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Holding Familiar e suas Vantagens - Planejamento Jurídico ... · tempo: a paixão avassaladora, o príncipe encantado ou o homem divino, a mulher linda e gostosa, a fama e a fortuna,

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A EDITORA ATLAS se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição (impressão e apresentação afim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). Nem a editora nem o autor assumem qualquerresponsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra.Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, é proibida a reprodução total ouparcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos,fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor.

Impresso no Brasil – Printed in Brazil

Direitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesaCopyright © 2018 byEDITORA ATLAS LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalRua Conselheiro Nébias, 1384 – Campos Elíseos – 01203-904 – São Paulo – SPTel.: (11) 5080-0770 / (21) [email protected] / www.grupogen.com.br

O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer aapreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102da Lei n. 9.610, de 19.02.1998).Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidoscom fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem,será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo comocontrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98).

Capa: Danilo Oliveira

Produção digital: Ozone

Data de fechamento: 15.02.2018

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

Mamede, Gladston

Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar /Gladston Mamede, Eduarda Cotta Mamede. – 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.

Inclui bibliografiaISBN 978-85-970-1594-2

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1. Empresas familiares – Legislação – Brasil. 2. Empresas familiares – Brasil – Sucessão. 3. Holding companies –Brasil. I. Mamede, Eduarda Cotta. II. Título. III. Série.

18-47441 CDU: 346.810668

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Aos nossos pais,Antônio e Elma Mamede,

José Geraldo e Atair Cotta,nossa gratidão por todo o Amor,

Carinho e Dedicação.

E aos nossos filhos,Filipe, Roberta e Fernanda,

a quem amamos demais.

Deus os abençoe e lhes dê boa sorte na vida.

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Nota dos autores

O tempo enterra, sem qualquer comiseração, histórias lindas, casos impressionantes.Esquece, passa por cima, supera. Sobrevivem um pouco, enquanto a língua ainda corre àrédea solta, mas depois se embrenham no silêncio, como se deixassem de existir. Porisso, é sempre bom contar bons causos, sabemos nós, os mineiros. Nas cozinhasperfumadas de café e pão de queijo, a gente repete à larga as narrativas que se ouviramdos pais, avós, tios, amigos. E, assim, vamos dando sobrevida ao passado, se bem que,deveras, quem conta um conto aumenta um ponto.

A história de Pantaleão e Honorina é verdadeira, vou de logo avisando. Não éinvencionice, não. Nem os nomes são inventados; são esses mesmos, razão pela qualquem bisbilhotar um pouco logo encontrará ecos dessas linhas na boca do povo. Afinal,os parentes deles ainda estão lá, em Ponte Nova, onde os fatos se passaram há váriasdécadas. O caso se deu nas beiras iniciais dos novecentos, enredado pelos meados doséculo, mas há netos que ainda estão vivos, embora velhos. Seus bisnetos estão adultose criam filhos, entre novos e adolescentes.

Ponte Nova é uma cidade construída às margens do Rio Piranga, na Zona do Carmo,ou seja, na região de Mariana. Está próxima de Ouro Preto, outrora Vila Rica, primeiracapital da Província das Minas Gerais. Cidade bonita onde correm os dias numa brejeiricegostosa e honrada, merecendo o progresso, embora guardando um jeitinho só seu. Foi alique viveram Pantaleão e Honorina. Casaram-se e fizeram família, tocando a vida noreiterar das manhãs, entregues ao ofício dos dias. De filhos tiveram uma reca, criada comatenção e carinho. Juntos construíram uma família e mesmo um casarão no alto domorro, com varanda e tudo. E foram assim, velhice adentro, cumprindo o destino.

Mas Honorina morreu.Pantaleão chorou seu caixão, velando o corpo amado. Os olhos queimaram na

ausência da esperança, roubada agressivamente pela morte. Secou-se em lágrimas porrenovadas vezes e, cambaleante, viu entregarem-na a terra. No entanto, manteve-se empé, homem cumprindo seu dever de homem.

Estavam, enfim, apartados, Pantaleão e Honorina. Ele a chorou ali, no cemitério,como a chorou no purgatório interminável das noites, condenado ao quarto que nem oscobertores esquentavam e as paredes não davam fim. Foi assim que aprendeu que a

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cama vazia dos viúvos é a pior das câmaras de torturas. A vida, nessas madrugadas, épior que a morte. É impiedosa; é cruel.

Findo o martírio de cada noite, aos dias entregava-se sentado na varanda da casasem vida. Nunca antes se dera conta dessa vantagem: dali se via fácil o cemitério. Porum tal horizonte, pagaria qualquer preço. Mas, por sorte, a casa já era sua e, por isso,passava as horas namorando, a distância, o túmulo de Honorina, tomando conta do seuleito até que a noite lhe obrigasse novamente ao tombo na cisterna da cama, entregueàs dores da ausência. Velou-a, assim, por cerca de um mês, suportando o contraste daslembranças, felizes em seu conteúdo, terríveis por serem apenas retalhos apodrecidos deum tempo passado. Até isso a morte tinha matado.

Ao cabo de mês, morreu ele próprio, para renovada tristeza dos filhos, que choraramo seu caixão, velaram o seu corpo e, enfim, entregaram-no à terra. Apartaram-se dospais e foram tocar suas vidas até que também morreram, como já morreram mesmoalguns de seus próprios filhos. É a regra da vida. Contudo, desde aquele dia, em quetambém baixou à terra, Pantaleão libertou-se das noites geladas e solitárias em que eratorturado. Pantaleão está junto de Honorina, pelos séculos e séculos e séculos... Deusnos proteja, os enamorados.

A felicidade tornou-se um mito. Todos a querem, mas quase ninguém está certo depossuí-la. Ela nunca é completa, nunca é total; estranho, não? Onde estaria, então, afelicidade? Na qualidade de mito, a felicidade mora junto de outros mitos de nossotempo: a paixão avassaladora, o príncipe encantado ou o homem divino, a mulher linda egostosa, a fama e a fortuna, o carro magnífico, o luxo etc. etc. São mitos que nos atam aum futuro idílico, de difícil concretização e, assim, sempre parece faltar alguma coisa.Nunca nos sentimos verdadeira e perenemente felizes, enquanto seguimos a rotina detrabalhar e consumir. Trabalhamos para consumir, na ilusão de que produtos e serviçosnos vão fazer felizes, sendo melhor quanto mais consumirmos. Assim, vendem-nos falsasesperanças e mesmo imagens: quem somos, quem seríamos, contrastando-nos commodelos que são, eles próprios, uma construção artificial e irreal, envoltos em seuspróprios dilemas pessoais.

Contudo, a felicidade não está ligada a qualquer produto ou situação; não está naviagem ao exterior, no emprego que eu não tenho, no prêmio de loteria que não ganhei(ainda!). Ao contrário do que nos insiste em dizer a publicidade, a felicidade não estácondicionada a isto ou aquilo, não decorre de uma compra. É apenas um estado d’alma esomos nós que podemos condicioná-la. É singela e verdadeira, bem distante da imagemeufórica reiterada pelos anúncios: gargalhadas constantes, emoções fortes constantes,paixão constante (você será feliz com esta ou aquela bebida, numa viagem para tal ouqual lugar, usando esta ou aquela roupa etc.). Uma ilusão de felicidade cega-nos os olhos

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e nos empurra para o consumo de produtos e serviços, como se ali estivesse o queprocuramos. Não está.

Assim, cada vez mais, padecemos de um certo vazio, com maior ou menorfrequência. Chamem-no de tristeza, melancolia ou depressão, por vezes nos vemossustidos por um fio sobre um abismo escuro, inseguros, insatisfeitos, sem perspectivas.Não se trata de um privilégio nefasto do princípio do novo Milênio, o terceiro, já que aangústia está presente em vários outros momentos da história, a exemplo do barroco,romantismo, simbolismo, existencialismo etc.

Talvez seja o próprio conceito de felicidade que precise ser remodelado e repensado.Talvez, se ele fosse menos mítico, menos hollywoodiano (esses embustes que sãoseguidos pelo The End), pudesse ser mais fácil de ser vivido. Será que não estamosapegados demais a essas referências míticas para sermos felizes? Felicidade não seconfunde com fuga: o ser humano feliz não se teme ou se odeia: aceita-se como é, aindaque queira – e se esforce – por melhorar; respeita-se e procura conhecer-se (e não seiludir). Por outro lado, felicidade não é sinônimo de irresponsabilidade: não é um estadode abandono das coisas cotidianas, mas uma harmonização (segundo o Aurélio, harmoniaé a “disposição bem ordenada entre as partes de um todo”) dos elementos que compõema vida: trabalho, convivência com os outros, os tantos atos cotidianos (como alimentar-se, por exemplo), paisagens, circunstâncias, o tempo: em tudo há inúmeros detalhes quemerecem atenção, pois podem revelar pequenos prazeres (que sempre serão osmelhores, porque são mais verdadeiros que os mais exaltados).

Estamos perdendo os instantes, atropelando os dias e, de tempo em tempo,percebemos que a vida está indo “rápido demais” (estamos tão preocupados em nãoperder tempo, que acabamos perdendo o tempo). O antídoto pode ser não só asimplicidade, como a valorização de uma postura nova: a atenção nos detalhes (comonos sentidos: aromas, sabores, texturas, cores, sons), a gratidão, a cordialidade, osorriso, a paciência, o carinho. Perceber um outro mundo que existe paralelo a estecaótico em que vivemos. A vida é, acima de tudo, simples. As complicações são umfenômeno cultural humano. Então, seria bom compreendermos a simplicidade da vida.Note, por exemplo, que uma parte considerável (senão a maior) dos problemas éconstruída, mentalmente, por nós mesmos. Quem irá, em si, arar e fertilizar a terra dafelicidade? Quem irá se dispor a um esforço tão inglório, tão pouco comum, tão poucoprovável (ilógico, quase!) de fazer-se harmonioso?

Queremos encontrar, dentro dos nossos olhos, a paz. Sabemos que ela está lá. Porvezes a vemos: vemo-la em nós. Sabemos que é difícil, mas queremos tentar. Erramosmuito, mas queremos continuar tentando. Quem sabe não vamos conseguir? Há umapromessa antiga: Você pode tentar milhares de vezes: a porta sempre estará aberta,

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dizem os sufis.Com Deus,Com carinho.

Gladston e Eduarda Mamede

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Sumário

Tecnologia jurídica e advocaciaQualidade e inovação

Gestão da inovação jurídica

Inovação advocatícia

A teoria da empresa

HoldingDefinição de holding

Equívocos comuns

Natureza jurídica: simples ou empresária

Tipicidade societária

Tipos societáriosSociedade simples comum

Sociedade em nome coletivo

Sociedade em comandita simples

Sociedade limitada

Sociedade anônima

Sociedade em comandita por ações

Eventos societáriosDimensão escritural das sociedades

Transformação societária

Incorporação societária

Fusão societária

Cisão societária

Justificação

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Planejamento patrimonial e familiarEstruturação empresarial

Uniformidade administrativa

Contenção de conflitos familiares

Distribuição de funções

Administração profissional

Proteção contra terceiros

Proteção contra fracassos amorosos

Desenvolvimento de negócios

Offshore company

Planejamento sucessório e tributárioO desafio da sucessão

Herança e testamento

Sucessão premeditada

Holding na sucessão hereditária

Planejamento fiscal

Análise fiscal

Constituição da holding familiarNatureza e tipo societário

Sociedades contratuais

Sociedades por ações

Subscrição e integralização de capital

Integralização pela transferência de bens

Eireli holding

Direitos sobre quotas e açõesQuotas e ações

Indivisibilidade, grupamento e desdobramento

Condomínio

Usufruto

Penhor

Cessão

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Outras cláusulas e ônus

Relações societáriasPlanos diversos

Cônjuges

Sócio incapaz

Faculdades e obrigações sociais

Pactos parassociais

Acordo de acionistas

Acordo de quotistas

Execução e resolução

Outros pactos parassociais: regulamentos internos

Proteção dos minoritários da holding

Resultados sociais: lucros ou perdas

Relações entre sociedades

Subsidiária integral

Grupo de sociedades

Funcionamento e extinçãoEntificação do patrimônio

Representação e administração

Administração coletiva

Término da administração

Deliberações sociais

Dissolução

Empresas familiaresO desafio

Definição

O papel do advogado

Valorização da família

Bibliografia

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Tecnologia jurídica e advocacia

Qualidade e inovação

De tempos em tempos, o ambiente empresarial é sacudido por tendências ou, comodenunciam alguns, por modismos que são repetidos como ladainhas e, assim, tornam-seobrigações para os gestores empresariais. Esses movimentos conceituais, que propõemnovas posturas na organização e na atuação empresarial, são habitualmente respostas àsgrandes demandas que se verificam em cada tempo. Assim, os desperdícios financeirosjustificaram, no passado, a preocupação com o controle dos centavos para evitar perdaspesadas que se verificavam nos detalhes da operação; a confusão organográfica dascorporações, tempos depois, justificou uma preocupação com a reengenharia corporativa;a preocupação com os programas de qualidade, por seu turno, responde a uma alteraçãode paradigma que foi colocado pela indústria japonesa, entregando à sociedade produtosmais confiáveis e, ainda assim, mais baratos, ampliando seu poder de concorrência emrelação aos processos produtivos despreocupados com os detalhes qualitativos.

Tão logo as organizações produtivas aprenderam os méritos da atenção aoparâmetro da qualidade total, uma nova onda chegou às empresas: a valorização dainovação, tomada como uma necessidade primordial para a preservação da empresa epara o seu sucesso. Todos afirmam que estão atentos para as inovações, que buscaminovar, que inovam. A inovação é o chavão da atualidade. Incluí-la numa conversaprofissional, nomeadamente discussões empresariais, é meio para mostrar-se atualizado,moderno, progressivo. Afirmar-se inovador é indispensável para se revelar competentepara qualquer coisa, ainda que poucos revelem efetiva capacidade de inovar.

A compreensão do que seja inovação, aliás, revela variantes. Os que a interpretamrestritivamente, compreendem-na exclusivamente como ruptura, revolução: algo quealtera, por completo, o que estava posto antes. Em oposição, há aqueles que, como nós,

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acreditam que a inovação refere-se à marcha constante da sociedade, da tecnologia, domercado etc., podendo verificar-se mesmo na evolução sem ruptura: pequenas medidasque viabilizem uma adaptação constante ao que é necessário para manter uma produçãode qualidade. Aliás, a aceleração da competitividade econômica, bem como a aceleraçãoda tecnologia, das práticas sociais, do mercado etc. tornam uma necessidade elementara manutenção de níveis satisfatórios de inovação. A compreensão dessa evoluçãoconstante do ambiente profissional está na raiz da compreensão do que seja inovação,tema que não é tranquilo.

Os méritos da inovação não estão restritos à tecnologia, como se estudará, emborase deva reconhecer que a inovação é essencial para a sobrevivência das empresas emdeterminados mercados ou, mesmo, para definir a envergadura de seus resultados, aexemplo do que se passa com a indústria/comércio de bens eletrônicos,eletrodomésticos, automóveis, tecnologia da informação (TI) etc. Nessas indústrias, osucesso da atividade negocial atrela-se à capacidade de desenvolver novidades eapresentá-las ao mercado, mantendo elevado o volume de lançamentos para conservar oritmo de vendas.

A demanda por evolução e pela implantação de novidades alcança todos os aspectosda condição, da situação e dos procedimentos empresariais, podendo concretizar-se deforma simplificada e barata. Uma empresa que destine seus produtos para a classe socialB pode inovar passando a atuar também junto a outra(s) classe(s) social(is),desenvolvendo bens e/ou serviços que atendam aos consumidores de outro nicho demercado. A inovação pode dar-se na logística de varejo, a exemplo dos canais de venda;coisa simples, como a opção por venda pulverizada, feita por meio de pracistas ou até desacoleiras.

Veja o caso da cadeia norte-americana de restaurantes Waffle House, que decidiuinovar sua postura em situações de catástrofes, como furacões, tufões, terremotos,inundações, criando um marketing do desastre. Quando o comum, nas calamidades, éque as empresas interrompam suas atividades, a rede decidiu estabelecer rotinas paramanter-se funcionando ou voltar a funcionar o mais rapidamente possível para, assim,atender aos clientes que padecem dos efeitos do desastre. Dessa maneira, estabeleceuma conexão visceral com o público, o que lhe permite não fazer quase nenhuminvestimento em publicidade. Para implementar tal política mercantil, foi preciso definir etreinar a equipe em processos de gestão de crises, incluindo geradores móveis e centrosmóveis de comando.

Os exemplos são múltiplos e bem diversos. Todos, porém, apontam para aindispensabilidade de se atentar para novas formas e meios de atuar. Inovar naorganização, inovar nas atividades, inovar em tecnologia, nos procedimentos, nas rotinas,

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nas posturas, nos detalhes. Fazer de um jeito novo, em tudo, para fazer melhor e obtermelhores resultados. Lutar contra a ramificação da pirataria para, assim, manter asvantagens mercadológicas que se obteve, evitando a usurpação indevida por outrem.Aliás, mesmo no crime, observa-se que quadrilhas inovam, constituindo procedimentoslogísticos engenhosos para realizar operações delituosas mais seguras e mais vantajosas.

Há inovação na adoção de novas tecnologias, novas estratégicas, novos processos,novos modelos negociais, novos produtos. Não é preciso inventar nada, não é precisocriar o que ninguém pensou até agora, nem é indispensável comprar equipamentoscaríssimos ou embrenhar-se no desenvolvimento de novos produtos. A inovação nãocorresponde a uma fórmula estática, única, igual para todos. Pode ser simples, para uns,embora para outros demande complexidade. Em muitos casos, limita-se aincrementações, como um esforço deliberado para melhorar o atendimento ao público,elevar o padrão de relacionamento com clientes (supply chain: acompanhamento dasrelações com clientes), o controle sobre a operação, além de estratégias para aumentara receita e/ou a lucratividade.

Não há fórmulas estáticas, cristalizadas, portanto. O que se exige é umapreocupação com o que pode ser alterado para, assumindo um novo contorno, melhorara operação. Para uns, aumento de mecanização, para outros, redução; para uns,aquisição de suplementos de informática (hardware), para outros, preocupação com osprogramas (software) que são usados nas atividades negociais. Em ambos os casos,contudo, vias diversas para incremento tecnológico, percebe-se, tendo por alvos,conforme a situação, um aumento de produtividade ou de lucratividade.

Gestão da inovação jurídica

A percepção da importância da inovação negocial, compreendida como uma posturaestratégica essencial, é uma realidade que não exclui o Direito e, justamente por isso,coloca-se em discussão o papel do advogado nesse ambiente criativo, marcado por umaferrenha disputa por mais e melhores negócios. O jurista é um dos elos dessa cadeia dealterações criativas, vale dizer, um dos vetores que permitem a administradoresempresariais e investidores realizarem seus desejos de alterar suas atividades paraexperimentar avanços. A simples opção por passar a efetuar vendas on-line, porexemplo, tem grandes implicações jurídicas que precisam ser previamente pensadas.

As empresas devem buscar uma melhoria sistêmica que não se resume a avançostecnológicos, mas que deve compreender todo o processo empresarial e, assim, a própriaarquitetura do negócio. Justamente por isso, esse movimento evolutivo implicará o

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recurso a profissionais diversos, entre os quais os advogados. O diálogo dessas múltiplasfontes e a análise da empresa, a partir desses ângulos variados, deve ser hábil àdefinição de medidas que permitam à organização responder às demandas criadas pelasmudanças sociais e mercadológicas. O sucesso dessas operações está diretamentevinculado ao estabelecimento de uma base jurídica segura e adequada para dar traduçãocorreta e otimizada aos interesses, deveres e direitos das partes envolvidas, permitindoque o negócio efetivamente conduza ao resultado visado.

O advogado não é o único vetor de inovação, por certo; mas é um profissionalindispensável para que a concretização de estratégias de reformulação se faça de formajuridicamente correta e sustentável. Sem planejamento jurídico adequado, essesmovimentos podem se revelar catastróficos. Veja o caso dos chamados investidores-anjo,um perfil inovador de investimento que grassa principalmente no setor de tecnologia.Denomina-se investidor-anjo a pessoa que aporta capital, em pequeno montante, paraestimular o desenvolvimento de empresas iniciantes (start-up) promissoras. O conceitoinclui pessoas naturais interessadas em investimentos não financeiros, alcançando atéempresas que estimulam seus empregados a criarem seus negócios próprios, assumindoa condição de sócio desse empreendimento, até que invistam em novos negócios. Asimplicações jurídicas, em todos os casos, são múltiplas e seu tratamento correto éindispensável para o sucesso da iniciativa.

Noutros casos, a atuação do jurista – e a incidência dos parâmetros jurídicos – serálateral, acessória. Por exemplo, a constituição de rotinas empresariais que permitamreduzir o prazo de entrega de mercadorias, ainda que se concretize por meio do uso deinstrumentos tecnológicos específicos, como mídias digitais para transmissão on-line depedidos, é uma evolução que consome tempo, criatividade e investimentos emaparelhagem específica, não é inovação que permita a constituição de uma propriedadeintelectual e/ou um direito de uso exclusivo. O mesmo se diz sobre a alteração nacomposição da receita da organização, a constituição de shopping center virtual,funcionando pela Internet e até estratégias específicas, como a formação de bancos deterrenos, por incorporadoras, para garantir a continuidade de seu trabalho.

Os exemplos são muitos e, em sua maioria, fascinantes, mormente quando se dáatenção às suas implicações jurídicas. Vejam-se as empresas (fala-se em market-places)que assumem a função de intermediar espaços publicitários na Internet: de um lado,identificam páginas e blogs com boa visibilidade junto ao público em geral e aferem seuinteresse em receber anunciantes, de outro lado, negociam com empresas a veiculaçãode material publicitário naqueles sítios. Mas a adoção dessas inovações negociais nãoprescinde de proteção jurídica própria: a manutenção, em níveis elevados de qualidade esegurança, dessas relações jurídicas, conforme parâmetros de excelência do Direito

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Obrigacional, Contratual, Empresarial etc.Há mesmo casos em que a inovação jurídica está representada pela postura singela

de amoldar a organização e sua atividade negocial ao Direito vigente. Em muitos casos, oesforço para respeitar princípios e normas do Direito Ambiental, trabalhando paraimplementar níveis mais elevados de sustentabilidade da atividade produtiva, levouorganizações a perceberem a existência de sinergias produtivas que, enfim, melhoraramos resultados empresariais, reduzindo custos, criando novas fontes de receita, ampliandolucro operacional etc.

A estruturação e a administração das organizações e das atividades negociais é, porsi só, um plano relevante para o estabelecimento e o aproveitamento de inovações. Nemsempre o olhar que procura inovar dirige seus olhos para si mesmo, ou seja, para aprópria estrutura de gestão. No entanto, é usual que as bases e os mecanismos daarquitetura e da gestão empresarial só sejam repensados nos momentos de crise, aexemplo dos ambientes de estagnação mercantil ou dos contextos de maior dificuldadepara a solvência das obrigações empresariais. As adversidades revelam-se defensorasconvincentes da necessidade de se mudar a condução das atividades produtivas enegociais para que se encontrem alternativas que permitam manter seus resultados e,assim, preservar sua existência (pagamento de fornecedores, trabalhadores,administradores etc.) e, mais do que isso, preservar a remuneração de seussócios/investidores. Isso inclui posturas clássicas, como o corte de custos e a percepçãode sinergias que possam ser aproveitadas para aumentar a lucratividade das operações.Mas há muito mais que pode ser feito.

O estabelecimento dessas inovações na administração da sociedade e/ou na gestãode suas atividades produtivas e negociais pode demandar, ou não, operações jurídicasespecíficas, como a alteração do ato constitutivo, aprovação pela coletividade social,alteração de pactos parassociais eventualmente existentes, como acordos de quotistasou acionistas, regimento interno etc. Noutros casos, não é preciso fazer intervenções detal natureza. Em nossos dias, uma das ferramentas mais utilizadas para criar impactosinovadores na estruturação jurídica de organizações produtivas e/ou de patrimônios maisvastos são as chamadas holdings, nessas destacadas as holdings familiares. Cuida-se deintervenções jurídicas fascinantes, dadas no nascedouro da pessoa jurídica, permitindoum trabalho de planejamento estratégico por parte do jurista, contador, administrador deempresas ou consultor de outra especialidade.

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3 Inovação advocatícia

No âmbito do Direito, a demanda por inovação fica clara quando se atenta para afrenética produção legislativa atual, como também à elevação do debate doutrinário,recheado de novas teorias que, rapidamente, ganham o debate judiciário e, assim, criamum ambiente de constantes alterações jurisprudenciais. quanto basta para que haja umainevitável reaproximação da advocacia da universidade. Aliás, não só a advocacia, masigualmente a judicatura e outras carreiras jurídicas. Não é mais possível acreditar que osanos de graduação são suficientes para garantir uma capacitação perpétua doprofissional jurídico. Tornou-se indispensável uma rotina de capacitação constante paraassimilar as novas tecnologias jurídicas, desenvolvendo as competências profissionaisque permitam atender ao cliente na medida de suas necessidades atuais, certo quesoluções antigas podem não lhe atender adequadamente.

Por isso é inquestionável que as bancas de advocacia, assim como a Magistratura e oMinistério Público, entre outras instituições jurídicas, precisam se reaproximar dasfaculdades de Direito, senão da universidade como um todo, aproveitando os benefíciosda multidisciplinaridade. Assim, pode-se edificar um ambiente de constante qualificaçãodos recursos humanos, individuais e coletivos (pessoas e equipes). O fato de que ooperador está atento para o trabalho do pesquisador é, em si, uma vantagemremarcável, já que eleva o nível de atualização da intervenção jurídica.

Não é apenas nessa reaproximação entre a academia e os escritórios em que a

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inovação jurídica deve dar-se a revelar. Afinal, como já dito, há inovação tanto nasgrandes revoluções, quanto nas mudanças singelas, desde que sejam eficazes, comoaquelas que estabeleçam novas rotinas operacionais (o que é particularmente útil embancas de advocacia). Dito por outra forma, não é obrigatório um esforço descomunal, odispêndio de grandes valores, a contratação de especialistas. Importa uma preocupaçãoperene com o que pode ser alterado para melhorar o que se faz e aumentar o sucesso dotrabalho.

Uma das mais impressionantes inovações apresentadas por algumas bancas deadvocacia foi a reaproximação do cliente, compreendido não apenas como um pacienteda ação profissional, mas como um copartícipe. Essa postura de integração, aproximandoadvogado e cliente, tem sido meio para, inclusive, permitir uma evolução na assessoriatécnica que, paulatinamente, abandonaria o contencioso judiciá rio para concretizar-sepor meio da consultoria: a incorporação do advogado nas rotinas que, cotidianamente,levam à concretização dos atos jurídicos para que revelem as qualidades que o Direitolhes comanda.

Essa aproximação do advogado da atividade cotidiana do cliente, tornando-o umconsultor do que será feito, conduz mesmo a uma elevação da qualidade do trabalho ede sua eficácia. Mais do que apontar o que deve ser feito, o advogado pode apontarformas diversas de fazê-lo, considerando diferentes institutos e ferramentas jurídicas,oferecendo ao cliente uma preciosa vantagem competitiva. Isso inclui a percepção deinovações e tendências jurídicas que podem se tornar posturas e caminhos inusitados nosetor, com resultados remarcáveis para o cliente.

Não é pouco. A compreensão das referências jurídicas de cada negócio pode conduzirao aproveitamento de oportunidades mercadológicas, ou seja, uma correta análisejurídica da empresa, segundo a melhor tecnologia do Direito, pode se tornar um vetorpara a fundação de novos modelos de negócio, resultante da modificação da organizaçãoe/ou de seus mecanismos e procedimentos. São incontáveis os casos de empresas que,compreendendo corretamente as oportunidades que resultavam de normas ambientais,consumeristas, trabalhistas, estabeleceram cenários negociais diversos, ainda maislucrativos que os anteriores.

Daí destacarmos que o advogado não só pode, como deve, compreender astendências do Direito e, assim, ser capaz de análises que incluam táticas diversas paraque se possa alcançar resultados assim ou assado, conforme a avaliação e opção de seusconsulentes. No entanto, a assessoria jurídica demanda uma atenção redobrada para oestágio de evolução jurídica que a empresa e a família revelam, bem como para oprocesso, o ritmo e a cadência corretos para que sejam estabelecidos padrões jurídicosmais elevados. É preciso cuidar para que o crescimento jurídico seja paulatino,

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considerando todas as limitações que são inerentes às pessoas e organizações querevelam baixa eficiência jurídica. O(s) advogado(s) deve(m) trabalhar para que haja umcrescimento uniforme, no qual se verifiquem constantes ganhos de qualidade jurídica emtodos os pontos da estrutura, solidi-ficando-se em sua cultura.

Facilmente se percebe que isso requer não apenas a capacidade de trabalhar comqualidade jurídica e de fornecer conteúdo jurídico de qualidade, mas igualmente revela acapacidade de atender a cada cliente de forma personalizada, compreendendo suasnecessidades e possibilidades, atendendo a tais parâmetros na assessoria oferecida. Nacarteira de cada escritório haverá clientes em estágios diversos de evolução jurídica ecada um tem o direito de ser atendido em conformidade com a sua realidade particular.

Obviamente, o trabalho inicial exige mais cuidados. Será preciso ensinar a operar deforma que, primeiramente, atenda à lei; o desconhecimento faz com que muitospratiquem atos ilícitos, sem o saberem, sendo surpreendidos com autuações, processosetc. Depois, trabalhar para a capacitação jurídico-operacional das pessoas, o que se fazseguindo padrões jurídicos de excelência (não apenas o que é lícito, mas a melhoralternativa, entre as juridicamente possíveis). É um trabalho de otimização jurídica daorganização, de sua atuação, de seus negócios e demais relações jurídicas.Lamentavelmente, são poucos os profissionais e escritórios que se encarregam de umdiagnóstico rotineiro das demandas jurídicas da organização assessorada e,concomitantemente, de um planejamento de sua evolução, monitorando os respectivosresultados.

Com o passar do tempo, diversos conceitos e práticas são assimilados, e a assessoriados profissionais do Direito faz-se mais dispensável no dia a dia, podendo ocupar-se dodesenvolvimento e oferecimento de ferramentas jurídicas mais sofisticadas, emconformidade com os eventos com os quais se depare a organização assessorada. Aliás,conforme a capacidade da banca de advocacia, essa sofisticação pode alcançar níveismais e mais superiores, incluindo a gestão jurídica estratégica de negócios que já exibemmaturidade jurídica para operações mais sofisticadas.

A teoria da empresa

Antes de passarmos a questões mais práticas, que provavelmente irão interessarmais ao leitor, será preciso nos debruçar sobre alguns aspectos teóricos, ainda que sejamum pouco mais áridos. Essa aridez, contudo, não nos autoriza a evitá--los, certo que sãoessenciais para a construção de uma análise jurídica, completa e responsável, sobre otema empresa familiar. Aliás, essa será a tônica das demais seções deste capítulo, bem

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como do Capítulo 2. Com efeito, estaria incompleto o livro se não nos debruçássemossobre a teoria da empresa, vale dizer, sobre a maneira como o direito trata a empresa.Como essa abordagem provavelmente pode não interessar a empresários, investidores,contadores, administradores empresariais, entre outros, é possível simplesmente saltá-lapara se concentrar nos aspectos mais práticos, que serão examinados a partir do terceirocapítulo. Entretanto, conhecimento nunca é demais e nossa proposta é explorar os temasem linguagem simples e de fácil compreensão.

Em 2002, a legislação brasileira ganhou um novo Código Civil que, entre outrasinovações, adotou a Teoria da Empresa , abandonando a Teoria do Ato de Comércio,vigente entre nós desde 1850, quando aqui se editou o Código Comercial (Lei 556/1850),ainda durante o governo de D. Pedro II, pela Graça de Deus e Unânime Aclamação dosPovos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil , como se lê na aberturadaquela legislação. Essa norma regeu nosso Direito Comercial Terrestre por um século emeio e, no que se refere ao Direito Comercial Marítimo, ainda está em vigor, passadosmais de 160 anos de sua edição.

O Código Civil de 2002 alinha-se com o Direito italiano de meados do século XX,mais especificamente com o Código Civil italiano de 1941, adotando a Teoria daEmpresa, perspectiva jurídica que realça a importância da organização dos meios deprodução. Importa menos o ato de comercializar, praticado até mesmo por camelôs esacoleiros; importa a organização de estruturas empresariais para a produção de riqueza,estruturas essas que são estabelecidas com a finalidade de atender, de forma otimizada,às demandas de um mercado cada vez mais ampliado e já há muito reconhecido comouma vasta massa de pessoas, entre fornecedores, parceiros comerciais e consumidores.Partindo da ideia de empreender, a empresa é uma organização de meios de produção ede trabalho para a realização de uma atividade negocial. Obviamente, essa estrutura nãoprecisa ser complexa e, no seu nascedouro, pode ser mesmo diminuta e singela. Grandescorporações nasceram de ínfimas empresas que, embora o mercado não percebesse, jáexpressavam uma potencialidade de crescimento que o tempo viu realizar.

Note-se que a empresa é um ente sem personalidade jurídica. A pessoa é oempresário (firma individual) ou a sociedade empresária. A empresa é um objeto derelações jurídicas, é um bem coletivo. É um fenômeno econômico que não se confunde(1) com sua base patrimonial (aspecto estático da empresa), que é o estabelecimento(complexo organizado de bens, nos termos do artigo 1.142 do Código Civil), nem seconfunde (2) com o seu titular, que será o empresário ou a sociedade empresária (damesma forma que esta não se confunde com as pessoas de seus sócios, nem de seuadministrador ou administradores). O próprio artigo 1.142 do Código Civil deixa-o claro. Odispositivo considera estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício

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da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. O estabelecimento é parte daempresa; mas apenas uma parte: a sua base material, o seu aspecto estático. Quementra à noite nas instalações de uma fábrica que não está funcionando vê oestabelecimento, não vê a empresa. Durante o dia, o conjunto do estabelecimento e dasatividades ali desempenhadas (aspecto dinâmico) dá expressão à empresa.

A empresa, portanto, é essa conjunção do aspecto estático (o estabelecimento, opatrimônio organizado para o seu exercício) e de um aspecto dinâmico: procedimentos,rotinas, pessoas, imagem pública etc. A ideia de organização lhe é própria, inerente:organização de meios materiais e imateriais, incluindo pessoas e procedimentos, para aconsecução de determinado objeto, com a finalidade de obter vantagens econômicasapropriáveis: o lucro que remunera aqueles que investiram na formação do capitalempresarial. A empresa, na sua qualidade de organização, é um conjunto de partes comfunções específicas, constituída artificialmente pelo engenho humano, com a finalidadede otimizar a atuação econômica, produzindo riquezas. Opõe-se, portanto, ao trabalhomeramente pessoal, trabalho simples.

Na empresa há uma estruturação da atividade produtiva com vistas à execuçãohabitual e regular dos atos negociais. Por isso, manifesta-se (1) como atividade:complexo de atos constantes, desenvolvidos no tempo; não é ato isolado, nem oconjunto de atos simultâneos, mas a atividade; (2) como estrutura estável, humana eprocedimental; não se trata da mera reunião de pessoas, eventual e desestruturada, masde unidade funcional, ainda que desempenhada pelo empresário individual ou por umúnico empregado; (3) como estrutura material: conjunto de bens organizados para arealização do objeto social e, assim, produção de lucro: imóveis, móveis e bensimateriais; (4) intuito empresarial, que é animus específico: intenção empresarial,distinta da intenção dos autônomos, por exemplo; e (5) identificação social como

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empresa, ou seja, como ente econômico, social e jurídico.1

A caracterização da empresa não exige, no Direito brasileiro, complexidade ougrandiosidade. Um boteco é uma empresa: uma atividade negocial organizada,desenvolvida a partir de bens materiais e imateriais estruturados, para a circulação debens e prestação de serviços, ainda que tocado apenas por uma pessoa (empresário)que, assim, deve inscrever-se no Registro Mercantil; o fato de ser auxiliado por familiaresnão altera isso. Importa o intuito empresarial como elemento caracterizador da empresa.O Direito Empresarial não é uma disciplina de ricos; serve a ricos e pobres. Aliás, sob talperspectiva, é uma disciplina jurídica de transformação social: são incontáveis os casosde pessoas que superaram a pobreza constituindo uma empresa, fazendo-a progredir e,assim, enriqueceram lícita e legitimamente. O Direito Empresarial é a disciplina jurídicadessa realidade de transformações, evoluções e superações individuais e coletivas (associedades).

A empresa não é apenas uma realidade intangível, mas também concreta, compostapor bens materiais imóveis e móveis. Somem-se direitos (bens imateriais, como marcas epatentes). Todas essas relações jurídicas enfeixam-se na empresa e mantêm umaunidade, escrituralmente representada e atermada (a contabilidade empresarial).Consequentemente, a empresa não é só uma universalidade de fato, isto é, pluralidadede bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária (artigo90 do Código Civil), mas também de universalidade de direito (artigo 91), por se tratarde complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.

Tomada como coletividade jurídica e fática, a empresa é um bem patrimonial quepode ser negociado em sua universalidade; pode-se arrendar a empresa, pode-se dá-laem garantia real etc. Isso não impede, também, que o titular da empresa negocie bensisoladamente (artigo 90, parágrafo único, do Código Civil): vender uma ou maismáquinas, vender o imóvel, vender ferramentas etc. A união e a organização de bens(materiais e imateriais), no âmbito da empresa, são flexíveis. É próprio da dinamicidadedo mercado que essa mutabilidade da empresa e, assim, a possibilidade de que bens ouconjuntos de bens sejam alienados ou, em oposição, adquiridos e incorporados àsatividades mercantis.

No entanto, há valores que, embora tenham projeção econômica, não permitem anegociação destacada da universalidade jurídica que é a empresa. São vantagensinerentes à coletividade, como o capital intelectual, a boa imagem junto ao mercado, aclientela, entre outras. A logística, por exemplo, é um elemento de inquestionávelimportância e repercussão econômica. Mas é elemento que está incrustado nacoletividade que é a empresa e não pode ser destacado para ser alienado. A logística é aforma de se realizar a atividade empresarial em si, é a sua prática constante, sua

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habitualidade, seu jeito, sua estrutura eficaz, em muito cobiçada pelo mercado. Pode-seensinar a logística, copiar a logística; mas trata-se apenas de um procedimento e de umconhecimento, não de um bem jurídico passível de individualização e, destarte, decessão, de transferência unitária, permitindo que seu valor, não obstante seja, sim, umavantagem mercantil, seja anotado no patrimônio ativo da pessoa. Justamente por isso,verificam-se aquisições de empresas que se justificam justamente pelo interesse em sualogística, ou seja, na excelência dos processos e rotinas com os quais concretiza suasatividades produtivas.

Por fim, destacamos que a empresa é fenômeno que se submete à Parte Geral doCódigo Civil: exige titular capaz, objetos lícitos, possíveis e determináveis, bem comoforma prescrita ou não defesa em lei. Não há empresa se a atividade é ilícita, impossívelou indeterminada ou indeterminável; proibido o jogo, um cassino não é empresa.Também não é empresa a organização constituída com forma e objeto lícitos, mas pormotivação ilícita (artigo 166, II, do Código Civil) ou com a finalidade de fraudar a lei(artigo 166, VI, do Código Civil).2

Aproveitamos, portanto, a teoria poliédrica de Alberto Asquini. Conferir MARCONDES, Sylvio. Questões de direitomercantil. São Paulo: Saraiva, 1977.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2011. v. 1,capítulo 1, seções 2 a 3.

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Holding

Definição de holding

Muito se fala sobre as holdings e, mais especificamente, sobre holdings familiares.Esse burburinho generalizado tem uma razão de ser bem clara: a descoberta por muitosdos benefícios do planejamento societário, ou seja, da constituição de estruturassocietárias que não apenas organizem adequadamente as atividades empresariais deuma pessoa ou família, separando áreas produtivas de áreas meramente patrimoniais,além de constituírem uma instância societária apropriada para conter e proteger aparticipação e o controle mantido sobre outras sociedades. Parece complicado, mas nãoé. Por um lado, uma boa estruturação societária compreenderá as características e asnecessidades das atividades negociais para, então, sugerir uma distribuição do conjuntodos atos empresariais por uma ou mais pessoas, concentrando numa só sociedade oudesmembrando por duas ou mais, de modo a otimizar relações jurídicas, conter custos eriscos etc. Por outro lado, a parte não operacional do patrimônio da pessoa ou da famíliapode ser, ela própria, atribuída a uma sociedade ( holding), com as vantagens que aquiserão explicadas. Essa parte não operacional do patrimônio pode ser constituída,inclusive, pelas participações societárias, em uma ou mais sociedades, o que tambémserá muito proveitoso, como se estudará.

To hold, em inglês, traduz-se por segurar, deter, sustentar , entre ideias afins.Holding traduz-se não apenas como ato de segurar, deter etc., mas como domínio. Aexpressão holding company, ou simplesmente holding, serve para designar pessoasjurídicas (sociedades) que atuam como titulares de bens e direitos, o que pode incluirbens imóveis, bens móveis, participações societárias, propriedade industrial (patente,marca etc.), investimentos financeiros etc. Habitualmente, as pessoas mantêm essesbens e direitos em seu patrimônio pessoal. No entanto, procuraremos demonstrar neste

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livro que, para certos perfis de pessoas e de patrimônios, pode ser interessante aconstituição de uma sociedade, ou até de uma estrutura societária (duas ou maissociedades), com a finalidade de assumirem a titularidade de bens, direitos e créditos,bem como a própria titularidade de atividades negociais.

Holding (ou holding company) é uma sociedade que detém participaçãosocietária em outra ou de outras sociedades, tenha sido constituídaexclusivamente para isso (sociedade de participação), ou não (holding mista).

Esse é um aspecto essencial do tema que iremos desenvolver: não se trata de umaequação universal que se aproveite a todos. Há casos em que o melhor é recorrer àconstituição e/ou manutenção de uma sociedade holding, há casos em que o melhor énão fazê-lo. É preciso procurar uma solução específica para cada pessoa, para cadafamília, para cada conformação patrimonial, para cada negócio ou conjunto de negócios.Será sempre indispensável o trabalho de um especialista para analisar as situações quese apresentam, avaliar seu estado e suas alternativas e, enfim, definir a melhorestratégia. Esse especialista não precisa ter formação acadêmica jurídica,exclusivamente. A habilidade para avaliar uma melhor conformação para as organizaçõesempresariais, para o patrimônio pessoal ou familiar, para atividades negociais poderesultar de outras formações acadêmicas, como a Administração de Empresas, aContabilidade e a Economia.

Realce-se, sobre tais esforços de análise crítica e planejamento patrimonial esocietário, que o sucesso raramente resulta de eventos aleatórios. É claro que a sortepode, sim, sorrir para alguém em determinado momento de sua vida e, sem mais oumenos, conduzi-lo a resultados inesperados. Confiar no destino, contudo, não é algosábio. Mesmo os que foram bafejados inesperadamente pela fortuna precisam tercompetência, cautela e cuidado para mantê-la e, quiçá, para expandi-la. É semprerecomendável recorrer às ciências jurídica, contábeis, empresariais e econômicas paraampliar as oportunidades de se obterem vantagens lícitas e relevantes.

A constituição de uma sociedade holding pode realizar-se dentro de contextosdiversos e para atender a objetivos variados. Para ilustrar, basta dizer ser comum referir-se a tipos diversos de holding, como a denominada holding pura, cujo objeto social éexclusivamente a titularidade de quotas ou ações de outra ou outras sociedades. Emportuguês, usa-se a expressão sociedade de participação. Como não desenvolveatividade negocial (operacional), a receita de tais sociedades é composta exclusivamentepela distribuição de lucros e juros sobre o capital próprio, pagos pelas sociedades nas

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quais tem participação. Em alguns casos, havendo autorização no seu contrato social ouestatuto social, ou autorização dada pela reunião ou assembleia de sócios, a receitapoderá resultar de operações realizadas com os títulos que tenham em carteira, como oaluguel de ações, aquisição e alienação de participações societárias, debêntures etc.

No âmbito das holdings puras, há quem faça distinção entre a holding de controle(sociedade de controle) e a mera holding de participação (sociedade de participação).Essa distinção é de fácil compreensão: a holding de controle teria por finalidadeespecífica deter quotas e/ou ações de outra ou outras sociedades em montante suficientepara exercer o seu controle societário; já a holding de participação seria aquelaconstituída para titularizar quotas e/ou ações de outra ou outras sociedades, sem quedetenha o controle de qualquer delas. Mas não é uma distinção legal; as sociedades departicipação não precisam se dedicar exclusivamente ao controle ou à mera participaçãosocietária, podendo mesmo controlar uma(s) sociedade(s) e ter mera participaçãominoritária em outra(s).

Em muitos casos, de acordo com o planejamento estratégico de determinadaempresa, família ou grupo empresarial, a holding pura pode ser constituída não com oobjetivo de simplesmente titularizar participação ou participações societárias, mas com oobjetivo de centralizar a administração das atividades realizadas por todas essassociedades, controladas ou não. As expressões holding de administração e holding deorganização, com pequenas variantes entre si, são utilizadas para traduzir essa situação.A diferença sutil entre ambas está no fato de que a holding de administraçãoefetivamente funciona como um quartel general, estruturando planos de atuação,definindo estratégias mercadológicas, distribuindo orientações gerenciais e, senecessário, intervindo diretamente na condução das atividades negociais das sociedadescontroladas ou, a partir de ajustes com os demais sócios, nas sociedades em que hajamera participação societária. Em oposição, a holding de organização não demandaefetiva coordenação administrativa, podendo ser constituída, dentro de determinadaestruturação societária, para dar a conformação que se planejou, o que não raro implicaa assimilação de parâmetros fiscais, negociais, entre outros. A holding de organizaçãotambém é muito usada para permitir a acomodação de sócios.

Em oposição à holding pura, fala-se na holding mista. Neste caso, tem-se umasociedade que não se dedica exclusivamente à titularidade de participação ouparticipações societárias (quotas e/ou ações), mas que se dedica simultaneamente aatividades empresariais em sentido estrito, ou seja, à produção e/ou circulação de bens,prestação de serviços etc. Nesse sentido, nunca é demais recordar o artigo 2o, § 3o, daLei 6.404/76, segundo o qual a sociedade pode ter por objeto social a participação emoutras sociedades, ou seja, pode ser constituída sob a forma de holding pura. A mesma

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norma, adiante, contemplará a holding mista quando afirma que essa participação emoutras sociedades, mesmo quando não seja prevista no contrato social ou no estatuto,1 épermitida como meio de realizar o objeto social ou para beneficiar-se de incentivosfiscais. Portanto, uma sociedade que tenha por objeto a produção ou a comercializaçãode certo produto, ou a prestação de determinado serviço, pode titularizar quotas ouações de outra ou outras sociedades, sem que isso precise constar no seu objeto social.

Embora o artigo 2o, § 3o, da Lei 6.404/76, nada fale a respeito, é possível tambémque se constitua uma sociedade com o objetivo de ser a proprietária (a titular) de umdeterminado patrimônio, entre bens imóveis, bens móveis, propriedade imaterial(patentes, marcas etc.), aplicações financeiras, direitos e créditos diversos. Dessepatrimônio podem constar, inclusive, quotas e ações de outras sociedades. Para essescasos, é comum ouvir a expressão holding patrimonial, da mesma forma que é usual areferência à holding imobiliária, isto é, a sociedade constituída para ser proprietária deimóveis, tenham ou não a finalidade locativa.

Holding pura: sociedade constituída com o objetivo exclusivo de ser titular dequotas ou ações de outra ou outras sociedades. É também chamada desociedade de participação.Holding de controle: sociedade de participação constituída para deter o controlesocietário de outra ou de outras sociedades.Holding de participação: sociedade de participação constituída para deterparticipações societárias, sem ter o objetivo de controlar outras sociedades.Holding de administração: sociedade de participação constituída para centralizara administração de outras sociedades, definindo planos, orientações, metas etc.Holding mista: sociedade cujo objeto social é a realização de determinadaatividade produtiva, mas que detém participação societária relevante em outraou outras sociedades.Holding patrimonial: sociedade constituída para ser a proprietária dedeterminado patrimônio. É também chamada de sociedade patrimonial.Holding imobiliária: tipo específico de sociedade patrimonial, constituída com oobjetivo de ser proprietária de imóveis, inclusive para fins de locação.

A chamada holding familiar não é um tipo específico, mas uma contextualizaçãoespecífica. Pode ser uma holding pura ou mista, de administração, de organização oupatrimonial, isso é indiferente. Sua marca característica é o fato de se enquadrar noâmbito de determinada família e, assim, servir ao planejamento desenvolvido por seus

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membros, considerando desafios como organização do patrimônio, administração debens, otimização fiscal, sucessão hereditária etc. São todos temas que serãodesenvolvidos neste livro.

Equívocos comuns

É muito comum ouvir ou ler algumas afirmações equivocadas sobre holdings. Porexemplo, por conta do já citado artigo 2o, § 3o, da Lei 6.404/76, há quem diga que associedades de participação só podem ser constituídas sob a forma de sociedades porações, o que não é correto. Podem adotar tanto um tipo societário contratual, a exemploda sociedade limitada, quanto um tipo societário estatutário, a exemplo da sociedadeanônima. Em sentido diametralmente oposto, mas igualmente incorreto, está a afirmaçãode que a holding deve ser uma sociedade simples, com registro em Cartório de Registrode Pessoas Jurídicas. Oposto pelo fato de que, por previsão legal, as sociedades porações não são sociedades simples, mas sociedades empresárias (artigo 982, parágrafoúnico, do Código Civil). Assim, para os que insistem nessa posição, a holding deveria seruma sociedade por quotas.

Outra informação errada que, lamentavelmente, consta com habitualidade dodiscurso de pessoas despreparadas diz respeito às sociedades limitadas. É possível ouvir(e mesmo ler) que uma holding precisa ser uma sociedade limitada, ao passo que outrosatestem que não pode ser uma sociedade limitada, insistindo ser preciso constituir umasociedade em nome coletivo. Ainda é preciso destacar não ser indispensável que umasociedade holding (ou sociedade de participação) tenha apenas pessoas físicas porsócios. A sociedade de participação pode ter todos os sócios que sejam pessoas físicas oupessoas jurídicas. Pessoas físicas podem ser sócias de pessoas jurídicas. Aliás, entre ossócios pode haver, mesmo, outra ou outras sociedades de participação, o que não é raro.Não há limitação sobre o tipo de pessoa, nem mesmo sua natureza jurídica. As pessoasjurídicas podem ser até fundações ou associações. Portanto, uma única sociedadeoperacional pode ser constituída por várias sociedades de participação (holdings); emmeio a tais sócias, pode haver pessoas naturais, assim como pode haver outras pessoasjurídicas, como sociedades operacionais.

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Quem dá ouvidos a qualquer um acabará nada entendendo. Por todos os lados,opiniões diversas acabam por criar uma balbúrdia na qual sobram ignorância e nhém--nhém-nhém. Para afastar tais riscos, iremos proceder a uma pequena incursão peloselementos essenciais da Teoria Geral do Direito Societário, aclarando conceitos,esclarecendo dúvidas e sanando equívocos. Estudaremos os conceitos de sociedadessimples e empresárias, bem como veremos os elementos essenciais dos diversos tipossocietários. Como se não bastasse, a compreensão dessas particularidades é vital paraque se possa ter alternativas para cada caso em concreto, identificando qual a melhorforma para a constituição de uma holding, atendendo as demandas específicas de cadafamília, de cada empresa, de cada situação.

Essencialmente, é preciso frisar que não há uma fórmula mágica. Existem múltiploscaminhos para o planejamento societário e patrimonial, bem como diversas formas quepodem ser adotadas para uma sociedade de participação, para uma holding familiar. Oestudo do tema, como aqui se fará, jamais afastará a indispensável atuação de umespecialista que, partindo de uma análise dos elementos presentes no caso em concreto,determine a solução que melhor atende aos interesses que lhe foram apresentados.

Natureza jurídica: simples ou empresária

Por força do artigo 982 do Código Civil brasileiro, as sociedades dividem-se em doistipos: sociedades simples e sociedades empresárias. Essa divisão resulta da adoção,entre nós, da teoria da empresa. Assim, parte-se do pressuposto de que há um tipoespecífico de atividade negocial que caracteriza empresa: a atividade econômicaorganizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. O elemento centralseria a organização dos meios sob a forma de empresa, em oposição às atividades

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negociais que se desenvolvem de forma simples. É uma classificação que dá margem amuitas dúvidas e discussões, havendo uma ampla zona cinza, na qual proliferam asdúvidas sobre certas atividades negociais: seriam simples ou empresárias? Pior: sealguém se pretende empresário, registrando-se na Junta Comercial, não é possíveldeclarar judicialmente o contrário, forçando--o a dar baixa em seu registro. Assim, amaioria das biroscas existentes no país, como bares, armarinhos, mercearias etc.,tocados por uma única pessoa, tem por titular uma pessoa natural (empresário) oupessoa jurídica (sociedade) registrada na Junta Comercial.

A bem da verdade, essa distinção segue uma tradição histórica que já deveria tersido superada. Hoje, pretende-se a distinção entre sociedades empresárias e sociedadessimples; no sistema anterior, a distinção entre sociedades comerciais e sociedades civis.Na raiz dessa insistência estão momentos históricos há muito superados. O Direito Civil –e as atividades produtivas compreendidas como simples – corresponderia a uma visãopatriarcal da sociedade, com base romana; partiria do pater familias em Roma,avançando pelo senhor feudal medievo (protegido até pela Magna Carta), avançandopelos chefes de família com fortes lastros agrários, do Renascimento em diante. Emoposição, haveria um espaço do mercado, antes identificado com o comércio, agoraidentificado com a empresa, cuja lógica não seria a autoridade e a atuação pessoal dopai de família, mas a lógica concorrencial do mercado, estruturando constantementenovas estratégias organizativas para otimizar as oportunidades de lucro. Justamente porisso, já tivemos ocasião de defender o fim das distinções, estabelecendo um tratamentoúnico para todas as atividades negociais, submetidas a uma só disciplina jurídica: umDireito Negocial que poderia bem manter a denominação de Direito Empresarial.2

As sociedades empresárias registram-se nas Juntas Comerciais. As sociedadessimples registram-se nos Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas, salvo associedades cooperativas, registradas também nas Juntas Comerciais.

A distinção, contudo, preserva-se no Direito brasileiro. O artigo 982 do Código Civilestabelece que as sociedades podem ser: (1) empresárias ou (2) simples; as empresáriassão aquelas que têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito aregistro, conforme a previsão anotada nos artigos 966 e 967 do Código Civil; as demaissão consideradas sociedades simples. Essa divisão, tendo por referência a estrutura –empresarial ou não – da atividade, encontra uma exceção no parágrafo único daqueleartigo 982, tomada pelo tipo societário: as sociedades por ações são consideradasempresárias; a sociedade cooperativa é considerada simples. Em ambos os casos, a força

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excepcionadora de tal norma torna indiferente a estrutura existente em concreto. Umasociedade cooperativa pode tocar um negócio sob a forma empresarial e, ainda assim,será considerada uma sociedade simples. Em oposição, a uma sociedade anônima podecorresponder uma atividade negocial que todos definiriam como não sendo umasociedade organizada; ainda assim, será considerada uma empresa.

As sociedades empresárias devem registrar seus atos constitutivos (contrato socialou estatuto social) na Junta Comercial. Segundo o Código Civil, tais sociedades podemadotar um dos seguintes tipos societários: (1) sociedade em nome coletivo; (2)sociedade em comandita simples; (3) sociedade limitada; (4) sociedade anônima; e (5)sociedade em comandita por ações. Em oposição, as sociedades simples registram-se nosCartórios de Registro de Pessoas Jurídicas, à exceção da sociedade cooperativa que, emface da Lei 5.764/71, deve ser registrada na Junta Comercial. As sociedades simplespodem adotar os seguintes tipos societários: (1) sociedade simples (em sentido estritoou comum); (2) sociedade em nome coletivo; (3) sociedade em comandita simples; (4)sociedade limitada; e (5) sociedade cooperativa.

Esteja-se atento, em meio a essa análise, para as normas da Lei 11.101/05:somente as sociedades empresárias têm o direito ao instituto da recuperação, judicial ouextrajudicial, previsto naquela norma. As sociedades simples não. Mais do que isso,diante da quebra, as sociedades empresárias serão submetidas à falência, procedimentootimizado previsto na aludida Lei 11.101/05. As sociedades simples, para além de nãoterem direito à recuperação, submetem-se ao procedimento da insolvência civil, previstono Código Civil e no Código de Processo Civil. Cuida-se de uma desvantagem, sem

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sombra de dúvidas. No entanto, nunca é demais recordar que essa desvantagem épraticamente inexistente no âmbito das holdings puras, mormente quando detenhamapenas participações societárias, certo que seu risco de insolvência é mínimo: para alémdas obrigações fiscais incidentes sobre sua receita, não contraem outras obrigações e,assim, não se tornam inadimplentes.

No Capítulo 3, examinaremos os tipos societários. De qualquer sorte, será proveitosodeixar realçado, já nesse ponto, que não há qualquer limitação ou determinação sobre anatureza jurídica de uma holding. Consequentemente, tais sociedades em tese podemrevelar natureza simples ou empresária e, dependendo do tipo societário que venham aadotar, poderão ser registradas quer na Junta Comercial, quer no Cartório de Registro dePessoas Jurídicas. Portanto, também a natureza jurídica que se dará à holding constituiuma alternativa estratégica à disposição do especialista que, considerando asparticularidades de cada caso, elegerá a melhor escolha.

Tipicidade societária

Vige no Direito brasileiro o princípio da tipicidade societária. Assim, só se pode criaruma sociedade, simples ou empresária, seguindo um dos tipos (formas) previstos nalegislação. Não se pode inventar um tipo novo, nem se pode pretender criar umasociedade que adote uma conformação mista: parte de um tipo societário, parte de outrotipo. Isso não significa, contudo, que as sociedades brasileiras sejam, em tudo,padronizadas. Cada tipo societário tem um conjunto mínimo de características, entreelementos obrigatórios e elementos vedados. Atendido esse padrão mínimo, há umamplo espaço para que, nos contratos sociais e nos estatutos sociais, uma cara própriaseja dada a cada sociedade.

Os tipos contratuais se dividem em dois grandes grupos: (1) sociedades contratuaise (2) sociedades estatutárias. A diferença elementar, obviamente, é o tipo de atoconstitutivo: (1) contrato social ou (2) estatuto social. Mas, para além dessa simplicidadeelementar, um conjunto mais amplo de caracteres faz a distinção entre os dois casos. Associedades contratuais têm seu foco e sua ênfase na pessoa dos contratantes e novínculo recíproco (vínculo contratual) que estabelecem entre si. Justamente por isso,todos os sócios devem estar obrigatoriamente nomeados e qualificados no atoconstitutivo, assinando-o. Se há uma alteração na composição societária, seja a pessoade um ou mais sócios, seja na mera participação que cada sócio tem no capital social, ocontrato social deverá ser alterado para traduzi-la. A lógica das sociedades contratuais,portanto, é a lógica das relações negociais, com a definição de obrigações e faculdades

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recíprocas entre os sócios. Todas as sociedades contratuais têm seu capital dividido emquotas, razão pela qual se usa também o rótulo sociedades por quotas.

Em oposição, a grande marca nas sociedades estatutárias é o foco na pessoa jurídicaque se constitui, no ente instituído. Daí falar-se também em sociedades institucionais.Esse foco no ente é característica que também se verifica em duas outras pessoasjurídicas que também se organizam a partir de estatutos sociais: as associações e asfundações. O foco na instituição é de tal magnitude que o estatuto social sequer listaseus membros, ou seja, sequer traz a lista de seus sócios. Apenas faz referência aossócios que fundaram a pessoa jurídica, estando presentes à assembleia que aprovou oestatuto social. Nas sociedades institucionais, em tese, não há reconhecimento, nem umaaceitação mútuos; os membros ingressam e saem sem que haja alteração – por talmotivo – no ato constitutivo e, assim, na instituição (na pessoa jurídica). Dessa maneira,os sócios não mantêm relações jurídicas diretas entre si, não havendo falar emreciprocidade entre os acionistas ou cooperados. Todos têm direitos e deveres apenaspara com a sociedade.

Visto isto, será proveitoso examinar as características essenciais de cada tiposocietário. Essa análise terá como objetivo direto listar tais características. No entanto, odesenvolvimento do tema será feito já considerando o aproveitamento desses tipossocietários ao objeto do presente estudo. Esse aproveitamento será melhor trabalhadona sequência, quando o desenvolvimento do texto permitir abordar, com maisprofundidade, as vantagens e as desvantagens de cada tipo societário para atender aoobjetivo de constituição de uma holding familiar. Não abordaremos a sociedadecooperativa, certo que essa não se presta para o objeto de nossos estudos: não pode serusada como holding familiar, nem pode ser sociedade controlada.

