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PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUND AÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO , NVENTARIO DA VIDA Programa Biota-FAPESP propiciará minucioso levantamento da fauna, flora e microorganismos do Estado de São Paulo Pág.6 A ciência brasileira ingressa no Gen· oma Humano g. 12 e encarte es pecial Uma contribuição da pesquisa para melhorar a produção de leite Pág. 14

Inventário da vida

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Notícias FAPESP - Ed. 40

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Page 1: Inventário da vida

PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

, NVENTARIO DA VIDA

Programa Biota-FAPESP propiciará minucioso levantamento da fauna, flora e microorganismos do Estado de São Paulo

Pág.6

A ciência brasileira ingressa no Gen·oma Humano Pág. 12 e encarte especial

Uma contribuição da pesquisa para melhorar a produção de leite Pág. 14

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EDITORIAL

Apoio abrangente e multifacetado à pesquisa em São Paulo

A FA PESP desenvo lveu há anos a convicção de que in­vestimentos em ciência, bás ica ou aplicada, e em tecnolo­gia, áreas cujas fronteiras tantas vezes aparecem di fusas, com um campo interpenetrando o outro, são igualmente fun­damentais para o desenvo lvimento do país.

Esta Fundação também há alguns anos vem trabalhan­do com a certeza de que a capacitação de novos pesqui­sadores em áreas es tratégicas da ci ência e da tecnologia, por meio de seu trabalho direto em avançados projetas de pesqui sa, de alto signi ficado científico, é capaz de produzir retornos de crucial importânci a para a soci eda­de bras il eira.

Ass im, o que tem norteado os in vestimentos da FA PESP é uma visão complexa e abrangente, mais que isso, dinâmi­ca, do que entendemos como fomento à pesquisa científica e tecnológica. Pois bem, esta edição do Notíc ias FAPESP é um exemplo di sto, na pequena amostra que oferece desse caráter amplo e multifacetado do apoio da Fundação ao de­senvolvimento cientí fico e tecnológico no Estado de São Paulo.

Ass im, damos notícia de duas novas iniciativas de peso - o programa Biota-FAPESP e o projeto Genoma Huma­no do Câncer - ,capazes de efeti vamente impulsionar a pesquisa pauli sta até o patamar dos centros intern ac ionais mais avançados. O segundo, para resumi r, lança o Bras il na corrida in ternacional pelo conhecimento do genoma huma­no, e o faz apresenta ndo à comunidade científica internac i­onal nada menos que um novo método de seqüenciamento rápido de genes que rea lmente importam, dentro do geno­ma, para compreendê- lo. O Biota-FAPESP, enfa ti zando o trabalho de cooperação entre cienti stas, em larga escala, na medida em que deverá envo lver de imediato cerca de 200 de les, va i atuar nu m campo essencial de defesa da vida na Terra: a preservação ambiental. Trata-se de levantar a fa u­na, a flo ra e os microorganismos que ocorrem no Estado de São Paulo, obter novos conhecimentos a seu respeito e pro­por mecanismos para sua proteção.

Como exemplo do apo io da Fundação à ciência ap lica-

da, estamos apresentando os resultados de um projeto te­mático sobre mastite bovi na. Ele va i mui to além do estudo cien tífico da doença, seus agentes e tratamentos, para che­gar até um programa de cursos em propriedades ru ra is, des­tinado a veterinári os e trabalhadores ru ra is, com o objetivo de ajudar no controle da masti te, que tem um impacto ne­gati vo pesado sobre a pecuária nacional.

Enve redamos também nesta edi ção por doi s belos exempl os de projetas de inovação tecnológica apoiados pela Fundação: no primeiro, resultado de parcer ia entre pesqui sadores da Politécnica da US P e da Co mpanhia Bras il eira de Alumínio, chegou-se a uma tecnolog ia na­cional de obtenção do gá lio a partir dos res íduos da pro­dução de alum íni o. Ressalte-se que o gá li o tem um va lor de mercado duas mil vezes maior que o do alum íni o. No segundo projeto, denominado Prumo, que também envo l­ve parceria, nes te caso entre o IPT e o SEBRAE, unida­des móve is de tecnologia es tão levando às pequenas em­presas novas possibilidades de aperfe içoamento de seus processos e produ tos.

Atestado de versatilidade dos financiamentos da FA­PESP, quanto às áreas que cobre, aparece em reportagem sobre um projeto de pesquisa relativo a uma nova técnica de interpretação teatral, baseada na observação direta da rea lidade pelo ator.

E finalmente, fi el às suas ori gens, embora tanto tenha caminhado e aberto o leque das linhas de apo io ga rantidas à pesquisa científica e tecnológ ica, a FA PESP conti nua a fi nanciar a ciência básica, como mostra reportagem sobre uma pesqui sa referente ao controle da distribuição de cá l­cio nas cé lulas do músculo cardíaco.

