de longoprazo que defina as necessidades de pessoal, seja em termos de per-fil, seja em termos de oferta (para formao inicial e continuada), e
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tambm mecanismos para lidar com divergncias e conflitos. Comoapontou um dos entrevistados: O Estado o maior demandante deprofessores, mas no tem clareza do que quer. O concurso um re-flexo disso. cobrado somente conhecimento de contedo, ento asuniversidades s vo ensinar isso. Depois, no adianta reclamar que osprofessores no sabem ensinar.
Poucos so os governos subnacionais que tm uma poltica ativade parceria com centros formadores a fim de captar o pessoal formadopor l. nessa linha que um dos entrevistados argumenta que po-deria haver uma ligao mais forte entre os alunos [de pedagogia elicenciaturas] e as escolas se as secretarias montassem programas queviabilizassem estgios, residncias e, finalmente, o prprio trabalhocomo professor.
Cabe reforar que, embora menor, h tambm uma distnciarazovel entre as secretarias e as escolas. Pesquisa feita pela FundaoGetlio Vargas (FGV) para o Instituto Natura sobre a governanadas secretarias estaduais de Educao, que abarcou todos os gover-nos estaduais e o Distrito Federal, mostrou que os atores escolaresdeclaram haver grandes dificuldades de comunicao com as secre-tarias (ABRUCIO, 2014). Essa ponte, como tambm a ligao comos centros formadores, prejudicada igualmente pela fragilidade dasburocracias das secretarias, bem como pela grande descontinuidadede polticas.
O fortalecimento do trip formativo depende, ademais, de me-lhor coordenao federativa, uma vez que, no plano da Unio, sofeitas as principais regulamentaes acerca da formao e da carreiradocente. Mas tais decises so pouco articuladas com aqueles que asimplementam os governos subnacionais. Na maior parte do pas, asIES respondem mais regulamentao federal, mas suas aes e mode-los formativos tm maior impacto nos estados e municpios, os quais,ao fim e ao cabo, so os que recebem os professores em suas redes.
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Assim sendo, a desarticulao entre as instncias federais e sub-nacionais significa um descolamento entre normatizao e induopor polticas nacionais e implementao descentralizada, opo con-sagrada pela Constituio de 1988.
Resolver melhor a articulao institucional envolve, por fim, de-finir claramente o processo contnuo de profissionalizao do trabalhodocente. A falta de sintonia entre a formao superior e a prtica nasescolas enfraquece a construo do ofcio docente. Do mesmo modo,se a ligao institucional entre as secretarias e as unidades escolares no boa, todo o processo de formao continuada se torna menos efetivo.
Do ponto de vista institucional, cabe frisar tambm que precisoarticular os vrios atores escolares em prol do trabalho pedaggico co-letivo. Nesse sentido, gestores escolares e coordenadores devem estarbem entrosados com a ao dos professores. Um dos entrevistadosressaltou que a escola tem de ser vista como espao de formaocontinuada, o que implica rever o papel da coordenao pedaggica eformar coordenadores para atuar de forma consistente. Para isso, foimuito importante a garantia da hora de trabalho pedaggico remune-rada. Alm disso, temos o coordenador pedaggico, o que no acon-tece em outros pases latino-americanos. Hoje os gestores sabem queeles influenciam a aprendizagem dos alunos, mas preciso avanarna formao desses profissionais, eles precisam se ver como sujeitosresponsveis pela gesto permanente dos professores.
2. Perfil do aluno que poder ser professorOs alunos de pedagogia e licenciaturas, como j mencionado,
frequentaram a Educao Bsica, em sua maioria, em escolas pbli-cas, so de famlias de menor nvel socioeconmico e vo, em grandeparte, para IES privadas, no perodo noturno ou em cursos de EAD.O resultado, como argumentou um dos entrevistados, uma com-binao problemtica, pois, ao mesmo tempo em que tal professor
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precisa elevar sua formao cultural para suprir as lacunas herdadas doEnsino Bsico pblico deficitrio e buscar alm do que a graduaocostuma oferecer, a ausncia da dedicao exclusiva (tempo integral)limita tal formao.
A oferta de mais capital social e capacitao docente depende,assim, das condies criadas nas IES. Tambm se faz necessrio criarespao para o aprendizado prtico, baseado em estgios profissionais.Isso muito dificultado pelo peso que o ensino noturno ou a distn-cia tem na formao desses alunos. Como apontou um dos entrevis-tados, esse pessoal que mais precisaria de tempo para ganhar capitalsocial e instrumentos de reflexo mais elaborados, alm de bagagemdidtica para a docncia. Mas as condies geram o contrrio do queo pas precisa para ter melhores professores.