Por fim, um ponto merece ser destacado. Como se estudará no Capítulo 4, a regra

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geral é a de que qualquer pessoa, natural ou jurídica, possa ser sócia de uma sociedadesimples ou empresária, contratual ou estatutária. Há algumas limitações, comosociedades contratuais ajustadas entre cônjuges casados pelo regime da comunhãouniversal de bens ou pelo regime da separação obrigatória de bens. Para além dessalimitação, vige no Direito brasileiro uma limitação para que certas pessoas atuem comoempresárias (registrar-se como firma individual), discussão que não se aproveitaria aesta investigação, certo que seu objeto são sociedades. No entanto, aqueles que estãoimpedidos de empresariar também não podem ocupar a função de administradoressocietários.

Pessoas impedidas de exercer a administração societária

→ Magistrados.→ Membros do Ministério Público.→ Servidores Públicos.→ Militares da ativa.→ O falido, se não forem declaradas extintas suas obrigações.→ Moralmente inidôneos, como tal compreendidos os condenados por crime falimentar, deprevaricação, suborno, concussão, peculato, contra a economia popular, contra o SistemaFinanceiro Nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações deconsumo, contra a fé pública ou a propriedade, ou a pena criminal que vede, ainda quetemporariamente, o acesso a cargos públicos.→ Estrangeiros com visto temporário.

Reitere-se: tais pessoas podem ser sócias de uma holding e, mesmo, de outrassociedades, como suas controladas e filiadas; apenas não podem exercer funções deadministração.

A norma fala especificamente em sociedades por ações e seus estatutos sociais. Contudo, há muito se tem porestabelecido sua aplicação às sociedades por quotas e seus contratos sociais.

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010.v. 1. capítulos 1 e 2.

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Tipos societários

Sociedade simples comum

O artigo 983 do Código Civil afirma que a sociedade simples pode ser constituí dasob a forma de sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedadelimitada ou sociedade cooperativa. Mas, ao final do dispositivo, também aceita que seconstitua sociedade subordinada “às normas que lhe são próprias”. Dessa maneira,acabou por aceitar um quinto tipo, ao qual se atribuem nomes diversos como umasociedade simples comum ou sociedade simples em sentido estrito, entre outros. Essetipo societário regulase pelas normas inscritas nos artigos 997 a 1.038 do Código Civil.Essencialmente, cuidase de tipo societário que tem natu reza societária única: serásempre uma sociedade simples e contratual, sendo que sua existência principia a partirdo registro do contrato social no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do localde sua sede.

Pessoas naturais e pessoas jurídicas podem ser sócias de uma sociedade simplescomum, sendo que o vínculo mantido entre elas é marcado por mútuos reconhe cimentoe aceitação, a implicar a necessidade de voto unânime para que haja cessão de quotasentre os sócios (mudando a composição societária) ou mesmo dos sócios para terceiros,aplicados os artigos 997 e 999 do Código Civil, bem como seu artigo 1.003. Dessamaneira, respeitada a regra geral, disposta em lei, mesmo o detentor de umaparticipação mínima no capital social, inferior a 1%, pode recusar a cessão de quotasentre sócios ou para terceiros. No entanto, é regra legal que se aplica no silêncio docontrato social. É lícito aos sócios estipular regra diversa no contrato social, incluindo alivre circulação dos títulos societários, independentemente da aprovação dos demaissócios, ou qualquer quórum específico de aprovação que lhes pareça adequado; porexemplo, aprovação de 78,6%.

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Essa mesma lógica dos mútuos reconhecimento e aceitação se reflete no artigo1.002 do Código Civil, vedando ao sócio fazerse substituir no exercício das fun ções, anão ser que haja consentimento dos demais sócios, isto é, da unanimidade do capitalsocial, salvo estipulação contratual em contrário. Ademais, a adminis tração da sociedadeserá atribuída exclusivamente a pessoa que seja sócio: um, alguns ou todos. De qualquersorte, tratase de tipo societário no qual não há limite de responsabilidade, vale dizer, ossócios respondem, todos, solidária e ilimitada mente, pelas obrigações sociais.

Sociedade em nome coletivo

A sociedade em nome coletivo pode ser simples ou empresária, conforme deci damseus sócios, cabendo, então, arquivar seu contrato social, respectivamente, no RegistroCivil das Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial. Esse tipo societário só pode terpessoas físicas como sócios (ou pessoas naturais), sendo que o nome da sociedade serácomposto a partir do nome civil de um, algum ou todos os sócios, no todo ou em parte(obrigatoriamente, o patronímico, isto é, o sobrenome); se não estão presentes osnomes de todos, empregase a expressão e companhia ou sua abreviação (e Cia. ou &Cia.) ao final da razão social. Aliás, é desse sistema de participação societária e decomposição da firma social que resulta a expressão sociedade em nome coletivo.

Sociedade em nome coletivo: composta apenas por pessoas físicas, sendoadminis trada por sócio ou sócios. Os sócios respondem solidária eilimitadamente pelas obrigações sociais.

A sociedade em nome coletivo é regida pelos artigos 1.039 a 1.044 do Código Civil,que lhe definem normas específicas, aplicandose supletivamente as normas da sociedadesimples, vale dizer, seus artigos 997 a 1.038. Também, para este tipo societário, osmútuos reconhecimento e aceitação são elementos essenciais. Assim, é indispensávelhaver voto favorável de todos os sócios, mesmo dos que tenham participação societáriaínfima, para que haja cessão de quotas entre os sócios (mu dando a composiçãosocietária) ou mesmo dos sócios para terceiros, aplicados os artigos 997 e 999 do CódigoCivil, bem como seu artigo 1.003, embora possam o contrato social trazer regra diversa,incluindo a livre circulação dos títulos socie tários, independentemente da aprovação dosdemais sócios, ou qualquer quórum específico de aprovação, como visto acima.

Também na sociedade em nome coletivo não há limite de responsabilidade entre as

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obrigações sociais e o patrimônio dos sócios. Portanto, os sócios são responsáveissubsidiariamente, em relação à sociedade, pelas obrigações dela. A obrigação deve serexigida da pessoa jurídica e, somente se esta não puder satisfazê la, nascerá para ocredor o direito de voltarse contra um ou mais sócios, recorrendo ao seu patrimôniopessoal, de forma ilimitada, para a satisfação de seu crédito. Essa obrigação dos sócios,de adimplir as obrigações não satisfeitas pela sociedade, é solidária entre si, alcançandoa totalidade do patrimônio de todos. Portanto, cada um responde com a totalidade dopatrimônio pela totalidade das dívidas sociais não pagas. Aquele ou aqueles quepagarem podem voltarse contra os demais sócios para repartir, proporcionalmente, osônus desse adimplemento. Contudo, a lei permite a estipulação, no ato constitutivo oupor unânime convenção posterior, de uma limitação de responsabilidade entre si, ou seja,entre os sócios. Essa regra tem validade entre os sócios, não afetando o direito deterceiros à plena satisfação de seus créditos. Realcese que mesmo o sócio admitido nasociedade não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão; no entanto, emboranão possa impedir que o seu patrimônio responda pela obrigação, poderá exigir dossócios contemporâneos ao fato que lhe reembolsem integralmente o que pagou. Peloângulo oposto, os sócios que se retiraram da sociedade manterão uma respon sabilidaderesidual pelas obrigações constituídas ao tempo em que ainda estavam na sociedade, seainda não prescritas.

Somente os sócios podem administrar uma sociedade em nome coletivo: um, algunsou todos (administração coletiva). Se o contrato nada fala a respeito, a ad ministraçãosocietária será considerada simultânea, ou seja, competirá a cada um dos sócios,separadamente, sendo que cada um tem a faculdade de impugnar a operação pretendidapor outro, tornando a matéria controversa e, assim, afeta à decisão por maioria de votos.A indicação do administrador ou administradores, bem como a definição de seus poderes,serão dispostas no ato constitutivo; optando os sócios por fazêlo por meio de umdocumento em apartado, esse documento deverá ser levado ao registro da sociedade.

Sociedade em comandita simples

A sociedade em comandita simples é um tipo societário de verificação muito rara.Cuidase de uma sociedade contratual que pode se revestir de natureza simples ouempresária. Seu quadro social deve ser composto por sócios de dois tipos diversos: ochamado sócio comanditário é aquele que investe na sociedade, mas não a administra;essa administração é uma atribuição do(s) sócio(s) comanditado(s). Como são apenasinvestidores, os sócios comanditários não têm responsabilidade subsidiária pelas

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obrigações societárias não adimplidas; seu patrimônio pessoal está preservado. O mesmonão se diz do comanditado: é sua obrigação adminis trar a empresa, respondendopessoalmente pelo inadimplemento da sociedade, regra que alcança mesmo o sócio ouos sócios comanditados que sejam admitidos na sociedade quando o débito já estavaconstituído, contratual ou extracontratual mente, respeitado o artigo 1.025 do CódigoCivil.

Sociedade em comandita simples: composta por duas classes de sócios: (1)sócios comanditários: são meramente investidores, não administrando asociedade; têm responsabilidade limitada, não respondendo subsidiariamentepelas obrigações sociais; (2) sócios comanditados: administram a sociedade;têm responsabilidade subsidiária pelas obrigações sociais não satisfeitas pelasociedade.

O contrato social deve discriminar quem são os comanditários e os coman ditados,sendo que estes últimos só podem ser pessoas físicas, já que assumem a representaçãoda sociedade e sua administração. Aliás, os sócios comanditários não podem praticarqualquer ato de gestão, nem ter seu nome na firma social, sob pena de ficarem sujeitosàs mesmas responsabilidades de sócio comanditado. Entretanto, os comanditários nãoestão impedidos de participar das deliberações da sociedade, nem de fiscalizar asoperações sociais, o que não se interpreta como ato de gestão, administração ourepresentação. Mas, segundo o parágrafo único do artigo 1.047 do Código Civil, ocomanditário pode ser constituído procurador da sociedade, para negócio determinado ecom poderes especiais.

No caso de morte de sócio comanditário, a sociedade, salvo disposição do con trato,continuará com os seus sucessores, que designarão quem os represente. Na falta desócio comanditado, os comanditários nomearão administrador provisório para praticar,durante 180 dias, os atos de administração, sem assumir a condição de sócio. Aliás, esseé o prazo máximo em que se admite que a sociedade tenha uma única categoria desócio: 180 dias.

Sociedade limitada

Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio pelas obrigações dasociedade é restrita ao valor não integralizado de suas quotas (artigo 1.052 do Código

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Civil), embora todos sejam solidariamente responsáveis pela integralização total docapital social. Se todo o capital social estiver realizado, os sócios não mais serãoresponsáveis pelas obrigações sociais, salvo a desconsideração da per sonalidadejurídica, que se estudará adiante. A sociedade limitada é regida pelos artigos 1.052 a1.087 do Código Civil. Havendo lacuna nessas normas, aplicam se as normas dasociedade simples (artigos 997 a 1.038 do Código Civil), embora seja possível aos sócios,por meio de cláusula expressa no contrato social, esta belecerem a regência supletiva daLei 6.404/76, ou seja, das regras aplicáveis às sociedades por ações.

Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor desuas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capitalsocial.

Como ocorre com as demais sociedades contratuais, o registro da sociedade limitadase fará no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, se socieda de simples, ou naJunta Comercial, se sociedade empresária. Seu capital social é dividido em quotas,optando entre dois sistemas diversos: (1) quotas iguais: todo o capital social é divididoem quotas de mesmo valor, sendo atribuído a cada sócio o número de quotascorrespondente à sua participação no capital social, ou (2) uma quota para cada sócio, novalor total de sua participação no capital, caso em que se admitem quotas desiguais. Aquota é indivisível em relação à sociedade, salvo se, por meio de alteração do capitalsocial, houver uma mudança na divisão do capital social para concentrar – somar –quotas (grupamento de quotas) ou para dividilas (desdobramento de quotas). Essaindivisibilidade, todavia, não impede a constituição de condomínio sobre quota ou quotas.Constituído um condomínio sobre quota, os direitos inerentes a ela serão exercidos porum condômino repre sentante; em se tratando de espólio de sócio falecido, oinventariante exercerá os direitos da quota. Note que, se a quota titularizada emcondomínio não esti ver integralizada, todos os condôminos serão solidariamenteresponsáveis pelas prestações necessárias à sua integralização, independentemente dopercentual que detenham.1

A administração da sociedade limitada será atribuída a uma ou mais pessoasnaturais, sócios ou não sócios, designadas no contrato social ou em ato separado, desdeque não se trate de pessoa que esteja impedida de empresariar. Pode ser atribuída,inclusive, à totalidade dos sócios (administração coletiva ou simultânea), o que pode serinteressante para uma holding, como também será visto na sequência. Nesse caso, opoder de administrar e representar a sociedade não se estenderá, de pleno direito, aos

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que posteriormente adquiram essa qualidade, tor nando necessária uma alteraçãocontratual para estenderlhes o respectivo poder (artigo 1.060, parágrafo único, do CódigoCivil). Sócio ou sócios se elegem admi nistradores por escolha que demanda a aprovaçãode metade mais um do capital social. Já a designação de administrador não sócio exigeunanimidade, enquanto o capital não estiver integralizado, em dois terços, no mínimo,após a integralização (artigo 1.061 do Código Civil).

É possível instituir um conselho fiscal na sociedade limitada, por meio decláusula no contrato social.

A sociedade limitada comporta a instituição de conselho fiscal (artigos 1.066 a 1.070do Código Civil), previsto em seu contrato social, sendo composto de três ou maismembros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no país, eleitos naassembleia geral anual. Os conselheiros não podem ser administradores da sociedade,nem de sociedade por ela controlada, nem empregados de quaisquer delas ou dosrespectivos administradores, cônjuge ou parente destes até o terceiro grau; também évedada a participação daqueles que estão proibidos de empresa riar. Ademais, aos sóciosminoritários, que representarem pelo menos um quinto do capital social, assegurase odireito de eleger, separadamente, um dos mem bros do conselho fiscal e o respectivosuplente. O membro eleito, ou o suplente, é investido nas suas funções assinando termode posse lavrado no livro de atas e pareceres do conselho fiscal, no qual se mencionaráseu nome, nacionalidade, estado civil, residência e a data da escolha. Se o termo não forassinado nos 30 dias seguintes ao da eleição, esta se tornará sem efeito. A investiduraperdurará, salvo cessação anterior, até a subsequente reunião ou assembleia anual. Asfunções de conselheiro fiscal são remuneradas em valores fixados anualmente pelareunião ou assembleia dos sócios que os eleger.

Ao conselho fiscal compete, além de outras atribuições determinadas na lei ou nocontrato social, os seguintes atos, que praticam individual ou conjuntamente: (1)examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o estado dacaixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar lhes asinformações solicitadas; (2) lavrar no livro de atas e pareceres do conselho fiscal oresultado dos exames referidos no inciso I deste artigo; (3) exarar no mes mo livro eapresentar à assembleia anual dos sócios parecer sobre os negócios e as operaçõessociais do exercício em que servirem, tomando por base o balanço patrimonial e o deresultado econômico; (4) denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem,sugerindo providências úteis à sociedade; (5) convocar a assem bleia dos sócios se a

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diretoria retardar por mais de 30 dias a sua convocação anual, ou sempre que ocorrammotivos graves e urgentes; (6) praticar, durante o período da liquidação da sociedade, osatos a que se refere este artigo, tendo em vista as disposições especiais reguladoras daliquidação.

As atribuições e os poderes conferidos pela lei ao conselho fiscal não po dem seroutorgados a outro órgão da sociedade, e a responsabilidade de seus membros obedeceà regra que define a dos administradores. Para assistilo no exame dos livros, dosbalanços e das contas, o conselho poderá escolher con tabilista legalmente habilitado,mediante remuneração aprovada pela assem bleia dos sócios.

O poder supremo de toda sociedade, simples ou empresária, é dos sócios, quepodem deliberar por meio de reunião ou assembleia, convocáveis pelo administrador ou, alternativamente, pelos sócios ou pelo conselho fiscal, nas licenças doartigo 1.073 do Código Civil.

Na sociedade limitada, como nas demais sociedades, o poder supremo é dos sócios,deliberando em reunião ou assembleia. Nas sociedades limitadas, cabe ao contrato socialestabelecer se as deliberações serão tomadas em reuniões (forma mais simplificada) ouassembleias (procedimento formal), embora essa última via seja obrigatória quando onúmero dos sócios for superior a dez (artigo 1.072, § 1o, do Código Civil). A assembleiademanda constituição de presidência e secreta ria, atribuídas aos presentes antes dainstalação, com trabalhos e deliberações lavra dos em ata no livro de atas da assembleia,devidamente assinada pelos membros da mesa e por sócios participantes da reunião,quantos bastem à validade das delibe rações, mas sem prejuízo dos que queiramassinála. Cópia dessa ata, autenticada pelos administradores ou pela mesa, seráapresentada ao Registro Público para arquivamento e averbação, nos vinte diassubsequentes à reunião. Será entregue cópia autenticada da ata ao sócio que a solicitar.Mais do que isso, será obrigató ria a realização de uma assembleia ordinária anual, nosquatro meses seguintes ao término do exercício social, com o objetivo de tomar ascontas dos administra dores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultadoeconômico, sendo que os documentos respectivos devem ser postos, por escrito, àdisposição dos só cios que não exerçam a administração até trinta dias antes da datamarcada para a assembleia, o que se comprovará por escrito. Tais documentos serãolidos e o presidente da assembleia os submeterá a discussão e votação, nesta nãopodendo tomar parte os membros da administração e, se houver, os do conselho fiscal.Nessa assembleia, ademais, se designarão os administradores, quando for o caso, além

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de serem tratados quaisquer outros assuntos, devendo estes constar da ordem do dia.A reunião dispensa tais formalismos, não demandando sequer ata: se é deci dida

alteração contratual, bastará que os sócios que detenham o capital mínimo necessáriopara sua aprovação assinem o respectivo instrumento, que será levado ao Registro;havendo qualquer outra deliberação, bastará tomála em documento apartado, assinadopelo número mínimo de sócios necessários para a sua validade, sendo levada a registroquando se deseje a sua publicidade. De qualquer sorte, diz o artigo 1.072, § 3o, doCódigo Civil, a reunião ou a assembleia tornase dis pensável quando todos os sóciosdecidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas, expediente que é maiscomumente utilizado pelas sociedades limi tadas brasileiras.

Cabe ao administrador ou administradores convocar a reunião ou assembleia.Também poderá convocar a reunião ou a assembleia: (1) o sócio, quando os administradores retardarem a convocação, por mais de sessenta dias, nos casos pre vistosem lei ou no contrato; (2) sócio ou sócios titulares de mais de um quinto do capital,quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação funda mentado, comindicação das matérias a serem tratadas; (3) o conselho fiscal, se houver, se osadministradores retardarem sua convocação anual por mais de trinta dias ou sempre queocorram motivos graves e urgentes. O anúncio de convocação da assembleia de sóciosserá publicado por três vezes, ao menos, no órgão oficial da União ou do Estado, bemcomo em jornal de grande circulação, sendo que entre a data da primeira inserção e a darealização da assembleia deverá mediar o prazo mínimo de oito dias, para a primeiraconvocação, e de cinco dias, para as posteriores (artigo 1.152, § 3o, do Código Civil). Masse todos os sócios com parecerem ou se declararem, por escrito, cientes do local, data,hora e ordem do dia, tal procedimento – incluindo a publicação – será desnecessário. Areunião ou assembleia será instalada com a presença, em primeira convocação, detitulares de no mínimo três quartos do capital social e, em segunda, com qualquernúmero, sendo que o sócio pode ser representado na assembleia por outro sócio, ou poradvogado, mediante outorga de mandato com especificação dos atos autorizados,devendo o instrumento ser levado a registro, juntamente com a ata, quando se trate deassembleia.

Sociedades LimitadasMatérias que dependem da deliberação dos sócios nas sociedades

Matéria Quórum de aprovação

Aprovação das contas da administração Maioria dos presentes

Designação dos administradores, quando feita em ato separadoMais da metade docapital social

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Destituição de administrador que seja sócio e tenha sidonomeadopor meio de cláusula do contrato social

2/3 do capital social

Destituição de administrador que não seja sócio ou de sócionomeado por documento em apartado

Mais da metade docapital social

Destituição dos administradoresMais da metade docapital social

Modo de remuneração dos administradores, quando nãoestabelecidono contrato social

Mais da metade docapital social

Modificação do contrato social 75% do capital social

Incorporação, fusão e dissolução da sociedade, ou a cessaçãodoestado de liquidação

75% do capital social

Nomeação e a destituição dos liquidantes e o julgamento das suascontas

Maioria dos presentes

Pedido de recuperação da empresa2 Mais da metade docapital social

Outras matérias previstas pelo contrato socialQuórum previsto pelocontrato social

As deliberações que sejam tomadas em conformidade com a lei e o contrato social,em reunião ou em assembleia, vinculam todos os sócios, ainda que ausentes, desde quenão tenha havido falha na convocação. Vinculam, até, os sócios que se abstiveram devotar e aqueles que votaram em sentido diverso. Interpretamse, portanto, comodeliberação da coletividade social e, como tal, da sociedade. O exer cício do direito devoto nas deliberações sociais, em reunião ou assembleia, fazse sempre no interesse dasociedade, caracterizando voto abusivo aquele que sobrepõe os interesses individuais aoda coletividade social. Isso não importa dirigismo na deliberação; o sócio pode votarcomo quiser, desde que tenha por fim específico o bem da sociedade e não o seu bemindividual em prejuízo da sociedade. Justa mente por isso, nenhum sócio, por si ou nacondição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente (artigo1.074, § 2o, do Código Civil). O voto abusivo, incluindo aquele que reflete conflito deinteresses com a sociedade, é ato ilícito que determina o dever de indenizar pelos danosdecorrentes. Aliás, as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada aresponsabi lidade dos que expressamente as aprovaram (artigo 1.080).3

Sociedade anônima

Na sociedade anônima (ou companhia), o capital social dividese em ações. Seus

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sócios (acionistas) têm responsabilidade limitada à realização das respectivas ações.Assim, integralizadas as ações titularizadas pelo acionista, não terá ele res ponsabilidadealguma, nem mesmo subsidiária, pelas obrigações sociais, ainda que não satisfeitas pelacompanhia. Qualquer que seja o objeto social de uma sociedade anônima, bem comoqualquer que seja a forma de estruturação de suas atividades, sempre se tratará de umasociedade empresarial, regida por um estatuto social, registrado na Junta Comercial, epelas normas da Lei 6.404/76. Ao contrário do contrato social, o estatuto social não trazo nome dos sócios da empresa, mas ape nas registra aqueles que estavam presentes àsua fundação, dispensando alterações quando haja cessão de ações e, com ela, dacondição de sócio; essa transferência será feita em livro próprio. Mas o estatuto devedefinir, de modo preciso e com pleto, o objeto da companhia, que pode ser qualquerempresa de fim lucrativo, desde que não seja contrária à lei, à ordem pública e aos bonscostumes. Esse obje to pode ser, inclusive, participar de outras sociedades: ser umaholding. Também sociedades que tenham outros objetos sociais podem ter participaçõesem outras sociedades, ainda que isso não esteja previsto no seu ato constitutivo.

A sociedade anônima é sempre empresária, registrandose na Junta Comercial.Pode ser companhia fechada ou aberta, essa última com títulos negociados nomercado aberto, ou seja, nas bolsas de valores, desde que haja autorização daComissão de Valores Mobiliários (CVM).

As ações e outros títulos da sociedade anônima podem ser negociados medianteoferta pública, isto é, no chamado mercado de valores mobiliários, sob responsabilidadeda Comissão de Valores Mobiliários (CVM), hipótese em que se terá uma companhiaaberta. Em contraste, há a companhia fechada, cujos títulos não estão admitidos à ofertapública no mercado de valores mobiliários. Todo o mercado de valores imobiliários noBrasil está submetido à regulamenta ção e à fiscalização pela Comissão de ValoresMobiliários, ditando normas sobre informações que as companhias devem divulgar aopúblico, relatório da admi nistração e demonstrações financeiras, padrões decontabilidade, relatórios e pareceres de auditores independentes, divulgação de fatosrelevantes ocorridos nos seus negócios e muito mais. Seu poder de fiscalização inclui afaculdade de examinar e extrair cópias de registros contábeis, livros ou documentos,intimar pessoas para prestar informações (como contadores, auditores independentes,consultores e analistas de valores mobiliários etc.), bem como apurar e punir condutasfraudulentas no mercado de valores mobiliários. Sem registro e auto rização da Comissãode Valores Mobiliários, não pode haver emissão e negocia ção pública de títulos

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societários.Para a constituição de uma sociedade anônima fazse necessário, no mínimo: (1) a

subscrição, pelo menos por duas pessoas, de todas as ações em que se divide o capitalsocial fixado no estatuto; (2) o pagamento em dinheiro, como entrada, de no mínimo10% (se mais não exigir lei especial) do preço de emissão das ações subscritas; e (3) odepósito, no Banco do Brasil S.A. ou em outro estabelecimento bancário autorizado pelaComissão de Valores Mobiliários, da parte do capital realizado em dinheiro, a serefetuado pelo fundador, no prazo de cinco dias contados do recebimento das quantias,em nome do subscritor e a favor da sociedade em organização, que só poderá levantáloapós haver adqui rido personalidade jurídica. Caso a companhia não se constitua em seismeses da data do depósito, o banco restituirá as quantias depositadas diretamente aossubscritores. Para além desses requisitos comuns, distinguese a constituição entresubscrição pública, para companhias abertas, e subscrição particular, para companhiasfechadas. Já a constituição de companhia por subscrição pública depende do prévioregistro da emissão na Comissão de Valores Mobiliários e subscrição intermediada porinstituição financeira. Companhias holdings, nor malmente, são constituídas porsubscrição particular do capital, que pode fazerse por deliberação dos subscritores emassembleia geral ou por escritura pública, considerandose fundadores todos ossubscritores.4

O Direito brasileiro aceita a figura da subsidiária integral, ou seja, uma sociedadeanônima que tem um único acionista: uma sociedade brasileira. A subsidiária integral éconstituída mediante escritura pública, com todas as ações sendo subscritas pelasociedade que deterá o seu controle acionário integral. Também é possível a conver sãode uma companhia em subsidiária integral, o que se faz por meio da aquisição, porsociedade brasileira, de todas as suas ações ou, ainda, por meio da incorporação detodas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira, paraconvertêla em subsidiária integral, tornandose os acionistas da companhia incorporadasócios da sociedade incorporadora.5

O estatuto social fixará, em moeda nacional, o valor do capital da sociedadeanônima, bem como o número de ações em que se divide. As ações, conforme a naturezados direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, são ordinárias, preferenciais, oude fruição. As ações ordinárias conferem a seus titulares todos os direitos sociais; já nasações preferenciais, determinadas faculdades (nomea damente o direito de voto) sãotrocadas por algumas preferências ou vantagens, a saber: (1) prioridade na distribuiçãode dividendo, fixo ou mínimo; (2) prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou semele; ou (3) acumulação dessas duas preferências e vantagens. Se a ação preferencialgoza de prioridade na distribuição de dividendo fixo, há um piso, vale dizer, um

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percentual mínimo do lucro líquido do exercício cuja distribuição será obrigatória para ostitulares das ações preferen ciais; o estatuto fixará tal percentual e, se for omisso,aplicase o artigo 202 da Lei 6.404/76, que se refere a metade do lucro líquido, diminuídodas importâncias que sejam destinadas à constituição da reserva legal e à formação dareserva para con tingências. Quando se trate de preferência com direito a dividendo fixo,o estatuto definirá um valor ou percentual sobre o valor contábil da ação como vantagemna distribuição de lucros aos acionistas. De qualquer sorte, o estatuto da companhia comações preferenciais declarará as vantagens ou preferências atribuídas a cada classedessas ações e as restrições a que ficarão sujeitas, e poderá prever o res gate ou aamortização, a conversão de ações de uma classe em ações de outra e em açõesordinárias, e destas em preferenciais, fixando as respectivas condições.

O capital social dividese em ações, cuja cessão não depende da anuência dosdemais sócios, embora o estatuto da companhia fechada possa prever direito depreferência para os acionistas. Esse direito pode também estar previsto emacordo de acionistas. A transferência de ações se faz por meio do Livro deTransferência de Ações, sem alteração do estatuto social. É, portanto, umprocesso bem mais simples.

No que se refere à forma, todas as ações serão nominativas, isto é, o nome dorespectivo titular constará do registro da companhia, no livro de registro de açõesnominativas, presumindose a titularidade deste sobre os títulos. As ações transfe remsepor anotação feita no Livro de Transferência de Ações Nominativas, datada e assinadapelo cedente e pelo cessionário, ou por seus legítimos representantes; em se tratando deato judicial (herança, arrematação, adjudicação etc.), a aver bação fazse à vista dedocumento do juízo, que ficará em poder da companhia. As ações são títulos de livrecirculação, ou seja, seus titulares podem vendêlas para qualquer pessoa, sócio ou nãosócio, sendo que a admissão desse terceiro na sociedade não depende de aprovação dosdemais acionistas, nada disci plinando a Lei 6.404/76 a esse respeito. No entanto, nacompanhia fechada a circulação das ações pode sofrer limitações impostas pelo estatuto.Tais limitações, para serem válidas, deverão estar minuciosamente reguladas no estatutoe não podem traduzir impedimento de negociação, nem sujeição do acionista ao arbítriodos órgãos de administração da companhia ou da maioria dos acionistas. O mais co mumé a previsão do direito de preferência dos acionistas para a aquisição das ações,cumprindo àquele que as quer vender oferecêlas em primeiro lugar – e em igualdade decondições – à coletividade social. A limitação à circulação criada por alteração estatutária

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somente se aplicará às ações cujos titulares com ela expressamente concordarem,mediante pedido de averbação no Livro de Registro de Ações Nominativas.

As ações podem ser oferecidas em penhor ou em caução, mesmo judicial, devendo oônus ser averbado no Livro de Registro de Ações Nominativas. As ações também podemser objeto de usufruto, fideicomisso, alienação fiduciária em ga rantia, entre outrascláusulas ou ônus, que serão igualmente averbados no Livro de Registro de AçõesNominativas. Mesmo a promessa de venda da ação e o direito de preferência à suaaquisição podem ser averbados em tais livros, o que fará com que sejam oponíveis aterceiros.

O estatuto ou a assembleia geral extraordinária pode autorizar a aplicação de lucrosou reservas de capital no resgate ou na amortização de ações, determinando ascondições e o modo de procederse à operação. O resgate consiste no pagamento dovalor das ações para retirálas definitivamente de circulação, cancelandoas,extinguindoas. Habitualmente, o resgate implica a redução do capital social, no montantecorrespondente às ações canceladas. Mas quando se utilizam lucros ou reservas decapital para a operação, é possível haver resgate de ação sem que haja alteração nocapital social, aumentandose o valor contábil de cada ação. Nessa hipótese, se as açõestêm valor nominal, o estatuto social será alterado para atri buir novo valor nominal àsações remanescentes. Salvo disposição em contrário do estatuto social, o resgate deações de uma ou mais classes só será efetuado se, em assembleia especial convocadapara deliberar sobre essa matéria específica, for aprovado por acionistas querepresentem, no mínimo, a metade das ações da(s) classe(s) atingida(s).

Já a amortização consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação esem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso deliquidação da companhia, podendo ser integral ou parcial. A amortização pode abrangertodas as classes de ações ou só uma dessas classes. As ações integralmente amortizadaspoderão ser substituídas por ações de fruição (também chamadas ações de gozo), comas restrições fixadas pelo estatuto ou pela assembleia geral que deliberar a amortização;em qualquer caso, ocorrendo liquidação da companhia, as ações amortizadas sóconcorrerão ao acervo líquido depois de assegurado às ações não amortizadas valor igualao da amortização, corrigido monetariamente.

Reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, que serão estu dadosno Capítulo 3, a companhia paga aos acionistas dissidentes de deliberação da assembleiageral o valor de suas ações. Corresponde, portanto, a um direito de recesso (ou deretirada), que nas sociedades por ações é mais reduzido do que nas sociedadescontratuais. A regra geral para o cálculo do valor de reembolso é utilizar o valor depatrimônio líquido da ação constante do último balanço aprovado pela assembleia geral,

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quando ocorrido há menos de 60 dias (artigo 45, § 1o, da Lei 6.404/76). O estatutosocial, todavia, pode prever que o reembolso se fará por meio de levantamento debalanço especial ou pelo valor econômico da companhia, a ser apurado em avaliação. Olevantamento de balanço especial, como fora uma dissolução da companhia, éigualmente a solução quando o balanço tenha sido aprovado em assembleia realizada hámais de 60 dias, ou sempre que se demonstre haver graves distorções no balançoaprovado, como reservas ocultas de capital.6

Na hipótese de levantamento de balanço especial, a companhia pagará imediatamente 80% do valor de reembolso calculado com base no último balanço e,levantado o balanço especial, pagará o saldo no prazo de 120 dias, a contar da data dadeliberação da assembleia geral. Alternativamente, se o estatuto de terminar que oreembolso se faça a partir da avaliação do valor econômico da companhia, utilizarseãotrês peritos ou empresa especializada, que deverão apresentar laudo fundamentado, coma indicação dos critérios de avaliação e dos elementos de comparação adotados einstruído com os documentos relati vos aos bens avaliados, respondendo civilmente pelosdanos que eventualmente causem, por culpa ou dolo, na avaliação dos bens; se o atocaracterizar crime, haverá igual responsabilização penal. Os peritos ou empresaespecializada se rão indicados em lista sêxtupla ou tríplice, respectivamente, peloConselho de Administração ou, se não houver, pela diretoria, e escolhidos pelaassembleia geral em deliberação tomada por maioria absoluta de votos, não secomputando os votos em branco, cabendo a cada ação, independentemente de suaespécie ou classe, o direito a um voto.

O valor de reembolso poderá ser pago à conta de lucros ou reservas, exceto a legal,e nesse caso as ações reembolsadas ficarão em tesouraria; se não há compro metimentodo capital social, aliás, também se poderá deliberar pelo cancelamento das ações,aumentandose o valor nominal das ações remanescentes, se houver. Se assim nãoocorrer, a companhia terá cento e vinte dias, a contar da publicação da ata daassembleia que aprovou o reembolso, para substituir os acionistas dissi dentes, cujasações tenham sido reembolsadas à conta do capital social. Vencido esse prazo, nãosendo substituídos os acionistas, o capital social se considerará reduzido no montantecorrespondente, cumprindo aos órgãos da administração convocar a assembleia geral,dentro de cinco dias, para tomar conhecimento da quela redução.7

A administração da sociedade anônima está a cargo de um conselho de administração e de uma diretoria; as companhias fechadas podem ter apenas diretoria,se assim prever o estatuto social.

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A administração da companhia está a cargo de um conselho de administração e deuma diretoria; as companhias abertas e as de capital autorizado deverão ter ambos osórgãos, mas as companhias fechadas podem ter apenas diretoria, con forme previsão deseu estatuto social. A diretoria terá a composição, atuação e funcionamento previstospelo estatuto, respeitadas as regras da Lei 6.404/76. Podem ser criados, ainda, quaisquerórgãos com funções técnicas ou destinados a aconselhar os administradores. A ata daassembleia geral ou da reunião do conselho de administração que eleger administradoresdeverá conter a qualificação e o prazo de gestão de cada um dos eleitos, devendo serarquivada no registro do comércio e publicada. A assembleia geral fixará o montanteglobal ou individual da remuneração dos administradores (conselheiros eadministradores), inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação,tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, suacompetência e repu tação profissional e o valor dos seus serviços no mercado. A renúnciado admi nistrador tornase eficaz, em relação à companhia, desde o momento em que lhefor entregue a comunicação escrita do renunciante, e em relação a terceiros de boafé,após arquivamento no registro de comércio e publicação, que poderão ser promovidospelo renunciante.

O conselho de administração é um órgão de deliberação colegiada, sendo compostopor, no mínimo, três pessoas físicas, eleitas pela assembleia geral entre os acionistas,podendo ser por ela destituídos a qualquer tempo. O estatuto da companhia deveráestabelecer: (1) o número de conselheiros, ou o máximo e mí nimo permitidos, e oprocesso de escolha e substituição do presidente do conselho pela assembleia ou pelopróprio conselho; (2) o modo de substituição dos conse lheiros; (3) o prazo de gestão,que não poderá ser superior a três anos, permiti da a reeleição; (4) as normas sobreconvocação, instalação e funcionamento do conselho, que deliberará por maioria devotos, podendo o estatuto estabelecer quórum qualificado para certas deliberações,desde que especifique as matérias. Serão arquivadas no registro do comércio epublicadas as atas das reuniões do conselho de administração que contiveremdeliberação destinada a produzir efei tos perante terceiros.

O conselheiro deve ter reputação ilibada, não podendo ser eleito, salvo dispensa daassembleia geral, aquele que ocupar cargos em sociedades que possam ser consideradas concorrentes no mercado, em especial, em conselhos consultivos, deadministração ou fiscal; e aquele que tiver interesse conflitante com a sociedade. Se oconselheiro eleito reside ou tem domicílio no exterior, a sua posse no órgão ficacondicionada à constituição de representante residente no país, com poderes parareceber citação em ações contra ele propostas com base na legislação socie tária,mediante procuração com prazo de validade que deverá estenderse por, no mínimo, três

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anos após o término do prazo de gestão do conselheiro. Na eleição dos conselheiros, éfacultado aos acionistas que representem, no mínimo, 10% do capital social com direito avoto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a ado ção do processo de votomúltiplo, atribuindose a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho,e reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuílosentre vários. Essa faculdade deverá ser exercida pelos acionistas até 48 horas antes daassembleia geral, cabendo à mesa que dirigir os trabalhos da assembleia informarpreviamente aos acionistas, à vista do Livro de Presença, o número de votos necessáriospara a eleição de cada membro do conselho.

Sociedades AnônimasCompetência do Conselho de Administração

(1) fixar a orientação geral dos negócios da companhia;(2) eleger e destituir os diretores da companhia e fixarlhes as atribuições, observado o que aesse respeito dispuser o estatuto;(3) fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e os papéis dacompanhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração e quaisqueroutros atos;(4) convocar a assembleia geral ordinária ou, quando julgar conveniente, extraordinária;(5) manifestarse sobre o relatório da administração e as contas da diretoria;(6) manifestarse previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir;(7) deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus desubscrição;(8) autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo permanente,a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros;(9) escolher e destituir os auditores independentes, se houver, deliberação que poderá servetada pelos conselheiros eleitos pelos minoritários que representem, pelo menos, 15% do totaldas ações com direito a voto e pelos preferencialistas que representem, no mínimo, 10% docapital social.

A representação da companhia é privativa dos diretores. No silêncio do estatuto einexistindo deliberação do conselho de administração, competirão a qualquer diretor arepresentação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu fun cionamentoregular; mas o estatuto pode estabelecer que determinadas decisões, de competênciados diretores, sejam tomadas em reunião da diretoria. Nos limites de suas atribuições epoderes, é lícito aos diretores constituir mandatários da companhia, devendo serespecificados no instrumento os atos ou operações que poderão praticar e a duração domandato, que, no caso de mandato judicial, po derá ser por prazo indeterminado. ADiretoria será composta por dois ou mais diretores (pessoas naturais), eleitos e

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destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pelaassembleia geral, devendo o estatuto estabelecer: (1) o número de diretores, ou omáximo e o mínimo permitidos; (2) o modo de sua substituição; (3) o prazo de gestão,que não será superior a três anos, permitida a reeleição; (4) as atribuições e os poderesde cada diretor. Os membros do conselho de administração, até o máximo de 1/3 (umterço), poderão ser eleitos para cargos de diretores.

O administrador da companhia (membro do conselho de administração ou dadiretoria) deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todohomem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.Isso implica exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os finse no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função socialda empresa. Mesmo que o administrador seja eleito por grupo ou classe de acionistas,ele tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, aindaque para defesa do interesse dos que o elege ram, faltar a esses deveres. Não se lhespermite praticarem atos de liberalidade à custa da companhia, como fazerem doações,empréstimos gratuitos etc. Notese, porém, que o conselho de administração ou adiretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dosempregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suasresponsabilidades sociais. Não podem, ademais, tomar por empréstimo recursos ou bensda companhia, ou usar bens, serviços ou crédito da sociedade, em proveito próprio, desociedade em que tenha interesse, ou de terceiros; somente com autorização prévia daassembleia geral, conselheiros ou diretores poderão fazer uso de tais empréstimos, bens,serviços ou créditos, sendo que, para os membros da diretoria, essa autorização pode serdada pelo conselho de administração. Também é vedado aos administradores re ceber deterceiros, sem autorização estatutária ou da assembleia geral, qualquer modalidade devantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo. Se recebemimportâncias, desrespeitando tal vedação, os valores pertencerão à companhia (artigo154, § 3o, da Lei 6.404/76).

Os administradores também estão submetidos a um dever de lealdade, ou seja, oadministrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seusnegócios. Não podem usar, em benefício próprio ou de outrem, as opor tunidadescomerciais de que tenham conhecimento em razão do exercício de seu cargo, com ousem prejuízo para a companhia. Também rompe com o dever de lealdade aquele que seomite no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção devantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio deinteresse da companhia. É comportamento desleal, igualmente, adquirir, para revendercom lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione

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adquirir. Atentese, ademais, para os conflitos de interesses. É vedado ao administradorintervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o dacompanhia, bem como na deliberação que a esse respeito tomarem os demaisadministradores, cumprindolhe cientificálos do seu impedimento e fazer consignar, emata de reunião do conselho de admi nistração ou da diretoria, a natureza e a extensão doseu interesse. Mais que isso, o administrador só pode contratar com a companhia emcondições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que acompanhia contrataria com terceiros. Se não o faz, o negócio celebrado com a companhiapoderá ser anulado, e o administrador interessado será obrigado a transferir para acompanhia as vantagens que dele tiver auferido. Sobre o tema leiase adiante o caso parailustração [Banco Real].

Os administradores são civilmente responsáveis pelos atos que praticaremviolando a lei ou o estatuto social, bem como quando atuarem com dolo ouculpa.

O ato praticado pelo administrador em nome da companhia, quando não exceda ospoderes outorgados pelo estatuto, nem desrespeite a lei, é ato que se interpreta comotendo sido praticado pela própria sociedade. Se o administrador procede com violação dalei ou do estatuto, e mesmo se, dentro de suas atribuições ou poderes, atua com culpaou dolo, responderá civilmente pelos prejuízos que causar, devendo indenizálos. Contudo,o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador se convencidode que este agiu de boafé e vi sando ao interesse da companhia (artigo 159, § 6o, da Lei6.404/76). Em relação aos outros administradores (conselheiros ou diretores), oadministrador não é responsável por atos ilícitos por eles praticados, exceto: (1) se forconivente com eles, (2) se negligenciar em descobrilos ou (3) se deixar de agir paraimpedir a sua prática quando tenha conhecimento do ato ilícito.

Quando o ato ilícito decorra de deliberação da diretoria ou do conselho deadministração, o administrador dissidente eximese de responsabilidade se fizer consignarsua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível,dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, seem funcionamento, ou à assembleia geral. Diferente será a hipótese de se tratar deprejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei paraassegurar o funcionamento normal da companhia; neste caso, como se trata deobrigações legais da administração, todos os admi nistradores são solidariamenteresponsáveis pelos danos, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos

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eles. Nas companhias abertas, essa responsabi lidade está restrita aos administradoresque, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimentoàqueles deveres. No entanto, tornase solidariamente responsável pelos prejuízos alheioso administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento dos deveres pelo seuantecessor ou pelo admi nistrador competente para o ato, deixa de comunicar o fato àassembleia geral.

O ajuizamento da ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelosprejuízos causados ao patrimônio da sociedade, deverá ser feito pela própria com panhia,a partir de prévia deliberação da assembleia geral ordinária ou extraor dinária; nesteúltimo caso, se expressamente prevista na ordem do dia ou se for consequência direta deassunto nela incluído. Na mesma assembleia, serão subs tituídos o administrador ouadministradores contra os quais deva ser proposta ação, já que se tornam impedidos deexercer suas funções a partir da deliberação. Se a ação não for proposta no prazo de trêsmeses da deliberação da assembleia geral, qualquer acionista poderá ajuizála. Se aassembleia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas querepresentem 5%, pelo menos, do capital social. Se tais acionistas saíremse vencedores,os resultados da ação por eles promovida deferemse à companhia, mas esta deveráindenizálos, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiveremincorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.

A sociedade anônima tem, obrigatoriamente, um conselho fiscal, mas cabe aoestatuto dispor se seu funcionamento será permanente ou eventual.

A sociedade anônima tem, obrigatoriamente, um conselho fiscal, composto de, nomínimo, três e, no máximo, cinco membros, e suplentes em igual número, acionistas ounão, eleitos pela assembleia geral. Mas cabe ao estatuto dispor se seu funcionamentoserá permanente ou eventual, ou seja, se funcionará apenas nos exercícios sociais emque sua instalação for pedida pelos acionistas. O con selho fiscal, quando ofuncionamento não for permanente, poderá ser formulado em qualquer assembleia geral(ordinária ou extraordinária), ainda que a matéria não conste do anúncio de convocação,bastando que o peçam que representem, no mínimo, 10% das ações com direito a voto,ou 5% das ações sem direito a voto; na mesma assembleia, seus membros serão eleitose o conselho instalado, funcio nando até a primeira assembleia geral seguinte. Aassembleia geral ainda fixará a remuneração dos membros do conselho fiscal, além doreembolso, obrigatório, das despesas de locomoção e estadia necessárias aodesempenho da função; essa remuneração não poderá ser inferior, para cada membro

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em exercício, a 10% da que, em média, for atribuída a cada diretor, não computadosbenefícios, verbas de representação e participação nos lucros. A função de membro doconselho fiscal é indelegável.

Para a constituição do conselho fiscal, os titulares de ações preferenciais sem direitoa voto, ou com voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, ummembro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde querepresentem, em conjunto, 10% ou mais das ações com direito a voto; os demaisacionistas com direito a voto poderão eleger os membros efetivos e suplentes que, emqualquer caso, serão em número igual àqueles outros mais um. Somente podem sereleitos para o conselho fiscal pessoas naturais, residentes no país, diplomadas em cursode nível universitário, ou que tenham exercido, por prazo mínimo de três anos, cargo deadministrador de empresa ou de conselheiro fiscal. Nas localidades em que não houverpessoas habilitadas, em número suficiente, para o exercício da função, caberá ao juizdispensar a companhia da satisfação de tais requisitos. Atentese para o fato de areeleição ser legalmente permitida. São inelegíveis para os cargos do conselho fiscal, aexemplo do que também se passa com os cargos de administração da companhia, aspessoas impedidas de empresariar.

Sociedades AnônimasCompetência do Conselho Fiscal

(1) fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos administradores e verificar ocumprimento dos seus deveres legais e estatutários;(2) opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo constar do seu parecer asinformações complementares que julgar necessárias ou úteis à deliberação da assembleia geral;(3) opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidas à assembleiageral, relativas à modificação do capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição,planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação,incorporação, fusão ou cisão;(4) denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, se estes nãotomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à assembleiageral, erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia;(5) convocar a assembleia geral ordinária, se os órgãos da administração retardarem por mais deum mês essa convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves ou urgentes,incluindo na agenda das assembleias as matérias que considerarem necessárias;(6) analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e demais demonstrações financeiraselaboradas periodicamente pela companhia;(7) examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar;(8) exercer essas atribuições, durante a liquidação, tendo em vista as disposições especiais que aregulam.

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As atribuições e os poderes conferidos pela lei ao conselho fiscal não podem seroutorgados a outro órgão da companhia. Os órgãos de administração são obri gados,através de comunicação por escrito, a colocar à disposição dos membros em exercício doconselho fiscal, dentro de 10 dias, cópias das atas de suas reu niões e, dentro de 15 diasdo seu recebimento, cópias dos balancetes e demais demonstrações financeiraselaboradas periodicamente e, quando houver, dos relatórios de execução de orçamentos.O conselho fiscal, a pedido de qualquer dos seus membros, tem, ainda, o poder derequerer aos órgãos de administração esclarecimentos ou informações, desde querelativas à sua função fiscalizadora, assim como a elaboração de demonstraçõesfinanceiras ou contábeis especiais. Ademais, os membros do conselho fiscal assistirão àsreuniões do conselho de administração, se houver, ou da diretoria, em que se deliberarsobre os assuntos em que devam opinar.

Se a companhia tiver auditores independentes, o conselho fiscal, a pedido dequalquer de seus membros, poderá solicitarlhes esclarecimentos ou informações e aapuração de fatos específicos. Em oposição, se a companhia não tiver auditoresindependentes, o conselho fiscal poderá, para melhor desempenho das suas funções,escolher contador ou firma de auditoria e fixarlhes os honorários, dentro de níveisrazoáveis, vigentes na praça e compatíveis com a dimensão econômica da companhia, osquais serão pagos por esta. Acresçase que o conselho fiscal poderá, para apurar fato cujoesclarecimento seja necessário ao desempenho de suas funções, formular, comjustificativa, questões a serem respondidas por perito e solicitar à diretoria que indique,para esse fim, no prazo máximo de trinta dias, três peritos, que podem ser pessoasfísicas ou jurídicas, de notório conhecimento na área em questão, entre os quais oconselho fiscal escolherá um, cujos honorários serão pagos pela companhia.

O conselho fiscal atua a bem da companhia e dos acionistas. Assim, no âm bito dasmatérias de sua competência, deverá fornecer informações ao acionista, ou grupo deacionistas que representem, no mínimo, 5% do capital social, sempre que solicitadas.Nas reuniões da assembleia geral, os membros do conselho fiscal, ou ao menos umdeles, deverão comparecer e responder aos pedidos de informa ções formulados pelosacionistas. Nesse sentido, os pareceres e as representações do conselho fiscal, ou dequalquer de seus membros, poderão ser apresentados e lidos na assembleia geral,independentemente de publicação e ainda que a maté ria não conste da ordem do dia.

Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administradores,respondendo pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e deatos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto. Aresponsabilidade por omissão no cumprimento de seus deveres é solidária, mas dela seexime o membro dissidente que fizer consignar sua divergência em ata da reunião do

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órgão e a comunicar aos órgãos da administração e à assembleia geral. Mas o membrodo conselho fiscal não é responsável pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se comeles foi conivente, ou se concorrer para a prática do ato. Devem exercer suas funções noexclusivo interesse da companhia; considerarse á abusivo o exercício da função com o fimde causar dano à companhia, ou aos seus acionistas ou administradores, ou de obter,para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar,prejuízo para a companhia, seus acionistas ou administradores.

Caso para ilustração

Banco Real

ASA – Administradora de Bens Ltda., Carbrasmar – Indústria e ComércioLtda., Dig Distribuidora Guanabarina de Veículos Ltda., Disbrasa DistribuidoraBrasileira de Veículos Ltda., Dive Distribuidora de Veículos Ltda., Ed. Empreendimentos Diversificados Ltda., Empreiteira de Mão de Obra Ltda., Enrico Guarneri Ltda., Fiorenza Auto Distribuidora Ltda., Maria Stella Londres Slerca, MárioSlerca Junior, Recomi Ltda., Sul Dive Distribuidora de Veículos Ltda.,Alessandra Guarneri Slerca, Marco Enrico Slerca, Roberto Slerca e Mário SlercaNeto, acio nistas minoritários das holdings abertas Real S.A. Participações eAdministração e Consórcio Real Brasileiro de Administração S.A., além dasociedade de capital aberto Banco Real de Investimentos, ajuizaram açãoindenizatória contra Aloysio de Andrade Faria, sob a alegação de que o réu, naqualidade de sócio controla dor e diretor, transferiu o controle do Grupo Reala o ABN Amro Bank, retirando das duas holdings abertas (Real S.A.Participações e Administração e Consórcio Real Brasileiro de AdministraçãoS.A.) e do Banco Real de Investimentos o contro le sobre o Banco Real, sobre aCia. Real de Crédito Imobiliário e sobre as demais companhias integrantes dogrupo. Segundo os autores, essa operação se fez em proveito próprio e emdesproveito das sociedades controladoras. Para tanto, o réu teria promovidorepetidas cisões, provocando a redução do valor de suas posições acionáriasem tais sociedades, prejuízo que, segundo os autores, não teria ocorrido casonão tivessem sido cindidas as sociedades ou ainda pudesse ter sido realizada aalienação pelas próprias companhias das quais os autores são sócios.Pleitearam a indenização equivalente à diferença entre o valor de suas ações,logo após a conclusão da operação (novembro de 1998), e o valor que elasteriam caso não fosse adotado o procedimento denunciado.

O Juiz de Direito da 37a Vara Civil do Rio de Janeiro, considerando inexistir

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a prova dos danos diretos alegados pelos autores, julgou improcedente opedido inaugural. Os autores apelaram para o Tribunal de Justiça do Rio deJaneiro, mas sua Décima Quarta Câmara Cível, por unanimidade, também lhesrecusou a indenização pleiteada: “Não pratica ato ilegal quem, usando dospoderes de acionista controlador, transfere o poder que detém sobrecompanhias abertas do Grupo a terceiros, sem audiência das minorias. Paraobter indenização mister se faz a demonstração de danos diretos sofridos pelosacionistas, e não danos indiretos, através de supostos prejuízos sofridos pelacompanhia.”

Por meio do Recurso Especial 556.265/RJ, a questão foi submetida àQuarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Os autores insistiram na tese deque, ao promover as cisões, o recorrido abusou do poder de controle, usurpoua opor tunidade comercial que cabia às empresas Consórcio Real, RealParticipações e Banco Real de Investimentos, agindo em conflito de interessessociais. Argumen taram, ademais, que o controlador teria usado do direito devotar em Assem bleia Geral quando se achava em situação de impedimento.Dessa maneira, as sociedades foram cindidas de modo a possibilitar que ocontrolador, Aloysio de Andrade Faria, auferisse com exclusividade acontraprestação correspondente ao poder de controle. Para os recorrentes,esse comportamento caracterizaria venda a non domino [venda por quem nãoé o proprietário], já que a participa ção societária alienada pertenceria às duasholdings abertas (Real S.A. Participações e Administração e Consórcio RealBrasileiro de Administração S.A.) e ao Banco Real de Investimentos.

Afirmaram ainda serem falsas as duas justificativas apresentadas em assembleia para justificar as cisões: (1) a necessidade das cisões para separar osativos que o ABN Amro Bank desejava adquirir; e (2) o valor atribuído às açõesdo Banco Real. A primeira seria falsa pois asseveraram que o objeto deinteresse do ABN já estava individualizado dentro das sociedadesindependentes, sendo suficiente, pois, que as empresas Consórcio Real e RealParticipações vendessem simplesmente as suas próprias ações do Banco Reale, por meio de uma de suas subsidiárias, o Banco Real de Investimentosalienasse as ações da Cia. Real de Crédito Imobiliário, dispensando, assim, ocomplexo processo de cisões. Aduziram que as holdings abertas e suassubsidiárias poderiam também vender as ações que entraram como contrapesono negócio e que se encontravam em seus ba lanços, livres e desembaraçadas.Alegaram que a prova do prejuízo se encontra nos fatos, em si mesmos, poreles descritos. Por fim, sustentando tratarse de contrato de venda, e não de

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permuta, o firmado entre o controlador e o ABN Amro Bank, sendo que aomissão do valor pago e a não identificação das ações a serem recebidas pelorecorrido configuram simulação, circunstância indicadora do dolo com que agiraele em detrimento do público acionário.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, contudo, rejeitou os argumentos dos minoritários, por unanimidade, em acórdão assim ementado:

“– Considerase controlada a sociedade na qual a controladora,diretamente ou por meio de outras controladas, é titular de direitos de sóciosque lhe assegu rem, de modo permanente, preponderância nas deliberaçõessociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.

– Ao controlador indireto é permitido apropriarse do sobrevalor correspondente ao seu poder de controle, bem de conteúdo econômico autônomo eindependente. Inexistência no caso de venda a non domino, tampouco da alegada subtração de oportunidade comercial, de que seriam titulares as holdingsabertas. Exercício regular da função de controlador.

– Não ocorrência de dano, quer das holdings abertas, quer dos acionistasminoritários. Sem a prova da existência de prejuízo, não há lugar para a indenização pretendida.

– Existência dos danos alegados a depender do reexame de matéria fáticoprobatório (Súmula no 7/STJ).”

Em seu voto, o Ministro Barros Monteiro, relator, destacou que o ponto central da controvérsia residia em saber a quem cabe colher o proveito econômicodecorrente da transferência do controle da parcela do Grupo Real efetuada emnegócio jurídico celebrado com o ABN Amro Bank; se ao réu, como aconteceu,ou às sociedades abertas Consórcio Real, Real Participações e Banco Real deInvestimentos. O demandado detinha 99,99% do capital social das holdingsfechadas, Nova América, Transamérica e Fortaleza. Cada uma dessas trêssociedades era titular de participações minoritárias nas duas holdings abertas,Consórcio Real e Real Participações. Por sua vez, estas últimas detinhamparticipações minoritárias em três companhias operacionais abertas do GrupoReal: Banco Real, Banco Real de Investimentos e Cia. Real de Investimentos.Assim, entendeu o magistrado, ao reverso do sustentado pelos ora recorrentes,as duas holdings abertas, Consórcio Real e Real Participações, não eramindividualmente detentoras do controle das companhias operacionais do GrupoReal pelas quais se interessava o Banco holandês. Por conseguinte, é impróprioasseverarse que parcela do patrimônio pertencente às duas holdings citadas foiretirada indevidamente pelos réus. Na verdade, Aloysio de Andrade Faria era o

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controlador de todo o Grupo Real; de tinha o controle direto das três holdingsfechadas (Nova América, Transamérica e Fortaleza) e o controle indireto, pormeio das holdings abertas (Consórcio Real e Real Participações), dascompanhias operacionais abertas (Banco Real, Banco Real de Investimentos eCia. Real de Investimentos).

Dessa maneira, concluiu o julgador, se o réu detinha o controle indireto doBanco Real e do Banco Real de Investimentos, não se pode dizer tenha elevendido o que não era seu (venda a non domino), nem tampouco que tenhausurpado a oportunidade comercial das holdings abertas (Consórcio Real e RealParticipações) e do Banco Real de Investimentos de alienar diretamente ascompanhias operacionais abertas de interesse do ABN Amro Bank. Cabia ao réulegitimamente apropriarse do sobrevalor correspondente à posição ostentada,não às holdings abertas (Consórcio Real e Real Participações), como almejamos recorrentes. Se o demandado celebrou o negócio jurídico com o Bancoholandês, auferindo a vantagem econômica resultante de seu poder decontrole, não há falar em ili citude de comportamento ou abuso de direito, nemsequer de conflito de inte resses em relação às sociedades controladas,tampouco de voto em situação de impedimento.

Continuou o relator: os recursantes alegaram a impossibilidade de “destacarse parte do patrimônio do Grupo Real, a fim de que separadamente fossedestinada a transferência do controle à instituição financeira alienígena. Em verdade, as cisões operadas tiveram como escopo precípuo viabilizar a negociaçãocom o ABN Amro Bank, cujos interesses se adstringiam apenas a determinadascompanhias operacionais do Grupo Real. Se cedido fosse pelo réu Aloysio deAndrade Faria o controle direto que detinha, ipso facto restaria prejudicada atransferência do controle indireto mantido em relação a algumas das sociedades controladas. Todavia, no caso, haveria que se desagregar uma parcela dogrupo, a fim de atender aos objetivos do Banco holandês, e a engenharia societária pertinente era aquela eleita pelos réus – a da cisão. Não se vê ilegalidadealguma nesse procedimento: se Aloysio de Andrade Faria podia ceder todo oseu poder de controle, podia – por questão de lógica –, transferir o menos, istoé, parte dele. Quem pode o mais, pode o menos. Tais cisões não prejudicarama s holdings abertas, uma vez que não eram elas as titulares do poder decontrole do Banco Real e do Banco Real de Investimentos. Também nãoacarretaram perdas aos acionistas minoritários das citadas holdings abertas,Consórcio Real e Real Participações e à companhia operacional aberta, BancoReal de Investimentos, pois passaram eles – acionistas – a deter o mesmo

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número de ações nas novas sociedades criadas com as cisões”.Por fim, atestou o julgador não terem relevância para o deslinde da lide os

detalhes técnicos relativos à engenharia societária que deu ensejo e concretude à transferência do controle ao Banco holandês. Certo é ter havido atransposição de parte do poder de controle exercido por Aloysio de AndradeFaria para a sociedade denominada Taluk S.A. , que foi alienada em seguida àentidade financeira estrangeira. Se houve venda ou permuta, aspecto puramente formal, tal circunstância é destituída de significação para o desate dacontrovérsia, o mesmo devendo ser dito com respeito ao valor atribuído àsações do Banco Real, tido pelo recorrente como nulo, simbólico ou mera mentecontábil.

Sociedade em comandita por ações

A sociedade em comandita por ações também tem seu capital social dividido emações, sendo regida pela Lei 6.404/76. Contudo, há uma distinção entre os sócios queinvestem e sócios que administram, sendo certo que os diretores devem ser,obrigatoriamente, sócios, sendo nomeados por meio de cláusula disposta no estatutosocial, sem limitação de tempo, só havendo destituição por deliberação de acionistas querepresentem no mínimo dois terços do capital social. O princípio alcança mesmo agerência social, a exigir, igualmente, nomeação pelo estatuto social e mesmo quórumespecial para destituição.

