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Introdução ao Utilitarismo e Feminismo Contemporâneo Everton Maciel, mestrando em Filosofia, PPGFil UFPel, Bolsista Capes [email protected]

Introdução ao utilitarismo e feminismo contemporâneo · •Jeremy Bentham (1748-1832) ^A natureza colocou o gênero humano diante de dois senhores absolutos: a dor e o prazer (Introdução

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Introdução ao Utilitarismo e Feminismo Contemporâneo

Everton Maciel, mestrando em Filosofia, PPGFil UFPel, Bolsista Capes

[email protected]

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Utilitarismo Histórico

• David Hume (1711-1776)

Contra a metafísica

• Ceticismo Contra a extração de valores de fatos

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Obras

• Tratado da Natureza Humana (1739–40)

• Investigação Sobre o Entendimento Humano (1748)

• Investigação Sobre os Princípios da Moral (1751)

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Ceticismo Político

• Nossos problemas morais por eles mesmos;

• Não há registros especiais para o gênero humano;

• Discussão com o contratualismo: • Thomas Hobbes (1588-1679)

• Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

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Hobbes: o homem é mau por natureza e a sociedade precisa controlá-lo.

Rousseau: o homem é bom e livre por natureza e a sociedade civil o corrompe.

“Céu e inferno supõem duas espécies distintas de homens: os bons e os maus. A maior parte da humanidade, entretanto, flutua entre o vício e a virtude”, David Hume, Da Imortalidade da Alma

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• Não existe justificativa para derivarmos aquilo que deve ser daquilo que é. (Distinção fatos e valores). Falácia de Hume.

• Não existe justificativa para buscarmos na natureza humana os preceitos gerais de moralidade.

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Utilitarismo clássico: qual a resposta utilitarista para os problemas éticos?

• Jeremy Bentham (1748-1832)

“A natureza colocou o gênero humano diante de dois senhores absolutos: a dor e o prazer” (Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação)

Materialismo

Minimalismo

Redução da ética à ciência

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University College London, 2005

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John Stuart Mill (1806-1873)

• O princípio da utilidade: a solução última de todos os problemas éticos.

“Agir de tal modo que a ação maximize a felicidade para todos os envolvidos”, Utilitarianism.

John Stuart Mill by John Watkins, 1865

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O Princípio da Utilidade

“O credo que admite a Utilidade, ou Princípio da Maior Felicidade, como o fundamento da moral sustenta que as ações são corretas na proporção com que tendem a promover a felicidade, e erradas quando elas tendem a produzir o contrário de felicidade”, Utilitarianism.

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“Considero a utilidade como o último recurso para todas as questões éticas: mas que se considere utilidade em um sentido amplo, apoiada sobre os interesses permanentes do homem como um ser em progresso. Esses interesses, defendo, autorizam a sujeição da espontaneidade individual ao controle externo, apenas no que diz respeito às ações de cada um que concernem os interesses de outras pessoas”, On Liberty.

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Princípio da Liberdade

“A única liberdade que merece esse nome é aquela que busca nosso próprio bem da sua própria maneira, contanto que não tentemos privar os outros daquilo que lhes interessa, ou impedir seus esforços para obter isso. Cada um de nós é o guardião adequado de sua própria saúde: física, mental ou espiritual. A humanidade está ganhando mais pelo sofrimento de que cada um viva como lhe pareça bom do que os forçando a viver como parece bom aos demais”, On Liberty.

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A Sujeição das Mulheres (1869)

• Iluminismo entre os séculos XVIII e XIX possibilitou a expansão de ideias liberais envolvendo os direitos humanos.

• Bentham e Mill defenderam publicamente a ampliação de direitos políticos para negros, mulheres e, inclusive, animais.

• A revolução industrial inglesa gerou uma tensão entre concepções feudais e o processo de urbanização.

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O que os livros didáticos de história não contam e pode ser facilmente encontrado em relatos da época:

As mulheres foram fundamentais na pressão para acabar com a escravidão negreira em países como o Brasil: boicote ao açúcar e panfletagem, romantismo inglês, Rainha Vitória.

