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INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO
PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA/UFRN
ARTHUR RODRIGUES FABRÍCIO
RESUMO DA OBRA:
BRYAN, B. M. The 18th Dynasty before the Amarna Period. In: SHAW, Ian (Org). The
Oxford history of the ancient Egypt. United States: Oxford University Press: 2003.
DIJK, J. V. The Amarna Period and the Later New Kingdom. In___ (Org). The Oxford
history of the ancient Egypt. United States: Oxford University Press: 2003.
Novo Império (c.1550 – 1060 a.C.)
Quando pensamos o Novo Império, período que compreende a XVIII,
XIX e XX dinastia, logo direcionamos o imaginário que temos desse momento da
história egípcia às grandezas militares do período, como a Batalha de Qadesh
empreendidas Ramessés II, no entanto, esse período foi muito mais rico em vários
aspectos do que, a um primeiro olhar, possamos entendê-lo.
Após a “expulsão” dos hicsos do território egípcio, teremos novamente
um período de paz e prosperidade e, principalmente, união das cidades do país. Cultura
e economia tiveram novo fôlego e expandiram suas fronteiras além dos limites
geográficos do território já conquistados, impulsionando a entrada de riquezas e
produtos estrangeiros. No campo político podemos destacar o governo por faraós tidos
como fortes e cujos nomes seriam recordados, mesmo em períodos posteriores, como
exemplo de grandes administradores.
É nesse período que eventos como a ascensão de Hatshepsut, uma
mulher, como regente acabam por acontecer, quebrando paradigmas e aumentando
exponencialmente o papel feminino na história do país. Acaba por acontecer, nesse
período, uma reforma religiosa e política, propagada durante o reinado de Amenhotep
IV, que seria conhecido como Akhenaten, e que visava implantar um sistema religioso
monoteísta, cujo deus principal seria o próprio disco solar, Aten. Temos ainda, como
principais eventos as batalhas contra povos estrangeiros, como Mitanni, durante o
período pré-Amarniano, a batalha de Qadesh, empreendida por Ramessés II contra os
hititas e a expulsão dos Povos do Mar, durante o reinado de Ramessés III, além de
vários outros conflitos que puderam por em prova a capacidade do exército egípcio e de
suas políticas expansionistas.
É nesse período de paz e prosperidade, que só irá mudar quando do
enfraquecimento do estado com o fim da XX dinastia e a tomada do poder pelos líbios,
que enterramentos luxuosos como os empreendidos no Vale dos Reis, irão se destacar.
Situa-se nesse período o jovem faraó Tutankhaton, cuja tumba viria a ser descoberta
intacta pelo arqueólogo Howard Carter e sua equipe em 1922, revelando inúmeras
riquezas e materiais nunca antes encontrados intactos.
A 18ª Dinastia antes do período de Amarna
1. Ahmose (Ahmés) e a 18ª Dinastia
Descobertas arqueológicas e novos exames dos materiais já existentes
nos anos 80 e 90 do século passado sugerem que a reunificação do Egito deu-se apenas
durante a última década dos 25 anos de reinado de Ahmose (1550-1525 a.C.),
considerado o primeiro rei da 18ª dinastia. No entanto, pesquisadores afirmam que essa
nova dinastia teria começado oficialmente apenas por volta de 1530 a.C., apesar do
reinado de Ahmose já estar em andamento e construindo as estruturas que seriam
levadas adiantes durante o restante da 18ª dinastia.
Essa retomada dos rumos do Egito trouxe consigo uma revitalização e
continuidade das formas e tradições que nunca foram esquecidas durante o Segundo
Período Intermediário. Inscrições na tumba de Ahmose, filho de Ibana indicam, em
Elkab, a derrota dos hicsos em nome do Rei Ahmose, o cerco ao forte de Sharuhen no
sudoeste da Palestina, bem como as campanhas no reino de Kush, na capital e cidade de
Kerma, perto da terceira catarata. O fim dessa última contra a Núbia deu-se sob o
comando de Amenhotep I e uma série de monumentos foram erigidos para comemorar a
vitória dos dois reis.
No começo da XVIII dinastia, vários níveis1 de Avaris, cidade que foi o
centro político durante o domínio hicso no Egito durante a XIV e XV dinastias, parecem
registrar diversos reinados que sucederam Ahmose. Durante esse tempo, muitos
monumentos decorados com afrescos minóicos eram usados, fato esse que sustenta a
tese de um contato crescente com o mundo Egeu. Valores artísticos egípcios durante
esse período passaram a sofrer forte influência minóica, cujos padrões de arte foram
adaptados. No entanto, após o começo da dinastia, essa tendência estilística diminuiu e
eventualmente cessou, deixando poucos elementos remanescentes, principalmente
devido aos fortes valores da iconografia dominantemente egípcia.
Durante o reinado de Ahmose um grande movimento de reconstrução e
revalorização de templos e cidades passou a acontecer: Avaris passou a ser um
importante centro comercial e Mênfis foi novamente desenvolvida. Os templos erigidos
por Ahmose nos seus últimos anos de reinado, tanto ao norte quanto ao sul, são obras
correspondentes ao tradicional programa de construção em honra aos deuses cujos
cultos floresceram no Médio Império: Ptah, Amun, Montu e Osíris. Ainda, em algumas
estelas do período, Ahmose se denomina propiciador e benfeitor do templo de Karnak.
Em uma delas, Ahmose clama ter sido o reconstrutor de tumbas e pirâmides destruídas
na região tebana por uma tempestade infligida ao Alto Egito pelo poder de Amun, cujas
estátuas parecem ter sido abandonadas e deixadas em péssimo estado.
Apesar da múmia de Ahmose ter sido encontrada em Deir el-Bahri, não
se sabe a localização real de seu enterramento, afinal, sacerdotes do Novo Império e do
Terceiro Período Intermediário mantiveram o costume de realocar as múmias dos faraós
para conservar seus restos mortais da profanação de ladrões de túmulos.
2. Amenhotep I
Amenhotep I, filho de Ahmose e próximo na sucessão, provavelmente
ainda não era adulto quando da sua ascensão ao poder. Deve ter havido uma curta co-
regência com Ahmose para assegurar uma transição pacífica e continuidade da dinastia
estabelecida. De certa forma, o reino de Amenhotep I foi uma continuação ao de seu
pai: construções que provavelmente foram pensadas no reinado anterior foram
1 Referente à técnica de estratigrafia.
edificadas, expedições militares rumo ao sul completaram campanhas anteriores.
No entanto, Amenhotep I teve êxitos próprios ao longo de seu reinado e
logo após sua morte, ele e sua mãe, Ahmose-Nefertari, foram deificados e adorados em
Tebas, especialmente na vila real de construtores, Deir el-Medina, onde além dos cultos
comuns, era comum haver cultos pessoais nas próprias residências.. A hipótese provável
da deificação dos dois concerne ao começo do Novo Império e sua atividade construtora
nas margens oeste do rio.
As obras de construção durante esse reinado envolvem a elevação de
Karnak a um sítio de veneração à instituição do reinado. No entanto, nas construções
não aparecem representações ou menções à Festa-Sed de seu reino, festa realizada
geralmente no aniversário do trigésimo ano de reinado onde o rei poderia renovar suas
forças magicamente e reafirmar-se como forte soberano através da realização de rituais;
após a primeira, costumava-se realizar-se novamente outra festa em intervalos de três
anos. Ainda, as construções de Amenhotep I e seus sucessores relacionam a questão de
onde e como as observações astronômicas em relação ao calendário afetaram essas
construções. Acredita-se que os templos serviam como observatórios astronômicos e,
durante o governo de Amenhotep I, houve uma provável iniciativa de refazer os
calendários mais antigos. Como o sistema de datação egípcio era baseado em decanos,
precisava-se de boa estrutura para a análise das estrelas a noite.
Após o fim do reino de Amenhotep I, as principais características da 18ª
dinastia já estavam estabelecidas: uma clara devoção ao culto de Amun em Karnak, as
conquistas militares na Núbia e suas consequências financeiramente boas, a estrutura
nuclear fechada da família real e uma forte união de famílias poderosas que tinham
relações colaterais, primariamente associadas com as regiões de Elkab, Edfu e Thebas.
3. As mulheres reais no início da 18ª dinastia
Durante o Antigo Império e o Médio Império as filhas dos reis, que
carregavam consigo as credenciais reais, podiam se casar com altos oficiais, caso
autorizadas pela família. No entanto, existiam várias limitações no que diz respeito a
sua “posição” na família real. Quando um filho exterior à família real casava-se com
uma princesa, não havia ganhos financeiros, por exemplo, em guerras, quando o espólio
era dividido entre a realeza, medida essa que visava restringir os concorrentes ao trono
que se casavam com essas mulheres em busca de ascensão social. Filhos que casavam
com princesas não participavam do “núcleo” real.
No entanto, durante a 17ª Dinastia, Seqenenra e Ahhotep, importante
rainha dessa dinastia, para assegurar a transição e exclusividade da linhagem familiar,
estabeleceram a proibição de filhas reais casarem-se com outro indivíduo que não o
próprio rei. Porém, a linhagem nem sempre se prendia a do rei, pois o mesmo não era
obrigado a casar apenas com princesas. Apenas com o reinado de Ramessés II voltamos
a ter evidências de princesas casando-se com outros que não sejam o rei.