Acreditamos que a parti.r deste materia l cada um pode refl etir profundamente sobre as atuais práticas da FAPESP, que se tornanfm mais abertas, respondendo às ex igênc ias contemporâneas de um financiamento inte ligente da pes­qui sa , mas preservando sempre o comprom isso histórico dessa instituição com o efeti vo desenvolvimento científi­co e tecnológico do Estado de São Paulo.

Prof. Dr. Celso de Barros Gomes Equipe Responsável Coordenador· Prof. Dr. Francisco

RomeuLandi

Notícias FAPESP é uma publicação mensal da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Conselho Superior

Prof. Dr. Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente)

Dr. Mohamed Kheder Zeyn (Vice-Presidente)

Prof. Dr. Adilson Avansi de Abreu Prof. Dr. Alain Florent Stempfer Prof. Dr. Antônio M. dos Santos Silva

Dr. Fernando Vasco Leça do Nascimento Prof. Dr. Flávio Fava de Moraes Prof. Dr. José Jobson de A. Arruda Prof. Dr. Maurício Prates de Campos Filho Prof. Dr. Paulo Eduardo de Abreu Machado Prof. Dr. Ruy Laurenti

Conselho Técnico-Administrativo

Prof. Dr. Francisco Romeu Landi (Diretor Presidente)

Prof. Dr. Joaquim J. de Camargo Engler (Diretor Administrativo)

Prof. Dr. José Fernando Perez (Diretor Científico)

2 'ESP

Editora responsável · Mariluce Moura (MTB-2242)

Editora executiva · Maria da Graça Mascarenhas

Editor assistente: Fernando Cunha Arte · Moisés Dorado Capa: Luís Abreu Colaboradores: Carlos Fioravanti,

Marcos dos Santos, Marcos Pivetta, Margareth Lemos, Mário Leite Fernandes e Rodrigo Arco e Flexa

Encarte especial: Genoma Humano do Câncer Panejamento gráfico: Hélio de Almeida Produção gráfica: Tania Maria dos Santos FAPESP ·Rua Pio XI, n' 1500, CEP: 05468·901· Afta da Lapa São Paulo· SP · Te/: (011} 838-4000 · Fax: (011) 838-4117

Este informativo está disponível na home· page da FAPESP: http://www.fapesp.br - E.maif: [email protected].

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OPINIÃO

Técnica, Tecnologia e Ciência (Final) No Brasil a pesquisa tecnológica foi anun­

ciada com a criação em 1898, em São Paulo, do Gabinete de Resistência de Materiais, na Escola Politécnica, mas finnou-se em 1926, quando o Gabinete foi transfonnado no Labo­ratório de Ensaios de Materiais (LEM), espe­cificamente dedicado à pesquisa das proprie­dades mecânicas e químicas dos materiais componentes do concreto annado. No Rio, em 1922, foi organizada, por Fonseca Costa, a Es­tação Experimental de Combustíveis e Miné­ri os (EECM), com a finalidade principal da investigação de materiais que poderiam vira ser a fonte dos combustíveis nacionais. Em 1934, o LEM foi transfonnado no Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São PauloeaEECM, no Instituto Nacional de Tecnologia do Rio.

A pesquisa científica básica consolidou­se com a criação das universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, na década de 30. Antes disso, havia pesquisa científica no país l)las, na maior parte, em ciências aplicadas. E curioso notar que o início da pesquisa científica básica coincide com a organização dos nossos dois primeiros institutos de pes­quisa tecnológica.

De fonna geral, a metodologia da pes­quisa em ciências básicas ou aplicadas ou em tecnologia não difere entre si . Somente as fi­nalidades são diferentes, embora os limites entre as três sejam imprecisos. Tanto é possí­vel que de um conhecimento básico surja uma aplicação, como de uma solução tecnológica pode surgir uma pesquisa básica.

Em tese, a ciência básica tem como obje­tivo o puro conhecimento de um detenninado assunto, seja ele qual for. A ciência aplicada surge quando aparece a oportunidade de, com os conhecimentos científicos adquiridos, re­solver um problema prático sem cogitar das implicações sócio-econômicas de sua solução. Quando tais implicações são levadas em con­ta é que surge a tecnologia, como utilização, e não simples aplicação, de conhecimentos ci­entíficos na solução de problema técnico.

Entretanto, é de se distinguir a pesquisa tecnológica feita nos institutos e universida­des, para resolver problemas de inovação de materiais ou de processos técnicos em geral, da pesquisa tecnológica industrial, visando problemas de melhoria de produção e quali­dade de produtos ou obras.

