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História ilustrada da medicina 15

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A epopeia humana em busca do conhecimento, incluindo o alívio do sofrimento, é abordada desde a queda do Império Romano até o século XVII, quando se iniciam a Idade da Razão e a ciência moderna. O Islã conservou a cultura greco-romana e a ampliou, enquanto a Europa mergulhava na barbárie da alta Idade Média. Os europeus que lutaram ou acompanharam os cruzados levaram, de volta à Europa, a cultura da Antiguidade e o saber dos árabes, traduzindo as obras para o latim. Assim, na baixa Idade Média surgiram os movimentos humanistas e a ampliação do mundo conhecido com as grandes navegações, culminando no Renascimento...

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História ilustrada damedicina da idade média ao século do início da razãoA medicinA no seu contexto socioculturAl

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São Paulo - 2015

História ilustrada damedicina da idade média ao século do início da razãoA medicinA no seu contexto socioculturAl

carlos Henrique Vianna de andrade

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Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda.

Capa Jacilene Moraes

Diagramação Felippe Scagion

Revisão Andrea Bassoto

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________A566h

Andrade, Carlos Henrique Vianna de História ilustrada da medicina da idade média ao século do início da razão: a medicina no seu contexto sociocultural / Carlos Henrique Vianna de Andrade. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2015. il.

ISBN 978-85-437-0390-9

1. Medicina - História. I. Título.

15-23209 CDD: 610.9 CDU: 61(09)________________________________________________________________28/05/2015 03/06/2015

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 – 3º andarCEP 01012-010 – Centro – São Paulo – SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorização da Editora e do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com a Editora.

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Este livro é dedicado à Eliana, minha esposa, e aos meus filhos Juliana, Viviane, Patrícia, Débora e Carlos Filho.

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Prefácio

Desde que os humanos deixaram de ser animais com a cultura adqui-rida, criaram duas coisas básicas. Primeiro, a recreação, para tornar a vida mais satisfatória, e a segunda, a busca do alívio do sofrimento e, se possível, o prolongamento da vida.

Dado que, pelo menos entre os mais jovens, a recreação principal era o sexo, antes de ser inventado o celular, provavelmente surgiu a prostituição. É claro que os contadores de história e os prestidigitadores vieram em segui-da, assim como os artistas plásticos, que pintavam as paredes das cavernas e criavam estatuetas de barro, porque não só o sexo divertia os humanos. E como o sofrimento, seja físico ou psíquico, torna a vida penosa e a vontade de viver é incrustada nos genes da espécie, a medicina também surgiu nos primórdios da humanidade.

As primeiras pessoas a se dedicarem à medicina foram as mães, impreg-nadas da vontade de aliviar o sofrimento dos filhos e prover a sua subsistên-cia. A medicina é naturalmente feminina, pois a vontade de aliviar o sofrer das outras pessoas é um instinto próximo do materno. Essa vontade faz criar o alívio, com a observação do que é propício para a saúde e o bem-estar. Mais tarde, os homens tomaram a medicina das mulheres, porque a habi-lidade de aliviar o sofrimento ou mesmo curar doenças, fraturas, etc, traz poder e status. A intermediação com os espíritos ou deuses foi incorporada, dado que a crença no sobrenatural também fazia parte da cultura humana

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desde sempre, para explicar o imponderável. A doença, muitas vezes, era interpretada como castigo.

Portanto, a História da Medicina e das doenças é a História do ser humano, do seu dia a dia, do seu íntimo, do seu viver. Se Alexandre não tivesse adquirido malária ou febre tifoide aos 33 anos, na Babilônia, ou tivesse sobrevivido, a história da antiguidade provavelmente seria diferente e seu império não seria dividido entre os três generais. A cultura grega e da macedônia teriam penetrado com mais intensidade no Oriente Médio e na Índia, possivelmente até no Extremo Oriente.

A história e a cultura humana são feitas de casualidades e uma das mais frequentes é a doença. Na cultura árabe, o Ano do Elefante – 680 da era oci-dental atual –, foi quando o exército etíope tentou invadir Meca montado em elefantes. Então, Alá enviou aves, que lançaram pedras incandescentes sobre os invasores. Como Deus respeita suas próprias leis, deve ter provoca-do uma epidemia de varíola, doença frequente na época e local, que cobriu o corpo dos etíopes de bolhas e dizimou seu exército.

Se os africanos tivessem conseguido invadir Meca, Maomé não teria nascido naquele ano. Ainda, se não fossem o frio e a fome, que também são doenças, o cartaginês Aníbal teria atravessado os Alpes ileso e invadido Roma com seu exército de elefantes. Napoleão não seria derrotado se não fossem o frio, a fome e as doenças que acometeram os franceses, na Rússia.

Assim, a saúde e a doença escrevem a história humana. Se se quiser entender o ser humano, é importante saber como ele lidou com esses fatores ao longo do tempo.