Apesar das restrições para casamento com reis, muitas princesas
tornaram-se extremamente ativas nos governos de seus maridos e herdeiros, como
Ahhotep, Ahmose-Nefertari e Hatshepsut, que adquiriram credenciais reais. Um fato
extremamente significante em relação a essas influências femininas no poder
demonstra-se com a homenagem depois prestada à rainha Ahhotep por seu filho, em
decorrência da pacificação do Alto Egito e expulsão de rebeldes (os hicsos), creditado a
rainha, que também recebeu credenciais que implicavam sua participação direta no
governo.
Ahmose-Nefertari, por exemplo, é descrita em um monumento do ano 18
do reinado de Ahmose como sendo a “filha do rei, irmã do rei, grande esposa do rei,
esposa do deus Amun”, e, assim como Ahhotep, “aquela que ama o Alto e Baixo Egito”.
A rainha sobreviveu ao seu marido e seu filho Amenhotep I e ainda assim conservou
seus títulos e posição como esposa do deus Amun no reino de Thutmés I.
Existem evidências que afirmam que rainhas podiam gerenciar seus
próprios planos de construção, independentemente da figura do rei, possuindo centros
de cultos próprios e templos dedicados a sua imagem. Ainda, existem monumentos que
representavam a presença feminina da família real em diversas regiões estrangeiras,
talvez, como forma de ligar as rainhas e princesas a Hathor, deusa das terras
estrangeiras, cujo papel de filha do deus-sol era proteger seu pai.
Por fim, temos o exemplo de outra presença feminina, membro da família
real da 18ª dinastia, filha de Amenhotep I, irmã do rei e esposa de deus, Satamun, que
nunca tornou-se rainha. No entanto, Satamun foi honrada por seu pai, juntamente a
Ahmose-Nefertari por seu papel como esposa de Amun e mesmo nos tempos
Ramessidas, Satamun foi venerada como membro da família de Ahmose-Nefertari e foi
incluída em cenas da família real deificada.
4. Thutmés I
A primeira sucessão da 18ª dinastia que não descendeu diretamente de
“pai para filho” não resultou em um longo governo. No entanto, pode-se afirmar que a
duração do reinado de Thutmés I foi inversamente proporcional ao impacto na estrutura
do próprio reinado: seus interesses militares e econômicos na Núbia demonstrados com
uma campanha fortemente violenta foram construídos sobre os esforços de seu
antecessor, mas as expedições na Síria abriram novos horizontes em relação ao
comércio e a diplomacia desse período. Esses esforços são, hoje em dia, muito mais
vistos em Tebas e na Núbia, porém são igualmente evidentes em Mênfis e nas regiões
mais ao norte.
Não se conhece o pai de Thutmés I, porém sua mãe chamava-se
Seniseneb, nome feminino comum no Segundo Período Intermediário. Casado com
Ahmose, que possuía o título de “irmã do rei” e “grande esposa real”, estudiosos
entendem que a esposa do rei, devido à ausência do título “filha do rei”, seria sua
própria irmã. Thutmés I é ainda pai de Hatshepsut, que assumiu a posição de “esposa do
deus Amun”, substituindo Ahmose-Nefertari, que faleceu durante o reinado de Thutmés
I.
Quanto aos monumentos de seu reinado nota-se o crescimento de Giza
como um centro de peregrinação no Novo Império, devido à localização das tumbas de
Khufu (Queóps) e Khafra (Quéfren) e principalmente devido ao culto de deus
identificado como a Grande Esfinge, Horemakhet (Hórus no horizonte). Thutmés I
preferiu ainda não honrar os dois últimos reis com monumentos, como era costume,
porque ambos faziam parte de uma linhagem que os ligavam a Ahmose, linhagem essa
que Thutmés não compartilhava. No lugar dessa honra aos reis passados, o atual líder
preferiu legitimar seu reinado através dos grandes deuses: na 18ª dinastia a
descendência que ligava o rei aos deuses era comum, mas esse costume parece ter a
primeira maior ênfase no reinado de Thutmés I.
Não é conhecido nenhum templo funerário para Thutmose I, mas uma
capela honrando-o foi incluída por Hatshepsut em seu templo. No entanto, isso não
significa que o rei não fora cultuado antes do reinado de sua filha. Era comum para
faraós, como vemos no caso de Hatshepsut, erigir templos que eram tanto capelas da
família quanto um lugar sagrado em honra à Amun e ao rei.
5. O breve reinado de Thutmés II e ascensão de Hatshepsut
Casado com sua irmã (meia-irmã), Hatshepsut, Thutmés II chega ao
poder e governa por aproximadamente três anos, período esse marcado por poucas obras
e pela continuidade das campanhas militares na Núbia, contendo algumas revoltas que
ameaçaram a “paz” construída violentamente por seu pai e encerrando efetivamente os
problemas maiores do Egito com Kush.
Desde cedo em seu governo a imagem do faraó era associada à de seu
irmã e rainha, Hatshepsut, que aparecia em relevos decorativos de monumentos tebanos,
comumente ostentando seu título de esposa divina. Acredita-se ainda que o templo de
Deir el-Bahri foi originalmente começado no reinado de Thutmés II, já sob o comando
de Hatshepsut, como rainha.
Com a morte de Thutmés II, Hatshepsut assume o trono como regente,
enquanto o filho do faraó com uma esposa secundária, herdeiro do trono, ainda seria
uma criança. Ainda cedo em sua regência, a rainha assume o nome de trono Maatkara e
passa a se enxergar como a herdeira de Thutmés I, seu pai, bem como acredita-se que
ela tenha se utilizado das consequências econômicas e políticas do seu cargo como
esposa do deus Amun, juntamente a sua genealogia que a liga a Ahmose-Nefertari, para
sustentar sua regência, de maneira similar a algumas antecessoras femininas.
Inspirada provavelmente em Sobekkara Sobekneferu, mulher que
governou o Egito ao final da 12ª Dinastia, Hatshepsut passa por claras transformações
em busca da associação à imagem do rei, tradicionalmente masculinizada. A rainha não
buscou enfatizar seu papel administrativo junto ao reinado de Thutmés II, pelo
contrário, buscou enfatizar sua linhagem sanguínea, passando a preparar também
Nefrura, sua filha, para assumir o mesmo papel sacerdotal como esposa do deus Amun.
Em Deir el-Bahri, cenas e textos relacionados a Hatshepsut proclamam
que Thutmés I a tinha como herdeiro antes de sua morte e que Ahmose tinha sido
escolhido por Amun para gerar o novo governante divino. Hatshepsut se apropria desse
conceito e clamando sua linhagem, justifica seu governo por vinte anos, mantendo seu
poder como faraó baseado nesse argumento principal.
A lista de empreendimentos levados adiante por Hatshepsut, iniciados ou
terminados por ela, bem como por seu sucessor, Thutmés III, é imensa. Como principais
obras destacam-se templos e estatuárias em grande parte na Núbia (destaque para o
templo de Buhen, contendo cenas de Hatshepsut e sua coroação, além da veneração de
seu pai), restauração de monumentos danificados em Mênfis na guerra contras os
hicsos e expansão do templo de Karnak. Hatshepsut teria aproveitado o período de paz
de seu reinado para, com recursos extraídos da Núbia, bem como com materiais
exóticos trazidos do Levante e do reino de Punt, expandir o templo de Karnak,
construindo uma série de salas onde ela poderia celebrar seu nascimento de Amun,
ganhar bênçãos das deidades para seu governo e expandir a crença divina na própria
instituição do reinado.
Inspirado pela arquitetura do Primeiro Período Intermediário, o templo
de Deir el-Bahri é a prova concreta da grandiosidade de Hatshepsut durante seu
governo: construído em pedra calcária, abusando de terraços e estátuas osiríacas, bem
como homenagens a faraós anteriores. Os andares acessíveis do templo mostram cenas
que cuidadosamente caracterizam a vida da regente: a campanha na Núbia, o transporte
de obeliscos para o templo de Karnak e a expedição para Punt. Ao sul, existe uma
capela construída para Hathor, deusa do cemitério oeste, adornada com motivos e
emblemas da deusa-vaca. O templo ainda contem capelas para Amun e um altar a céu
aberto para o deus-sol, Rê-Horakhty.
Uma série de frases designadas para a comunicação com o pequeno
público capaz de lê-las, traz a seguinte mensagem: “Aquele que for prestar sua
homenagem, viverá. Aquele que falar maldades ou blasfêmias de sua Majestade,
morrerá.”. Essa parecia ser a posição oficial da corte, que viveu durante o governo de
Hatshepsut, em boas relações com a rainha, que igualmente ganhava apoio da nobreza
ao apoiá-los. Nesse período, pela primeira vez, um rei aparecia carregando a simbologia
e vestido como o deus-sol, agindo como um intermediário para proprietários de tumbas
da nobreza.