A história recente da ciência e da tecno­logia vem mostrando que, em países em desen­volvimento, o incentivo e o financiamento das pesquisas, científicas ou tecnológicas, devem ser assumidos, direta ou indiretamente, pelo governo, mediante planos e programas de desenvolvimento.

Foi do IPT que surgiu uma das primei­ras manifestações, para que se incluísse, na

Milton Vargas Constituição do Estado, em 1947, a obriga­toriedade de dedicar-se uma pequena porcen­tagem da renda do Estado à pesquisa cientí­fica e tecnológica. Disso nasceu a idéia de que tal amparo fosse feito por intennédio de uma fundação, tendo a FAPESP surgido em 1960. Desde 1951 , já fora criado, em âmbito fede­ral, o Centro de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior- CAPES, com a finali­dade de prover bolsas de estudos para os es­tudantes brasileiros. Com a organização, a partir de 1963, dos cursos de pós-graduação nas universidades brasileiras, essencialmente baseados em pesquisas para dissertações de mestrado e teses de doutorado, em sua maio­ria subvencionados pela CAPES, ficou insti­tucionalizada a pesquisa científica e tecnoló­gica universitária, sob auxílio oficial.

Em 1951 foi criado o Conselho Nacio­nal de Pesquisa, transfom1ado em 1974 em Conselho Nacional de Desenvolvimento Ci­entífico e Tecnológico, CNPq, com a finali­dade de promover, fomentar e realizar a pes­quisa científica e tecnológica. Além disso, desde o início dos anos 60, com o auxílio de órgãos governamentais, as atividades tecno­lógicas no país desenvolveram-se espetacu­larmente, principalmente nos institutos de pesquisa e universidades, em conexão com a construção das grandes obras de infra-estru­tura. Mas, a indústria nacional pennanecia alheia à investigação tecnológica, e a multi­nacional, presa à tecnologia estrangeira. Só com a criação doM inistério da Ciência e Tec­nologia, em 1985, se iniciou uma política de envolvimento da indústria na pesquisa tecoo­lógica, por meio de incentivos fiscais .

No Brasil, já existem os requisitos bási­cos para que a ciência e a tecnologia desenvol­vam-se autonomamente: educação em todos os níveis, inclusive pós-graduação, institutos de pesquisa, bolsas de estudos, órgãos de am­paro e financiamento, associações científicas e tecnológicas, publicações científicas e tec­nológicas, prêmios e honrarias ao mérito.

Portanto, o problemaatual não é criar um sistema de ciência e tecnologia nacional, mas, sim, tomá-lo cada vez mais eficiente e ampliá­lo, no sentido de satisfazer necessidades só­cio-econômicas nacionais. Essas não envol­vem, entretanto, obrigatoriamente ciência avançada nem tecnologia de ponta. São pro­blemas cujas soluções, talvez, não contribu­am para o avanço da ciência universal nem fa­çam avançar as tecnologias de ponta, mas são de primordial importância para nós.

No mundo atual , a técnica e a tecnolo­gia são fenômenos peculiares à maneira de estar no mundo ocidental, essencialmente preocupado em fazer uso das coisas como meros utensílios. A própria teoria não é

.f#APESP

mais uma visão contemplativa do real , mas uma previsão de conhecimento daquilo que será utilizado. Decorre disso que os homens devem se preocupar em não se tornar me­ros usuários ou consumidores, subordina­dos aos ditames da técnica.

Num mundo assim estruturado, a tecno­logia não seria uma aplicação neutra e não comprometida de teorias científicas mas, ao contrário, tanto ela como a ciência seriam conhecimentos comprometidos com as con­dições políticas e econômicas da sociedade. A tecnologia terá de ser entendida como a utilização de conhecimentos científicos para satisfação das autênticas necessidades mate­riais de um povo. Faria, portanto, parte de sua culturaenãopoderiaserconsideradacomomera mercadoria que se compra quando não se tem ou vende-se quando se tem. Seria a tecnologia algo que se adquire vivendo, aprendendo, pesquisando, interrogando e discutindo.

Essa consciência é extremamente im­portante no a tua I mundo globalizado, em qur a tendência natural dos países mais desenvol­vidos será "vender" suas tecnologias àqueles que ainda não as têm, sem se preocupar se elas atendem às reais necessidades dos que as "compram".

Será necessário, portanto, em cada país, a elaboração de políticas científicas e tecnoló­gicas, a fim de garantir que os conhecimentos tecnológicos adquiridos sejam os mais adequa­dos às circunstâncias particulares do seu povo. Por outro lado, só se "importaria" uma tecnologia se houvesse prévio conhecimento dos princípios científicos sobre os quais ela se baseia. Há inúmeros exemplos, na história contemporânea da tecnologia, que atestam o fracasso da sua "importação", quando não há, por parte do "importador", conhecimento suficiente de suas bases científicas. Em suma, tecnologia não é mercadoria que se adquire comprando, mas, sim, saber que se aprende.