Muitos entrevistados dizem que essencial pensar em soluesmais amplas e que isso deveria ser feito no s pelo MEC, mas tam-bm pelas secretarias de Educao, em parceria com as IES pblicas eprivadas. Um dos entrevistados foi alm: Sabe-se que a maioria dosprofessores ser recrutada entre ex-alunos da escola pblica, sobretu-do se for para trabalhar na periferia. Por que ento no temos umapoltica mais ampla, para atra-los, conquist-los e mant-los na do-cncia, com ajudas e auxlios desde o Ensino Mdio? Eu acho que nofundo temos vergonha do fato de que nossos professores j no seromais aqueles que vinham da classe mdia. como no Mais Mdicos,continuamos tendo uma viso idealista e elitista de quem atendernos hospitais ou de quem dar aula na escola pblica. Seria bom atrairpessoas com mais capital social e de outras classes sociais, e devemosatuar para que isso possa ocorrer, mas isso demorar um tempo e nosprximos anos ainda teremos o desafio de transformar jovens maispobres em bons professores para outros jovens mais pobres. Alis, sebem-feita, essa relao seria uma ascenso social para ambos. Precisa-mos perder o preconceito para pensar nessa relao.
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3. Currculo da Educao BsicaA melhoria da formao do professorado tem relao estreita
com a organizao da Educao Bsica, particularmente (mas no s)com o currculo. A falta de clareza quanto ao que deve ser ensinadoe quanto s expectativas de aprendizado afeta a docncia. Paradoxal-mente, junta-se a essa indefinio a opo pelo conteudismo, ou seja,pelo excessivo nmero de assuntos abordados, principalmente no En-sino Mdio. Esse modelo curricular produz um vis na formao do-cente, pois, como disse um dos entrevistados, se as escolas do mui-to contedo, a universidade vai priorizar a formao de profissionaissomente conhecedores de contedo. A didtica torna-se irrelevantenesse modelo e as licenciaturas se afastam do saber pedaggico.
O conteudismo, ademais, distancia-se daquilo que a experinciae a literatura internacionais tm apontado como tendncia da peda-gogia no sculo 21: um ensino estruturado por habilidades e com-petncias. Tais caractersticas sero reforadas nos futuros professorescaso o currculo d mais espao para um perfil capaz de articular esintetizar saberes de modo atraente para crianas e jovens.
O modelo estanque, com disciplinas isoladas em relao s de-mais, outro aspecto que afeta a formao. Nessa perspectiva, di-fcil formar um professor capaz de lidar com o aspecto coletivo dadocncia. Como afirmou um dos entrevistados, uma das razes de ohorrio de trabalho pedaggico coletivo ser to mal aproveitado queos professores foram formados como especialistas solitrios e estoassim alocados na grade curricular. No aprenderam na universidadea trabalhar com profissionais de outras reas do saber e, mesmo quan-do frequentam juntos cursos de licenciatura, no h conversa entreeles para aprender a trabalhar em grupo.
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4. Currculo e estrutura profissional-pedaggica dos cursos depedagogia e das licenciaturas
A forma como se estruturam, em termos curriculares e pedaggi-cos, os cursos de pedagogia e as licenciaturas dificulta sobremaneira aformao de um professor mais efetivo para o aprendizado dos alunosdo ensino pblico. Isso se deve, primeiramente, pequena integra-o pedaggica entre teoria e prtica. Obviamente, necessrio passaraos futuros professores uma viso crtica e embasada cientificamentesobre o processo educacional, mas isso tem, no caso dos saberes peda-ggicos, de vir junto com o aprendizado de metodologias de ensino,alm das competncias e habilidades necessrias para exercer bem otrabalho docente.
Segundo bem apontou um dos entrevistados, tem de parar comessa discusso de que o problema que h muita teoria e pouca prti-ca na pedagogia e nas licenciaturas. mais complexo. Nenhuma for-mao superior acontece sem uma boa base terica. Esse um dilemainexistente. Hoje, os futuros professores no so provocados a fazerprojetos com implicaes prticas, em que a base terica da universi-dade seja discutida [...]. Quando o professor percebe que o contedoque ele aprendeu na universidade tem pouca sintonia com o currculoescolar, ele faz adaptaes sem que tenha uma teoria para dar contadisso. Na verdade, ensinaram para eles que os instrumentos didti-cos eram mera tecnicalidade, e ficam rfos de um saber estruturadoquando chegam sala de aula.