6. O reinado de Thutmés III
No 20º ou 21º ano de reinado de Hatshepsut, Thutmés III assume o poder
sozinho e, agora maduro, mas não ainda com seu poder completamente legitimado,
passa a colaborar com militares para identificar uma possível glória e riqueza no
nordeste do território (coloque a data, ele tem um período de co-regência com
Hatshepsut, é importante abordar). As recompensas da conquista da Núbia não
pertenciam a Thutmés e por meio do contato de Hatshepsut com Punt o Egito havia
obtido, de certa forma, tudo que aquele reino tinha a oferecer. O faraó passa então a
investir no Levante, onde os egípcios poderiam controlar as rotas de comércio, que até
aquele momento, estavam nas mãos de governantes sírios, palestinos, egeus e
comerciantes de Chipre. Ao fim de dezessete anos de incursões militares, a Palestina
estava dominada e fortes investidas contra a Síria garantiram a Thutmés III o
reconhecimento e uma boa reputação, gastando os lucros das expedições em nome de
templos de Amun e outros deuses, bem como distribuindo as riquezas entre os generais
e os homens que seguiram o rei nessas expedições.
Os registros dos anais reais afirmam que na primeira campanha militar,
Thutmés III avançaria por Gaza, planejando um ataque a Meggido, maior cidade-estado
ocupada pelo governante de Kadesh, cidade essa extremamente protegida por um grupo
de chefes representando regiões do Levante até Nahrin (Mitanni e suas possessões na
Síria). Inscrições de Thutmés indicam o desgosto do faraó com a posição defendida por
esse grupo de chefes estrangeiros, que segundo ele, deveriam ter permanecido leais ao
Egito. Produtos como o cedro do Líbano, cobre e outros materiais estavam sendo
controlados por Mitanni no norte da palestina e na faixa costeira da região.
Após a batalha, Thutmés III aproveitou os grandes espólios de guerra que
envolviam carruagens (duas cobertas em ouro), cavalos, armaduras, além de outros
animais e materiais; e continuou, após substituir os chefes locais por outros de
confiança, rumo ao norte, em direção ao rio Litani. Os filhos dos governantes das
cidades que caíam iam sendo recolhidos e mandados para o Egito para serem educados
e “egipcianizados”, substituindo, eventualmente, os pais mortos como chefes quando
atingissem a idade adulta.
Registros sobre Nahrin não constavam na documentação oficial até a
oitava campanha, por ser considerada poderosa demais para ser mencionada em
monumentos egípcios, no entanto, a conquista dos vassalos sírios teve grande impacto
nessa representação. A participação de um novo exército na conquista da Síria,
incluindo Nahrin, é comemorada em diversas tumbas tebanas do reinado de Thutmés III
e de seu sucessor, Amenhotep II, com grande destaque para o uso sistemático de
carruagens contra os inimigos tanto do sul, quanto do norte. O encontro militar entre
Egito e Mitanni parece ter sido curto nesse período, porém, relatos sobre as Guerras
Sírias são escassos. No entanto, sabemos que a procura por bens sírios como vidros e
vasilhames aumentaram, bem como a própria cultura religiosa da região cresceu com a
entrada de novos deuses no panteão egípcio, como vemos durante o reino de
Amenhotep II, no caso de deuses asiáticos como Reshef e Astarte. No caminho
iconográfico de transformação do reino de Mitanni de vilão a fornecedor de produtos
valiosos e luxuosos, podemos ligar o Egito a uma aliança de interesses principalmente
econômicos, com Nahrin.
Antes mantido às sombras de Hatshepsut, Thutmés III, responsável pela
destruição da memória de sua antecessora, não desonra o nome e os monumentos da
antecessora até os últimos anos de seu reinado passando primeiramente a trabalhar em
aspectos que lembrassem seu reinado por todo o Vale do Nilo. Transformações das
obras iniciadas por Hatshepsut deram-se principalmente durante o reino de Thutmés e
Amenhotep II, que alteraram as feições das construções e atribuíram suas insígnias reais
a elas. Fato interessante é que as representações do faraó Thutmés III lembravam muito
as feições e as próprias maneiras de se representar de sua antecessora durante os últimos
anos de seu reinado, havendo somente a diferenciação nos ombros e no peito mais
robusto do faraó, em relação a Hathsepsut e sua estatuária.
Durante seus trinta e dois anos de reinado, Thutmés III consolidou seu
governo e seu nome além do Egito, especificamente na Núbia, onde representações do
faraó e seu nome estão gravados em várias localidades. A construção e valorização de
Karnak também foi igualmente continuada durante seu reinado, reestruturando áreas
centrais do templo e substituindo materiais mais simples por outros mais ricos, como no
caso da capela de Amenhotep I, em pedra calcária, que foi substituída por arenito, mais
resistente e arquiteturalmente mais apresentável. Ainda, nas paredes centrais do templo,
cenas remontando ao Festival-Sed do rei buscavam o fortalecimento da própria
instituição do seu reinado, havendo ainda cenas em destaque de suas campanhas a Ásia.
7. Amenhotep II
Thutmés III tomou, aproximadamente no décimo quinto ano de seu
governo, seu filho, Amenhotep II, como co-regente e dividiu com ele durante dois anos
o poder monárquico. Sob seu comando, a desmoralização e o processo de esquecimento
de Hathshepsut continuou de maneira ainda mais forte, eliminando os vestígios de seu
reinado e de sua linhagem familiar. Os monumentos de Hatshepsut foram utilizados
favorecendo o novo rei: alguns foram encobertos por outras construções, outros tinham
o nome da rainha-faraó mutilado e retirado, e alguns eram corrigidos ao colocar as
insígnias reais de Thutmés III e Thutmés II .
O reinado de Amenhotep II é constantemente deixado às sombras de dois
grandes reinados que o antecederam e os reinados seguintes que o sucederam na 18ª
dinastia. No entanto, durante seus quase trinta anos de reinado, suas incursões ao
Levante trouxeram paz ao Egito, benefícios econômicos e sistematicamente
aumentaram os monumentos aos deuses.
As campanhas militares de Amenhotep II foram marcadas pela
manutenção da paz e da estabilidade financeira do Egito, bem como pelo controle dos
chefes que não concordavam com a proposta egípcia de comércio com regiões
influenciadas por Mitanni. Durante seu governo foi feita uma nova aliança com Nahrin,
que visava à paz entre esses asiáticos de Mitanni e o reino egípcio.
Em seu reinado, Amenhotep II ficou conhecido por sua capacidade
atlética: quando menor, o rei morava na região de Mênfis e treinava cavalos nos
estábulos de seu pai, era dito, então, que ele era capaz de acertar alvos diversos com
suas setas, em cima de uma carruagem em movimento. Esta sua habilidade está gravada
em estelas de Giza e em relevos tebanos, bem como registrada em escaravelhos
encontrados na região do Levante.
8. Thutmés IV
A ascensão de Thutmés IV ao trono parece não ter tido nenhum
reconhecimento da parte de Amenhotep II, não havendo co-regência entre os dois. É
importante salientar que não necessariamente o primogênito do rei assumiria o trono.
Seria comum que o filho da Grande Esposa Real sucedesse o faraó e, caso ela só tenha
tido filhas, algum filho de outra esposa secundária assumiria o cargo, no entanto, a
primogenitura não era direito dos filhos do faraó. Sendo assim, em uma época de paz,
as crianças da realeza eram educadas juntas, durante a 18ª dinastia, porém o crescimento
do número de crianças educadas dessa maneira não é nenhuma coincidência: uma
competição ocorria entre os capazes de assumir o trono e, nessa querela entre jovens
ambiciosos, destacou-se o jovem príncipe Thutmés.
Conta a lenda, que um dia o jovem príncipe estava viajando ao meio-dia
e sentou-se à sombra da Grande Esfinge para descansar perto do deus. Em sonho,
segundo o relato, o deus Horemmakhet-Khepri-Rê-Atum conversa com o príncipe
“como um pai fala para seu filho”, avisando que daria a ele o reinado, porém com a
condição de proteger a Grande Esfinge da ação do tempo e das violentas areias do
deserto, que o afrontavam. Assim, Thutmés escavou ao redor da Esfinge, liberando-a da
areia que a cobria e registrou seu trabalho em várias estelas que foram colocadas perto
da área. É provável que essa construção tenha servido para desviar atenção da disputa
ao trono, que continuava com mutilações e violência contra a memória e a imagem dos
outros príncipes. Thutmés IV sobe ao trono desbancando o príncipe Webensenu, porém,
não podemos afirmar se o rei que ascendeu ao trono usurpou-o para si através de outras
manobras.
É interessante a afirmação que diz que o rei egípcio construía de acordo
com a quantidade de paz e fartura existente em seu reinado, no entanto, parece que
apesar de ter vivenciado esses fatores em boas proporções, Thutmés IV não construiu
muitas obras de sua própria autoria, preferindo seguir as linhas de construção de seu pai
e avô que privilegiavam a expansão e a modificação de templos existentes, como foi
feito pelo faraó em Karnak. Ainda, parece ter indicado a seu filho quais eram os locais
de possíveis construções futuras, agindo assim dentro de seu papel real de construtor.
No que concerne às políticas externas da época do reinado desse faraó
sabemos que seu contato com Mitanni foi feito em um contexto de uma paz que já
existia, nunca chegando assim a confrontar o governante desse povo diretamente. As
campanhas egípcias ficaram restritas, então, ao combate a certos vassalos do Egito, que
se tornavam muito poderosos, ou a pequenos reis de Mitanni, que faziam pressões a
algumas cidades egípcias. Thutmés IV tomou ainda uma das filhas do governante de
Mitanni, Artatama, como esposa, com o intuito de selar a paz e as relações diplomáticas
com o rei.