Os acionistas investidores (comanditários), que não exercem a administração social,não respondem subsidiariamente pelas obrigações sociais. Em oposição, os acionistasque exercem a administração assumem a condição de comanditados, respondendo comseu patrimônio pessoal, ilimitadamente, pelas obrigações sociais. Essa responsabilidade ésubsidiária em relação à sociedade e solidária entre os diretores. Mesmo o diretordestituído ou exonerado, por força do artigo 1.091 do Código Civil, continua, durante doisanos, responsável pelas obrigações sociais contraídas sob sua administração.

Nesse tipo societário, não se admite que a assembleia geral, sem o consenti mentodos diretores, mude o objeto essencial da sociedade, prorroguelhe o prazo de duração,aumente ou diminua o capital social, crie debêntures ou partes bene ficiárias, bem comodelibere a participação em grupo de sociedade. De resto, não se aplica à sociedade emcomandita por ações o disposto nesta lei sobre conselho de administração, autorizaçãoestatutária de aumento de capital e emissão de bônus de subscrição.

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MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e em presárias. 4. ed. São Paulo:Atlas, 2010. v. 2, capítulo 13 (Sociedade limitada: estrutura), seção 4.3 (Condomínio de quotas).

Havendo urgência na medida, os administradores, com autorização de titulares de mais da metade do capital social,podem requerêla preventivamente

MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. Capítulo 6 (Tipos de sociedadescontratuais), seção 4 (Sociedade limitada).

Sobre a constituição de companhias, conferir: MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário:sociedades simples e empresárias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 18 (Constituição das sociedades porações).

Sobre a constituição de companhias, conferir: MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário:sociedades simples e empresárias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 23 (Controle, coligação esubsidiariedade), seção 5 (Subsidiária integral).

Sobre reservas ocultas de capital, conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuaçãoempresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 1, capítulos 8 a 10. Também Direito empresarial brasileiro: direitosocietário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 21 (Direitos dos acionistas),seção 7 (Direito de retirada).

MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

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Eventos societários

Dimensão escritural das sociedades

A empresa é uma criação humana, um somatório de realidades concretas (bensmateriais imóveis e móveis) e intangível (bens imateriais, como marcas e patentes,direitos, procedimentos, rotinas etc.). As possibilidades e os méritos da constituição deuma holding familiar, bem como de todo e qualquer planejamento societário, estão nopróprio artifício jurídico que é a pessoa jurídica. Sua existência reflete uma evoluçãoinstrumental e conceitual da sociedade. As possibilidades e os méritos da constituição deuma holding familiar, bem como de todo e qualquer planejamento societário, estão nopróprio artifício jurídico que é a pessoa jurídica. Cunhada ao longo da evolução jurídica dahumanidade, essa figura é simplesmente fascinante por sua realidade e por suaspotencialidades. Da percepção antiga da existência de grupos sociológicos quetranscendiam os indivíduos que os compunham, permitindo referir-se ao grupo como umente social, evoluiu-se para um estágio ainda mais sofisticado, no qual o cenário social eeconômico não é mais constituído apenas por seres humanos (pessoas físicas ou pessoasnaturais), mas igualmente por seres meramente jurídicos (pessoas jurídicas ou pessoasmorais), em muitos casos com existência de fato, como as operações por meio das quaisse concretiza a atividade negocial de uma sociedade empresária, por vezes como meraexistência escritural, como as chamadas sociedades de participação, sociedadespatrimoniais, sociedades imobiliárias e outras, constituídas meramente para funcionarcomo titulares de bens. Isso para não falar nas chamadas sociedades de gaveta, isto é,da prática já difundida de constituir sociedades que mantêm exclusivamente operaçõesescriturais, sem existência de fato, mantidas por objetivos estratégicos os mais variados,muitos dos quais ilícitos, outros de licitude duvidosa, o que não atende à função daprática jurídica.

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A pessoa jurídica funciona como um meio mais eficaz para a consecução dasfinalidades da atuação econômica. A empresa permite mais do que simplesmenteempreender, certo que se constitui no esforço para que melhores condições sejamestabelecidas para o sucesso da atividade. Nesse sentido, é possível afirmar que aempresa é uma organização de iniciativas, de procedimentos, de fórmulas que sãodispostas de modo a permitir a realização de metas econômicas, com maior eficácia.Todas essas relações jurídicas enfeixam-se na empresa e mantêm uma unidade,escrituralmente representada e atermada (a contabilidade empresarial).1

A sociedade, que está por trás da empresa, é um ente que pode ser objeto deplanejamento jurídico que otimize sua estrutura. Essa intervenção será melhorquando revele tecnologia jurídica atual e esteja focada na necessidade debuscar sustentabilidade jurídica.

Mesmo a sociedade (simples ou empresária) é um artifício jurídico: um enteescritural cuja infraestrutura é definida pelo ato constitutivo (contrato ou estatuto social),devidamente registrado e passível de alterações. Na esmagadora maioria dassociedades, as possibilidades oferecidas por essa dimensão escritural não são exploradas.São micro, pequenas e médias atividades negociais, não raro com atos constitutivossimples, seguindo fórmulas dispostas na Internet ou reiteradas em fotocópias. Mais doque isso, a própria estrutura operacional é simples: um só estabelecimento ou, quandomuito, uma estrutura simplificada de sede e um ou outro estabelecimento secundário(filial, sucursal, agência).

No entanto, as possibilidades oferecidas pelo sistema jurídico permitem o manejolícito das estruturas societárias para que se ajustem, da melhor maneira possível, àsnecessidades dos investidores (sócios) e da própria empresa.

A arquitetura jurídica das coletividades de sociedades pode ser diversa e deveconsiderar particularidades de cada caso dado em concreto, ou seja, as particularidadesde cada atividade negocial, de cada patrimônio familiar e, mesmo, de cada família. Emmuitos casos, como ilustração, o desenho societário é alterado para acomodar osmembros de uma nova geração. Noutras, a decisão de retirar os parentes da gestão, deum modo radical, implica uma completa reformulação do desenho societário, alterando asua lógica: a engenharia societária familiar habitualmente não se amoldaconfortavelmente à engenharia da gestão profissional, mormente quando exercida porgestores absolutamente estranhos ao clã.

Nesse sentido, o domínio da teoria e da tecnologia do Direito Societário licencia ao

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especialista compor estruturas corporativas simples (uma pessoa jurídica) ou complexas(grupos de sociedades) que podem atender a finalidades múltiplas, como a reengenhariada atividade produtiva. O fundamento dessa maleabilidade jurídica está no fato de queas pessoas jurídicas são entes cuja existência se desenha a partir de atos constitutivos,vale dizer, o contrato social ou o estatuto social, construídos nos limites licenciados pelalei.

Assim, evitando-se o que a lei proíbe e acatando-se o que a lei determina (ou seja,respeitando o princípio da legalidade, inscrito no artigo 5º, II, da Constituição daRepública), os fundadores e, nos momentos posteriores, os acionistas ou quotistas dassociedades simples ou empresárias podem definir os parâmetros jurídicos que pautam asua subsistência. É quanto basta para que se definam vias lícitas e legítimas para oplanejamento societário e, até, para planejamento patrimonial e tributário, como játivemos ocasião de demonstrar.

Planejamento societário, antes de mais nada, para estabelecer uma arquiteturacorporativa que atenda às demandas como funcionalidade, eficiência, segurança etc.,organizando adequadamente o amplo leque das atividades e do patrimônio de alguém,compreendidas as características da empresa, suas necessidades e possibilidades.

Essas intervenções fazem-se melhor quando refletem uma tecnologia jurídicarefinada e atualizada, compreendendo-se como expressão inovadora. De fato, atecnologia jurídica também experimenta inovações de ordens diversas, como mudançaslegislativas, alterações jurisprudenciais, evolução da teoria jurídica (doutrina), novaspráticas e procedimentos estabelecidos pelos advogados no exercício de sua profissão,além de inovações que resultem dos próprios atores mercantis: empresários,investidores, gestores etc., no exercício da constante procura por meios mais eficazes de

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apresentarem-se ao mercado.Mais do que isso, reiteramos o que afirmamos outrora, a manutenção ou a alteração

das estruturas societárias devem sempre considerar o parâmetro da sustentabilidadejurídica. Não basta pensar a empresa com fins a realizar seu objeto social, visando àverificação de lucro. É indispensável que empresa e sociedade sejam estruturadas eorientadas para uma estabilidade, ou seja, que se busque a preservação da empresa, oque inclui comportamentos para a preservação do patrimônio produtivo. Asustentabilidade jurídica compõe a boa administração (boa governança) empresarial,estabelecendo uma atuação consciente dos parâmetros jurídicos e, assim, capaz deevitar problemas como multas, condenações etc.

Sustentabilidade jurídica é uma postura empresarial que visa preservar o negócio,assegurando que as atividades empresariais tenham impactos favoráveis junto atrabalhadores, fornecedores, sócios, comunidade em geral e Estado. Concretiza--se pormeio do respeito a normas jurídicas de ordens diversas, como ambientais, fiscais,empresariais etc., visando dar estabilidade ao negócio e, assim, evitando seja vítima desolavancos bruscos, com a imposição de multas, indenizações etc. Não é, contudo,atitude de mera sujeição. Comporta expressão proativa, o que se faz a partir dautilização dos instrumentos mais modernos disponibilizados pela tecnologia jurídica.Assim, há caminhos diversos, estratégias diferentes, para se garantir sustentabilidadejurídica de um patrimônio, de uma empresa: sistematização das atividades, negociais ounão, entre sociedades controladoras e controladas, coligadas ou afiliadas, além desociedades que, apesar de controle ou participação societária comum, não mantêmrelações entre si.2

Compreendendo a tecnologia societária por outro ângulo, afirmam-se as vias que sepodem cursar nos chamados eventos societários, o que será tratado neste capítulo. Oprimeiro dos temas a ser enfrentado já demonstra a envergadura do tema: as sociedades(incluindo a holding) podem experimentar transformação de tipo societário, havendoprocedimentos para tanto. Esses eventos podem também se verificar tendo por contextoa pluralidade de entes, tomada como ponto de partida ou como resultado, em operaçõescomo a incorporação, a fusão e a cisão, todas elas extremamente comuns para aconcretização de planejamentos societários, razão pela qual devem ser abordadas nestelivro.

Transformação societária

É possível que uma sociedade transforme o seu tipo societário. Assim, como

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exemplo, uma sociedade em comandita simples pode se tranformar numa sociedadeanônima, assim como uma sociedade anônima pode se transformar numa sociedadelimitada, entre múltiplas outras possibilidades, entre os tantos tipos estudados noCapítulo 2, além da própria sociedade cooperativa, que ali não se estudou. Essaconversão de tipo societário, segundo o artigo 1.113 do Código Civil e o artigo 220 da Lei6.404/76, não demanda a dissolução da sociedade, não havendo falar,consequentemente, em sua liquidação. A sociedade se mantém, mas apenas transformao seu tipo societário. Esse procedimento se concretiza obedecendo os preceitos queregulamentam a constituição e inscrição do tipo societário em que vai converter-se,principiando pela aprovação da medida por todos os sócios, embora se aceite que ossócios o expressem previamente esse consentimento, prevendo-o no ato constitutivo dasociedade, como estabelecem os artigos 1.114 do Código Civil e 221 da Lei 6.404/76.Frise-se, contudo, que a previsão, no ato constitutivo, do consentimento para umatransformação no futuro apenas dispensa a deliberação unânime dos sócios quotistas ouacionistas, mas não afasta a preservação dos interesses da minoria dissidente, que terá odireito de se retirar da sociedade, isto é, terá direito de recesso. É o que estabelecem osmesmos artigos citados.

É possível a uma sociedade converter seu tipo societário, incluindo de tipocontratual para tipo estatutário ou vice-versa.

Frise-se, contudo, que o parágrafo único do artigo 221 da Lei 6.404/76 prevê apossibilidade de renúncia prévia ao direito de retirada no caso de transformação emcompanhia, disposta no contrato social. A norma é plenamente aplicável às sociedadescontratuais, embora silente o Código Civil, já que o artigo 221 é-lhes inteiramentedirigido: fala em consentimento unânime dos sócios, salvo previsão no contrato social; oparágrafo único, por sua vez, fala não só em renúncia dos sócios, mas ainda em suaprevisão no contrato social; como se só não bastasse, em sua parte final, o parágrafo falaem renúncia ao direito de retirada no caso de transformação em companhia. Essetransformação em companhia deixa claro que a norma dirige-se às sociedadescontratuais.

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A transformação do tipo societário não poderá modificar ou prejudicar os direitos doscredores, em qualquer caso (artigos 1.115 do Código Civil e 222 da Lei 6.404/76). Tem-se, assim, que as obrigações constituídas sob o regime jurídico anterior, próprio do tiposocietário abandonado, se preservam, com as características e as qualidades própriasdaquele regime, incluindo as garantias pessoais, se existirem. A previsão éextremamente relevante quando se transforma uma sociedade que adotava tipo queprevê responsabilidade subsidiária dos sócios pelas obrigações sociais em sociedade emque não existe essa responsabilidade, como a sociedade limitada ou a sociedadeanônima. Portanto, o limite de responsabilidade será válido a partir da transformação,sendo que os sócios ainda terão responsabilidade subsidiária pelas obrigaçõesconstituídas ao tempo em que a sociedade mantinha sua qualidade anterior. Essa regraalcança, inclusive, aqueles que se retiraram da sociedade em função da transformação,em face do estabelecimento da responsabilidade residual pelo artigo 1.032 do CódigoCivil.

Se decretada a falência da sociedade transformada, seus efeitos alcançarão os sóciosque tinham responsabilidade subsidiária, no tipo anterior, se ainda houver obrigaçõesconstituídas antes da transformação, desde que os titulares dos créditos anteriores àtransformação expressamente o peçam. Aliás, segundo o artigo 1.115, parágrafo único,do Código Civil, bem como o artigo 222, parágrafo único, da Lei 6.404/76, o deferimentoda extensão das obrigações, por responsabilidade subsidiária, somente beneficiará aosque expressamente as requereram no momento adequado, afastados os que deixaramtal direito precluir, e às obrigações que, sendo objeto do pedido expresso, tenham sidoconstituídas no período anterior à transformação.

Incorporação societária

Uma pessoa jurídica pode incorporar outra pessoa jurídica. Focando no alvo dopresente estudo, uma sociedade, simples ou empresária, pode incorporar uma outrasociedade, simples ou empresária (artigos 1.116 do Código Civil e 227 da Lei 6.404/76).Essa operação pode concretizar-se entre sociedades de mesmo tipo ou entre sociedadesde tipos diversos (artigo 223 da Lei 6.404/76). Assim, uma sociedade em nome coletivopode incorporar uma sociedade anônima, ou vice-versa, como exemplo. Essa regraconhece uma única limitação: se a sociedade incorporadora e/ou a sociedade incorporadaforem uma sociedade anônima com títulos admitidos à negociação no mercado aberto(companhias abertas), dessa operação deverá resultar uma companhia aberta (artigo223, § 3o, da Lei 6.404/76). Aliás, a regra não é específica para a incorporação,

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aplicando-se também para outras mutações societárias, ou seja, à fusão e à cisão, queserão tratadas nas seções seguintes deste capítulo. De outra face, embora não se tratede uma limitação, não se deve olvidar que, se a sociedade incorporadora e/ou asociedade incorporada forem uma sociedade por ações (sociedade anônima ou sociedadeem comandita por ações) deverão ser aplicadas as normas que constam da Lei 6.404/76.

Para que uma sociedade incorpore outra ou outras, a operação deverá ser aprovadapor todas as envolvidas, incorporadora e incorporada(s). Essa aprovação tem quórum dedeliberação que varia conforme o tipo societário. Na sociedade simples comum, nasociedade em nome coletivo e na sociedade em comandita simples, será precisoaprovação por todos os sócios (artigos 997 e 999 do Código Civil). Na sociedade limitada,demanda-se aprovação por, no mínimo, três quartos do capital social (artigos 1.071, VI, e1.076, I, do Código Civil). Na sociedade anônima, a incorporação de outra sociedadedemanda aprovação por maioria na assembleia geral especialmente convocada paraexaminar tal proposição (artigos 223 e 227 da Lei 6.404/76); mas a aprovação daincorporação da companhia fechada por outra sociedade demanda aprovação deacionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto (artigo136, IX, da Lei 6.404/76. Na sociedade em comandita por ações, também será precisomaioria na assembleia geral especialmente convocada para examinar tal proposição(artigos 223 e 227 da Lei 6.404/76), além do consentimento dos diretores ou gerentes(artigo 283 da Lei 6.404/76). As mesmas regras aplicam-se para a fusão e a cisão, aserem estudadas nas seções subsequentes.

Quórum para aprovação de incorporação, fusão e cisão

Tipo societário Quórum Norma

Sociedade simples emcomum

UnanimidadeArtigos 997 e 999 do CódigoCivil

Sociedade em nome coletivo UnanimidadeArtigos 997 e 999 do CódigoCivil

Sociedade em comanditasimples

UnanimidadeArtigos 997 e 999 do CódigoCivil

Sociedade limitada 75%Artigos 1.071, VI, e 1.076, I,do Código Civil

Sociedade anônima3 Maioria dos presentes àassembleia geral

Artigos 223 e 227 da Lei6.404/76

Sociedade em comandita porações

Maioria dos presentes àassembleia geral econsentimento de diretoresou gerentes

Artigos 223, 227 e 284 daLei 6.404/76

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Essa deliberação será tomada à vista de uma justificação que será apresentada aossócios (artigo 225 da Lei 6.404/76), trazendo as bases da operação (artigo 1.117 doCódigo Civil), instrumento que será abordado na seção 6 deste capítulo. Sendo aprovadaa operação, os sócios autorizarão os administradores a seguirem no procedimento,praticando os atos necessários, incluindo a assinatura de um protocolo com as condiçõesgerais do evento, tema que será objeto de análise na seção 7 deste capítulo.

Como resultado da incorporação, os sócios da sociedade incorporada passarão a sersócios da sociedade incorporadora, na mesma medida em que o patrimônio daincorporada irá se acrescer ao patrimônio da incorporadora. Isso implicará umaredefinição da participação societária na incorporadora. Mais do que isso, será precisoque se aprove um aumento de capital correspondente ao patrimônio que lhes seráacrescido, bem como um aumento de quotas ou ações, a serem destinados aos sócios daincorporada, que passarão a ser sócios quotistas ou acionistas da incorporadora (artigo227, § 1 o, da Lei 6.404/76). A integralização do capital correspondente às novas quotasou ações se fará com o patrimônio líquido da sociedade incorporada. Para que essaoperação seja confiável, serão nomeados peritos para avaliar o patrimônio líquido dasociedade a ser incorporada (artigos 1.117, § 2 o, do Código Civil, e 227, § 1 o, da Lei6.404/76).

Enfim, convoca-se nova reunião ou assembleia de sócios, conforme o caso, paraaprovação do laudo de avaliação e finalização dos atos de incorporação. O legislador fala,somente, em aprovação pelos sócios da incorporadora (artigo 1.120 do Código Civil),regra que deve ser vista com restrições, já que é preciso preservar os direitos dos sóciosda incorporada. Parece-nos ser direito dos sócios da incorporada, diante da avaliação dosativos e da definição da posição societária que ocuparão na nova sociedade, desistir donegócio naqueles termos. Somente se os avaliadores forem constituídos como árbitros,na forma da Lei 9.307/96, o laudo de avaliação, em sua qualidade de sentença arbitral,terá que ser acatado pelos sócios da incorporada. Nesse sentido, relembre-se do artigo226 da Lei 6.404/76, segundo o qual a incorporação somente se efetivará nas condiçõesaprovadas se os peritos nomeados determinarem que o valor do patrimônio oupatrimônios líquidos a serem vertidos para a formação de capital social é, ao menos,igual ao montante do capital a realizar. Por outro lado, havendo diferença a menor, ossócios quotistas ou acionistas, segundo o artigo 1.117, § 1 o, do Código Civil, podemautorizar aos administradores a subscrição em bens pelo valor da diferença que severificar entre o ativo e o passivo. Por fim, a nova coletividade social aprovará os atos pormeio dos quais a operação se ultima, incluindo a indispensável deliberação da extinçãoda sociedade incorporada (artigos 1.118 do Código Civil e 227, § 3o, da Lei 6.404/76).4

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Atente-se para o fato de que, ao final da operação, as relações jurídicas quecompunham a sociedade incorporada, então já inexistente, passarão a compor o universoda sociedade incorporadora. São diversas as decisões do Superior Tribunal de Justiça quereconhecem haver sucessão empresarial não apenas na incorporação, mas também nafusão e na cisão, reconhecendo que o sucessor mantém a responsabilidade empresarialdo sucedido, o que compreende, além dos tributos, as multas moratórias ou punitivas;essas verbas são compreendidas como dívida de valor, acompanhando o passivo dopatrimônio objeto da incorporação, fusão ou cisão. Assim, a Primeira Turma, julgando oRecurso Especial 1.085.071 SP: “Em interpretação ao disposto no art. 133 do CTN, o STJtem entendido que a responsa bilidade tributária dos sucessores estende-se às multasimpostas ao sucedido, sejam de natureza moratória ou punitiva, pois integram opatrimônio jurídico- material da sociedade empresarial sucedida.” Também a SegundaTurma, como se afere do Recurso Especial 959.389/ RS: “(2) A responsabilidade tributárianão está limitada aos tributos devidos pelos sucedidos, mas abrange as multas,moratórias ou de outra espécie, que, por representarem penalidade pecuniária,acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor. (3) Segundo dispõe oartigo 113, § 3o, do CTN, o descumprimento de obrigação acessória faz surgir,imediatamente, nova obrigação consistente no pagamento da multa tributária. Aresponsabilidade do sucessor abrange, nos termos do artigo 129 do CTN, os créditosdefinitivamente constituídos, em curso de constituição ou ‘constituídos posteriormenteaos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referidadata’, que é o caso dos autos.”

Esses precedentes não são únicos. Cita-se, ainda, o julgamento do Recurso Especial592.007/RS: “Os artigos 132 e 133, do CTN, impõem ao sucessor a responsabilidadeintegral, tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela decaráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora aopatrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquerhipótese, o sucedido permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se fazerdistinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente do não

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pagamento do tributo na época do vencimento.” Some-se o Recurso Especial1.056.302/SC: “Quanto à multa, tem-se que os encargos incidentes sobre o tributo(multa, juros etc.) integram o passivo patrimonial da empresa sucedida, razão pela qualpor eles responde a sucessora.”

Essa regra não se limita, por óbvio, às relações jurídicas tributárias. Assim, nojulgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 4.949/MG, a Terceira Turmado Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Cláudio Santos, afirmou que “aempresa incorporadora sucede a incorporada em todos os seus direitos e obrigações, demodo que a indenização por esta devida, em processo já em fase de execução, constituiobrigação a ser satisfeita pela incorporadora”. Mas dela também resultam benefícios paraa sociedade. Seguindo a mesma lógica, não há, em sentido jurídico, transferência debens entre o patrimônio das sociedades (o que se repete na fusão e na cisão). Por isso aPrimeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando julgou o Recurso Ordinário emMandado de Segurança 8.874/DF, decidiu que: “A incorporação não configura fatogerador do ICMS, que caracteriza-se pela saída física e jurídica da mercadoria. Em casode incorporação, não há saída física, inexistindo venda a consumidor final. Em caso deincorporação, quem responde pelos impostos devidos, depois de sua efetivação, é aempresa incorporadora que continua a respectiva exploração.”

Fusão societária

É possível a duas sociedades fundirem-se, dando origem a uma outra sociedade.Embora também aqui se tenha um somatório de patrimônios e coletividades sociais, aoperação não se faz sob a forma da absorção de um corpo social (incorporado) por outro(incorporador), mas pela fusão desses corpos, a implicar um somatório no qual fazem ummesmo movimento: os dois corpos sociais somam-se a bem da constituição de umaterceira pessoa. Somam-se os patrimônios (ativo e passivo) e as coletividades sociais(sócios quotistas e/ou acionistas), mas a bem de um novo corpo social são extintas asnominações (razão social ou denominação) anteriores (artigos 1.119 do Código Civil e228 da Lei 6.404/76).

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Podem se fundir sociedades de tipos iguais ou diferentes, sendo que a socie dadefruto da fusão poderá tomar qualquer tipo societário, mesmo diferente daqueles quecaracterizavam as sociedades que se fundiram, embora também aqui devam serrespeitados os limites legais, como a aplicação da Lei 6.404/76, se há sociedade porações envolvida na operação, ou a preservação da abertura do capital, se há companhiaaberta entre as envolvidas. Em suma, as mesmas balizas vistas na seção anterior para aincorporação, o que inclui a aprovação pelos sócios das corporações envolvidas, nosmesmos percentuais, a partir de uma justificação que delineie, de forma confiável, umaprojeção das bases do negócio, mas que, para a fusão, deverá vir acrescida do projeto doato constitutivo (contrato social ou estatuto social) da nova sociedade, bem como o planode distribuição do capital social (artigo 1.120, § 1o, do Código Civil). O procedimento étambém igual no alusivo à assinatura do protocolo e no que diz respeito ao periciamentodos patrimônios sociais envolvidos.

Diante da avaliação, será convocada reunião ou assembleia dos sócios para tomarconhecimento dos laudos e aprová-los (artigos 1.120, §§ 2o e 3o, do Código Civil, 228, §2o, da Lei 6.404/76). Parece-nos, também aqui, ser direito de cada coletividade social, àvista do laudo de avaliação, desistir da operação naqueles termos, sempre que fujasignificativamente dos termos da justificação aprovada. Ressalva--se, também para afusão, a hipótese de os avaliadores terem sido constituídos como árbitros, na forma daLei 9.307/96, caso em que o laudo de avaliação assumirá o contorno de sentençaarbitral, devendo ser acatado pelas partes. A operação se ultima pela aprovação daconstituição da nova sociedade, com extinção das anteriores, definidas as novasparticipações societárias, sendo que a integralização do capital se fará com o patrimôniolíquido de cada sociedade, embora seja lícito – se permitido pelos demais sócios –

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admitir complementos por parte dos sócios que desejam fazê-lo para, assim, ampliar suaparticipação societária. Caberá aos administradores fazer inscrever, no registro próprio dasede, os atos relativos à fusão, dando baixa nos registros anteriores (artigos 1.121 doCódigo Civil e 228, § 3o, da Lei 6.404/76).

Como resultado da fusão, somam-se os patrimônios sociais, ou seja, faculdades eobrigações jurídicas, em termos análogos àqueles estudados, na seção anterior, para aincorporação, sendo que a sociedade resultante da fusão sucederá aquelas que sefundiram (artigos 1.119 do Código Civil e 228 da Lei 6.404/76). Portanto, não hátransferência, nem transmissão de bens, da mesma maneira que não se perdem asobrigações das sociedades extintas, já que a sociedade resultante da fusão as assumirátodas, com seus respectivos acessórios.

Cisão societária

É possível uma sociedade cindir-se, ou seja, dividir-se, criando novo ou novos corpossociais. A operação implica a transferência de parcelas do patrimônio da sociedade parauma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se acompanhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seucapital, se parcial a versão. Essa definição, inscrita no artigo 229 da Lei 6.404/76, acabapor permitir quatro situações diversas:5

Operações de cisão

(1) Cisão total da sociedade em duas ou mais sociedades, criadas na operação, extinguindo-se asociedade cindida.(2) Cisão parcial da sociedade, que se mantém, sendo criada uma ou mais sociedades novas.(3) Cisão parcial da sociedade, que se mantém, sendo transferidos parte de seu corpo social epatrimônio para outra ou outras sociedades preexistentes, que a incorporam.(4) Cisão total da sociedade, que se extingue, sendo transferidos parte de seu corpo social epatrimônio para outras sociedades preexistentes que incorporam tais partes do patrimôniocindido.

Obviamente, havendo cisão combinada com incorporação, nos moldes das hipóteses3 e 4 do quadro acima, deverão ser aplicadas, conjuntamente, as normas que regulamambos os institutos. Frise-se ser também possível que tais operações envolvamtransformações de tipo societário, que poderá dar-se na sociedade cindida, quando semantenha existente, ou nas sociedades incorporadoras. Essa transformação concomitanteapenas exigirá o respeito aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios

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do tipo para o qual se dará a conversão (artigo 1.113 do Código Civil). Já no alusivo àssociedades criadas, não há qualquer dúvida de que poderão adotar um tipo societárioorginal que seja distinto da sociedade de que provieram, embora se deva ter cuidadopara que, nas companhias abertas, essa operação não se concretize em prejuízo domercado de valores mobiliários.

A cisão deverá ser aprovada pelos membros da sociedade cindida, respeitados ospercentuais de aprovação que foram listados na seção 3 deste capítulo, já que são osmesmos aplicáveis à incorporação e à fusão. Mas é lícito ao contrato ou ao estatutosocial prever quórum específico para tal deliberação, hipótese em que será respeitada aprevisão do ato constitutivo, não padecendo de qualquer defeito. Essa deliberação se faráem face da justificação (artigo 225 da Lei 6.404/76), sendo que, se a operação incluir acriação de uma nova sociedade, será apresentado o projeto de ato constitutivo da novasociedade (contrato ou estatuto social). Aprovada a proposta, serão nomeados os peritosque avaliarão a parcela do patrimônio a ser transferida; se essa sociedade for adotar aforma de sociedade por ações, a assembleia que aprovar a justificação e nomear peritosfuncionará como assembleia de constituição da nova companhia (artigo 229, § 2o, da Lei6.404/76).

Nas parcelas cindidas do corpo social e na parcela que se mantenha, na hipótese decisão parcial, a participação societária no capital social guardará proporção com aparticipação originária. A instituição de distinções demanda aprovação unânime pelosdemais sócios, já que o ato implica disposição de direito (artigo 229, § 5o, da Lei6.404/76). Os sócios da sociedade titulares de cada parte do patrimônio que foi cindidareceberão as ações ou quotas que lhes cabem diretamente da socie dade incorporadora,se a parcela for incorporada por sociedade previamente existente, ou da nova sociedade,

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se à parcela corresponder a criação de uma nova personalidade jurídica. Com aaprovação, pelas reuniões e/ou assembleias de sócios das sociedades objeto daoperação, os atos constitutivos e, havendo, as alterações contratuais ou estatutárias,serão levadas ao Registro Público.

Justificação

As deliberações dos sócios, quotistas ou acionistas, sobre a proposta de realizaçãode incorporação, fusão ou cisão, fazem-se à vista de uma justificação, viu-se acima.Nesse estudo sobre as bases do negócio, deverão estar expostos os motivos oufinalidades da operação proposta, e o interesse de cada sociedade na sua realização(artigo 225, I, da Lei 6.404/76). Exige-se, ademais, uma descrição minuciosa sobre comoficará o capital social da sociedade ou sociedades quando concluída a operação, bemcomo a participação societária dos sócios, incluindo a hipótese de ser necessária aemissão de quotas ou ações em substituição aos títulos anteriores (artigo 225 da Lei6.404/76). Se são muitos sócios, como ocorre com as sociedades anônimas de capitalaberto, essa projeção poderá ser feita por classe de ação, estimando-se a proporção. Porexemplo: cada grupo de 1.075 quotas da sociedade incorporada corresponderá a 2 açõesda sociedade incorporadora.

Como essa proposição faz-se antes da avaliação do(s) patrimônio(s) líquido(s) da(s)sociedade(s) envolvida(s), a justificação não precisa ser exata na descrição das bases donegócio. Será apenas uma estimativa que levará em conta os últimos balançospatrimoniais. Ainda assim, é essencial que a justificação projete, em conformidade comestimativas confiáveis, a situação final da operação, ou seja, qual será o estado dopatrimônio da sociedade incorporada ou fundida, ou das sociedades objeto da cisão, bemcomo a participação dos sócios nestas, permitindo que os sócios tenham umacompreensão adequada da medida sobre a qual devem deliberar. A justificação não tema obrigação de ser exata, mas de ser confiável, leal, retratando o conhecimento queefetivamente se tem dos elementos envolvidos, mesmo aqueles que destoem dobalanço, mas que, sabidos, irão impactar a operação.

Ainda devem ser especificadas eventuais modificações nos direitos e deveres dossócios quotistas ou acionistas (artigo 225, II, da Lei 6.404/76). Essas modificações podemresultar, antes de mais nada, de alterações que venham a ser produzidas no atoconstitutivo da sociedade ou sociedades envolvidas, incluindo a elaboração de contratoou estatuto social para sociedade(s) que seja(m) criada(s). Outra hipótese é atransformação de tipo societário, implicando direitos e deveres distintos, sejam por força

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de lei, sejam por força do novo ato constitutivo, atribuído à sociedade transformada.

Elementos obrigatórios da justificação (artigo 225 da Lei 6.404/76)

(1) Os motivos ou fins da operação e o interesse da sociedade na sua realização.(2) As quotas ou ações atribuíveis aos sócios, diferenciadas por espécies e classes (se houver).(3) Modificações em direitos e deveres dos sócios.(4) A composição societária após a operação, diferenciadas por espécies e classes (se houver),especificando eventual emissão de quotas ou ações, sua substituição ou extinção.(5) Estimativa do valor que caberá aos sócios dissidentes que exercerem o direito de recesso(direito de retirada).

Por fim, a justificação deverá dar aos sócios uma medida confiável sobre a liquidaçãode suas quotas ou ações, na hipótese de votarem contra a operação e serem nelavencidos. Com efeito, sempre que não se fizer necessária a unanimidade do capital socialpara a aprovação da operação, como se passa nas sociedades limitada, anônima e emcomandita por ações, os sócios vencidos terão o direito de se retirar da sociedade (direitode recesso), com a liquidação de suas quotas ou o reembolso de suas ações. Dessaforma, para orientar a decisão dos sócios, inclusive sobre esse aspecto, a justificaçãodeverá projetar o valor que seria atribuível, por quota ou ação, na hipótese de recesso.

É muito comum, entre os profissionais do Direito e da Contabilidade, concluiroperações de incorporação, fusão e cisão numa só tacada, ou seja, num só ato, nãoconfeccionando justificação e não assinando protocolo. Embora essa estratégia seja lícita,quando não haja discordância dos sócios, acaba por revelar um risco, considerando apossibilidade de desentendimentos futuros e, a partir deles, da alegação de que um oualguns sócios foram induzidos a erro, o que pode conduzir à anulação da operação.Justamente por isso, parece-nos que o respeito ao procedimento inscrito no Código Civil ena Lei 6.404/76, com exposição das bases do negócio (justificação), assinatura deprotocolo, além da realização da adequada avaliação dos ativos, trabalha a favor dahigidez da operação, sendo de todo recomendável seguir esses trâmites.

Protocolo

Aprovada a realização da operação (incorporação, fusão ou cisão), à vista dajustificação, será assinado um protocolo pelos órgãos de administração ou sócios dassociedades, estipulando as bases do evento social. Esse protocolo está previsto no artigo224 da Lei 6.404/76 e conterá, a exemplo da justificação, uma ampla descrição dasituação societária que resultará da operação, incluindo:

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Elementos obrigatórios do protocolo (artigo 224 da Lei 6.404/76)

(1) o número, espécie e classe das quotas ou ações que serão atribuídas em substituição dosdireitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações desubstituição;(2) os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão;(3) os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação e otratamento das variações patrimoniais posteriores;(4) a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedadespossuídas por outra;(5) o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital dassociedades que forem parte na operação;(6) o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovadospara efetivar a operação;(7) todas as demais condições a que estiver sujeita a operação.

Muitos dos elementos que devem constar do protocolo não poderão ser afirmadoscom certeza. Justamente por isso, os valores que estejam sujeitos a determinação pelaavaliação a ser promovida nos patrimônios das sociedades envolvidas na operação serãoindicados por estimativa (artigo 224 da Lei 6.404/76).

Não se pense que o protocolo é uma formalidade vazia, sem efeitos. Trata-se de umcontrato firmado entre as partes, ou seja, entre as sociedades, por seus órgãos deadministração, ou pelos sócios, na cisão ou na hipótese de terem, eles mesmos, firmadoo protocolo. Cuida-se de um contrato preliminar, embora de tipo específico: não é umapromessa de contratar, mas uma promessa de negociar, 6 ou seja, de conduzir o processovisando a sua concretização, embora haja a possibilidade de que não se ultime, sepresentes elementos relevantes para tanto, designadamente uma distorção entre asestimativas que constavam da justificação/protocolo e os valores efetivamenteencontrados na auditoria e na avaliação das empresas.

Portanto, o protocolo só obriga as sociedades quando reflita a situação que foiaferida após a avaliação, ainda que com pequenas variações. Havendo distorçãorelevante entre o que se pactuou e o que se encontrou, é direito da sociedade, oumesmo de sócio que tenha aprovado a operação, recusar a sua concretização nos novostermos. Nesse sentido aponta o artigo 226 da Lei 6.404/76, segundo o qual as operaçõessomente se efetivarão nas condições aprovadas se os peritos nomeados determinaremque o valor do patrimônio ou patrimônios líquidos a serem vertidos para a formação decapital social é, ao menos, igual ao montante do capital a realizar.

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Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2011.v. 1, capítulo 2 (Teoria geral do direito empresarial).

Conferir MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Blindagem patrimonial e planejamento jurídico. São Paulo: Atlas,2011.

A aprovação da incorporação da companhia fechada por outra sociedade demanda aprovação de acionistas querepresentem metade, no mínimo, das ações com direito a voto (artigo 136, IX, da Lei 6.404/76).

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. São Paulo:Atlas, 2010. v. 2, capítulo 8 (Coligação, transformação, incorporação, fusão e cisão).

Para a análise detalhada das hipóteses, conferir: MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário:sociedades simples e empresárias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 8 (Coligação, transformação,incorporação, fusão e cisão).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2010. v. 5, capítulo(Contrato preliminar).

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Planejamento patrimonial e familiar

Estruturação empresarial

É preciso estar atento para o papel auxiliar desempenhado pelo Direito na definiçãode estratégias mercadológicas e nas proposições de administração corporativa, ou seja,no estabelecimento do benchmarking, termo reiterado pelo mercado. A definição daengenharia, ou mesmo os processos reestruturantes da empresa (reengenharia), não sãoquestões jurídicas, mas temas afetos às Ciências da Administração Empresarial. Contudo,a partir do momento em que os executivos, especialistas e consultores definem aquelaque creem ser a melhor arquitetura para as atividades produtivas, sua proposição precisaser submetida ao operador jurídico, seja para simplesmente executá-la, seja paraidentificar propostas que se afastem das licenças legais ou, ainda, propostas cujosimpactos jurídicos (fiscais, trabalhistas etc.) podem se revelar excessivos, recomendandouma redefinição.

Infelizmente, a compreensão da utilidade do planejamento societário para o sucessodas organizações produtivas, incluindo empresas e grupos empresariais familiares, foienfraquecida pela proliferação pelo mercado de falsos especialistas, oferecendo fórmulasmilagrosas, inclusive a famigerada blindagem patrimonial, rótulo sob o qual foramelencadas promessas diversas, como uma vertiginosa redução de encargos fiscais,proteção dos bens contra iniciativas de credores, inclusive a fazenda pública etc. Essesoportunistas e suas promessas ardilosas são os responsáveis por lamentáveis naufrágiosempresariais, quando não acabam por conduzir empresários respeitados para o noticiáriopolicial. Esse enredo trágico repetiu-se algumas vezes: apenas com a chegada da polícia,acaba-se por descobrir que a fórmula mágica, na qual se confiou um dia, incluía a práticade atos que são definidos como crime pela legislação brasileira.

Em oposição, é possível e mesmo recomendável que as organizações produtivas,

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principalmente as empresas familiares, reconheçam os benefícios de uma análise séria desua organização, sua estrutura, seus métodos de funcionamento etc. Dessa análise poderesultar a concepção de uma arquitetura societária que, incluindo ou não a constituiçãode uma holding (conforme o caso que se apresente e suas características individuais),melhor atendará à realidade atualmente vivenciada pela(s) empresa(s), bem acolherá eexpressará seus planos e desejos futuros. É um enredo proveitoso para que se prepare oingresso das novas gerações na organização. Dessa maneira, não se pode pesquisar otema sem considerar esse viés: as oportunidades que, à luz da ciência da administraçãoempresarial, podem ser percebidas e aproveitadas.

Os horizontes são variados, com numerosas alternativas de posturas administrativasque podem conduzir os resultados comerciais para níveis mais satisfatórios. Um exemplofácil é a adoção de uma estrutura multissocietária (a multiplicação da quantidade depessoas jurídicas utilizadas para realizar os negócios), cada qual ocupando-se dedeterminada parcela das operações, permitindo níveis maiores de descentralizaçãoadministrativa que, conforme conste das cláusulas dispostas nos contratos sociais e dosestatutos sociais, poderá ser maior ou menor. Pelo lado oposto, há grupos de empresaque, pelas qualidades que revelam, recomendam um esforço inverso, ou seja, aincorporação ou fusão de sociedades com a finalidade de centralizar a administração,eliminando divergência, reduzindo custos etc. Não há solução que, em tese, seja melhorou pior. Há diversas opções que, conforme as condições verificadas em cada organização,se mostraram mais ou menos recomendáveis.

A constituição de sociedades pode ser recomendável para abrigar certas atividadesnegociais específicas, já exploradas ou em cuja exploração se vá investir, considerandonão apenas as demandas da organização administrativa das empresas, como tambémoutros fatores, a exemplo dos reflexos fiscais. Aliás, a concentração de atividades numasó sociedade ou a sua distribuição entre sociedades diversas são medidas diversas que,conforme as particularidades de cada caso, podem resultar em economia fiscal lícita.Voltaremos ao tema no Capítulo 5, quando abordaremos o tema do planejamentotributário.

Nas empresas familiares, essa reestruturação societária pode ser utilizada paraacomodar os valores das novas gerações, permitindo-lhes demonstrar sua capacidade(além de ganhar experiência) no desenvolvimento de algum projeto específico. É o casode setores, até então subdimensionados na organização, mas em relação aos quaisalgum ou alguns jovens depositam esperança, desejando explorá-los. A constituição dasociedade acomoda-os, dá-lhes a oportunidade pedida, na mesma medida em quepreserva o tronco principal da empresa ou grupo de empresas, evitando problemas deordem diversa, incluindo a possibilidade de fracassos e, até, de falência. Basta recordar

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que, adotando tipo societário em que haja previsão da responsabilidade limitada dossócios, nomeadamente a sociedade limitada e a sociedade anônima, não haveráresponsabilidade subsidiária da sociedade holding pelas obrigações da sociedadecontrolada. Dessa modo, o eventual fracasso dessas iniciativas não contaminaria asociedade controladora, bastando encerrá-los.

Por outro lado, como cada sociedade mantém relações comerciais e jurídicaspróprias, carrega individualmente o risco de sua atuação, evitando que haja umacontaminação dos bons negócios por aqueles que se mostram deficitários. Assim, pode-seassistir a uma “expansão de negócios rentáveis, apesar do insucesso de outrasassociadas, pois cada empresa afiliada pode ser considerada isoladamente”, como ensinaDjalma Oliveira, sendo que, concomitantemente, pode-se assistir a um “enxugamentodas estruturas ociosas das empresas afiliadas, relativamente aos serviços comuns a todoo grupo”, além da “centralização de alguns trabalhos, com possibilidade de redução dasdespesas operacionais”.1

No entanto, essas são investigações que devem ser feitas considerando osparâmetros de outras ciências, como a Administração de Empresas, a Economia e aContabilidade. Sob tal perspectiva, o Direito traz apenas normas instrumentais: definelimites lícitos e práticas ilícitas, define procedimentos, requisitos e elementos. Portanto, aperspectiva jurídica para as conveniências empresariais é meramente instrumental. Aindaassim, o operador do Direito é indispensável para que, redigindo de forma adequadacláusulas, alterações e documentos, possa garantir movimentos seguros. Justamente porisso, o diálogo entre os especialistas das diversas áreas ainda é o meio mais confiávelpara o sucesso de tais intervenções.

Ainda nesse contexto, nunca é demais realçar que a melhor postura administrativa éaquela que pesquisa os efeitos jurídicos das decisões tomadas, verificando não apenassua licitude, mas igualmente os impactos que terá, a exemplo de encargos fiscais etrabalhistas, além dos melhores caminhos para que sejam concretizadas. Isso vale para acontratação da atuação conjunta entre sociedades (joint venture), a incorporação deoutras sociedades, a fusão com outras sociedades, a aquisição ou a alienação deestabelecimentos, a terceirização de fases produtivas, entre tantos outros.

Uniformidade administrativa

Quando se tenha não apenas uma empresa, mas um grupo de empresas, aconstituição de uma holding pode ser recomendável para centralizar a administração dasdiversas sociedades e as diversas unidades produtivas. Por essa via, a holding deixa de

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ser apenas a depositária das participações societárias, mas assume um papel primordialde governo de toda a organização, definindo parâmetros, estabelecendo metas, definindoprocessos funcionais uniformes ou autorizando a excepcional adoção de fórmulasalternativas nessa ou naquela unidade, entre tantas outras possibilidades vantajosas. Aholding, por essa perspectiva, torna-se (e deve tornar-se) um núcleo de proatividade,avaliando o desenrolar dos fatos empresariais e trabalhando para oferecer diretivas quemelhorem o desempenho dos atores produtivos.

Ainda sob esse prisma, percebe-se um quadro curioso: a holding nasce de umesforço de planejamento mas, uma vez constituída, acaba por poder se tornar, elaprópria, um centro gerador de planejamento organizacional e mercadológico. Dessamaneira, principalmente em negócios que surgiram e se desenvolveram a partir dafilosofia de uma família, torna-se viável expandir as atividades, diversificando a atuaçãoempresarial, sem perder o jeito de fazer as coisas. Deve-se realçar que essa influênciaadministrativa não se manifesta apenas sobre as sociedades controladas, mas tambémsobre aquelas nas quais a holding tenha mera participação societária, embora relevante.Nessas corporações, embora a cultura da holding (seu benchmarking) não se afirmecomo uma simples expressão do seu poder de controle, pode resultar da influênciapositiva que ela exerce, como sócia, junto a seus pares. Essa influência empresarialpositiva, proporcionada por sociedades de participação, é uma realidade comum eproveitosa para o mercado.

A holding pode centralizar a administração das diversas sociedades e unidadesprodutivas, dando-lhes unidade, estabelecendo metas e cobrando resultados.Dessa maneira, torna-se núcleo de irradiação de uma cultura empresarial(benchmarking) que pode, até, influenciar sociedades nas quais tem simplesparticipação societária e não o controle.

Não é só. Numa estrutura multissocietária, vale dizer, quando se tenham váriassociedades sob o controle ou com a participação de uma mesma família, a holding podeassumir não apenas o papel de núcleo de liderança, mas de núcleo de representação.Com efeito, a holding pode se tornar a sociedade que representa o conjunto dassociedades controladas, na mesma proporção em que também representa a família que acontrola. Isso permite obter uma vantajosa unidade de discurso nas relações com omercado e a sociedade: fala pelas sociedades, assim como eventualmente fala pelafamília, o administrador da holding ou, ainda melhor, a sua assessoria de imprensa. Esseaspecto tem muita relevância hodiernamente, quando vivemos numa sociedade de

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informação e opinião, com efeitos econômicos diretos. Não é só. Pode, também, “atuarcomo procuradora de todas as empresas do grupo empresarial junto a órgãos degoverno, entidades de classe e, principalmente, instituições financeiras, reforçando o seupoder de barganha e sua própria imagem”.2

Alfim, um aspecto essencial precisa ser destacado: todas essas proposiçõesconstituem mera possibilidade organizacional. Da centralização administrativa à unidadede discurso têm-se apenas metas, possibilidades, proposições. Há um largo espaço entrea proposição e a realidade. Esse movimento de realização preenche -se de formasdiversas, realçada a capacidade do(s) administrador(es) em implementar uma culturaempresarial de respeito à liderança da holding sobre as sociedades. No entanto, paraalém desse poder e capacidade de liderança, importa dar destaque aos instrumentosjurídicos que podem – e devem – ser utilizados pelo operador do Direito para garantir aseus clientes a conquista de uma tal condição. Isso se faz por meio de cláusulas dispostasno ato constitutivo da holding e das sociedades controladas, bem como por meio dedocumentos apartados que assegurem, juridicamente, a predominância da sociedadecontroladora sobre as unidades produtivas. A existência dessas cláusulas, nos contratossociais e nos estatutos sociais, permitirá que sejam tomadas, se necessário, medidasjudiciais para assegurar a predominância da holding sobre todos as corporações que

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deveriam estar submetidas a ela.

Contenção de conflitos familiares

A constituição de holdings tem sido usada, há muito, para o planejamentosucessório, como se estudará no Capítulo 5. Para além do planejamento da sucessão emsi, preparando seus diversos aspectos, inclusive seus impactos fiscais, importa considerara oportunidade de se evitar a eclosão de conflitos familiares. Lamentavelmente, asdisputas entre familiares são conhecidas por se aproximarem de um vale tudo, comepisódios lamentáveis que, rapidamente, conquistam a atenção de fofoqueiros emaledicentes, ervas daninhas que dominam, endemicamente, todas as paisagens. Dessamaneira, famílias respeitáveis podem ser lançadas no lamaçal dos boatos, das futricas,dos escândalos que fazem a alegria daqueles que se divertem noticiando as desavençasque se verificaram no seio dessa ou daquela família. O pior é quando se observa queessas desavenças acabam por colocar em risco a hegemonia da família sobredeterminado negócio. A hipótese é tola, certo que os envolvidos, cegos por impulsosprimitivos de disputa, acabam por não perceber que se enfraquecem mutuamentequando enfraquecem o poder que a família tem sobre empresa(s) ou grupo de empresas.Na busca de uma vitória, todos perdem.

O Direito de Família não cometeu o erro de pretender criar regras detalhadas paradefinir o relacionamento entre irmãos, pais e filhos etc., o que seria um equívoco ,considerando a carga eminentemente afetiva dessas relações pessoais. No entanto, oDireito Empresarial e, mais especificamente, o Direito Societário, cons-tituíram-se comodisciplinas jurídicas que não estão atreladas às limitações emotivas e, justamente porisso, puderam sobejar normas para a convivência entre os sócios. Resulta daí uma outragrande vantagem para a constituição de uma holding familiar, na medida em que asubmissão de familiares ao ambiente societário acaba por atribuir regras mínimas àconvivência familiar, no que se refere aos seus aspectos patrimoniais e negociais: aomenos em relação aos bens e aos negócios, os parentes terão que atuar como sócios,respeitando as balizas erigidas não apenas pela lei, mas igualmente pelo contrato socialou estatuto social. Mais do que isso, a eclosão de conflitos familiares, no alusivo àquelestemas (bens e negócios), terá que se resolver pelas regras do Direito Empresarial, nasquais estão definidos não apenas procedimentos, mas até instrumentos de prevenção ede solução.

Não se trata de um aspecto menor. É preciso se atentar para o fato de que aconstituição de uma holding familiar implica uma transmutação da natureza jurídica das

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relações mantidas entre os familiares. Relações que estavam submetidas ao Direito deFamília passam a estar submetidas ao Direito Societário, no qual há instrumentos maiseficazes para a regência do comportamento dos indivíduos, a exemplo da necessidade dese respeitar a affectio societatis, ou seja, a obrigação de atuar a bem da sociedade, deseu sucesso, convivendo em harmonia com os demais sócios. Mais do que isso, o contratosocial (sociedade por quotas) ou o estatuto social (sociedades por ações) viabiliza ainstituição de regras específicas para reger essa convivência, dando ao instituidor, noslimites licenciados pela lei e pelos princípios jurídicos, uma faculdade de definir as balizasque orientarão a convivência dos parentes em sua qualidade de sócios quotistas ouacionistas da holding. Mais do que isso, nos conflitos que mantenham entre si, os sóciosterão no Direito Societário instrumentos para a solução das disputas, podendo submetê--las ao Judiciário ou, havendo cláusula compromissória, a árbitros.

Não é só. Na medida em que atribui-se a uma sociedade holding o controle daempresa ou grupo de empresas, afastam-se os eventuais conflitos familiares do ambientede produção. Os conflitos familiares ficam confinados à holding, expressan do-se, ali, soba forma de conflitos societários, ou seja, sob a forma de conflitos que merecem aregência legal das normas do Direito Societário, disciplina do Direito Empresarial. Oregime jurídico empresarial e, mais especificamente, o regime jurídico societário foramdesenvolvidos, ao longo dos séculos, para atender aos desafios da convivência entre osindivíduos, evitando que as inevitáveis desavenças eventuais possam pôr em risco aorganização produtiva. É testemunho dessa evolução o princípio da preservação daempresa (ou princípio da preservação das atividades negociais),3 princípio esse que, nocontexto das sociedades, simples ou empresárias, traduz-se como princípio dapreservação societária,4 refletido, por exemplo, na regra do artigo 1.033, IV, do CódigoCivil, que permite que as sociedades contratuais tenham um único sócio pelo prazo de180 dias, período no qual, espera-se, será reconstituída a pluralidade de sócios.

A constituição de uma holding erige uma instância societária para acomodar,segundo as regras do Direito Empresarial, eventuais conflitos familiares, fazendocom que, ao final, a família vote unida nas deliberações que sejam tomadas nassociedades de que participa ou que controla.

Como se não bastasse, a holding erige uma instância societária distante dasociedade ou sociedades produtivas. As eventuais disputas familiares se dão no âmbitod a holding, devendo ser ali decididas, respeitadas as já aludidas normas do DireitoEmpresarial, mas igualmente as regras que estejam dispostas no ato constitutivo

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(contrato social ou estatuto social) ou, até, em acordos parassociais (acordo de quotistasou acordo de acionistas). Seguindo esses parâmetros, a controvérsia terá que resolver-seno âmbito da holding; a decisão tomada será a decisão da holding que atua sobre associedades controladas como um indivíduo: a pessoa jurídica controladora.

Os benefícios da constituição dessa instância societária, com a respectiva contençãodos conflitos familiares no âmbito da holding, são múltiplos. A principiar pelo fato de nãoenfraquecer o controle sobre a sociedade produtiva. Aqueles que eventualmente sejamvencidos nos conflitos havidos no plano da holding não podem associar-se a outros sóciospara, assim, enfraquecer a posição familiar. Isso preserva o poder da família sobre aempresa ou empresas que controla. Imagine-se na figura acima que a holding familiardetenha 52% da sociedade operacional, ao passo que os sócios Y e W detenham, cadaqual, 24%. Se a participação societária no âmbito da holding é igualitária, cada sóciovotará com 20% nas deliberações societárias; ainda que E seja vencido, ou mesmo se Ae E forem vencidos, no âmbito da sociedade operacional, a holding votará com seus 52%e, assim, manterá o controle. A e E sequer podem alegar que os 20%, detidos por cadaum, correspondem a 13% da sociedade controlada para, assim, juntando-se com Y e W,fazerem a maioria na deliberação societária, deixando vencido os demais sócios-familiares. Reiteramos: são duas instâncias diversas e, assim, não há confusão entre adeliberação havida no âmbito de uma instância (a holding) e aquela havida no âmbito daoutra (a sociedade produtiva, controlada pela holding).

Note-se que essa vantagem preserva-se mesmo diante da decisão de qualquer sortede apartar-se da sociedade. Nas sociedades por ações, essa retirada conhece poucashipóteses; a Lei 6.404/76 restringe as situações nas quais o sócio pode pedir para seretirar da sociedade, levando o valor de sua participação societária, o que é justificado

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pela compreensão institucional da sociedade. Embora a jurisprudência tenha ampliadoessas hipóteses, mormente no âmbito de sociedades familiares, aproximando da situaçãodas sociedades contratuais, resta a compreensão de que, para permitir que a holdingcumpra a sua finalidade, a retirada de um sócio deve fazer-se por meio do pagamento,em dinheiro, de sua parte na sociedade, em conformidade com a lei, se o contrato socialnão trouxer regra diferente. Assim, sendo possível efetuar o pagamento em dinheiro,preserva-se integral a participação nas sociedades controladas ou filiadas, mantendo opoder familiar sobre aquelas empresas.

Caso para ilustração

R.W. Empreendimentos Agropastoril LTDA.

Examinando o Recurso Especial 302.366/SP, a Quarta Turma do SuperiorTribunal de Justiça se deparou com uma sociedade de participações (holding),R.W. Empreendimentos Agropastoril LTDA., que fora constituída sob a forma desociedade limitada, constituída com a exclusiva finalidade de deter 50% dasações de um grupo empresarial (Tanac S.A.). No entanto, os sócios sedesentenderam de forma tal que rompeu-se a mútua confiança e disposiçãopara atuar em sociedade (affectio societatis), motivando um pedido judicial dedissolução parcial da sociedade, ou seja, resolução da sociedade em relação aosócio que pretendia sua retirada (uma outra sociedade de participações); maisdo que isso, pediu-se que, como resultado da retirada do sócio, lhe fossemtransferidas ações da sociedade controlada em percentual correspondente àparticipação do retirante no capital social da holding controladora. Citadas parao feito, a holding e os demais sócios pediram a improcedência da ação,pretendendo que a sociedade continuasse com a mesma finalidade eparticipações societárias. Destacaram que a holding fora constituída com afinalidade de exercer o controle social de um grupo societário e, com a retiradade um sócio, esse controle se perderia. Alternativamente, se o Judiciárioconsiderasse possível a dissolução, pediram que essa se fizesse não pelatransferência da proporção que o sócio deteria nas participações societárias,mas pelo valor correspondente, após regular apuração de haveres (liquidaçãodo valor das quotas), devendo o pagamento ser efetuado pela forma constanteno contrato social.

Os magistrados do Superior Tribunal de Justiça entenderam que a açãodeveria ser julgada procedente em parte: decretaram a dissolução parcial daholding, mas indeferiram a pretensão de que houvesse a divisão das

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participações societárias detidas por ela. Assim, determinaram a liquidação dasquotas da sócia retirante, reembolsando-a pelo valor real (valor de mercado)da proporção que lhe caberia nas participações societárias detidas pelaholding, devendo o pagamento efetuar-se em conformidade com o que previao contrato social: 36 prestações iguais e sucessivas, devidamente atualizadas.Foi essa a emenda do acórdão:

“COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃOCONFIGURADA. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. HAVERES. APURAÇÃO.PRETENSÃO DE ENTREGA EM AÇÕES DE OUTRA EMPRESA QUE COMPÕEM OPATRIMÔNIO DA SOCIEDADE OBJETO DA DISSOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.HIGIDEZ DO CONTRATO QUE ESTABELECE A RESTITUIÇÃO EM PARCELAS.CORREÇÃO MONETÁRIA PREVISTA ESTATUTARIAMENTE. DÉBITO JUDICIAL.SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. CRITÉRIO. MATÉRIA DE FATO. SÚMULAS N o 5 E 7-STJ. INCIDÊNCIA. CPC DE 1939, ART. 668 C/C ART. 1.218, VII, DO ATUAL CPC.EXEGESE.

I. Muito embora não houvesse obstáculo à fixação pelo Tribunal estadual,na fase cognitiva, do índice de correção monetária a ser aplicado e dos jurosmoratórios, não se identifica motivo à nulificação do acórdão a quo poromissão, se este remete as questões para a liquidação dos haveres societários,buscandose agora, inclusive, evitar contramarcha processual.

II. A apuração dos haveres do sócio retirante deve se fazer deconformidade com o contrato social, quando disponha a respeito, caso dosautos, inexistindo empecilho a que o pagamento se faça em parcelas mensaise sucessivas, corrigidamente, o que minimiza os efeitos da descapitalização daempresa atingida. Precedentes do STJ.

III. Descabida a pretensão ao recebimento dos haveres em ações que aempresa parcialmente dissolvida – uma “holding” – detém em seu patrimônio,porquanto o pagamento, e aqui também por força de determinação do contratosocial, se faz em dinheiro, mediante a apuração do real valor da participaçãodo sócio retirante.

IV. Havendo sucumbência recíproca, possível a compensação igualitária,importando o critério de distribuição adotado pela instância ordinária emmatéria de fato, obstado o seu exame pelo STJ, ao teor da Súmula no 7.

V. Incidente a correção monetária das prestações dos haveres, sejaporque prevista contratualmente, seja por se cuidar de débito oriundo dedecisão judicial, com a finalidade de compensar a defasagem ocorrida naexpressão econômica da moeda nacional.

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VI. Recursos especiais da autora e das rés não conhecidos” (REsp 302.366/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 5-6-2007, DJ 6-8-2007, p. 492).

Os sócios que pediam a retirada argumentaram que o Judiciário poderiadesconsiderar a previsão do ato constitutivo sobre a forma de liquidação daquota, sendo que o justo e o equânime seria o recebimento dos haveres naforma de ações correspondentes ao que a holding (sociedade em dissoluçãoparcial) detinha na sociedade controlada. Os julgadores, contudo, entenderamque o artigo 668 do Código de Processo Civil de 1939, ainda aplicável àdissolução de sociedades, deve ser respeitado: a apuração de haveres deve sefazer (1o) pelo modo estabelecido no contrato social, (2o) pelo modoconvencionado pelos sócios e (3o) pelo modo determinado na sentença. Assim,havendo regra disposta no contrato social, esta deveria ser respeitada.

