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Tiragem: 92825

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TEXTO ARMÉNIO REGO (CATÓLICA PORTO BUSINESS SCHOOL) E MIGUEL PINA E CUNHA (NOVA SCHOOL OF BUSINESS AND ECONOMICS)*

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ão disléxicos, são autistas, têm DDA [distúrbio de défice de atenção], são tampas quadradas em bu-racos redondos, irritam as pessoas, entram em dis-cussões, entornam o caldo, riem-se na sua cara. Mas transformam as fraquezas de um modo que cria vantagem adicional (...) e procuram parcerias com pessoas que se notabilizam em áreas em que eles não têm talento.” Foi deste modo que Justi-ne Musk, ex-mulher de Elon Musk, descreveu um dos segredos do “sucesso extremo”. Os extrema-mente bem-sucedidos, alegou Justine, combinam brilhantismo com uma ética de trabalho “insana”. São capazes de lidar com stresse que destruiria a maior parte das pessoas. Segundo Justine, “o su-cesso extremo resulta de uma personalidade ex-trema e surge a expensas de muitas outras coisas”.

Discutiremos aqui a personalidade extrema de Musk e de mais dois “génios insanos” — Ste-ve Jobs e Jeff Bezos. Discutiremos, também, ou-tras decorrências dessa personalidade. Musk é o visionário líder da Tesla Motors. Lidera também a SpaceX, empresa de exploração do espaço com contratos multimilionários com a NASA. Musk pretende que os humanos encontrem em Marte o refúgio perante uma eventual catástrofe da Terra. Jobs é um dos maiores ícones dos tempos tecno-lógicos modernos. Alguns idolatram-no, mesmo (ou sobretudo) depois da sua partida para o Além. Era um visionário inovador com “génio intratá-vel”. Bezos é o fundador da Amazon e da menos conhecida Blue Origin, outra empresa explorado-ra do espaço. Clara Ferreira Alves escreveu que, “como todos os gigantes do digital”, Bezos “pode ser ao mesmo tempo um monstro impiedoso e um amigo generoso”.

Quem são estas figuras inimitáveis? De onde provém o seu sucesso, pelo menos até hoje? A que se deve o seu lado negro? O que podemos aprender

com as suas lideranças? Em que medida as suas ex-periências familiares podem explicar o seu perfil?

Os três revelam uma natureza paradoxal. Jobs foi descrito por Isaacson, um dos seus biógrafos, como “um empresário criativo, cuja paixão pela perfeição e determinação feroz revolucionaram seis indústri-as: computadores pessoais, cinema de animação, música, telefones, computação tablet e publicação digital”. Jim Collins descreveu-o como o Beethoven do mundo dos negócios. Mas Chrystia Freeland, re-putada jornalista e autora de “Plutocratas”, escre-veu que Jobs era um “estúpido egoísta que muitas vezes tratava os empregados, a família (incluindo a filha) e os vulgares mortais (...) com desdém”. As pessoas temiam-no e amavam-no. Debi Coleman, líder da equipa Mac, afirmou: “Ele gritava numa re-união: ‘Grande idiota, nunca fazes nada bem.’ (...) Isto era uma ocorrência que tinha lugar a cada hora. No entanto, considero-me a pessoa mais afortunada do mundo por ter trabalhado com ele.”

Musk e Bezos também são reconhecidos pela genialidade, extrema ambição, perseverança e re-siliência. E pela capacidade de encorajar extrema dedicação ao trabalho. Mas são igualmente abra-sivos e pouco empáticos. Musk, escreveu Ashely Vance, julga-se o único capaz de cumprir a missão de salvar os humanos — embora não tenha paciên-cia para lidar com os humanos.

