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Influência do controle motor na estabilização segmentar terapêutica
nas lombalgias: Revisão de literatura
Neyton Souza dos Santos1
Dayana Priscila Maia Mejia2
1Pós-graduação em Reabilitação na Ortopedia e Traumatologia com ênfase em Terapia Manual –
Faculdade Ávila
Resumo
As técnicas fisioterapêuticas de reabilitação funcional, em especial a estabilização segmentar
terapêutica, aplicadas em indivíduos lombálgicos têm alcançado bons resultados quanto aos
objetivos que se propõe. E é notória a importância do tratamento não cirúrgico, devido ao
caráter pouco invasivo e efetividade evidenciada por grandes estudos de impacto. O objetivo
desta revisão de literatura é identificar a influência do controle motor na estabilização
segmentar para efeito de tratamento da lombalgia. A metodologia empregada foi a revisão de
literatura nas bases de dados PubMed, Scielo, Revistas e Livros mediante os descritores:
estabilização segmentar, controle motor, lombalgia e seus correspondentes em inglês, sendo
pesquisado 39 artigos e livros inerentes ao tema entre 1992 e 2011, mas selecionados
efetivamente um total de 24 que obedeceram aos critérios de afinidade com tema. Este
trabalho pode identificar evidências de que o controle motor influencia diretamente na
estabilidade lombo-pélvica, umas vez que, sua ineficiência repercute em instabilidade
segmentar e, que associado à atividade diária do indivíduo, desencadeia sintomas de
lombalgia, muitas vezes incapacitantes.
Palavras-chave: Estabilização Segmentar; Controle Motor; Lombalgia.
1. Introdução
A dor lombar ou lombalgia é um termo não específico usado para descrever a dor nas costas
(MOORE & DALLEY, 2007). Pode ser caracterizada por um quadro de dor, rigidez
muscular, fadiga ou desconforto localizado no terço inferior da coluna vertebral (ANDRADE
et al, 2011). Estudos da Organização Mundial da Saúde (2007) apontam a dor lombar como
um problema de saúde pública mundial, atingindo cerca de 80% das pessoas em algum
período de suas vidas, causando graves conseqüências socioeconômicas. A lombalgia aparece
subtamente, devido à carga axial de força e a flexão da coluna vertebral, como levantar
objetos pesados, expondo os músculos da coluna (FREESE, 2006). Tipicamente a duração da
lombalgia por menos de 4 semana é considerada como aguda, menos de 12 semanas como
subaguda e acima de 12 semanas como lombalgia crônica (PIRES; SAMULSKI, 2006).
A falta de atividade física ou excesso de esforço físico facilmente acarretará danos às estruras
osteomioarticares da coluna vertebral (TOSCANO & EGIPTO, 2001). Os autores ressaltam
que músculos fracos associados ao uso inadequado no dia-dia deixa vulnerável a coluna aos
agravos, sendo importante considerar o fortalecimento da musculatura do tronco uma prática
que pode proporcionar maior proteção nas atividades diárias.
Dentre as técnicas de reabilitação mais utilizadas para controle e prevenção da lombalgia é o
conceito da estabilização segmentar lombar (ESL), caracterizada por isometria, baixa
1 Pós-graduando em Reabilitação na Ortopedia e Traumatologia com ênfase em Terapia Manual.
2 Graduada em Fisioterapia, especialista em metodologia do ensino superior; mestrado em bioética e direito
em saúde.
2
intensidade e sincronia dos músculos profundos do tronco, com o objetivo de estabilizar a
coluna lombar, protegendo sua estrutura do desgaste excessivo (RICHARDSON & JULL,
1995). White e Panjabi apud (PANJABI, 2003) definem instabilidade clínica da coluna como
a perda da capacidade da coluna para manter seus padrões de deslocamento sob cargas
fisiológicas sem que haja inicial ou adicional défict neurológico, nenhuma deformidade grave
e também dor incapacitante.
Um programa de exercícios de controle motor lombopélvico proposto por Richardson e Jull
(1995) tem como objetivo readquirir o controle da musculatura do tronco, particularmente dos
músculos profundos – transverso abdominal, multífidos lombares e músculos do assoalho
pélvico –, melhorando o suporte mecânico da coluna lombar (RICHARDSON; JULL;
HODGES, 2004).