Lê-se no voto: “Na espécie em comento, o estatuto prevê o pagamentoem trinta e seis parcelas mensais e sucessivas, atualizadamente, de modo quenem é à vista, e tampouco o é em ações de outra empresa. E, por último, nemse pode afirmar, aqui, que o critério estatutário é inteiramente absurdo, lesivo,a justificar, excepcionalmente, uma interferência do Judiciário para coibir abusomanifesto. É que a dissolução parcial, é bastante elementar, causa traumainterno da empresa, a sua descapitalização, de modo que o pagamentoparcelado atenua o impacto, desde que, é claro, haja a correção dasprestações, para não causar enriquecimento injustificado do sócioremanescente. [...] Especificamente sobre o recebimento em ações, não temcabimento. Além de não estar previsto no contrato social, não se fracionam osbens concretos de uma sociedade no caso de dissolução parcial. Ou seja, se elatem uma frota de cem caminhões e quinhentos computadores, duzentasmesas, etc., não se faz a repartição de cada um dos bens em si, mas pelo valorcorrespondente aos mesmos, na proporção da participação societária daqueleque se retira. O mesmo ocorre com o patrimônio de uma holding em ações deterceira empresa, hipótese dos autos. A dissolvida não perde, em princípio, asações do grupo controlado. Ela tem é de entregar, à sócia retirante, o valorrelativo à sua participação minoritária, em dinheiro, e, é claro, na apuraçãodesse montante será considerado o real valor das ações do Grupo, porém, não,a entrega material das aludidas ações, em si. Na verdade, o resultado práticoda pretensão da autora seria a extensão da dissolução parcial às demaissociedades.”

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4 Distribuição de funções

A cultura empresarial brasileira sobrevaloriza a figura do administrador societário. Aideia reinante é de que o administrador é o dono da empresa. Em boa medida, isso sedeve à não assimilação da cultura societária. Revelamos uma grande dificuldade desuperar o contexto econômico do século XIX, quando as atividades mercantis eramconduzidas por comerciantes individuais. No entanto, na segunda década do século XX,editou-se o Decreto no 3.708/19, criando a sociedade por quotas de responsabilidadelimitada. A perspectiva de não responder pelas dívidas sociais, para além do capitalinvestido, fez com que a maioria desses negócios individuais fosse transformada ematividades societárias. Mas eram situações de direito, ou seja, situações constituídasapenas no papel, e não de fato. Na realidade cotidiana da empresa, havia um dono: osócio majoritário e administrador societário, relegando para um segundo plano a figurados demais sócios.

É um equívoco confundir a empresa com o administrador societário ou achar quea administração é a única posição vantajosa na sociedade. É fundamentalvalorizar a condição de sócio e seus benefícios: ser titular de um capitalrentável, remunerado de acordo com os resultados da sociedade, podendoparticipar das deliberações sociais e fiscalizar a administração empresarial.

Essa estrutura, arraigada entre nós, acaba por distorcer a melhor compreensão doque sejam as sociedades empresárias e sobre as relações que devem ser mantidas entreos sócios e a administração societária. Boa parte dos conflitos que são verificados nascorporações tem na sua raiz a inabilidade de compreender que são coletividades e que oadministrador societário e/ou o sócio majoritário têm obrigações para com os demaissócios. Deveres, aliás, que resultam da lei, dos atos constitutivos e mesmo deconvenções parassociais, como estudado anteriormente.

Mais do que isso, essa visão distorcida da sociedade empresária esconde os méritos,os benefícios e as oportunidades próprias da condição de sócio. Isso, apesar da realidadeeconômica estar repleta de fundos de investimento, fundos de pensão etc., que são entesestruturados justamente para explorar as vantagens de participar de sociedades, nãopara administrá-las, mas para auferir as vantagens de ser membro da coletividade social,ou seja, os direitos sociais e patrimoniais que são inerentes às quotas ou ações. Osbenefícios de ser sócio de uma empresa não são poucos, nomeadamente quando hajauma estrutura societária que respeite os membros da coletividade social (boa governança

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corporativa). Aliás, todo o movimento em torno da boa governança corporativa estácalcado justamente na procura pela recuperação da essência das sociedades empresáriascomo ambientes de investimento coletivo, parâmetro que será essencial para aconsolidação do avanço econômico brasileiro.

Portanto, é preciso encarar com restrição um fenômeno que lamentavelmente serepete nas empresas familiares, qual seja a disputa fratricida para se tornar o sucessorno comando da sociedade ou, no mínimo, a busca frenética pela chance de ocupar postosna administração societária. O exagerado apetite pela administração e,consequentemente, a grande frustração quando resta apenas a condição de sócio é umadistorção da cultura empresarial brasileira. A situação é bizarra. O herdeiro não sepergunta se tem ou não capacidade técnica para administrar a empresa, nem se estádisposto a assumir todos os ônus decorrentes da gestão, como dedicação de seu tempo,disposição para reuniões e para enfrentar desafios e, mesmo, obrigações acessóriaspróprias do mercado brasileiro, como a exigência feita pelas instituições financeiras deque os administradores societários sejam avalistas dos empréstimos feitos pelasociedade. Parece que ser administrador é o único cenário viável, relevante, o único lugarde mérito na sociedade.

Nesse contexto distorcido, a administração societária não é almejada comoexpressão de uma disposição por lidar com desafios e empreender um ofício de conduçãonegocial que, como se sabe, é árido e custoso, podendo consumir a maior parte dotempo diário do gestor. Almeja-se o cargo pela sua projeção social e familiar, como sefosse uma coroação, um ato de unção, uma conquista de um título, e não a assunção deum encargo. Um grande erro, portanto. É preciso empreender grande esforço para deixarclaro haver amplos benefícios de ser sócio de uma empresa: aproveitar os benefícios damanutenção do investimento na empresa e da construção coletiva de suas diretrizes.

Eis por que sustentamos que, no plano das famílias empresárias, é precisodiferenciar a sucessão em dois planos distintos: (1) na titularidade das quotas ou ações

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da empresa e (2) no exercício da administração empresarial. E, como a tradição brasileirasobrevaloriza a sucessão na administração da empresa, é preciso deixar claras asarmadilhas que decorrem desse equívoco. O sócio é titular de um patrimônio produtivo e,nessa condição, tem direito a ser remunerado, por meio da distribuição de dividendos,não precisando, para isso, trabalhar na empresa: a titularidade de quotas e ações, por sisó, garante-lhe o direito àquela renda. Assim, podem se dedicar às suas atividadespessoais: podem ser médicos, donas de casa, psicólogos, cineastas, artistas plásticos,benfeitores públicos, políticos etc. Podem dedicar-se às suas atividades pessoais,sabendo-se donos legítimos de um patrimônio produtivo que, mais do que lhes garantiruma renda anual, quando da distribuição dos dividendos, garante-lhes o direito departicipar das deliberações societárias, fiscalizar a administração da empresa e outrostantos que serão aqui examinados.

Aliás, um dos graves desafios das empresas familiares está na capacidade que osmembros das novas gerações revelam, ou não, para a atividade negocial ou atividadesnegociais desenvolvidas pela empresa ou empresas controladas. É comum ouvirem-senarrativas de pais que fizeram de tudo para que seus filhos dessem certo na empresa,mas acabaram sendo obrigados a reconhecer que não revelavam qualquer pendor para aatividade. Noutro giro, embora acabe-se por alocar todos os herdeiros, alguns mostramvontade e capacidade para dirigir, outros para funções menores, criando o desafio dasdiferenças de remuneração.

Não é recomendável para o sucesso e o futuro de qualquer atividade negocial,familiar ou não, que os sócios pretendam ter o direito de empregar-se na empresa oufazer empregar esposa, companheiras, filhos, cunhados, genros, noras, amigos etc. Essestrens da alegria privados descarrilam com muita facilidade, certo não contarem com osuporte dos cofres públicos, abastecidos por um leão faminto, como ocorre com oscabides públicos de empregos na vergonhosa tradição da política e da AdministraçãoPública brasileira. Justamente por isso as novas gerações devem ser preparadas paracompreender a empresa não como uma fonte de emprego, mas como um investimentoque, adequadamente conduzido, será rentável, com benefícios para todos os titulares dequotas ou ações.

Com a constituição de uma holding familiar, nomeadamente uma sociedade departicipações (holding pura), todos os herdeiros, junto com seus pais, são colocados namesma condição: são todos sócios. Como a holding pura não tem atividade operacional,a administração pode ser atribuída a todos os sócios ou, se atribuída a algum emespecial, pode-se prever um pro labore figurativo, estipulado em valor mínimo. Assim,como a receita da sociedade de participação é composta exclusivamente pela distribuiçãode lucros e juros sobre o capital próprio, pagos pelas sociedades nas quais tem

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participação, independentemente da função desempenhada pelos sócios, estejam ou nãotrabalhando nas empresas, nessa ou naquela função, a participação nos resultados sefará de acordo com a participação no capital social da holding. Isso não é alterado,sequer, se há autorização no contrato social ou estatuto social, ou autorização dada pelareunião ou assembleia de sócios, para que a receita também resulte de operaçõesrealizadas com os títulos que tenham em carteira, como o aluguel de ações, aquisição ealienação de participações societárias, debêntures etc. Diga-se o mesmo com as receitasadvindas das sociedades patrimoniais, titulares de bens imóveis e móveis alugados,marcas e patentes licenciadas etc.

Divisãofuncional

dosmembros

dafamília

Holding → todos os familiares tornam-se, indistintamente, sócios da holding, cujareceita provém das sociedades controladas e filiadas. Cada sócio recebe dividendosproporcionais à sua participação societária, independentemente de trabalhar, ounão, nas empresas.

Sociedades operacionais → aqueles que mostram disposição e vocação para atuarnas empresas ocupam cargos de direção ou funções no organograma dassociedades produtoras, sendo remunerados por este trabalho, por meio de prolabore, se diretores, ou salário, se funcionários.

A conclusão necessária é simples: no âmbito de uma holding pura, os sócios nivelamse. Mesmo uma filha que tenha optado por se dedicar às prendas domésticas terá amesma retirada de um filho executivo: a receita obtida a partir do patrimônio familiar(quotas, ações, títulos, imóveis, móveis etc.), partilhada na proporção da participaçãosocietária. Em oposição, aqueles que mostrem pendor para atuar nas sociedadesoperacionais, nelas tomarão lugar, sendo remunerados por esse trabalho, segundo asregras do Direito Empresarial (administradores societários, que são remunerados pormeio de pro labore) ou do Direito do Trabalho, se desempenharem funções ao longo dosníveis operacionais da organização empresarial: jornalistas, engenheiros, relaçõespúblicas etc.

O sucesso da assessoria e do planejamento jurídico para uma empresa familiarpassa, comumente, pela capacidade de ensinar aos familiares as vantagens da condiçãode sócio, acompanhada da implementação de medidas que protejam e valorizem essacondição. Mas é preciso saber ser sócio. Isso passa, inclusive, pela percepção de que asquotas ou ações que se têm constituem um investimento valioso, mas um investimentoque tem seu retorno limitado, por maior que seja a empresa. Não é sequer razoável queo sócio/parente se torne dependente financeiramente da empresa. Cada um deve ter suaprofissão, seus negócios, sua fonte de renda, nela incluídos, como uma parte, os lucroseventualmente distribuídos pela(s) sociedade(s) de que participa. Herdeiros inteiramente

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dependentes da empresa familiar tendem a ser um problema grave.Dessa maneira, pode ser recomendável que a sociedade tenha um programa de

formação de sócios, ou seja, que tenha políticas internas, incluindo cursos e semináriospara os familiares, voltados para a compreensão das faculdades e das obrigações dossócios, sua importância para a sociedade e os benefícios dessa condição,independentemente de ocuparem postos na administração societária. Isso pode ser feitopela própria sociedade, embora devendo abrir a participação para os demais sócios (ouseja, ato que não beneficia exclusivamente o bloco de controle, caracterizando conflito deinteresses, mas a toda a coletividade social), pelos membros da família em si ou,havendo, pela holding familiar que mantém o controle da(s) sociedade(s) operacional(is).Há sociedades que preveem, em seus organogramas, a figura do conselho familiar, comessa finalidade, entre outras.

Reiteramos, pela importância, que o direito à participação nos lucros em nada seconfunde com o trabalho na sociedade. A remuneração pelo trabalho se faz por meio dopro labore, para os administradores, ou por meio de salário, para os trabalhadores,destacando-se que um sócio pode, sim, ser empregado pela própria sociedade, certo quea personalidade jurídica do sócio é distinta da personalidade da sociedade. O direito aosdividendos nasce da titularidade das quotas ou ações, ou seja, da participação societária.Não mais que isso. O lucro é a remuneração do capital investido na sociedade, tenhahavido integralização pelo próprio sócio, tenha havido integralização por terceiros em seufavor. Essa realidade ficou patente no julgamento Agravo 1.0024.02.790738-5/001 pela11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no qual a relatora,Desembargadora Selma Marques, confirmou decisão que determinara o pagamento a umdos sócios, por ocasião da dissolução parcial da holding, da quantia correspondente aoslucros que não lhe foram distribuídos nos exercícios entre 1992 e 2003, incluindoindenização pela respectiva mora, destacado seu direito a receber os dividendos em facede sua participação da sociedade. Esse direito, destacaram os julgadores, em nada seconfundia e em nada fora prejudicado pela apuração do valor que lhe cabia no acervopatrimonial, resultado de sua retirada da coletividade social.

Lê-se no acórdão:

“Cumpre ressaltar que cabe aos administradores encarregados da gestão dasociedade promover a apuração contábil dos resultados obtidos pela sociedade emdado período totalizando os créditos e débitos acumulados. Terminadas asoperações contábeis, caso o resultado seja positivo o lucro será reinvestido naprópria atividade social ou distribuído entre os sócios, que terão a sua disposiçãoum acréscimo patrimonial. A violação das regras contábeis e a elaboração de

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lançamentos sem vinculação exata com as operações concretizadas geram lucrosilícitos e fictícios, constituindo verdadeira gestão fraudulenta que vincula osresponsáveis ou beneficiados. Por isso, ainda que exista acordo judicialhomologando a dissolução parcial da sociedade extinguindo parcialmente o mérito,persiste a lide em relação aos pedidos relacionados à não distribuição correta doslucros ao autor pelos demais sócios”.

Adiante, fez constar a relatora:

“A participação nos resultados da empresa representa a principal motivação para aexistência da sociedade. A repartição dos lucros entre os membros da sociedadecorresponde no plano jurídico a direito inerente à titularidade da quota social.Frise-se que a dissolução parcial da sociedade implica não apenas na retribuiçãopelas quotas, mas também na busca pelo reestabelecimento da participação doslucros com as respectivas perdas que porventura tenha sofrido o sócio retirante emdetrimento do favorecimento dos demais sócios”.

Facilmente se percebe, depois da leitura desse precedente, que essa característicad a holding é essencial e, portanto, mais do que uma possibilidade, a adequadadistribuição de dividendos, bem como o emprego correto do acervo patrimonial daholding é uma obrigação de seus administradores. Não se trata, portanto, de umafantasia ou de um caminho para engodos. Os sócios da sociedade de participaçãodeverão demonstrar maturidade para compreender os direitos de todos, mesmo dosminoritários, respeitando-os.

Administração profissional

Tomando a questão por um outro lado, pode-se perceber na constituição da holdinguma outra vantagem, da qual podem lançar mão os familiares nela reunidos: manter ocontrole que a família exerce sobre a empresa ou grupos de empresas, mas afastar osseus membros da condução dos negócios para, assim, garantir uma administraçãoprofissional e, com ela, uma série de benefícios. A administração familiar nem sempre émeritória. Em incontáveis casos, afirma-se como mera expressão de um direitohereditário: herdei a empresa e, assim, tenho o direito a ela e posso administrá-la. Nãose pesquisa se há, ou não, capacidade técnica para administrar, se há tino comercial, seas virtudes reveladas pelo fundador ou por aquele que consolidou e expandiu a empresaestão efetivamente presentes no(s) herdeiro(s). Simplesmente se afirma, como

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assessório do direito à empresa (tomada como bem herdado), o direito à administraçãoda empresa.

A holding familiar também pode servir para afastar a família da direção eexecução dos atos negociais, embora mantendo o controle das sociedadesoperacionais.

A situação é mais simples quando há um herdeiro universal, ou seja, quando aempresa ou grupo de empresas é herdado por uma só pessoa. Nesses casos, suainsistência em administrar a corporação, mesmo sem revelar virtudes para tanto,produzirá danos exclusivamente no seu patrimônio e sobre seus interesses jurídicos eeconômicos. É claro que, para além de si, são diretamente afetados trabalhadores e suasfamílias, fornecedores e consumidores etc. Contudo, o Direito não evoluiu para um nívelem que se possa dar uma proteção eficaz para esses danos; e chega a ser duvidoso osméritos de uma tal intervenção: muitos que foram tidos como loucos em suas atitudesnada mais foram do que visionários, a reformular os modos de produção, rotinasmercadológicas, produtos, serviços etc., mostrando--se amplamente vitoriosos ao fim desuas gestões. Essa referência não pode ser desprezada pelo Direito e, por si só,recomenda que o Estado se mantenha fora da avaliação sobre o mérito da administraçãoempresarial. O estudo dos sistemas altamente intervencionistas aponta para umatendência de fracasso pela inabilidade de gerar inovação competitiva.

O problema se afirma com mais força quando se tenha uma coletividade deherdeiros. Nesses casos, a pretensão e a insistência em administrar as empresas,manifestada por um ou alguns herdeiros, acaba por produzir resultados diretos sobre osdemais, mesmo quando se mantenham afastados dos negócios. Os erros cometidos pelosherdeiros/administradores impactarão o patrimônio familiar e, assim, afetarãonegativamente o patrimônio de toda a família. Em se tratando de sociedades por ações,isso não será, segundo a Lei 6.404/76, um motivo suficiente para o exercício do direito derecesso, isto é, o direito de retirar-se da sociedade e receber a sua parte no patrimôniosocietário, embora a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tenha evoluído deforma positiva e importante neste sentido, como se verá adiante. Já nas sociedades porquotas, nas quais se admite com mais facilidade o direito de recesso, em muitos casos oseu exercício pode revelar-se interessante: a grande vantagem representada pelopatrimônio societário pode estar na capacidade que a empresa tem de produzirresultados e não no patrimônio a partilhar, sendo melhor conservá-la do que dissolvê-la,ainda que dissolução parcial (resolução da sociedade em relação a um ou alguns sócios,

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com a correspondente liquidação de suas quotas).Como se só não bastasse, a administração familiar tem uma outra grande

desvantagem em relação à administração profissional: é muito mais fácil dispensar oadministrador profissional, quando não está funcionando, do que o administrador familiar.A dispensa do administrador familiar é dolorosa, recheada de ressentimentos e deixaferidas na família, por vezes insuperáveis. O processo de discussão sobre a suacontinuidade, ou não, à frente dos negócios normalmente envolve considerações nadaobjetivas, como a afirmação de preferências parentais, nem sempre verdadeiras,chantagens diversas: o baú de memórias é aberto para que fatos que deveriam estar hámuito superados sejam usados, nessa hora, como armas pontiagudas e afiadas. Qualquerque seja a solução a que se chega, habitualmente a família – e seu patrimônio – sofremimpactos diretos.

O recurso à administração profissional, por seu turno, acaba com esses cenários:todos os membros da família nivelam-se como iguais sócios da holding familiar e, ali,discutem os negócios do clã. Na holding, a família mantém a participação societária naempresa ou em várias empresas concentrada e indivisa, com os benefícios daíresultantes. Mas em lugar de destacar familiares para ocupar as funções diretivas, sãocontratados administradores profissionais para assumir as posições de comando. Nãoobstante esses administradores profissionais sejam os executores dos atos deadministração, ocupando-se do dia a dia da empresa, dependem diretamente da famíliacontroladora: eles ocupam o cargo de administração (presidente, diretor etc.) em funçãodo voto dado pela sociedade controladora (a holding), estando obrigados a preservar osinteresses da família na empresa, sob pena de serem afastados pelo mesmo voto. Essaopção pela administração profissional, por seu turno, é reversível a qualquer momento,certo que a holding familiar poderá indicar um membro da família para assumir aadministração.

Note-se que, para atender a eventuais vaidades pessoais, é possível constituir um ou

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mais administradores societários, inclusive com cargos de rótulo pomposo (presidente,diretor etc.) na holding. Como se trata de uma sociedade de participação, a condição deseu administrador não implica a obrigação de realizar atos operacionais, que estarão soba responsabilidade dos administradores profissionais contratados para conduzir associedades produtivas controladas.

Proteção contra terceiros

Concentrados todos os títulos societários (quotas ou ações) na holding, mantém-seuma unidade da(s) participação(ões) societária(s), evitando que a fragmentação entre osherdeiros afaste o controle que a família exerceu, até então, sobre a(s) sociedade(s).Trata-se de uma vantagem remarcável. A constituição da holding, dessa maneira,constitui-se numa estratégica jurídica para manter a força da participação familiar, dandoexpressão unitária a participações fragmentárias. Se o patriarca ou matriarca detinham,até seu falecimento, 51% das quotas ou ações de uma sociedade, não é inevitável vertrês filhos com singelos 17%, cada um, ficando à mercê dos demais sócios. Por meio daholding, mantém-se o poder de controle, por meio da titularidade dos mesmos 51%,assegurando a cada herdeiro um terço da participação na sociedade de participações.

Essa estratégia jurídica é ainda mais eficaz quando se prepara para enfrentar o riscode ataques de terceiros, resultado das opções de vida tomadas por cada herdeiro, sóciod a holding, e a possibilidade de, apesar delas, manter o controle societário da(s)sociedade(s) operacional(is). É o caso da penhora da participação de um dos sócios naholding, quando inadimplente. Um exemplo é o julgamento pela Vigésima Câmara deDireito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo do Agravo de Instrumento 7.393.883-1, versando sobre a penhora de quotas que uma devedora detinha numa holding, a AvaréParticipação e Administração Ltda., então com mais de dez anos de atuação.

Se a holding foi constituída sob a forma de sociedade por quotas, simples ouempresária, inclusive a sociedade limitada, a previsão de um quórum para a aprovaçãoda cessão de quota(s) para terceiros ou, pelo ângulo inverso (se assim optar o contratosocial), a previsão de um quórum para o exercício do direito de oposição ao ingresso deterceiros impedem o ato voluntário de cessão e constituem, mesmo, requisito de validadepara a constituição de gravame (penhor) sobre os títulos societários. Lembre-se, pelo quefoi visto no Capítulo 2, que a própria lei já prevê que a cessão da condição de sóciodepende da concordância da unanimidade dos sócios, na sociedade simples comum,sociedade em nome coletivo e sociedade em comandita simples. Ademais, o própriolegislador outorgou a sócios que representem mais de 25% do capital de uma sociedade

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o direito de obstarem o ingresso de um estranho na sociedade. Esse percentual pode serelevado, sendo lícito ao contrato social prever a concordância da unanimidade dos sócios.

Obviamente, essas limitações não impedem a prática de atos de império peloEstado, a exemplo da desapropriação das quotas ou, mais comum, a sua penhora emprocesso executivo. No entanto, a possibilidade de penhorar e, consequentemente,leiloar e/ou transferir quota ou quotas para outrem não traduz transferência da condiçãode sócio, mas mera transferência da expressão patrimonial dos títulos, se há cláusula deaprovação ou de oposição. Diante dessas cláusulas, aquele que adjudicou as quotasprecisará ser aceito como sócio pela coletividade social; não o sendo, terá o direito àliquidação das quotas para, assim, apurar o seu valor patrimonial. A vantagem, nessecaso, é que o pagamento do valor dessa participação faz-se preferencialmente emdinheiro, permitindo que a sociedade, por si ou por seus sócios, pague ao adjudicante ovalor apurado da participação societária, conservando intacto o acervo de ações e/ouquotas por meio do qual a holding mantém sua posição nas sociedades controladas,filiadas ou nas quais tenha simples participação. Neste sentido, leia-se o caso parailustração que consta da seção 3 deste capítulo [R.W. Empreendimentos AgropastorilLTDA.]. O sócio devedor, por seu turno, perderá a participação societária que tinha naholding, no montante da penhora/leilão.

Nas sociedades por ações, a defesa do acervo societário, ou seja, das ações quegarantem o controle de algumas sociedades e/ou a mera participação em outras, faz-sepor meio da busca do exercício do direito de adjudicá-las em juízo, requerido pela própriasociedade ou seus sócios. Se a holding ou outros de seus sócios adjudicarem os títulos, osócio-devedor perderá sua participação, mas o restante da família manterá intacta aholding e seu patrimônio societário. Nesse sentido, é fundamental destacar que, mesmodiante da previsão legal de que as ações são títulos societários de circulação ampla, épossível a estipulação, no estatuto social (devidamente registrado para que a previsãoseja eficaz em relação a terceiros), que sua circulação é restrita, a bem da coerênciasocietária. Ainda que possa haver certa controvérsia jurídica sobre a desnaturação danatureza intuitu pecuniae das sociedades por ações, diante de tais previsões, o próprioJudiciário tende a compreender a finalidade da holding e a necessidade de proteção aela, sociedade, e a seus sócios (os familiares), desde que isso não traduza em prejuízopara os credores do sócio inadimplente. É quanto basta para se pretender junto ao Juízoda execução que as ações sejam conservadas com a holding e os demais sócios, evitandoo ingresso de um estranho, o credor ou o terceiro adjudicante, desde que satisfeitos seusdireitos ao correspondente valor patrimonial dos títulos adjudicados.

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7 Proteção contra fracassos amorosos

Há um ponto delicado e desagradável que deve ser examinado: a utilidade daconstituição de holdings familiares para fazer frente aos desafios que resultam dadesagregação familiar de nossos dias, nomeadamente ao impressionante número dedivórcios. Comumente, as opções afetivas constituem um grande desafio e um enormerisco para o patrimônio pessoal e familiar. Raramente as pessoas estão dispostas,enquanto estão apaixonadas ou enamoradas, e ajustam um futuro em comum, a aceitara simples possibilidade de que alguns enredos desagradáveis venham a dar cabo de seussonhos de felicidade. Contudo, esses desfechos desagradáveis são comuns e, assim,devem compor o exame frio que o operador jurídico faz da realidade: está semprepresente o risco de o casal vir, um dia, mais cedo ou mais tarde, a se desentender e,assim, terminar num processo litigioso de separação, onde o ódio substitui o amor e odesejo de vingança empurra as partes para um perde/ganha que é, na maioria das vezes,terrível para aquele que tem mais posses.

Como se só não bastasse, ainda é preciso enfrentar um assunto ainda mais e, aindaassim, muito comum: o oportunismo daqueles que investem sobre herdeiros ingênuos eingênuas, fazendo, à larga, juras de amor, enquanto mantêm seus olhos fixos no baúque, acreditam, lhes dará vida confortável sem esforço. O golpe é antiquíssimo mas,lamentavelmente, ainda em voga. O pai ou mãe que, do alto de seus anos de vida e desua experiência, percebe o engodo em que se deixa cair seu filho ou filha terá, uma vezmais, na constituição de uma holding familiar, uma alternativa para evitar que aonaufrágio sentimental de seu filho ou filha corresponda um proporcional naufrágioeconômico que, mais do que a ele, vitime a família e o patrimônio familiar.

As soluções para o combate desse fenômeno são múltiplas. Como se verá noCapítulo 5, sobre o planejamento sucessório, é possível, no ato de constituição daholding, fazer doação de quotas ou ações gravadas com a cláusula deincomunicabilidade, evitando sejam alvo de uma partilha resultante de uma separação oudivórcio, ou, ainda mais amplo, gravar os títulos com a cláusula de inalienabilidade que,na forma do artigo 1.911 do Código Civil, implica impenhorabilidade eincomunicabilidade. A matéria será desenvolvida naquele Capítulo, mas importaantecipar que, se a participação doada compõe a legítima, ou seja, se compõe o mínimoa que o herdeiro tem direito (sua proporção em 50% do patrimônio do autor da herança),será preciso atender à limitação do artigo 1.848 do Código Civil: a clausulação deveráestar fundamentada, demonstrando haver causa justa para impedir a alienação, penhoraou comunicação patrimonial. Cria-se, assim, uma situação constrangedora e, ademais,passível de discussão judicial.

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Para além dessa situação clássica, se a holding é constituída sob a forma desociedade contratual, ainda que limitada, o próprio Código Civil, em seu artigo 1.027,impede o cônjuge ou convivente (sociedade de fato) de exigir desde logo a sua parte emface da separação. Terá que pedir a liquidação das quotas, o que permite aos demaissócios (membros da família) entregar-lhe dinheiro e não participação societária, sendoque o(a) sócio(a) ex-cônjuge perderá um naco de sua participação: aquilo que asociedade ou os demais sócios indenizaram ao seu meeiro será retirado de sua parte etransferido para a parte dos demais.

Nas sociedades por ações, não há essa limitação posta na lei. O caminho para aproteção dos interesses familiares é colocar a limitação no estatuto social: prever que oingresso de qualquer sócio depende da anuência unânime dos demais e que, diante darecusa, aquele que adquiriu as ações em virtude de penhora/leilão/adjudicação,separação judicial ou herança, terá o direito ao reembolso de seu valor, calculado nosmoldes previstos na Lei 6.404/76. Dessa maneira, embora não se possa impedir que oex-cônjuge (casamento) ou ex--convivente (sociedade de fato ou união de fato) tenhauma vantagem patrimonial com a separação, impede-se que ele ingresse na holding (e,assim, no bloco de controle das sociedades operacionais) ou que obtenha participaçãosocietária proporcional, enfraquecendo a holding.

Desenvolvimento de negócios

A opção pela constituição de uma holding não é estratégia que se preste apenaspara conter o patrimônio familiar, conservando-o. Também serve à própria conduçãootimizada dos negócios, constituindo-se num valioso instrumento que, conforme ointeresse de seus sócios, pode funcionar para a expansão, concentração, diversificaçãoetc., como já insinuado em momentos anteriores deste livro. Em suma, a holding familiardeve ser encarada como um instrumento jurídico que serve a uma estratégiaempresarial. E, a partir da definição dessa estratégia, sua execução pressuporá, uma vezmais, o recurso a outros mecanismos e institutos jurídicos, sempre no esforço de alcançarvantagens duradouras e seguras para os empreendimentos e investimentos.

Para arrematar este capítulo, importa destacar as possibilidades desse aspecto dotema. Com a constituição da holding familiar, cria-se um núcleo patrimonial eorganizacional, um centro de poder personalizado (uma pessoa jurídica) que, mantendouma coerência própria, poderá buscar vantagens econômicas lícitas em âmbitos diversos,conforme se apresentem as oportunidades, no mesmo setor ou em outro, na mesmaregião ou em outra, mantendo a condição de controlador ou aceitando a mera

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participação. Serve, até mesmo, para a concretização de uma engenharia de riscos,criando uma instância distanciada entre algumas operações e o patrimônio investidor. Eisso de forma lícita, sem que seja necessário desrespeitar normas ou princípios jurídicos,embora haja, sim, quem se arrisque a arquitetar estruturações corporativas com motivosilícitos e/ou desonestos, abusando das possibilidades jurídicas legítimas. Contudo, oabuso no exercício de uma faculdade jurídica é ato ilícito, define o artigo 187 do CódigoCivil, podendo mesmo caracte rizar ilícito penal, ou seja, crime. A tecnologia jurídica nãodeve servir à prática de atos ilícitos, nem de atos que tenham por fim fraudar a lei.

Portanto, mais do que simplesmente manter a participação societária na(s)empresa(s) controlada(s), ou seja, na(s) sociedade(s) operacional(is), é possível, porexemplo, adquirir participações societárias em sociedades que são consideradasestratégicas para os planos presentes ou futuros do núcleo familiar. Não há um conteúdoexclusivo. Pelo contrário, operações diversas como grupar sociedades (fusão ouincorporação) ou desagrupar atividades em sociedades diversas (cisão) estão colocadas àdisposição para que sejam tomadas conforme as circunstâncias que se apresentem. Asbalizas para a eleição, entre os múltiplos caminhos possíveis, são a necessidade e asoportunidades que se revelem ao olhar atento e hábil dos atores econômicos. Essasbalizas podem recomendar a mera conservação do patrimônio, das participaçõessocietárias e das atividades negociais, ou a busca de aquisições. A holding permite aconservação de uma unidade entre os investidores (seus sócios), mesmo quando se faznecessário segmentar mercados, unidade essa que se mantém quando, em oposição, épreciso concentrar em determinado nicho, fugindo dos riscos e ameaças.

O Direito serve a tais movimentos. Um exemplo claro é a decisão pela expansãogeográfica, que pode ocorrer pela simples abertura de filiais ou pela constituição deoutras sociedades controladas. Em outros casos, dependendo do perfil da empresa, aconstituição de uma sociedade franqueadora e a franquia de estabelecimentosempresariais para terceiros pode se apresentar como a melhor alternativa.5 O mesmopode ocorrer quando a opção é pela expansão no portfolio de bens ou serviçosnegociados ou, em sentido reverso, na especialização em um ou alguns bens ou serviços,permitindo mesmo a alienação para outrem de unidades produtivas autônomas: unidadesprodutivas (maquinário e instrumental de linha de produção), estabelecimentos ouconjunto de estabelecimentos (trespasse),6 alienação de participação societária etc. Apreservação do núcleo representado pela holding, ademais, permite mesmo negócioscom terceiros que se concretizarão exclusivamente nas sociedades operacionais, desde af u s ã o societária, até o estabelecimento de consórcios (joint ventures) paraaproveitamento de sinergias, exploração de certo empreendimento, compartilhamento devantagens empresariais (goodwill of trade) diversas: clientela, logística, tecnologia,

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investimentos em publicidade e promoção etc.

Offshore company

Em sentido próprio, a expressão offshore company, ou simplesmente offshore, traduzuma sociedade que seja constituída no exterior. Muitos especialistas recorrem a essesentes para o planejamento societário e patrimonial, no que, a rigor, não há nada deilícito. Não há lei que vede a constituição de sociedade no exterior, desde que seja feitopara fins lícitos, respeitada a legislação brasileira. Em muitos casos, essas pessoasjurídicas são vitais para captação de financiamentos externos, realização de negóciosinternacionais etc. Prova-o o fato de muitas empresas estatais terem, em sua estruturasocietária, controladas no exterior, a exemplo do Banco do Brasil Cayman’s ou daPetrobras International Finance Company – PIFCO, também com sede nas Ilhas Cayman.

No entanto, é preciso cuidado quando a criação dessas sociedades estrangeiras tempor finalidade fraudar as leis brasileiras. Em muitos casos, as sociedades são constituídasem determinadas localidades cujo regime fiscal é mais benéfico (ditos paraísos fiscais),tendo por finalidade controlar ou participar das atividades negociais no Brasil, para alémde mecanismos de proteção à identidade de investidores, incluindo titulares de contasbancárias, quotas em fundos de investimento e, até, sócios e administradores desociedades negociais. Se não há objetivos ilícitos, dependendo da configuração doplanejamento societário, a constituição de offshore companies é apenas mais umaestratégia colocada à disposição do especialista para a melhor arquitetura para opatrimônio e as atividades negociais submetidas à sua análise.

Por fim, é preciso ter atenção para o fato de que, apesar de se realizarem noexterior, essas operações, quando usam patrimônio situado no Brasil, designadamentepara a integralização de capital, devem respeitar também a lei brasileira. Assim, odesrespeito a essas regras, incluindo o que diz respeito às regras protetivas à meação decônjuges ou ao direito de herdeiros necessários à legítima, poderá dar azo acontestações judiciais. Neste sentido, trazemos um caso para ilustração: AlatnaParticipações Ltda., julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Alatna Participações Ltda.

Vera Lúcia ingressou com uma ação contra seu ex-marido, Fernando, econtra Alatna Participações Ltda., sociedade da qual ambos eram sócios, alémd e Anniston Investors Limited, Sequóia Trading Group e Harmony Private

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Foudation. Pediu a anulação de diversos atos jurídicos que foram praticados como objetivo, alegou, de subtrair bens que lhe pertenceriam por meação. Disse quepraticou muitos desses atos por ter sido vítima de dolo, ou seja, por ter sidoinduzida a erro. De abertura, obteve do juiz a antecipação de tutela para sustaro aumento do capital social da sociedade-ré, de R$ 100,00 para R$ 5.595.77,50,além do bloqueio nas matrículas dos bens imóveis que seriam utilizados narealização do capital social. O ex-marido agravou, alegando não ter havido nemdolo, nem erro, nem prejuízo ao patrimônio da autora. Pelo contrário,assessorados por especialistas, ambos decidiram criar uma holding familiar parao abrigo de recursos amealhados durante o casamento, bens estes transferidospara um trust, a Harmony Private Foudation, por intermédio da sociedade AlatnaParticipações Ltda. Então, foram criadas duas sociedades offshores, as quaisreceberam quotas da Alatna e as transmitiram à fundação Harmony, quecontinua sob a titularidade das partes. Em face desses fatos, argumentou, aautora continuaria na administração do patrimônio comum, de modo indireto,não sofrendo prejuízo, certo que a prática de atos de disposição dependa de suaautorização.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua Sexta Câmara de DireitoPrivado, conheceu da controvérsia por meio do Agravo de Instrumento 472.959-4/9-00, mas não alterou a decisão concessiva da antecipação de tutela. Segundoo relator, Desembargador Encinas Manfre, “Como, à primeira vista, a meaçãodela nos imóveis motivo de integralização de capital social da Alatna nãocorrespondeu à da divisão de quotas dessa empresa – a agravada ficara comapenas uma, ao passo que ao agravante couberam 5.595.576 –, o MM. Juiz aquo não afastou a hipótese de se ter verificado subtração de bens passíveis decompor a meação dela. Sua Excelência, nesse passo, ainda, expressou acerca desucessivas constituições, alterações e cessões de ações a empresas situadas emregiões consideradas suspeitas, não bastasse se aproximar o divórcio daspartes, tudo com a possibilidade de direitos de terceiros de boa-fé e da oraagravada serem atingidos de modo inafastável. Enfim, em síntese, a autora,assim, alega ter sido induzida pelo marido, o agravante, a destinar bens docasal para integralização de capital da empresa sem que a ela se reservasse onúmero de quotas ao qual teria direito na respectiva composição societária”.

Também a Alatna Participações Ltda. agravou da decisão concessiva daantecipação de tutela. Mas os seus argumentos foram similares aos de Fernandoe, assim, houve decisão parelha, proferida pela mesma Sexta Câmara de DireitoPrivado, julgando o Agravo de Instrumento 473.929-4/0-00.

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Registre- se, ademais, o julgamento do Agravo de Instrumento 493.776-4/7-00,reconhecendo aquela Câmara que o valor da causa deveria corresponder não aR$ 5.595.577,00, total do patrimônio objeto da controvérsia, mas R$2.797.788,50, ou seja, metade daquele montante, já que esse seria o benefíciobuscado pela autora: a sua meação.

OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Holding, administração corporativa e unidade estratégica de negócio: umaabordagem prática. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 19-20.

OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Holding, administração corporativa e unidade estratégica de negócio: umaabordagem prática. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 18.

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial.

4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 1, capítulo 3 (Princípios gerais do Direito Empresarial).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2.

Sobre o tema, conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 1, capítulo 16 (Franquia empresarial).

Sobre o tema, conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 1, capítulo 11, seção 5 (Trespasse).

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Planejamento sucessório e tributário

O desafio da sucessão

Não considerar, permanentemente, a necessidade de sucessão na titularidade daempresa ou dos títulos societários (quotas ou ações), bem como da administraçãosocietária, é um erro comum nas corporações e que cobra um preço alto das empresas.Com efeito, quando fatores imprevistos criam a necessidade de substituição doadministrador empresarial, forma-se uma situação potencialmente crítica: a sucessão éinevitável, mas aquele que assumirá a gestão da empresa estará diante de um cenárioque lhe é absolutamente estranho. O novo responsável pela condução da atividadenegocial terá que rapidamente tomar pé de toda a estrutura empresarial, das pessoasenvolvidas, da cultura interna de trabalho, clientes, logística etc.

O grande número de empresas familiares existentes no país, das menores(microempresas) a grandes grupos econômicos, deixa claro os riscos, para asorganizações produtivas, de processos não planejados de sucessão empresarial. Não ésó. Do outro lado, a própria empresa experimentará o tranco dessa alteração, o baque dasubstituição abrupta na gestão de suas atividades, o que habitualmente tem efeitosterríveis sobre a organização. São incontáveis os casos de negócios que eram vantajososaté a morte do responsável pelo comando das atividades e, a partir da sucessão,começaram a definhar. Em alguns casos, vê-se claramente que a empresa ingressou nacrise já a partir da sucessão não planejada: o caos é concomitante à substituição.Justamente por isso, a Ciência da Administração de Empresas dedica redobrada atençãopara o tema, sendo voz corrente a recomendação de que as organizações estejamsempre preparadas para a sucessão de comando. A sucessão é um dos pontos maiscríticos na história das empresas. Perde-se, assim, todo o trabalho de uma vida, quandonão o trabalho de algumas gerações.

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Uma das características das atividades negociais é a expectativa de continuidadeque lhes é inerente. É usual que as sociedades sejam constituídas com prazoindeterminado de duração, ou seja, que sua instituição se faça sobre a presunção de quese prolongarão no tempo. Só algumas sociedades de propósito específico (SPE) sãoconstituídas com um horizonte determinado para o encerramento de suas atividades; sãosociedades constituídas com o objetivo de personificar consórcios empresariais (jointventures) que se ocupam de empreitadas específicas, como a construção de uma usinahidroelétrica ou coisa parecida.

Diretamente vinculado à ideia de perpetuidade está o princípio contábil dacontinuidade. Essa baliza, que orienta o trabalho de todos os contadores, assim como dosauditores e consultores, compreende a escrituração contábil como sendo um relato dasvariações patrimoniais de um ente (a sociedade empresária) cujo funcionamento,pressupõe-se (e deve-se pressupor, é bom frisar), irá se prolongar no tempo. Assim, éuma função da contabilidade oferecer informações uniformes sobre a evolução deatividades negociais da empresa.1 Diante da expectativa de perpetuidade, a falta de umareserva técnica de líderes/gestores constitui um risco extremado para a organização, emníveis próximos ao da irresponsabilidade.

O problema é maior em empresas familiares. A falta de uma perspectiva permanentede sucessão está na raiz de crises reiteradamente enfrentadas por atividades negociaisfamiliares, de microempresas a grandes grupos, em boa medida por legar para osparentes, logo após o terrível evento da morte, a função de definir a substituição nocomando da empresa. Na maioria das vezes, esse equívoco tem uma origem bizarra: aexpectativa que todos nós temos de que apenas com a velhice mais longeva esseproblema acometerá a corporação. Mas o tempo é o senhor da razão, não o contrário. Otempo, ele sim, decide o momento de todos os eventos na vida e o administradorempresarial responsável não é aquele que pretende ditar o momento em que os fatosirão se passar, sejam bons ou ruins, mas aquele que prepara a corporação para enfrentarfatos possíveis ou certos que poderão se dar a qualquer momento.

Trabalhar com a ideia da própria morte não é agradável. Ainda assim, a história estárepleta de exemplos de homens e de mulheres especiais, cujo caráter altivo e vencedornão se fez perceber apenas pelo que construíram em vida, mas pela capacidade deconstituir um legado: sua presença e sua excelência se fizeram sentir por muitos anos,por vezes décadas ou séculos, após a sua morte. Há algo de comum entre esses homense mulheres: eles não recusaram encarar a ideia de seu fim, mas assumiram-na econviveram com ela. Por um lado, a certeza de um limite para seus dias lhes ofereceuuma medida e, assim, assinalou as demandas e, eventualmente, a urgência com quedeveriam estruturar seus planos e concretizá--los, incluindo seu direito de usufruir as

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vantagens decorrentes de suas vitórias. Por outro lado, a consideração do próprio fim,mesmo quando não se tem a mínima ideia de quando isso acontecerá, é uma vantagemincontestável para aqueles que se preocupam com a preservação de seu trabalho. Averdade nua e crua é simples: com a morte, os bens são transferidos para os herdeiros.Essa transferência habitualmente se faz sem qualquer planejamento, do que poderesultar uma desordem que cobra o seu preço.

Sucessão intestada

Não se pode deixar de considerar o custo elevado da ausência de um planosucessório e, mesmo, da preparação de pessoas para que venham eventualmente aocupar a administração societária a bem da proteção dos interesses familiares. Em outraspalavras, repetindo o que já faziam os nossos antepassados, há séculos é preciso formarsucessores. Corajosamente, é indispensável preparar a família para a sucessão, aindaque isso implique trabalhar com a ideia da própria morte. É o que sempre fizeram, aolongo da história da humanidade, os grandes homens e mulheres que, assim, protegeramsuas famílias, suas comunidades, suas empresas e, em alguns casos, seu povo e seuEstado. A lista de exemplos é larga.

Nunca é demais recordar que os efeitos dessa imprecisão, nas empresas familiares,serão sentidos por entes queridos. A empresa familiar é patrimônio da família. Odespreparo de uma organização para a sucessão pode constituir um legado maldito quese deixa para esses entes queridos, retirando-os do conforto em que viviam e remetendo-os para um tempo de agruras. O pior é que, na esmagadora maioria dos casos, não setem apenas uma empresa familiar, de controle familiar, mas uma empresa deadministração familiar. A formação dos sucessores, nesses ambientes, é um processomais longo e para o qual se deve ter redobrada atenção para evitar que se verifiquemimpactos negativos junto à clientela, fornecedores, bem como junto ao corpo defuncionários, resultado de uma completa ausência de vias de comunicação preexistentes.

São incontáveis os casos de empresas familiares que não se recuperaram do baque

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de uma passagem abrupta entre gerações, indo à falência ou enfrentando crises que sesolucionaram com a alienação do negócio para outros, deixando a família emdificuldades. Noutros casos, embora a empresa consiga sobreviver à sucessãoimprovisada, o processo improvisado cobra um preço elevado, impedindo oempreendimento de seguir o ritmo anterior de ascensão: apesar de o sucessordespreparado revelar uma surpreendente capacidade de gestão, há um gasto de tempo eum volume de erros no processo necessário para entender as rotinas de produção eadministração, inteirar-se da logística de funcionamento, reconstituir os canais decomunicação, restabelecer as relações internas e externas etc.

Nesses casos, assiste-se a uma situação muito próxima à de uma loteria. Apreservação e o desenvolvimento da empresa seguirão a reboque da capacidade desuperação daqueles que se viram jogados inesperadamente em seu comando e na suacapacidade de surpreender na qualidade de sucessores. Não raro, essa substituiçãoimprovisada exibe-se como uma ascensão prematura de um jovem profissional parafunções para as quais não foi formado/preparado, ampliando a probabilidade de queincida em erros reiterados e constantes. Isso é um risco não apenas para a empresa, masigualmente para a própria carreira daquele que, sem o devido preparo, vê-se colocadoem postos de liderança ou cargos elevados de gestão.

Herança e testamento

Em linhas gerais, com a morte abre-se a sucessão, ou seja, a herança se transmiteimediatamente aos herdeiros legítimos e testamentários (artigo 1.784 do Código Civil). Asucessão para os chamados herdeiros legítimos dá-se por força de lei, ao passo que asucessão para os herdeiros testamentários faz-se por disposição de última vontade. Se apessoa morre sem que haja testamento, ou há problemas neste, a herança se transmiteaos herdeiros legítimos, que a dividirão proporcionalmente, segundo as regras do CódigoCivil. Chama-se isso de sucessão intestada ou sucessão legítima, ou seja, sucessão dequem não deixou testamento (sucessão ab intestado). São herdeiros necessários osdescendentes, os ascendentes e o cônjuge, a eles pertencendo, de pleno direito, ametade dos bens da herança, o que é chamado de a legítima (artigos 1.845 e 1.846 doCódigo Civil). Quando entre os bens há uma ou mais empresas, o desafio será (1) suaadministração durante o inventário, já que os atos de gestão estarão afeitos ao processode inventário, e (2) eventual disputa entre os herdeiros por suas partes no patrimônio, ouseja, por seus quinhões. Note que, com a divisão dos bens, há uma divisão daparticipação societária na(s) empresa(s). Se a família detinha 60% das quotas ou ações,

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quatro herdeiros irão deter, cada um, 15%, o que pode levar a um enfraquecimento dopoder de controle. Há, ademais, o risco de que os herdeiros se engalfinhem numa disputapela administração societária.

Em oposição, há a chamada sucessão testamentária, ou seja, a sucessão que segueas disposições de última vontade do falecido, expressadas por meio de um testamento. Opoder de testar, contudo, não é irrestrito. Entre outras limitações, se há herdeirosnecessários, o testador só poderá dispor da metade da herança (artigo 1.789). Porexemplo, se uma pessoa tem apenas dois herdeiros (dois filhos), será preciso garantir-lhes 50% da herança, o que nos conduz a 25% para cada um. No entanto, os outros 50%podem ser objeto de disposição de última vontade, por meio de testamento. É precisorealçar que tais afirmações estão feitas nos limites que interessam à presente análise e,para tanto, são rasas. Não levam em conta, por exemplo, o direito que o cônjuge ouconvivente possa ter a parte dos bens.

Note que os ascendentes só têm direito à herança se não há descendentes. Se há,não herdam. O mesmo não ocorre com o cônjuge. Mesmo havendo descendente, ele(a)terá direito a participar da herança, salvo (1) se casado(a) com o(a) falecido(a), noregime da comunhão universal de bens; (2) se casado(a) com o(a) falecido(a) no regimeda separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único, do Código Civil); (3) secasado(a) no regime da comunhão parcial, o(a) falecido(a) não houver deixado bensparticulares; (4) se estavam separados judicialmente, ao tempo da morte; ou (5) seestavam separados de fato, há mais de dois anos, ao tempo da morte, salvo prova, nestecaso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

É possível atribuir, por meio de testamento, determinados bens para cadaherdeiro, mesmo se, em face dessa distribuição, um herdeiro receber mais doque o outro, desde que respeitada a legítima.

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A existência da legítima, contudo, não afasta o direito de livre indicação dos bensque irão compor a parte de cada herdeiro, desde que respeitados os limites legais. Se opatrimônio do testador é de R$ 1.000.000,00 e há quatro herdeiros necessários, R$500.000,00 comporão a legítima, ou seja, cada herdeiro necessário terá direito legal a R$125.000,00. Os outros R$ 500.000,00 podem ser livremente dispostos. Isso quer dizerque, respeitando o valor da legítima, o testador pode distribuir livremente os bens entreos herdeiros (e, mesmo, para um terceiro). O direito à legítima limita-se ao valor, nãoalcançando o direito de preferir certo bem e/ou não aceitar outro(s). É possível deixar umimóvel rural para um herdeiro, quotas ou ações para outro, depósitos bancários paraoutro etc. Essa distribuição será válida mesmo se as partes (os quinhões) não foremabsolutamente iguais, desde que se garanta, a todos, a legítima. No exemplo acima, issoquer dizer que todos devem receber bens que, no mínimo, totalizem R$ 125.000,00.Aliás, nada impede que um receba bem(ns) no valor de R$ 125.000,00 e outro bem(ns)no valor de R$ 500.000,00. Aliás, três podem receber apenas R$ 125.000,00 e o outroreceber R$ 625.000,00, ou seja, sua parte na legítima e a totalidade da parte testável. Éo que se apura do artigo 1.849 do Código Civil.

Essa licença foi utilizada, durante décadas, para dar lastro a uma postura hojeinaceitável. Comerciantes e industriais deixavam suas empresas para os filhos, ao passoque, para suas filhas, deixavam bens de raiz, ou seja, imóveis, acreditando que nãoteriam capacidade para tocar os negócios. Sem que pudessem se opor a essa divisão, asfilhas acabavam sendo vítimas do fato de que seu quinhão não tinha a mesmacapacidade de gerar riquezas que o quinhão atribuído a seu(s) irmão(s). A prática não sejustifica mais. Ademais, a possibilidade de constituição de uma holding familiar, nosmoldes estudados no Capítulo 4, permite acomodar todos os herdeiros numa mesmasociedade, todos em igualdade de condições, deixando as funções de administraçãoempresarial para aqueles que revelem essa qualidade.

Sucessão testamentária

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De qualquer sorte, o testamento foi o caminho habitualmente utilizado para evitarconflitos entre herdeiros; o testador fazia a prévia distribuição dos bens e, com a suamorte, não havia espaço para a discussão sobre o mérito desse ato, salvo se presentesnulidades ou anulabilidades que, no entanto, fogem ao objeto deste livro. Contudo, otestamento permite apenas a divisão antecipada dos bens, incluindo participaçõessocietárias, respeitando o direito de cada herdeiro à sua parte legítima sobre opatrimônio. Não resolve o problema da empresa ou empresas, na medida em que nãopermite definir uma distribuição de funções no âmbito das unidades produtivas. E se essadistribuição deixou a dois ou mais herdeiros participações na sociedade, mantém-segrande a chance de que a abertura da sucessão seja seguida por uma disputa por poderpelos negócios. Como se só não bastasse, a divisão, entre dois ou mais herdeiros, daparticipação societária pode conduzir a uma fragmentação das quotas ou ações e, comela, à perda do poder de controle que a família mantinha sobre o negócio.

Sucessão premeditada

Há empresas, sim, que se preparam cuidadosamente para a sucessão de comando,mesmo corporações familiares. Em contraste com os riscos e desafios enfrentados porempresas que não dispõem de mecanismos confiáveis para a sucessão, verificam-sediversos casos nos quais as novas gerações foram levadas, no tempo adequado, paraexperimentar a organização empresarial familiar, ocupando postos em sua estruturafuncional, sendo preparadas para a sucessão. Noutros, os herdeiros foram preparados,não para a administração/gerência dos negócios, mas para assumir a condição de sóciosconscientes e ativos que, assim, podem se beneficiar, com responsabilidade, da atuaçãode administradores profissionais que se encarregam do dia a dia do empreendimento.Não se pode descartar, ainda, a possibilidade de se arquitetar uma situação mista, naqual sejam combinados quadros familiares e quadros profissionais, o que pode terexcelentes resultados para todos.

A sucessão premeditada não causa surpresas; pode ser preparada e executada comredobrada cautela. Pode até ser testada, experimentada, escolhendo, não apenas apessoa certa, mas o momento adequado, quando a empresa vive um momento maistranquilo, evitando que eventos imponderáveis decidam o instante necessário. Permite,ademais, recorrer a rotinas de preparação, como admitir os pretendentes na organizaçãoe submeter-lhes a um rodízio de funções (job rotation), fazendo com que conheçam onegócio por diversas perspectivas à medida que alteram cargos e funções naorganização. Mais do que isso, sucessão monitorada, que permite acompanhamento dos

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novos gestores por seus antecessores e, até, a retomada da administração pelos antigosresponsáveis, quando se faça necessário para a preservação da atividade negocial, diantedos fatos que tenham se verificado.

O pior é verificar o amplo leque de efeitos negativos que podem decorrer de umaescolha equivocada. O despreparo, o desinteresse, a incapacidade técnica, entre outrosvícios do gestor, contaminam a empresa, espantam valores técnicos, atentam contra ocompromisso profissional dos colaboradores (a exemplo dos empregados). Cunha-se,assim, um estado de desalento corporativo que comumente resulta em crise econômica,perda de mercado, problemas financeiros etc. Esse cenário é suficientemente assustadorpara justificar a institucionalização de mecanismos sucessórios que contribuam para apreservação da empresa.

No entanto, ainda que se planeje realizar a sucessão em vida, a simplespossibilidade de os fatos anteciparem a necessidade de substituição do administradorsocietário recomenda edificar soluções jurídicas para o desafio. Observe-se que não seencontram soluções para esse desafio no Direito de Família ou no Direito Sucessório (quecuida da sucessão hereditária). Embora tais disciplinas cuidem das relações que entre simantêm os familiares e os herdeiros, até que se inventarie o patrimônio do falecido, nãooferecem soluções prontas e seguras para o desafio experimentado pelas empresasdiante da morte de seu administrador.

Ainda fora do âmbito jurídico, é preciso realçar a importância de se dar preparaçãotécnica adequada àquele que se escolheu ou, melhor ainda, àqueles que estão sendoavaliados para uma escolha futura. Essencialmente, administradores qualificados tendema exibir um leque maior de competências para o desempenho de suas funções, aexemplo de questões elementares como capacidade de delegar funções, desenharestratégias, fixar metas, monitorar resultados, gerir finanças e, ademais, usarinstrumentos modernos de administração empresarial.

Uma ferramenta moderna para tanto, muito repetida em nossos dias, é o recurso aocoaching, ou seja, a um treinador pessoal, um especialista em administração deempresas que realiza uma quase terapia profissional, buscando preparar e/ou readequara pessoa para o exercício das funções, mormente quando deve atender a novasdemandas. Tem-se, assim, um processo pedagógico individual que muito lembra aatuação remunerada dos sofistas gregos, designadamente no século V a.C., tendomerecido a crítica daqueles que compreendiam a filosofia como uma atividade parainiciados, bem como daqueles que resistiam a essa intervenção por afastar-se da Paideia(paideiα) clássica.

O coach trabalha individualmente com a pessoa, procurando desenvolver habilidadese competências para o exercício de suas funções, incluindo a busca pela constituição de

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uma base psicoemocional à altura das demandas, bem como virtudes técnicas (que muitolembram a Arete − aretε − sofistica), como a capacidade de avaliação, de crítica, dediálogo, de decisão, bem como prepará-la para situações específicas, como ambientes dealta competitividade, crises financeiras e/ou mercadológicas etc.

Para além dessas questões que são mais próprias da ciência da administração e queapenas narramos, importará trabalhar os instrumentos do Direito Empresarial –nomeadamente do Direito Societário – que servirão ao profissional que assessora famíliasempresárias. É possível combinar instrumentos societários com os institutos do Direito deFamília para assim estruturar condições adequadas para a manutenção da riquezaempresarial, apesar da sucessão, no tempo, de seus titulares. Noutras palavras, asubstituição no comando dos negócios, sem o prejuízo da organização empresarial, podeser planejada por meio de mecanismos jurídicos.

Holding na sucessão hereditária

O chefe de família desempenha um importante papel social. Por um lado, dele seespera atenção e respeito a todos os seus filhos, dando-lhe tratamento igualitário, aindaque lhe seja possível, nos limites da lei (50% do patrimônio, segundo o artigo), disporlivremente de seu patrimônio. O costume entre as famílias, contudo, é permitir adistribuição de partes iguais entre os herdeiros, sem preferir uns e preterir outros. Noentanto, a existência de personalidades, perfis e vocações diversas pode recomendar queessa distribuição se faça de uma maneira mais refinada, compreendendo as necessidadese as potencialidades de cada herdeiro, bem como da própria empresa ou grupoempresarial, cujas existência e atuação repercutem em trabalhadores, fornecedores,consumidores e na comunidade em geral. Infelizmente, os mecanismos ordinários doDireito Sucessório não abrem margem para que se prepare uma sucessão qualitativa,para além da prévia distribuição de certos bens para certas pessoas. Uma compreensãodas necessidades e potencialidades, refletindo-se num desenho organográfico prévio e, apartir dele, numa atribuição de funções, não encontra alicerce nas regras sobreinventários, testamentos etc. Mas a combinação do Direito Sucessório com o DireitoSocietário pode, sim, oferecer uma alternativa mais profícua para o planejamento futuroda família e da corporação empresarial.

Mesmo quando não se está diante dos riscos de disputas entre os herdeiros ou deuma possível incapacidade para gerir eficazmente o patrimônio e os negócios da família,o evento morte, por si só, oferece incontáveis desafios que podem ser, senão evitados,simplificados quando a família recorre a um planejamento prévio. Não se pode esquecer

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que a morte lança os herdeiros e o patrimônio familiar nas teias burocráticas dosprocedimentos de inventário, os quais, por mais competentes que sejam os advogados,podem ser desenrolar por um longo período. Some-se a incidência de tributos que,infelizmente, podem se elevar quando as pessoas agem de forma improvisada. Emmuitos casos, a falta de planejamento faz com que sejam praticados diferentes atos,muitos deles considerados hipóteses de incidência tributária, o que conduz à obrigaçãode pagar mais e mais tributos quando, em oposição, o planejamento pode definir, deforma lícita e legítima, caminhos com menor oneração fiscal.

Constituição de holding familiar

A constituição da holding, em oposição, viabiliza a antecipação de todo esseprocedimento e pode, mesmo, evitar o estabelecimento de disputas, na medida em quepermite que o processo de sucessão à frente da(s) empresa(s) seja conduzido pelopróprio empresário ou empresária, na sua condição de chefe e orientador da família,além de responsável direto pela atividade negocial. Isso permite que uma novaadministração empresarial seja ensaiada e implementada, com a possibilidade, inclusive,de se perceber, em vida, que alguém de quem se esperava capacidade gerencial não atem. Quando esse trabalho é bem conduzido, a nova estrutura organizacional assenta-seenquanto está viva a geração anterior. A morte causa apenas danos sentimentais e nãodanos patrimoniais. Já está definido que todos os herdeiros são sócios da holding e,assim, participam dos lucros da(s) empresa(s), assim como já está definida aadministração das atividades negociais, por herdeiros ou administração profissional, nosmoldes estudados no Capítulo 4.