NARCISISTASSão três egos insuflados. Justine, a primeira mu-lher de Musk, criticou-lhe a mania das grandezas quando referiu que ele falava apaixonadamen-te de Alexandre, o Grande. A missão de salvar os humanos de uma catástrofe da Terra não deixa de ser um reflexo de grandiosidade. Bezos não é me-nos ambicioso. A sua mãe guarda uma cópia de um discurso do filho na escola no qual ele decla-rava a sua ambição de construir uma frota de es-tações espaciais habitáveis, fazendo do planeta Terra uma ampla reserva natural. Sobre Jobs, Dan P. McAdams, psicólogo e professor na Northwes-tern University, escreveu que era “em tudo igual a Trump no que concerne ao narcisismo grandio-so. Fartou-se de abusar de colegas, subordinados e amigos; chorou, aos 27 anos, quando soube que a revista ‘Time’ não o tinha escolhido como Pessoa do Ano; e ficou incomodado quando recebeu um telefonema de congratulações do chefe de gabine-te de Barack Obama (...), e não do próprio Obama, pelo lançamento do iPad em 2010”. Quando Mike Scott assumiu o lugar de CEO da Apple, decidiu atribuir a Wozniak o título de empregado #1. Jobs protestou, o que levou Scott a atribuir-lhe o nú-mero de empregado “zero”.

Uma consequência do narcisismo, sobretudo se aliado a escassa empatia, é a tendência para recha-çar as críticas — e dirigi-las aos outros. Adiciona-da a ambição, o resultado é uma conduta abrasiva. Bezos é conhecido por tiradas agressivas: “Porque está a arruinar a minha vida?”; “Você é preguiço-so ou apenas incompetente?”; “Se ouvir essa ideia novamente, suicidar-me-ei.” A consequência é

uma cultura empresarial darwinista que, como referiu uma reportagem do “New York Times”, “causa hematomas”. Um ex-amazoniano afirmou que a Amazon é a empresa onde os superdotados se sentem mal acerca de si próprios. Empregados com doenças graves veem as suas avaliações de desem-penho afetadas e são mais provavelmente despedi-dos do que ajudados a recuperar. Uma empregada que contraiu cancro da mama foi colocada num “plano de melhoria do desempenho” — a expres-são codificada para “em risco de despedimento”. Razão apresentada pela empresa: “dificuldades” na sua “vida pessoal”. Alguém descreveu Bezos do seguinte modo: “Se não és bom, o Jeff mastiga-te e cospe-te fora. Se és bom, salta para as tuas costas e deita-te ao chão.”

Jobs era igualmente intratável. Bill Atkinson, projetista do Mac, explicou que era difícil trabalhar para Jobs, “porque havia uma grande polaridade entre ser-se um deus ou um merdas. Se uma pes-soa fosse um deus, era posta num pedestal e nada de mal podia acontecer-lhe (...). Aqueles que eram classificados como merdas, mas que na realida-de eram engenheiros brilhantes que trabalhavam muito duramente, sentiam que não havia maneira de serem apreciados e de se erguerem acima do seu estatuto”. Jobs era capaz de despedir pessoas na hora, por impulso, mesmo no elevador. No calão da empresa dizia-se que alguém tinha sido Steved.

Musk é igualmente confrontacional e vingati-vo. Isso tem custado às empresas a saída de alguns dedicados talentos. Um ex-empregado afirmou que o pior traço de Elon é “a sua total falta de le-aldade ou de conexão humana”. Acrescentou: “As pessoas que trabalharam para ele serviram-lhe como munições: usadas para um propósito espe-cífico até ficarem exaustas e serem descartadas.” Quando Musk se deu conta de que era necessário baixar os custos de produção dos automóveis para manter o preço nos limites acordados com os cli-entes, dirigiu uma mensagem inflamada aos em-pregados, prometendo-lhes que trabalharia aos sábados e domingos e que dormiria debaixo das

Musk julga-se o único capaz de salvar os humanos, mas não tem paciência para eles

ELON MUSK O dono da Tesla sonha com estradas cheias de carros elétricos e com homens em Marte

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secretárias até que o objetivo fosse alcançado. Al-guns empregados retorquiram que estavam de tal modo exaustos que precisavam de fazer uma pausa para ver as famílias. Elon explicou-lhes que veriam “abundantemente as suas famílias” quando a em-presa “entrasse em bancarrota”. Um ex-funcioná-rio governamental que trabalhou com Musk afir-mou, sob anonimato, que o maior inimigo de Musk “é ele próprio e o modo como trata as pessoas”.