Para outro entrevistado, o problema est na forma como boaparte dos pesquisadores das faculdades de Educao interpreta a ideiade teoria: Uma teoria pedaggica tem de buscar explicar as razesque levam um aluno a aprender ou a no aprender. Honestamente,isso no est sendo ensinado aos futuros professores. Na hora em queas faculdades de pedagogia se preocuparem mais em estudar o univer-so de aprendizado dos alunos, sobretudo os de escola pblica, procu-
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rando explicar o que um bom professor e por qual razo, e depoisrepassar isso aos graduandos, a sim vamos ter boas teorias.
A dissonncia entre teoria e prtica nas universidades foi refor-ada mais recentemente pela chamada lgica Capes, voltada ape-nas para a produo acadmica de textos, sem nenhum incentivopara que os profissionais das faculdades de Educao e, sobretudo,das outras reas que fornecem professores para a Educao Bsicadediquem tempo de trabalho para a discusso pedaggica. Assim, aformao especfica para a docncia se tornou uma questo bastantesecundria.
O problema que as universidades de ponta viraram as costaspara o saber e a prtica pedaggica, e as faculdades privadas, em suamaioria, esto pouco preparadas para a tarefa formativa com esse en-foque, que acaba realizada sob condies nas quais os alunos tm pou-co tempo para construir o capital social e o conhecimento didtico.
Essa transformao no modelo de formao docente foi analisa-da da seguinte maneira por um dos entrevistados: Quando recebeu atarefa de formar todos os professores, a universidade considerou maisnobre formar um pesquisador sem prestar ateno s diferentes com-petncias exigidas para a formao do professor. Isso no quer dizerque o professor no tenha que fazer pesquisa, mas ser um pesquisadorprofissional e ser um professor profissional so coisas distintas. O fato que, mesmo tendo sido um enorme avano aumentar a escolaridadedos professores que j estavam nas redes, no soubemos traduzir aformao de nvel mdio, que o Normal dava, em uma formao, nauniversidade, adequada ao ofcio de professor. Essa viso que sepa-ra a reflexo pedaggica dos instrumentos de ensino, dizendo que adidtica mera tecnicalidade, levou a concentrar a formao em teo-rias to gerais que no ajudam a profissionalizar o docente. Com essemodelo, s torcendo pela figura do professor heri, ou criticando osistema em nome do professor coitadinho.
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Hoje, predomina nas IES uma formao com poucas disciplinasmetodolgicas, desarticuladas do restante da grade curricular, inclu-sive em relao quelas que estariam mais prximas do campo teri-co da rea pedaggica. A maior evidncia disso est no trabalho deBernardete Gatti (2010) que, ao estudar os currculos de pedagogia ealgumas licenciaturas, revela que apenas 0,6% deles estavam relacio-nados ao ofcio docente. Diz a autora: Chama a ateno o fato deque apenas 3,4% das disciplinas ofertadas referem-se didtica ge-ral. O grupo didticas especficas, metodologias e prticas de ensino(o como ensinar) representa 20,7% do conjunto, e apenas 7,5% dasdisciplinas so destinadas aos contedos a serem ensinados nas sriesiniciais do Ensino Fundamental, ou seja, ao o que ensinar [...] Aindaassim, constatou-se que reduzido o nmero de disciplinas tericasda rea de Educao (didtica, psicologia da Educao ou do desen-volvimento, filosofia da Educao etc.) e que mesmo as disciplinasaplicadas tm espao pequeno nas matrizes, sendo que estas, na ver-dade, so mais tericas que prticas, quando deveria haver equilbrioentre os dois eixos. Com as caractersticas ora apontadas, com vastorol de disciplinas e com a ausncia de um eixo formativo claro para adocncia, presume-se pulverizao na formao dos licenciados, o queindica frgil preparao para o exerccio do magistrio na EducaoBsica (GATTI, 2010: 1368).