Alguns instrumentos jurídicos podem ser utilizados para tanto. O primeiro deles,obviamente, é a constituição da sociedade holding, constituição essa que se fará nosmoldes que serão estudados nos próximos capítulos. Assim, o patrimônio da família, ou aparte eleita pelo interessado, já não mais pertencerá à pessoa natural, mas à pessoafísica. A sucessão hereditária, assim, se fará não nos bens ou na empresa ou na

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participação societária na(s) sociedade(s) operacionais, mas na participação societária naholding. No entanto, será ainda preciso decidir se a transferência das quotas ou ações dasociedade de participação se fará antes ou após a morte. Se antes, a transferência sefará por doação, caracterizando adiantamento de legítima, ou seja, entrega antecipadada parte que caberá aos herdeiros necessários após a morte. Aliás, pode haver, mesmo,a doação da parte disponível do patrimônio. Se a preferência é a transferência após amorte, deve-se utilizar do testamento; assim, o controle da holding se mantém com osascendentes, sendo transferido para os descendentes apenas após a morte.Alternativamente, há o recurso ao usufruto: transfere-se aos herdeiros apenas a nuapropriedade dos títulos societários (quotas ou ações), mantendo o(s) genitor(es) acondição de usufrutuários, ou seja, podendo exercer os direitos relativos àqueles títulose, dessa maneira, podendo manter a administração da holding e, com ela, o controle dassociedades operacionais e demais investimentos da família.

De outra face, o planejamento sucessório ainda permite aos pais proteger opatrimônio que será transferido aos filhos por meio de cláusulas de proteção (cláusulasrestritivas). Assim, para evitar problemas com cônjuges, basta fazer a doação das quotase/ou ações com a cláusula de incomunibalidade e, assim, os títulos estarão excluídos dacomunhão (artigo 1.668 do Código Civil), embora não se excluam os frutos percebidosdurante o casamento (artigo 1.669); no caso dos títulos societários (quotas ou ações),esses frutos são dividendos e juros sobre o capital próprio. Aliás, não é preciso serexplícito nas medidas de proteção do(a) herdeiro(a) em face de seu cônjuge. Pode-sesimplesmente gravar os títulos com a cláusula de inalienabilidade, certo que, por força doartigo 1.911 do Código Civil, essa cláusula imposta aos bens por ato de liberalidadeimplica impenhorabilidade e incomunicabilidade. No entanto, é preciso cautela emrelação à operação quando alcance a legítima. Com efeito, por força do artigo 1.848 doCódigo Civil, salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testadorestabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade,sobre os bens da legítima. É um limite ao poder de disposição de última vontade,podendo criar situações desagradáveis que devem ser calculadas quanto a seus efeitosno ambiente familiar.

Por fim, chamamos a atenção para a necessidade de atender ao artigo 979 doCódigo Civil, segundo o qual, além de no Registro Civil, serão arquivados e averbados, noRegistro Público de Empresas Mercantis, os pactos e declarações antenupciais doempresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados deincomunicabilidade ou inalienabilidade. Esse é, infelizmente, um erro comum cometidopor profissionais ligados ao planejamento/gestão empresarial: advogados, contadores,administradores de empresa: olvidar-se que o registro público desempenha a

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fundamental função de tornar os atos societários eficazes em relação a terceiros. Se oato não está registrado, não poderá ser oposto aos terceiros (cônjuges, credores etc.).

Planejamento fiscal

É discurso corrente que a constituição de uma holding, nomeadamente da holdingfamiliar, é uma medida que tem por mérito a obtenção de vantagens fiscais.

Em sua generalidade, essa afirmação é falsa. O resultado fiscal pode ser vantajosoou não, conforme o caso e, principalmente, conforme a engenharia que seja propostapara a estrutura societária. Portanto, não é correto ver a constituição de uma holdingfamiliar como a solução para todos os problemas e, principalmente, uma garantia derecolhimento a menor de tributos. Não é assim. É indispensável a avaliação por umespecialista que, para cada situação, faça uma avaliação dos cenários fiscais para definir,em cada caso, qual é a situação mais vantajosa, sendo possível que, no fim das contas, aconstituição da holding se mostre desaconselhável por ser mais trabalhosa e onerosa.Isso pode decorrer, inclusive, da incidência de tributos a que a pessoa natural não estásubmetida, como a Cofins e o PIS.

Melhor será quando a constituição da holding familiar atenda a um esforço para oplanejamento tributário que pode alcançar a totalidade do patrimônio familiar ou partedele, nomeadamente as sociedades operacionais que venham a ter seu controletransferido para a sociedade de participações (holding). É preciso, contudo, muitocuidado, pois essa possibilidade não se traduz em licença para transferir bens sem pagarimpostos. No Brasil, essa transferência, entre vivos (inter vivos) ou causada pela morte(causa mortis), é tributada. A bem da precisão, não há distinção nos encargos tributáriosentre a doação em vida e a transferência dos mesmos bens em função da morte, haja ounão um testamento. Essa tributação é de 4% sobre o valor dos bens transferidos. Noentanto, há vantagens laterais que não podem ser desconsideradas. De abertura, asimplicidade do procedimento de doação, que consome infinitamente menos tempo doque o processo de inventário, ainda que haja testamento e consenso entre os herdeiros.

A constituição da holding familiar se encarta numa compreensão maior dos desafiosrelativos ao patrimônio e às atividades negociais, observando os respectivos impactosfiscais e examinando-lhes a adequação e, mais do que isso, as oportunidades existentesno sistema legal vigente. Essas oportunidades não são poucas. Em verdade, em muitoscasos (e não em todos) a legislação fiscal oferece balizas que podem definir cenáriosmais ou menos onerosos, definidos a partir da conformação adotada pelo contribuinte.Essas oportunidades justificam que a opção pela constituição de uma holding familiar se

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faça acompanhar de um planejamento tributário que, de resto, pode justificar mesmo aadoção de uma estrutura societária mais complexa, multissocietária. Isso quando acriação da sociedade de participação (ou sociedade patrimonial) não tiver por mérito aadequação da família e seu patrimônio à linha adotada no planejamento tributário da(s)sociedade(s) ou grupo de sociedades controlados ou nas quais tenha participaçãosocietária relevante.

De qualquer sorte, as situações são múltiplas. Por exemplo, há impactos favoráveisdiretos sobre a tributação sobre aluguéis quando se tem sociedade patrimonial cujoobjeto social inclua a locação de bens. O mesmo ocorre quando se contrasta a legislaçãotributária aplicável à pessoa física daquela aplicável às pessoas jurídicas. A principiar pelofato de que, para muitas situações, os mesmos fatos estão submetidos a alíquotasdiversas quando o contribuinte seja uma pessoa jurídica ou uma pessoa física, a exemploda tributação de rendimentos, nomeadamente na incidência do imposto de renda sobre avantagem auferida na venda de bens imóveis. Isso para não falar na própriacaracterização do que seja renda para efeitos de tributação. A pessoa jurídica tem afaculdade de provisionar valores, para além de formar reservas de lucros (com rubricasdiversas, como reserva de contingências) e fundos contábeis. Por essa via, sobrevaloresauferidos pela companhia não se tornam imediatamente disponíveis e, portanto, não sesujeitam a tributação pelo imposto de renda. Some-se a faculdade de simplesmenteincorporar lucros ao capital social.

Não é só. Em relação às pessoas físicas, a legislação fiscal não prevê grandesvariações ou hipóteses para verificação do fato gerador, identificação de base de cálculoe, até, enquadramento na alíquota determinada para a exação. Um exemplo claro é oimposto de renda: a definição de alíquotas se faz em função do valor dos rendimentosauferidos; não há variação de alíquotas em função do tipo de atividade desempenhadapelo contribuinte. Em oposição, para as pessoas jurídicas, a mesma legislação tributáriacontempla uma gama de elementos diversos, a principiar por uma maior variabilidade deregimes tributários. Como se só não bastasse, a legislação tributária contempla umasérie de fatores que, de acordo com o regime tributário eleito, criam uma maiorvariabilidade na definição do valor final do tributo que deverá ser recolhido. Isso ésuficiente para tornar mais útil, senão recomendável, o recurso constante aoplanejamento societário.

De qualquer sorte, não há espaço para improvisações e negligência. O DireitoTributário tornou-se uma das disciplinas jurídicas mais dinâmicas, constantementeimpactado por novas regras, legais ou regulamentares, para além de uma frenéticasucessão de interpretações judiciárias que, infelizmente, podem experimentar guinadasinacreditáveis: posições já pacificadas nos Tribunais são simplesmente invertidas. Nesse

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sentido, o planejamento fiscal de qualquer empresa ou grupo de empresa tornou-se umprocesso constante, uma iniciativa continuada. Embora ainda se possam traçar balizas demédio e longo prazo, cada vez mais são necessárias intervenções para fazer frente amudanças imediatas, para não falar, mesmo, em possibilidades momentâneas, comoincentivos fiscais, refinanciamentos tributários etc.

Análise fiscal

Para que se possa avaliar se há vantagens fiscais, ou não, na constituição de umaholding, o primeiro passo é obrigatoriamente conhecer a realidade apresentada, certoque não há fórmula única, ideal, mágica, aplicável a todo e qualquer cliente.

Atenção particular deve ser dada à situação fiscal já apresentada para, então,verificar se existem alternativas lícitas para estabelecer uma situação melhor.

É preciso compreender a realidade vivida pela empresa e seus sócios (a família)para aferir se a constituição de uma holding é uma vantagem. Em muitos casos,simplesmente não é.

Em incontáveis casos, observa-se que corporações mantêm práticas fiscaisequivocadas, não raro resultantes da má compreensão da legislação e dos regulamentostributários que, no Brasil, constituem um emaranhado assustador de normas, editadas àrédea solta pelos órgãos fazendários. Incapaz de acompanhar a evolução dessas normas,os contribuintes vivenciam rotinas fiscais viciadas que podem, inclusive, envolver a nãoobservação de formalidades essenciais, tornando possível uma autuação fiscal. Chega-sea encontrar contribuintes que revelam ambiguidades fiscais, isto é, posturas eprocedimentos tributários distintos, para as mesmas hipóteses, adotados por funcionáriosou setores diferentes. Essas ambiguidades precisam ser levantadas e uma soluçãoapresentada para atingir um estágio de uniformidade fiscal. Isso demandará, inclusive, otreinamento de pessoal para a adoção de novas rotinas fiscais.

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Nesse sentido, a própria constituição de uma holding pode constituir uma medidaalvissareira, pois, ao centralizar a administração das diversas sociedades e as diversasunidades produtivas, como visto no Capítulo 4, assume um papel primordial de governode toda a organização. Consequentemente, a holding pode se tornar um polo para aconsolidação de posturas uniformes, definidas em conformidade com as melhorespráticas tributárias, não só visando a economia no recolhimento de impostos, taxas econtribuições, mas também evitando a verificação de erros e os respectivos prejuízos quepodem causar ao caixa. Trata-se apenas de uma possibilidade. Em muitos casos,constata-se a existência de uma política empresarial centralizada que convive compráticas descentralizadas que são diversas, senão incompatíveis, entre si. O pior é que adispersão legislativa tornou-se uma realidade muito forte, razão pela qual as atividadesnegociais, dependendo de seu objeto, podem ser submetidas a um regionalismotributário muito forte. Isso quer dizer que a manutenção da atividade pode ser maisvantajosa em certo Estado ou Município do que em outros. Em muitos casos, vantagensde tal ordem que recomendam mudar a sede de uma unidade produtiva ou, mesmo, abriruma filial.

Por outro lado, por vezes há oportunidades tributárias que simplesmente não forampercebidas e, dessa maneira, não estão sendo aproveitadas, para não falar nos casos derecolhimento indevido de tributos e contribuições e parafiscais, para maior, permitindo oaproveitamento de créditos. Mas pode haver, igualmente, recolhimento a menor, a exigirimediata confissão e recolhimento da diferença apurada, evitando os custos de umaautuação pela fiscalização.

Inevitavelmente, o planejamento exige uma mudança na cultura da empresa.Desenvolvida a nova proposta fiscal, torna-se indispensável que os diversos setores da(s)empresa(s) vivenciem as práticas tributárias que foram recomendadas. Em outraspalavras, será preciso que a empresa siga as linhas mestras que foram desenhadas noprojeto societário e fiscal. Mais especificamente, é indispensável que os administradoresestejam comprometidos com os cenários que foram propostos pelo especialista e quesigam os parâmetros que foram traçados no plano de reestruturação.

Ao fim, cabe destacar um ponto: proposições fiscais constroem-se a partir de umatecnologia jurídica refinada, mas altamente mutável. Como dito, há uma avalanche denormas, entre leis, decretos, regulamentos, instruções fazendárias etc. Isso implica

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estudo e aprimoramento constante, tanto dos especialistas, quanto das organizações. Asolução proposta para um exercício pode simplesmente não servir para o(s) exercício(s)fiscal(is) seguinte(s).

De qualquer sorte, o estudo sobre a viabilidade e a oportunidade de constituição deuma holding familiar pode – e deve – ser posto em âmbitos maiores, considerando suasmúltiplas possibilidades e reflexos. Dependendo do tipo de planejamento societário quese tenha elegido como o melhor para o patrimônio familiar e/ou para a(s) sociedade(s)ou grupo de sociedades, pode-se mesmo chegar a situações nas quais os sócios daholding familiar podem perceber seus haveres livres da incidência de tributos, uma vezque os ônus fiscais foram já suportados pela própria sociedade, sendo calculados nãoapenas em função do montante dos rendimentos, mas considerando outros fatores, comoo tipo de atividade exercida.

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.v. 1, capítulo 8 (Escrituração contábil).

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Constituição da holding familiar

Natureza e tipo societário

Como visto nos capítulos inaugurais, não corresponde à holding um tipo espe cíficode sociedade, nem uma natureza específica, observação essa que alcança as holdingsfamiliares. Portanto, a holding familiar é caracterizada essencialmente pela sua função,pelo seu objetivo, e não pela natureza jurídica ou pelo tipo societário. Pode ser umasociedade contratual ou estatutária, pode ser uma sociedade simples ou empresária.Ademais, pode adotar todas as formas (ou tipos) de sociedades estu dadas no Capítulo 1:sociedade simples, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples,sociedade limitada, sociedade anônima ou sociedade em comandita por ações. Só nãopoderá ser um sociedade cooperativa, já que esse tipo societário atende àscaracterísticas essenciais do movimento cooperativo mundial, não se compatibilizandocom a ideia de uma holding familiar.

Constitui uma decisão importante a eleição da natureza jurídica que se atri buirá àsociedade, bem como o respectivo tipo societário. Importante por que à ampla gama dealternativas corresponde um leque diverso de possibilidades. O especialista (operadorjurídico, contabilista, administrador de empresa) deverá focarse nas características da(s)atividade(s) negocial(is) titularizada(s) e, até, nas características da própria família para,assim, identificar qual é o tipo societário que melhor se amoldará ao caso dado emconcreto. Diversas questões devem ser pesadas. Um exemplo claro é a eventualexistência de atos operacionais de qual quer natureza, determinando riscos de prejuízos.Se a sociedade só é titular de patrimônio, material e/ou imaterial (incluindo títulossocietários), não assumirá obrigações e, assim, não será indispensável recorrer a um tiposocietário que pre veja limite de responsabilidade entre as obrigações da sociedade e opatrimônio dos sócios. Em oposição, se a sociedade for assumir obrigações, havendo risco

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de não as suportar, melhor será adotar um tipo societário em que os sócios não tenhamresponsabilidade subsidiária pelas obrigações sociais, ou seja, a sociedade limitada ou asociedade anônima.

Para além dessas questões gerais, diversas questões acessórias devem serconsideradas pelo especialista antes de decidir entre uma natureza (simples ouempresária) e um tipo societário, designadamente as motivadoras, gerais e espe cíficas,da constituição, conforme se apure junto aos sócios, bem como as metas que sejampretendidas. Isso justificará um exame, ainda que resumido, de cada um dos tipossocietários para destacar seus méritos e deméritos, considerando a sua utilidade para osfins focados.

Por ora, importa examinar a natureza que se atribuirá à sociedade, que poderá seruma sociedade simples ou empresária. Em termos práticos, não há grandes diferençasentre ambas, tanto é assim que há três tipos societários em comum: sociedade em nomecoletivo, sociedade em comandita simples e sociedade limitada. De abertura, a diferençaestá no registro: sociedades simples são registradas nos Cartórios de Registro Público dePessoas Jurídicas; sociedades empresárias, por seu turno, nas Juntas Comerciais. Adistinção não é singela, considerando que as Juntas Comerciais têm um controle maisrígido sobre os atos empresariais, atos societários e afins. A interferência dosRegistradores é, habitualmente, bem menor, assim como seu poder de intervenção, aocontrário do que se passa com as Juntas, que têm órgãos deliberativos com poder parajulgamento, ainda que contra eles se possa recorrer ao Judiciário. Os registradores têm opoder de suscitar dúvidas junto ao Poder Judiciário. Aqui, também, há uma outradistinção importante: muitas das discussões sobre os atos da Junta Comercial deverãoser submetidas à Justiça Federal, já que desempenham função federal delegada. Emoposição, os atos registrais civis são discutidos na Justiça Estadual.

De outra face, quando se opta pela constituição de uma sociedade simples, ain daque sob a forma de sociedade limitada, afastase a aplicação da Lei 11.101/05, ou seja,afasta a possibilidade do pedido de falência, embora também afaste a viabilidade dopedido de recuperação de empresa. Assim, a sociedade estará submetida, para ahipótese de não conseguir fazer frente às suas obrigações, ao processo de insolvência,previsto no Código Civil e no Código de Processo Civil, sendo bem distinto. Tratase de umaspecto que deve ser levado em conta, igualmente. Para determinados perfis, melhorserá sujeitarse ao regime jurídico falimentar, que inclui a possibilidade de pedir arecuperação, judicial ou extraju dicial, da empresa. A falência é um processo deinterposição mais fácil e de curso mais célere, por ser mais habitual; no entanto, o pedidopor inadimplemento tem alçada mínima de 40 saláriosmínimos (artigo 94, I, da Lei11.101/05). Em opo sição, o processo de insolvência civil é mais raro, de trâmite mais

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difícil e custoso, o que pode parecer uma vantagem para alguns.

Sociedadesimples

→ Registro em Cartório de Registro Público de Pessoas Jurídicas, a quem seusatos registrais estarão submetidos.→ Não está submetida à Lei 11.101/05: não pode pedir recuperação judicial ouextrajudicial; submetese ao processo de insolvência civil (Código Civil e Código deProcesso Civil).

Sociedadeempresária

→ Registro nas Juntas Comerciais; seus atos registrais estão submetidos à JuntaComercial e ao Departamento Nacional de Registro do Comércio.→ Submissão à Lei 11.101/05: pode pedir recuperação judicial ou extrajudicial;sua insolvência processase sob a forma de falência.

Obviamente, a opção pela natureza simples ou empresária está restrita aos trêstipos comuns já mencionados. A escolha de qualquer um dos demais ti pos implicaeleição de natureza jurídica. Escolhendo constituir a holding sob a forma de sociedadeanônima ou sociedade em comandita por ações, será uma sociedade empresária. Emoposição, a sociedade simples ordinária (ou sociedade simples comum) é sempre umasociedade simples. De qualquer sorte, parece nos que a análise de nosso tema será maisprofícua se, superando a questão da natureza simples ou empresária da holding, focamosna sua natureza contratual (sociedades por quotas) ou estatutária (sociedades porações), com todas as im plicações daí decorrentes.

Sociedades contratuais

O Código Civil disciplina quatro tipos societários que têm por ato constitutivo umcontrato: o contrato social; daí serem chamadas de sociedades contratuais. Como visto,as sociedades contratuais podem ser simples ou empresárias; as simples poderãoassumir as seguintes formas: sociedade simples (em sentido estrito ou comum),sociedade em nome coletivo e sociedade em comandita simples ou socie dade limitada;as sociedades empresárias contratuais poderão assumir a forma de sociedade em nomecoletivo, sociedade em comandita simples ou sociedade limi tada. Em todos os casos, aparticipação de cada sócio no capital social da pessoa jurídica se faz por meio de quotas,razão pela qual é utilizado, para além do rótulo sociedade contratual, o de sociedade porquotas. A lógica do contrato marca as socie dades por quotas: há um negócio jurídicoentre os sócios, que se reconhecem na condição de partes, sendo nomeados equalificados no instrumento de contrato, firmandoo. A transferência da condição de sócioou a mera alteração na partici pação no capital social implicam a alteração do

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instrumento de contrato social. Suas cláusulas constituem obrigações recíprocas,assumidas entre os sócios e, a partir do registro da sociedade, destes para com a pessoajurídica criada. Temse, assim, um elo específico entre as partes (os sócios), que passama estar, na forma do contratado, obrigados uns perante os outros.

As sociedades contratuais podem ser constituídas intuitu pecuniae, semrestrições à cessão de quotas, ou intuitu personae, hipótese na qual a cessão dequotas para um terceiro dependerá da aprovação pela totalidade dos demaissócios ou, nas sociedades limitadas, por 75% do capital social.

A teoria que se ocupa das sociedades contratuais percebeu, há muito, que associedades se diferenciavam entre si em dois grandes grupos, formados a partir daconsideração do foco que se dava, na sua constituição e manutenção, à identidade daspessoas de seus sócios. Com efeito, há sociedades nas quais se percebe que o fatorfundamental que dá sustentação à sua existência é o mútuo reconhecimento e aceitaçãodos sócios: estão juntas por que são aquelas pessoas e não outras. São sociedadesconstituídas primordialmente em função das pessoas (intuitu personae). Em oposição, hásociedades em que a identidade do sócio é um elemento acessó rio; importa a disposiçãoem investir na atividade negocial; nesses casos, há socie dades que se constituemprimordialmente em função do capital a ser investido (intuitu pecuniae).

A regra geral das sociedades contratuais é serem constituídas intuitu personae, aopasso que a regra geral das sociedades estatutárias é a constituição intuitu pecuniae.Embora o ato constitutivo (contrato social e estatuto social) possa criar situaçõesespecíficas, no seu silêncio serão aplicadas as normas legais que apontam para aquelassoluções. Assim, o artigo 1.002 do Código Civil prevê que o sócio não pode ser substituídono exercício das suas funções sem o consentimento dos demais sócios, expresso emmodificação do contrato social. Já o artigo 1.003 limita a eficácia da cessão total ouparcial de quota sem o consentimento dos demais sócios e a correspondente modificaçãodo contrato social. Como se só não bastasse, o artigo 1.026, não permite que as quotasda sociedade intuitu personae sejam transferidas ao credor do sócio, facultandolheapenas fazer recair a execu ção sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou naparte que lhe tocar em liquidação. A proteção à sociedade de pessoas também está noartigo 1.028, regulando a sucessão na titularidade da quota ou quotas do sócio falecido.No alusivo especificamente à sociedade limitada, o artigo 1.057 do Código Civil prevê queo sócio tem o direito de ceder sua quota a estranho se não houver oposição de titularesde mais de um quarto do capital social.

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No entanto, a aplicação do princípio da autonomia da vontade acaba por permitirque, por meio de cláusulas dispostas no ato constitutivo e tornadas públicas por meio doarquivamento no registro, acabem por tornar intuitu pecuniae uma sociedade contratualou, pelo anverso, acabem por tornar intuitu personae uma sociedade por ações. Àmatéria devese dar redobrada atenção, fazendo constar no contrato social ou no estatutosocial cláusulas que protejam o caráter excepcio nalíssimo da sociedade de participação,constituída para abrigar um patrimônio familiar e, assim, demandando uma proteçãoespecífica. Particular atenção se deve ter com as sociedades por ações, nas quais não sepoderá prever o direito de oposição à alienação de participação societária a terceiros,mas o direito de prefe rência à sua aquisição, nas mesmas condições.

Visto isto, façamos um exame dos tipos societários contratuais, tendo por referênciaespecífica seu aproveitamento como holding familiar.

Sociedade simples comum. Como visto, o artigo 983 do Código Civil permite que asociedade simples se constitua pelas normas que lhe são próprias, ou seja, aplicandoseos artigos 997 a 1.038 do Código Civil. Sua estrutura é muito similar à sociedade emnome coletivo, embora não haja limitação de sócios exclusivamente pessoas físicas. Seuregistro se dá obrigatoriamente nos Cartórios de Registro Público de Pessoas Jurídicas.Outra vantagem é a permissão de que a integralização de capital se faça por meio deprestação de serviços.

Sociedade em nome coletivo. Como visto, poderá ter natureza simples ou empresária, regra que também se aplica às holdings. O fato de todos os sócios serempessoas físicas, com previsão legal de atuação pessoal e limitações ao ingresso deterceiros, sem a aprovação unânime dos sócios, aproxima esse tipo societário dasnecessidades de uma holding familiar. No entanto, só poderá ser administrada porsócio(s): um, alguns ou todos. Não admite administração profissional, embora possamser contratados gerentes e outros prepostos: contadores, conselheiros financeiros,advogados etc. O grande defeito é o fato de que os sócios respondem pessoalmente, comseu patrimônio particular, pelas obrigações sociais não satis feitas pela sociedade. Noentanto, quando se trate de holding pura, habitualmente se envereda por um quadro noqual há apenas receita e as obrigações limitamse aos tributos. Não há riscosoperacionais, o que acaba por reduzir a importância da adoção de tipos societários queprevejam limite de responsabilidade.

Nunca é demais destacar haver um preço para o limite de responsabilidade.Justamente por ser necessário proteger terceiros, as regras para a sociedade limitada e asociedade anônima são mais rígidas, nomeadamente para temas como redução decapital social, distribuição de dividendos etc. Tais operações são simplificadas nasociedade em nome coletivo, vez que o legislador reconhece na respon sabilidade

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subsidiária dos sócios uma forma de garantia para os credores. A mesma lógica sustentao fato de as sociedades em nome coletivo comportarem a integralização do capitalsubscrito por meio de prestação de serviços, nos moldes constantes do contrato social,não importa se simples ou empresárias.1

Sociedade em comandita simples. Também poderá ter natureza simples ouempresária, regra que também se aplica às holdings. A grande característica desse tiposocietário é a divisão dos sócios em duas classes: comanditários (investidores; nãoadministram a sociedade e têm responsabilidade limitada) e comanditados(administradores da sociedade, com responsabilidade subsidiária pelas obri gaçõessociais). Dessa maneira, protegemse os investidores (comanditários), inclusive dos atosque sejam praticados pelo(s) comanditado(s). Recordese que os comanditários nãopodem participar da administração, sob pena de perderem a proteção ao seu patrimôniopessoal. Mas não estão excluídos das deliberações sociais, o que preserva seus direitos einteresses; e os atos de administração são reduzidos, o que mitiga o problema. A grandedificuldade é encontrar pessoas que aceitem assumir a condição de comanditados, aindaque sua participação no capital social possa ser integralizada por meio de prestação deserviços. Outra grande vantagem da sociedade em comandita simples é que temfuncionamento e administração mais simples, como a sociedade em nome coletivo,embora com algumas limitações em relação às participações societárias doscomanditários no capital social.2

Sociedade limitada. Tratase de um dos tipos mais utilizados para a constituição deholdings, podendo ser simples ou empresária. Essa ampla utilização tem razão óbvia: aresponsabilidade de cada sócio pelas obrigações da sociedade é restrita à integralizaçãodo capital social. Como na holding essa integralização se faz com a constituição, por meiode participações societárias e outros bens, não haverá mais falar em responsabilidadepessoal. A proteção legal à alienação de quotas é mais frágil do que nas demaissociedades contratuais, já que as quotas podem ser livremente cedidas de um sócio paraoutro, alterando um eventual equilíbrio das participações societárias, da mesma maneiraque a cessão para terceiros estranhos é facilitada: basta a anuência de 75% do capitalsocial. De qualquer sorte, ambas as fragilidades podem ser corrigidas por meio decláusulas dispostas no contrato social: a previsão da necessidade de aprovação unânimepara a cessão de quotas, seja para sócios, seja para não sócios. Não se permite aintegralização do capital por meio de prestação de serviços.

Embora não seja prática comum nas holdings, a adoção do tipo limitada per mite anomeação de administrador societário que não seja sócio. Outra vantagem é apossibilidade de constituição de conselho fiscal, como visto no Capítulo 2. Ou tro pontoque merece particular atenção é o quórum legal para deliberações, pois também aqui

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podem ser convenientes alterações, por meio de cláusulas dispostas no contrato social,com o objetivo de proteger as minorias sociais. Basta recordar que algumas matérias,seguindo a regra geral, disposta em lei, são aprovadas por 75% de capital social, aexemplo de incorporação, fusão e dissolução da sociedade.3

A opção pelo tipo sociedade limitada ainda implica atenção para os parâmetrosfixados pelo Código Civil para eventuais aumento ou redução do capital social. Oaumento do capital social, quando não haja regras específicas em lei especial, poderá seraprovado por sócios que representem 75% do capital social, desde que já estejamintegralizadas as quotas da sociedade, exigindo alteração do contrato social (artigos1.071, V, 1.076, I, e 1.081 do Código Civil). Até 30 dias após a de liberação, terão ossócios preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejamtitulares, direito esse que pode ser livremente cedido, total ou parcialmente, a qualqueroutro sócio, bem como cedido a terceiro (não sócio), desde que não haja oposição detitulares de mais de 25% do capital social. Subscrita a totalidade do aumento, haveráreunião ou assembleia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato.Esse procedimento será dispensável se o aumento decorrer da incorporação de lucros, jáque todos os sócios dela se beneficiam, na proporção de suas quotas.

A redução do capital social é mais complexa, embora também se faça por meio dealteração contratual. De abertura, duas possibilidades se colocam: (1) redução em facede perdas irreparáveis, depois de integralizado o capital, e (2) redução por ser excessivoo capital social, a qualquer momento. A redução para assimilar perdas irreparáveis fazsepor meio da diminuição proporcional do valor das quotas, em prejuízo dos sócios. Já aredução por excesso não exige que o ca pital esteja totalmente integralizado; portanto,pode fazerse tanto por meio da devolução de valores aos sócios, como por meio daexoneração da obrigação de integralizar parcelas ainda pendentes. Mas o artigo 1.084, §1o, do Código Civil, prevê um procedimento para tal diminuição: a ata que registra aaprovação da medida deverá ser publicada, passando a correr, de então, um prazo de 90dias para que o credor quirografário, por título líquido anterior a essa data, possa oporseà redução deliberada. Somente quando transcorrido esse prazo, sem que hajaimpugnação, ou se provado o pagamento da dívida ou o depósito judicial do respectivovalor, a redução se tornará eficaz, procedendose à averbação, no Registro Público deEmpresas Mercantis, da ata que tenha aprovado a redução.

Sociedades por ações

As chamadas sociedades estatutárias ou sociedades institucionais têm seus

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elementos de identificação e regras de funcionamento especificados em estatutos e nãoem contratos. A diferença é marcante. Embora também conste do estatuto social oconjunto das normas que orientam a existência e o funcionamento da pessoa jurídica,esse instrumento jurídico não revela a característica do contrato, ou seja, não registra umacordo recíproco de obrigações e faculdades. Distinta mente, o estatuto funda umainstituição (uma associação, uma fundação, uma companhia). Não traz partes quecontratam, mas as regras da instituição. Não há, sequer, reconhecimento mútuoobrigatório. O estatuto é o resultado da ação dos instituidores e os acionistas queeventualmente venham a compor, no futuro, a companhia a ele aderem pela simplesassunção dos títulos societários, o que se fará não pela alteração do ato constitutivo,como se dá nas sociedades contratuais, mas por meio de anotação no Livro de Registrode Ações Nominativas.

É interessante observar que essa facilidade de transações com as ações,prescindindo mesmo de alterações no ato constitutivo e, assim, da prática de atosregistrais, é vantagem própria das companhias com maior dinamicidade na alternância desócios, nomeadamente as companhias abertas. Não é, portanto, uma vantagem que seaproveite à holding familiar, já que a lógica que marca a constituição e a existênciadessas sociedades é a preocupação com a preserva ção de um patrimônio familiar,designadamente a unidade nas participações em outras sociedades e, assim, a forçarespectiva, a exemplo do poder de controle. Ainda assim, as eventuais transferências,inter vivos ou causa mortis, realizam se de forma simplificada, nos livros da companhia,sem demandar alteração do ato constitutivo.

As sociedades por ações têm um custo de manutenção mais elevado, já que aLei 6.404/76 exige a publicação de diversos atos sociais. Estas publicações sãocaras.

Essa realidade acaba por impactar a holding, quando constituída sob a forma desociedade anônima ou sociedade em comandita por ações. O primeiro grande impactoestá na natureza intuitu pecuniae das sociedades por ações, ou seja, na compreensãolegal de que a cessão livre é um elemento que compõe a essência das ações, ao pontode serem restritos os casos de recesso (retirada da sociedade): o acionista que desejasair da sociedade deve alienar suas ações, permitindo que outrem assuma o ônus doinvestimento, visando ao bônus correspondente: os lucros. Quando a companhia éconstituída para albergar uma holding, tornase in dispensável colocar cláusulas noestatuto social que mitiguem o risco de desfazer o controle familiar sobre as

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participações societárias. Não se pode, pura e simples mente, proibir a cessão das açõesou a necessidade de aprovação dessa cessão pela maioria (simples, absoluta ouqualificada) dos demais acionistas, se são mantidas as restrições legais ao direito derecesso. Criarseia uma hipótese de abuso de direito, que o artigo 187 do Código Civilconsidera um ato ilícito. Afinal, sem poder alienar livremente, pelo melhor preço, e sempoder liquidar sua participação socie tária, a ação estaria esvaziada de seus principaisatributos econômicos e sociais. A solução é criar um direito de preferência, nas mesmascondições oferecidas pelo terceiro ou, alternativamente, estipular o direito de recesso,ainda que vinculado ao pagamento do valor das ações em dinheiro (preservando o acervosocietário) e mesmo sendo estipulado prazo e/ou parcelamento, em termos razoáveis,para esse exercício.

Ainda quando não se tenha restrição à circulação de títulos, a constituição da holdingsob a forma de sociedade por ações encontra uma vantagem nas já referidas restriçõesao exercício do direito de recesso, o que acaba por dificultar as pretensões de dissoluçãoparcial da sociedade e, assim, de liquidação de partici pações acionárias, com ocorrespondente decréscimo do patrimônio social. Não é uma característica que se possadesprezar, considerando que a manutenção dos investimentos é a grande razão de serdas sociedades patrimoniais e, com destaque entre elas, das sociedades departicipações. No entanto, o Judiciário tem exigido, em diversas oportunidades, que amanutenção desse sistema societário não se faça em contextos distorcidos, rompendocom a razão de ser do mecanismo jurídico. Essas distorções verificamse primordialmenteem sociedades familiares, nas quais a natureza institucional, afirmada pela lei, acaba pornão encontrar reflexo nas relações efetivamente mantidas entre os acionistas.

A possibilidade de serem constituídas duas espécies diversas de ações, ordi nárias epreferenciais, é também uma grande vantagem. A cada ação ordinária corresponde umvoto nas deliberações da assembleia geral, embora o estatuto possa estabelecerlimitação ao número de votos de cada acionista. O estatuto pode deixar de conferir àsações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconheci dos às ações ordinárias,inclusive o de voto, ou conferilo com restrições, desde que tal supressão ou restrição nãoatinja os direitos essenciais do acionista. Em oposição, os preferencialistas acessam,primeiro, os resultados do exercício. Isso permite acomodar os herdeiros, conforme suamaior ou menor afinidade e habi lidade para os negócios, em classes diversas: deixaralguns com ações ordinárias, ocupandose das deliberações sobre os negócios sociais, edeixar outros na condi ção de beneficiários preferenciais dos resultados da companhia.Para a proteção desses sócios, a lei prevê que as ações preferenciais adquirem o direitoao voto se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a três exercícioscon secutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizer jus, direito que

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conservará até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até quesejam pagos os cumulativos em atraso.

A adoção dos tipos societários por ações, ademais, coloca à disposição da sociedadede participação um importante instrumento de captação de recursos que pode serutilizado para financiar a expansão de seu patrimônio, incluindo a ampliação de suasparticipações societárias: as debêntures. As debêntures são instrumentos que conferemaos seus titulares um direito de crédito contra a com panhia (artigo 52 da Lei 6.404/76).Sua grande vantagem é permitir o fraciona mento do valor que se toma em mútuo;assim, se a companhia pretende tomar um milhão de reais emprestados, pode emitir ummilhão de debêntures no valor, cada uma, de R$ 1,00, facilitando sejam encontradosmutuantes dispostos ao negócio proposto, cada qual subscrevendo um número próprio detítulos. Facilmente se percebe que a holding não funciona exclusivamente como uminstrumento para a preservação do patrimônio familiar. Permite o seu controle e, mais doque isso, o seu emprego otimizado, a partir do qual se pode mesmo aumentálo.

O artigo 176 da Lei 6.404/76 determina a publicação, anualmente, do balançopatrimonial e das demonstrações financeiras. Assim, essas informações acabamchegando ao conhecimento de todos (disclosure), o que nem sempre édesejável.

A principal desvantagem que é apontada para a constituição de holdings sob tipossocietários por ações é o custo. A Lei 6.404/76 exige que diversos atos societários sejampublicados. Assim, seu artigo 94 prevê que nenhuma companhia poderá funcionar semque sejam arquivados e publicados seus atos constitutivos. Também o artigo 124 fala empublicação, por três vezes, da convocação da assembleia geral, ao passo que o artigo 130demanda a publicação das atas das assembleias realizadas. Para terminar os exemplos,citamos que o artigo 146 exige a publicação da ata que elege os administradores e oartigo 176 exige a publicação das demonstrações financeiras de cada exercício: balançopatrimonial, demonstra ção dos lucros ou prejuízos acumulados, demonstração doresultado do exercício e demonstração dos fluxos de caixa. Essas publicações, para alémde seu elevado custo, têm a desvantagem de dar a conhecer detalhes sobre acompanhia, mitigando a proteção do princípio do sigilo da escrituração contábil. Omercado encarta esse fato no que chama de disclosure, isto é, na revelação deinformações empresariais, embora não se tenha, nessa hipótese, quebra do dever deconfidencialidade. No en tanto, para evitar essa revelação, muitas grandes empresasbrasileiras abandonaram a forma de sociedades por ações, transformandose em

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sociedades limitadas. Isso justificou a edição da Lei 11.638/07, que obriga as sociedadesde grande porte, não importa o seu tipo societário, a publicarem seus demonstrativoscontábeis.4

Subscrição e integralização de capital

A constituição de uma sociedade, simples ou empresária, tem elementos essen ciaisna subscrição do capital social e na sua integralização. O capital social é o montante doinvestimento feito pelos sócios na empresa, ou seja, o valor alocado para a realização deseu objeto social. Daí a necessidade de se definir, no contrato social ou no estatutosocial, devidamente registrado, qual será o seu valor efetivo, exigindo o legislador queseja expresso em moeda corrente, integralizandoo e con servando o no patrimôniosocietário. Devese, portanto, atender aos princípios que orientam o capital social:princípio da realidade (ou princípio da subscrição integral), princípio da intangibilidade,princípio da fixidez (ou princípio da variabilidade condicionada) e princípio dapublicidade.5 Todavia, não basta definir o capital social, mas é preciso distribuir os ônusdo investimento na sociedade. Colocase, assim, o instituto da subscrição e, comodecorrência, da integralização.

A subscrição é o ato de assumir um ou mais títulos societários, ou seja, quotas ouações. Esses títulos, contudo, correspondem a parcelas do capital social e, assim, devemser integralizados, ou seja, é preciso que se transfira para a socie dade o valorcorrespondente às quotas ou ações que foram subscritas. Com efeito, a constituição dasociedade implica a destinação de valores para a formação do capital social. É dever detodo sócio contribuir para a sociedade, a principiar pela integralização da(s) quota(s) ouação(ões) subscrita(s); se não for feita no ato da assinatura do contrato social, ou ato defundação da companhia, deverá ser feita na forma (ou modo) e prazo estipulados pelocontrato ou estatuto social. Forma ou modo, pois o sócio pode terse comprometido, porexemplo, a transferir à socie dade a propriedade de determinado imóvel como forma deintegralização dos títulos societários que subscreveu, assumindo tal declaração, devida eregu larmente assinada, a natureza de promessa, permitindo, inclusive, pedido judicial deoutorga de escritura.

Todavia, esses valores não precisam estar representados por dinheiro (pe cúnia).Qualquer bem com expressão econômica pode ser destinado à formação do patrimônioempresarial, desde que suscetível de avaliação pecuniária, isto é, desde que se possaatribuirlhe um valor na moeda com curso obrigatório no país; a integralização se farápela transferência do bem, que será escriturado por seu valor pecuniário. Em alguns

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casos, como nas sociedades simples, sociedade em nome coletivo e sociedade emcomandita simples, no que diz respeito ao sócio comanditado, permitese mesmo que aintegralização se faça por meio da prestação de serviços. O fato de se tratar de umaholding não altera a regra geral: o capital social pode ser integralizado por meio dedinheiro ou pela transferência de bens, direitos e créditos.

A integralização do capital correspondente às quotas ou ações de um sócio nãoé ato que só possa ser praticado por ele. É possível que terceiros integralizem ocapital para um sócio, em vida (inter vivos) ou em função da morte (causamortis).

Nas sociedades por quotas, o contrato deverá especificar como cada sócio realizará asua participação no capital social, ou seja, como integralizará sua quota. Nas sociedadespor ações, essa matéria é estranha ao estatuto social, embora se verifiquem situaçõesnas quais a cláusula que define o capital social esclareça terem sido todas as açõessubscritas e integralizadas no ato de constituição. Aliás, nas sociedades patrimoniais,nomeadamente nas holdings familiares, é comum recorrer a essa fórmula: todo o capitalsocial é subscrito e integralizado no ato da constituição, o que se faz por meio datransferência dos bens para a sociedade: as participações societárias ou, eventualmente,outros bens, móveis ou imóveis, materiais ou imateriais (propriedade intelectual, comomarcas, patentes etc.). Mas frisamos que não é obrigatório; é possível que se ajuste quea integralização se fará posteriormente, em parcelas, embora seja situação rara naconstituição de holdings familiares.6

Atentese para o fato de que a integralização, ou seja, o ato de conferir valores paraa formação do capital social, não é ato privativo do sócio. O investimento pode ser feitopor outrem, em nome e a bem do sócio. Não há vedação legal de que o investimentoseja feito por um terceiro, onerosamente (contrato de mútuo ou outro, remunerado porjuros ou doutro jeito) ou gratuitamente: doação, inter vivos ou causa mortis. Essa via éde uso comum na constituição de holdings fami liares, sejam sociedades por quotas,sejam sociedades por ações.

Integralização pela transferência de bens

O direito de participar de uma sociedade decorre não apenas da subscrição de suasquotas ou ações, assumindo a condição de sócio, mas, igualmente, da in tegralização do

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capital social, a caracterizar investimento na sociedade e, assim, na atividade negocialque será por ela explorada, como visto anteriormente. A integralização do capitalcorrespondente aos títulos que subscreveu constitui uma obrigação elementar de todosos sócios.

Segundo previsão anotada no artigo 997, V, do Código Civil, a integralização docapital social poderá fazerse mediante: (1) pagamento em dinheiro; (2) cessão decrédito, inclusive endosso de títulos de crédito; (3) transferência de bens imóveis oumóveis, incluindo direitos pessoais com expressividade econômica, a exemplo datitularidade de marca ou patente; e serviços que devam ser prestados pelo sócio, emcertos tipos societários. Habitualmente, fazse a integralização do capital social de umaholding familiar pela transferência do patrimônio familiar para a sociedade; daí falarseem sociedade patrimonial. Não é preciso fazer a transferência de todo o patrimôniofamiliar; podese eleger parcelas deste patrimônio, como apenas as participaçõessocietárias, criando uma sociedade de participações, ou apenas bens imóveis, criandouma sociedade imobiliária etc. Há uma liberdade para se eleger qual ou quais bens dopatrimônio do casal serão usados para a integralização do capital social da holding,sendo mesmo possível a transferência de todos os bens. Em qualquer caso, a partir datransferência, para integralização, os bens passam a ser de propriedade da sociedadeconstituída, ao passo que seus sócios passam a ser titulares das quotas ou ações dasociedade.

Para a proteção dos demais sócios, assim como à própria sociedade, o legis lador viupor bem estabelecer uma responsabilidade do sócio que, em lugar de transferir pecúnia,recorre à transferência de bens e direitos, incluindo créditos. Assim, tornao responsávelpela evicção, sempre que transfira domínio, posse ou uso, e o bem vem a serreconhecido como pertencente a outrem, sendolhe entregue. Aplicado o artigo 447 doCódigo Civil, se a coisa foi recebida em con trato oneroso, vale dizer, se aquele a quemfoi transferido o seu domínio, posse ou uso pagou por isso, a exemplo da transferênciapara integralização de quota ou quotas de sociedade simples ou empresarial, o alienante

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(aqui, o sócio) res ponderá pela evicção, vale dizer, pelo prejuízo sofrido pelo cessionário,no caso, a sociedade. Em relação à sociedade simples comum, sociedade em nomecoletivo e sociedade em comandita simples, a questão da integralização do capital socialpela transferência de bens está confinada a tais balizas. Confiando na responsa bilidadesubsidiária do sócio pelas obrigações sociais, o legislador não dedicou maior atenção àintegralização pela transferência de bens para tais sociedades por quotas. Apenas àsociedade limitada deu o Código Civil maior atenção, na mesma toada em que a Lei6.404/76 preocupouse com o tema nas sociedades por ações.

No alusivo à sociedade limitada, o Código Civil demanda que a integraliza ção docapital se faça por meio de bens que tenham expressão econômica e que permitam umaavaliação, regulando com o valor a ser realizado no capital social, sob pena decaracterização de fraude. Nesse sentido, o § 1o do artigo 1.055 do Código Civil prevê quetodos os sócios responderão, solidariamente, pela exata estimação dos bens que foremincorporados ao patrimônio social para a realização de quotas, até o prazo de cinco anosda data do registro da sociedade. Mais não se exige; nenhum procedimento específico.Afirmase exclusivamente a respon sabilidade solidária dos sócios pela exata estimaçãodo valor dos bens; é quanto basta. O credor que se considerar prejudicado deverá,apenas, provar que o valor dos bens foi estimado excessivamente e, em face disso, pedira responsabilização dos sócios pelos prejuízos que tal fato lhe tenha causado.

Para as sociedades limitadas, o Código Civil não prevê um procedimentoespecífico para a integralização do capital por meio da transferência de bens;apenas torna os sócios solidariamente responsáveis pela exata estimação doseu valor. Para as sociedades anônimas a Lei 6.404/76 exige a avaliação dosbens por três peritos ou sociedade especializada.

Resta examinar as sociedades por ações, nas quais também se admite que o capitalsocial seja integralizado não só em dinheiro, mas também pela incorpora ção de qualquerespécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro (artigo 7o da Lei 6.404/76). Falaseem incorporação, pois os bens oferecidos são absorvidos pelo patrimônio comum,societário e, assim, a companhia passa a ser titular do bem. Incorporação, portanto, dopatrimônio individual para o patrimônio coletivo. Somente bens – o que, realço, incluem odinheiro e o crédito – podem ser utiliza dos para a integralização do capital subscrito.Não se permite a contribuição em serviços, isto é, não há falar em aplicação, nem mesmosubsidiária, dos artigos 997, V, e 1.006 do Código Civil.

A Lei 6.404/76 prevê um minucioso procedimento para a avaliação dos bens que

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forem oferecidos pelos acionistas como forma de integralização das ações quesubscreveram. Esse procedimento principia mesmo antes da assembleia de fundação,com o oferecimento dos bens aos fundadores e sua aceitação por esses. Destaquese nãoser necessário que o bem oferecido (coisa ou direito) seja de pro priedade do subscritor,podendo pertencer a terceiro que concorde com a trans ferência do bem para asociedade, realizando o valor das ações subscritas pelo beneficiário de seu ato. Nessahipótese, o terceiro – proprietário da coisa (móvel ou imóvel) ou titular do direito –deverá apresentar instrumento prometendo entregar o bem para incorporação aopatrimônio social, caso (1) concorde com a avaliação e (2) sejam o bem e seu valoraprovados pela assembleia. Essa hipótese não está expressamente contemplada pelolegislador, mas resulta clara do princípio segundo o qual podese adquirir direito para si oupara outrem, além das regras específicas de pagamento a favor de terceiros, por meraliberalidade ou não, que se anotam no Código Civil.

A integralização do capital correspondente às ações subscritas, no todo ou em parte,exige uma avaliação feita por três peritos ou por empresa especializada, nomeadosquando da assembleia geral dos subscritores (artigo 8o da Lei 6.404/76). Contudo, osbens não poderão ser incorporados ao patrimônio da companhia por valor acima do quelhes tiver dado o subscritor (§ 4o desse artigo 8o), ainda que os avaliadores apurem valorsuperior. Os peritos ou a empresa avaliadora deverão apresentar laudo fundamentado,com a indicação dos critérios de avaliação e dos elementos de comparação adotados einstruído com os documentos relativos aos bens avaliados, permitindo, assim, quequalquer interessado conheça as razões motivadoras do quantum apurado. Justamentepor isso, exigese ainda que os avaliadores estejam presentes à assembleia que conhecerdo laudo, a fim de pres tarem as informações que lhes forem solicitadas.

Aprovada a integralização, os bens serão incorporados ao patrimônio da com panhia.Tanto os avaliadores quanto o subscritor responderão perante a companhia, perante osacionistas e mesmo perante terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolona avaliação dos bens. E não se pode afastar, sequer, a possi bilidade deresponsabilização criminal, se o ato se amoldar às definições legais de tipos penais. Emse tratando de bens em condomínio, cotitularizados por dois ou mais subscritores, aresponsabilidade destes será solidária. Ademais, a respon sabilidade civil do subscritor oude acionistas que contribuam com bens para a formação do capital social será idêntica àdo vendedor, com o que responderão tanto pela evicção, quanto pela existência de víciosredibitórios (artigo 10 da Lei 6.404/76). Por outro lado, se a integralização das açõesfezse pela transferência de crédito, o acionista responderá pela solvência do devedor.

Destaquese que, sendo ofertados e aceitos bens imóveis para a integralização deações subscritas e, assim, passando a formar o capital social, sua incorporação à

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companhia não exige escritura pública (artigo 89 da Lei 6.404/76). A ata na qual sedeliberou a incorporação do bem poderá ser levada ao Registro de Imóveis, certo que acertidão dos atos constitutivos da companhia, passada pelo registro do comércio em queforam arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição noregistro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para aformação do capital social (artigo 98, § 2o, da Lei 6.404/76). Exigese, contudo, que a atada assembleia geral que aprovar a incorporação iden tifique, com precisão, o bem a serincorporado, embora possa descrevêlo suma riamente, desde que seja suplementada pordeclaração, assinada pelo subscritor, contendo todos os elementos necessários para atranscrição no registro público (§ 3o do artigo 98). Não se trata de mera averbação, masde inscrição no Cartório de Registro de Imóveis, como decidiu a Segunda Seção doSuperior Tribunal de Justiça, julgando os Embargos de Divergência no Recurso Especial96.713/MG.

É de se destacar que a transferência de bens para a sociedade, a título de integralização do capital social, pode fazerse tanto pelo valor de mercado, tambémchamado de valor venal (o valor pelo qual efetivamente pode ser vendido), quanto porseu valor escritural, vale dizer, pelo valor que está escriturado na declaração de bens dapessoa ou, em se tratando de empresário ou pessoa jurídica, pelo valor que consta deseus registros contábeis. A matéria envolve questões diversas, sob a perspectiva doDireito Empresarial, e outras tantas, sob a perspectiva do Direito Tributário. Com efeito,sob a perspectiva do Direito Empresarial, há uma preo cupação do legislador com aproteção dos interesses e direitos de terceiros. Nas sociedades em que há sócios comresponsabilidade subsidiária pelas obrigações sociais (sociedade simples comum,sociedade em nome coletivo e sociedade em comandita simples), o legislador silenciou arespeito do tema. O mesmo não ocorre com as sociedades em que há limite deresponsabilidade. Assim, para a sociedade limitada, prevêse que todos os sócios sãoresponsáveis pela integralização do capital social (artigo 1.052 do Código Civil), sendoque, pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamentetodos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade (artigo 1.055,parágrafo único). Já para as sociedades por ações, o artigo 8o da Lei 6.404/76 disciplina aavaliação cuja transferência seja oferecida para a integralização do capital social dacompanhia.

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Portanto, a regra elementar é que o capital social não pode ser integralizado pormeio da transferência de bens cujo valor de mercado (valor venal) seja inferior ao valordas quotas ou ações a serem integralizadas. Isso atende ao princípio da realidade docapital social, também chamado de princípio da subscrição integral: o capital social nãopode ser uma ficção, uma afirmação retórica; deve ser real e, portanto, precisa ter sidoefetivamente investido na sociedade. Mas se a transferên cia não pode ser feita por valorinferior àquele que se pode, de fato, obter com a venda do bem, nada impede que aintegralização se faça por valor inferior àquele, o que simplesmente formará uma reservaoculta de capital, em nada proibida e, até, estimulada por uma interpretação exacerbadado princípio da segurança, que deve orientar a escrituração contábil.7 Dessa maneira, épossível a transferência do bem por valor inferior àquele que lhe dá o mercado (o valorpelo qual poderia ser alienado), optando o(s) subscritor(es) por lhe atribuir, para fins deintegra lização, o mesmo valor com que está relacionado em sua declaração de bens. Aopção tem uma justificativa simples: a transferência do bem por valor superior àqueleque consta de sua declaração de bens é tributável.

Nesse sentido, o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial1.016.766/PR pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:

“(1) Hipótese em que a incorporação do imóvel ao capital societário se deu porvalor maior do que o de aquisição do imóvel. (2) Aplicação da jurisprudência doSuperior Tribunal de Justiça no sentido de que é legítima a incidência de Impostode Renda sobre ganhos de capital decorrentes da diferença entre o valor deaquisição e o de incorporação de imóveis de pessoa física, para integralização decapital de pessoa jurídica da qual é sócio.” Da mesma turma, citese ainda oRecurso Especial 867.276/RS: “É legítima a incidência de imposto de renda sobreganhos de capital decorrente da diferença entre o valor de aquisição atualizado ede incorporação de imó veis de pessoa física para integralização de capital de

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pessoa jurídica da qual é sócio.” A jurisprudência da Primeira Turma não é distinta.Julgando o Recurso Especial 660.692/SC, decidiuse que “caracteriza acréscimopatrimonial, passível de incidência do imposto de renda, o ganho de capitalreferente à diferença entre o valor atualizado da aquisição de imóvel de pessoafísica e a sua incorporação para a integralização de capital de pessoa jurídica”.Somese o julgamento do Recurso Especial 789.004/RS: “Está sujeito à tributaçãodo imposto de renda o resultado obtido pelo sócio com a transferência de imóveldo seu patrimônio para integralizar participação no capital social de pessoajurídica.”

Por fim, destaquese que as regras aqui estudadas sobre a incorporação de bens paraa integralização do capital aplicamse, inteiramente, à hipótese de sociedade jáconstituída, quando há deliberação de aumentar o seu capital social.

Eireli holding

Uma empresa individual de responsabilidade limitada – eireli – pode ser umaholding? Acredito que sim, embora tal afirmativa, por si só, não dê uma exata dimensãoao problema envolvido na questão. Será preciso explorar com mais pro fundidade oselementos que estão implicados nessa questão jurídica.

De abertura, insistimos na posição que assumimos: a empresa individual deresponsabilidade limitada nada mais é do que uma sociedade unipessoal. Embora a Lei12.441/11 seja confusa em seu conteúdo, diversos de seus termos apontam para essasolução, a principiar pela referência a capital social (artigo 908A, caput, do Código Civil),que é próprio das sociedades, e não a capital registrado, que é expres são mais ampla e,assim, adequada para uma pessoa jurídica sui generis, como querem alguns. Não é só; o§ 3o do mesmo artigo também aponta nessa direção, quando reconhece que a eireli poderesultar da concentração de quotas de uma sociedade limitada nas mãos de um únicosócio. Por fim, o § 6o, segundo o qual se aplicam à empresa individual deresponsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedadeslimitadas.

Essa sociedade unipessoal pode ter qualquer objeto lícito, sendo que, pararemarcálo, o § 5o do mesmo artigo 980A do Código Civil aceita, inclusive, que seu objetoseja a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decor rente da cessãode direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que sejadetentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profis sional. Noutras

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palavras, a amplitude do objeto é tal que se aceita como atividade negocial mesmo aexploração de direitos personalíssimos, ou seja, de atributos essenciais da personalidade,sempre que a sua exploração econômica seja lícita, ou seja, sempre que não conflite comas normas que protegem o direito da per sonalidade e, assim, vedam a sua disposição, oque nos conduz para a figura dos direitos indisponíveis.

Se pode tanto, pode menos: titularizar patrimônio tangível, composto por bensmateriais (coisas, ou seja, res, fundus) e/ou patrimônio intangível, composto por bensimateriais, vale dizer, faculdades ( ius) com expressividade econômica e passíveis de livredisposição, a exemplo de marcas, patentes, registros de direi tos industriais, titularidadede programas de computador, direitos autorais (fora o direito à autoria em si, que épersonalíssimo e, entendo, indisponível), crédito (incluindo aqueles materializados emtítulos, como debêntures, cédulas, notas, letras etc.) e, por fim, participações societárias.

Portanto, a empresa individual de responsabilidade limitada – eireli pode ser titularde participações societárias, sejam quotas, sejam ações. Também não há qualquerrestrição lógica ou legal que limite essa participação. Dessa maneira, refe renciandosepelo artigo 1.097 do Código Civil, pode haver simples participação, pode haverparticipação relevante (ou filiação), assim como pode haver controle societário. Friso:uma eireli pode deter o controle societário de uma sociedade simples, de uma sociedadeem comandita simples (na condição de comanditá ria, obviamente) ou de uma sociedadelimitada (sendo indiferente, em ambos os casos, a natureza jurídica societária, simplesou empresária), além de sociedade anônima ou sociedade em comandita por ações(obviamente, não na condição de diretor ou gerente, que é própria de pessoas naturais).

Mais do que isso, acreditamos não haver qualquer restrição lógica, nem há qualquerrestrição legal, para que o objeto social da empresa individual de respon sabilidadelimitada seja exclusivamente esse: titularizar o capital social de outra ou de outrassociedades, isto é, para que funcione como sociedade de participa ção ou, como de usocorrente, uma holding. É lícito constituir uma holding eireli, mesmo que haja participaçãonuma só sociedade. Visto por outro ângulo – para ser exaustivo – é possível que ocontrolador de uma sociedade seja uma eireli que tenha sido constituída exclusivamentepara titularizar as quotas ou ações daquela sociedade, e de nenhuma outra mais.

No entanto, a análise da questão ainda exige atenção para aspectos laterais,relativos ao comportamento das pessoas envolvidas, naturais ou jurídicas. De abertura, éindispensável que o exercício dessas faculdades societárias seja lícito. Vale dizer, o atoilícito, praticado por qualquer pessoa – inclusive o titular de uma eireli – implica o deverde indenizar os prejuízos que tenham sido experimentados pela(s) vítima(s), resultem dedolo, de culpa ou de abuso de direito (artigos 186 a 188 e 927 a 954 do Código Civil, comreflexos nos seus artigos 1.016 e 1.080). Consequentemente, se houver a prática de ato

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ilícito, comissivo ou omissivo, com dolo, culpa ou abuso de direito, o sócio unipessoal daempresa individual de res ponsabilidade limitada responderá pelos danos advindos,devendo indenizálos (artigo 927).

Não é só. Também se aplica o artigo 50 do Código Civil, ou seja, pode haverdesconsideração da personalidade jurídica, se há “abuso da personalidade jurí dica,caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”. Se presente talsituação, “pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Minis tério Público quandolhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações deobrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios dapessoa jurídica”.

Diriam alguns que tal entendimento esvazia a eireli. Não acreditamos. O Direitoestaria esvaziado de suas funções principais se qualquer instituto pudesse ser utilizadocomo instrumento para a prática de atos ilícitos ou abusivos. Mutatis mutandis, se nãohouver a prática de atos dolosos, culposos, abusivos – incluindo fraudes –, a proteçãolegal deverá ser integral, incluindo o limite entre o patrimônio pessoal do único sócio e opatrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada – eireli, a impedir que asobrigações desta, ainda que não adimplidas, sejam satisfeitas com o patrimônio pessoalde seu sócio solitário.

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 11 (Sociedade em nome coletivo).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 12 (Sociedade em comandita simples).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulos 13 e 14.

Para o exame detalhado das sociedades por ações: MAMEDE, Gladston. Direito empresarial bra sileiro: direito societário:sociedades simples e empresárias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 2, Parte especial II (Sociedades institucionais).

Sobre esses princípios, conferir: MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed.São Paulo: Atlas, 2010. v. 1, capítulo 5, seção 1.3.2 (Princípios jurídicos que orientam o capital social).