Nunca abandonando a noção que a dinastia se fortaleceria com a
permanência de casamentos entre reis e filhas do rei, Thutmés IV enfatizou as
associações divinas com as mulheres da realeza: o rei eleva a própria mãe à categoria de
“esposa real de Amun”, como se Tiaat fosse a própria deusa Mut. Esse feito será
continuado em reinados seguintes. A mudança iconográfica é forte: as esposas reais de
Amun passam agora a ser representadas segurando maças, formas essas com que serão
conhecidas em suas representações de esposas reais de Amun.
9. Amenhotep III e a Rainha Tiye
Ao longo de seus trinte e oito anos de governo, Amenhotep III gozou de
grande paz e prosperidade em seu reinado: a população como um todo aproveitou essa
onda de bonança com grandes colheitas e passou a lembrar o rei, mesmo após mil anos,
como uma divindade da fertilidade associada com a boa colheita. Não sabemos ao certo
com quantos anos Amenhotep III, que pode ter assumido o cargo de faraó ainda quando
criança, chegou ao poder, assim, como não sabemos ao certo, entrando agora no campo
das possibilidades, se a mãe do faraó, Mutemwiya, assumiu o cargo de regente para seu
filho ainda criança.
Discussões recentes a cerca do reinado de Amenhotep III sugerem que o
rei foi deificado ainda enquanto vivo, não apenas na Núbia, onde construiu um templo
em sua própria honra, mas no Egito como um todo. Alguns egiptólogos acreditam que
as representações iconográficas e inscrições relativas ao faraó, principalmente após seu
primeiro jubileu, são provas dessa sua transformação em divindade, bem como seu
filho, Amenhotep IV/Akhenaton, teria ascendido seu pai à categoria de deus-
personificação do próprio Aton, o disco solar.
Em seu jubileu (Festa-Sed), por volta dos anos trinta ou trinta e um de
seu reinado, o faraó é identificado com o deus-sol em iconografia que o representa em
um papel específico do deus Rê, guiando sua barca solar. É impossível afirmar ou
descartar a teoria da deificação de Amenhotep III, pois, diferentemente de Ramessés II,
que fora deificado em vida com inúmeras e grandiosas representações, não foram
encontrados registros que concernem a esse fator. Outro aspecto que afeta a
interpretação dos estudiosos é a falta de registros quanto a uma possível co-regência
entre Amenhotep III e seu filho, futuro Akhenaton, o que teria favorecido fortemente
essa ideia de deificação do faraó.
Amenhotep III deixou inúmeras construções e ampliou diversos outros
templos e cultos às divindades principais do Egito. Suas áreas de atuação envolvem
cidades como Amada (em honra a Amun e Rê-Horakhty), Karnak (o templo ao leste
para o deus-sol) e Hermópolis. O faraó construiu capelas na Núbia, onde existem
também diversos escaravelhos com seu nome em vários sítios distintos. Em Tebas,
localiza-se o que talvez seja o maior destaque em construções desse faraó que chegou a
nós: os Colossos de Mêmnon, estátuas gigantescas que faziam parte de um templo
funerário na margem ocidental dessa cidade.
A tumba de Amenhotep III, a KV 22, foi escavada nos anos 90 por uma
equipe de pesquisadores japoneses, que tiveram o cuidado de mapear cuidadosamente a
tumba extremamente larga e bonita. O corpo do faraó, por sua vez, foi encontrado na
tumba de Amenhotep II, ou pelo menos, uma múmia com o nome do faraó.
A rainha Tiye foi a mulher mais importante do reinado desse faraó, sendo
constantemente representada juntamente a ele nas paredes de templos, como em Soleb e
Tebas, porém foi deificada em seu próprio templo, na Núbia Superior, tornando-se parte
do programa solar de divindades. Seu papel seria “como olho solar de Rê no Sudão,
unir-se a divindade Nebmaatra para retornar ao Egito e então restaurar a ordem (Maat)
ao mundo”.
Por sobreviver ao seu marido, Tiye trocou correspondências com o rei de
Mitanni, onde ele, pedia para que ela lembrasse ao seu filho, Amenhotep IV, da boa
relação que o antigo faraó possuía com ele e seu reino, requisitando assim que essa
situação perdurasse durante o governo dele. Tiye deu a luz ainda a Satamun,
Henhttaneb, Nebetiah e Ísis. Entre as filhas destaca-se Satamun, com quem Tiye dividia
o título de “grande esposa real”, enquanto as outras possuíam títulos como “esposa real”
ou “consorte do rei”.
Quanto às relações externas durante o reino de Amenhotep III, destacam-
se as campanhas núbias que tiveram lugar durante o quinto ano de reinado do rei,
bastante comemoradas em diversos lugares. Também cresce a quantidade de artefatos
gregos encontrados, bem como aparecem citações a nomes de cidades do Egeu,
incluindo Micenas, Phaistos e Cnossos. Cartas entre Amenhotep III e outros reis
importantes da época, como os da Babilônia, Mitanni e Arzawa foram preservadas em
escrita cuneiforme em tabuinhas. Nessas cartas, Amenhotep III chega a negociar
casamentos com filhas desses reis, demonstrando uma forte conexão entre as fortes
civilizações da época.
O período Amarna e o Novo Império Tardio
1. O período pós-Amenhotep III e a religião do Novo Império
Após a morte de Amenhotep III, o Egito deixado pelo faraó passava por
uma fase evidente de prosperidade e riqueza, além de um grande poder que nunca antes
tinha visto. O acordo concluído por seu pai com o rei de Mitanni havia trazido paz e
estabilidade para o reino, bem como uma apologia ao luxo e ao exótico. O poder do
Egito e as boas condições porque passava estavam expostas nos grandes monumentos,
que eram cada vez maiores que os anteriores, templos e palácios igualmente, bem como
estátuas colossais, escaravelhos e mesmo os shabtis da elite.
As atitudes em relação aos vizinhos do exterior mudaram e agora esses
não eram mais vistos como forças hostis que rodeavam o território egípcio, mas sim
como um contato amigável, propiciado pela continuidade da política de boa vizinhança
de Amenhotep III. Os imigrantes introduziram no Egito algumas divindades que
claramente se associavam com a figura do próprio faraó, especialmente no aspecto da
guerra. No entanto, agora os estrangeiros eram vistos como parte da criação divina da
humanidade, como visto no Hino à Aton, escrito por Amenhotep IV.
O deus-sol e o rei eram o centro da religião e dos laços teológicos que
envolviam a cultura desse povo, que se desenvolvera durante vários séculos. Os reis
participavam diretamente do ritual diário do deus-sol, agindo como seu principal oficial,
o primeiro sacerdote, que conhece todos os segredos e aspectos do curso diário do deus-
sol. Todo dia havia a renovação do mesmo ritual: Rê entrava num ciclo de morte e
renascimento, passando ao pôr-do-sol pelo mundo inferior, onde era regenerado,
renascendo ao amanhecer como Rê-Horakhty. Osíris, o deus do Mundo Inferior,
costumeiramente era assimilado a Rê, sendo visto como um aspecto dele, o que
confirma deus-sol como o deus criador, de onde todos os outros deuses emergiram e
foram transformados em aspectos seus.
Apesar da sede do governo durante quase todo o Novo Império ter sido
em Mênfis, os reis da 18ª Dinastia eram provenientes de Tebas, a qual continuou sendo
o mais importante centro religioso do país: o deus local dessa cidade, Amun (O Oculto),
foi associado com o deus-sol, Rê, tornando-se, dessa forma, Amun-Rê, sendo cultuado
dessa maneira em todos os templos do Egito, incluso em Mênfis. O rei, na interpretação
religiosa, era nascido de Amun, da união desse deus com a rainha-mãe, num ritual que
era constantemente re-encenado no Festival de Opep, no templo de Amun, em Luxor.
Sendo assim, Amon-Rê torna-se o deus mais importante do país, cujo
templo recebia grandes doações e parte das riquezas do país, e cujos sacerdotes
tornaram-se cada vez mais poderosos, adquirindo grande poder econômico e político.
2. Amenhotep IV/Akhenaton
“Aquele que Amun escolheu”. É dessa maneira, que no começo de seu
reinado, Amenhotep IV foi oficialmente coroado, no entanto, logo após da sua coroação
o rei já demonstrava querer seguir seu próprio caminho.
O rei começou seu governo com um extenso programa de construção em
Karnak, o maior centro do culto a Amun. A localização exata dos templos construídos é
desconhecida, no entanto, para alguns estudiosos, ficam orientados para o nascer do sol,
ao leste da jurisdição de Amun. Os templos construídos não eram dedicados a Amun,
mas para uma nova forma do deus-sol, cujo nome oficial era “O vivo, Rê-Hórus do
Horizonte, que se alegra no horizonte de sua identidade de luz que está no disco solar”,
sendo encurtado para “o disco-solar” (palavras previamente utilizadas ao se referir ao
próprio sol). Essa longa inscrição contida em dois cartuchos, assim como as reais, era
geralmente precedida das palavras “meu pai vive”.