Este trabalho visa identificar a influência do controle motor na estabilização segmentar para
efeito de tratamento da lombalgia, evidenciando tal técnica como uma das mais utilizadas na
reabilitação fisioterapêutica, com resultados significativos para melhora dos sintomas álgicos
que pode se apresentar incapacitantes. A metodologia empregada foi a revisão de literatura
nas bases de dados PubMed, Scielo, Revistas e Livros mediante os descritores: estabilização
segmentar, controle motor, lombalgia e seus correspondentes em inglês, sendo pesquisado 38
artigos e livros inerentes ao tema entre 1992 e 2011, mas selecionados efetivamente um total
de 22 que obedeceram aos critérios de afinidade com tema. Os principais achados são
discutidos através de tópicos descritivos a respeito da estabilização segmentar, controle motor
na estabilidade lombar, os músculos atuantes na estabilidade e exercícios estabilizadores.
2. Estabilização Segmentar Terapêutica
Uma grande variedade de intervenções fisioterapêuticas tem sido utilizada no tratamento das
lombalgias. Dentre elas estão os exercícios aeróbicos, exercícios de flexão e extensão da
coluna, de inclinação pélvica, alongamentos terapêuticos e os treinamentos de estabilização
segmentar terapêutica. A estabilização segmentar ou estabilização central tem como objetivo
proporcionar melhor suporte à coluna lombar e promover maior estabilidade funcional da
região lombo-pélvica, bem como reduzir a incidência de lesões e desconfortos nessa região. O
complexo lombo-pélvico é descrito na literatura como “centro”, pois é nessa região que fica
posicionado o centro de gravidade corporal e onde a maioria dos movimentos é iniciada
(ANDRADE et al, 2011).
De acordo com Panjabi (1992), a estabilidade da coluna decorre da interação de três sistemas:
passivo, ativo e neural. O sistema passivo compõe-se das vértebras, discos intervertebrais,
articulações e ligamentos, que fornecem a maior parte da estabilidade pela limitação passiva
no final do movimento. O segundo, ativo, constitui-se dos músculos e tendões, que fornecem
suporte e rigidez no nível intervertebral, para sustentar forças exercidas no dia-a-dia. Em
situações normais, apenas uma pequena quantidade de co-ativação muscular, cerca de 10% da
contração máxima, é necessária para a estabilidade. Em um segmento lesado pela frouxidão
ligamentar ou pela lesão discal, um pouco mais de co-ativação pode ser necessária. O último
sistema, o neural, é composto pelos sistemas nervoso central e periférico, que coordenam a
atividade muscular em resposta a forças esperadas ou não, fornecendo assim estabilidade
dinâmica. Esse sistema deve ativar os músculos corretos no tempo certo, para proteger a
coluna de lesões e permitir o movimento funcional.
O programa de estabilização central é indicado para várias lesões, dentre as quais podemos
citar as lombalgias crônicas, as discopatias, as artroses, as alterações posturais importantes;
preparação de atletas de alto nível; síndrome cruzada; processo traumático; e situação que
levam desequilíbrio biomecânico da coluna lombar. Um atraso na resposta dos músculos do
tronco para perturbação tem um grande potencial para provocar uma instabilidade central,
com isso há um grande risco para lombalgia crônica, pois uma das causas de lombalgia é a
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instabilidade da coluna lombar (O’SULLIVAN, 2000).
O´Sullivan et al (1997) observaram que exercícios para o músculo transverso abdominal e
multífido lombar eram efetivos na redução da dor e na capacidade funcional lombar, durante
10 semanas de tratamento, causada por espondilólise ou espondilolistese, mesmo após 30
meses do término do tratamento. Observa-se um efeito em longo prazo dos exercícios de
estabilização, mas que não exclui a possibilidade de recidiva, haja vista que, uma das
explicações de recidivas pode ser o fato de o MF não recuperar seu volume mesmo após
redução da dor, o que compromete a estabilidade.
3. Controle motor na estabilidade
Estudos importantes apontam o papel fundamental dos músculos que proporcionam a
estabilidade segmentar vertebral. Foi observado que o músculo transverso abdominal (TrA) e
as fibras profundas do multífido (MF) são responsáveis pela estabilização segmentar. E vários
estudos demonstram correlação significativa entre a disfunção destes músculos com o
desenvolvimento da dor lombar (HIDES, JULL, RICHARDSON, 2001; HIDES, JULL,
RICHARDSON, 1996).