(continuação da edição 39)

Professor emérito da Escola Politécnica da USP e diretor da Themag Engenharia

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NOTAS NOTAS NO~AS NOTAS NOTAS NO~.t NOTAS )TAS NOTAS NOTAS NOTAS NOTAS NOTAS NOTA

Bibliotecas virtuais Já está funcionando, desde

o dia 15 deste mês, a Biblioteca Virtual Gilberto Freyre (http:// bvgf.fgf.org.br), iniciativa do Prossiga, programa do Conselho Nacional de Desenvolvimento CientíficoeTecnológico(CNPq), em parceria com a Fundação Gil­berto Freyre e a Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACE­PE). O site traz informações so­bre a vida do escritor e pesquisa­dor, seus livros, correspondência recebida de amigos e personalida­des, originais de seus trabalhos científicos e fotografias, e foi inaugurada por ocasião da aber-

tura das comemorações docente­nário de seu nascimento.

Ainda neste mês, no dia 24, foi inaugurada a Biblioteca Vir­tual Leite Lopes (http://www. prossiga. br/leitelopes ), por oca­sião das comemorações dos 50 anos de criação do Centro Brasi­leiro de Pesquisas Físicas, do qual José Leite Lopes foi um dos idealizadores. Essa Biblioteca é uma iniciativa do Prossiga e do próprio Centro, e seu site traz informações sobre a vida do fi­sico Leite Lopes, sua produção científica e correspondência com outros fisicosde renome interna­cional, além de sua participação nos debates sobre a política cien-

tífica brasileira. As duas bibliotecas

fazem parte do projeto Bibliotecas Virtuais de Pesquisadores Brasilei-

ros, desenvolvido pelo Prossiga, com o apoio das

fundações de Amparo à Pes­quisa do Rio de Janeiro (FA­

PERJ) e de Goiás (FUNAPE). Já foi inaugurada a biblioteca

virtual do educador baiano Anísio Teixeira e está

sendo finalizada a do médico e ci­

entista Carlos Chagas.

Questão de segurança Pesquisadores e visitantes

da FAPESP estão, desde o início deste mês de março, tendo de se identificar à entrada do prédio da Fundação. Embora possa ser um ritual desagradável-principal­mente porque o acesso a quais­quer dependência da FAPESP sempre foi totalmente liberado -, a identificação é absoluta­mente necessária para a seguran­ça dos usuários e das pessoas que aqui trabalham. Já por três vezes o prédio da FAPESP foi alvo de tentativa de assalto, ficando as

pessoas sob ameaça de armas. A F APESP possui, atualmente, cer­cade 7.500 bolsistas e 5.000 pes­quisadores com auxílio individu­al à pesquisa, sem falarnaqueles vinculados aos programas espe­ciais. O número de pessoas que diariamente vêm à Fundação é, portanto, muito grande. Com o sistema de identificação, a FA­PESP não pretende cercear a cir­culação de bolsistas e pesquisa­dores, mas apenas garantir a in­tegridade fisica dos visitantes e de seus funcionários.

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Nova etapa A F APESP lançará em bre­

ve o edital para a realização de uma nova etapa do programa FAP-Livros - a quarta - , des­tinado a complementar as dota­ções orçamentárias das institui­ções de pesquisa do Estado de São Paulo para aquisição de li­vros técnicos, científicos e outros indispensáveis ao trabalho regu­lar dos pesquisadores paulistas. O Conselho Superior da Fundação aprovou, em sua reunião do dia I O deste mês de março, dotação de R$ 1 O milhões para essa eta­pa do programa, que deverá ter algumas diferenças em relação às experiências anteriores.

Uma das possíveis mudan­ças na sistemática do programa é a descentralização das com­pras.

"A Fundação está procu­rando racionalizar o processo de aquisição dos livros e, neste momento, estamos analisando as vantagens e desvantagens da descentralização", diz o diretor administrativo, professor Joa­quim José de Camargo Engler. Se se concluir pela predomi­nância das vantagens, os livros poderão ser comprados di reta­mente pelas instituições bene­ficiadas com os auxílios do pro­grama.

O professor Engler observa que, na etapa ante~;ior, dos R$ 1 O milhões disponibilizados para o FAP-Livros, foram utilizados apenas pouco mais de R$ 5,4

milhões. Em grande parte, isso resultou do fato de muitas obras solicitadas terem se esgotado durante o processo, naturalmen­te moroso, de licitação e compra no país e, principalmente, no ex­terior. Em função disso é que a Fundação está buscando meios para racionalizar e agilizar a aquisição.