AS REGRAS SÃO PARA OS OUTROSO narcisismo, sobretudo quando acompanhado do sentido de “licença para prevaricar” (tradução livre de moral licensing), conduz a sentimentos de que se tem direito a incumprir regras aplicáveis ao comum dos mortais, inclusive o direito de vio-lar a lei! Jobs recusava-se a usar matrícula no seu Mercedes e insistia em estacionar nos lugares para deficientes. Por vezes ocupava dois lugares de es-tacionamento. Um dia, irritado com Danielle Mi-tterrand (que, numa visita a uma fábrica da Apple, colocara questões críticas sobre as condições de trabalho), Jobs desatou a acelerar até Cupertino. Foi intercetado pela polícia. Enquanto o agente redigia a multa, Jobs buzinou. “Desculpe?”, per-guntou o polícia. “Estou com pressa”, respondeu Jobs. O agente calmamente avisou-o de que seria detido se fosse apanhado a mais de 90 quilómetros por hora. Mal voltou à estrada, Jobs retomou a ve-locidade anterior. Alguém argumentou que Jobs “era íntegro desde que isso lhe permitisse alcançar o que pretendia”. James Stewart perguntou-se, no “New York Times”: “Se Steve Jobs estivesse hoje vivo, poderia estar na prisão?”

Bezos e a sua equipa também têm um enten-dimento “peculiar” da lei, o que tem conduzido as autoridades a uma marcação cerrada às práti-cas da Amazon para escapar ao pagamento de im-postos. A relação com concorrentes e parceiros de negócios tem sido toldada por alegadas práticas de ética duvidosa. As condutas de Musk têm gerado igualmente controvérsia. O seu real papel em al-gumas empresas por onde passou tem sido ques-tionado. Para captar potenciais investidores para a Zip2, meteu um computador normal dentro de uma grande caixa e suportou-a numa base com rodas. A intenção era sugerir aos potenciais in-vestidores que a Zip2 operava dentro de um míni supercomputador.

O diálogo dos três génios com a realidade é peculiar. Jobs ficou famoso pelo “campo de dis-torção da realidade”. Aqueles que entravam neste “campo” passavam a ver as coisas de forma distin-ta, segundo as regras de Jobs. Conseguiam fazer o impossível. Esse lado desafiante terá exercido um efeito positivo sobre talentosos engenheiros que trabalhavam com Jobs. A capacidade de “hipno-tização” era tal que a Sun Microsystems proibiu a celebração de qualquer contrato com a Apple en-quanto Jobs estivesse na sala. A empresa conside-rava que era necessário afastarem-se fisicamente de Jobs para escaparem à magia hipnotizante antes de fechar negócio. G

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A visão de Musk tem sido alvo de encómios, mas também de vigorosas críticas. Há quem alegue que as suas ambições são megalómanas e que também ele gravita no “campo de distorção da realidade”. Um ex-executivo da SpaceX descreveu a atmosfera de trabalho como “uma máquina em movimento perpétuo que corre numa misteriosa combinação de insatisfação e eterna esperança”. Os objetivos de Musk são frequentemente hiperotimistas. Phi-lip Delves Broughton escreveu no “Financial Times” que as projeções de vendas da Tesla estão na “fron-teira do insano” e que “ser racional acerca da Tesla é errar o alvo”. Em abono de Musk, Richard Waters escreveu no mesmo “Financial Times” que “Musk tem a reputação de inspirar e conduzir os seus tra-balhadores para alcançar o improvável”.

O poder hipnotizador do líder da Amazon não é menor. Um empregado, aludindo às metas hipe-rambiciosas de Bezos, afirmou: “O que estamos a fazer é construir um foguetão gigante, e estamos prestes a acender o rastilho. Chegará à Lua ou, en-tão, deixará uma gigantesca cratera no chão. Em qualquer caso, quero estar cá quando isso aconte-cer.” Dolly Singh, que foi diretora de aquisição de talentos da SpaceX durante cinco anos, escreveu: “Trabalhar com ele não é uma experiência confor-tável. (...). Pressiona-se a si próprio a fazer mais e mais e pressiona as pessoas em seu redor da mes-ma maneira. O desafio é que ele é uma máquina e o resto das pessoas não o são. Portanto, quanto se trabalha com Elon, tem de se aceitar o desconfor-to. Mas neste desconforto está o tipo de crescimen-to que não se consegue ter em mais lado algum e que vale cada gota de sangue e suor.”