Há considerável evidência de quem apresenta disfunção no movimento e no controle motor
dos indivíduos sintomáticos. Quando há déficit no desempenho deste grupo muscular, ocorre
a instabilidade da coluna. Além disso, propicia o aparecimento de processos álgicos e
predispõe a fadiga muscular (BARBOSA & GONÇALVES, 2005).
Esses ajustes posturais são movimentos preparatórios do tronco, que ocorrem, por exemplo,
antes dos movimentos dos membros superiores (HODGES et al., 2000). Esses ajustes
posturais podem afetar o equilíbrio e a localização do centro de gravidade (WILLSON et al.,
2005).
Estudo desenvolvido por Hodges e Richardson (1996) que utilizou eletromiografia para
atividade dos músculos abdominais e multífidos durante movimentos dos membros inferiores,
concluiu que a atividade da musculatura do tronco ocorre antes do início do movimento dos
membros inferiores independentemente da direção do movimento, e que o transverso do
abdome era o primeiro músculo a ser ativado, seguido pelo multífido. Os autores concluíram
que o atraso no aparecimento de contração do transverso abdominal indica um déficit de
controle motor, sendo a hipótese de provocar a estabilização muscular ineficiente da coluna
vertebral. Devido à sobrecarga exercida no sistema passivo (ligamento, articulações,...).
Ferreira, et al (2009), em sua pesquisa de revisão sistemática, observaram que há evidência
limitada de que um programa de exercícios de controle motor seja tão eficaz quanto o
tratamento médico isolado (repouso, ausência de trabalho e medicação) em reduzir dor e
incapacidade em pacientes com dor lombar (DL) aguda. Entretanto, a longo prazo, é
observada maior efetividade na redução do índice de recorrência nos indivíduos incluídos no
programa de exercícios de controle motor, quando comparados ao grupo de tratamento
médico.
Estudos demostraram que ocorre uma disfunção do MF após um primeiro episódio de
lombalgia unilateral. Uma rápida atrofia neste músculo foi observada ipsilateralmente ao local
de dor por meio de ultra-som (FRANÇA, 2008). Hides et al (1996) enfatizaram que uma das
explicações para a alta taxa de recidivas em pacientes com lombalgia pode ser o fato de que o
músculo multífido não recupera o volume mesmo após a redução da dor, comprometendo a
estabilidade, mostrando que os exercícios específicos de estabilização segmentar lombar para
o multífido podem aumentar seu volume em lombálgicos, diminuindo a atrofia (HIDES et al,
2001).
A ativação do músculo transverso do abdome tem sido avaliada através de Ultra-som de
músculos participantes, como TrA e MF durante a depressão ou encolhimento do abdome,
eletromiografia e Unidade de Biofeedback Pressórico – UBP (Figura 1). Este último destaca-
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se na prática clínica, para mensurar indiretamente a qualidade do controle motor, devido ao
baixo custo, a não invasibilidade, facilidade de utilizar no dia-dia e à possibilidade de analisar
outros músculos (FRANÇA, 2009).
Em seu estudo, França (2009), mesmo na diminuição da dor nos grupos estudados, os sujeitos
não conseguiram deprimir adequadamente a parede abdominal, pela correta ativação do TrA,
evidenciando insuficiência de controle múscular.
Ferreira et al (2009), em sua revisão sistemática, conclui que exercícios de controle motor são
eficazes nas dores lombopélvicas e podem ser indicados para pacientes com DL aguda como
prevenção de episódios de recorrência e, para pacientes com DL crônica, com o objetivo de
melhorar a dor, a função e a qualidade de vida. Devem ser prescritos também na dor pélvica
pós-parto e, como alternativa de tratamento, após um procedimento cirúrgico em pacientes
com DL crônica.
Figura 1 – Unidade de Biofeedback Pressórico – UBP
Correlação de imagens ultrassonográficas foram elaboradas durante o manuzeio com UBP por
Richardson, Hodges e Hides (2004). A Figura 2 descreve a mudança de pressão vista na
unidade de biofeedback na imagem de Ultra-som e em representação esquemática do teste
muscular clínico do TrA.