Uma outra diferença do FAP-Livros 4, em relação à eta­pa anterior, é que as propostas de solicitação de livros deverão ser encaminhadas à FAPESP por pesquisadores responsáveis pe­las bibliotecas das universidades e instituições de pesquisa.

E,alémdisso,quandoauni­versidade em questão tiver um órgão central de coordenação de suas bibliotecas, este deverá se manifestar sobre as solicitações que estão sendo feitas.

Os números relativos à fase 3 do programa mostram que 76% das solicitações de livros foram aprovadas.Assim, foram solicitadas 150.766 obras, e a FAPESP aprovou a compra de 114.441 obras. Mas, de fato, fo­ram entregues às instituições, no final do processo, apenas 71.576 obras, das quais, 13.80 I nacionais e 57.765 do exterior. Conseguiu-se uma entrega de cerca de 60% das solicitações aprovadas, o que a Fundação não considera satisfatório. Daí os esforços para o aperfeiçoa­mento do programa.

Prêmio Jabuti O livro Guia para Identifi­

cação de Fungos, Actinomice­tos e Algas de Interesse Médico, do professor Carlos da Silva La­caz, da Faculdade de Medicina da USP, em colaboração com seus assistentes Edward Porto, Elisabeth Maria Heins-Vaccari e Natalina Takahashi de Melo, recebeu o Prêmio Jabuti de 1998, como a melhor publica­ção na área de Medicina. O livro foi editado pela Sarvier com apoio da FAPESP e se destina principalmente a microbiolo­gistas, biologistas, farmacêuti­cos e outros especialistas que trabalham com a identificação e sistemática desses seres.

PESP

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NOT NOTAS NOTA NO TAS NO fAS N fAS NO T~ NOTAS A ' NO AS NUTAS NOTA~ NC TA NOTAS

Financiamento à Ciência na Índia Mais mulheres na pesquisa britânica Em futuro não muito remo­

to, as mulheres, na Grã-Bretanha, deverão ocupar postos acadêmi­cos na mesma proporção em que hoje estão presentes nos cursos de graduação. Pelo menos é isso que pretende o ProjetoAthena, lança­do pelo ministro britânico da Ci­ência, Lord David Sainsbury, na última semana de fevereiro .

Com esse nome altamente sugestivo e uma dotação inicial de US$160 mil (I 00 mil libras ester­linas), para ser aplicada apenas no primeiro ano de vigência, o pro­jeto deve forçar um recrutamen­to maior da força de trabalho fe­minina dentro da comunidade acadêmica. Segundo notícia pu­blicada naNature, de 4 deste mês de março, pretende-se, por meio de uma estratégia bastante diver­sificada, obterwn crescimento de I 0% nesse recrutamento, num horizonte de quatro anos.

Ao lançar o projeto, Sains­bury disse que o governo britâ­nico está perfeitamente consci­ente de que não está aproveitan­do todo o talento disponível das mulheres. Observou ainda que a "reserva de competência" de onde saem os mais brilhantes acadêmicos da Grã-Bretanha poderia ser ampliada com o apro­veitamento mais amplo da reser­va de mulheres talentosas".

Uma parte importante do projeto Athena será a organiza­ção de um cadastro de mulheres atuantes no ensino superior, com dados referentes a forma­ção, qualificação, postos e salá­rios, e concentrado inicialmen­te nas áreas de ciência, engenha­ria e tecnologia. O governo acre­dita que a coleta e a divulgação de estatísticas relacionadas a gê­nero, em questões como dife-

rença proporcional de emprego nas instituições, poderá funcio­nar como uma poderosa alavan­ca para a mudança desejada.

Os responsáveis pelo proje­to reconhecem que a boa vonta­de dos dirigentes universitários, acadêmicos, políticos e industri­ais que participaram da reunião de fevereiro terá de ser respalda­da por mais dinheiro. Segundo Susan Bullivant, diretorajá no­meada do projeto, será preci­so obter mais US$160 mil para levá-lo adiante. E se o financia­mento inicial do Athena veio do ensino superior e do governo, agora estão no topo da lista de potenciais financiadores a indús­tria e as sociedades científicas.

Mudar atitudes, culturas e práticas dentro das universida­des não será fácil, segundo Bulli­vant, para quem a questão diz respeito sobretudo a melhores práticas na política de recursos humanos e, portanto, à contrata­ção das melhores pessoas em cada caso, independentemente de serem homens ou mulheres.