A “nova forma” trazida à tona do deus-sol, encarnada no próprio rei, que
já surgia no reinado de Amenhotep III, “O Áton ofuscante”, era demonstrado em suas
representações à maneira tradicional, de um homem com cabeça de falcão e disco solar.
No entanto, no início do reino de Amenhotep IV essa iconografia fora abandonada
radicalmente em favor de uma nova: o deus era representado como um disco, cujos
raios estendiam-se em mãos que tocavam o rei e sua família, suplantando símbolos de
vida e poder envolta deles e recebendo as devidas oferendas. Nesse momento, Áton
tomava preferência no cenário de divindades, porém ainda não substituía os outros
deuses inteiramente.
Uma possível co-regência entre Amenhotep IV e Amenhotep III é
demonstrada através de um templo, em Karnak, devotado ao Festival Sed do primeiro,
realizada possivelmente entre os anos dois e três de seu reinado. Esse fato marcante,
pois não é comum a um rei celebrar esse festival até o 30º ano de seu reinado, serve
para reforçar a tese de um governo em conjunto com seu pai. Áton, que está presente,
representado nas paredes, em todos os episódios descritos no jubileu, é agora idêntico a
Amenhotep III e, o festival, assume um caráter de homenagem tanto ao novo rei quanto
a Áton, que seria o “pai divino” que governa o Egito como um co-regente de seu filho
carnal, sua encarnação, o rei.
Fato interessante nos templos em Karnak é o crescimento do papel da
esposa real do rei, Nefertiti, na decoração e nos rituais que são representados nela. Uma
das estruturas é inteiramente devotada a ela, com seu marido ausente dos relevos, nela,
Nefertiti é representada realizando rituais antes restritos apenas ao rei, como a
“Apresentação de Maat” (realizado para manter a ordem do universo) e Castigando o
inimigo (sobrepujando o poder do caos). No começo do reinado o papel de Nefertiti não
era tanto de uma co-regente ao seu marido, mas sim da assimilação dos dois à imagem
dos gêmeos divinos, Shu e Tefnut, o primeiro par de divindades gerados pelo deus-
criador, Áton.
No quinto ano de seu reinado, Amenhotep IV decide cortar todos os laços
religiosos do Egito com sua capital e com o deus Amun, fundando uma nova cidade a
qual dá o nome de Akhetaton (conhecida atualmente como Armana), ou “O horizonte de
Áton”, local que seria a sede de todo o culto a Áton que se espalharia pelo resto do
Egito. Nesse mesmo instante, Amenhotep IV assume o nome Akhenaton, que significa
“aquele que age efetivamente em nome de Áton”. Se houvera motivos políticos e
religiosos que geraram o estopim da mudança efetiva da capital religiosa do Egito, não
se sabe, porém, entende-se que houve naquele tempo oposição feita principalmente
pelos sacerdotes do grande tempo de Amun em Thebas, que antes cada vez mais
poderosos, agora jaziam desprestigiados.
Não se sabe quando realmente Akhenaton mudou-se para sua nova
cidade, porém assume-se que o evento deu-se entre o primeiro e segundo ano de sua
fundação. Assim que a decisão de mudança da capital fora feita, todas as atividades
relacionadas à construção em Tebas cessaram, havendo, porém, a substituição dos
cartuchos reais de Amemhotep IV por sua nova designação, Akhenaton.
Por volta do ano nono de seu reinado, as mudanças mais contundentes de
sua reforma religiosa tiveram lugar: a fórmula de Áton fora mudada para “O vivo, Rê,
governador do horizonte que se alegra no horizonte em sua identidade de Rê, o pai que
retornou como o disco-solar”; os templos tradicionais do estado foram fechados e os
cultos a outros deuses paralisaram-se; e talvez um dos mais importantes acontecimentos
dessa sua reforma, as procissões e feriados públicos deixaram de ser celebrados.
O papel militarista de Akhenaton por muito tempo foi deixado de lado
principalmente por um perfil traçado do rei pelos primeiros estudiosos que o viam como
um pacifista, no entanto, temos ciência do envio do exército, por parte de Akhenaton,
para desbaratar uma rebelião que se formava na Núbia no ano 12. Fica no ar a dúvida
se o rei e seu exército confrontaram os hititas, que nessa época derrotaram o Império
Hurriano de Mitanni, aliado do Egito, destruindo a paz e o balanço que havia
permanecido por várias décadas.
Entrando no campo da especulação, durante o reinado de Akhenaton,
uma suposta segunda esposa, provavelmente uma princesa mitanniana de nome Kiya
(um nome perfeitamente comum para os egípcios), recebeu do rei o título recém-criado
de “grande e amada esposa do rei”, título que a distinguia claramente da esposa oficial
do rei, Nefertiti. No entanto, quando do ano 12 do reinado de Akhenaton, as
representações de Kiya sumiram de templos e monumentos, sendo repostas por
inscrições das filhas do rei, mais frequentemente, Meritaton. A hipótese que se levanta é
que Kiya é a possível mãe de Tutankhaton, futuro rei do Egito, e que teria uma “rixa”
com Nefertiti, a esposa principal de Akhenaton.
A influência de Nefertiti cresce ainda mais durante o fim do reinado de
seu marido, passando a agir como co-regente dele sob o nome de Neferneferuaten e cujo
nome de trono assumido fora Ankh(et)kheperura, deixando o cargo de esposa real à sua
filha, Meritaton. Os motivos que levaram Akhenaton a propor um sistema de co-
regência com sua esposa ainda são incertos, porém especula-se, já naquela época, um
possível desgosto ao novo sistema religioso elaborado pelo rei.
Após a morte de Akhenaton, um efêmero rei, Smenkhkara, aparece em
alguns registros do fim do período de Amarna, acompanhado em algumas delas, pela
sua rainha Meritaton. Como não sem tem certeza da identidade do rei, especula-se que
ele pode ter sido Nefertiti, que inspirada pelo exemplo de Hatshepsut, teria assimilado
aspectos masculinos a sua imagem, bem como tomado sua própria filha como sua
rainha, assumindo o trono para si após a morte de seu marido. A argumentação
favorável a essa teoria gira entorno do nome de trono do efêmero rei e da ainda co-
regente na época anterior, Nefertiti, que seriam exatamente iguais. Quando esse rei
morreu, poucos anos depois, sobe ao trono o jovem Tutankhaton (Tutankhamun), o
único remanescente da família real, que se casa com sua meia-irmã, Ankhesenpaaten e
abandona Amarna, restaurando os cultos tradicionais.
3. O período pós-Amarniano e suas consequências
Apesar do pouco tempo de duração desse episódio, o impacto na
estrutura social e religiosa egípcia foi enorme, deixando cicatrizes profundas na
consciência coletiva dos habitantes, com mudanças que afetaram esse Estado durante os
períodos seguintes. Algumas dessas mudanças são facilmente detectadas nos enterros da
elite e na arquitetura de tumbas, que demonstravam as mudanças religiosas nas crenças
do povo.
Osíris, divindade que tinha sido banida do panteão egípcio por
Akhenaton, tornou-se após a fase de Amarna a manifestação noturna de Rê, além de ter
sua associação com as práticas funerárias aumentada ainda mais, em comparação com o
período anterior. Além disso, o símbolo solar por excelência, a pirâmide, passou a
figurar nas capelas e tumbas na parte do superior, no teto, como um piramídion,
mostrando cenas de veneração para com Rê e Osiris.
Encontrado em tumbas da elite, O Grande Hino ao Áton, que
provavelmente foi composto pelo próprio Akhenaton, trazia na época armaniana, os
principais dogmas da nova religião. Criado em uma nova linguagem oficial, muito mais
próxima dos discursos de hoje em dia do que as estruturas usadas anteriormente nos
textos oficiais e religiosos, essa nova literatura estimulou o crescimento de um novo
padrão que perdurou séculos após.
Em geral, os textos do Livro dos Mortos foram dominantes na decoração
de tumbas. Ilustrações e trechos de várias outras composições antes destinadas à realeza
passaram a figurar em tumbas particulares, como a Litania de Rê e os chamados Livros
do Mundo Inferior. Esses livros chegaram primeiro a Deir el-Medina, mas logo em
outros lugares também, demonstrando uma possível reação contra as práticas e dogmas
religiosos instituídos por Akhenaton. Agora, os proprietários de tumbas particulares
possuíam seus próprios templos onde podiam venerar os deuses sem a influência real,
que antes monopolizava o culto, agindo como intermediário único desse contato entre
os homens e o deus.
4. Tutankhamun (Tutankhaton)
O jovem Tutankhaton assume, ainda criança, o trono real em Amarna e,
como uma de suas primeira medidas, abandona a cidade fundada por seu pai. Mesmo
após a mudança, pessoas ainda continuaram a viver em Amarna, mas a corte mudou-se
para Mênfis, tradicional sede do governo. A liberdade religiosa foi restituída e o culto
voltou a Tebas, que mais uma vez, tornou-se o centro religioso do país. Em seguida,
Tutankhaton mudou seu nome real para Tutankhamun e adotou o epíteto “governador de
Heliópolis do Sul”, uma referência a Karnak, como centro de culto do deus-sol, Amun-
Rê.