Figura 2a – No descanso, antes do teste, a pressão de base é 70 mmHg
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Uma solicitação correta de contração ativa do abdome foi estimulada. Observa-se na Figura
2b que a pressão reduz 6 mmHg e a contração do TrA pode ser vista na imagem do ultrassom.
Nota-se a aparência de “espartilho” e tensionamento na fáscia medialmente (*). Na contração,
o diâmetro do TrA aumenta.
Em seu estudo de revisão bibliográfica, França et al (2008) observou que há evidências de
que o TrA e os músculos profundos lombares são preferencialmente afetados na presença de
lombalgia, dor lombar crônica e instabilidade. O TrA tem um papel fundamental na
antecipação. Previamente à execução de movimentos gerais, este músculo ativa-se, evitando
perturbações posturais axiais.
Figura 2b – Performance correta de contração do músculo TrA.
Já num desempenho incorreto da ação de contração do músculo TrA (drawing-in action), a
pressão aumenta suavemente. Veja na Figura 2c que na imagem do ultrasom mostra a
contração de todos os músculos abdominais simultaneamente. Os oblíquos externo e interno
contraem-se simultaneamente, aumentando a área de secção transversa, onde também não se
ver o “espartilho”. AC, Conteúdo Abdominal; L, Lateral; M, Medial; S, Pele; ST, Tecido
Subcutâneo; OE, Obliquo Externo; OI, Obliquo Interno; TrA, Transverso do Abdome.
Figura 2c – A pressão aumenta suavemente com a contração incorreta do TrA.
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As evidências de controle motor adequado e bom desempenho na contração desse músculo
foram bem correlacionados com treinamento muscular por Hides et al. (1996), observando
que a recuperação da musculatura profunda da coluna lombar não ocorre simultaneamente à
remissão dos sintomas dolorosos, mostrando que o TrA é importante no suporte e proteção da
coluna lombar e que é necessário seu treinamento continuado para uma recuperação
segmentar mais específica.
O´Sullivan et al. (1997) destaca que em indivíduos sadios, o transverso do abdome, para
proteger a coluna, contrai-se antes dos movimentos das extremidades. Nos lombálgicos esta
contração falha antes dos movimentos, demonstrando uma alteração na coordenação desse
músculo. O atraso no início da contração do TrA indica um déficit do controle motor e resulta
em uma estabilização muscular ineficiente da coluna (HIDES et al, 1996).
4. Músculos atuantes na estabilidade
Grandes músculos superficiais dos quadris e do tronco possuem vantagem mecânica para
produzir movimentos e aumentar a rigidez, para resistir aos movimentos externos
provenientes das atividades funcionais. Entretanto, os músculos menores adjacentes à coluna
não devem ser desconsiderados (WILLSON et al., 2005).
Salienta-se, no plano sagital, como principais músculos da estabilidade central, o reto
abdominal, transverso do abdome, eretor da espinha, multífidos, e glúteo máximo (WILLSON
et al., 2005; AKUTHOTA; NADLER, 2004).
Os multífidos são músculos pequenos, com pouca vantagem mecânica, com predomínio de
fibras do tipo I (estabilizadoras de contração tônica), e são responsáveis pela desaceleração
segmentar durante movimentos funcionais. É importante frisar que a falta de atividade
adequada do glúteo máximo provoca instabilidade pélvica e reduz o controle neuromuscular.
O músculo transverso do abdome atua por mecanismo de feedback. O psoas, quando inibido,
compromete todo o sistema estabilizador, pois há uma inibição recíproca do glúteo máximo,
dos multífidos, do eretor da espinha, do oblíquo interno e do transverso do abdome. A
contração tônica das fibras do músculo transverso eleva a rigidez do tronco e pressão intra-
abdominal, com a assistência dos multífidos. Já o glúteo máximo é responsável pela
transmissão de forças do tronco para os membros inferiores (WILLSON et al.,2005).