Cooperação científica com o Canadá O Departamento de Educa­

ção e Cultura da província de Nova Escócia, Canadá, está di­vulgando os programas internaci­onais e atividades de doze de seus institutos e universidades interes­sados em incrementar parcerias comacomunidadeinternacional. As principais áreas de conheci­mento são Artes, Ciências Soci­ais, Informática, Saúde, Mediei-

na, Odontologia,Arquitetura, En­genharia, Direito, Agricultura, Enfermagem e Teologia. Amai­oriadas instituições mantém ,rro­jetos com países da Europa, As ia, América Central e do Sul, Estados Unidos, África e Oriente Médio. Os contatos com o Departamen­to podem ser feitos pela caixa pos­tal 578, Halifax, Nova Escócia, B3J 2S9, Canadá.

O financiamento da ciên­cia indiana deverá atingir US$ 2,4 bilhões no próximo ano, equivalentes a 3,6% do orça­mento total do governo, aten­dendo a proposta encaminhada pelo partido do governo ao par­lamento, no final de fevereiro. O governo anunciou também três novas iniciativas: um fun­do nacional para promover a inovação, uma missão tecnoló­gica sobre vacinas e a criação de um conselho nacional de bio recursos para preservar e admi­nistrar os recursos genéticos da Índia.

O orçamento para a ciência não inclui os US$ 399 milhões alocados para projetos de energia nuclear, entre os quais o desen­volvimento de um protótipo de reatorfast-breeder. "Há um au­mento no financiamento, embo­ra não substancial, e os cientis­tas estão contentes", disse Valan­giman Ramamurthi, secretário do Departamento de Ciência e Tecnologia.

Segundo notícia da revista Nature de 4 deste mês de mar­ço, como no passado, os três de­partamentos "estratégicos", de­fesa, energia atômica e espaço, ficam com a parte do leão: 51% dos recursos. O Departamento do Espaço, que está desenvol­vendo um grandé propulsor de foguete criogênico, uma segun­da plataforma de lançamento e

um satélite de transmissão dire­ta de alta potência, terá um au­mento de 16%. Todos os aumen­tos são calculados sobre os valo­res do final do período 1998-99, e não sobre as propostas orça­mentárias iniciais, muito mais elevadas.

O aumento de 32% no orça­mento da energia atômica inclui fundos paradispositivosavança­dos de plasma e um novo centro para matemática aplicada e radi­oastrofisica a ser criado. O setor eletrônico será contemplado com um aumento de 33% no fi­nanciamento à pesquisa, refletin­do a ênfase do governo na tecno­logia da informação. A pesquisa de culturas agrícolas terá um au­mento de 26%.

Dentre as novas iniciati­vas anunciadas, a que se refe­re a inovação prevê a constitui­ção de uma fundação nacional , com financiamento inicial de US$ 5 milhões , para elaborar um cadastro nacional de ino­vadores e ajudar a converter seu trabalho em oportunidades de negócios.

Quanto à missão tecnológi­ca anunciada, ela deverá se con­centrar em novas vacinas. Já o proposto conselho nacional de bio recursos, a ser liderado pelo ministro da ciência, coordenará "políticas, pesquisa, documenta­ção e proteção legal" da riqueza genética do país.

ORÇAMENTO DE CIÊNCIA PROPOSTO PARA 1999·2000 (em US$ milhões)

Selo r 1998-99 (real) 1999-2000

Pesquisa de defesa 550 663

Espaço 359 418

Energia atômica 277 366

Agricultura 229 288

Pesquisa industrial 174 195

Pesquisa médica 143 162

Ciência e tecnologia 132 156

Energia não convencional 72 85

Eletrônica 37 50

Biotecnologia 26 29

Desenvolvimento de oceano 26 26

Total 2.025 2.438

lfi.FAPESP

Page 6: Inventário da vida

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

BIOTA-FAPESP

Em foco, a biodiversidade paulista

Mapear e analisar a biodiversidade do Estado de São Paulo. Esse é o objetivo do pro­grama Biota-FAPESP, o Instituto Virtual da Biodiversidade, que foi lançado oficialmente no dia 25 deste mês, na sede da FAPESP. Ini­ciativa da comunidade científica paulista, o programa tem uma abrangência inédita, não apenas no Brasil, mas internacionalmente. Seu universo de pesquisa compreende toda a fau­na e a flora do Estado de São Paulo - quase 250 mil quilômetros quadrados, o que corres­ponde a um território pouco maior do que a Grã-Bretanha - ,desde os microorganismos até os seres mais evoluídos, tanto no ambiente terrestre quanto no aquático.

Sem sede fixa, o Biota-FAPESP integra, por meio da rede Internet, mais de 200 cien­tistas das universidades públicas, institutos de pesquisa e secretarias governamentais de São Paulo. O orçamento inicial disponibilizado para o programa é de R$ 1 O milhões. Sua pro­posta é fonnarum amplo banco de dados vir­tual, sistematizando infonnações que penni­tam a criação de políticas públicas de conser­vação e uso sustentável da biodiversidade do Estado de São Paulo.