Sobre a obrigação de integralizar o capital subscrito, nas parcelas que foram estipuladas, con ferir MAMEDE, Gladston.Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 2,capítulo 3, seções 3.3 a 3.5. Para as sociedades limitadas: capítulo 13, seção 5 (Sócio remisso). Para as sociedades porações: capítulo 18, seção 5 (Integralização das ações).

Sobre o princípio da segurança: MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed.São Paulo: Atlas, 2010. v. 1, capítulo 8 (Escrituração empresarial), seção 2 (Princípios aplicáveis à escrituração).

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Direitos sobre quotas e ações

Quotas e ações

O capital de uma sociedade é dividido em partes ideais, em parcelas. Esses pedaçossão chamados de quotas, nas sociedades contratuais, e de ações, nas socie dadesinstitucionais (estatutárias). Essas quotas e ações são títulos societários que podem sercompreendidos por dois ângulos diversos: patrimonial e societário. Tomados por seuaspecto patrimonial, os títulos societários, em sua condição de partes do capital social,dão o direito a uma parcela do acervo patrimonial da socie dade, se dissolvida. É um bemjurídico com expressividade econômica, portanto. Do outro ponto de vista, quota e açãosão títulos de participação social, ou seja, atribuem direitos e deveres sociais, emconformidade com o que esteja disposto no ato constitutivo, nos limites licenciados pelalegislação.

Dimensão patrimonial e social

Portanto, tomadas sob o ângulo patrimonial, as quotas e as ações de qualquersociedade, inclusive de uma holding, constituem bens jurídicos sobre os quais podem serestabelecidas relações acessórias, a exemplo do usufruto, do qual já se falou, penhor,

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penhora, aluguel etc. O tema é relevante em qualquer sociedade, simples ou empresária,contratual ou estatutária. Contudo, nas sociedades patrimoniais, incluindo as sociedadesde participação (holdings puras), o tema ganha uma impor tância maior. Por um lado, apossibilidade de estabelecer relações laterais define instrumentos preciosos para oplanejamento sucessório, a exemplo do usufruto, sobre o qual se falou anteriormente e,agora, se estudará em detalhes. No entanto, como uma faca de dois gumes, essapossibilidade também pode constituir risco para a coletividade social e, destarte, para aestrutura de constituição de um ente para conservar o patrimônio e a participação emoutras sociedades.

A lei não criou qualquer limite para o capital e para a participação societária, sejaem quotas ou ações, no âmbito das sociedades estudadas. Essas limitações estãorestritas às sociedades cooperativas.1 Não há capital social mínimo, nem capital socialmáximo, embora haja tratamento específico para as micro e pequenas empresas, assimcomo para as sociedades de grande porte.2 O capital pode estar dividido em qualquernúmero de quotas ou ações, desde que igual ou superior a duas. Quotas e ações podemter qualquer valor monetário (sendo obrigatoriamente expresso em moeda nacionalcorrente) e o número de sócios conhece apenas um mínimo, dois, sem que haja ummáximo; contudo, há situações excepcionais em que se aceita que a sociedade tenha umsócio apenas (unipessoalidade), matéria que foge do objetivo deste estudo. Por fim, nãohá valor mínimo (absoluto ou percentual) para a participação de cada sócio no capitalsocial, embora a concen tração de grande montante no patrimônio de um grande sóciopode reforçar, dependendo do caso, o argumento de confusão patrimonial, a justificar adescon sideração da personalidade jurídica.

Indivisibilidade, grupamento e desdobramento

Quotas e ações são definidas com liberdade pelo ato constitutivo da sociedade(contrato social ou estatuto social), em seu número e seu valor. Essa divisão implica, poróbvio, chegarse a um resultado matemático: estabelecendo o ato constitutivo que ocapital social é de R$ 500.000,00 e que são 500.000 quotas ou ações, cada títulosocietário terá o valor de R$ 1,00. Isso é indiferente entre socie dades contratuais eestatutárias. Contudo, nas sociedades contratuais, admitese que as quotas tenhamvalores distintos, atribuindose uma quota a cada sócio. Nas sociedades estatutárias, asações terão o mesmo valor, mas podem ser divi didas em espécies diversas (ordináriasou preferenciais), às quais correspondem direitos diversos.3 Há uma outra diferençafundamental: o estatuto social de uma sociedade anônima precisa apenas definir o valor

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global do capital social e o nú mero de ações; não é obrigatório que o valor nominal dasações esteja expresso no estatuto social. É uma faculdade, segundo o artigo 11 da Lei6.404/76. Por seu turno, o contrato social deve trazer expresso não só o valor total docapital social e o número de quotas, mas o valor das quotas e os respectivos titulares:

Modelo de cláusula contratual

Cláusula Quinta – O capital social é de R$ 100.000,00 (cem mil reais),divididos em 1.000 (um mil) quotas no valor unitário de R$ 100,00 (cem reais)cada. A participação de cada sócio no capital social será a seguinte:

a) Flávio Valério Cláudio Constantino ............ 300 quotasb) Marco Aurélio Valério Maxentio ................ 400 quotasc) Caio Aurélio Diocleciano ............................ 300 quotas

Por meio de alteração do contrato social ou do estatuto social, essa divisão docapital (assim como o próprio capital social) pode ser modificada: número e/ ou seu valorde quotas ou de ações. Portanto, há eventos societários que podem determinar uma talalteração. Antes de mais nada, tal alteração é possível, ou melhor, é necessária quandohaja modificação do valor do capital social: o aumento do capital social implica aumentono número de quotas ou de ações ou, alterna tivamente, aumento no seu valor nominal;a redução do capital social, mutatis mutandis, implicará redução no número de ações ouredução em seu valor nominal. Em segundo lugar, pode haver grupamento de quotas ouações, isto é, o contrato social ou o estatuto social podem ser alterados para prever queduas ou mais quotas ou ações serão agrupadas em uma só, para além de outrasequações. Obviamente, isso implica elevação do valor do título societário, excetuada ahipótese de a ope ração terse realizado com a concomitante redução do capital.

Também pode haver desdobramento de quotas ou ações, ou seja, o contrato socialou o estatuto social poderão ser alterados para prever o fracionamento dos títulos jáexistentes; por exemplo, prevendo que cada quota ou ação se tornará duas (com metadedo valor) ou 10 (cada qual com um décimo do valor). Obvia mente, pode haverconcomitante aumento de capital social e desdobramento das quotas ou ações, o quepode conduzir a uma situação na qual, apesar de uma quota ou ação ter se tornado duas,o seu valor tenha se conservado. Assim, 1.000 quotas ou ações no valor de R$ 100,00podem se tornar 100 quotas ou ações no valor de R$ 1.000,00 (grupamento), assim comopodem se tornar 10.000 quotas ou ações no valor de R$ 10,00 (desdobramento), entretantas outras alternativas.

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Grupamento e desdobramento

No que diz respeito às sociedades por ações, ainda há uma última hipótese: ocancelamento de ações, a implicar haver menos ações para o mesmo capital social:diminuição no número de ações e aumento proporcional de seu valor (nominal ou não,conforme a já citada licença do artigo 11 da Lei 6.404/76). O cancelamento encontraprevisão e tratamento nos artigos 12 e 30, § 1o, b, da Lei 6.404/76, podendo resultartanto da compra de seus próprios títulos, quanto de operações de resgate.4

Quotas e ações somente comportam divisão (ou grupamento) se assim deli beraremos sócios em reunião ou assembleia, atendidos o respectivo quórum de deliberação:unanimidade, na sociedade simples em comum, na sociedade em nome coletivo e nasociedade em comandita simples, como se afere do artigo 997, III e IV, cominado com oartigo 999, primeira parte, ambos do Código Civil, se outra não for a previsão do contratosocial. Nas sociedades limitadas, simples ou empresárias, esse quórum de deliberação éde 75%, como se apura da combinação dos artigos 1.071, V, e 1.076, I, também doCódigo Civil, se o contrato social não dispuser diferente, erigindo percentual maior(inclusive a unanimidade) ou menor. Já nas sociedades anônimas, maioria absoluta dosvotos (artigo 129 da Lei 6.404/76), se maior quórum não for exigido pelo estatuto social,sendo que a assembleia geral somente se instalará em primeira convocação com apresença de acionistas que representem 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital comdireito a voto, mas poderá instalarse em segunda com qualquer número (artigo 135);mas exigese que a convocação dessa assembleia façase mediante anúncio publicado por3 (três) vezes, no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembleia, a ordemdo dia, e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria.

Quotas e ações são indivisíveis, salvo alteração do contrato ou estatuto social.Não se pode ceder fração de quota ou ação, mas é possível constituircondomínio sobre quota ou ação.

Afora a alteração do contrato social ou do estatuto social, nos termos acima vistos,

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quotas e ações são indivisíveis. Portanto, não é lícito pretender transferir frações dequota ou de ação (meia quota ou 0,46 de ação, como exemplos). Com preendese, assim,o artigo 1.056 do Código Civil, que fala ser a quota indivisível em relação à sociedade,retirando, por tal forma, a validade de qualquer ajuste estranho ao contrato social pormeio do qual um, alguns ou mesmo todos os sócios estabeleçam uma divisão de quotasocial. Nem mesmo a sociedade pode fazêlo, razão pela qual, no grupamento de ações,assim como emissão de novas ações por capitalização de lucros ou reservas, chegandosea frações de ação, há proce dimento específico para resolver a indevida divisão dodireito.

Condomínio

A regra de indivisibilidade de quotas e ações em relação à sociedade, salvo se feitapor meio de reforma do ato constitutivo, não impede o estabelecimento de condomíniode quota (artigo 1.056, §§ 1o e 2o, do Código Civil) e de ação (artigo 28 da Lei 6.404/76).A constituição desse condomínio poderá darse por ato havido entre vivos (ato inter vivos)ou por ter a ocorrência da morte como sua causa (ato causa mortis).

O ato entre vivos pode realizarse por documento público ou privado, já que não hádeterminação de forma obrigatória; mas será preciso atender às regras societárias: emprimeiro lugar, aprovação pelos demais sócios, quando se tratar de sociedade intuitupersonae; unanimidade na sociedade simples em comum, na sociedade em nomecoletivo e na sociedade em comandita simples (artigos 997, I, 999 e 1.003 do CódigoCivil); e, na sociedade limitada, não ter a oposição de mais de 25% do capital social(artigo 1.057 do Código Civil); nas sociedades intuitu pecuniae, contratuais (por força deprevisão contratual) ou legais (sociedades por ações), essa aprovação não seránecessária. A simples apresentação do documento por meio do qual o condomínio foiconstituído deve bastar para que a alteração seja feita. Isso é simples, nas sociedadespor ações, já que implica mera anotação no Livro de Registro de Ações Nominativas. Nasociedade por quotas, contudo, será preciso alterar o contrato social, fazendo deleconstar a existência de condo mínio sobre a quota (ou quotas). Se os demais sóciosresistirem, os condôminos poderão recorrer ao Judiciário para o exercício de seu direito.

A constituição causa mortis do condomínio pode resultar, antes de mais nada, daprópria morte do sócio, aplicado o artigo 1.784 do Código Civil. Afinal, o espólio acabapor constituir um condomínio sobre o patrimônio que era do falecido, perdu rando atéque se resolva a sucessão, partilhandose os bens entre eventuais meeiros e herdeiros,legítimos e/ou testamentários. Portanto, temse, nessa situação, um condomínio

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provisório (artigo 1.056, § 1o, do Código Civil), resultado de previ são legal e nãopodendo ser recusado pelos demais sócios, mesmo nas sociedades contratuais intuitupersonae. Nestas, a recusa se fará ao longo do procedimento de inventário ouarrolamento, conduzindo à liquidação da quota ou quotas do de cujus. Nas sociedadesintuitu pecuniae ou quando houver aceitação de sucessão nas sociedades intuitupersonae, ao final do inventário ou arrolamento, judicial ou extrajudicial, duas situaçõesserão possíveis: a meeira e/ou um ou mais herdeiros assumem a titularidade das quotasou ações, com as alterações registrais corres pondentes, ou se aceita, mesmo, amanutenção do condomínio sobre a participação societária. Também é possível que aformação do condomínio resulte de disposição de última vontade, tendo o testadorprevisto uma destinação não fracionária de sua participação, mas em totalidade, sendosobre ela constituído um condomínio.

Embora o condomínio conduza a uma situação de múltiplos titulares da par ticipaçãosocietária (quota(s) ou ação(ões), indiferentemente), não se atribui a todos oscondôminos uma faculdade societária individual, permitindolhes par ticipar da vida socialisoladamente. Pelo contrário, as faculdades sociais corres pondentes às quotas ou açõesserão exercidas obrigatoriamente por meio de um representante que deverá ser indicadopelos condôminos, sendo o inventariante, em se tratando do espólio.

Cuidase de hipótese rara, mas juridicamente possível.

Usufruto

É possível constituir usufruto sobre quotas ou ações. O artigo 1.390 do Código Civilprevê que o usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em umpatrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendolhe, no todo ou em parte, os frutos eutilidades. Quando o instituto é aplicado em quotas ou em ações, temse um nutitular, ouseja, alguém que é titular dos títulos societários, mas apenas de seu direito patrimonial;em oposição, haverá um usufrutuário, a quem corresponderá o direito de exercer asfaculdades sociais das quotas. O usufrutuário ou usufruidor conserva a posse das quotasou ações, usandoas na coletividade social, inclusive para exercício de voto e para orecebimento dos frutos, ou seja, dos dividendos.

Usufruto da participação societária

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A constituição do usufruto regese pelas regras gerais da cessão de partici paçãosocietária, razão pela qual submetese mesmo às limitações aplicáveis às sociedadesintuitu personae ou, nas sociedades limitadas, à regra do artigo 1.057 do Código Civil,nas quais se submete à possibilidade de oposição de titulares de mais de um quarto docapital social, na omissão do contrato. Nas sociedades intuitu pecuniae, tratase demedida livre. Por isso, a sociedade deverá acatála, reconhe cendo a existência de umacionista cuja titularidade está despida dos direitos que lhe decorreriam e de umusufruidor das ações, que legitimamente titularizará as faculdades decorrentes da açãoque usufrui.

O usufruto será constituído por meio de instrumento público ou privado, certo nãohaver forma prescrita ou defesa em lei. Nas sociedades por ações o usufruto, deverá seraverbado no livro de registro de ações nominativas, caso não seja escri tural, hipótese naqual a averbação será feita nos livros da instituição financeira depositária, que o anotaráno extrato da conta de depósito fornecida ao acionista. Nas sociedades contratuais, nãonos parece que a constituição do usufruto exija alteração contratual, já que não interferena composição societária. Ainda assim, é fato relevante para a vida societária, razão pelaqual deve ser devidamente cienti ficada aos demais sócios, bem como averbada noRegistro Mercantil da sociedade, neste aspecto aplicandose, em interpretação analógica,o artigo 1.057, parágrafo único, combinado com o artigo 1.391, ambos do Código Civil.No entanto, quando o usufruto seja constituído por meio de doação (cessão gratuita dasquotas ou ações), será indispensável a alteração do contrato social, fazendo constarcomo sócio(s) o(s) donatário(s). No entanto, é preciso atenção para eventual existênciade previsão de direito de preferência para a transferência dos títulos societários, o quecertamente afetará a possibilidade de cessão das quotas ou ações para a cons tituição deusufruto, embora devendo haver particular atenção para as hipóteses relativas a cônjuge,companheiro ou descendentes.

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O usufruto de quotas ou de ações regese, também, pelas regras ordinárias doinstituto: os artigos 1.390 a 1.411 do Código Civil.

O usufruto se regerá pelas regras dos artigos 1.390 e seguintes do Código Civil,podendo experimentar limitações lícitas dispostas no seu ato de constitui ção. Portanto, ousufrutuário terá direito ao exercício das faculdades sociais, a incluir a percepção dosfrutos civis das quotas ou ações (distribuições de lucro). O usufruto, por força do artigo1.392 do Código Civil, estendese aos acessórios do bem e seus acrescidos; essa regra,todavia, tem apenas parcial aplicação no Direito Societário. Alcança, por certo, adistribuição de dividendos: o usufrutuário tem o direito de os perceber (artigo 1.394 doCódigo Civil), desde que não se trate de dividendos decorrentes de lucros já verificados,incluídos os que tenham sido contabilizados sob a rubrica de reservas de lucros a realizar;afinal, segundo o artigo 1.398 do Código Civil, os frutos civis, vencidos na data inicial dousufruto, pertencem ao proprietário, e ao usufrutuário os vencidos na data em que cessao usufruto. Excetuase dessa regra, por óbvio, a hipótese de usufruto decorrente dedoação de quotas ou ações, quando o usufruidor fará jus aos dividendos pen dentes, naqualidade de extitular (e donatário), bem como aos que venham a ser distribuídos nofuturo, na nova qualidade: a de usufruidor.

O artigo 1.392 também se aplica à hipótese de aumento de capital por incorpo raçãode lucros ou reservas, ex vi do artigo 169 da Lei 6.404/76, com distribuição de novasações, incorporandose essas àquel’outras, dadas em usufruto; a regra deve ser aplicada,por analogia, às quotas das sociedades contratuais. No entanto, havendo aumento decapital por subscrição de novas quotas ou ações, como pre visto no artigo 170 da Lei6.404/76, o direito de preferência assegurado pelo seu artigo 171 tem disciplina própria,anotada no § 5o deste dispositivo: é atribuído em primeiro lugar ao acionista comtitularidade nua das ações e, somente nos dez últimos dias do prazo para exercício dapreferência, ao usufrutuário, diante da inércia daquele. Se o sócio nuproprietário nãoexerce o direito de preferência e o usufruidor o faz, as quotas e ações subscritaspertencerão a este, o usufrutuário, por igual razão. Nesta hipótese, o sócio usufrutuário,nutitular das quotas ou ações, não está obrigado a entregar tais títulos ao usufrutuáriodos outros títulos sociais, já que a regra geral do artigo 1.392 do Código Civil, prevendoque o usufruto estendese aos acessórios da coisa e seus acrescidos, comporta exceção,segundo texto expresso do artigo. Não está obrigado, insistimos, mas poderá fazêlo, semque isso caracterize constituição de novo usufruto.

Por fim, aplicado o artigo 1.410 do Código Civil, o usufruto de quota extingue se: (1)pela renúncia ou morte do usufrutuário; (2) pelo termo de sua duração; (3) pela extinção

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da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelodecurso de trinta anos da data em que se começou a exercer; (4) pela cessação domotivo de que se origina; (5) pela liquidação da sociedade, incluindo a sua falência; (6)pela consolidação (aquisição das quotas ou ações pelo usufrutuário); (7) por culpa dousufrutuário, quando não exerce os direitos sociais relativos às quotas ou ações.

Penhor

Os artigos 1.419 a 1.460 do Código Civil produziram grande variação em relação aoque se encontrava disposto nos artigos 755 e seguintes do Código Civil. Para principiar,utilizouse o termo bem (artigo 1.419), em lugar de coisa, ao se referir ao objeto dagarantia pignoratícia (penhor); nessa linha, o artigo 1.451 prevê a possibilidade de seremempenhados direitos, suscetíveis de cessão, sobre coisas móveis.5 Portanto, quota ou asquotas de sociedade podem ser dadas em penhor, podem ser empenhadas, servindocomo garantia de obrigação assumida por seu titular ou, mesmo, por outrem, certo serlícito o oferecimento do penhor a favor de obrigação alheia. Coerentemente, o artigo 39da Lei 6.404/76 prevê que as ações podem ser dadas em penhor, constituindo, portanto,uma relação de garantia real ou, em plano maior, de um direito real sobre coisa alheia.

É possível oferecer quotas e ações como garantia (penhor) de uma dívidaprópria ou de terceiros. Contudo, se a dívida não for paga, o credor poderá pedirque os títulos societários sejam excutidos: penhorados e alienados para opagamento da dívida.

No penhor, temse uma dívida garantida por um bem móvel, com eficácia ergaomnes, nos mesmos moldes do direito de propriedade. Assim, se quotas ou ações foremempenhadas, será constituído um vínculo real entre a relação obrigacional garantida e atitularidade da ação empenhada. Se a obrigação não é adimplida, a tempo e modo, ocredor pignoratício tem o direito de excutir os títulos sociais empenhados (artigo 1.422 doCódigo Civil). Excutir é converter o penhor em penhora, o que se faz em execução dotítulo extrajudicial ou judicial. Não é lícito, contudo, estabelecer pacto comissório, ouseja, estabelecer que o credor pignora tício ficará com o bem se a dívida não for paga novencimento; uma tal cláusula é nula (artigo 1.428 do Código Civil). Isso, contudo, nãoinvalida a dação em pagamento, se feita após o vencimento da obrigação, nem mesmoafasta a possi bilidade de adjudicação dos bens, pelo credor, em juízo.6

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A constituição de penhor sobre títulos societários fazse pelo registro corres pondente(artigo 1.452 do Código Civil) que, no caso, será dúplice: num primeiro plano, Cartório deRegistro de Títulos e Documentos (artigo 127 da Lei 6.015/73). Contudo, esse registronão será suficiente, certo que a publicidade dos atos societários se faz por meioespecífico para que, assim, tenha eficácia sobre terceiros. Assim, nas sociedadescontratuais, é indispensável haver a averbação da constitui ção do penhor sobre o direitono registro específico correspondente: Registro Civil das Pessoas Jurídicas, se sociedadesimples, ou no Registro Mercantil, a cargo das Juntas Comerciais, se sociedadeempresária. A mesma regra não alcança as socie dades por ações; segundo o artigo 39da Lei 6.404/76, será feita averbação do instrumento de contrato de penhor no livro deregistro de ações nominativas; em se tratando de ação escritural, o penhor se constituipela averbação do respectivo instrumento nos livros da instituição financeira, a qual seráanotada no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista. Em ambos os casos, acompanhia ou a ins tituição financeira tem o direito de exigir um exemplar doinstrumento de penhor.

Sobre o penhor de ações, há um destaque de fundamental importância. Em setratando de obrigação (dívida) da qual seja credora a própria companhia, aplica se aregra que lhe impede negociar com as próprias ações, anotada no artigo 30, caput, da Lei6.404/76. O § 3o deste mesmo artigo traz vedação expressa nesse sentido: a companhianão poderá receber em garantia as próprias ações. Essa regra só é excepcionada,segundo o mesmo § 3o e o artigo 148, ainda da Lei de Sociedades Anônimas, na hipótesede penhor de ações para assegurar a gestão dos seus administradores; em fato, o artigo148 permite que o estatuto da companhia estabeleça que o exercício do cargo deadministrador deva ser assegurado, pelo titular ou por terceiro, mediante penhor deações da companhia ou outra garantia.

Penhor

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A constituição de penhor, por um dos sócios, sobre suas quotas ou ações na holdingconstitui, sim, um desafio para o planejamento familiar. De abertura, pelo risco de que ostítulos societários sejam excutidos. Como se só não bastasse, o artigo 1.454 do CódigoCivil constitui um problema extra, na medida em que outorga ao credor pignoratício nãoapenas a faculdade, mas igualmente a obriga ção de praticar os atos que sejamnecessários à conservação do direito empenhado. A norma constitui uma licença para apretensão de praticar atos de ingerência na sociedade, sob o pretexto de que se estápraticando atos de conservação e defesa. Ademais, a alegação de que fatos societáriosdiversos implicaram a deterioração ou depreciação da garantia, em níveis que excedam onormal da vida societária, permitirá o pedido de vencimento antecipado da dívida,aplicado o artigo 1.425, I, do Código Civil.

Obviamente, o Judiciário deve ser cauteloso no acolhimento de tais pretensões; isso,contudo, não quer dizer que as pretensões não serão analisadas, ou seja, que odispositivo acaba por permitir uma judicialização da administração societária da holding.Para evitar tais riscos, fazse necessário criar, no âmbito do contrato social, cláusulas quelimitem o impacto de uma eventual constituição de garantia real sobre a participaçãosocietária de qualquer dos sócios. Essas regras devem guardar sintonia com as balizasque orientam a cessão dos títulos societários, ma téria que será examinada agora.7

Cessão

Quotas e ações são direitos pessoais com expressividade patrimonial eco nômica e,assim, comportam cessão por ato entre vivos (inter vivos) ou cau sado pela morte (causamortis). Obviamente, para que isso ocorra, é preciso que sejam respeitados não apenasos requisitos legais, mas também as regras dispostas no contrato social ou no estatutosocial, desde que lícitas. Essa pos sibilidade de estabelecer regras para regrar atransferência de quotas assume uma importância vital no âmbito das holdings familiares,na medida em que constitui mecanismo para preservação da unidade societária. Masessas regras não podem constituir um abuso de direito, ou seja, não podem excedermani festamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boafé oupelos bons costumes, sob pena de caracterizarem um ato ilícito (artigo 187 do CódigoCivil) e, assim, não serem válidas. Esse abuso decorre essencial mente do esvaziamentodas faculdades patrimoniais inerentes aos títulos. É o que aconteceria, por exemplo, seas previsões no ato constitutivo conduzissem a uma situação na qual o sócio se visseimpossibilitado de fruir a vantagem econômica de sua participação societária, tendo quesimplesmente suportar a condição de sócio.

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Nas sociedades simples em comum, em nome coletivo e em comandita simples, aregra é que a cessão das quotas demande a aprovação de todos os demais sócios(artigos 997, 999 e 1.003 do Código Civil). Essa previsão habitualmente é amainada noscontratos sociais por meio de cláusula que assegura a sucessão hereditária legítima,independentemente da aprovação dos demais sócios ou condicionada à simplesaprovação pela maioria dos sócios remanescentes. Outra cláusula comum é a permissão,nesses tipos societários, da livre circulação das quotas entre os próprios sócios, criandopor meio do contrato social uma regra semelhante àquela que o próprio Código Civilprevê para as sociedades limitadas. De qualquer sorte, essas limitações ao direito decessão dos títulos são contraba lanceadas pela previsão legal de um direito de recesso,inscrito no artigo 1.029 do Código Civil. Nessa senda, o sócio pode retirarse da sociedadecontratada por prazo indeterminado, sem precisar motivar sua iniciativa, vendo liquidadaas suas quotas; basta notificar os demais sócios com antecedência mínima de 60 dias. Omesmo direito de recesso é garantido quando haja sociedade contratada por prazo outermo certo, ainda não transcorrido. No entanto, o exercício desse direito de retirarsefazse judicialmente, provando a justa causa para o recesso, segundo a letra do mesmoartigo 1.029.

Nas sociedades contratuais (sociedade simples em comum, sociedade em nomecoletivo, sociedade em comandita simples e sociedade limitada), a cessão dequotas, de um sócio para outro ou para um terceiro, estranho à sociedade, exigea alteração do contrato social, devidamente arquivada no Registro Público,fazendo constar a nova composição societária.

A sociedade limitada tem suas regras próprias. Assim, a transferência entre vivos éregrada pelo artigo 1.057 do Código Civil, segundo o qual a transferência independe deaudiência dos demais sócios. Já a cessão a terceiro, estranho ao corpo social, podemerecer a oposição de sócios que representem mais de 25% do capital social; se issoocorrer, a cessão não poderá se concluir. Portanto, a opção do Código Civil foi tornar asociedade limitada intuitu personae, embora não de forma absoluta: não é necessária aaprovação de todos os demais sócios, mas é possível a oposição por aquele(s) quedetenha(m) mais de 25% do capital social. Essas disposições legais aplicamse aoscontratos que sejam silentes sobre o tema. É lícito prever a necessidade de aprovaçãounânime, criando uma socie dade inteiramente intuitu personae, assim como se podeprever não ser necessá ria a aprovação, criando uma sociedade intuitu pecuniae.Também é possível criar parâmetros próprios, como a previsão de um percentual diverso

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(60%, um terço ou outro qualquer), necessidade de aprovação pela maioria dos demaissócios, independentemente de sua participação no capital social etc. Outra figura de estipulação comum é a previsão do direito de preferência, nas mesmas condições, emrelação a terceiros. A solução mais comum é prever a regular cessão causa mortis, ouseja, que diante da morte do sócio suas quotas serão transferidas à meeira e/ ou aoherdeiro ou herdeiros, independentemente da anuência dos demais sócios, ao passo que,em relação a terceiros, prevejamse limitações. De qualquer sorte, tais previsões criamuma limitação legítima para o direito de livre disposição dos títulos societários. Nestesentido, leiase adiante o caso para ilustração [Plastseven Indústria e Comércio Ltda.].

Já as sociedades por ações estão submetidas a uma ampla negociabilidade, já quesão, por definição, sociedades constituídas intuitu pecuniae. Essa ampla possibilidade denegociação das ações é facilitada pelo fato de que a transferência não implica prática deatos no Registro Público: a transferência das ações opera se por termo lavrado no livro detransferência de ações nominativas, datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário,ou seus legítimos representantes; se a transferência deuse em bolsa de valores, ocessionário será representado, independentemente de instrumento de procuração, pelasociedade corretora, ou pela caixa de liquidação da bolsa de valores. Seguese aaverbação no livro de registro de ações nominativas. Se a transferência resulta detransmissão por sucessão universal ou legado, de arrematação, adjudicação ou outro atojudi cial, ou por qualquer outro título, somente se fará mediante averbação no livro deregistro de ações nominativas, à vista de documento hábil, que ficará em po der dacompanhia.

Para as holdings familiares, o artigo 36 da Lei 6.404/76 proporciona uma excelenteoportunidade jurídica, na medida em que admite ao estatuto da com panhia fechada aimposição de limites à circulação das ações. A norma, contudo, exige que essaslimitações sejam minuciosamente reguladas e que, ademais, não traduzam, direta ouindiretamente, uma proibição de negociação, o que implicaria retirar do título uma dasfaculdades próprias de seu caráter patrimonial econômico, além de sujeitar o acionista auma associação perene (vedada pelo artigo 5o, XX, da Constituição) ou determinar umasituação análoga à expropriação dos valores relativos à propriedade da ação (violando oartigo 5o, XXIII, da Constituição). O artigo 36 ainda veda que as limitações estatutárias àcirculação das ações assu mam contorno tal que acabem por sujeitar o acionista aoarbítrio dos órgãos de administração da companhia ou da maioria dos acionistas. Por fim,estabelece que a limitação à circulação, se prevista em alteração estatutária, somente seaplicará às ações cujos titulares com ela expressamente concordarem, o que seráaverbado no livro de registro de ações nominativas.

Nesse quadro, a situação mais comum é a previsão de um direito de preferência para

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os próprios acionistas, a quem as ações deverão ser oferecidas primeiro – em igualdadede condições (preço, prazo de pagamento etc.). De qualquer sorte, como em muitoscasos se verifica que a cessão das ações, apesar de possível, não é viável, em face dasparticularidades da própria sociedade, a jurisprudência evo luiu para aceitar a dissoluçãoparcial da companhia, apesar de não haver previsão legal nesse sentido, quando severifique que a companhia não está atendendo aos interesses legítimos do acionista e acessão das ações é, na prática, inviável, nomea damente por se tratar de sociedadefamiliar. Neste sentido, o Agravo Regimental no Recurso Especial 1.079.763/SP, julgadopela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça.

Caso para ilustração

Plastseven Indústria e Comércio Ltda.

Rodrigo Zanco Bueno, Marcos de Freitas Bueno e Márcia de Freitas Buenoingressaram com ação ordinária de anulação de cessão de quotas sociais,cumulada com pedido de exercício de preferência, contra Ticino ParticipaçõesLtda. e Riccardo Garofletti, argumentando que Riccardo cedera suas quotas àTicino sem autorização dos demais sócios, contrariando previsão inscrita nocontrato social. Efetuaram o depósito do valor do negócio e pediram para queas quotas lhes fossem transferidas no exercício do direito de preferência. Emsua defesa, os réus afirmaram que a alteração do quadro societário foi proposta pelo contador e auditor da própria empresa, sugerindo que cada sócioconstituísse uma empresa do tipo holding, objetivando benefícios fiscais.Assim, Riccardo Garofletti constituiu a sociedade Ticino Participações Ltda. comseus familiares, pretendendo integralizar ali o seu capital com as quotas sociaisda sociedade Plastseven Indústria e Comércio Ltda., sendo que os autorestinham ciência desse fato. Ademais, os réus alegaram que o contrato socialapenas veda a cessão onerosa das quotas sociais sem a anuência dos demaissócios. Assim, como não houve a necessária anuência, o contrato deve serconsiderado des feito, com o retorno das quotas ao cedente, recompondo acoletividade social. Esses argumentos, contudo, não foram acolhidos pelasentença, que julgou procedente o pedido: anulou a cessão de quotas e deferiuo exercício do direito de preferência, apesar da alegação do réu de que asquotas teriam valor muito superior àquele que constava da integralização docapital da holding.

Por meio da Apelação 366.547.4/000, a questão foi levada ao conhecimento da Sexta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Os desembargadores reconheceram, antes de mais nada, que não houve umacessão de quotas tipicamente considerada das quotas sociais, mas a formaçãode compropriedade, por meio da constituição de holding familiar. Ainda assim,essa transferência das quotas dependia do assentimento ou aquiescência formal e expresso dos demais sócios, por força da cláusula 20 do contrato social:“Cláusula 20 – As quotas de capital não poderão ser cedidas ou transferidas aterceiros sem o prévio assentimento dos demais sócios. A concordância destesserá dada preferentemente no próprio instrumento de alteração do contratosocial, valendo, contudo, para todos os efeitos e direitos a concordância manifestada em instrumento à parte.”

Assim, mesmo que os demais sócios tivessem conhecimento da intençãodo sócioréu de constituir uma holding para abrigar sua participação societária,a cessão de quotas para a sociedade de participação dependia do atendimentoao requisito formal inscrito no contrato social: o consentimento expresso dossócios, o que não ocorreu. Contudo, os desembargadores não concluíram queos demais sócios tinham o direito de preferência, à míngua de qualquerprevisão nesse sentido, razão pela qual reformaram a sentença neste aspecto.Isso não significaria o retorno do sócioréu ao quadro societário, já que osjulgadores acolheram o argumento dos sóciosautores de que a demanda em sicomprovava a quebra da afinidade societária [affectio societatis]. Por isso,determinaram a liquidação de suas quotas, com a apuração de haveres paraque fosse apurado o efetivo valor das quotas do sócio réu.

Outras cláusulas e ônus

O artigo 40 da Lei 6.404/76 ainda aceita que ações sejam objeto de alienaçãofiduciária em garantia, tipo contratual no qual a propriedade resolúvel do bem garantidorde uma obrigação, bem como sua posse indireta, ficam com o credor, ao passo que odevedor fiduciário, assumindo a posição de fiel depositário, con serva a posse direta dobem garantidor. A operação poderá ser constituída mesmo quando o bem alienadofiduciariamente já pertencia ao patrimônio do devedor, conforme a Súmula 28 doSuperior Tribunal de Justiça. A propriedade fiduciária é resolúvel e, assim, paga aobrigação, resolvese o domínio do credor e o bem passa à titularidade do devedor. Aoperação tem diversas implicações que fogem ao objeto deste estudo. De qualquer sorte,devese destacar que também deverá ser anotada no livro de registro de açõesnominativas.

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O mesmo artigo 40 permite a constituição de fideicomisso sobre ações. Por tanto, élícito ao acionista instituir, por testamento, herdeiros ou legatários para as ações,estabelecendo que tais herdeiros ou legatários – chamados, no contexto do instituto, defiduciários – conservarão a titularidade resolúvel dos títulos sociais até (1) a sua morte,(2) até a verificação de certo termo ou prazo ou (3) sob certa condição, quando as açõesserão transmitidas a outra pessoa, chamada fideicomissário, que é aquele a favor dequem a titularidade se resolve. O fiduciá rio terá a titularidade das ações, até arealização da condição (seja a sua morte, seja outra condição).

Por fim, o artigo 40 referese a outras cláusulas e ônus que também aceita sejaminstituídos sobre a ação, determinando para todos a averbação no livro de registro deações nominativas ou no livro da instituição financeira depositária, se ação escritural.Assim, a penhora das ações, o seu arresto, a promessa de venda, o pacto de preferênciaetc.

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 26 (Sociedades cooperativas).

Conferir MAMEDE, Gladston et al. Comentários ao Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.São Paulo: Atlas, 2007. MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 1, capítulo 6 (Micro e pequena empresa). MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direitosocietário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 5, seção 8 (Sociedades degrande porte).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 17 (Capital social e ações).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 17, seção 6.1 (Resgate de ações).

Conferir MAMEDE, Gladston. Código civil comentado: penhor, hipoteca e anticrese: artigos 1.419 a 1.510. São Paulo:Atlas, 2003. v. 14 (Coleção coordenada por Álvaro Villaça Azevedo).

Conferir MAMEDE, Gladston. Código civil comentado: penhor, hipoteca e anticrese: artigos 1.419 a 1.510. São Paulo:Atlas, 2003. v. 14.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e em presárias. 4. ed. São Paulo:Atlas, 2010. v. 2, capítulo 13, seção 4.5 (Penhor de quotas), e capítulo 19, seção 6.1 (Penhor de ações).

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Relações societárias

Planos diversos

No âmbito de uma investigação sobre holdings familiares, o tema das relações entresócios pode ser compreendido em dois planos diversos. Num plano interno, colocam-se asrelações que os sócios da holding mantêm entre si, reiterando-se o que já se disseanteriormente: a partir da alocação do patrimônio familiar como patrimônio de umasociedade, por meio de integralização do capital desta, as relações pertinentes a essepatrimônio deixam de ser familiares e passam a ser empresariais ou, mais precisamente,societárias. A investigação dessa dimensão interna corporis da holding é essencial, certoque diz respeito ao relacionamento de seus sócios, suas faculdades e seus deveres.

Por outro ângulo, divisa-se um plano diverso, no qual se listam as relações que aholding, na sua condição de sociedade de participação, manterá com as sociedades nasquais tenha participação societária. Neste plano, destacam-se as relações mantidas entresociedades, igualmente relevantes para este estudo. Será este o tema de estudo destecapítulo: as relações societárias ad intra (entre os sócios da holding) e ad extra (entre aholding e as sociedades nas quais detém participação societária).

Relações societárias

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Principiaremos pelo exame das relações societárias ad intra, abordando o problemade cônjuges sócios, tema vital para a constituição de holdings familiares.

Cônjuges

A constituição de holdings familiares, no Brasil, encontra uma dificuldade no artigo977 do Código Civil que, embora afirme a faculdade de os cônjuges contrataremsociedade entre si, ou com terceiros, impede essa contratação se estiverem casados noregime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. A primeira coisaque se afere do dispositivo é a permissão para que pessoas casadas contratem sociedadecom terceiros, faculdade essa cujo exercício independe da autorização do respectivocônjuge. Portanto, não há falar em outorga conjugal, certo que o outro cônjuge não podese opor à subscrição de quotas ou ações ou, até, ao seu recebimento em negóciooneroso, a exemplo da aquisição. Essencialmente, a participação numa sociedade,contratual ou estatutária, é direito pessoal e, assim, não é um daqueles atos jurídicosque necessitem da autorização prevista no artigo 1.647 do Código Civil, excetuado se,para a integralização do capital social, for necessário transferir ou gravar de ônus real osbens imóveis, hipótese em que a autorização será obrigatória, não por se tratar decontratação de sociedade, mas por força do inciso I daquele artigo 1.647.

O artigo 977 do Código Civil proíbe os cônjuges, casados no regime dacomunhão universal de bens ou no regime da separação obrigatória de bens, de

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contratarem sociedade entre si ou com terceiros.

Mudando a perspectiva, observa-se que o artigo 977 do Código Civil licencia quecônjuges constituam sociedade entre si, mesmo quando inclua a participação deterceiros, se o casal for casado pelo regime da comunhão parcial de bens, regime departicipação final nos aquestos e regime de separação de bens (desde que não se tratede regime obrigatório, por força do artigo 1.641 do Código Civil). Essa contratação nãoafeta as relações patrimoniais concernentes ao casamento, que não são prejudicadaspelo fato de os cônjuges terem constituído relações societárias que superem as relaçõesfamiliares. Mais do que isso, o artigo 977 é expresso ao se referir à contratação dasociedade. Assim, aplica-se às sociedades contratuais, simples ou empresárias, ou seja, àsociedade simples em comum, à sociedade em nome coletivo, à sociedade em comanditapor ações e à sociedade limitada. Não se aplica às sociedades estatutárias, acreditamos,certo que nessas não há contratação de sociedade, fugindo à hipótese do artigo 977,bem como ao seu contexto legislativo. A sociedade anônima e a sociedade em comanditase regulam pela Lei 6.404/76, que não faz qualquer restrição ao fato de cônjuges seremsócios entre si, incluindo ou não terceiros, sendo indiferente o regime de bens de seucasamento.

No entanto, vige a proibição de os cônjuges, casados em comunhão universal ou emseparação obrigatória de bens, contratarem sociedade entre si. O artigo 977simplesmente veda a constituição da sociedade, simples ou empresária, a partir depatrimônios que se comunicam (comunhão de bens) ou de patrimônios que não podem,em função de lei, comunicar-se. Lembre-se que o regime da separação obrigatória debens alcança as hipóteses arroladas no artigo 1.641 do Código Civil, vale citar: (1)pessoas que se casem com inobservância das causas suspensivas da celebração docasamento; (2) quando qualquer dos cônjuges tenha mais de 60 anos; (3) quando ocasamento dependa de suprimento judicial.

Caso para ilustração

Ancart Participações Ltda.

O Registro de Imóveis da 2a Zona de Porto Alegre suscitou uma dúvidajunto ao Judiciário Gaúcho: Theo Carlos e Maria Regina, casados pelo regimede comunhão universal de bens, poderiam ser sócios de Ancart ParticipaçõesLtda., uma sociedade simples? O juiz disse que não, tendo em vista o artigo977 do Código Civil. Por meio de apelação, a questão foi levada ao Tribunal deJustiça do Rio Grande do Sul, mas a decisão foi a mesma. Seguiu-se a

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interposição do Recurso Especial 1.058.165/RS, examinado pela TerceiraTurma do Superior Tribunal de Justiça, alegando-se que as limitações legais doart. 977 não se aplicariam às sociedades simples, mas tão somente àsempresárias, tendo em vista a localização do mencionado dispositivo legal notexto do Código Civil. Localizado no Livro do Código que é dedicado ao Direitoda Empresa, as disposições somente diriam respeito à capacidade para serempresário, aplicando-se, pois, apenas às sociedades empresárias, que, naforma do artigo 982 do Código Civil de 2002, são aquelas que possuem porobjeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro.

A maioria dos julgadores, seguindo o voto da Ministra Nancy Andrighi,concordou com os julgadores gaúchos. Segundo a Ministra, o “artigo 977 doCódigo Civil de 2002 inovou no ordenamento jurídico pátrio ao permitirexpressamente a constituição de sociedades entre cônjuges, ressalvando essapossibilidade apenas quando eles forem casados no regime da comunhãouniversal de bens, tal como ocorre na hipótese dos autos, ou no da separaçãoobrigatória. Em suma, tais restrições possuem a finalidade de evitar que aconstituição de sociedades possa ser utilizada como instrumento paraacobertar eventuais tentativas de burla ao regime de bens do casamento. [...]Não há nas características conceituais das sociedades simples e dasempresárias peculiaridade alguma que faça supor que a restrição prevista noartigo 977 do Código Civil de 2002 somente atinja as últimas. [...] Assim, emface da ausência de relevante distinção entre a sociedades simples eempresárias no que concerne às suas formas de organização, não se constataa existência de qualquer razão conceitual que faça supor que apenas àssociedades empresárias se legitimaria a restrição do artigo 977 do Código Civilde 2002.”

Essa afirmação fundou-se, antes de mais nada, no artigo 982, segundo oqual “o traço diferenciador entre as sociedades empresárias e as simples é ofato de as primeiras terem por objeto o exercício de atividade própria deempresário sujeito a registro. No que concerne à forma de participação dossócios nas sociedades, o artigo 983 do Código Civil de 2002 é expresso aodispor que a sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tiposregulados nos artigos 1.039 a 1.092 do Código Civil (sociedade em nomecoletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, sociedadeanônima, sociedade em comandita por ações), sendo facultado às sociedadessimples que não desejarem subordinar-se às normas que lhe são próprias,constituirem-se de conformidade com qualquer um daqueles tipos, exceto os

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previstos para as sociedades por ações”.Dessa maneira, os julgadores não acolheram a pretensão de que, por sua

localização, o dispositivo só se aplicaria às sociedades empresárias. “Verifica-seque em todos os artigos insculpidos no mencionado Capítulo II (DaCapacidade) do Título I (Do Empresário), sempre que o legislador se referiuexclusivamente ao empresário ou à atividade de empresa, o fez de formaexpressa, somente não fazendo menção a essa característica no já referidoartigo 977, utilizando a expressão sociedade sem estabelecer qualquerespecificação, o que impossibilita o acolhimento da tese de que essa‘sociedade’ seria apenas a empresária. Registre-se, ademais, que a adoção doentendimento do recorrente poderia levar à conclusão de que o legislador teriase equivocado ao trazer no livro destinado ao Direito de Empresa todos osregramentos atinentes à sociedades simples, afinal, segundo o conceito trazidopela própria lei, essas sociedades não têm por objeto a atividade empresarial.”

O Ministro Massami Uyeda, contudo, foi voto vencido. Para ele, “ainterpretação dos dispositivos legais deve ser sistemática, não pode serisolada. Claro, o legislador, dentro da Capacidade, traçou depois o que se deveentender por sociedade. [...] A interpretação linear do artigo 977, quefundamenta as decisões que são objeto da impugnação pela via do recursoespecial, não se sustenta numa interpretação sistemática dos artigos quetratam, especificamente, do tipo, da natureza de sociedade”.

Sócio incapaz

As sociedades, simples ou empresárias, podem ter sócios que sejam incapazes,absoluta ou relativamente. A Lei 12.399/11 alterou o Código Civil para acrescentar um §3o ao seu artigo 974, prevendo que o Registro Público de Empresas Mercantis a cargo dasJuntas Comerciais deverá registrar contratos ou alterações contratuais de sociedade queenvolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintespressupostos: (1) o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade; (2) ocapital social deve ser totalmente integralizado; (3) o sócio relativamente incapaz deveser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representanteslegais.

Como se sabe, a incapacidade civil absoluta impede a prática pessoal de atosjurídicos, sendo nulos os atos praticados pessoalmente pelo incapaz (artigos 3o e 166, I,do Código Civil); o absolutamente incapaz pratica atos jurídicos por meio de um

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representante: pais ou tutor (menores de 16 anos) ou o curador (interditados), noslimites franqueados pela legislação.

Tem-se, ainda, a incapacidade civil relativa (artigo 4 o do Código Civil), situação naqual a pessoa pode praticar, pessoalmente, atos jurídicos, mas a validade desses estácondicionada à assistência por seus pais ou tutor (maiores de 16 e menores de 18 anos)ou o curador (interditados), devendo-se respeitar, aqui também, as regras legais quebuscam proteger os incapazes. Sem a assistência legal, o ato praticado pelorelativamente incapaz poderá ser anulado (artigo 171, I, do Código Civil), embora seaceite que o ato praticado sem assistência seja posteriormente ratificado.

Representantes e assistentes não têm amplo arbítrio para agir. Tutores e curadoresagem na dependência da autorização judicial, como se afere dos artigos 1.740 a 1.762 e1.782 do Código Civil. Em relação aos pais, há restrição para a alienação de bens imóveis(artigo 1.691 do Código Civil), além da previsão de que são pessoalmente responsáveispela administração ruinosa dos bens dos filhos (artigo 1.637 do Código Civil), podendoser processados por algum parente ou pelo Ministério Público, a quem cumpre a defesados direitos e interesses dos inca pazes, ou ainda pelos próprios filhos, uma vezalcançada a maioridade.

Note-se, contudo, que as restrições legais cunhadas para a proteção das pessoas querevelam incapacidade absoluta ou relativa estão dirigidas para o plano da prática de atoscivis e não para o plano da titularidade de bens e direitos. Consequentemente, no planoda Teoria Geral do Direito, não se veda aos incapazes a titularidade de quotas ou açõesde sociedades, simples ou empresárias. O sócio é apenas o titular de quotas (quotista)ou ações (acionista); é a sociedade quem pratica atos de empresa. Portanto, incapazespodem (1) receber quotas ou ações em doação, (2) adquirir onerosamente quotas ouações e, até, (3) ingressar numa sociedade quando de sua constituição, subscrevendo eintegralizando seu capital social. Basta que os atos societários sejam praticados pelorepresentante, se absoluta a incapacidade, ou que haja assistência de pai, tutor oucurador, se incapacidade relativa.

Se há incapacidade superveniente ou se ao incapaz toca, por herança, umaparticipação societária, situações diversas ocorrem conforme se tenha sociedade intuitupersonae ou intuitu pecuniae. Nessas últimas, a livre circulação dos títulos conduz à plenasucessão na titularidade das quotas ou ações. Já nas sociedades intuitu personae, essasucessão deverá submeter-se às regras limitadoras da transferência de títulos, se nãohouver regra no contrato social que assegure a sucessão hereditária legítima, o que écomum e recomendável. Assim, na sociedade simples em comum, na sociedade em nomecoletivo e na sociedade em comandita simples, o incapaz deverá ser aceito pelos demaissócios (unanimidade), sendo que não poderá assumir a condição de sócio comanditário,

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já que implica administração da sociedade. Aliás, o artigo 1.030 do Código Civilexpressamente permite a exclusão judicial do sócio por incapacidade superveniente. Nassociedades limitadas, não há norma específica, mas deve-se aceitar o parâmetro postono artigo 1.057, ou seja, a atribuição da faculdade de oposição a sócio(s) quedetenha(m) mais de 25% do capital social.

Por fim, deve-se atentar para a previsão inscrita no artigo 974, § 2o, do Código Civil,segundo o qual obrigatoriamente haverá um limite de responsabilidade entre opatrimônio do incapaz e as obrigações da empresa, que, em relação a si, estarãogarantidas apenas pelo que não seja estranho ao acervo da empresa ou ao que sejaresultado dos lucros distribuídos, mesmo que se trate de sociedade sem limite deresponsabilidade (sociedade em nome coletivo, por exemplo), ou, ainda, na hipótese dedesconsideração da personalidade jurídica, como previsto no artigo 50 do Código Civil ouno artigo 28 do Código das Relações de Consumo (Lei 8.078/90).

Faculdades e obrigações sociais

O estabelecimento de uma sociedade implica a definição de faculdades e obrigaçõespara os seus membros, isto é, para os sócios. Nas sociedades contratuais, essasobrigações são recíprocas: todos os sócios são contratantes entre si. Como não bastasse,a tradição jurídica reconhece, mesmo nessas sociedades, haver obrigações de cada sóciopara com a pessoa da própria sociedade. Trata-se de um reflexo da compreensãoinstitucionalista que, no Direito Societário, casa-se melhor com as sociedades por ações(a exemplo das associações), onde faculdades e obrigações não se afirmam em relaçãoaos demais membros (conferir artigo 53, parágrafo único, do Código Civil), mas emrelação à instituição, ou seja, à sociedade criada, nos termos do estatuto social.

Essas obrigações e faculdades mútuas, tanto dos sócios, como da própria sociedade,têm por elemento comum a finalidade que a lei definiu para as sociedades: não importaqual seja o seu objeto de atuação, sua finalidade é econômica e sua razão de ser é aprodução de vantagens pecuniárias (lucro) que possam ser apropriadas pelos sócios. Paraoutras finalidades há outras figuras jurídicas, a exemplo das associações ou dasfundações. A sociedade, não. Ela reúne pessoas com a finalidade específica de realizaruma determinada atividade econômica, visando ao estabelecimento de lucro e suadistribuição para os sócios. O fundamento do investimento, da manutenção de valores nasociedade, é este.

→ A personalidade da sociedade é distinta das

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Princípios elementares do DireitoSocietário

personalidades de seus sócios

→ O patrimônio da sociedade é distinto dos patrimônios deseus sócios

→ A existência da sociedade é distinta das existências deseus sócios

Essa finalidade, contudo, é cumprida pela sociedade, que é uma pessoa jurídica e,portanto, um ente com personalidade, patrimônio e existência distintos das pessoas deseus sócios, sejam esses pessoas físicas ou jurídicas. Reside aqui a grande dificuldadeprática enfrentada nas holdings familiares, cabendo aos operadores do Direito, daContabilidade e da Administração de Empresas alertar seus clientes: com a transferênciado patrimônio para a sociedade patrimonial, integralizando o seu capital, os bens passama ser de propriedade da holding e não de seus sócios. Os sócios são titulares das quotasou ações da holding, conforme se trate, respectivamente, de sociedade contratual ousociedade institucional. Portanto, o sócio se relaciona com os demais sócios e com asociedade titular do patrimônio. A personalidade jurídica da sociedade não se confundecom a personalidade jurídica da sociedade. Um sócio pode negociar com a sociedade,como exemplo. O patrimônio da sociedade não se confunde com o patrimônio dos seussócios. As dívidas da sociedade não são dívidas dos sócios (embora possa haverresponsabilidade subsidiária, conforme o tipo societário), da mesma maneira que asdívidas dos sócios não são dívidas da sociedade. A existência da sociedade não seconfunde com a existência dos sócios. Os sócios podem morrer e a sociedade perdurar.

Nesse sentido, os membros da família, diante da constituição de uma holding,precisam compreender que, mais do que cônjuges, filhos, pais, irmãos, primos etc., sãosócios. Seus interesses, seus direitos, seus atos devem considerar as leis que pautam oDireito Societário, bem como as normas que constem do ato constitutivo, ou seja, docontrato social ou estatuto social. Nos limites da lei, o ato constitutivo define as relaçõesentre os sócios, regrando a maneira pela qual serão resolvidos os assuntos internos dasociedade. Todos os sócios e, eventualmente, administradores não sócios estãoobrigados a respeitar não apenas a lei, mas as regras inscritas no contrato social ou noestatuto social. E os conflitos havidos entre eles irão se resolver segundo esses mesmosparâmetros.

Entre os deveres gerais de todos os sócios, em qualquer sociedade, está ocomprometimento com a sociedade, não apenas respeitando o contrato social, masatuando a bem dos interesses da sociedade, não se admitindo que o exercício do seupoder de voto se faça sobrepondo seu próprio interesse ao interesse da coletividade. Seaceita atuar em sociedade, o sócio não pode pretender que o seu interesse privado seja

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superior e predominante ao interesse da sociedade (a pessoa jurídica) e sua coletividadesocial (os demais sócios). Justamente por isso, tanto o Código Civil, quanto a Lei6.404/76, trazem normas que reprimem a atuação do sócio em conflito de interesses coma sociedade. Contudo, essa repreensão não é tão ampla que impeça o sócio de votar emsi mesmo para a administração societária. Julgando o Agravo de Instrumento990.10.005287-0, a Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de SãoPaulo manifestou o entendimento que o fato de um acionista votar em si mesmo paradiretor de uma sociedade anônima não constitui, em princípio, o conflito de interessesprevisto no artigo 115 da Lei 6.404/76. Realce-se, no entanto, que o relator,Desembargador Morato de Andrade, no corpo de seu voto, ressaltou estar claro “quecircunstâncias especiais poderão levar à conclusão de que, em determinado caso, aeleição não será válida, por força de motivos graves, concretos e comprovados queevidenciem a incompatibilidade do candidato com o exercício do cargo, o que por ora nãose tem na hipótese dos autos”.

O sócio deve agir cumprindo com suas obrigações sociais e atuando a bem darealização do objeto social e da concretização de resultados positivos, respeitados osdireitos de todos os demais sócios. Esse comprometimento traduz-se, inclusive, norespeito ao affectio societatis, ou seja, o esforço para manter comportamento afeito àvida social, revelando ânimo para a sua manutenção. Todo sócio está obrigado a atuar,por ações e omissões, a bem da sociedade e da coletividade social. Isso não quer dizerque os sócios não possam ter conflitos entre si. Podem sim. O conflito é um direito dosócio, embora limitado pelo dever de convivência e de atuação a favor da sociedade.Esse conflito pode expressar-se nos debates, nas votações e, eventualmente, até mesmono exercício de pretensões judiciais. Mas tais conflitos devem decorrer respeitando aharmonia social, ou seja, os parâmetros da boa convivência social e, ademais, visando omelhor para a sociedade.

Se esses limites são vencidos, a perda da affectio societatis poderá conduzir àexclusão do sócio, pela sociedade e pelos demais sócios, ou ao exercício do direito deretirada (recesso) pelo sócio, contra a sociedade e os demais sócios. Note-se que aprevisão do direito de recesso pela perda da affectio societatis está positivamenterestrita às sociedades contratuais. No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal deJustiça evoluiu para reconhecer esse direito nas companhias familiares. Essa posiçãoexsurgiu do julgamento, pela Segunda Seção, dos Embargos de Divergência no RecursoEspecial 111.294/PR:

“– É inquestionável que as sociedades anônimas são sociedades de capital(intuitu pecuniae), próprio às grandes empresas, em que a pessoa dos sócios não

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tem papel preponderante. Contudo, a realidade da economia brasileira revela aexistência, em sua grande maioria, de sociedades anônimas de médio e pequenoporte, em regra, de capital fechado, que concentram na pessoa de seus sócios umde seus elementos preponderantes, como sói acontecer com as sociedades ditasfamiliares, cujas ações circulam entre os seus membros, e que são, por isso,constituídas intuitu personae. Nelas, o fator dominante em sua formação é aafinidade e identificação pessoal entre os acionistas, marcadas pela confiançamútua. Em tais circunstâncias, muitas vezes, o que se tem, na prática, é umasociedade limitada travestida de sociedade anônima, sendo, por conseguinte,equivocado querer generalizar as sociedades anônimas em um único grupo, comcaracterísticas rígidas e bem definidas.

– Em casos que tais, porquanto reconhecida a existência da affectio societatiscomo fator preponderante na constituição da empresa, não pode tal circunstânciaser desconsiderada por ocasião de sua dissolução. Do contrário, e de que éexemplo a hipótese em tela, a ruptura da affectio societatis representa verdadeiroimpedimento a que a companhia continue a realizar o seu fim, com a obtenção delucros e distribuição de dividendos, em consonância com o artigo 206, II, b, da Leino 6.404/76, já que dificilmente pode prosperar uma sociedade em que aconfiança, a harmonia, a fidelidade e o respeito mútuo entre os seus sóciostenham sido rompidos.

– A regra da dissolução total, nessas hipóteses, em nada aproveitaria aosvalores sociais envolvidos, no que diz respeito à preservação de empregos,arrecadação de tributos e desenvolvimento econômico do país. À luz de taisrazões, o rigorismo legislativo deve ceder lugar ao princípio da preservação daempresa, preocupação, inclusive, da nova Lei de Falências – Lei no 11.101/05, quesubstituiu o Decreto-lei no 7.661/45, então vigente, devendo-se permitir, pois, adissolução parcial, com a retirada dos sócios dissidentes, após a apuração de seushaveres em função do valor real do ativo e passivo.

– A solução é a que melhor concilia o interesse individual dos acionistasretirantes com o princípio da preservação da sociedade e sua utilidade social, paraevitar a descontinuidade da empresa, que poderá prosseguir com os sóciosremanescentes.”

A solução se aplica às inteiras, às holdings familiares. Aliás, aplica-se com maisênfase e razão na medida em que sua grande razão de ser é entificar um patrimônio. Suaimportância é vital, considerando que as hipóteses legais para o exercício de retirada dasociedade anônima são bem reduzidas, como se estudará no Capítulo 9.

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5 Pactos parassociais

É corriqueiro ouvir especialistas do Direito, da Contabilidade e da Administração deEmpresas listarem os pactos sociais como solução para quase todos os desafios deconvivência no âmbito das holdings familiares. Assim não nos parece. Acreditamos quesão o contrato social e o estatuto social, devidamente registrados, o melhor meio paraisso. Ainda assim, não se pode deixar de reconhecer que os acordos entre sócios são uminstrumento jurídico valioso, podendo servir mesmo aos interesses e às estratégias dosmembros de uma holding; senão todos, dois ou mais que, acordando-se, busquem umaposição predominante na sociedade.

A estipulação de pactos em separado (documentos apartados ou side letters) não éeficaz em relação a terceiros (artigo 997, parágrafo único, do Código Civil); essaineficácia, contudo, não traduz nulidade: o ajuste é válido entre os seus signatários, senão padecer de qualquer outro vício, mas apenas entre esses. Para os terceiros, serácoisa passada entre outros [res inter alios acta], salvo se forem públicos, ou seja, salvose houver meios para que os terceiros tomem conhecimento de seu conteúdo. Portanto, éjuridicamente possível que os sócios, todos ou alguns, contratem entre si regrasespecíficas para sua atuação societária, extraordinárias ao contrato social (acordo dequotistas) ou ao estatuto social (acordo de acionistas).

O acordo pode ser celebrado entre todos os sócios (acionistas ou quotistas), situaçãoque não é muito comum, salvo justamente em empresas familiares, para cuidar dematérias que, por qualquer motivo, julga-se que não devem constar do ato constitutivo(contrato social ou estatuto social). É mais usual que esses acordos sejam celebradosapenas entre alguns sócios, permitindo-lhes combinar suas forças e, assim, manter ocontrole societário, o que é útil quando nenhum deles, isoladamente, consegue manteresse controle. Nas sociedades familiares, é um precioso instrumento para que osparentes possam ajustar regras para garantir não apenas o domínio sobre a empresa,mas mecanismos que estabeleçam um ambiente de boa convivência, como será estudadonos momentos seguintes deste livro.