No plano frontal, os principais músculos são os glúteos médio e mínimo (estabilizadores
primários do quadril), e quadrado lombar. Durante o início da cadeia de movimento, os
estabilizadores primários do quadril abduzem o quadril, porém em cadeia fechada eles
mantêm o nível da pelve. É importante citar que o glúteo médio fraco, afeta a biomecânica do
complexo lombopélvico (inelasticidade do trato iliotibial e quadrado lombar) e das
articulações femoropatelar e tibiofemoral. Já o quadrado lombar eleva a pelve ipsilateral, e a
co-contração contra-lateral enrijece a coluna lombar (WILLSON et al., 2005).
A atividade muscular, nesse plano, inclui os músculos adutor magno, adutor longo, curto e
pectíneo, inclui também os músculos glúteo máximo, médio e piriforme, gêmeos superior e
inferior, quadrado lombar, obturador externo e obturador interno (WILLSON et al., 2005;
AKUTHOTA; NADLER, 2004). A capacidade de rodar o quadril torna-se limitada pelo grau
de flexão que essa articulação assume, pois as fibras anteriores dos glúteos médio e máximo e
piriforme mudam de rotadores externo para rotadores internos (WILLSON et al., 2005).
Pode-se dividir, portanto, a musculatura responsável pela estabilidade central em músculos da
unidade interna (diafragma, assoalho pélvico, transverso do abdome, e multífidos) e os
músculos da unidade externa (oblíquos, reto femoral, glúteo máximo e glúteo médio). Os
músculos abdominais oferecem estabilização nos três planos de movimento. A fáscia
toracodorsal é importante na transferência de carga do tronco para os membros inferiores, e
pode ser afetado pelos músculos responsáveis pela estabilidade central (SANTOS &
FREITAS, 2010).
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As características dos músculos do sistema estabilizador central são ativados 30 a 50 ms antes
do início do movimento, e a coluna lombar transforma-se num cilindro rígido. Essa ativação
ocorre independentemente da vontade do indivíduo (WILLSON et al., 2005).
Observa-se, portanto, que a estabilidade lombar não depende apenas do MF e TrA. Um
cilindro de músculos profundos ao redor da coluna fornece estabilidade (BARR; GRIGGS;
CADBY, 2005). Entretanto, multífidos e transverso do abdome destacam-se devido à sua
íntima relação biomecânica durante o processo de co-contração de sua ação, sendo
evidenciada por vários estudos importantes.
De acordo com Granier e Mcgill (2007), a correta contração do músculo transverso do
abdome é fundamental, pois observaram que possui significativa diferença entre ativá-lo com
encolhimento do abdome e comparando com a contração do reto do abdome. Logo, a ação de
ativação de ‘encolher’ é a que melhor proporciona o mecanismo de estabilidade lombar.
5. Exercícios de estabilização
Como já foi bem mencionado, os exercícios de estabilização central têm por objetivos
melhorar o controle postural dinâmico, garantir controle muscular apropriado do complexo
lombopélvico e promover estabilidade proximal.
Os exercícios tradicionais para tratamento da lombalgia possuem evidências de que tem um
importante componente lesivo. Por exemplo, a realização de retroversão da pelve durante
exercícios para a coluna lombar, que aumenta o risco de lesão por comprimir as articulações e
aumentar a carga nas estruturas passivas. Mcgill (2001) concluiu que exercícios em série para
a lombar, realizados em aparelhos com carga, podem produzir herniações.
Os músculos de resistência (endurance) têm sido evidenciados como protetores. Mcgill (2001)
sugeriu que o mais seguro modelo de estabilização lombar não seria o exercício de força, mas
sim o de resistência, que manteria a coluna em uma posição neutra, enquanto encorajaria o
paciente a co-contrações dos estabilizadores. E maior mobilidade da coluna lombar, ao
contrário do que se pensava, aumenta as chances de problema no segmento.
A estabilização segmentar lombar não coloca a estrutura lesada em risco, principalmente no
início da reabilitação, reduzindo a carga externa e mantendo a coluna em posição neutra. Os
exercícios são sutis, específicos e precisos, reduzindo a chance de dor ou reflexo de inibição.
Para um máximo benefício, devem ser repetidos por várias vezes ou quantas forem
necessárias. A progressão pode ser realizada em inúmeros estágios. As séries podem ser
progredidas de cargas baixas com peso mínimo até posições mais funcionais com aumento
gradual de carga (FRANÇA et al.,2008)
A tarefa de isolar os músculos TrA e MF não é fácil quando se depara com pacientes que
apresentam disfunção local. Para tanto, Richardson e Jull (1995) desenvolveram estratégias
incluindo palpação, observação de mudanças na forma do corpo e biofeedback.