Essa estrutura curricular com pouca nfase nas disciplinas di-dticas tambm no ocorre nas licenciaturas. Como afirmou um dosentrevistados, a prpria universidade forma o professor de geografiaseparado do de histria e as associaes de classe defendem essa fra-tura. A ideia de uma escola de formao de professor nunca foi efe-tivada, em que a pedagogia estaria associada s outras faculdades. Osprofessores da licenciatura so formados em duas unidades diferentese, no caso do especialista, ele nunca tem contato com a pedagogiadurante o curso. No final, recebe apenas um tempero pedaggico.
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O fato que as disciplinas didticas e metodolgicas no s sopouco valorizadas como ainda no esto integradas ao restante do cur-so. Isso enfraquece a articulao entre teoria e prtica, o que dificultaa construo de um campo de pesquisa emprica com reflexo con-ceitual sobre o saber pedaggico e seus resultados. Tambm atrapalhaum ponto essencial, que a criao de didticas especficas para asdiversas reas do saber. Na viso de um entrevistado, existe um saberdidtico mais geral, mas h tambm didticas especficas segundo ocampo de saber. Ensinar matemtica envolve uma dinmica prpria;o mesmo vale para histria, artes ou lngua portuguesa. Esse umgrande desafio para a pedagogia: encontrar as formas especficas deensinar as disciplinas. S assim poderemos fazer com que as crianasaprendam as diversas matrias e tenham prazer e no repulsa peloconhecimento.
Vale destacar que as IES do pouca ateno, no currculo, formao didtica especfica para os ciclos e modalidades de ensino(BARRETO, 2015), como exemplifica bem o caso da Educao In-fantil, que ainda enfrenta uma indefinio de contedo e de identida-de na formao docente.
Mudar o currculo um passo essencial para fortalecer a didticae as metodologias de ensino. Todavia, preciso dar incentivos paraque os professores da Educao Superior deem mais ateno a essaquesto. A dificuldade para isso est em trs pontos. Primeiro, a cha-mada lgica Capes, j mencionada. Segundo, as reas de didticageral e didticas especficas so frgeis e dependem da formao e con-tratao de mais pesquisadores relacionados a essa questo, o que exi-giria fortalecer o campo de pesquisa sobre esse tema. Por fim, no hincentivos para atuar no campo da inovao pedaggica. Como disseum dos entrevistados, preciso utilizar mais metodologias capazesde, ao mesmo tempo, aumentar o aprendizado do aluno e tornar oensino mais atrativo diante da dinmica da sociedade da informao.
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Em alguns pases, caminha-se para um ensino em que o estudante protagonista, avaliado por competncias, com o predomnio da inter-disciplinaridade e de metodologias ativas e colaborativas, coisas queno esto no centro do debate pedaggico das universidades e, porisso, aparecem muito pouco nas escolas pblicas brasileiras.
Para concluir essa discusso, vale citar novamente a argumen-tao de Bernardete Gatti (2010): No que concerne formaode professores, necessria uma verdadeira revoluo nas estruturasinstitucionais formativas e nos currculos da formao. As emendasj so muitas. A fragmentao formativa clara. preciso integraressa formao em currculos articulados e voltados a esse objetivoprecpuo. A formao de professores no pode ser pensada a partirdas cincias e seus diversos campos disciplinares como adendo destasreas, mas a partir da funo social prpria escolarizao (GATTI,2010:1375).
5. Educao a DistnciaA EAD teve enorme expanso no pas, necessria para ampliar a
formao em regies com pouco ou nenhum acesso Educao Supe-rior presencial e para pessoas geralmente j alocadas no mercado detrabalho que no teriam outra forma de adquirir tal conhecimentoe diploma.
Muitas crticas, no entanto, so feitas forma como se deu esseprocesso. O trabalho de Almeida, Iannone e Silva (2012), ao anali-sar oito instituies ofertantes de EAD, mostra problemas referentes expanso desigual dos cursos, com concentrao nas regies maisdesenvolvidas; descontextualizao do curso em relao realida-de local, com pouca inovao e diferenciao; ao baixo nmero deconcluintes; necessidade de melhor tratamento e capacitao dostutores; e ao desenvolvimento de prticas que no fiquem restritas aestgios cumpridos apenas formalmente.
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Num retrato amplo da formao a distncia de professores noBrasil, constituindo-se no estudo mais abrangente sobre o assunto,Daniela Lima (2014) ressaltou vrios aspectos problemticos da im-plementao recente desse instrumento, entre os quais podem serdestacados: baixa coordenao dos rgos que cuidam da regulao,monitoramento e avaliao da EAD, fragilidades na arquitetura pe-daggica dos cursos, necessidade de maior profissionalizao dasequipes pedaggicas que os implementam e avaliao mais contnuados resultados.