O programa também está organizando todo o conhecimento existente sobre a biodi­versidade da região, que se encontra atualmen­te disperso por inúmeras coleções científicas

, do estado. "O Biota-FAPESP deverá se cons­tituir num paradigma para o estudo na biodi­versidade em todo o Brasi l", afmm José Fer­nando Perez, di retor científico da F APESP.

Auditório lotado O lançamento do Biota-FAPESP lotou

o auditório da Fundação. "Trata-se de um pro­grama que m:te a pesquisa científica com a

política pública voltada para o meio ambien­te", declarou o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, durante a abertura do evento. "É uma iniciativa que atende aos compromissos internacionais as­sumidos pelo Brasil após a ECO 92, como a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Agenda 21 ", acrescentou.

A cerimônia teve a presença de Hernan Chaimovich, pró-reitor de Pesquisa da USP, Ivan Emílio Chambouleyron, pró-reitor de pesquisa da Unicamp, Ricardo Ohtake, secre­tário municipal do Verde e do Meio Ambien­te e Flávio Fava de Moraes, assessor espeéi­al do Governo do Estado de São Paulo, além dos diretores do Conselho Técnico-Admi­nistrativo da FAPESP: Francisco Romeu Landi, Joaquim José de Camargo Engler e José Fernando Perez.

Ao final do evento, ainda foi realizado o lançamento de dois volumes que compõem a série de sete livros que sintetiza o conhecimen­to produzido atél997 sobre a biodiversidade de São Paulo: Fungos Macroscópicos & Plan­tas e Vertebrados. Esses trabalhos são conside­rados os primeiros frutos do Biota-FAPESP.

Riqueza e destruição Os objetivos anunciados pelo novo pro­

grama não são modestos. A biodiversidade de São Paulo é considerada uma das mais ricas do País, tal a variedade que apresenta de ecos­sistemas. Esse fato é conseqüência de o esta­do estar situado numa faixa de transição en­tre a região tropical e a subtropical. "Existem grandes áreas sobre as quais praticamente não temos infonnações", aponta o biólogo Car­los Alfredo Joly, coordenador do programa, acrescentando que, por exemplo, ninguém

6 PESP

conseguiu ainda fazer uma estimativa acura­da de quantas espécies de borboletas, abelhas ou fonnigas existem no estado.

Além de faltarem infonnações, existe o problema da destruição do meio ambiente, que muitas vezes extingue espécies antes mesmo que elas sejam conhecidas pelo homem. Esse aspecto ganha ainda mais urgência em pontos considerados críticos, como a Mata Atlântica, o Alto Rio Paraná e o Rio Tietê.

"O Tietê foi transfonnado numa suces­são de barragens. As suas várzeas foram des­truídas e com isso as espécies migratórias não têm mais condições para encontrar áreas pró­prias para a desova e o crescimento", aponta o biólogo Naércio Menezes, membro da co­ordenação do Biota-FAPESP. "São proble­mas de grande gravidade, que não podem ser resolvidos apenas com medidas paliativas", assinala ele. "É preciso que o conhecimento gerado pelo programa logo seja aplicado em políticas para a conservação e o uso susten­tável do meio ambiente", acrescenta Joly.

O Biota-FAPESP começou a ser esboça­do em 1996, quando a FAPESP foi procura­da por um grupo de cientistas interessados em desenvolver um projeto voltado para a biodi­versidade de São Paulo. A idéia ganhou cor­po no ano seguinte, durante um seminário na cidade de Serra Negra. Com a participação de dezenas de especialistas, a proposta evoluiu para a criação de um amplo programa multi­disciplinar que integrasse uma série de pro­jetas temáticos.

Em 1998, os pesquisadores envolvidos

Como participar do Biota O Biota-FAPESP está aberto a novas propos­

tas de pesquisadores (que tenham o título de dou­tor), podendo as inscrições serem feitas em fluxo contínuo. Os projetas podem versar sobre aspec­tos sociais, econômicos ou culturais da biodiversi· dade do Estado de São Paulo. Obrigatoriamente, as propostas devem ser enviadas por e-mail (aces­so pelo site do programa: www.biotasp.org.br}. O projeto preliminar deve ter um tamanho máximo de três páginas, contendo: • Título do projeto • Coordenador( es) e seus respectivos e-mails (im­prescindível) • Equipe (mesmo que preliminar) • Objetivos e o respectivo enquadramento destes com os objetivos do Biota-FAPESP • Articulação com outros projetosdo Biota-FAPESP • Metodologia- incluindo o compromisso de utiliza· ção do equipamento GPS padrão e a ficha de coleta • Compromisso de permitir a incorporação dos r e· sultados ao Sistema de Informação Ambiental

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na discussão apresentaram o primeiro conjun­to de pré-projetos temáticos, que foi subme­tido à análise de uma assessoria internacio­nal. "A avaliação foi muito favorável. Várias sugestões e críticas foram incorporadas aos projetos", conta José Fernando Perez. Esse foi o mesmo encaminhamento dado às propos­tas apresentadas nos meses seguintes. Até agora, o programa compreende 24 propostas de projetos temáticos. Desse conjunto, nove projetos já estão formalmente aprovados (leia a relação ao final desta reportagem).