HORÁRIOS INSANOSA determinação e a capacidade para trabalhar lon-gas horas são igualmente antológicas. Natural-mente, os três líderes exigem o mesmo de quem os rodeia, por vezes de modo abusivo, como se referiu antes. Tal como escreveu a ex-mulher de Musk, as “pessoas extremas combinam brilhantismo e ta-lento com uma ética de trabalho ‘insana’.” Bezos chegou a dormir no gabinete, munindo-se de um saco-cama. Pressiona os colaboradores a traba-lho incessante. Musk não é diferente. Chegou a incumbir todos os empregados de telefonarem às pessoas que haviam feito reservas de automóveis, para fechar negócio. Disse-lhes: “Se não entre-garmos estes carros, estamos fodidos. Portanto, não quero saber qual é o vosso posto de trabalho. O vosso novo emprego é vender carros.”

Ainda enquanto estudante no Canadá, Musk afirmou a uma amiga: “Se houvesse uma maneira de não comer, eu trabalharia mais e não comeria. Gostava que houvesse uma forma de obter nutri-entes sem ter de me sentar para as refeições.” Eis a sua lógica: “É preciso trabalhar 80 a 100 horas por semana, todas as semanas. (...). Se outras pessoas trabalham 40 horas semanais, e nós trabalhamos 100, sabemos que, mesmo que façamos a mesma coisa, alcançaremos em quatro meses o que elas al-cançam num ano.” Um dia comentou: “Preciso de

encontrar uma namorada. É por isso que necessito de encontrar um pouco mais de tempo. Penso que talvez outras cinco ou dez horas — quanto tempo uma mulher quer por semana? Talvez dez horas? Será este o mínimo? Não sei.”

A determinação, a perseverança e a resiliência ajudam a compreender como os três génios insa-nos prosseguiram objetivos impossíveis. A propó-sito da criação da X.com (que veio a fundir-se com a PayPal), um empregado de Musk mencionou: “Havia um milhão de leis que impediam que algo como a X.com acontecesse, mas Elon não se ralou. Olhou para mim e disse: ‘Acho que devíamos con-tratar mais algumas pessoas’.” Esta “garra” ajuda também a compreender porque as empresas dos três magnatas conseguiram escapar, diversas ve-zes, do fio da navalha.

Musk chegou a passar de milionário a “neces-sitado”. Perdeu milhões e passou a viajar em com-panhias low cost. Diversas empresas suas estive-ram na corda bamba, e a Tesla não é exceção. Em 2008, o seu ritmo de trabalho insano levou Talu-lah Riley (com quem veio a casar e a divorciar-se duas vezes, entre 2010 e 2016) a temer que ele so-fresse um ataque cardíaco e morresse. Ele próprio confessou: “Senti-me como um monte de merda. Não pensei que seríamos capazes de ultrapassar. Pensei que as coisas ficariam mais fodidas.” Ape-sar do sofrimento, Musk fez os impossíveis para salvar a Tesla e a SpaceX, arriscando o seu último dinheiro e procurando financiamentos vários, por vezes fazendo bluff.

Bezos e a Amazon também estiveram no fio da navalha. No início dos anos 2000, quando impe-rava o pessimismo sobre as empresas dot.com, a Amazon.com chegou ser jocosamente denomi-nada Amazon.bomb. Alguns analistas considera-ram que a empresa “não era mais do que um so-nho louco construído precariamente num mercado exuberantemente irracional”. Bezos manteve-se confiante, sereno e energizado por uma profunda determinação. Um executivo afirmou que “nun-ca vira ninguém tão calmo como Bezos no seio de uma tempestade”.