Todos esses problemas se devem, em parte, ao fato de que asaes foram implementadas em larga escala num curto perodo. Es-pera-se, portanto, que sejam corrigidos nos prximos anos. O nicoperigo , como apontado por um dos entrevistados, surgir uma visoque negue a necessidade da EAD, tratando-a como prima pobre daEducao presencial. Na verdade, ambas so necessrias para a forma-o de docentes, podendo ser, como j so em alguns lugares, maisbem combinadas, em vez de antpodas.
6. Profissionalizao da prtica docente, da formao inicial continuada
O processo de profissionalizao docente no Brasil bastante pre-crio e mal articulado. A profissionalizao deve se iniciar antes de oprofessor assumir um posto permanente como docente, na forma deexerccios de prtica profissional, como estgios, mentorias e residncias.
No entanto, como argumentou um dos entrevistados, a articu-lao da Educao Superior com a Bsica nos primeiros passos daprofissionalizao muito frgil: Em geral, os convnios entre asuniversidades pblicas e privadas e as redes pblicas de ensino someramente formais, limitando-se a garantir o acesso dos estagirios sescolas. No h diretrizes para os gestores escolares, tampouco para osprofessores da escola que recebem os estagirios. No h carga docen-
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te especfica para acompanhamento dos estgios (nem na escola, nemna universidade), o tempo dedicado pelo professor universitrio noconta como hora aula e tal atividade no avaliada pela instituio.
O estgio, no geral, apenas uma atividade burocrtica, paracumprir crditos, e no uma poltica sistemtica de formao docen-te. Isso deriva, em parte, do fato de que o maior volume de matrcu-las dos cursos de pedagogia e das licenciaturas ofertado no perodonoturno em faculdades privadas. Muitos desses futuros professorestrabalham em tempo integral e geralmente tal atividade no tem re-lao com a sala de aula. A ligao tnue com as escolas em tese, oambiente no qual essas pessoas trabalharo aumenta o fosso entre omomento formador e a prtica profissional.
Mas esse fenmeno tambm decorre do fato de que a maiorparte das IES no valoriza a prtica docente ao longo da graduao,nem mesmo o conhecimento e a experincia didtica, como dito an-teriormente. A consequncia, em instituies pblicas ou privadas, que h, segundo os entrevistados, uma indstria dos certificados deestgio, que vai desde a fraude at uma ao meramente formal deacolhimento e trabalho nas escolas, a no ser em casos mais pontuaisem que h um interesse profissional legtimo nessa relao.
Um avano inegvel ocorreu com a criao do Pibid. A grandemaioria dos entrevistados o elogiou e o tem como um mecanismoque, alm do benefcio pecunirio, integra melhor as IES e a atividadeprofissional dos futuros professores, no apenas proporcionando a in-terligao institucional mas dando maiores condies para os bolsistasterem dedicao efetiva ao processo de formao inicial na prtica.
Porm, o programa conectou pouco as redes de ensino nesse pro-cesso. Como afirmou um dos entrevistados, as redes no foram capa-zes de perceber o ganho que teriam se tivessem criado pontes com oPibid, inclusive incorporando posteriormente esses alunos como pro-fessores de suas escolas. S assim poderiam selecionar melhor quem
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seria avaliado pela prtica de aula e pelo desempenho efetivo, e nopor concursos que no identificam quem bom professor nem mes-mo quem quer ser professor.
Mesmo com essa lacuna, o modelo de articulao institucionaldo Pibid representou melhor, na maioria dos casos, a ligao entreprofessores e alunos, no tendo, conforme um dos entrevistados, umefeito sistmico sobre as faculdades de pedagogia h excees impor-tantes, como o caso da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar).
A pesquisa de Natlia Deimling (2014) sobre o Pibid mostra,por um lado, o sucesso do programa em articular instituies for-mativas antes apartadas, mas reala duas questes problemticas. Aprimeira que ele no deveria ser visto como uma ao solitria feitapara uma licenciatura, mas teria de produzir um projeto mais geral deformao docente nas universidades, inclusive com a participao dosatores externos que so receptculos do capital humano, resultandonuma parceria capaz de construir um modelo de formao de forma-dores. Segundo a autora, isso ainda uma possibilidade.