É lícito aos sócios, alguns ou todos, celebrar contratos entre si, ajustando oexercício dos direitos societários, como o direito de voto, o direito de escolher osadministradores, o direito de preferência na transferência de participaçãosocietária, entre outros. Isso se faz por meio de acordo de quotistas (sociedadescontratuais) ou acordo de acionistas (sociedades estatutárias).

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O acordo entre sócios é chamado de pacto parassocial, vale dizer, uma convençãoparalela ao ato constitutivo (contrato social ou estatuto social), ato constitutivo esse queé a principal convenção que, como visto, define os atributos de existência efuncionamento da sociedade. Justamente por isso, o pacto parassocial não podecontrariar o ato constitutivo, assim como não pode, obviamente, contrariar a Constituiçãoda República, os princípios jurídicos e as leis. Deve estruturar--se como um ajuste sobreas relações intestinas (interna corporis) da sociedade, concretizada para aquém de suasregras universais, legais ou estatutárias, embora sem poder desrespeitá-las.

O mais fascinante no mecanismo dos pactos parassociais é a percepção de que suapossibilidade jurídica está assentada sobre a afirmação de uma discricionariedadeprivada dos sócios, ou seja, de uma faculdade jurídica de negociarem os direitosinerentes às suas participações societárias, desde que tenham por objeto direitodisponível e que sejam respeitadas as balizas postas pelo Direito Obrigacional, Contratuale Societário. Coloca-se, assim, uma dimensão interna ao corpo da sociedade, na qual osdesígnios societários podem constituir matéria de contratação prévia, formando-se umambiente negocial. São obrigações pessoais, resultantes do exercício da liberdade delivre atuação jurídica e econômica, liberdade de contratar, nos limites licenciados pelaConstituição e pelas leis (artigos 1º, IV, e 5º, II, da Constituição da República),respeitados os princípios jurídicos.

Não há uma definição legal de forma obrigatória, razão pela qual tais convençõespoderão ter estrutura variada. Podem apresentar-se sob a forma de uma declaraçãoconjunta, de cláusulas contratadas e, mesmo, de uma deliberação comum (uma ata dereunião ou assembleia) dos acordantes. É indiferente. Podem ser simples, prevendo umacláusula apenas, como a preferência, entre os acordantes, na transferência de quotas ouações, assim como podem ser complexas, prevendo obrigações e faculdades diversas, atéprocedimentos executórios, podendo mesmo reger o controle da sociedade. Podemeleger foro para a solução de pendengas, ainda que diverso da sede social e do foro deeleição que conste do ato constitutivo. Podem definir mecanismos para voto uniforme(voto conjunto, combinado), inclusive limitando as matérias a que se aplica ou envolvertodas as matérias, assim como podem trazer cláusula de arbitragem.

Portanto, os acordos de quotistas ou de acionistas podem ter por objeto qualquerdireito disponível, próprio da realidade social, direta ou indiretamente. Não são válidos sevencem os limites legais, principiológicos e, mesmo, se desrespeitam o ato constitutivo.Não lhes é lícito ultrapassar o limite de sua função social, bem como os parâmetros daboa-fé e da probidade, razão pela qual constitui ato ilícito o pacto parassocial urdido paraprejudicar o restante da coletividade social. A parassocialidade não pode ser espaço denegação da sociedade e do poder soberano da coletividade geral.

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5.1

Em oposição, podem ser mecanismos poderosos para a preservação da sociedade,seus direitos e interesses. Ilustra a previsão de cláusula de não concorrência, por meio daqual os acordantes assumem a obrigação de não participar de outra sociedade que atueno mesmo segmento econômico. Assim, todas as oportunidades negociais que surjam naárea – ou em áreas afins, conforme a previsão do acordo – deverão ser obrigatoriamenteapresentadas à administração societária para que sejam aproveitadas pela sociedade.

O acordo parassocial é, exclusivamente, um acerto de atuação societária lícita, éticae proba. Não pode ser meio para a prática de voto abusivo, ou para descumprimento(direto ou indireto) de qualquer obrigação social, como o correto exame de contas e atosde administração, o que implicaria desconsiderar a verdade do que se passou paraestabelecer o artificialismo de uma postura de anuência cega com posturas que podemser lesivas à companhia, aos acionistas e mesmo a terceiros: o Estado, a comunidade, ostrabalhadores etc. Tanto é assim que o § 2º do artigo 118 da Lei 6.404/76 deixa claroque os acordos não poderão ser invocados para eximir o sócio de responsabilidade noexercício do direito de voto, ou do poder de controle. Portanto, o sócio acordanteresponderá pelo ato ilícito, incluindo o abuso no direito de voto.1

É preciso muito cuidado com a composição do acordo, ou seja, com a definição dostermos que serão ajustados pelas partes (os sócios) e que os obrigarão. Atenção ao quese coloca e ao que se deixa de colocar em cada cláusula, ônus e bônus. Em muitos casos,a omissão de certa obrigação pode parecer uma vantagem, mas, em certo ponto, poderevelar-se um problema. Ainda que haja uma mesma essência no acordo de sócios, hádistinções importantes entre o acordo de acionistas e o acordo de quotistas, razão pelaqual vamos nos debruçar sobre cada um deles para explorar suas peculiaridades.

Acordo de acionistas

O acordo de acionistas é a figura mais comum no Direito brasileiro. O artigo 118 daLei 6.404/76 permite que o acordo de acionistas seja arquivado na sede da companhia,se tiver por objeto a compra e venda de ações, a preferência para adquiri-las, o exercíciodo direito a voto ou do poder de controle, a partir do que a própria empresa estaráobrigada a observar o ajuste, embora não esteja vinculada a outros pontos que tenhamsido legitimamente ajustados, fora de tais matérias.2 Não é arquivamento obrigatório,mas a opção de manter o ajuste oculto não vinculará a companhia e/ou terceiros.

Arquivado o acordo, a companhia poderá solicitar aos seus membrosesclarecimentos, no momento do arquivamento ou posteriormente, quando surja dúvidasobre os seus termos ou aplicação. No ato de arquivamento do acordo, será indicado um

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5.2

representante para comunicar-se com a companhia, prestando ou recebendoinformações, quando solicitadas. Essa representação limita-se à interlocução com acompanhia; não configura mandato para proferir, em assembleia, voto contra ou a favorde determinada deliberação. Para caracterizar o mandato, faz-se necessário havercláusula expressa no ajuste, que poderá até ter prazo que supere um ano, que, afora oacordo de acionistas, é o limite de representação ordinária nas assembleias gerais(artigos 118, § 7º, e 126, § 1º, da Lei 6.404/76).

Ausente a cláusula de mandato, será mantido o exercício individual do direito depresença, voz e voto nas assembleias, embora beneficiando-se os demais pactuantes dasgarantias inscritas nos §§ 8º e 9º do mesmo artigo 118: como resultado da vinculação dacompanhia aos termos do acordo de acionista arquivado em sua sede, o presidente daassembleia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o votoproferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado.

Se um acordante estiver ausente da assembleia ou da reunião de órgão deadministração da companhia, ou mesmo se pretender abster-se de votar, qualquer outropartícipe do acordo devidamente arquivado terá o direito de votar com as açõespertencentes ao acionista ausente ou omisso, fazendo valer o ajuste parassocial. Paratanto, deverá, de pronto, levantar questão de ordem, invocando o ajuste arquivado e,com base nele, requerer o direito de votar pelo acionista ausente ou omisso. Oindeferimento desse requerimento implicará anulabilidade da deliberação, o que poderáser pedido por qualquer dos signatários do acordo de acionistas. A mesma regra se aplicaao caso de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo deacionistas, permitindo à parte prejudicada votar pelo conselheiro ausente ou omisso.

A eficácia das faculdades e obrigações disposta no acordo de acionista, peranteterceiros, pressupõe publicidade. Assim, deverá ser arquivado na companhia e averbadonos livros de registro e nos certificados das ações. Em se tratando de ações escriturais, aausência do certificado de ações criará uma dificuldade, certo que não se dá a terceirosacesso aos livros e documentos societários. Será preciso, portanto, arquivamento naJunta Comercial que, de resto, é medida aconselhável em qualquer caso, mesmohavendo certificado de ação no qual se anotou a existência do ajuste parassocial. Aindano âmbito das sociedades por ações, se o ajuste dispõe sobre política de reinvestimentode lucros e distribuição de dividendos, a companhia – se aberta – deverá informá-las àassembleia geral, no relatório anual (artigo 118, § 5º, da Lei 6.404/76).3

Acordo de quotistas

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5.3

A possibilidade jurídica do acordo de quotistas, em qualquer sociedade contratual,simples ou empresária, decorre da própria teoria geral do Direito Obrigacional e,ademais, da liberdade de ação jurídica e econômica que é garantida pelo artigo 1º, IV,da Constituição da República, a todas as pessoas no Direito brasileiro. Também é óbvioque, uma vez estipuladas tais obrigações, são elas válidas entre os seus acordantes,aplicados os artigos 1º, IV, e 5º, II, da Constituição da República, além dos artigos 107,112, 113, 219, 247 a 249 e 421 a 425 do Código Civil.

A possibilidade do arquivamento do acordo de quotistas no Registro Mercantil resultada Lei 8.934/94, que cuida do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.Logo em seu artigo inaugural, essa norma prevê que o Registro Mercantil tem porfinalidade dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicosdas empresas mercantis. O legislador referiu-se genericamente a atos jurídicos, sem oslimitar. Na sequência, o artigo 2º diz que os atos das firmas mercantis individuais e dassociedades mercantis serão arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis eAtividades Afins, independentemente de seu objeto, salvo as exceções previstas em lei. Ea Lei 8.934/94 não veda a averbação do acordo de quotistas em qualquer de seusartigos, dentre os quais cabe realçar o artigo 35, no qual são arroladas as proibições dearquivamento. Ademais, seu artigo 32, I, e, prevê que o registro mercantil compreende oarquivamento de atos ou documentos que possam interessar ao empresário e àsempresas mercantis, definição na qual se alberga, confortavelmente, o acordo dequotistas.

A grande vantagem é que o arquivamento do acordo de quotistas no Registro Públicofaz com que ganhe eficácia perante terceiros, o que pode ser essencial para matériascomo o direito de preferência na aquisição de quotas. Se o acordo está arquivado naJunta Comercial, não poderá o terceiro pretender o direito à cessão de quotasconcretizada em desrespeito ao direito de preferência, argumentando ser estranho aoajuste e/ou desconhecê-lo.4

Execução e resolução

Os pactos parassociais, envolvam quotistas ou acionistas, são contratos e, assim,submetem-se às regras gerais do Direito Obrigacional e do Direito dos Contratos, namesma toada em que também estão submetidos ao Direito Societário, certo ter asociedade e a empresa como objetos, alcançando o comportamento econômico-social dospactuantes, nos limites da lei e do ato constitutivo. Trata-se de ajuste que depende daexistência da sociedade para existir, mas é contrato acessório. O pacto deve ser

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voluntariamente cumprido por seus signatários ou poderá haver aplicação coercitiva. Massua realização pressupõe conformidade com a Constituição, as leis e o estatuto. Não élícito pretender execução do ajuste parassocial para obrigar seus partícipes a deliberarcontra a lei, a exemplo de medidas que contrariem a legislação ambiental ouconsumerista.

A execução do acordo de sócios pode ser posta em dois planos diversos. O primeiroplano diz respeito exclusivamente à sociedade anônima quando o ajuste parassocial sejaarquivado na sede da companhia e tenha por objeto (1) a compra e venda de ações, (2)a preferência para adquiri-las, (3) o exercício do direito a voto ou do poder de controle(artigo 118 da Lei 6.404/76). Nesse caso, a execução faz-se pelas regras do próprioartigo 118. De abertura, impedimento de negociação na bolsa ou no mercado de balcãodas ações vinculadas ao acordo de acionistas averbado na sede da companhia (§ 4º),garantindo a manutenção da proporção de participação dos pactuantes nas deliberaçõessociais. Garante, ademais, o que Barbosa Filho chama de acordos de bloqueio, visandoevitar a dispersão da titularidade das ações dos pactuantes, circunscrevendo suacirculação entre estes, nos termos do acordo.5 Em segundo lugar, a obrigação dopresidente da assembleia geral ou do órgão colegiado de deliberação da companhia nãocomputar o voto proferido com infração de acordo de acionista devidamente arquivado (§8º). Some-se a permissão aos pactuantes para substituir o acionista – ou mesmo omembro do órgão colegiado – ausente ou omisso (§ 9º).

Portanto, a execução do acordo de acionistas no alusivo ao exercício do direito avoto ou do poder de controle comporta execução no plano da própria companhia, queestá vinculada aos termos que estejam expressos no instrumento que foi arquivado emsua sede. Isso pode tornar-se um desafio, já que o acordo pode envolver um conjunto deregras próprias para o exercício conjunto das faculdades instrumentais do acionista; masas dúvidas solucionam-se com a aplicação do § 11 do mesmo artigo 118, permitindo opedido de esclarecimentos. Ademais, ainda como consequência dos §§ 8º e 9º, afirma-sea possibilidade de ir ao Judiciário para anular a deliberação na qual se tenha computadovoto proferido com infração do acordo de acionista, determinando-se, ademais, que acompanhia respeite os termos do pacto arquivado, como lhe determina o caput do artigo118.

Noutro plano, colocam-se três casos: (1) o acordo de acionista que tenha por objetotemas estranhos ao rol anotado no caput do artigo 118 da Lei 6.404/76; (2) o acordo deacionistas não arquivado na sede da companhia; e (3) o acordo de quotistas, nassociedades contratuais. Nesses casos, o ajuste não se beneficia dessas formas específicasde execução. Será preciso recorrer às regras gerais que disciplinam a execução deobrigação de fazer, incluindo a obrigação de prestar declaração de vontade, como o voto

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ou a transferência de ações. Entretanto, não se pode afastar a possibilidade de o próprionegócio parassocial estabelecer solução diversa, desde que juridicamente possível, aexemplo da estipulação de multa. Obviamente, para que seja executada, a convençãoparassocial deverá apresentar-se líquida e certa.

Também no alusivo à resolução, o pacto parassocial segue a regra geral doscontratos, havendo que distinguir entre (1) contratação por prazo indeterminado, (2)contratação vinculada a condição resolutiva e (3) contratação por prazo ou em função determo determinado. Se o acordo de sócios for estipulado por prazo indeterminado,qualquer um dos pactuantes o poderá denunciar, respeitando os requisitos estipulados noajuste para tanto. Não havendo qualquer estipulação, basta notificar as demais partes,sendo usual a concessão de prazo de 30 dias para que o ajuste compreenda-se comoextinto. Não é correto pretender irrevogável o acordo de sócios que não tenha cláusulade revogação, assim como não é lícita a cláusula de irrevogabilidade. As obrigaçõesanotadas no acordo parassocial caracterizam pacto de trato sucessivo: prestações que sesucedem, prolongando a realização do ajuste. A irrevogabilidade, assim, caracterizariasujeição eterna da parte, figura estranho ao Direito brasileiro, senão incompatível.Submeter o sócio, ad aeternum, ao acordo é expropriá-lo de suas faculdadesjuridicamente assinaladas, a bem de interesses privados.

Havendo cláusula expressa estipulando condição resolutiva, deverá ser estarespeitada. Aplicado o artigo 127 do Código Civil, enquanto não se realizar a condiçãoresolutiva, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste odireito por ele estabelecido. No entanto, ainda segundo aquele Código, não são lícitas ascondições que contrariem a lei (o negócio será invalidado se estipulada condição ilícita oude fazer coisa ilícita, segundo o artigo 123, II, do mesmo Código), a ordem pública ou osbons costumes, estando proibidas as condições que privem de todo efeito o negóciojurídico, bem como aquelas que sujeitem o ato ou negócio ao puro arbítrio de uma daspartes. Assim, é possível pedir a declaração judicial da invalidade de condição resolutivaque tenha sido fixada de modo a impedir a resolução do pacto, determinando ilegítimasujeição ad eternum das partes.

Mais fácil é a hipótese de pacto ajustado por prazo ou a termo, se não se tratar deestipulação que, por seus termos, implique sujeição indefinida ou desproporcional. Nessecaso, o acordo somente poderá ser denunciado motivadamente, segundo suas própriasnormas ou normas legais, dentre as quais, creio, a exceção de contrato não cumprido e aresolução por onerosidade excessiva. Assim, na decisão do Recurso Especial 388.423/RS,a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça afirmou ser “admissível a resolução doacordo de acionistas por inadimplemento das partes, ou de inexecução em geral, bemcomo pela quebra da affectio societatis, com suporte na teoria geral das obrigações, não

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constituindo impedimento para tal pretensão a possibilidade de execução específica dasobrigações constantes do acordo, prevista no art. 118, § 3º, da Lei 6.404/76”.6

Outros pactos parassociais: regulamentos internos

A possibilidade de estipulação de pactos societários para além do ato constitutivo(contrato social ou estatuto social) não conduz exclusivamente à figura do acordo desócios, nos moldes acima analisados. A bem da precisão, a coletividade social tem poderpara estipular regras para a sua convivência e, como decorrência, para o funcionamentoda empresa. A partir dessa possibilidade jurídica, coloca-se a oportunidade de seestabelecerem regulamentos como regimento interno, código de conduta dosadministradores e/ou sócios, código de ética societária, código de governança corporativaetc.

É preciso ressaltar que, agora, não estamos falando sobre contratos celebrados entrecertos (uns ou todos) sócios para acertar matérias como conteúdo de voto, eleiçãoconjunta de administradores, direito de preferência etc. Estes são os acordos de quotistase acionistas, que analisamos acima e vinculam o exercício das faculdades sociais. Agora,estamos chamando a atenção para outro plano dos pactos parassociais: como ocorre noscondomínios, nos clubes recreativos e noutros ambientes coletivos, podem-se ajustarregulamentos internos.

Importa atentar para as matérias que, de acordo com o Código Civil (sociedadescontratuais) e a Lei 6.404/76 (sociedades por ações), podem ser decididas por maioriasimples. Todas essas matérias podem ser dispostas nesses regulamentos, a principiar doregulamento interno, instrumento habitualmente composto para cuidar de questõesrelativas aos trabalhadores, mas que também podem cuidar de disciplinar matérias que

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digam respeito à coletividade social, desde que aprovadas por número de sócioscorrespondente ao quórum exigido para a deliberação daquela matéria.

Assim, por exemplo, o regimento pode trazer a vedação de que parentes, sanguíneosou por afinidade, sejam contratados para trabalhar na empresa, como empregados oucomo prestadores de serviço; a vedação pode alcançar cônjuge, companheiro(a),namorado(a) e outras pessoas com as quais o(s) administrador(es) e/ou sócio(s)mantenha(m) envolvimento afetivo e/ou sexual. Também é ambiente onde podem serdispostas regras sobre o funcionamento das reuniões ou assembleias de sócios, o quenos remete para a figura do manual de reuniões ou assembleias (proxy statement), elepróprio um regramento interno, como se estudará adiante.

A grande vantagem dos instrumentos de regulamento interno, recebam o nome quese lhes atribua (regimento interno, código de ética, código de boa governança etc.), écriar regras que, sendo válidas e eficazes entre os sujeitos envolvidos na empresa(sócios, administradores, gerentes, empregados), não precisam ser publicadas e,portanto, permitem tratar de questões mais delicadas. É quanto basta para que se torneuma ferramenta extremamente útil para empresas familiares, podendo cuidar deassuntos como as regras para a sucessão entre os familiares, os requisitos mínimos paraa contratação de parentes para postos na empresa etc.

Proteção dos minoritários da holding

Um dos grandes riscos da entificação do patrimônio familiar pela constituição de umasociedade holding é a transmutação da natureza jurídica das relações mantidas pelosfamiliares, que passam a estar submetidas ao Direito Empresarial e, maisespecificamente, ao Direito Societário. Isso torna possível que acordos parassociais,formais ou informais venham a criar prejuízos para alguns dos partícipes. Com efeito,como resultado desses ajustes, alguns partícipes (alguns familiares) podem se perceberna condição de sócio minoritário, com as limitações daí decorrentes. Por exemplo, numasociedade com três irmãos, o acordo entre dois pode prejudicar o terceiro. Essa situaçãoé, infelizmente, muito comum e, portanto, é preciso que o fundador esteja atento para apossibilidade de que venha a ocorrer. A forma por excelência para evitar um tal cenáriofunesto é a prevenção, não por meio dos pactos parassociais, que podem serdenunciados e, assim, extintos, com maior facilidade. O contrato social ou o estatutosocial, respectivamente nas sociedades por quotas e por ações, são o melhor instrumentopara dispor normas de proteção aos minoritários, mormente quando se preveja anecessidade de aprovação unânime para a sua alteração.

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Não é só isso. Como a holding e as empresas produtivas constituem instânciassocietárias diversas, aplicadas as regras ordinárias, dispostas no Código Civil e na Lei6.404/76, os membros da sociedade de participação experimentarão algumasdificuldades para o exercício da fiscalização dos atos praticados no âmbito das sociedadescontroladas, ainda que tais atos sejam praticados por cônjuge, irmão, primos etc. Seagem com honestidade e boa-fé, os controladores e/ou administradores trabalham afavor das sociedades e da holding, ambiente que favorece a todos. Contudo, distorçõesno comportamento que se espera desses atores familiares podem, sim, determinar umenredo de abusos. Como dissemos anteriormente, as relações familiares passam a serresolvidas segundo o regime jurídico empresarial. Nesse sentido, a urgência, que éprópria aos conflitos familiares, acaba por ver-se enredada por um ambiente que atendea outra lógica: o Direito Societário.

Esse contraste entre cenários suportados por princípios diversos nem sempre é deassimilação fácil, como se afere, por exemplo, do julgamento do Agravo de Instrumento990.10.179220-6, pela Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de SãoPaulo. No caso, a sócia de uma holding familiar (uma sociedade anônima), detentora de48,95% das ações, moveu uma ação cautelar contra o outro acionista, seu ex-marido, aquem pertenciam as ações restantes. Pretendeu a concessão de medida limitar sem aaudiência da parte contrária [inaudita altera pars], para que lhe fossem exibidosdemonstrativos financeiros, relatórios de auditores, atos societários e descriçãodetalhada de endividamento das empresas com bancos e governo, tudo para queesclareça a causa dos vultosos prejuízos apresentados pelas mesmas no último exercício.A Corte, contudo, confirmou o indeferimento da medida: “indiscutível embora o direito defiscalização da autora, as providências solicitadas são de muita amplitude, não sendoaconselhável o deferimento da liminar antes de se possibilitar a manifestação das rés [associedades]. Afinal, há divergência entre as partes até mesmo sobre a extensão dessedireito de fiscalização no que toca às empresas coligadas”. Concluíram os julgadores:“Após a contestação, o pleito poderá ser reiterado em primeiro grau.” Facilmente sepercebe que a urgência do problema familiar foi submetida à cadência que deve orientaros interesses institucionais nos conflitos entre sócios, nomeadamente no contexto dascompanhias (Lei 6.404/76).

A constituição de uma holding pode afastar os seus sócios dos negócios e dopatrimônio das sociedades filiadas e controladas. Isso pode permitir abusos porparte daqueles que eventualmente controlem a holding e, assim, controlem associedades empresariais.

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Contudo, como se verá no caso para ilustração, abaixo transcrito, a Quarta Turma doSuperior Tribunal de Justiça, julgando o Recurso Especial 1.223.733/ RJ, chamou aatenção para a particularidade do vínculo existente entre os sócios da holding familiar: “Aexistência da relação jurídica entre as empresas controladas e as holdings familiares estáintimamente relacionada com o liame jurídico entre estas e a recorrente, defluindo-se daíinteresses diretos e indiretos sobre todas as sociedades empresariais do grupo, uma vezque o aviltamento do patrimônio das sociedades controladas acarretará,consequentemente, o esvaziamento do patrimônio das sociedades controladoras, da quala recorrente integra diretamente o quadro social.” Nesse contexto específico, osjulgadores chamaram atenção para as implicações da participação indireta dos sócios daholding familiar nas sociedades controladas. Superando a distinção entre sócio direto esócio indireto (sócio da holding controladora), entenderam os julgadores existir “interesseem se verem exibidos documentos que, em virtude de relações jurídicas coligadas, sãocomuns às partes”, ou seja, entenderam pelo direito dos sócios da holding de exercerematos de fiscalização sobre as sociedades fiscalizadas.

Segundo os ministros, “sob a ótica de que, in casu, a personalidade jurídica no grupode empresas deve ser tomada dentro da realidade maior da junção das empresascomponentes, e não no seu aspecto meramente formal, a confiança que deve reinarentre os sócios da empresa também deve imperar no relacionamento entre os sócios daholding e as empresas coligadas, constituindo-se em um dos pilares da affectiosocietatis.” Assim, “ao impedir-se o acesso da recorrente aos documentos das empresascoligadas apenas com fundamento em uma interpretação restritiva dos artigos 1.020 e1.021 do Código Civil, corre-se o risco de instaurar--se, ou arrefecer-se, um clima debeligerância entre os sócios da holding, comprometendo a existência da affectiosocietatis e, em última análise, atuando contra os princípios da confiança e dapreservação da empresa”.

De qualquer sorte, independentemente dessa solução jurisprudencial, há umaalternativa jurídica para evitar situações como essas. O mecanismo mais comum é oacordo de quotistas, nas sociedades contratuais, ou o acordo de acionistas, nassociedades estatutárias. Por meio desses ajustes parassociais, assinado por todos osmembros da família, regulam-se questões como o direito de preferência na aquisição dostítulos societários (quotas ou ações) de seus membros, exercício do poder de voto,ocupação dos cargos da administração societária, direito de fiscalização dos atosadministrativos, da escrituração contábil e dos documentos empresariais, realização deauditorias, direito de retirada (recesso) da sociedade, ingresso de terceiros na sociedade,entre tantos outros. Todavia, acordos de quotistas ou acionistas são contratos e, assim,as partes que os firmaram a eles não estão vinculadas para sempre. Aliás, raramente o

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Direito aceita a constituição de obrigações perpétuas e esse não é um dos casos.Portanto, pode haver a retirada de um ou mais acordantes, com efeitos nefastos sobre oequilíbrio das relações entre os quotistas ou acionistas da própria holding.

Em oposição, a colocação dessas cláusulas no âmbito do próprio ato constitutivo, ouseja, do contrato social ou do estatuto social, protegido por uma cláusula que estabeleçaa necessidade de voto unânime para que sejam alterados, acabará por criar umaproteção mais eficaz. O ato constitutivo pode trazer qualquer norma que não contrarie alegislação, incluindo os princípios jurídicos, embora a validade dessas previsões estejatambém vinculada ao respeito da mesma legislação e princípios. Com efeito, umacláusula lícita pode ser executada de forma ilícita, a exemplo do abuso de direitoresultante do desrespeito à função social da respectiva faculdade jurídica, bem como adesatenção aos princípios da boa-fé e da honestidade.7

Não se esqueça, ademais, que a colocação no ato constitutivo de regras de proteçãoa todos os sócios, designadamente os minoritários, incluindo direitos que se estendem,de forma legítima (não abusiva), sobre as sociedades controladas, constituirá medida deboa governança corporativa, refletindo uma preocupação bem atual da teoria societária.Assim, diversos instrumentos podem ser erigidos, como a constituição de conselhoconsultivo, a previsão de que as deliberações devem ser aprovadas não apenas pelamaioria do capital social, mas também pela maioria dos sócios (voto por cabeça), aprevisão de quórum mais elevado ou, até, o estabelecimento de indispensávelunanimidade nas votações.

Caso para ilustração

Única Participações Ltda.

Regina ajuizou uma ação cautelar de exibição de documentos contra associedades Única Participações Ltda., Naveriver Navegação Fluvial Ltda., H.Dantas Construção e Reparos Navais Ltda., H. Dantas Comércio, Navegação eIndústrias Ltda., H. Dantas Serviços Marítimos e Portuários Ltda., CabotoComercial e Marítima Ltda., Speedboat – Serviços de Transporte e TurismoLtda., Flunave Fluvial Navegação Ltda. e Sulnorte Serviços Marítimos Ltda. Aação também foi dirigida contra José, Adolfo e Augusto, sócios da autora. Apetição inicial argumentou que a autora era sócia minoritária de uma holdingfamiliar, sociedade que controlaria as sociedades rés, alegando que os sóciosmajoritários estariam se utilizando de subterfúgios e artimanhas para impedirseu acesso à administração das sociedades controladas. Assim, pediu aexibição de documentos que seriam imprescindíveis ao exercício da fiscalização

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da administração das controladas.Como haveria participação direta em algumas sociedades e participação

indireta noutras, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a obrigaçãode exibição de todos os documentos requeridos tão somente em relação àssociedades nas quais a autora constasse do quadro social como integrante, deforma direta. Por meio do Recurso Especial 1.223.733/RJ, o caso mereceu oexame da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que manifestou-se deforma distinta, seguindo o voto do Ministro Luiz Felipe Salomão. Para osjulgadores, tem-se nítida “a constituição de uma holding, cujas empresas dasquais a recorrente integra diretamente o quadro social, são tambémcontroladoras daquelas em que não participa, ao menos de maneira direta, docapital estipulado no contrato social”. Ressaltou-se, ademais, tratar-se deholding familiar. “Nesse cenário, cinge-se a controvérsia em saber se aparticipação indireta tem o condão de conferir ao sócio da holding familiar –que participa do quadro social de outras empresas –, o direito de pedir aexibição de documentos que a lei confere aos sócios destas últimas. Comefeito, nos termos do art. 1.021 do Código Civil e art. 844, II, do CPC, o sóciotem direito de acesso aos documentos da sociedade, a fim de analisar eventualirregularidade na administração e para exame da pertinência de possívelação.”

“No presente caso, contudo, para a resolução justa da controvérsia, nãopode ser dado o excessivo peso, como fez o acórdão recorrido, ao fato de arecorrente não ser sócia direta das empresas das quais requer a exibição dosdocumentos, para afastar-lhe esse direito. Isso porque, a peculiaridade do casorecomenda uma mitigação da norma de direito material, uma vez que arecorrente é sócia de quatro holdings familiares, estas, por sua vez, sóciascontroladoras das empresas das quais o acórdão recorrido afastou a obrigaçãode exibição dos documentos. Sobreleva, aqui, para além da questão do sóciodireto, o interesse em se verem exibidos documentos que, em virtude derelações jurídicas coligadas, são comuns às partes. Observa-se que osdocumentos cujo teor pretende a recorrente conhecer se encontramdiretamente relacionados às atividades das empresas Speedboat – Serviços deTransporte e Turismo Ltda., Flunave Fluvial Navegação Ltda., Sulnorte ServiçosMarítimos Ltda. e H. Dantas Serviços Marítimos e Portuários Ltda., das quaissão sócias majoritárias, respectivamente, Única Participações Ltda., NaveriverNavegação Fluvial Ltda. e H. Dantas Comércio, Navegação e Indústrias Ltda.,e, destas, a autora detém quotas do quadro social.”

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Prosseguiram os julgadores: “Retomando a questão relativa àpossibilidade de os autores obterem os documentos desejados, é bem de verque, no presente caso, tratando-se de uma holding familiar, a relação jurídicados sócios desta com as empresas por ela controladas ressoa ainda maisevidente esse direito. Isso porque, ao se criar uma holding familiar, objetiva-sea concentração e proteção do patrimônio da família, facilitando a gestão dosbens e ainda obtendo maiores benefícios fiscais em caso de sucessão. Nãohavendo nenhuma limitação ou determinação sobre a sua natureza jurídica, a‘chamada holding familiar não é um tipo específico, mas uma contextualizaçãoespecífica’, sendo que sua ‘marca característica é o fato de se encartar noâmbito de determinada família e, assim, servir ao planejamento desenvolvidopor seus membros, considerando desafios como organização do patrimônio,administração de bens, otimização fiscal, sucessão hereditária etc.’(MAMEDE,Gladston. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico eeconômico do patrimônio e da sucessão familiar. São Paulo: Atlas, 2011, p. 5).No grupo de empresas de que cuidam os presentes autos, a recorrente é sóciade quatro holdings que – possuindo quase a totalidade das quotas das demaisempresas do grupo –, deixam de ser apenas depositárias de participaçõessocietárias, assumindo papel primordial de governo de toda a organização.Assim, consoante preleciona Gladston Mamede, na já referida obra HoldingFamiliar: ‘A holding pode se tornar a sociedade que representa o conjunto dassociedades controladas, na mesma proporção em que também representa afamília que a controla’ (p. 55).”

“[...] Desse modo, a existência da relação jurídica entre as empresascontroladas e as holdings está intimamente relacionada com o liame jurídicoentre estas e a recorrente, defluindo-se daí interesses diretos e indiretos sobretodas as sociedades empresariais do grupo, uma vez que o aviltamento dopatrimônio da sociedade controlada acarretará, consequentemente, oesvaziamento do patrimônio da sociedade controladora. [...] Ademais, nahipótese de ocorrer a prática de atos fora dos limites do contrato social, emdesvio de finalidade ou para fins de confusão patrimonial, poderá surgir,inclusive, a desconsideração da personalidade jurídica do grupo, sendo atingidoo patrimônio dos sócios, dentre eles, a recorrente. Conquanto aqui não seesteja a estabelecer previamente a possibilidade de desconstituição, essahipótese, ao menos em tese, revela-se pertinente para se demonstrar apresença do interesse da recorrente em verificar a regularidade naadministração do grupo, no qual é detentora, ainda que minoritária, de quotas

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das empresas controladoras. Ademais, a reforçar a presença do interesse darecorrente, cumpre ressaltar que a legislação nacional possui, em seus maisdiversos campos, dispositivos que tratam da responsabilidade solidária ousubsidiária das sociedades integrantes de grupos econômicos como o art. 2o, §2o, da CLT, o art. 17 da Lei 8.884/94, o art. 28 do CDC e o art. 30, IX, da Lei8.212/91.”

“A esta altura, vale rememorar que o grupo empresarial familiar emquestão foi constituído sob a forma de sociedade limitada, onde os sóciosforam congregados, por ocasião da sua constituição, por motivações pessoais,agindo substancialmente como força atrativa a afeição recíproca e a mútuaconfiança que permeava entre eles, considerada a base da affectio societatis.Esta última, analisada sob o seu aspecto objetivo, ‘traduz o dever geral detodos os sócios de atuarem a bem da sociedade, permitindo que se realizem assuas funções jurídica, econômica e social’ (MAMEDE, Gladston. DireitoSocietário. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 104). Dessa forma, ao impedir-se oacesso da recorrente aos documentos das sociedades coligadas apenas comfundamento em uma interpretação restritiva dos arts. 1.020 e 1.021 do CódigoCivil e do art. 844, II, do CPC, corre-se o risco de instaurar, ou arrefecer, umclima de beligerância entre os sócios da holding, comprometendo a existênciad a affectio societatis e, em última análise, atuando contra o princípioconstitucional da preservação da empresa.”

Resultados sociais: lucros ou perdas

A atividade desenvolvida por qualquer sociedade tem um resultado positivo ounegativo. Se positivo, fala-se em superávit ou, ainda, em lucro; se negativo, fala-se emdéficit ou, melhor, em prejuízo. Essa vantagem ou desvantagem econômica são dasociedade, não dos sócios, já que o patrimônio e a atuação é da pessoa jurídica e nãodos titulares de suas quotas ou ações. No entanto, esses resultados da sociedadeacabam por produzir efeitos sobre o patrimônio dos sócios, inclusive quando se trate deuma holding familar, o que justifica a presente análise.

Nas sociedades por quotas, de acordo com o artigo 997, VII e VIII, o contrato socialdeverá estipular a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas, bem comoestipular se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.Assim, o contrato social deverá estipular a participação dos sócios nos lucros e nasperdas sociais, sendo vedada a exclusão de qualquer deles de uma ou outra participação,

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excetuados os sócios cuja contribuição social consista em trabalho, que somente participados lucros, na proporção da média do valor das quotas (artigo 1.007 do Código Civil).Consequentemente, participar dos lucros é direito do sócio, assim como participar dasperdas é um dever do sócio; e será nula a estipulação contratual que exclua qualquersócio de participar dos lucros e das perdas, à exceção, reitero, do sócio obrigado àprestação de serviços, no que se refere às perdas (artigo 1.008).

Os benefícios da sociedade, inclusive de uma holding, devem ser atribuídos a todosos sócios. Não se admite a utilização do bem coletivo (e a sociedade o é), a bem de umou alguns, em prejuízo de outro(s). Essa questão surgiu no julgamento do Agravo1.0024.02.790738-5/001 pela 11a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais,no qual a relatora, Desembargadora Selma Marques, reconheceu a irregularidade deempréstimos indevidamente realizados pela holding a terceiros, sem a cobrança de jurosou correção monetária. Os prejuízos sofridos pela sociedade deveriam ser indenizadospelos responsáveis, o que se refletiria no direito do sócio que, pleiteando sua retirada(direito de recesso), buscava a liquidação de suas quotas. “A utilização pelos agravantes,sócios controladores, da importância auferida pela holding de forma contrária ao objetosocial da empresa, para beneficiarem outras sociedades das quais têm participação fere odever de lealdade existente entre os sócios.”

No que diz respeito às perdas, os efeitos sobre os sócios dependerá do regime a queesteja submetido o tipo societário. Na sociedade simples ordinária e na socie dade emnome coletivo, assim como em relação aos sócios comanditados da sociedade emcomandita simples e sócios diretores das sociedades em comandita por ações, se os bensda sociedade não sejam o suficiente para satisfazer a suas obrigações, a suas dívidas, ossócios responderão pelo saldo com seus bens particulares; é a responsabilidadesubsidiária. Entretanto, os bens dos sócios só podem ser executados pelas dívidas dasociedade depois que os bens sociais o forem.

Nas sociedades limitada e anônima, assim, como em relação aos sócioscomanditários da sociedade em comandita simples e sócios não diretores da sociedadeem comandita por ações, não há falar em responsabilidade subsidiária pelas obrigaçõesnão satisfeitas pela sociedade. Contudo, a aplicação desse limite de responsabilidadepressupõe a prática de atos lícitos. Se o administrador ou se os sócios, em coletividade,praticarem atos ilícitos dos quais resultem danos, econômicos ou morais, a outrem,deverão indenizar os prejuízos resultantes. O limite de responsabilidade serve para aproteção dos sócios contra os riscos do negócio, nunca para a prática de atos ilícitos.Neste caso, a responsabilidade é pessoal e não se afasta, sequer, com a retirada dasociedade ou com a extinção desta. É responsabilidade aquiliana, fruto da prática de atoilícito, ainda que no exercício da condição de sócio e do poder de votar nas deliberações

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societárias.Assim, diante do Agravo 1.0024.02.790738-5/001, a 11a Câmara Cível do Tribunal de

Justiça de Minas Gerais reconheceu a legitimidade de ex-sócios de uma holding pararesponder a ação na qual se pleiteava indenização por prejuízos sofridos pela inadequadaadministração da sociedade. “Foram eles os beneficiados pelos possíveis prejuízoscausados ao autor pela falha da repartição, distribuição e aplicação dos lucros (posto quenão teriam sido os lucros referidos nem distribuídos para os autores, nem incorporados àsociedade). Ademais, o fato de terem incorporado ao patrimônio pessoal o valorcorrespondente às quotas que possuíam na sociedade somente faz agravar suasresponsabilidades, e não eximi-las. [...] Assim, uma vez julgadas procedentes asdemandas pendentes, não há dúvidas de que os sócios beneficiados com a aplicaçãoequivocada (segundo as alegações do autor) dos lucros da sociedade, deverão serresponsabilizados.”

Relações entre sociedades

Para além das relações societárias interna corporis, aqui já examinadas, importatambém examinar as relações societárias mantidas pela holding com outras sociedades,ou seja, suas relações com sociedades coligadas. Afinal, na grande maioria dos casos asholdings apresentam-se como sociedades de participações, ou seja, sociedadesconstituídas com a finalidade de deter quotas ou ações de outras socie dades,nomeadamente empresas operacionais, conservando o poder societário correspondente adeterminada participação, em bloco, o que iria se desfazer se houvesse umfracionamento pela sucessão hereditária. Por outro ângulo, mesmo quando a holding éconstituída com objetivos maiores, qualificando-se como socie dade patrimonial, ou seja,titularizando bens móveis e imóveis, materiais e imateriais, é usual que parte desseacervo patrimonial seja composto por quotas ou ações de empresa, recolocando oproblema da coligação societária, ou seja, das relações societárias entre sociedades.

O Código Civil lista sob o rótulo geral de sociedades coligadas todas as relações decapital mantidas entre sociedades (artigo 1.097 do Código Civil). Essas relações decapital podem ser de três tipos, segundo esse mesmo artigo: (1) controle, (2) filiação (oucoligação, em sentido estrito) ou (3) mera participação societária. A situação de controlenão é exclusivamente matemática (50% + 1 voto), embora seja óbvio que sejacontrolador aquele que detenha a maioria absoluta do capital votante, se o atoconstitutivo (contrato social ou estatuto social) não prevê outro mecanismo ou outraequação para o controle societário, como muito se estudou neste livro: necessidade de

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unanimidade, estabelecimento de quórum qualificado, necessidade de simultâneaaprovação por cabeça (voto per capita), entre outras.

A condição de controlador (e, por extensão, de sociedade controladora) resulta deuma situação de fato, apurada em cada caso dado em concreto: a capacidade de decidiras deliberações sociais e eleger a maioria dos administradores, de modo duradouro,constantemente (artigo 243, § 2º, da Lei 6.404/76 e artigo 1.098, I, do Código Civil).Quando há participação societária difusa, o controle pode ser obtido com menos de 50%do capital votante. Pode haver mesmo controle indireto. Isso ocorre quando a titularidadedas ações ou quotas necessárias para decidir as deliberações sociais e de eleger amaioria dos administradores for de uma sociedade que, por seu turno, seja controladapor outra. Assim, se A controla a Sociedade Ypsilon, tendo o poder de decidir seusdesígnios, e se essa sociedade controla a Sociedade Dáblio, tendo o poder de decidirseus desígnios, A exerce o controle, ainda que indireto, da Sociedade Dáblio, como nailustração:

Essas estruturas societárias em cadeia são construídas com finalidades diversas;podem atender a certo planejamento societário, buscando dar aos negócios umaorganografia adequada, assim como podem servir a certas estratégias societárias.8 Basta

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lembrar que estruturas em cadeia permitem exercer o controle com menor desembolsode capital, admitindo sócios nas controladoras intermediárias. Não é uma questão jurídicapor que se faz isso; o Direito importa-se com a possibilidade de fazê-lo e os meioscorretos para tanto, além dos reflexos da situação. O Direito é o meio que permite aconcretização de estratégias planejadas por administradores de empresa, investidores,consultores etc.

A situação de controle societário, mesmo quando manifestada por uma outrasociedade (inclusive uma holding, nos moldes aqui estudados), determina não apenasvantagens, resultantes da faculdade de exercer o poder de voto nas deliberações eeleições sociais. Determina, igualmente, obrigações para com a sociedade e para com acoletividade social. Por exemplo, nas companhias abertas, o controlador deve informarimediatamente as modificações em sua posição acionária na companhia à Comissão deValores Mobiliários e às Bolsas de Valores ou entidades do mercado de balcão organizadonas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos ànegociação, nas condições e na forma determinadas pela Comissão de Valores Mobiliários(artigo 116-A da Lei 6.404/76). Mais do que isso, é certo que constitui ato ilícito oexercício do poder de controle societário fora dos limites da licitude, da boa-fé, daprobidade e, mesmo, desconsiderando as funções sociais da companhia. Essaresponsabilidade do acionista controlador tem expressão positiva no artigo 117 da Lei6.404/76, que a contempla como decorrente de atos praticados com abuso de poder,embora não se possa afastar a hipótese de atos dolosos, por motivos óbvios.

Distinta da condição de controle é a situação de mera coligação. A expressãosociedade coligada pode ser utilizada em sentido largo (artigo 1.097 do Código Civil),abrangendo as situações em que uma sociedade participa do capital social de outra, hajacontrole, filiação ou mera participação. Em sentido estrito, sociedade coligada é sinônimode sociedade filiada (artigos 1.099 e 243, § 1º, da Lei 6.404/76). Há filiação ou coligação,em sentido estrito, quando uma sociedade titulariza, no mínimo, 10% do capital de outrasociedade, sem que, contudo, tenha esta controle sobre aquela, ou seja, sem que aempresa coligada tenha capacidade de decidir as deliberações sociais e de eleger amaioria dos administradores. É indiferente tratar-se de capital votante ou não; olegislador não fez qualquer restrição. Importa tratar-se de uma participação que olegislador considera relevante: mais de 10% do capital de outra sociedade.

Em oposição, há simples participação societária quando uma sociedade possuamenos de 10% do capital com direito a voto de outra sociedade (artigo 1.100 do CódigoCivil). A limitação ao capital com direito a voto, feita pelo legislador, não se sustenta. Seuefeito seria deixar no limbo as participações inferiores a 10% do capital sem direito avoto, o que resultaria, nesses casos, num enfraquecimento do capital social nos casos de

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participação recíproca, o que não é desejável.O artigo 1.101 do Código Civil veda que uma sociedade participe de outra, que seja a

sua sócia (caracterizando, portanto, participação recíproca) em montante que sejasuperior ao de suas próprias reservas, excluída a reserva legal, isto é, reservas que sejamdeterminadas por lei específica, a exemplo do artigo 193 da Lei 6.404/76. Portanto, aparticipação recíproca somente é tolerada nos limites dos lucros que, não tendo sidodistribuídos, foram reservados na sociedade.9 Dessa maneira, evita-se o aviltamento dagarantia geral que os ativos empresariais devem proporcionar para os respectivospassivos empresariais. Evita-se, assim, o risco de enfraquecimento do capital social dassociedades em que há participação recíproca. Se a sociedade A tivesse R$ 500.000,00 emquotas da sociedade B e esta, por seu turno, tivesse R$ 500.000,00 em quotas dasociedade A, esses direitos se compensariam e, assim, apesar de existirem naescrituração contábil de ambas as pessoas jurídicas, não se traduziriam em riquezaefetiva.

A participação recíproca só é admitida se há reservas de capital em montantesuperior ao valor da participação recíproca, excluída a reserva legal, ou seja, as reservasque sejam determinadas em lei, a exemplo do artigo 193 da Lei 6.404/76. São reservasde capital os valores que, embora pudessem ser distribuídos como lucros, foramconservados na sociedade para, assim, fortalecê-la. Esses valores são escriturados emrubrica própria (reserva de capital) e não se confundem com outras rubricas similares:fundos e provisões, que abordaremos adiante, quando examinarmos a administraçãofinanceira das sociedades empresariais familiares. Fundos e provisões não atendem àexigência de reservas, por montante superior ao valor da participação recíproca (artigo1.101 do Código Civil). É preciso que os valores estejam escriturados como reserva, istoé, que constituam sobra de valores conservada voluntariamente na contabilidade semfinalidade específica (reserva inominada), servindo ao reforço do capital registrado. Aparticipação recíproca está limitada a tal reserva.

As quotas e as ações titularizadas por sociedades com participações recíprocas queexcedam o valor das reservas inominadas de capital constituirão participação societáriaindevida. Ademais, a descoberta desse excesso de participação societária recíproca, apartir da aprovação do balanço patrimonial, implica a obrigação de alienar as quotas ouações em excesso, no prazo de 180 dias, contados daquela aprovação (artigo 1.101,parágrafo único, do Código Civil). Enquanto essa alienação não for providenciada, asociedade não poderá exercer o direito de voto correspondente às ações ou quotas emexcesso. A desatenção à determinação legal de transferência das ações implicarácaracterização de fraude societária, dando azo até à desconsideração da personalidadejurídica, podendo atingir, conforme o caso, administradores e sócios.10

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A sociedade controladora e suas controladas podem constituir um grupo desociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ouesforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividadesou empreendimentos comuns.

Por fim, será proveitoso esclarecer que a participação recíproca, que acabamos deanalisar, não se confunde com a participação cruzada, muito comum em famíliasempresárias. A evolução da história familiar, na exploração dos negócios, pode conduzir asituações de participação cruzada, ou seja, cenários nos quais os mesmos parentes sãosócios de sociedades diversas, mas em proporções inversas: o(s) controlador(es) de umasociedade é minoritário noutra e vice-versa.

Não há limitação legal para isso, nem requisitos específicos ou limites de capital.Aliás, tais situações não oferecem grandes desafios sempre que as partes envolvidasconseguem manter relações harmônicas entre si. Há casos nos quais, apesar dospercentuais diversos nas sociedades, estabelece-se mesmo uma situação de controlecomum, podendo mesmo ver-se estabelecida uma administração compartilhada das duassociedades, incluindo uma economia com os custos da gestão administrativa (backoffice), o que é lícito.

No entanto, registram-se casos em que a convivência entre tais parentes azeda e,assim, a situação de controle comum se desfaz: cada parte invoca a sua condição decontrolador dessa e daquela sociedade, exercendo seu poder societário. Nesse cenário, aparticipação cruzada pode se tornar um grande problema, pois as desavenças podemcriar um conjunto de retaliações recíprocas, tornando-se um obstáculo para o bomandamento da empresa e, ainda mais, para o seu crescimento. Nesses cenários, érecomendável a intervenção do advogado e de consultores empresariais para buscaremuma forma de desfazer a participação cruzada e, assim, resolver o problema.

Um último ponto deve ser observado: os administradores não podem, em prejuízo deuma sociedade, favorecer sociedade coligada, controladora ou controlada. Cumpre-lheszelar para que as operações entre as sociedades, se houver, observem condiçõesestritamente comutativas, ou com pagamento compensatório adequado; osadministradores respondem civilmente perante a sociedade gerida pelas perdas e danosresultantes de atos que desrespeitem tal regra (artigo 245 da Lei 6.404/76). Coligação,aqui, interpreta-se em sentido largo, a incluir as hipóteses de controle, de mera filiaçãoe, até, de mera participação societária.

Para além da responsabilidade dos administradores, há a responsabilidade daprópria pessoa jurídica: a sociedade controladora está obrigada a reparar os danos que

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9.1

causar à controlada por infração de suas obrigações de controle. O poder de controledeve ser utilizado para fazer a sociedade realizar o seu objeto e cumprir sua funçãosocial, respeitando os direitos dos demais sócios, de todos aqueles que trabalham naempresa, além dos direitos e interesses da comunidade (artigo 246).

Subsidiária integral

Outra alternativa jurídica para a composição da arquitetura societária da(s)atividade(s) negocial(is) de uma família é a constituição de uma subsidiária integral. Oartigo 251 da Lei 6.404/76 autoriza que uma sociedade anônima seja constituída,mediante escritura pública, tendo uma sociedade brasileira como único acionista. Asubsidiária integral é outra pessoa jurídica, outra sociedade. Mas só tem um sócio: ela écontrolada por uma outra sociedade, o que pode servir para planejamento societário oupatrimonial. Por exemplo, no Brasil, companhias que exploram rodovias, concedidas peloPoder Público, constituem uma subsidiária integral para cada concessão. Assim, aConcessionária da Rodovia Presidente Dutra S/A é uma subsidiária integral da CCR S/A.Aliás, nestes casos, fala-se em sociedade de propósito específico (SPE), certo que acompanhia foi constituída com o propósito específico de administrar a concessão daRodovia Presidente Dutra.

A intercomunicação marcante entre as sociedades deixa a subsidiária integral emcondição análoga à de órgão social da controladora, embora com autonomia subjetiva(personalidade jurídica própria) e patrimonial (faculdades – inclusive a titularidade debens – e obrigações próprias), o que implica escrituração contábil própria. Apesar docontrole integral, cuidam-se de duas sociedades diversas, duas pessoas jurídicas

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diversas.Segundo a Lei 6.404/76, a subsidiária integral deverá ser, obrigatoriamente, uma

sociedade anônima. A regra mantém-se válida na constituição de sociedades anônimasque sejam subsidiárias integrais. Contudo, em face da Lei 12.441/11, alguns juristaspassaram a sustentar a possibilidade de constituição de empresas individuais deresponsabilidade limitada (eireli) por pessoas jurídicas; a prevalência desseentendimento, sobre o qual ainda pairam muitas dúvidas, levará à possibilidade de seconstituir subsidiária integral sob duas formas diversas: sociedade anônima ou eireli.

As dúvidas não param aí. A constituição de subsidiária integral, nos termos da Lei6.404/76, só pode ser feita por sociedade brasileira, ou seja, por sociedade constituída noBrasil, segundo as leis brasileiras e com sede no país, ainda que seus sócios e seu capitalsejam estrangeiros. A mesma limitação não alcançaria a eireli, caso prevaleça oentendimento de que pode ter uma pessoa jurídica como titular, permitindo, assim, quesociedades empresárias estrangeiras constituíssem--se empresas individuais deresponsabilidade limitada no país.

Não é essa a nossa posição, contudo, embora não se possa prever qualentendimento prevalecerá no Direito brasileiro, depois de a questão ser levada aostribunais. Por isso, por ora, vamos voltar à regência da Lei 6.404/76, ou seja, vamosretornar à figura da sociedade anônima subsidiária integral, deixando de lado a figura daeireli.

Como a subsidiária integral tem um único acionista, sua constituição se faz porsubscrição privada, ou seja, por meio de escritura pública. No entanto, se a sociedadeacionista for uma companhia de capital aberto, a operação estará submetida às normas eao controle da Comissão de Valores Mobiliários, em face das suas inequívocasrepercussões sobre os interesses dos acionistas da controladora, além de investidores e,por fim, do mercado como um todo.

Pode-se criar uma subsidiária integral ou transformar uma sociedade anônima emsubsidiária integral. Para essa transformação, bastará que uma sociedade brasileira, sejaqual for a sua forma societária, adquira todas as ações de uma determinada companhia,convertendo em subsidiária integral (artigos 251, § 2º, e 252 da Lei 6.404/76). Éteoricamente possível, inclusive, operação mais complexa: aquisição de todas as quotasde uma sociedade contratual e, no prazo de 180 dias, durante o qual é lícita a unicidadesocial (artigo 1.033, IV, do Código Civil), providenciar-se transformação societária emcompanhia, com previsão estatutária de cuidar-se de subsidiária integral.

A condição de companhia subsidiária integral de outra sociedade é reversível. Épossível admitir outros acionistas, seja por meio de aumento de capital, com emissão denovas ações, seja alienando parte das ações, restaurando a pluralidade de acionistas.

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Isso pode ocorrer conservando-se o controle acionário ou, mesmo, alienando-o, emboraconservando participação societária.11

Grupo de sociedades

Ademais, a holding (sociedade controladora) e suas controladas podem constituir umgrupo de sociedades, um conjunto empresarial regulado por uma convenção específica(um contrato, um ato de constituição do grupo), por meio da qual se obriguem acombinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos sociais, ou aparticipar de atividades ou empreendimentos comuns (artigo 265 da Lei 6.404/76). Aconstituição do grupo de sociedade pressupõe a existência de u m a sociedadecontroladora e, em contraste, de sociedades controladas. A sociedade controladorapoderá ser uma sociedade de participação ou holding pura ou mista.

Parece-nos que o uso reiterado dessas expressões, pelos artigos 265 a 274 da Lei6.404/76, implica não se admitir a constituição formal de um grupo de sociedadesquando há mera situação de coligação ou filiação (10% ou mais do capital da outrasociedade, sem que haja controle). Aliás, o artigo 265, § 1º, não só exige o controle dassociedades filiadas (expressão que pode causar dúvida, em face do texto do artigo 1.097do Código Civil), mas também exige controle de modo permanente, embora aceitecontrole direto ou indireto, bem como controle resultante de acordo com outros sócios dequotistas ou acionistas.

A impossibilidade de constituição formal, vale dizer, de constituição de direito dogrupo sem que haja uma relação de controle societário, não impede sociedadesmeramente coligadas de agruparem-se de fato, vale dizer, informalmente, inclusivemediante o estabelecimento plenamente válido de uma convenção intragrupal. Não hánorma jurídica que o vede. Mas não será um grupo de sociedades em sentido estrito, nãopodendo sequer usar as palavras grupo ou grupo de sociedade, por expressa proibição doartigo 267, parágrafo único, que as reservam para os grupos organizados de acordo coma Lei 6.404/76.

A convenção de grupo societário deverá conter os elementos listados pelo artigo 269da Lei 6.404/76:

(1) A designação do grupo, ou seja, o seu nome, do qual constarão as palavrasgrupo de sociedades ou grupo (artigo 267); nada impede que o núcleo da denominaçãorepita o núcleo da denominação de uma das sociedades do grupo: Grupo Abril e EditoraAbril S.A.

(2) A indicação da sociedade de comando, necessariamente brasileira (artigo 265, §

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1º), e das sociedades filiadas.(3) As condições de participação das diversas sociedades, esclarecendo como se dará

a combinação de recursos e/ou esforços para a realização dos respectivos objetos sociais,a participação em atividades ou empreendimentos comuns, respeitando a lei e os atosconstitutivos.

(4) O prazo de duração, se houver, e as condições de extinção.(5) As condições para admissão de outras sociedades e para a retirada das que o

componham; a retirada é elemento intrínseco à convenção do grupo de sociedades(artigo 269, V); os grupos societários são cindíveis por definição, caracterizando aprevisão contrária como indevida sujeição de uma parte às demais, cláusula leonina e,assim, inválida. As condições para admissão e para a retirada não podem contrariar leis;por exemplo, não se pode estabelecer que sociedade meramente coligada, da qual asociedade de comando não detém o controle, passe a fazer parte do grupo.

(6) Os órgãos e cargos da administração do grupo, suas atribuições e as relaçõesentre a estrutura administrativa do grupo e as das sociedades que o componham. Asrelações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ousubordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas naconvenção do grupo, embora cada sociedade conserve personalidade e patrimôniosdistintos (artigo 266). Particular atenção deve ser dada aos atos constitutivos dassociedades filiadas – estatutos ou contratos sociais –, que deverão compatibilizar--se como que dispõe a convenção, sob pena de a adesão ao grupo caracterizar ato ultra vires e,assim, não vincular a respectiva sociedade. Assim, a adesão ao grupo pode exigiralterações nas cláusulas do ato constitutivo, designadamente naquelas que cuidam daadministração e/ou representação societária.

(7) A declaração da nacionalidade do controle do grupo; o grupo de sociedadesconsidera-se sob controle brasileiro se (a) a sua sociedade de comando está sob ocontrole de pessoas naturais residentes ou domiciliadas no Brasil; (b) pessoas jurídicasde direito público interno; ou (c) sociedade ou sociedades brasileiras que, direta ouindiretamente, estejam sob o controle destas últimas (artigo 269).

E (8) as condições para alteração da convenção.A convenção de grupo deve ser aprovada (artigo 270), observando as normas para

alteração do contrato social ou do estatuto, exigindo, portanto, voto favorável deacionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maiorquorum não for exigido pelo estatuto (artigo 136, V). Garante-se aos sócios dissidentesda deliberação o direito de recesso, com reembolso de suas ações ou quotas, segundo asregras estudadas anteriormente, inclusive no que se refere ao prazo decadencial e à

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possibilidade de a deliberação ser revertida pela assembleia, avaliando os efeitosnefastos do reembolso pedido. A sociedade que, por seu objeto, dependa de autorizaçãopara funcionar só pode participar de grupo de sociedades após a aprovação da convençãodo grupo pela autoridade competente para aprovar suas alterações estatutárias (artigo268).

Uma vez aprovada a convenção pela sociedade controladora (sociedade decomando) e por todas as sociedades controladas (sociedades filiadas), deverá ser elalevada a arquivamento no registro do comércio da sede da sociedade de comando,juntamente com as atas das assembleias gerais, ou instrumentos de alteração contratual,de todas as sociedades que tiverem aprovado a constituição do grupo, além dedeclaração autenticada do número das ações ou quotas de que a sociedade de comandoe as demais sociedades integrantes do grupo são titulares em cada sociedade filiada, ouexemplar de acordo de acionistas que assegura o controle de sociedade filiada. Se associedades filiadas tiverem sede em locais diferentes, deverão ser arquivadas no registrodo comércio das respectivas sedes as atas de assembleia ou alterações contratuais quetiverem aprovado a convenção, sem prejuízo do registro na sede da sociedade decomando.

O grupo se considerará constituído a partir da data do arquivamento, cuja certidãodeverá ser publicada na imprensa, passando a sociedade de comando e as filiadas a usaras respectivas denominações acrescidas da designação do grupo. As alterações daconvenção do grupo também serão devidamente arquivadas, cumpridas as formalidadeslegais, e publicadas para valerem em relação a terceiros; a falta de cumprimento dessasformalidades, no entanto, não pode ser oposta pela companhia, ou por seus acionistas, aterceiros de boa-fé.

Atente-se para o fato de que o grupo de sociedades não tem personalidade jurídicaprópria, não é uma pessoa jurídica. É apenas uma convenção entre pessoas jurídicas (associedades de comando e as filiadas), embora disponha de uma estrutura administrativa,definida na convenção, podendo ter, inclusive, órgãos de deliberação colegiada e cargosde direção geral (artigo 272 da Lei 6.404/76). A representação da sociedade de comandoe das filiadas cabe exclusivamente aos respectivos administradores societários, emconformidade com os respectivos estatutos ou contratos sociais. É possível, contudo, quea convenção, devidamente arquivada e publicada, disponha expressamente de mododiverso (artigo 272).