Jobs guiava um carro sem matrícula e costumava estacionar nos lugares para deficientes

STEVE JOBS A marca que criou numa garagem continua a ser, após a sua morte, uma das mais fortes do mundo

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Quanto a Steve Jobs, a história é conhecida. Es-corraçado da “sua” Apple, sofreu emocionalmen-te ao ponto de um amigo ter ido a sua casa e só ter saído após convencer-se de que Jobs não se sui-cidaria. Depois de atravessar o deserto, renasceu das cinzas para salvar a mesma Apple e torná-la a empresa mais valiosa do mundo.

PÉS NA TERRA, CABEÇA NAS NUVENSUma consequência perversa do distúrbio narcí-sico é a incapacidade de escutar os outros, de as-sumir os erros e de aprender com os mesmos. Os líderes aqui debatidos parecem padecer dessa do-ença. Mas, paradoxalmente, também aprenderam a desenvolver alguma humildade. Elon Musk tem assumido erros e parece ter aprendido com os fra-cassos. É hoje mais prudente. Bezos também deu sinais de ser capaz de combinar petulância narci-sista com humildade. Abandonou uma vida mate-rialmente confortável para se dedicar a um proje-to incerto. E assumiu perante os seus pais e outros investidores que os riscos de fracasso do dinheiro investido na Amazon eram de 70%. Um estudan-te que o escutou em palestra proferida na Harvard Business School descreveu-o como “humilde e cir-cunspecto”. Steve Jobs assumiu e aprendeu com os erros e os fracassos. Afirmou durante o célebre discurso em Stanford: “Ser demitido da Apple foi a melhor coisa que me poderia ter acontecido. O peso do sucesso foi substituído pela leveza do reco-meço. Isso libertou-me para um dos mais criativos períodos de minha vida.” Na definição de Laurene Powell Jobs, sua esposa, Jobs era uma “máquina de aprendizagem”. Jobs foi descrito num artigo cien-tífico, publicado numa revista prestigiada, como um “narcisista humilde”.

Atributo igualmente importante, que ajuda a compreender porque estes líderes escaparam ao precipício e são profundamente determinados, é o sentido de propósito que os energiza. Esse propó-sito é, também, um forte impulsionador dos lide-rados — que se sentem atraídos pela visão do líder e pela missão que ele representa. Naturalmente, os riscos do deslumbramento com esse desígnio são grandes. Afinal, se o desígnio é tão valioso, quem tem o direito, ou a coragem, de resistir? Mas não pode ignorar-se que os três líderes se movem, ou moveram, em prol de propósitos maiores do que eles próprios. E essa “transcendência” (ou gran-diosidade, dirão alguns) ajuda a explicar o seu su-cesso. Por exemplo, segundo os biógrafos, o pro-pósito de Steve Jobs não consistia em ganhar di-nheiro, mas em criar uma empresa duradoura de tão rica em criatividade. Como este propósito, en-riqueceu a Apple.

Musk pretende criar no espaço um lugar onde os humanos possam ser salvos dos disparates co-metidos no planeta Terra. “Transformar os hu-manos em colonizadores do espaço” parece ser o propósito de vida do bilionário. A sua ex-mulher escreveu que, para obter sucesso extremo, “ajuda ter um ego, mas é preciso estar ao serviço de algo maior do que nós próprios se queremos inspirar as G

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pessoas de cuja ajuda precisamos (e, não haja dú-vidas, precisamos delas)”.

Bezos foi inebriado pelo desejo, visionário, de criar o “armazém de tudo”. Pretendia revolucio-nar o modo de fazer comércio através das possi-bilidades facultadas pela internet, cujo potencial vislumbrou quando ninguém as imaginava pos-síveis. Mas a exploração espacial também está no âmago do seu propósito. A namorada de juventude afirmou que a motivação de Bezos para enriquecer é, precisamente, o desafio da exploração espacial.

Devemos ser cautelosos ao interpretar a emer-gência destes sentidos de missão, até porque es-tes líderes foram sendo energizados por diferentes missões ao longo das suas vidas. Mas o que parece indubitável é a motivação assente em algo mais do que o enriquecimento. Foi na busca de algo “trans-cendente” (ou grandioso) que produziram riqueza.