Este não é um livro só para médicos. É para todos que se interessem pela vida humana em todas as suas peculiaridades.

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Sumário

1. Queda do Império Romano e o Império Bizantino . . . . . . . . . . . . . . 11

2. A Pérsia Sob os Sassânidas e a Universidade de Gundeshapur . . . . . . 29

3. Os Árabes e o Islã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

4. A Ciência e a Medicina Árabes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

5. Alta Idade Média na Europa, ou a Primazia da Fé, Século V ao X . . 109

6. Cruzadas, Arabistas e Universidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

7. Baixa Idade Média: Pré-Renascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159

8. Renascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185

9. Medicina Renascentista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231

10. Idade do Início da Razão, Século XVII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267

11. Ciência no Século XVII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303

12. Medicina no Século XVII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345

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1. QueDA Do imPÉrio romA-No e o imPÉrio BiZANTiNo

Antes de se abordar a história da medicina no final da Antiguidade e Início da Idade Média, é necessário fazer um resumo das condições socio-culturais e políticas da Europa e do Oriente Médio, para se contextualizar o papel da medicina e da saúde daquela época.

1.1 Fim do Império RomanoA Civilização Greco-Romana atingiu o auge nos séculos I e II da era atual

e iniciou sua decadência no século III. Foi a maior e mais complexa civilização da Antiguidade, estabelecendo as bases da convivência social, da estrutura fa-miliar, do direito, da filosofia e do modo de ser da maioria dos humanos atuais.

Figura 1.1 - O Império Romano durante o governo de Trajano (98-117 d.C.). O Mediterrâneo era um lago interno do Império. Acessado em 12 set. 2012. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Roemischeprovinzentrajan.png.

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Em 330 d.C., Constantino criou outra capital do Império Romano na antiga cidade de Bizâncio, com o objetivo de administrar melhor seu vasto domínio. Bizâncio ficava na margem do Bósforo e a abrangência da nova capital era a região leste do Império, englobando a Europa Oriental, o Oriente Médio e o Norte da África.

Após sua morte, a cidade passou a se chamar Constantinopla e em 395, o Império Romano, por questões sucessórias, dividiu-se em dois: o Império Romano do Ocidente, com a sede em Roma, e o Império Romano do Oriente com a capital em Constantinopla, que passou a ser conhecido depois como Império Bizantino.

Este foi o mais longo dos impérios, tendo durado até sua queda, com a invasão dos turcos em 1453, quando passou a fazer parte do Im-pério Otomano.

No século V, enquanto o Império Romano do Oriente se fortalecia e expandia-se territorialmente, o Império Romano do Ocidente se es-facelava, sendo constantemente assediado pelos bárbaros do Norte da Europa e da Ásia Central.

No ano de 476, o último imperador romano, Rômulo Augusto, foi derrotado pelos ostrogodos. Os historiadores, incluindo Gibbon1, estabe-leceram essa data como o fim da Antiguidade e o início da Idade Média.

Figura 1.2 - Saque de Roma pelos Vânda-los em 455. Pintura de Henrich Leuter-mann (1824-1905). Acessado em 12 set. 2012. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Heinrich_Leutemann,_Pl%C3%BCnderung_Roms_durch_die_Vandalen_(c._1860%E2%80%931880).jpg.

Embora a História tenha se ini-ciado com Heródoto, Tucídides e outros intelectuais gregos, a primeira pesquisa histórica considerada cien-tífica foi realizada por Edward Gib-bon, no século XVIII.

Ele pesquisou por mais de 20 anos documentos elaborados pelos romanos que viveram naquela épo-ca, para concluir sua obra A Histó-ria do declínio e queda do Império Romano, em quatro volumes1-4. O primeiro volume foi editado em 1776 e o último em 1788.

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Figura 1.3 - Edward Gibbon (1737-1794), óleo sobre tela de Sir Joshua Reynolds (1723-1792). Acessado em 20 jan. 2013. Disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/de/Edward_Emily_Gibbon.jpg.

Gibbon expõe com clareza as pro-váveis razões dessa decadência. Uma de-las foi o descontrole econômico causado pelas despesas exageradas e pela corrup-ção dos imperadores e da elite romana nos séculos III e IV.

O dinheiro se desvalorizou pela ele-vada inflação, minando as bases da eco-nomia complexa, alicerçada na divisão de trabalho, nas trocas comerciais e nos saques às outras nações.

Os cidadãos passaram a ser menos remunerados e a perda do poder aquisi-tivo fez com que pessoas fossem abando-nando as cidades e indo para o campo, onde puderam estabelecer uma econo-mia de sobrevivência, autossuficiente nas

suas necessidades básicas. Foi assim o início do sistema social rural feudal. A manutenção do exército organizado, com várias centenas de milhares de

soldados foi ficando cada vez mais difícil, limitando a expansão do império e a aquisição da mão de obra escrava e dos butins necessários à economia vigente.