Diferentemente de Thutmés III e Amenhotep III, que também assumiram
o reino ainda quando crianças e tiveram regentes mulheres da família, Tutankhamun
teve como regente um militar de alta patente sem nenhuma ligação familiar com ele, o
chefe-comandante do exército, Horemheb. Ele ganhou o direito de suceder o rei em
caso de morte, o que veio realmente a acontecer. Em seu Texto de Coroação ele sugere
que teria sido ele mesmo quem havia sugerido ao rei a mudança de capital,
abandonando Amarna “quando o caos havia invadido o palácio”.
Talvez o documento mais importante do reinado de Tutankhamun seja a
Estela da Restauração, onde ele apresenta uma descrição extremamente negativa do que
ele encontrou ao assumir o poder, com todas as degenerações estruturais e mentais
causadas pelas reformas de Akhenaton. Os templos destruídos, os cultos abolidos, as
expansões militares rumo à Síria sem encontrar sucesso: deus já não parecia escutá-los,
os havia abandonado.
Indícios sugerem que Horemheb já estava engajado desde cedo no
reinado de Tutankhamun, como nos conflitos contra os hititas, nos quais parece não ter
tido um resultado positivo, pois não conseguiu estabelecer um “novo balanço de poder”
na região do Levante. Diferentemente, as campanhas na Núbia parecem ter tido mais
sucesso em restaurar a moral e a ordem no reino.
Tutankhamun liderou ainda uma campanha de restauração de templos
tradicionais e de reorganização da administração do país. Para essa tarefa o rei designou
Maya, o chefe do tesouro de seu governo, para que o mesmo fosse responsável pelas
ações tomadas nesse sentido: além da restauração de templos e estatuárias, Maya
também esteve à frente da demolição de templos e palácios de Akhenaton,
primeiramente em Tebas e logo em seguida em Amarna. Maya ainda foi responsável
pelos enterros de Tutankhamun e de seu sucessor, Ay, e igualmente pela reorganização
da vila de trabalhadores de Deir el-Medina, quando da construção da tumba de
Horemheb.
5. Ay e Horemheb
Não se sabe ao certo os eventos que levaram à morte de Tutankhamun em
seu 10º ano de reinado2, em um tempo que o Egito estava em um duro confronto contra
os hititas, que terminou com a derrota egípcia em Amqa, não muito longe de Qadesh.
Não se sabe se Horemheb estava liderando as tropas reais contra os hititas, porém
evidências demonstram que ele ausentou-se das preparações para os ritos fúnebres e
enterro de Tutankhamun.
Ay, um conselheiro real que fora um importante oficial de confiança de
Akhenaton e provavelmente fora um parente da esposa de Amenhotep III, a rainha Tiy,
conduziu os ritos e pouco tempo depois assumiu o trono. A rainha viúva de
2 Pesquisas recentes indicam que o rei teria falecido prematuramente vítima de malária.
Tutankhamun, Ankhesenarnum, buscou negociar a paz com os hititas ao pedir ao rei
deles, Shupiluliuma, que escolhesse um filho que pudesse se casar com ela e assumir o
posto de rei do Egito, para que assim, os dois países pudessem se tornar um só. O rei
hitita aceitou a proposta e enviou seu filho, Zannanza para o Egito, porém, o príncipe
fora assassinado no caminho, prolongando a guerra entre os dois países.
O rei Ay, já em idade bastante avançada, governou por pelo menos três
anos, tentando fazer emendas à situação dos dois países em conflito, negando a
responsabilidade do Egito sobre a morte do príncipe hitita. Ay tentou ainda impedir que
Horemheb pudesse assumir o trono em caso de sua morte, negando os direitos do
comandante e elegendo um possível neto, Nakhtmin, como seu herdeiro. No entanto,
Horemheb sucedeu Ay ao trono e logo tratou de destruir as imagens de seu predecessor
presentes nos monumentos e de igualmente destruir aquelas de seu rival, Nakhtmin.
O reinado de Horemheb, diferentemente do período anterior a sua
ascensão ao poder, parece não ter tido muitos eventos (ou pelo menos, muitas
documentações não foram encontradas a cerca dos eventos que concernem ao período
de seu reinado) significantes. Os problemas com os hititas continuaram e por volta do
10º ano de seu reinado os egípcios haviam falhado em reconquistar Qadesh e Amurru.
Entretanto, as fontes que registram esse fato provêm do lado hitita do confronto. Alguns
textos hititas referem-se a uma trégua alcançada que não fora quebrada até o reinado de
Seti I, evidência importante que comprovaria o acordo do lado de Horemheb com seus
oponentes.
O rei ainda engajou-se com um programa extenso de construções, em
especial a Grande Sala Hipostila de Karnak. Ainda, parece ter sido responsável por uma
sistemática demolição da cidade de Amarna, agora desabitada. No entanto, o maior
destaque para o reinado de Horemheb adveio de mudanças de cunho estruturais da
própria instituição do reinado: em seu Texto de Coroação, Horemheb reconhece a sua
falta de sangue real, porém, põe enfase em sua narrativa de que ainda jovem Hórus o
havia escolhido para preparar-se para a futura tarefa de ser rei do Egito, evento talvez
inspirado pela própria tentativa de legitimação do poder de Hathsepsut, que de forma
semelhante, fora eleita pelo oráculo de Amun para ser faraó após ter sido regente.
6. Ramessés I e Seti I
Seguindo o procedimento de Horemheb de não escolher um herdeiro de
origem real, Paramessu, comandante da fortaleza de Sile e vizir de Horemheb, fora
escolhido pelo faraó ainda vivo como o próximo na linha de sucessão ao trono. A
família de Paramessu vinha de Avaris, antiga capital dos hicsos, cujo culto ao deus Set
era mais forte que no resto do país; essa ligação com Set, foi reafirmada durante as
dinastias Ramessidas, cujos membros se consideravam descendentes desse deus.
Quando Horemheb morreu, Paramessu o sucedeu como Ramessés I,
iniciando uma nova dinastia, a XIX. No entanto, existem evidências que sugerem que os
faraós Ramessidas consideravam Horemheb como o verdadeiro fundador da dinastia.
Ramessés I aparenta velhice quando assumiu o reino, pois provavelmente seu neto já
havia nascido naquela época e mesmo antes seu filho, Seti I, já havia sido apontado
como vizir, comandante de Silo e possuia outros tantos títulos religiosos, que o ligava a
diversas divindades, inclusive ao próprio deus Set.
Seti I deve ser creditado pelo maior esforço na restauração de templos e
cultos tradicionais, ultrapassando as iniciativas empreendidas pelos seus anteriores: em
todos os lugares inscrições e representações de faraós do período pré-Armaniano foram
restauradas. Ele igualmente embarcou em um projeto ambicioso de construção que
envolvia o país inteiro, mas especificamente focado nos grandes centros religiosos,
como Tebas, Abidos, Mênfis e Heliópolis, criando novos templos e expandindo os que
já existiam antes (principalmente o templo de Set em Avaris, que viria ser a futura
residência dos faraós Ramessidas). Continuou ainda a construção da Grande Sala
Hipostila de Karnak, começada por Horemheb e restaurou o templo de Deir el-Bahri,
construído por Hatshepsut.
Em Abidos, Seti I construiu aos moldes do Médio Império, um templo
cenotáfio para o deus Osíris. A famosa lista real desse templo, mostrando antigos
ancestrais reais participando do culto a Osíris, excluía a realeza do período Armaniano,
atribuindo a Horemheb os anos de reinado de Akhenaton, Ay e Tutankhamun
(considerado talvez um co-regente de Horemheb).
As construções de Seti I parecem ter sido possíveis devido à reabertura
das expedições exploratórias na Núbia, Palestina e Síria, bem como por ter enviado à
Núbia tropas para buscar cativos que constituíssem uma mão de obra mais barata. Em
busca ainda de reafirmar o poder egípcio, Seti I enviou a ao sul da Palestina uma
pequena expedição militar contra Shashu; em outra guerra, conseguiu conquistar
Qadesh, promovendo a deserção de Amurru para o lado egípcio: o resultado foi uma
guerra contra os hititas cujos estados vassalos se perderam novamente, seguido por um
período de paz relativa.
Seti I foi ainda o primeiro rei a enfrentar as incursões de tribos líbias na
região do Delta, tribos essas que pareciam estar sendo motivadas primariamente pela
fome e que causariam complicações ao longo do Novo Império, no entanto pouco se
sabe sobre essa primeira investida. Os relevos nas paredes norte da Grande Sala
Hipostila que documentam as campanhas líbias e sírias inovam em estilo artístico,
muito mais realista (claramente influenciado pelo estilo Amarniano), criando uma
sensação de que ao olhar aquelas cenas, o observador está olhando para um evento
histórico realmente concretizado.
7. Ramessés II
Não sabemos ao certo quantos anos Seti I ocupou o trono, porém no fim
do seu reinado ele aponta seu filho e herdeiro, Ramessés, como co-regente enquanto o
mesmo ainda era “uma criança em seu abraço”. Ramessés II certamente nasceu durante
o reinado de Horemheb, antes de Ramessés I assumir o trono, quando este e Seti I ainda
eram oficiais de alta patente, aspecto enfatizado bastante por ele, assim como Horemheb
o fez em seu Texto de Coroação. Uma coisa que fica muito evidente nessa atitude de
Seti I em tomar seu filho como sucessor e co-regente é o fato de ele precisar agir dessa
maneira para assegurar o trono para seu filho, procedimento esse que só seria revertido
com Ramessés II e o mito do nascimento divino do rei da 18ª dinastia.