O outro problema identificado torna mais claro o carter sist-mico da poltica de formao de professores. A anlise revelou que oPibid tem cumprido uma funo dupla: ao proporcionar aos alunosdas licenciaturas a insero e o contato com a realidade escolar, oprograma tem, ao mesmo tempo, contribudo para fazer com que al-guns se interessem pelo magistrio enquanto outros perdem interessee desistem da profisso quando percebem as agruras da carreira e dasescolas reais.
O fato que o ndice de bolsistas do Pibid que seguem na carrei-ra docente pequeno. claro que isso tem a ver, primeiramente, comos quesitos referentes atratividade da profisso. Mas uma parcelaimportante da questo relaciona-se m articulao entre universida-des e redes de ensino para definir o perfil e as formas de atrao e dereteno dos futuros professores.
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Programas ao estilo Pibid s tm chance de dar certo se articu-larem centros formadores, orientando as prticas formativas, com asredes, que devem definir uma poltica de acolhimento e incorporaodesse capital humano. Para tanto, fundamental conectar o Pibid aosprogramas do MEC e dos governos subnacionais, como o Pacto Na-cional pela Alfabetizao na Idade Certa (Pnaic), por exemplo, a fimde fazer com que esses alunos se formem na prtica atuando em algoessencial para a poltica educacional.
O obstculo para esse modelo, acredita um dos entrevistados,est no s na falta de uma poltica integrada entre quem forma equem emprega, mas tambm nos vcios de atuao das universidadese das redes: As universidades pblicas no tm polticas para seusegressos, a no ser que eles entrem na ps-graduao. Se virar docentee nunca mais voltar ps, esse aluno no interessa maioria das uni-versidades. Nas faculdades privadas, depois de formado, o aluno s importante se fizer um novo curso. E as redes de ensino no buscamo aluno da faculdade, j querem algum pronto, que passe no con-curso. A residncia ou algo similar mexeria com a lgica interna dasinstituies formativas e empregadoras.
Muitos dos entrevistados defenderam algum tipo de poltica deresidncia pedaggica, na qual os alunos de pedagogia e licenciaturascompletariam parte da formao nas escolas recebendo algum aux-lio financeiro e apoio pedaggico, ao estilo de uma tutoria, seja pordocentes da universidade, seja por professores mentores da prpriaunidade escolar. Um dos entrevistados comparou essa proposta re-sidncia mdica, na qual se faz o verdadeiro batismo profissional domdico. na residncia que ele aprende efetivamente o ofcio e ,pela primeira vez, tratado como um profissional e orientado pelosprofessores no mais apenas como aluno, mas como um futuro com-panheiro de profisso.
A comparao com o mdico apareceu algumas vezes nas en-
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trevistas, colocando a temtica da profissionalizao docente. Comodefiniu o trabalho de Louzano e Moriconi (2014), o avano da forma-o passa pelo fato de que a docncia deve ser vista como profisso.Isso envolve a criao de padres formativos (o que e como ensinar),mecanismos de ligao da universidade com a prtica e a melhoria dacarreira docente.
A profissionalizao docente, ademais, envolveria um aprendi-zado prtico que comea nas escolas e continua ao longo da carreira.Como apontou um dos entrevistados: Em vrios pases do mun-do, como Estados Unidos e Inglaterra, bem como nos asiticos queesto dando certo, h tutores e mentores nas escolas professoresmais experientes, formados em servio para ser lideranas escolares,que alimentam continuamente a formao docente. No Brasil, noh essa especificao. Acreditamos, na dcada de 1980, que dar todaa liberdade para o professor geraria melhor Educao. Claro que est-vamos saindo de uma ditadura, quando a represso era a tnica. Mashoje vejo que erramos. Temos de ter uma carreira dentro da escola,dando crdito a quem tem mais experincia ou saber numa rea. E aautonomia muito grande tambm fez com que o professor no dessemuita importncia para quem est chegando, o estagirio. Sei que asuniversidades e os governos tambm no do bola para o estagirioe seguem um faz-de-conta nessa histria. Mas se no construirmosuma ideia de tutoria, nunca teremos professores e, diria, escolas pro-fissionalizadas, com planejamento e estrutura para ensinar melhor.