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O trabalho de 1969 (Sujeição Feminina):

• Cap. I: legislação vigente

• Cap. II: vida pública

• Cap. III: relação de intimidade do casal

• Cap. IV: princípio da igualdade

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Cap. IV: igualdade como princípio

• [...] supõem-se que o peso da prova seja de quem é contra a liberdade: quem luta por alguma restrição ou proibição – alguma limitação da liberdade de ação humana em geral, ou alguma desqualificação qualquer ou disparate de privilégios que atinge uma pessoa ou um tipo de pessoas, quando comparadas com outras. A pressuposição a priori é a favor da liberdade e da imparcialidade. Assegura-se que não se deve restringir nada que não seja contrário ao bem comum, e que a lei não deve restringir as pessoas, e sim deve tratá-las todas como iguais, salvo quando a diferença de tratamento é requerida por razões positivas, seja de justiça ou de política (CW XXI:262).

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Do ponto de vista público: imparcialidade judicial igualdade Devemos compreender pressuposições como a da liberdade política e da imparcialidade judicial vendo-as necessariamente ligadas à manutenção do ambiente público. Confrontado com a legislação ainda feudal da revolução industrial, Mill observa que não existem argumentos em prol do despotismo familiar que não possam ser utilizados também no despotismo político.

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A permanente comparação entre marido e um tirano que Mill estabeleceu leva em consideração o ditado humeano de que céu e inferno foram feitos para homens bons e maus, mas a maior parte da humanidade circula permanentemente entre esses dois extremos: virtude e vício: “demônios absolutos são raros como anjos, até mais raros: selvagens furiosos, ocasionalmente abalados de humanidade, são, entretanto, muito frequentes” (CW XXI:288).

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Cap. I: a legislação vigente • Em 1851, ao se casar com Harriet Taylor, Mill fez

um protesto formal contra a lei do casamento que estabelecia poder e controle legal a uma das partes da união, o marido, independente da vontade da esposa. As críticas de Mill a legislação inglesa do matrimônio da época foram recebidas com entusiasmo apenas por círculos liberais, mas sem muitos resultados práticos imediatos. Foi apenas em 1866, enquanto deputado, que o autor deu voz a petição circulada um ano antes que colheu quase 1.500 assinaturas a favor do sufrágio feminino.

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“[...] minha luta pelo sufrágio feminino e pela representação pessoal, foi vista como um mero capricho individual, mas o grande progresso, desde então, feito por essas opiniões e especialmente a reação motivada, em quase todas as partes do Reino, pela demanda do sufrágio às mulheres, justificam completamente a oportunidade daquelas declarações, e se tornaram um empreendimento pessoal, tomado como um dever moral e social” (CW I:275s).

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In 1865 this ‘Petition to the Honourable the Commons of the United Kingdom of Great Britain and Ireland in Parliament Assembled was circulated by the Women's Suffrage Petition Committee. A year later, 1,499 signatures were presented to Parliament. It marks the beginning of the continuous women’s suffrage movement in Britain and caused John Stuart Mill to be the first MP to speak in favour of women’s suffrage in Parliament.

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Outras mudanças legislativas reclamadas:

• Direito de partilha em caso de divórcios;

• Direito à igual guarda dos filhos;

• Direito a proteção pública contra a violência doméstica;

• Igualdade no matrimônio.

Direito de voto traria voz para outras mudanças legislativas práticas

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Cap. II: exclusão da vida pública • Um dos argumentos pelo direito de voto das mulheres residia no

fato delas poderem lutar publicamente contra a violência dos seus “protetores”, com lobbies junto ao parlamento e a magistratura: “nós poderíamos ter uma estimativa aritmética do valor [da pena] estipulada por um homem legislador e por um tribunal de homens referente ao assassinato de uma mulher, muitas vezes torturada através dos anos, que, se existe alguma vergonha em nós, poderia nos fazer cortarmos nossas cabeças. [...] antes, afirma-se que as mulheres não sofrem de seus interesses, como mulheres, por lhes negarmos um voto; isso poderia ser considerado se as mulheres não tivessem queixas, se as leis e as práticas a que podem chegar fossem em todos os casos favoráveis às mulheres como aos homens” (CW XXVIII: 158s).