Cedo em seu reino, provavelmente ainda como co-regente de seu pai,
Ramessés II e dois de seus filhos, os príncipes coroados Amunherwenemef e
Khaemwaset, foram em sua primeira campanha militar, cujo objetivo era desarticular
uma rebelião na Nubia. O papel dos príncipes em seu reinado ganha mais importância, e
eles deixam de ser representados apenas em imagens e tumbas de seus professores e
enfermeiras, passando a ter representações propriamente reais, recebendo cada um, o
título de comandante e chefe do exército.
Em seu quarto ano de reinado, Ramessés II organizou uma campanha
militar maior na Síria, conseguindo recuperar Amurru para o lado egípcio. No entanto,
essa situação não duraria muito: o rei hitita, Muwatalli, decidiu reconquistar de vez
Amurru e evitar maiores perdas em seu território. Estava armada uma das batalhas mais
significativas do mundo antigo, A Batalha de Qadesh, não somente por suas dimensões
armadas, mas principalmente por representar um faraó, que mesmo sem conquistar seus
objetivos, volta ao seu país afirmando-se vitorioso, sendo registrado na iconografia da
época dessa maneira, bem tendo essa propaganda real espalhada pelas paredes de todos
os maiores templos.
Na realidade, Ramessés II foi levado a acreditar que o rei hitita estava
longe ao norte, em Tunip, com muito medo de enfrentar os egípcios, porém, na verdade,
o oponente estava próximo, do outro lado de Qadesh. Acreditando nisso, Ramessés
avançou rapidamente para Qadesh com apenas uma das quatro divisões de seu exército
e subitamente foi forçado a enfrentar o enorme exército do rei hitita. Mutawalli
primeiramente destruiu a segunda divisão que avançava de encontro ao rei, para em
seguida ir esmagar Ramessés e suas tropas.
Nas descrições posteriores da batalha, Ramessés é colocado em um
momento de glória, onde, com seus imediatos preparando-se para desertar e quase
sozinho e cercado pelas tropas inimigas, clama que seu pai Amun o salve e então passa
a enfrentar os soldados hititas que o atacavam. No entanto, Amun escuta as preces do rei
e faz com que uma força de suporte que estava na costa de Amurru chegasse em pouco
tempo para o resgate do rei. Com a chegada da terceira e quarta divisões os egípcios
podem finalmente se reorganizar e passam a ter maior número de carruagens de guerra.
Entretanto, o excelente exército hitita consegue resistir aos números e a batalha acaba
empatada. Ramessés declina a oferta de paz hitita, no entanto uma trégua é formada e o
faraó retorna para casa com muitos cativos de guerra e espólio, porém sem conseguir
alcançar seu objetivo principal, que era reconquistar Amurru. O Egito nunca mais seria
capaz de reconquistar Qadesh e Amurru.
No 16º ano do reinado de Ramessés, Mursili III, que havia sucedido seu
pai no reinado hitita, é deposto por seu tio Hattusili III e, após dois anos de tentativas de
retomada do poder (com a ajuda de babilônicos e assírios), foge para o Egito. Hattusili
exige a deportação do sobrinho, pedido esse negado pelo Egito. Então, os hititas mais
uma vez preparam-se para engajar-se em uma guerra contra os egípcios. Mas, devido às
pressões assírias, que aproximava-se do Império Hitita, a guerra não se forma e
Hattusili, sem escolhas, acaba reabrindo as negociações com o Egito, levando a uma
trégua final no no 21 de reinado de Ramessés.
Apesar de não conseguirem o domínio de Qadesh, a trégua com o
Império Hitita providenciou um novo período de estabilidade para o Egito, que voltou-
se para o comércio exterior, particularmente com o Eufrates, o Mar Negro e o Egeu.
Essa estabilidade permitiu que Ramessés pudesse se dedicar agora a combater os
invasores líbios que chegavam cada vez em maiores números, principalmente no Delta,
onde o faraó constrói uma série de fortificações. No ano 34, os laços com os hititas são
mais estreitados quando do casamento do faraó com uma princesa daquele povo, filha
de Hattusili, que ao chegar ao Egito é recebida com muita pompa e festa.
A princesa hitita é mais uma das sete mulheres que receberam o título de
“grande esposa real” durante o longo reinado de 66 anos de Ramessés II. Quando ainda
era co-regente de seu pai, Ramessés fora presenteado com um harém, mas foram duas as
esposas principais, Nefertari e Isetnofret, que providenciaram a ele muitos filhos e
filhas. Nefertari foi a “Grande Esposa Real” até o ano 25 do reinado, quando faleceu e
passou seu título para Isetnofret, que morreu pouco antes da chegada da princesa hitita.
Ainda, quatro filhas de Ramessés receberam o título de Grande Esposa: Henutmira,
Bintanat, Meritamun e Nebettawy. Essas foram as quatro principais filhas do faraó, que
teve por volta de 40 filhas e 45 filhos. Essa grande prole foi enterrada em uma tumba
gigantesca no Vale dos Reis recentemente descoberta.
Durante seu longo reinado Ramessés foi responsável por um extenso
programa de construção que começou com a adição de um grande pórtico e um pátio ao
templo de Amun em Luxor. Construiu ainda um belo templo para Osíris em Abidos,
além de gradualmente encher o país com templos e estátuas em honra aos deuses,
muitas das quais, usurpadas de faraós anteriores. Ainda particularmente impressionantes
são os templos em rocha na Núbia Inferior, incluindo dois em Abu Simbel, que devem
ter sido construídos por uma força de trabalho composta por tribos locais.
Ramessés II foi responsável pela expansão da cidade de Avaris ao torná-
la sua grande residência no Delta, chamada Pi-Ramessés, ou “casa do Ramessés”. A
cidade situava-se estrategicamente perto da rota para o Silo e para as províncias na
Palestina e na Síria. A cidade logo tornou-se o principal centro internacional de
comércio e o centro da atividade militar do país, além de tornar-se o centro de culto para
muitas divindades estrangeiras (asiáticas, preferencialmente) como Baal, Reshep,
Hauron, Anat e Astarte. É interessante perceber os benefícios que a paz recém-adquirida
com os hititas trouxe para o Egito: os artesãos e ferreiros hititas foram trazidos ao Egito
para difundir a sua técnica em matéria de armas e armaduras e, a partir dessa difusão da
tecnologia, muitos estrangeiros, que antes eram prisioneiros de guerra no Egito,
passaram a ser incorporados nas forças de combate do país.
Ao longo de sua vida, Ramessés celebrou mais de dez Festas-Sed (o
único desde Amenhotep III a celebrar mais de uma), com a primeira em seu trigésimo
ano de reinado e realizando outras em intervalos mais ou menos regulares de três anos.
Ramessé II não parece ter tido muita paciência para ser deificado como Amenhotep III
fora durante suas três Festas-Sed. Por sua vez, próximo do oitavo ano de seu reinado,
Ramessés ergueu uma estátua colossal cujo nome dado foi “Ramessés-o-deus”. Estátuas
como essa foram construídas em pilares e em grandes templos, onde recebiam cultos
regulares dos habitantes, além do rei possuir, dentro do templo, sua própria imagem
cultual e o barco de procissões, juntamente com outras divindades a quem eram
dedicados. Em relevos, Ramessés II é visto dedicando oferendas ao seu próprio eu
deificado.
Dos seus muitos filhos o que talvez mais se destaca é Khaemwaset,
considerado um sábio e um mágico por muitos, foi um grande admirador do passado
glorioso do Egito, das grandes pirâmides e monumentos da Antigo Império. Dedicou-se
a restaurar esses monumentos e conservar o interesse dos egípcios em sua própria
história, já bastante distante. Após a morte de Khaemwaset, Ramessés II viveu ainda
outros doze anos, quando finalmente morreu no 66º ano de seu reinado, o mais longo
desde Pepi I, na VI dinastia. Durante seus últimos anos de reinado tornou-se uma lenda-
viva, reverenciado por seus admiradores e invejado por seus sucessores, devido à
longevidade anormal de seu reinado. Seus doze filhos mais velhos haviam falecido
antes do pai, por consequência, assume o trono Merenptah, o quarto filho de Isetnofret e
príncipe coroado desde a morte de Khaemwaset.
8. Sucessores de Ramessés II
Merenptah, que já devia ter uma idade avançada quando assumiu o trono,
enviou diversas expedições militares para fora do país, não somente na Núbia, mas
também na Palestina, onde controlou vassalos rebeldes; a “Estela da vitória” que
registra essas vitórias sobre os vassalos de Ashkelon, Gezer e Yenoam, contém também
a primeira referência, em fontes egípcias, a Israel, tratada ainda como uma tribo.
No entanto, o evento que mais marcou o reinado de Merenptahh deu-se
com a invasão líbia, que já se formava no reinado de seu avô e de seu pai. Os fortes
construídos por Ramessés II com a intenção de segurar a pressão líbia ao oeste
desmantelaram-se ante a coalizão da Líbia com outras tribos lideradas pelo rei Mereye.