Em sua atuação, os administradores das sociedades filiadas observarão suasatribuições, poderes e responsabilidades, de acordo com os respectivos estatutos oucontratos sociais, mas igualmente a orientação geral e as instruções expedidas pelosadministradores do grupo, desde que não importem violação da lei ou da convenção do

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grupo. Os administradores do grupo e os investidos em cargos de administração em maisde uma sociedade poderão ter a sua remuneração rateada entre as diversas sociedades.Também é lícito à convenção estipular uma gratificação aos administradores, à qual farãojus somente nos exercícios em que se verificarem lucros suficientes para que se atribua odividendo obrigatório aos acionistas (artigo 202 da Lei 6.404/76).

A combinação de recursos e esforços, a subordinação dos interesses de umasociedade aos de outra, ou do grupo, e a participação em custos, receitas ou resultadosde atividades ou empreendimentos somente poderão ser opostas aos sócios minoritáriosdas sociedades filiadas (ou seja, os demais sócios, excluídas a sociedade de comando eas demais filiadas do grupo) nos termos da convenção do grupo (artigo 276). Havendodistribuição de custos, receitas e resultados, serão determinados e registrados no balançode cada exercício social das sociedades interessadas, assim como as compensações entresociedades, previstas na convenção do grupo.

Se a sociedade de comando do grupo causar danos à sociedade filiada pordescumprimento dos deveres genéricos de acionista controlador e dos deveresespecíficos de sociedade controladora, deverá indenizá-los, sendo réus a administradorade comando e os administradores (artigo 276, § 3º). A ação poderá ser interposta poracionistas que representem 5% ou mais do capital social, bem como a qualqueracionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos nocaso de vir a ação a ser julgada improcedente (artigo 246). A sociedade controladora, secondenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, pagará honorários deadvogado e prêmio de 5% ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização(artigo 246, § 2º).12

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 5. ed. São Paulo:Atlas, 2011. v. 2, capítulo 3, seção 6 (Acordo de quotistas), e capítulo 21, seção 6 (Acordo de acionistas).

Conferir BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. Sociedade anônima atual: comentários e anotações às inovações trazidas pelaLei 10.303/01 ao texto da Lei 6.404/76. São Paulo: Atlas, 2004. p. 121-122.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro (volume 2): direito societário: sociedades simples e empresárias. 5. ed.São Paulo: Atlas, 2011. Capítulo 21, seção 6 (Acordo de acionistas).

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro (volume 2): direito societário: sociedades simples e empresárias. 5. ed.São Paulo: Atlas, 2011. Capítulo 3, seção 6 (Acordo de quotistas).

BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. Sociedade anônima atual: comentários e anotações às inovações trazidas pela Lei10.303/01 ao texto da Lei 6.404/76. São Paulo: Atlas, 2004. p. 122.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 5. ed. São Paulo:Atlas, 2011. v. 2, capítulo 21, seção 6 (Acordo de acionistas).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2010. v. 5.

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Conferir MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Blindagem patrimonial e planejamento jurídico. São Paulo: Atlas,2011.

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010.v. 1, capítulos 8 a 10.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 5. ed. São Paulo:Atlas, 2011. v. 2, capítulo 8, seção 1 (Sociedades coligadas: controle, filiação e mera participação).

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 5. ed. São Paulo:Atlas, 2011. v. 2, capítulo 23, seção 5 (Subsidiária integral).

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 5. ed. São Paulo:Atlas, 2011. v. 2, capítulo 23, seção 7 (Grupo de sociedades).

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Funcionamento e extinção

Entificação do patrimônio

A alocação do patrimônio familiar para a integralização de uma holding impacta nãosó as relações familiares, mas essencialmente o direito de propriedade das pessoasenvolvidas. Esse ponto tem sido reiterado e precisa ser sempre frisado. Os membros dafamília deixam de ser proprietários dos bens usados na integralização, sejam móveis ouimóveis, sejam materiais ou imateriais (a exemplo de quotas e ações). A holding passaráa ser a proprietária desses bens. Os membros da família se tornam membros da holding,ou seja, tornam-se sócios e, assim, titulares de suas quotas ou ações, conforme o tiposocietário escolhido. O profissional do Direito, da Contabilidade ou da Administração deEmpresas que realiza uma tal operação e/ou que presta consultoria para a família deveser muito cuidadoso no tratamento dessas questões e na exposição de suas implicações.

Expectativa de sucessão

Como ilustrado pelo gráfico anterior, a expectativa dos familiares, habitualmente, éque a sucessão lhes dará domínio direto sobre parcela do patrimônio social. O uso da

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palavra domínio, aqui, é muito rico: é habitual haver uma expectativa, em cada herdeiro,de se tornar o senhor da parcela do patrimônio que lhe caberá com a sucessão. Semcompartilhamento, sem convivência, sem interferências. O custo dessa lógicaindividualista, contudo, é muito grande. Basta recordar ser muito comum ouvir históriasde pessoas que falam da imensa fortuna de um avô ou bisavô, completamente perdidapela fragmentação do patrimônio na sucessão hereditária. Essa fragmentação,habitualmente, desfaz a vantagem de mercado detida por um patrimônio produtivo: agrande propriedade agropecuária se torna um conjunto de áreas improdutivas, a rede delojas se fragmenta etc. A isto também serve a estratégia de constituir uma holdingfamiliar, como se viu anteriormente: para manter a força do patrimônio familiar, a bemde todos os membros da família.

No entanto, com a constituição da holding familiar, essa lógica privada aguda,radical, desfaz-se. Não apenas as relações do herdeiro com a parcela que lhe toca nopatrimônio, mas suas relações com os demais herdeiros. Não é mais uma questão deDireito de Família, de Direito Sucessório ou de Direito de Propriedade. Passa-se a teruma questão de Direito Empresarial e, mais precisamente, de Direito Societário. Osherdeiros não serão proprietários do patrimônio familiar, mas titulares das quotas ouações da sociedade que, por seu turno, será a proprietária daquele patrimônio e, assim,conservará a sua unidade.

Sucessão na holding

Representação e administração

Um dos aspectos relevantes dessa questão está justamente na administração daholding. As pessoas jurídicas são administradas em conformidade com seu ato

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constitutivo, ou seja, de acordo com o contrato social, se sociedade por quotas, ou oestatuto social, se sociedade por ações. Não só administração, mas igualmenterepresentação, ou seja, a definição de quem poderá firmar contratos e praticar atos emnome da sociedade. Atos físicos que, realizados por seres humanos, são juridicamenteconsiderados como tendo sido praticados pela pessoa jurídica. Esse mecanismo jurídicopode levar a uma situação na qual os membros da família, na condição de sócios, tenhamsua ingerência sobre o patrimônio limitada às deliberações sociais, cabendo a um deles,ou a um administrador profissional (conforme o tipo societário adotado), a prática dosatos de administração e a representação da holding.

É fundamental atentar para o fato de que o ato constitutivo, seja um contrato ou umestatuto, deverá definir quais são os poderes e quais as atribuições do(s)administrador(es). Quanto mais cuidadosa e minuciosa for a definição das atribuições edos poderes do administrador, constante do ato constitutivo, maior será a segurança dossócios em relação a seus atos. Aliás, preservam-se, dessa maneira, não só os interessese direitos dos próprios sócios, mas também os de terceiros que, consultando o atoconstitutivo, quem é verdadeiramente, de direito, o administrador e quais são os seuspoderes. Esse esforço inclui até a definição de atos que só podem ser praticados apósautorização da reunião ou assembleia de sócios e de atos que não podem ser praticadosde forma alguma.

Modelo de cláusula contratual

Cláusula – À sociedade é vedado dar aval ou prestar fiança em favor deterceiros, inclusive em favor de seus sócios, salvo autorização expressa daunanimidade dos sócios, em assembleia convocada expressamente para decidira matéria.

Nas sociedades simples em comum, na sociedade em nome coletivo e na sociedadeem comandita simples, o administrador será nomeado por meio do contrato social. Seráum dos sócios, na sociedade em nome coletivo e na sociedade em comandita simples,neste último caso, um sócio comanditado. Na sociedade limitada, a nomeação poderáfazer-se por meio de cláusula no contrato social ou por documento em apartado, hipótesena qual a nomeação e o termo de posse são anotados num livro de atas daadministração. Cuida-se de livro facultativo, acreditamos, salvo quando se recorra anomeações por meio de documento em apartado. Tanto a sociedade simples em comum(artigo 1.019, parágrafo único, do Código Civil), quanto a sociedade limitada (artigo1.061) admitem a nomeação de não sócio para a administração societária, embora

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definindo uma série de requisitos e de limitações.1

Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, oscondenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos;ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; oucontra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas dedefesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade,enquanto perdurarem os efeitos da condenação (artigo 1.011, § 1o, do Código Civil). Noque diz respeito aos impedimentos legais, listamse magistrados, membros do MinistérioPúblico, militares e funcionários públicos. É fundamental atentar para o fato de que aconstituição ou a destituição de administrador, bem como sua atribuição de poderes oueventuais limitações, constem de atos (contrato, alteração contratual, documento emapartado, ata da assembleia geral etc.) que tenham sido levados ao Registro Público. Oregistro é indispensável para dar publicidade à nomeação e, assim, preservar os direitose interesses de todos os envolvidos, nomeadamente por dar eficácia ao ato peranteterceiros. No entanto, o registro não é pressuposto de validade da nomeação (artigo1.012 do Código Civil); mesmo sem o registro, a nomeação é válida, embora sua eficáciaesteja limitada aos partícipes do ato: sociedade, sócios e administrador.Consequentemente, as obrigações do administrador para com a sociedade principiamimediatamente após a nomeação, se o contrário não constar do respectivo instrumento.

No plano das sociedades contratuais, o Código Civil deixa claro que o administrador éum mandatário da sociedade (artigo 1.011, § 2o,); aliás, as regras do mandato (artigos653 a 691 do Código Civil) lhe são aplicáveis. No exercício de seus poderes, não poderáfazer-se substituir por outrem (artigo 1.018), salvo em operações específicas(determinados negócios), devendo outorgar procuração que precise o ato que deverá serpraticado. Exemplo é a outorga de procuração a advogado ou, mesmo, para que alguémfirme determinado contrato. Também não impede a contratação de gerentes e de outrosprepostos (artigos 1.172 a 1.176 do Código Civil), como contadores, gerentes financeiros,de pessoal etc.

Justamente por ser apenas um mandatário da sociedade, o administrador dasociedade contratual atua – e deve atuar – nos limites da lei e dos poderes que lhe foramoutorgados. O artigo 1.071 do Código Civil define matérias que são obrigatoriamente dacompetência da coletividade dos sócios, dependendo da deliberação dos sócios: (1) aaprovação das contas da administração; (2) a designação dos administradores, quandofeita em ato separado; (3) a destituição dos administradores; (4) o modo de suaremuneração, quando não estabelecido no contrato; (5) a modificação do contrato social;(6) a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado deliquidação; (7) a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas;

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(8) o pedido de concordata (recuperação de empresa, no sistema instituído pela Lei11.101/05). Para além dessas matérias, o contrato social pode estipular qualquer outramatéria que, para ser executada, exija voto favorável da maioria absoluta, qualificada oumesmo da unanimidade dos sócios, protegendo a minoria. De qualquer sorte, é dever doadministrador exercer suas funções com probidade, isto é, honestamente, atuando deforma ativa, com cuidado e diligência, tratando os negócios da sociedade como se fossemseus (artigo 1.011 do Código Civil).

Em se tratando de sociedade anônima, pode-se recorrer a uma estruturaadministrativa composta por dois órgãos: conselho de administração e diretoria. Essaduplicidade, contudo, justifica-se apenas quando seja vasta a corporação ou,principalmente, quando sejam muitos os sócios, a exemplo das companhias abertas. Naesmagadora maioria dos casos, contudo, as sociedades familiares são compostas porpoucos sócios e, assim, têm apenas uma diretoria, que é um órgão administrativoimprescindível para as companhias, competindo-lhe a representação da companhia e aprática dos atos necessários ao seu funcionamento regular, sendo composta por dois oumais diretores (acionistas ou não), conforme definição do estatuto. Os membros dadiretoria são eleitos (prazo de gestão não superior a três anos) e podem ser destituídos aqualquer tempo, pelo conselho de administração, ou, se não existir conselho, pelaassembleia geral.

Os administradores da companhia estão obrigados a empregar, no exercício de suasfunções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo (honesto) costumaempregar na administração dos seus próprios negócios, exercendo as atribuições legais eestatutárias no interesse da companhia e de forma que permita a boa realização dasfinalidades da empresa, embora estejam igualmente obrigados a satisfazer às exigênciasdo bem público e da função social da empresa (artigo 154 da Lei 6.404/76). Não se lhespermite: (1) praticar ato de liberalidade à custa da companhia, embora o conselho deadministração ou a diretoria possam autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis embenefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vistasuas responsabilidades sociais; (2) sem prévia autorização da assembleia geral ou doconselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ouusar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seusbens, serviços ou crédito; (3) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou daassembleia geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, emrazão do exercício de seu cargo; as importâncias recebidas com infração a tal dispostopertencerão à companhia (artigo 154, §§ 2o e 3o).

Um dever específico é a lealdade: servir à companhia com lealdade e manter reservasobre os seus negócios, razão pela qual se veda ao administrador: (1) usar, em benefício

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próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidadescomerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; (2) omitir-seno exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens,para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse dacompanhia; e (3) adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário àcompanhia, ou que esta tencione adquirir. Nesse sentido, o artigo 156 veda-lhe intervirem qualquer operação social na qual tenha interesse conflitante com o da companhia,bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores,cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião doconselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse; seainda assim o negócio vier a ser realizado, o § 1o exige que as condições sejam razoáveisou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhiacontrataria com terceiros, sem o que será anulável, e o administrador interessado seráobrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido.

Por fim, recorde-se que o ato de administração, quando exceda os poderesoutorgados pelo ato constitutivo ou desrespeite a lei, é ato ilícito, do qual resulta aresponsabilidade civil do administrador. Essa regra aplica-se também às holdings e oobrigará a indenizar prejuízos decorrentes, sejam sofridos pelos demais sócios, pelasociedade ou por terceiros.2

Administração coletiva

É possível, nas sociedades contratuais, estabelecer por meio do contrato social que asociedade terá uma administração coletiva, ou seja, que todos os sócios serãosimultaneamente administradores. O recurso a essa solução pode ser interessante emholdings familiares, mormente quando se tenha poucos sócios que, assim, podem sereunir com assiduidade e estarem presentes sempre que se faça necessário praticar atossociais. A administração coletiva coloca os sócios em contato permanente e constante,exigindo deles o debate e a deliberação sobre os negócios sociais, ou seja, sobre aadministração do patrimônio material e/ou imaterial (a exemplo de participaçõessocietárias) detido pela holding.

É recomendável que este tipo de administração esteja bem regrada no contratosocial. Afinal, se para determinado ato não se encontra definido no contrato social ou emdocumento apartado, devidamente averbado no registro da pessoa jurídica, qualqueradministrador representará a sociedade perante os terceiros. Aliás, segundo o artigo1.010 do Código Civil, competindo a todos os sócios decidir sobre os negócios da

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sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo ovalor das quotas de cada um; portanto, cada sócio terá na votação o peso de suaparticipação no capital social. Havendo empate, prevalece a decisão sufragada por maiornúmero de sócios (independentemente do valor de suas quotas). Persistindo o empate, aquestão deverá ser levada ao Judiciário para que a resolva. Essa regra geral aplica-se nosilêncio do contrato; assim, é possível estabelecer, no contrato social, outra regra, comoa necessidade de unanimidade ou de maioria qualificada, assim como o recurso não aoJudiciário, mas a um meio alternativo para a solução de controvérsias quando se cheguea um impasse nas votações, designadamente a nomeação de árbitros. É medidasaudável, mormente considerado o tempo que consome a solução de uma controvérsiajudicial.

Artigo 1.010, § 3o, do Código Civil: Responde por perdas e danos o sócio que,tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar dadeliberação que a aprove graças a seu voto.

É preciso cautela com a disposição inscrita na cabeça do artigo 1.013 do Código Civil,segundo o qual a administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, competeseparadamente a cada um dos sócios. Portanto, a regra geral – para o silêncio docontrato – é que os atos de administração sejam exercíveis por cada um dos sócios,separadamente. O § 1o atribui aos demais sócios--administradores, a cada um deles, opoder de impugnar a operação (o ato). No entanto, se o ato já houver sido praticado,poderão advir consequências em relação ao terceiro de boa-fé, incluindo o dever deindenizar. Para resolver o problema, o § 2 o do mesmo artigo afirma que qualqueradministrador que realize operação sabendo – ou devendo saber – estar agindo emdesacordo com a maioria responderá por perdas e danos perante a sociedade.

Essa solução é arriscada, potencialmente conflituosa e pode se revelar onerosa paraos interesses da sociedade familiar. Assim, parece-nos que o melhor, em se tratando deadministração coletiva, é estipular no contrato social que os atos deverão ser praticados,obrigatoriamente, de forma conjunta. Na administração conjunta, a competência e opoder para praticar atos de administração encon-tram-se submetidos ao concursonecessário de todos os sócios. Portanto, o ato somente terá validade se todos osadministradores dele participarem, chancelan-do-o. Alternativamente , há contratossociais que estabelecem não a necessidade de todos, mas de alguns: dois ou a númerocorrespondente à maioria. São possibilidades estratégicas que devem ser consideradasem cada caso.

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Frise-se a gravidade da instituição de administração conjunta. Basta recordar que talcláusula, posta no contrato social tornado público pelo registro, tem eficácia sobreterceiros. No entanto, não se deve perder de vista o artigo 1.014 do Código Civil que, emsua parte final, erige uma exceção à regra de concurso necessário de todos os sóciosalcançados pela cláusula de administração conjunta: os casos urgentes, em que aomissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave.3

Término da administração

Um ponto interessante na existência e no funcionamento de toda e qualquersociedade, alcançando com destaque o tema das holdings, diz respeito ao término daadministração. São incontáveis situações nas quais o desentendimento entre os sóciosleva ao desejo de alteração no comando da holding ou, mesmo, das sociedadesexperimentais. A questão parece simples, mas não é. A solução legal, aplicável paraquando o contrato social seja silente sobre o tema, beneficia a figura do administrador,dificultando sua substituição em alguns casos, como se verá.

Nas sociedades simples em comum, sociedade em nome coletivo e sociedade emcomandita simples, quando se tenha um sócio nomeado administrador por meio decláusula disposta no contrato social, sua destituição pressupõe o seu próprio votofavorável, já que o artigo 1.019 do Código Civil afirma: são irrevogáveis os poderes dosócio investido na administração por cláusula expressa do contrato social, salvo justacausa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios. Em oposição, o seuparágrafo único assevera serem revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos asócio por ato separado, ou a quem não seja sócio. De qualquer sorte, esses são tipos deadoção rara.

Mais comuns são as sociedades limitadas, nas quais também pode haver nomeaçãode administrador sócio ou não sócio, por meio de cláusula no contrato social ou por meiode instrumento em separado, público ou privado, devidamente levado a registro. Emtodos os casos, a cessão da administração poderá decorrer da renúncia, do término doprazo certo da constituição ou da destituição, devendo ser imperiosamente averbada noregistro público correspondente nos dez dias seguintes à sua ocorrência (artigo 1.063, §2o, do Código Civil). Cumprido esse prazo, a averbação retroagirá em seus efeitos à datada ocorrência (artigo 36 da Lei 8.934/94).

A destituição do administrador na sociedade limitada, que é a hipótese maisinteressante, diferencia-se considerando as seguintes variantes: (1) ser, ou não, sócio;(2) o meio de sua constituição; e (3) o motivo da destituição. A destituição imotivada do

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administrador que é sócio e foi nomeado por meio de cláusula no contrato social dasociedade limitada exige voto favorável de, no mínimo, dois terços do capital social, seoutro percentual não fixar o contrato (artigo 1.063 do Código Civil). Se o administrador ésócio, mas foi nomeado por documento em apartado, basta a maioria simples dos votos.O mesmo se diga em relação ao não sócio, seja nomeado por meio do contrato social,seja nomeado por meio de instrumento em apartado. Por fim, tem-se o problema dadestituição motivada do administrador. A regra, aqui, é a mesma para qualquersociedade contratual: a medida pode ser pedida ao Judiciário por qualquer sócio,independentemente do seu percentual de participação no capital social (artigo 1.019,caput, do Código Civil).

Deliberações sociais

Embora se dê extremada importância para a administração societária, não se podeolvidar que o poder supremo de qualquer sociedade é da coletividade dos sócios, emreunião ou assembleia. Como já reiteramos em diversos momentos de nossa análise, aconstituição da holding afasta os familiares do domínio direto do patrimônio, tornando-ossócios. O arbítrio individual, assim, cede espaço para o foro de deliberação coletiva que éa reunião ou assembleia de sócios, que assume a configuração de um foro de expressãocoletiva da vontade. Consequentemente, a alternativa para a definição de uma decisão éo diálogo entre os sócios para, enfim, decidir, no voto, o que a sociedade fará. Como se opróprio diálogo já não fosse uma dificuldade, opondo-se ao exercício arbitrário da razãoindividual, a reunião ou assembleia societária impõe uma outra dificuldade: o peso dovoto. As deliberações não se tomam por cabeça, mas cada um vota com o peso que temna participação no capital social. Assim, quem tem 30% do capital tem um voto compeso 3 em 10, e quem tem 10% vota com peso 1 em 10.

Contudo, essa constituição de um espaço obrigatório de diálogo e deliberação, entreos partícipes do patrimônio entificado pela constituição da holding, pode experimentaruma curiosa alteração circunstancial se aquele que cria a holding opta por uma soluçãodiversa: constituir uma sociedade anônima e criar distinções entre espécies de ações e,com isso, entre os próprios sócios. Com efeito, as ações da companhia podem serdivididas e diferenciadas em duas espécies (artigo 15 e seguintes da Lei 6.404/76): açõesordinárias, destinadas àqueles que se interessam não apenas pelos resultados sociais,mas igualmente pela deliberação dos assuntos societários, e ações preferenciais, para osque estão mais preocupados com os resultados societários, preferindo ter um acessopreferencial aos seus resultados. As ações ordinárias aproximam-se muito das quotas das

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sociedades contratuais: seus titulares têm o poder de deliberar os assuntos societários e,ademais, participar dos resultados sociais. Já as preferenciais são títulos que dão acessopreferencial a algumas vantagens, definidas pelo estatuto social conforme a licençaconstante no artigo 17 da Lei 6.404/76, em prejuízo de algumas faculdades,nomeadamente a participação nas deliberações sociais. O cerceamento no direito de votoé uma medida extrema, razão pela qual o artigo 15, § 2o, da Lei 6.404/76 limita onúmero de ações preferenciais sem direito a voto, ou que estejam sujeitas a qualquerrestrição nesse direito de votar: não pode ultrapassar 50% do total das ações emitidas.

Tipos de vantagens atribuíveis às ações preferenciais(artigo 17 da Lei 6.404/76)

(1) prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo;(2) prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; e(3) vantagens políticas (artigo 18).

Lembre-se, porém, que a supressão ou restrição do direito de voto será suspensa se,por até três exercícios consecutivos, se menor prazo não estipular o estatuto, deixar acompanhia de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus as açõespreferenciais sem direito de voto ou com direito de voto restrito; vencido esse prazo, taisações adquirirão o exercício pleno desse direito, conservando-o até o pagamento integralda vantagem que lhes é devida.

Para além dessas questões, importa observar que um dos aspectos estratégicosessenciais na constituição de uma holding é a atribuição de poderes para a coletividadedos sócios, em reunião ou assembleia, e do respectivo quórum de deliberação. Essesparâmetros definirão o bom futuro, ou não, da sociedade, pautando a convivência entreaqueles que, em face da constituição da pessoa jurídica, serão mais sócios do queparentes. É preciso submeter ao instituidor a lista de matérias necessariamente afetas àcoletividade dos sócios, definida pelo legislador, bem como o quórum para elas previstoem leis, para que ele possa avaliar se efetivamente atendem, ou não, à visão de futuroque tem para o seu patrimônio e seu negócio, tocado por seus herdeiros.4

Dessa maneira, opte-se por uma sociedade por quotas ou por uma sociedade porações, será sempre conveniente dar atenção redobrada, na redação do contrato social oudo estatuto social, às regras sobre as matérias que dependem de deliberação da reuniãoou assembleia dos sócios e as matérias que podem ser praticadas pelo(s)administrador(es), sem depender da autorização ou aprovação da coletividade dossócios. Não é só. Nesta investigação e definição do que seja melhor para o futuro daholding, e de todos os seus sócios, é preciso também focar a conveniência de estabelecer

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percentuais mínimos para que determinadas matérias sejam aprovadas, embora com ocuidado de não engessar a condução da empresa.

Superadas tais questões, realça-se que os sócios têm o direito, mas não o dever, departicipar das deliberações sociais. Apenas os administradores têm o dever decomparecer. As votações demandam, conforme a matéria, um percentual mínimo docapital social para serem aprovadas, a exemplo do que se viu, anteriormente, para adestituição do administrador social. Não é a única hipótese. Nas sociedades limitadas, amodificação do contrato social, assim como a aprovação de incorporação, fusão edissolução, assim como a cessação do estado de liquidação, dependem de aprovação detrês quartos do capital social (artigo 1.076, I, do Código Civil). Pela maioria dospresentes, aprovam-se as contas da administração.

Nas sociedades contratuais, todos os sócios podem participar das deliberaçõessociais; contudo, nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matériaque lhe diga respeito diretamente (artigo 1.074, § 2o, do Código Civil). Cuida- se,contudo, de expressão de interpretação restrita, não alcançando apenas matérias nasquais o interesse do sócio seja objetivamente contrário ao da sociedade, o que não serevela, contudo, em casos como o exercício do direito de voto a bem da eleição de simesmo para qualquer dos órgãos da administração societária.

Dissolução

A sociedade limitada, simples ou empresária, extingue-se pela dissolução (artigo1.087 cominado com os artigos 1.033 e 1.044 do Código Civil), que se dá nesses casos:(1) vencimento do prazo de duração, embora possa haver imediata prorrogação porprazo indeterminado quando, vencido o prazo previsto ou verificado o termo assinaladopara a existência social, não entrar a sociedade em liquidação, nem qualquer sóciooponha-se ao prosseguimento de suas atividades; (2) deliberação unânime dos sóciosnesse sentido, esteja contratada por prazo determinado ou indeterminado; (3)deliberação favorável da maioria absoluta dos sócios também a extingue, quandocontratada por prazo indeterminado; e (4) unicidade social (um só sócio), sem que apluralidade seja reconstituída em 180 dias, bem como quando seja extinta, na forma dalei, sua autorização para funcionar.

No alusivo às sociedades por ações, as hipóteses de dissolução da companhia estãolistadas no artigo 206 da Lei 6.404/76, que as divide em três grandes grupos. Emprimeiro lugar, está a dissolução de pleno direito, que se haverá: (1) pelo término doprazo de duração; (2) nos casos previstos no estatuto; (3) por deliberação da assembleia

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geral; (4) pela existência de um único acionista, verificada em assembleia geralordinária, se o mínimo de dois não for reconstituído até a do ano seguinte, ressalvada ahipótese de subsidiária integral; (5) pela extinção, na forma da lei, da autorização parafuncionar. Num segundo grupo colocam-se as hipóteses de dissolução por decisãojudicial: (1) quando anulada a sua constituição, em ação proposta por qualquer acionista;(2) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistasque representem 5% ou mais do capital social; e (3) em caso de falência, na formaprevista na respectiva lei. Por fim, tem-se a dissolução por decisão de autoridadeadministrativa competente, nos casos e na forma previstos em lei especial.5 A essashipóteses soma-se a quebra da affectio societatis nas companhias familiares, como vistono Capítulo 8 deste livro.

Como o fim de uma sociedade tem efeitos que transcendem os envolvidos,alcançando trabalhadores, fornecedores e, enfim, a economia como um todo, cunhou-seno Direito Empresarial o princípio da preservação da empresa, que pode também sercompreendido como princípio da preservação das atividades negociais para, assim,alcançar as sociedades simples.6 Dessa maneira, doutrina e jurisprudência passaram avalorizar a figura da dissolução parcial da sociedade, figura cunhada como via alternativapara as pretensões de dissolução total, sempre que fosse possível preservar a pessoajurídica e, assim, o negócio. A bem da precisão, nas sociedades contratuais, essadissolução parcial corresponde à figura da reso lução do contrato em relação a um oumais sócios (artigos 1.028 a 1.032 do Código Civil), com liquidação das respectivasquotas sociais. Por seu turno, nas sociedades institucionais, corresponde ao direito deretirada da sociedade (artigo 137, caput, da Lei 6.404/76), com reembolso do valor desuas ações (artigo 45 da Lei 6.404/76).

Nas sociedades contratuais, o direito de recesso é inerente à contratação, sempreque a sociedade tenha sido contratada por prazo indeterminado ou, se contratada porprazo certo, já tenha transcorrido esse tempo e, assim, tenha havido uma prorrogaçãopor tempo indeterminado. Exige, apenas, notificação dos demais com 60 dias deantecedência. Se os demais sócios querem prosseguir com a sociedade, haverá resoluçãodo contrato em relação àquele que sai, liquidando suas quotas. Ademais, a dissoluçãoparcial pode resultar, igualmente, da exclusão de um sócio (artigo 1.085 do Código Civil).Nas sociedades por ações, de acordo com o artigo 137 da Lei 6.404/76, o direito deretirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações, está limitado aoscasos em que o acionista seja vencido em deliberação que: (1) aprove a criação de açõespreferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardarproporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ouautorizados pelo estatuto; (2) aprove a alteração nas preferências, vantagens e

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condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, oucriação de nova classe mais favorecida; (3) determine a redução do dividendoobrigatório; (4) aprove a fusão da companhia, ou sua incorporação em outra; (5) aprovea participação em grupo de sociedades; (6) aprove a mudança do objeto da companhia;(7) aprove a cisão da companhia. Como se viu no Capítulo 8, para além dessas situações,a jurisprudência acrescentou a perda da affectio societatis, quando se trate de companhiafamiliar.

O grande desafio da dissolução parcial está na liquidação dos títulos societários. Paraas sociedades por quotas, o artigo 1.031 do Código Civil prevê que a liquidação se farácom base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada embalanço especialmente levantado, mas permite que o contrato traga disposiçãocontratual em contrário. O instituidor da holding familiar, preocupado em dar tratamentoigualitário a todos os seus herdeiros, deve ter muito cuidado aqui. O levantamento de umbalanço especialmente para aferir o valor das quotas é a forma mais justa, evitando queo sócio seja vítima de desvirtuamentos contábeis, a exemplo da necessidade de que osbens constem da escrituração pelo valor histórico de aquisição. Isso, por si só, recomendanão se recorrer a soluções simplistas, como o uso do último balanço.

A mesma preocupação, aliás, deve-se ter com a regra do § 2o deste mesmo artigo1.031, a prever que a quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, apartir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. Essepagamento da totalidade dos haveres em prazo tão exíguo, 90 dias, pode ser nefastopara a sociedade, exigindo alienação de parte de seu patrimônio. Isso, numa holding departicipação, pode significar a necessidade de alienar quotas e/ou ações de seu portfólio,reduzindo a força da participação societária em sociedades operacionais ou, até, a perdado controle. Dessa maneira, é recomendável estudar a conveniência de se recorrer aregras, dispostas no ato constitutivo, que estabeleçam pagamento escalonado. Há quemestipule pagamentos semestrais ou, mesmo, 24 parcelas mensais. As fórmulas possíveissão muitas e sua validade exige, apenas, que não se mostrem abusivas, ou seja, que nãoesvaziem a participação no acervo social, que é uma decorrência da titularidade dasquotas, assim como das ações.

As mesmas soluções podem ser aplicadas quando a holding tenha sido constituídasob a forma de sociedade por ações, bastando dispô-las no estatuto social. Segundo a Lei6.404/76, as regras para o reembolso poderão estar dispostas no estatuto, mas só sepermite que o valor de reembolso seja inferior ao patrimônio líquido constante do últimobalanço aprovado pela assembleia geral, nos 60 dias anteriores, se estipulado com baseno valor econômico da companhia, a ser apurado em avaliação (artigo 45, § 1o).

A questão da retirada de um sócio ou, até, da dissolução total da sociedade também

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desperta renovada atenção por seus desdobramentos tributários, destacado que, seapurado que o(s) sócio(s) experimentaram uma vantagem patrimonial, deverão recolherimposto de renda sobre o benefício. Mas é preciso que haja, efetivamente, umavantagem econômica apurável em concreto, ou seja, realizada, sem o que não poderáhaver exação. A matéria tem sido renovada nos tribunais, em boa medida em face donotório e desmoderado apetite do Fisco, apetite esse que parece determinar uma visãodistorcida da realidade, vendo renda e lucro onde não há ou, no mínimo, onde ainda nãohá.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, diante do Recurso Especial668.378/ES, confirmou acórdão do Tribunal Regional Federal da 2 a Região, afirmando,com fulcro no parecer do Ministério Público, que o Fisco não demonstrara “aquilo que osautos desmentem, a saber, a suposta distribuição de lucros, a redundar em ganho paraos sócios e justificar a incidência do imposto de renda, no caso concreto”, bem comolançando a assertiva de que

“quando a holding foi extinta, não havia lucro efetivo a ser distribuído aos sócios,sendo substituído o valor de participação de cada um dos quotistas por ações equotas de outras empresas (as controladas), não havendo geração de riquezanova, uma vez que ocorreu apenas uma permuta de bens. Tratou-se de simplesfato permutativo, do ponto de vista das ciências contábeis, que provoca uma trocade elementos patrimoniais, sem, contudo, alterar o patrimônio líquido docontribuinte. Não se pode confundir com a hipótese de fatos modificativospositivos (plano contábil), que importam em uma efetiva mutação aumentativados elementos patrimoniais da pessoa, caracterizando acréscimo patrimonial, fatoimponível do imposto de renda”.

Aquela Alta Corte não viu nenhuma ilegalidade nesta conclusão, não conhecendo dorecurso especial por ser necessário reexame probatório, o que é vedado pela Súmula7/STJ.

Com efeito, os sócios de uma holding, sejam pessoas físicas ou jurídicas, já têm emseu patrimônio pessoal os títulos societários (quotas ou ações) que, enfim, correspondema parcelas do capital social da sociedade (a holding). Esse capital social não se confundecom o patrimonio social. O patrimônio social pode elevar-se como resultado dasatividades sociais, incluindo a possibilidade de incorporação de lucros. Contudo, se opatrimônio social é o resultado direto da integralização de capital, não tendo merecidoincorporações, a dissolução da sociedade determinará mero reembolso dos sócios,mormente quando haja mero rateio dos títulos que compõem o acervo patrimonial da

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holding, afastando até a verificação de lucro na alienação dos títulos para que o rateio sefaça em dinheiro. O mesmo parâmetro aplica-se à resolução da sociedade (a holding) emrelação a um ou alguns sócios, bem como na redução de seu capital social, ainda quepaga em dinheiro, desde que não haja acréscimo patrimonial para o sócio. Destaque-seque essa equação não se altera pelo argumento de que os títulos societários valorizaram-se; essa valorização de mercado apura-se na alienação. E no rateio dos títulos não háalienação. Os títulos serão inscritos na declaração de bens dos sócios pelo valor contábilque mantinham na holding; somente quando alienados se verificará lucro ou não,podendo haver mesmo prejuízo. O mesmo parâmetro deve ser observado quando opatrimônio da holding é constituído por bens imóveis ou móveis, e não apenas por títulossocietários (quotas ou ações).

Foi esse o entendimento esposado pelo acórdão confirmado pelo Superior Tribunalde Justiça:

“Simples ingresso de direitos reais e pessoais não significam necessariamenteacréscimo ou incremento patrimonial. A riqueza tributável pelo imposto de rendaprecisa ser efetivamente nova, assim entendida como o real incremento líquidopositivo de elementos patrimoniais. Ou seja, não houve lucro algum distribuído,sendo que para os ex-sócios da holding extinta apenas houve mera expectativa delucro, o que não autoriza a autoridade impetrada a exigir a exação em questão,pois como já explanado, a disponibilidade não pode ser caracterizada em tese.Desta forma, repita-se, meras expectativas de ganho futuro não configuram rendatributável. Conforme já foi demonstrado, a substituição não implica em realizaçãode lucro, na medida em que não é capaz de caracterizar disponibilidade econômicaou jurídica de renda, nem acréscimo patrimonial, não estando, pois, sujeita àincidência do imposto de renda.”

O lucro pressupõe efetivo superávit na atividade negocial da sociedade. Adistribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dosadministradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo oudevendo conhecer-lhes a ilegitimidade (artigo 1.009 do Código Civil).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 14 (Sociedade limitada: funcionamento).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 5, seção 5 (Responsabilidade civil); capítulo 22, seção 6 (Responsabilidade dos

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administradores).

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. São Paulo:Atlas, 2010. v. 2, capítulo 5 (Administração societária).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresárias. 4. ed. SãoPaulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 22, seção 1 (Assembleia geral).

Sobre essas hipóteses, conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro): direito societário: sociedades simples eempresárias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 2, capítulo 25 (Dissolução, liquidação e extinção).

Conferir MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010.v. 1, capítulos 3 (Princípios gerais do Direito Empresarial).

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Empresas familiares

O desafio

Estar no mercado já é difícil. São milhares de empresas engalfinhadas numa lutacotidiana. Segundo números do Sebrae, 27% das empresas abertas em São Paulofecham depois de um ano de funcionamento; 37% não sobrevivem ao segundo ano deexistência.1 No quinto ano após sua criação, 58% das empresas já encerraram sua curtaexistência. São números estarrecedores.

Nesse contexto, entre o amplo universo das empresas existentes, destacam-sealgumas organizações que trazem certa qualidade: sua existência está fortementelastreada por uma família ou grupo de famílias. Assim, a existência da empresa e dasatividades empresariais mostra-se muito referenciada pelo ambiente doméstico, o queacaba por influenciá-las: a vida da empresa (passado, presente e futuro) não está restritaaos seus estabelecimentos, suas plantas produtivas, seu histórico de iniciativas enegócios. A vida da empresa avança sobre a vida da família ou das famílias, quando nãoé o contrário: a vida de uma família torna-se a vida da empresa. Não é nada simples. Umobservador externo que preste atenção apenas às estruturas administrativas, produtivas,mercadológicas etc. não perceberá questões vitais sobre a empresa, questões essas quese localizam fora dos estabelecimentos empresariais: seu cenário é o ambiente familiar.

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Há quem acredite tratar-se de uma desvantagem, já que empresas familiares seriamvítimas de conflitos que são estranhos ao meio econômico que deveria organizar-se demaneira exclusivamente técnica ou, como se ouve e lê reiteradamente, administrar-se deforma profissional. Nós não pensamos assim. A condição de empresa familiar não é, emsi, uma causa eficaz de sucesso ou fracasso da atividade negocial. A realidade mostraque há empresas cuja principal virtude é justamente ser uma empresa familiar. Seusucesso está calçado na condição familiar. Mais do que isso, não se desconhecem casosde empresas que, abandonando a gestão familiar e optando por uma administraçãoprofissional, viram-se conduzidas a crises econômico-financeiras, em muitos casos pelaincapacidade do gestor estranho à família de compreender-lhe a estrutura, a dinâmica eo funcionamento.

Não é correta a afirmação de que são melhores as empresas conduzidas portécnicos, estranhos à família. Não é correta a afirmação de que as sociedades nãocontroladas por uma família ou grupo de famílias são melhores. Veem-se empresasfamiliares pujantes, como também são vistas empresas familiares em crise, na mesmatoada em que se veem empresas não familiares pujantes e em crise. Importa a qualidadeda vida societária, da administração societária e da gestão empresarial, sendo que aexcelência pode estar numa família ou entre técnicos profissionais. Como se não bastassetal constatação óbvia, há incontáveis histórias nas quais se percebe que o melhor de umaempresa, sua força, seu diferencial, sua vantagem, são os laços familiares e a convicçãonos valores que foram transmitidos de geração a geração.

A principal virtude de uma empresa pode ser justamente a sua condição deorganização familiar. Erram aqueles que consideram isso um defeito.

No entanto, não se pode desconhecer que a empresa familiar tem desafios própriose eles precisam ser conhecidos, estudados e tratados. A influência da família sobre aempresa implica, em muitos casos, ver o negócio contaminar-se por questões que são,sim, absolutamente estranhas ao ambiente empresarial, incluindo desentendimentos edisputas que foram geradas no palco das relações domésticas. Assim, os negócios podemexperimentar a influência negativa de sentimentos estranhos ao mercado, como amor,ódio, ressentimento, gratidão, ciúmes, paixão etc. Certa feita, em meio a uma reunião desócios, primos entre si, discutindo a crise econômico-financeira experimentada pelaempresa, o administrador, questionado sobre uma série de atos desastrosos quepraticara e débitos que provocara, não hesitou em alegar em sua defesa: – Você nãodevia dizer isso... quando você veio para Belo Horizonte, minha mãe acolheu você. Você

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não comia lá em casa todos os dias e papai até lhe ajudou a comprar os livros dafaculdade!

Por isso é preciso trabalhar a família para adequar-se à empresa, aproveitando seusbônus (vantagens regulares que ela proporciona, nomeadamente os lucros que distribui)e assumindo seus ônus. Os parentes precisam aprender que os cenários diversosimplicam posturas diversas: a família e a empresa. Na empresa, os familiares são sócios(quotistas ou acionistas) e, assim, seu comportamento deve orientar-se pelas regras doDireito Societário, que é uma disciplina do Direito Empresarial. Se, em casa, Fulano émeu irmão ou primo, na empresa, ele é meu sócio. Portanto, é preciso aprender a sersócio, certo que as relações entre quotistas e acionistas têm uma natureza jurídicaprópria, rito e tônica específicos, e esses natureza, rito e tônica são muito distintosdaqueles que se referem ao plano familiar.

O fato de a empresa estar ancorada numa família precisa ser tratado e desenvolvidosempre na direção das vantagens, ou seja, sempre reconhecendo a possibilidade dehaver problemas e, assim, evitando-os. No mínimo, é preciso perceber que a empresa éuma riqueza da família, é um patrimônio produtivo que deve ser preservado ou – melhorainda – deve ser otimizado para, assim, render frutos por longo período, beneficiandodiversas gerações. Isso exige, antes de qualquer coisa, compreender que uma empresanão é um cabide de empregos: a riqueza que ela pode proporcionar vem dos lucros e nãodo fato de empregar a todos. Aliás, a prática de pendurar familiares na empresa, salvosituações muito específicas, é um caminho que habitualmente leva a uma criseeconômico-financeira e, enfim, ao seu fim, com prejuízo para o patrimônio familiar.

Veja-se o exemplo da Cargill Inc., empresa multinacional do setor agropecuário. Em2008, a corporação criou uma escola de líderes cujo objetivo é educar e preparar asnovas gerações das famílias Cargill e MacMillan, que detêm seu controle acionário. Dessamaneira, preservam-se os interesses corporativos, voltados para a manutenção e sucessoda atividade negocial, na mesma toada em que se atendem aos legítimos interesses dosmembros das famílias controladoras. Mais do que isso, ao trazer os jovens para aempresa e educá-los corretamente, a corporação transforma-se essencialmente numvetor de união.

Definição

Há muitas maneiras pelas quais se pode compreender o que seja uma empresafamiliar. O tratamento teórico mais comum é aquele que reconhece como familiar asempresas cujas quotas ou ações estejam sob o controle de uma família, podendo ser

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administradas por seus membros, ainda que com o auxílio de gestores profissionais. Poresse ângulo, estariam incluídas apenas as sociedades em que o controle é detido por doisou mais parentes. Essa equação nos remeteria a duas situações mais comuns: ou aconstituição da sociedade foi levada a cabo por parentes (pais, filhos, primos etc.), ou jáhouve uma sucessão na titularidade do capital social e, assim, a chegada dos herdeiros àcorporação teria o condão de transformá-la em empresa familiar. Mais rara é a hipótesede parentes adquirirem, em conjunto, o controle de uma sociedade já existente, o quetambém criaria uma situação que se amoldaria à fórmula usual de caracterização desociedades familiares.

Para ser mais preciso, a definição de uma fórmula, nos termos acima, tem porobjetivo criar uma referência, ou seja, uma limitação para fins de estudo. Comofacilmente se percebe, a definição desses critérios objetivos permite o levantamento dedados para orientar análises estatísticas. Não sem razão, esses estudos estatísticos sãohabitualmente precedidos de uma definição das referências que orientarão a coleta dosdados. Por exemplo, pode-se estipular que a coleta se limitará a empresas que estejamna segunda geração ou qualquer outro parâmetro objetivo.

Diferentemente desses trabalhos, recusamos qualquer critério objetivo. Optamos poruma perspectiva subjetiva, ou seja, por compreender como familiar toda empresa emque o titular ou titulares do controle societário entendem como tal. Noutras palavras,importa-nos aquilo que os sócios entendem como sendo uma empresa familiar, ainda quefuja ao que habitualmente seja compreendido como tal. Esse enfoque nos permitirátratar dos desafios das sociedades que, embora ainda estejam sob o controle da primeirageração, destinam-se a se manter com a família. Cuida-se de uma perspectiva maislarga, que alcançará pessoas que estariam excluídas pela análise objetiva, na mesmatoada em que se sentirão excluídos aqueles que não se compreendam como parte deuma empresa familiar.

A justificativa para essa definição é bem simples: nosso objetivo, aqui, é oferecersoluções para aqueles que, compreendendo-se como parte de uma empresa familiar,enfrentam desafios próprios desse tipo de organização. Nossa meta, portanto, é servir àcomunidade em geral na resolução das equações que se lhe apresentem. Aliás, essacompreensão ampla deixa ao largo diversas outras questões que poderiam ser relevantespara estudos sociológicos. Basta recordar que o próprio conceito de família é muito amploe, assim, desafia não só uma teorização, como a própria prática da advocaciaempresarial. A situação mais simples é representada pelas células familiares maiselementares, ou seja, quando a relação entre a família e a empresa ainda está naprimeira geração. O fundador é o pai, a mãe ou o casal. A sucessão se faz habitualmentepara os filhos.

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Essa compreensão simplificada, própria de empresas que enfrentaram ou devemenfrentar a sua primeira sucessão hereditária, não atende à complexidade do tema. Nãose pode olvidar que, em muitos casos, a múltipla sucessão de gerações tem impactosdiretos sobre a coletividade social e familiar. Habitualmente, a família se fragmenta eespraia-se, o que leva à formação de núcleos familiares diversos, alguns mais próximosentre si, outros mais distantes, segundo a lógica aleatória das uniões afetivas. Algunsdesses núcleos podem mesmo perder o patronímico familiar, enquanto outros oconservam. Esses fatos corriqueiros, próprios da evolução do tempo, podem impactar aempresa e, mais do que isso, podem impactar o bloco de controle familiar, demandandoesforços para manter sua coesão, a bem da empresa, da coletividade social e do própriobloco de controle.

Essa opção metodológica, contudo, acaba por revelar uma realidade interessante: osnúmeros extremamente baixos de empresas que conseguem efetivamente fazer atransição de uma geração para outra. Considerando cada universo de 100 empresas,sabe-se que apenas 30% delas irão chegar à segunda geração; apenas 13% dasempresas chegam à terceira geração e, alcançando a quarta geração, apenas 5%, sendoque, em 65% dos casos, o fim dessas empresas tem causa eficaz em conflitos entre ossócios.2

A consideração desses números é suficiente para chamar a atenção dos sócios/familiares para os desafios que devem enfrentar, no dia a dia, a bem da preservação daempresa, vale dizer, a bem da preservação de seu patrimônio comum, a bem de sipróprio e das gerações futuras.

O papel do advogado

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O que se viu, até aqui, recomenda abordar um questão lateral: o papel do advogadona assessoria às empresas familiares e, mais do que isso, a forma como deve atuar. Lidarcom empresas familiares – designadamente com o seu planejamento jurídico e com aconvivência entre os sócios – exige muita habilidade e sensibilidade do advogado. Não écorreto encará-las apenas como atividades negociais, nem como se fossem apenas ativosempresariais que podem ser traduzidos em cifras. Essa postura provavelmente causarádesconforto, senão indisposição ou mesmo rejeição e atrito.

É preciso estar atento para o fato de que as empresas familiares são a história deuma vida e sua existência está ancorada nessa história. Aquele complexo organizado debens e atividades é o resultado do trabalho cotidiano, realizado ao longo de anos, por umhomem, uma mulher, um casal, uma família. Justamente por isso, os parentes veem aempresa com um olhar diverso, normalmente com fortes implicações emocionais. É muitocomum que tais pessoas contemplem a empresa com a mirada dos anos, as recordaçõesde toda uma vida e seus desafios.

O advogado que atua junto às famílias empresárias deve ter redobrada cautelae sensibilidade para compreender os dilemas e os desafios que envolvem asfamílias e a vida privada. Não se trata apenas de negócios; são questõesfamiliares, acima de qualquer coisa.

Não se espera que o advogado conheça toda a história ou que expresse a mesmacompreensão de quem vivenciou tempos marcados por dificuldades e sacrifícios, esforçosreiterados, trabalho disciplinado e muita fé. Mas é preciso ser capaz de entender que aempresa é o legado de seu fundador e/ou administrador, que é a sua obra e, assim, umaparte essencial de sua vida. Em todos os seus aspectos, detalhes e elementos, a empresareflete momentos de sua vida: é um grande caleidoscópio de recordações e sentimentos,entre crises e vitórias, oportunidades e desafios, incertezas e esperança. Definitivamente,a empresa familiar não é apenas um ativo; não é apenas um negócio.

O resultado mais elementar desta perspectiva é o fato de ser habitual – e, até, muitorazoável – que o sócio, seja ou não o fundador ou o controlador, não se sinta confortávelem separar a empresa da família. E isso pode ocorrer de forma positiva ou negativa: hámesmo aqueles que não suportam uma empresa, por melhor que seja, em virtude deexperiências vividas no passado. Em incontáveis casos, os conflitos vividos em empresasfamiliares têm raízes em conflitos vividos em família e que são, infelizmente,transportados para o contexto negocial, com prejuízos para a corporação. Essa realidadeé assustadoramente comum.

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Ainda que o mercado tenha o hábito salutar de colocar a família e a atividadeprofissional em lados opostos, há aqueles que não conseguem implementar essa divisãoentre o plano doméstico e o plano dos negócios. Não apenas pessoas. Famílias inteiraspara as quais a vida doméstica, a vida familiar, é uma parte da vida da empresa – e vice-versa. Família e empresa viveram bons momentos juntas, assim como sofreram juntas osmaus momentos. Entre irmãos essa equação é comum e complexa. Daí ser indispensávelque o profissional tenha tato, muito tato. O que pode estar atrás de uma controvérsiasocietária é, na verdade, uma mágoa trazida da infância, como aqueles que têm acerteza de que seu(s) irmão(s) foi mais querido pelos pais, foi melhor tratado, teve maisvantagens ao longo da criação.

Facilmente se percebe que em raras oportunidades se poderá trabalhar para umaempresa familiar e tratar os negócios de uma forma impessoal. Para começar, écorriqueiro que seus administradores sustentem seus cargos não por estarem à altura doempreendimento, mas porque são parte da família e, assim, é seu direito desempenhar afunção, o que é uma realidade com lastros constitucionais. Isso é uma verdade, é bomque se frise: os titulares de quotas ou ações de uma sociedade dividem sua propriedadecoletiva e têm a faculdade de exercer os atos lícitos de afirmação de seus direitos,inclusive escolher os gestores e, até, escolherem-se para gestores.

Atente-se para o fato de que é mesmo legítima a pretensão de que existam forteselos entre o ambiente doméstico e o ambiente empresarial, levando à ideia de que aempresa é parte da família e, mais do que isso, que a empresa pode – e deve – ser umvetor para preservar a família. Isso não é, por si só, um prejuízo. Por isso, qualquerprofissional que se disponha a trabalhar numa empresa familiar ou para os membros deuma família ligada a uma corporação empresarial deve ter esse cenário em mente para,assim, calcular seus passos.

A mesma regra aplica-se ao advogado. É um erro lamentável e perigosocompreender as pessoas envolvidas apenas como investidoras, como sócias, comoparceiras etc. Há uma história em potencial por trás de cada sócio/familiar e que podeestar motivando o seu comportamento. Por isso, insistimos na necessidade de muitacautela para enfrentar eventuais problemas ou conflitos em sociedades familiares. Mais

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do que isso, repetimos a advertência já feita: a matriz de uma discordância pode ter suasraízes em fatos havidos há muito tempo, por vezes na infância, mas que ainda marcamas pessoas e orientam o seu comportamento.

Por esse ângulo, fica claro serem justificados os desafios que normalmente sãoencontrados nas corporações familiares. O maior deles é a subjetividade. Écompreensível que a história pessoal e familiar de cada sócio influencie seucomportamento no âmbito da sociedade. É corriqueiro que as pessoas tragam para asreuniões/assembleias os sentimentos que colecionaram ao longo de anos, desde ainfância: admiração, confiança, medo, antipatia, mágoa, ressentimento etc. A confusãoentre os ambientes domésticos e negocial é o resultado da condição humana. Em muitoscasos, as famílias submetem-se a intervenções psicológicas ou psicanalíticas para tentarresolver os desafios que trazem do ambiente doméstico e, assim, evitar que contaminema vida societária. Mas essas intervenções fogem ao objeto do presente estudo, que éjurídico.

Eis por que havemos de reiterar as qualidades pessoais que devem ser reveladaspelo profissional que pretenda atuar junto a empresas familiares. A realização dessetrabalho pode conduzir a horizontes diversos, não sendo raro verem-se crises entre osfamiliares e os especialistas, como restrições ao trabalho, limites às intervenções,desgastes pessoais, discussões acaloradas e mesmo agressivas, para além de outrasformas de resistência e, mesmo, de atuação sistemática no sentido de prejudicar aintervenção. Infelizmente, por pior que esteja o cenário, muitos o preferirão assim. Oadvogado (assim como o consultor empresarial ou outro expert) tende a focar-se nasdimensões objetivas da sociedade e da empresa, procurando identificar problemas ecorrigi-los por meio da aplicação de seus conhecimentos técnicos. Mas pode ver suaintervenção comprometida pelo enredo de disputas sucessórias e problemas derelacionamento familiar.

Não é só. Em muitas oportunidades, a resistência é oferecida por pessoas quegravitam ao redor da empresa e/ou da família, atuando como conselheiros formais ouinformais, e que têm muito a perder com a resolução dos impasses familiares. Essaoposição também pode ser oferecida por funcionário ou funcionários que ocupem postosde gestão da organização e que, igualmente, sintam-se ameaçados pelas alteraçõespropostas, trabalhando pela conservação dos cenários havidos, que consideram positivospara si, apesar de serem negativos para a corporação e para a família titular. Superandotodas essas adversidades, o advogado deve demonstrar à família – e, eventualmente, aoutros sócios – as vantagens do emprego da tecnologia jurídica, nomeadamente damelhor teoria societária, para beneficiar a todos os envolvidos. Afinal, essas intervençõessão meios eficazes para dar nova expressão e qualidade à vida social e ao negócio.

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4 Valorização da família

Muito se fala dos problemas das empresas familiares, de seus desafios, de suasdificuldades. É um discurso crítico comum, mas que deixa de lado um aspectoimportantíssimo: a empresa pode ser um instrumento para a unidade familiar, para aharmonia e a boa convivência entre os parentes. Mais do que isso, é possível intervirjuridicamente sobre a sociedade empresária familiar para otimizar a sua condição em umambiente que favorece e estimula o bom relacionamento entre os familiares.Efetivamente, é possível criar estruturas jurídicas que transformem a empresa numambiente que favoreça e estimule o bom relacionamento entre os parentes. Essa metatem na sua raiz o estímulo à participação de cada familiar na condição de investidor, desócio, de proprietário de partes do capital social (quotas ou ações) e, assim, comparticipação útil nas reuniões e assembleias, com interesse nos assuntos societários e nofuturo da empresa.

Sim. Mais do que simplesmente manter a empresa no âmbito da família, é possíveltransformar a sociedade num espaço para a preservação da unidade familiar. Háferramentas para estabelecer um ambiente societário que envolva os parentes,aproximando-os e estimulando o diálogo, as boas relações, a harmonia. Ferramentas quenão apenas prolonguem a convivência, mas que trabalhem pela melhoria dos laçosfraternais e, ademais, contribuam decisivamente para o sucesso da atividade negocial, abem de todos. A proposta deste livro é justamente esta: trabalhar essas ferramentas,esses mecanismos, expor as estruturas de uma engenharia societária voltada paraestabelecer um ambiente empresarial que acolha melhor uma família.

Noutras palavras, o Direito é um dos instrumentos que se coloca à disposição doadministrador societário para esse planejamento, embora não se possa olvidar que háferramentas dispostas em outras disciplinas do conhecimento. E o jurista deve estarconsciente das contribuições que podem ser oferecidas pelos experts dessas outrasáreas: ciências da administração, mercadologia, psicologia, relações sociais etc. Háinstrumentos não jurídicos que podem e devem ser estimulados, como a assunção docompromisso de manter a cultura familiar, a criação de ambientes que lhe sejamdestinados e de rotinas que estimulem a convivência entre os parentes. Isso é ainda maisútil quando se verifica a formação de núcleos familiares mais distanciados uns dos outros,resultado da sucessão de gerações.

A experiência narra diversas situações muito interessantes, voltadas sempre paraintegrar a família, manter seus laços de afinidade e afetividade, valorizar a suacompreensão como um clã, como um grupo afim. É impressionante o rol de medidassimples e eficazes que podem ser adotadas para alcançar esse objetivo. Por exemplo, há

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notícia de empresas que trouxeram o histórico familiar para dentro de suas páginas naInternet, ostentando com orgulho os elos entre a atividade negocial e o clã que a ergueu:fotos ilustram a narrativa do que se passou, das dificuldades às vitórias, criando, pormeio da valorização dos antepassados, um sentimento de pertença que é útil à boaconvivência entre os sócios. Noutros casos, há páginas específicas para o convívio familiarnas quais se listam as datas de aniversário, as datas de eventos comuns (festas,celebrações) e mesmo fotografias e filmes de fatos atuais, como uma festa junina, umaapresentação de ballet, um aniversário, além de informações sobre a empresa: agendade reuniões e/ou assembleias, relatórios econômicos.

A adoção de políticas de valorização da família empresária pode incluir iniciativas asmais diversas, nomeadamente aquelas que valorizam sua posição na empresa. Comefeito, não há uma tradição brasileira de ser sócio, no sentido pleno do instituto, o queexplica a sobrevalorização das funções de administração. Assim, pode ser extremamenteútil criar uma cultura que dê suporte a essa postura incomum: expor as faculdades e asobrigações do sócio, educar para noções elementares de contabilidade (permitindo aanálise de relatórios contábeis), compreender as estruturas organográficas das empresas,incluindo visitas às respectivas plantas, estudar os parâmetros elementares demercadologia e as estratégias adotadas pela empresa etc.

Ao advogado caberá trabalhar a regência jurídica da convivência familiar no âmbitoda(s) sociedade(s) empresária(s), o que se fará por meio do ato constitutivo e/ou depactos parassociais, como acordo de quotistas ou acionistas, regimento interno, manualpara as reuniões ou assembleias de sócios, além da instituição de órgãos societários,como o conselho familiar, entre outros. A proposição e a implantação dessesinstrumentos jurídicos, entretanto, exigem cautela, evitando criar apreensão entreadministradores e/ou sócios. É preciso compreender a equação sob a qual se sustenta oconvívio empresarial-familiar para não se ver surpreendido com particularidades que nãoforam percebidas e, uma vez confrontadas, colocam todo o trabalho a perder. Ilustra asituação de empresas que mantêm pesadas estruturas de gestão, incompreensíveis paraquem não percebe que sua justificativa é acomodar vários ramos familiares diversos deuma empresa que já experimenta a terceira ou quarta – senão mais – geração em seucontrole e administração. É fundamental aprender a organização para agir sobre ela. Épreciso assimilar o olhar que os familiares/sócios têm da corporação, seus valores, sualógica, suas expectativas, além dos alicerces familiares.

Valor Econômico, 17 maio 2011, p. F1.

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2 Valor Econômico, 17 maio 2011, p. F1.

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Bibliografia

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_____________. Empresas familiares: o papel do advogado na administração, sucessãoe prevenção de conflitos entre sócios. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014._____________. Entenda a sociedade limitada e enriqueça com seu(s) sócio(s). SãoPaulo: Atlas, 2014._____________. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômicodo patrimônio e da sucessão familiar. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2017._____________. Manual de redação de contratos sociais, estatutos e acordos de sócios.2. ed. São Paulo: Atlas, 2014.OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Holding, administração corporativa e unidadeestratégica de negócio: uma abordagem prática. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010.VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 8 v.