Dada a importância do quadrado lombar como estabilizador lateral, a técnica ideal para
maximizar a ativação e minimizar a carga parece ser a ponte lateral e, para aprimorar o
controle motor, há a técnica avançada da ponte em decúbito lateral (ver Figura 3).
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Figura 3: Ponte lateral – em a, membros inferiores flexionados (maior segurança do segmento lombar) e em b
membros estendidos, aumentando a demanda muscular.
Preconiza-se que a posição inicial no aprendizado seja a posição em quatro apoios (Figura 4).
Richardson e Jull (1995) sugerem que esse exercício seja o ideal para o aprendizado mais fácil
da contração da parede abdominal e para a manutenção dessa posição em isometria. Ensina-se
ao paciente como localizar e manter as curvas torácica e lombar em posições normais para a
execução dos exercícios. A partir da posição inicial, é necessário treinar esse mesmo exercício
em decúbito dorsal, em pé e sentado (FRANÇA et al., 2008). A contração do TrA pode ser
palpada medialmente à espinha ilíaca ântero-superior e inferiormente à cicatriz umbilical.
Observe a Figura 5.
Figura 4: Reeducação do transverso do abdome (TrA) em quatro apoios: a, note-se o relaxamento da parede
abdominal; b, contração do TrA.
Figura 5: Local onde se faz a palpação do músculo TrA. (Richardson; Hodges; Hides, 2004)
Exercícios para o multífido lombar pode ser executado em prono, com os joelhos estendidos e
os braços ao longo do corpo. O terapeuta toca com seus polegares os MF adjacentes ao
processo espinhoso. Solicita então que o paciente realize uma contração leve como se
quisesse empurrar os dedos, e a mantém por 10 segundos. Repete-se 10 vezes. O terapeuta
deve sentir com seus polegares a contração no local palpado e verificar a capacidade de
execução de uma contração simétrica e bilateral por parte do paciente, assim como a
9
intensidade e a capacidade da manutenção de forma homogênea, sem compensações. Ver
Figura 6 (RICHARDSON; HODGES; HIDES, 2004).
Comerford e Mottram propuseram um guia clínico para o retreino dos estabilizadores.
Segundo eles, a palpação deve estimular a correta ativação. É necessário observar o padrão de
controle correto e o recrutamento tônico das fibras, sem que se note fadiga. O paciente não
deve sentir dor e a respiração deve ser normal.
A co-contração dos músculos TrA e MF começa preferencialmente nas posições em pé e
sentada. Em ambas, o paciente realiza exatamente os mesmos exercícios para o transverso e o
multífidos ao mesmo tempo com intuito de progredir na sequência de exercícios (FRANÇA et
al, 2008).
Figura 6 – Feedback manual para identificar a ativação do músculo TrA.
Richardson; Hodges; Hides (2004) descreve de maneira bastante didática a ação muscular
durante a solicitação de contração do transverso do abdome através das imagens
ultrassonográficas, dando maior clareza ao teste palpatório deste músculo. Ver Figura 7.
Fugura 7a – Parede abdominal relaxada. Nota-se uma curva da pele (S) devido contato convexo do transdutor
10
Figura 7b – Contração correta do TrA, com tensão profunda na parede abdominal. Há aumento do transverso em
profundidade (seta) e da fáscia do reto abdominal (*). Pouca alteração dos músculos subsequentes.
Figura 7c – Ação incorreta cuja parede abdominal é elevada. Nota-se aumento da profundidade do obliquo
externo (OE), obliquo interno e TrA. Como a ativação isolada do TrA é perdida, a distância entre a borda
superior do OE e a pele é diminuída (*). AC, conteúdo abdominal, ST, tecido subcutâneo.
O objetivo final de um treinamento de estabilização central deve ser o uso dessa musculatura
estabilizadora dentro de respostas rápidas diárias e atividades esportivas específicas. É a
grande tendência na reabilitação atual, pois proporciona prevenção, reabilitação e melhora da
performance (AKUTHOTA; NADLER, 2004).