A fome providenciou a migração dos povos do Egeu e do mundo jônico
para o Egito, em busca da fertilidade trazida pelo Nilo. Merenptah enviou grãos para os
hititas, ainda aliados do Egito no leste, que igualmente passavam fome. Grandes centros
como a Micenas grega foram violentamente destruídos e o Império Hitita passava a
entrar em colapso. No Egito, os chamados “Povos do Mar” alcançaram a costa da
África, viajando pelos mares e juntaram-se a tribos líbias. O exército dos invasores
chegou a contar com 16 mil homens, que junto aos guerreiros traziam sua família e seus
bens mais preciosos, realmente migrando de áreas menos férteis, visando à estabilidade
produtiva do Egito. Contam os relatos egípcios que os líbios estavam destinados a
falhar, pois o rei desses povos, Mereye, já havia sido condenado no tribunal divino de
Atum como culpado de todos os seus crimes. Merenptah venceu os invasores em uma
querela que durou seis horas. Milhares de inimigos foram mortos, mas um número
maior tornaram-se prisioneiros de guerra e foram colocados em assentamentos militares,
especialmente no Delta.
O resto do reino de Merenptah parece ter sido pacífico, porém, após sua
morte, o trono entrou em disputa entre Seti II, filho mais velho de Merenptah e um rei
rival, Amenmessu, que chegou a governar durante alguns anos no sul do país. Apesar de
confuso esse período de sucessão, sabemos que Seti II reassumiu o poder total e tratou
de usurpar todos os cartuchos que tratavam de Amenmessu. Inscrições posteriores
tratam o usurpador como “o inimigo”.
Após a morte de Seti II, seu único filho, Septah, que não era filho da
rainha, mas sim de uma concubina síria, assume o posto de faraó. Ainda mais
importante é o fato da criança sofrer de atrofia na perna devido a uma poliomelite.
Tausret, no entanto, resguardou seu título de “Grande Esposa Real” e agiu como regente
para seu enteado, com o apoio de um importante oficial sírio chamado Bay (descrito
como uma espécie de ministro de todo o país). Quando Septah morreu em seu sexto ano
de reinado, Tausret reinou por dois anos, sem dúvida alguma com o suporte de Bay,
tornando-se assim a terceira rainha a governar o Egito no Novo Império e com a morte
dela, encerra-se a XIX dinastia.
9. Ramessés III, Ramessés IV e a 20ª dinastia.
Com o Egito envolto em “caos” e pressões vindas de fora, o país estava
sem governante após a morte de Tausret. É possível que Bay tenha tentando assumir o
trono, amparado por seus confederados, porém entende-se que ele foi sobrepujado por
Sethnakht, governante que expulsou então os estrangeiros que estavam rebelando-se e
que buscavam ouro, prata e cobre para roubar no Egito. Após a morte de Sethnakht, seu
filho, Ramessés III, assumiu o trono. Surgia a XX dinastia.
Apesar de o rei ter herdado um clima de paz e estabilidade de seu pai,
logo ele teria sua própria parcela de problemas ao se engajar em um conflito com tribos
líbias que usaram o período anterior de indefinição política para adentrar no território
egípcio. Por esse tempo, os próprios egípcios já haviam aceitado a ideia de uma
convivência pacífica com imigrantes, considerando essa chegada de estrangeiros como
inevitável, porém, quando uma revolta formou-se contra a “interferência” da sucessão
do rei, Ramessés rapidamente respondeu, trazendo ordem ao país.
Um dos fatos mais importantes do reinado de Ramessés III foi a batalha
com os Povos do Mar: essa coalizão de povos já havia destruído a capital do Império
Hitita, conquistado Tarsus (com vários fixando-se na Cilícia e no norte da Síria),
arrasando Alalakh e Ugarit; Chipre e sua capital Enkomi foram saqueadas. Certamente
o último objetivo dos Povos do Mar encontrava-se no Egito, sobre o qual lançaram um
ataque marítimo e por terra no ano 8 do reinado do faraó. No entanto, Ramessés já
estava bem ciente dos perigos que vinham em sua direção e passou a organizar uma
grande defesa, fortificando cidades do Delta próximas ao Nilo. Quando os assaltos
aconteceram, as tropas de Ramessés, bem preparadas, foram capazes de lidar com os
invasores, que desamparados, voltaram as suas terras conquistadas na Síria-Palestina.
O reinado de Ramessés III também ficou conhecido devido a grandes
construções como o seu grande templo mortuário em Medinet Habu, um dos mais bem
conservados templos da atualidade, que se assemelhava ao modelo do Ramesseum, de
seu grande predecessor Ramessés II. Foi responsável ainda pela expansão de Pi-
Ramessés, cujas construções não parecem ter sido afetadas pelos embates durante o
reinado.
É importante salientar o crescimento do poder dos templos e dos cultos a
Amun de Thebas, como mostrado no Grande Papiro Harris e a necessidade real de
inspecionar e reorganizar esses templos onde transbordavam corrupção. Esse papiro
lista grandes doações de terra feitas a importantes templos em Tebas, Mênfis e
Heliópolis, mostrando que no fim do reinado de Ramessés III, um terço das terras
cultiváveis estava nas mãos dos templos e, dessas terras, três quartos pertenciam a
Amun de Tebas, cujos sacerdotes eram dotados agora de grande influência e poder. Uma
grande crise econômica abateu-se sobre o estado e suas finanças, causando falta de
alimentos, que eram pagos pelo estado, aos trabalhadores em Deir el-Medina, levando
no ano 29 do governo de Ramessés, às primeiras greves organizadas registradas na
história.
Ao fim do reinado de Ramessés é registrada uma tentativa de assassinato
do rei por parte de um complô organizado no harém real, em Pi-Ramessés, onde oficiais
do reino, também envolvidos, queriam depor o rei e levar ao trono o filho que o faraó
tinha com uma de suas mulheres, Pentaweret. Apesar de incitar as pessoas a se
rebelarem contra o rei, a revolta falhou, e provavelmente o rei continuou vivo (sua
múmia não tem sinais de morte violenta) até falecer de causas naturais e ser substituído
por seu filho, Ramessés IV.
Ramessés IV, quinto filho de seu pai, assumiu o trono após seus irmãos
morrerem e o mesmo tornar-se príncipe coroado. Julgando pelo nome de sua mãe, Isis-
Ta-Habadjilat, o novo rei deveria ter algum sangue estrangeiro correndo por suas veias.
Assim que assumiu, Ramessés pôs-se a construir (em destaque o seu templo mortuário,
em Tebas), retomando expedições em Wadi Hammamat e buscando turquesa e cobre nas
minas do Sinai e de Timna; além disso, ainda aumentou a força de trabalho de Deir el-
Medina para 120 homens. No entanto, o faraó morreu em seu quinto (ou sétimo) ano de
reinado, sem completar nenhuma das obras.
Durante seu reinado, ocorreram atrasos na entrega de artigos para os
trabalhadores de Deir el-Medina. Ao mesmo tempo cresceu a influência do poder dos
grandes sacerdotes de Amun. O ofício tornou-se então mais independente, tendo o cargo
passado novamente hereditariamente, e o rei possuía, por sua vez, pouco controle sobre
quem era designado como sacerdote.
Os faraós posteriores governaram, em sua maioria, durante muito pouco
tempo (com exceção feita a Ramessés XI, que governou por 30 anos), continuando a
enfrentar problemas com revoltosos líbios e com os ladrões de tumbas da época. O
poder do rei nesse período passou a decair, havendo indícios que os últimos faraós
Ramessidas tinham controle apenas de uma parcela do Egito (no caso, o Delta).
Hordas de líbios impediam os trabalhadores da margem oeste de
trabalharem, a fome assolava o Egito (anos das hienas), ladrões de tumbas passaram a
agir em templos e palácios e houve até mesmo guerra civil. Um conflito entre Ramessés
XI e Panehsy, vice-rei da Núbia, aconteceu provavelmente pela tentativa de usurpação
do vice-rei de cargos que beneficiassem os núbios através de uma alimentação melhor.
Em tempos de crise geral, onde mesmo o Egito sofria por falta de alimentos, era
comum o surgimento de guerras civis, fazendo com que, em certo ponto, Panehsy recue
de volta à Núbia. Algum tempo depois, o general Piankh assume os títulos de Panehsy,
bem como o título de vizir após a morte de Amenhotep, o grande sacerdote de Amun,
assumindo também esse título, reunindo os três maiores títulos de cargos oficiais em
uma só pessoa. O golpe de Piankh inaugura o período chamado de renascença, termo
usado para indicar que o país havia “renascido” após um período de caos.
Por fim, no último século de governo Ramessida, tumbas são
constantemente assaltadas, tendo múmias desenfaixadas em busca de ouro e outros
materiais valiosos. Mesmo as múmias dos faraós perdiam seus amuletos e eram re-
enterradas em tumbas anônimas escavadas nas encostas rochosas tebanas. É interessante
evidenciar que duas múmias parecem ter escapado de sinas iguais: a de Tutankhamun
(KV 62) e a de seu pai, Akhenaton (KV 55).