Vale frisar que a construo da profissionalizao depende for-temente do que se chama no Brasil de formao continuada. A pes-quisa de Barreto (2015) sobre formao de professores apresenta oseguinte quadro geral da formao continuada no Brasil: A maiorparte dessa formao ainda feita em moldes tradicionais: palestras,seminrios, cursos de curta durao, ou seja, representa uma ofertafragmentada que no traz evidncias sobre a capacidade de mudar as
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prticas docentes. Ela contribui para afinar o discurso dos professores,servindo para sedimentar um iderio comum, mas a mudana dasprticas educativas requer outras estratgias e demanda um tempopara consolidar-se que no aquele da durao dos cursos. Mesmoquando os professores se convencem de que devem introduzir altera-es em sua maneira de atuar, frequentemente tm dvidas e sentemdificuldade de aplicar os princpios propostos nos contextos em quetrabalham. A falta de acompanhamento aps o perodo de formaointerrompe a interlocuo iniciada no curso.
Nessa mesma linha argumentativa, um dos entrevistados, quetrabalha numa escola pblica da Educao Bsica, assim definiu osprogramas de formao continuada: Em geral, so de tamanho ni-co. O professor tem que vestir aquilo. Se vai ficar apertado ou solto problema dele, no h polticas que, junto com o professor, ma-peiam o que ele quer. Isso importante, porque ele est dentro deum contexto escolar, nenhuma escola igual outra e os profissionaistm trajetria nica. Os processos teriam de levar em consideraoas necessidades formativas de cada um. O que um desafio, aindamais quando pensamos em larga escala. Dessa maneira, a formaocontinuada no adaptada s necessidades das escolas, o que, em al-gum grau, deveria ser feito pelas diretorias regionais de ensino e pelascoordenaes pedaggicas das escolas. Mas as secretarias preferem otamanho nico. E acho que as universidades, as principais produtorasdesses cursos, tambm. No fundo, a formao continuada um dosmaiores exemplos de como as polticas educacionais esto pouco arti-culadas com as escolas.
7. Atratividade/motivao da carreira docenteComo apontam estudos acadmicos e de organismos internacio-
nais (com base na anlise de vrios pases), o processo formativo dos pro-fessores depende muito da capacidade de fazer com que os alunos da for-
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mao inicial pretendam seguir a carreira e que, entrando nela, desejempermanecer e atuar de forma motivada ao longo da vida profissional.
A valorizao da atividade docente o primeiro passo. Comoobservou um dos entrevistados, enquanto o ofcio de professor nofor valorizado pela sociedade, muitos vo continuar achando que ele no profissional, que ele tem uma ocupao que no exige um sa-ber especializado. Temos de mudar essa viso, mas s faremos isso seacharmos que ele igual ao engenheiro, ao mdico, profisses queexigem uma forte especializao, um forte investimento, da pessoa eda sociedade.
Alm de mudar essa viso equivocada sobre o ofcio do profes-sor, preciso desenhar uma carreira mais atrativa para ativar positi-vamente o processo de formao. A literatura internacional, comoj mostrado, reala o impacto positivo do salrio na atrao iniciale no abandono (cf. GUARINO, SANTIBAEZ e DALEY 2006).No caso brasileiro, de fato, a remunerao dos docentes do setor p-blico, quando comparada de outras funes de nvel superior, no atraente. Estudo de Gabriela Moriconi e Nelson Marconi (2008)mostrou que os salrios dos professores da rede pblica seriam 52,1%menores que os das demais ocupaes do setor pblico.
Mas, como tambm reala a literatura internacional, a motiva-o docente vai alm embora no esteja aqum dos salrios, e preciso tratar a questo profissional como um sistema mais amplo.Podem ser destacados cinco pontos que aumentam a atratividade egeram um modelo de gesto de pessoas mais adequado.
1. No h, no Brasil, como noutros pases com excelentes resul-tados educacionais, predominncia do professor de tempointegral, que se dedique exclusivamente a uma escola. A ex-clusividade permite que o docente tenha maior capacidadede investir no desenvolvimento dos alunos, podendo planejar
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com mais esmero as aulas e as atividades. E o mais importan-te: a dedicao a uma s unidade escolar permite uma aomais efetiva de formao continuada, que incida com maispreciso na vida escolar e em seus problemas especficos.
Claro que a condio de trabalho vai alm disso. Insumosescolares relevantes, como infraestrutura, bom clima escolare segurana, entre os principais, tm de ser garantidos, sobre-tudo, para reter o professor na escola. Uma parte da litera-tura e muitas das entrevistas citaram como problema centrala rotatividade e o abandono docente. Do ponto de vista daformao, tal volatilidade significa, primeiramente, que partedo investimento na formao inicial perdida no meio docaminho e, em segundo lugar, que se torna mais complicadofazer a formao continuada com a instabilidade institucionalgerada por esse fenmeno.