Diversos protocolos têm sido desenvolvidos utilizando princípios da estabilização terapêutica.
Dentre eles, cita-se como exemplo o elaborado por Pereira, Ferreira e Pereira (2010):
a) Etapa 1 (1º semana): sem carga, estático, sem equilíbrio/perturbação – Em supino, com os
joelhos flexionados em adução, ativação do músculo transverso do abdômen. Em prono,
joelhos estendidos e braços ao longo do corpo, ativação do músculo multífido;
b) Etapa 2 (2º semana): sem carga, com movimento, sem equilíbrio/perturbação – Em supino,
joelhos flexionados, movimentos com o membro inferior (deslizamento do calcanhar). Em
supino, movimentos alternados dos membros, elevação unilateral do membro superior e
flexão do membro inferior contralateral (dead bug);
c) Etapa 3 (3º semana): sem carga, com movimento, com equilíbrio/perturbação – Ponte, com
os pés apoiados no solo e joelhos flexionados, elevar a pelve mantendo a contração da
musculatura profunda do tronco. Posição de gatos com movimentos alternados em
diagonal dos membros superiores (flexão) e inferior (extensão).
d) Etapa 4 (4º semana): com carga, sem movimento, sem equilíbrio/perturbação – Sentado,
realiza rolamento pélvico (empinar os glúteos sem empinar o tórax) e contração da
musculatura profunda do tronco. Em pé estático, realiza a contração do TrA e MF.
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e) Etapa 5 (5º e 6º semana): core training – exercícios mais intensos ativando toda a muscula-
tura que envolve a coluna vertebral, promovendo assim maior estabilidade – Ponte
unilateral: elevação da pelve associada à elevação de um membro inferior que é mantido
em extensão, mantendo a contração do transverso do abdômen e multífido. Ponte lateral:
em decúbito lateral, realiza elevação lateral da pelve com apoio nos pés e cotovelo,
mantendo a contração do transverso do abdômen e multífido. Prancha: em decúbito ventral,
realiza elevação da pelve com apoio nos pés e cotovelo, mantendo a contração do
transverso do abdômen e multífido.
Cada exercício foi realizado em 12 repetições mantendo a contração durante 10 segundos.
Através do feedback verbal, o terapeuta orienta passo a passo “puxe o ar - solte - prenda a
respiração”; “vagarosamente puxe sua barriga para dentro e segure”; “puxe para cima e para
dentro seu esfíncter”. Ao final do estudo, os pesquisadores concluíram que um programa de
seis semanas e duas vezes semanais foi efetivo na redução da dor e na incapacidade funcional
lombar em mulheres.
6. Conclusão
Com esta revisão de literatura a respeito do controle motor na estabilização segmentar,
conclui-se que o controle motor é fundamental para realização desta técnica de reabilitação,
sobretudo, porque os episódios de lombalgia interferem diretamente nos componentes
estabilizadores da coluna lombar. Esta técnica tem ganhado muita força devido à ação indolor
e de baixo impacto mecânico, diferentemente, dos exercícios tradicionais que priorizam o
recrutamento dos músculos superficiais como reto do abdome e eretor da coluna.
Panjabi (1992) ressalta que a falta dos músculos estabilizadores (multífidos e transverso do
abdome) provoca, perpetua ou agrava a disfunção e a dor, pois apresenta fisiologia articular
deficiente. As pesquisas atuais demonstram que é necessário ativar os estabilizadores
primeiro, por meio de exercícios sutis, precisos e específicos, o que impede um processo
lesivo da coluna, assim como a redução da reincidência das disfunções espinhais (HIDES;
JULL; RICHARDSON, 2001).
Portanto, o treinamento de estabilização é eficaz para solucionar ou melhorar os sintomas em
indivíduos com lombalgia, seja em pessoa não atleta ou em atleta que deseja aumento da
performance, que proporciona estabilidade e proteção da região lombo-pélvica.
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7. Referências
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oscilação corporal de indivíduos com lombalgia crônica. Revista Brasileira de Fisiologia
do Exercício. v. 10. n. 3. p. 137-141, 2011.
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segundos utilizados na avaliação da fadiga eletromiográfica dos músculos eretores da
espinha. Rev. Bras. Fisioter. v. 9, n. 1. p. 77-83, 2005.
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