Por outro lado, a pressão exercida nas divisas orientais do Império, com o aumento da população e da sofisticação social das tribos germânicas do Norte da Europa e da Ásia Central, tornou mais difícil a manutenção da integridade do seu território.

Pelos armistícios necessários à sobrevivência, a assimilação desses bárbaros ao contingente das tropas romanas foi minando a hierarquia e a organização militar, comprometendo a eficiência do exército. A poderosa e uniforme infantaria foi sendo trocada pela cavalaria desordenada e sem controle, enfraquecendo a centenária e quase invencível estratégia romana5.

A partir do século III, nenhum outro médico romano ou grego do Império do Ocidente deixou algum legado à posteridade, como um livro ou um conceito entre os cronistas da época.

A sensação de decadência parece ter tomado conta da população do Império Romano do Ocidente, que se conformou em sobreviver o dia a

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dia até o fim das suas vidas, sem segurança contra os saques, com a subsis-tência e o futuro incertos.

Por outro lado, o Cristianismo adquiria cada vez mais adeptos. A sua doutrina interpretada e divulgada por Paulo de Tarso era de que a vida terrena era provisória e tudo que era material era ruim e pecado; o que valia era o espírito, que compartilharia a eternidade com Deus, caso levasse uma vida justa e desapegada.

Portanto, com a vida material de má qualidade e sem esperança, nada mais confortador do que esperar pela recompensa do sofrimento após a morte.

Assim, a cura e o alívio dos sofrimentos humanos materiais se torna-ram obsoletos. Além disso, de que adianta a saúde, se o bem-estar físico está comprometido pela insegurança e o caos social?

1.2 A destruição da Biblioteca de Alexandria e o fechamento da Academia de Atenas

Um dos baluartes da cultura e da medicina grega, incorporada e mantida pelos romanos, a Biblioteca de Alexandria foi instituição se-melhante às modernas universidades, com o Museum, assim se chamava o complexo, com escolas de filosofia, matemática, geometria, poesia, as-tronomia e medicina.

Em 415, a Biblioteca de Alexandria foi invadida por uma multidão enfurecida, que incendiou parte dos seus mais de 700.000 volumes de rolos de papiro e de pergaminho. Algumas horas antes, monges haviam trucidado e esquartejado Hipácia, a coordenadora do Museum e da Biblioteca.

Enquanto ela passava numa carruagem em frente à principal igreja da ci-dade, o bispo Cirilo, patriarca de Alexandria, aproveitou a oportunidade e incitou alguns monges a atacá-la, sob a alegação de que ela era pagã e responsável por um antro de hereges e perdição que eram o Museum e a Biblioteca6.

Figura 1.4 - Ruínas da antiga Biblioteca de Alexandria, com a cidade atual no fundo. Acessado em 25 set. 2012. Disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/86/Alexandria_-_Pompey%27s_Pillar_-_view_of_ruins.JPG

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Hipácia, com 45 anos na época, era uma competente matemática, astrônoma e filósofa neoplatônica, filha do eminente matemático de Ale-xandria, Teão. Seu pai enviou-a para estudar na Academia de Atenas, onde passou alguns anos, retornando para Alexandria.

Ela tinha grande carisma e suas palestras e aulas eram concorridas, nas quais expunha ideias com clareza e lógica irrefutável. Era admirada e res-peitada por cristãos, judeus e pagãos. Além disso, Hipácia é descrita como uma mulher muito bonita. Naturalmente, por todas estas qualidades, tinha muitos admiradores, como também era alvo de inveja e despeito pelos ad-miradores repudiados7.

Figura 1.5 - Hipácia (em pé), detalhe do afresco Academia de Atenas de Rafael Sânzio (1511), no Vaticano. Acessado em 10 set. 2012. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Sanzio_01.jpg

Como se não bastasse tanto incômodo para o bispo de Alexan-dria, pois pessoa tão brilhante e in-fluente não era cristã, e Hipácia era amiga do prefeito da cidade e do bispo de Cirenaica, dois notórios desafetos de Cirilo.

O bispo de Cirenaica havia estudado em Alexandria e manti-nha correspondência filosófica com a ex-professora, a quem muito ad-mirava. Além disso, o bispo de Ci-renaica também apoiava Nestório, o bispo de Constantinopla, outro desafeto de Cirilo.

O prefeito de Alexandria desagra-dara Cirilo por proteger os judeus e os

pagãos de Alexandria contra a ira piedosa do bispo, impedindo sua expulsão. Cirilo, como bispo de Alexandria, era primaz do Egito, e um dos

expoentes do Cristianismo no Império Bizantino. Portanto, exercia for-te influência sobre o clero e, assim, os monges, sob suas ordens, arran-caram Hipácia de sua carruagem, rasgaram suas roupas, mataram-na e esquartejaram seu corpo8. Edward Gibbon confirma essa versão cruel da morte de Hipácia9.