2. Um nmero bastante grande de professores tem contratotemporriopor longo tempo. Segundo a pesquisa do Institu-to Natura/FGV, esse contingente chega a mais de um quartonas redes estaduais (ABRUCIO, 2014). Uma situao tempo-rria que se prolonga e se torna definitiva gera precarizaodo trabalho e afeta a motivao para a formao continuada.
3. No h muitas perspectivas de avano nacarreirade pro-fessor a no ser por tempo de servio ou, por vezes, com aaquisio de maior nvel de escolaridade, como a realizao deps-graduao. Um dos entrevistados definiu bem a situao:No h variaes funcionais no ofcio do professor, como sertutor, lder de rea ou algo que o valha, que gere acrscimode remunerao ou uma nova posio. O professor, se fica naescola, s aumenta a renda porque continuou trabalhando aolongo dos anos, ou quando faz uma ps, que nem sempre tema ver com o que ele trabalha, e pode, assim, ser pouco efetivo,
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ou pior, desestimulante. Se quiser mesmo ter uma sensaode que est subindo na carreira, vira diretor ou vai trabalharna secretaria. Assim, perdemos muitos bons professores emsala de aula, que no necessariamente viram bons diretores ougestores. A moral da histria que criamos incentivos paraeles fugirem da sala de aula.
4. Dentro do sistema de carreira, tambm necessrio um pro-cesso justo de avaliao, gerando benefcios individuais ecoletivos. Um exemplo de distoro, tanto para o docentequanto para a poltica educacional, a ineficcia do estgioprobatrio. Essa exigncia no tem servido efetivamente paraavaliar e definir quem tem vocao e talento para ficar noservio pblico. Como a maioria dos concursos no contmprovas didticas, esse seria o nico momento para aferir seos professores concursados sabem ou no exercer a prticadocente. Mas no o que ocorre, na grande maioria dos ca-sos. Vrios entrevistados afirmaram que a falta de um estgioprobatrio efetivo afeta a qualidade do ensino brasileiro e en-fraquece a profissionalizao da carreira docente.
5. So raros os bons programas de formao continuada. Osentrevistados foram unnimes em dizer que processos de ca-pacitao geradores de acrscimo de maior conhecimento, es-pecialmente se esse for til para a prtica docente, ajudandoos professores a resolver melhor os problemas na escola e nasala de aula, so motivadores e ajudam a aperfeioar o desem-penho docente.
A boa formao continuada, ademais, tem a potencialidade degerar um espao de reflexo. Um dos entrevistados comentou: Todasas vezes que a formao discute temas importantes da escola, meusprofessores voltam animados, porque ganharam um espao novo que
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os tira do dia a dia e os faz pensar na prtica. A gente tenta discutirnossos problemas na escola, mas quando um ator externo traz novasinformaes, um jeito diferente de olhar, com conceitos e ferramen-tas, a discusso fica melhor.
Entretanto, vrios dos entrevistados realaram que nem sempre aformao continuada cumpre esse papel, uma vez que, como j apon-tado anteriormente, muitas vezes o processo descolado da realidadeescolar e, alm disso, nesses casos ele feito sem acompanhamentoposterior dos resultados e adoo de novas capacitaes.
O efeito motivador e atrativo da formao continuada, portanto,no est vinculado apenas aquisio de novos conhecimentos. Ela til e estimulante aos professores quando consegue trazer informa-es que possam melhorar a atuao na escola. Por isso, as secretariasprecisam casar melhor os programas de capacitao e desenvolvimen-to profissional com as demandas e o aperfeioamento contnuo dasunidades escolares. Como disse uma diretora: Queremos ser ouvidospela secretaria em relao formao continuada. Se criarmos umarelao permanente quanto a esses programas, poderemos aprendermais e dizer o que pode ser til para ns. Sentiremos mais que somosuma coletividade, o que bom para as relaes entre os professores,os funcionrios, os alunos e a diretoria. E quando estivermos maisprximos, mais envolvidos com a superao dos desafios, ficaremosmais satisfeitos. Creio que numa escola em que todos esto satisfeitos,a luta para melhorar os resultados, com todas essas provas e ndices,fica mais fcil.
Para finalizar o diagnstico, vale dizer que os sete aspectos apon-tados neste captulo podem ser analisado