A liderança é mais do que os líderes. É um pro-cesso que envolve líderes, liderados e a situação. Sem a entrega, o talento e mesmo o sacrifício dos liderados, o impossível nunca teria sido possível. A paixão de Jobs contagiava. Mas foi necessário que as pessoas se deixassem contagiar. Bezos e Musk jamais teriam alcançado o impossível sem a dedi-cação de colaboradores capazes de engolir muitos sapos. O mérito tem de ser atribuído a líderes e a liderados.

Também não pode ignorar-se o contexto situa-cional. Os três líderes e as suas empresas fruíram, designadamente, das oportunidades facultadas pela internet e pela constelação de necessidades e enti-dades que, entretanto, emergiram. Naturalmente, aproveitaram essas oportunidades. Mas, sem elas e noutros tempos, o impossível teria sido realmen-te impossível. Jobs, por exemplo, beneficiou de vi-ver no coração de Silicon Valley. Estava rodeado de pessoas com paixão por fazer “coisas”. Bezos aban-donou uma posição confortável num hedge fund de Wall Street porque percebeu que a internet crescia a mais do que 2000% ao ano — e porque os seus pais investiram 100 mil dólares no empreendimento, mesmo depois de Bezos lhes ter dito que as proba-bilidades de fracasso eram de 70%.

A SORTE DÁ TRABALHONo final de contas, as coisas resultaram (ou têm resultado) bem. Mas poderiam não ter resultado. Além da indómita e genial determinação, estes lí-deres beneficiaram da sorte. O próprio Jobs reco-nheceu, no célebre discurso em Stanford, que “tive sorte”. Bezos escreveu numa carta aos acionistas que os projetos da Amazon haviam singrado “com a ajuda generosa da boa sorte”. No percurso de Musk e das suas empresas há também elementos de sorte que, se não tivessem ocorrido, nos leva-riam hoje a contar outra história. Naturalmente, a sorte precisa da determinação — mas esta também precisa daquela.

Esta análise é importante para se compreender que é relativamente fácil avaliar a eficácia da lide-rança depois de os resultados terem sido alcança-dos. Em linguagem futebolística: é bastante seguro

fazer prognósticos no final do jogo. Mas as mesmas ações de liderança, as mesmas jogadas podem re-sultar ou não, dependendo de inúmeros fatores alheios ao controlo do líder ou do treinador. Não se subestime a colossal valia dos empreendimentos e dos méritos destes líderes. Mas o mundo empresa-rial está repleto de líderes de grande gabarito que viram a sua estrela apagada. Dos perdedores não reza a história.

Berços complicados podem ser problemáticos para o desenvolvimento saudável das crianças que se tornarão adultas. Mas, por circunstâncias ainda não totalmente explicadas, podem ser também um estímulo à tenacidade. Jobs foi adotado, algo que o fez sofrer. O seu pai biológico, Abdulfattah Jan-dali, afirmou numa entrevista: “Isto pode soar es-tranho, mas não estou preparado, mesmo se um de nós estivesse no leito de morte, para pegar no te-lefone e ligar-lhe. (...) Steve [Jobs] vai ter de fazer isto, pois o meu orgulho sírio não quer que ele pen-se que ando atrás da sua fortuna.” Jandali afirmou ainda que esperava pelo menos poder “tomar um café” com o filho, antes que fosse “tarde de mais” — e que isso o tornaria “um homem muito feliz”.

Bezos foi também paternalmente adotado, pois o pai biológico, Ted Jorgensen, saiu da sua vida quando ele tinha 3 anos. Dezenas de anos volvi-dos, Jorgensen foi surpreendido quando soube que era ele o pai do magnata. Já doente, afirmou: “Sou o seu pai biológico e apenas quero cumprimentá--lo (...) e ser reconhecido como seu pai. Apenas quero vê-lo como meu filho, sentir que ele reco-nhece que sou seu pai e ele meu filho.” Musk não foi adotado, mas terá sido vítima de bullying e dos “jogos mentais brutais” do seu pai. A sua relação com o pai é péssima — ao ponto de Elon e Justine terem jurado que os filhos não poderiam encon-trar-se com o avô.