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• A posição das mulheres daquele período era de inteira submissão, quando não ao marido, ao sistema social e econômico da época. O resultado é a ausência prática de alternativas para a condução das suas vidas do ponto de vista individual e público;

• A prerrogativa que busca estabelecer a igualdade das mulheres na família ultrapassa a preocupação com a violência doméstica e as portas de cada lar atingido. Mill sabe que as mulheres são influentes no que se refere às finanças familiares, à educação dos filhos e possuem grande flexibilidade e capacidade administrativa em suas residências.

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“[...] pessoas irracionais ou hipócritas, que consideram apenas os casos extremos, podem dizer que os males são excepcionais; mas ninguém pode ignorar a sua existência, nem, em muitos casos, sua intensidade; é perfeitamente óbvio que o abuso de poder não pode ser realmente controlado, ao menos enquanto o poder permanece” (CW XXI:323).

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Cap. III: a relação de intimidade interna ao casal

• A observação prática subvertida: os opostos se atraem, mas a igualdade mantém juntos:

“Uma sociedade íntima entre pessoas radicalmente dissimilares uma da outra é um sonho vão. Diferenças podem atrair, mas é semelhança que conserva: e na proporção das semelhanças está a adequação dos indivíduos para dar a cada outro uma vida feliz” (CW XXI:333).

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A importância de mudanças comportamentais na família:

• “Mill insiste mais que a sujeição da mulher não pode encerrar apenas por lei, mas somente por lei e a reforma da educação, opinião, da inculcação social, dos hábitos e, finalmente, da conduta da própria vida familiar” (SHANLEY, Mary Lyndon. 1998, p.410).

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A igualdade como promotora da associação de interesses no matrimônio:

As semelhanças (morais e políticas inclusive) são responsáveis pela verdadeira identidade na busca de interesses comuns. Nas questões envolvendo o matrimônio o princípio da associação não é especial ou diferente. É nas identificações que os interesses se convergem. As pessoas não se casam esperando por tolerância mútua, mas visualizam um projeto comum de vida.

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Algumas referências:

MILL, John Stuart. The Subjection of Women. In Collected Works, v.21. Toronto: Toronto University Press; ROBSON, John (Ed.), 1984.

___________. Autobiography. In Collected Works, v.1. Toronto: Toronto University Press; ROBSON, John (Ed.), 1981.

___________. Utilitarianism / Three Essays on Religion et al. In Collected Works, v.10. Toronto: Toronto University Press; ROBSON, John (Ed.), 1969.

___________. Publicand Parliamentary Speeches. In Collected Works, v.28. Toronto: Toronto University Press; ROBSON, John (Ed.), 1988.

___________. A Liberdade; Utilitarismo. Tradução: Eurice Ostrensky. Introdução: Isaiah Berlin. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

VASCONCELOS, Bernardo de. (Des)igualdade em The Subjection of Women de John Stuart Mill. Introdução in MILL, John Stuart. A Sujeição das Mulheres. Tradução: Benedita Bettencourt. Almedina: Coimbra, 2006, pp.7-31.

FRANCISCO, Marli; CANHA, Vanderleia. Relações de Trabalho: transição do trabalho escravo para o trabalho livre... In História. Secretaria de Estado da Educação do Paraná Curitiba, 2006. pp.83-95.

SHANLEY, Mary Lyndon. The Subjection of Women. In SKORUPSKI, John (org.). Cambridge Companion to Mill. Cambridge: 1998, pp.396-422.

Petition circulated by the Women's Suffrage Petition Committee, 1865. Living Heritage Women and the Vote. London: Parliament. Acessado em 30 de março de 2012: http://www.parliament.uk/about/living-heritage/transformingsociety/electionsvoting/womenvote/unesco/petition-1865/