Os três génios são, pois, fruto de circunstân-cias parentais problemáticas. Lidaram com a ad-versidade familiar fazendo do veneno remédio. O fenómeno pode ser observado noutros líderes, como Bill Clinton, Barack Obama e Larry Ellison. A rainha Vitória de Inglaterra, a quem o biógrafo

Bezos largou uma vida confortável em Wall Street para se lançar na internet atrás de um sonho

A. N. Wilson atribuiu um “colossal ego”, teve uma infância solitária. O pai morreu quando ela tinha menos de um ano de idade.

Que lições podemos extrair da genialidade in-sana destes líderes insubstituíveis? O foco nos cli-entes e em produtos e serviços que os deslumbram é indubitável. Mas, numa maratona repleta de es-pinhos, há muito mais do que isso. A prossecução bem-sucedida de objetivos impossíveis requer uma enorme determinação, uma indómita força de vontade e uma gigantesca capacidade para lidar com adversidades. Essa longa jornada precisa do sacrifício de “muitas outras coisas”. E pode condu-zir ao tratamento desumanizado dos liderados. Es-tes líderes são visionários e determinados. Mas são pouco empáticos e raramente preocupados com o bem-estar dos outros. São poços de contradições. De quando em vez, o Mr. Hyde que neles há toma conta do Dr. Jekyll que neles habita. Não devemos descontar os seus méritos acusando-os dos seus defeitos. Mas também não devemos ignorar o seu lado negro para apreciarmos o seu génio. Convém, acima de tudo, que nos consciencializemos de que esses líderes são bem-sucedidos apesar das diatri-bes e não porque as cometem.

O modo porventura mais sábio de interpretar o fenómeno foi explicitado por Tony Schwartz, CEO e fundador do Energy Project. Num artigo publica-do no “New York Times” sobre “O mau comporta-mento dos líderes visionários”, escreveu: “Os três líderes são indiscutivelmente os líderes de negó-cios mais visionários do nosso tempo. (...) O que me desalenta é a escassez de cuidado e de apre-ciação que eles devotam (ou, no caso de Jobs, de-votava) aos seus empregados trabalhadores e leais e o modo desnecessariamente cruel e degradante como tratam as pessoas que os ajudaram a trans-formar os seus sonhos em realidade.”

Dan Kreft, que abandonou a Amazon após quase 16 anos e descreveu a empresa como um lu-gar de trabalho desumanizado, observou: “Dese-jo continuado sucesso a Bezos e à empresa, mas imagino quão mais bem-sucedidos poderiam ser se mostrassem pelos empregados o mesmo tipo de cuidado obsessivo que revelam ter pelos clien-tes.” Mesmo Isaacson, um dos biógrafos de Jobs, admitiu: “O vexame que causava não era neces-sário. Prejudicou-o mais do que o beneficiou.” Joe Nocera escreveu no “New York Times” que Bezos “poderia ter criado uma cultura que valorizasse os empregados e os tratasse bem. Mas isso requereria que ele se preocupasse com aquilo que qualquer outra pessoa pensa. Fora de questão”. Temos vin-do a alertar para as vantagens do “amor duro” na liderança. Estes três líderes revelam muita dureza e pouco amor. Ser forte e duro não implica ser dés-pota; e ser apoiante não implica ser permissivo. b

[email protected]

*Professores universitários e autores de um livro sobre os génios loucos do mundo empresarial,

a ser publicado em breve

JEFF BEZOS Já é o dono do maior armazém de distribuição do mundo, mas aspira a conquistar o espaço

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26Génios insanos O lado negro das mentes brilhantes de Jeff Bezos, Steve Jobs e Elon Musk. Três homens visionários cujas invenções estão a mudar o mundo em que vivemos

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Page 10: ID: 67480981 23-12-2016 | Revista E Corte: 1 de 10

Tiragem: 92825

País: Portugal

Period.: Semanal

Âmbito: Lazer

Pág: 1

Cores: Cor

Área: 6,73 x 7,18 cm²

Corte: 10 de 10ID: 67480981 23-12-2016 | Revista E+Génios insanos O lado negro das mentes brilhantes de Elon Musk, Jeff Bezos e Steve Jobs