Novas abordagens O horizonte do Biota-F APESP, no entan­

to, está longe de uma completa definição. "Já criamos o programa. Agora, é preciso agre­gar novos componentes", afinna Joly, reco­nhecendo que os projetos ainda estão muito concentrados na área biológica. Essa carac­terística foi uma conseqüência quase que na­tural da participação maciça dos especialis­tas da área na fonnulação inicial do progra­ma. "Mas não é possível trabalhar com o uso sustentável da biodiversidade sem levar em conta aspectos sociais, econômicos e cultu­rais", diz o biólogo.

Assim, o programa permite inúmeras outras abordagens temáticas. "É o caso de pro­jetos voltados para as populações que vivem nas proximidades das unidades de preservação ecológica", aponta Joly. "Para essas pessoas, muitas vezes a reserva se transfonna numa espécie de estorvo, pois elas não podem mais explorar os seus recursos. Os projetos poderi­am mostrar como seria possível inverter essa relação, fazendo com que a unidade de preser­vação gerasse empregos para os moradores da região. Um exemplo disso seria a formação de guias ambientais", acrescenta. Outro aspecto com grande potencial a ser trabalho é a legis­lação sobre meio ambiente. "As leis brasilei­ras nessa área avançaram muito, mas ainda existem brechas na legislação", diz o coorde­nador do programa.

Flora e Genoma Embora seja inédito em suas dimensões,

o Biota tem como inspiração outros dois traba­lhos desenvolvidos pelaF APESP. O primeiro é o Projeto Temático Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, desenvolvido com o ob­jetivo de levantar toda a flora com flores dare­gião. Outra iniciativa que serviu como referên­cia para o programa sobre a biodiversidade é o programa genoma-FAPESP. O modelo de ins­tituto virtual do Genoma (que integra mais de 30 laboratórios pormeiodaRedeOnsa)éa base da arquitetura do Biota-FAPESP.

Mas os pontos de conta to entre os dois programas não se resumem ao seu aspecto virtual. "Como a biodiversidade enfoca tam­bém a diversidade genética das espécies, há uma complementaridade entre o Genoma e o Biota", destaca Carlos Alfredo Joly. A expec­tativa é que, no futuro, aconteça um diálogo entre as duas iniciativas. "O aprendizado das

técnicas desenvolvidas pelo Programa Geno­ma será importante para a conservação da bi­odiversidade", afirma o biólogo.

Essa possibilidade ganha ainda mais in­teresse pelo fato de ambas as áreas serem consideradas estratégicas para a ciência con­temporânea. E particularmente para oBra­sil. Afinal, o País é considerado o detentor da maior diversidade biológica do planeta, abrigando entre 15% a 20% do total de es­pécies. Isso tudo mostra o potencial de crescimento do Biota-FAPESP. A sua ampli­tude, contudo, como ressalta o próprio co­ordenador do programa, vai ser definida pela capacidade de organização da comunidade científica.

Nove projetas Nove projetos temáticos já foram apro­

vados formalmente no âmbito do Biota-FA­PESP. O primeiro deles, uma espécie de guar­da-chuva de todo o programa, cuida da ela­boração do seu sistema de informações. De­nominado Consolidação do Sistema de Infor­mação do Programa Biota-Fapesp e o Estu­do da Viabilidade do Desenvolvimento de wn Sistema Geográfico de Informações para o Programa, ele é coordenado por Carlos Al­fredo Joly (Unicamp ).

Já o projeto Diversidade de Peixes de Riachos e Cabeceiras da Bacia do Alto Rio Paraná no Estado de São Paulo tem a coor­denação de Ricardo Macedo Corrêa e Castro, da USP de Ribeirão Preto, e Naércio Mene­zes, do Museu de Zoologia da USP. O tercei­ro projeto tem como tema Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Vegetal do Cer­rado e da Mata Atlântica: Diversidade Quí­mica e Prospecção de Novas Drogas. A co­ordenação é de Vanderlan da S. Bolzani, da Unesp deAraraquara, e Maria Cláudia Marx Young, do Instituto de Botânica. Outro pro­jeto focaliza a Diversidade das Interações entre Vertebrados Frugívoros e Plantas da Mata Atlântica. A coordenação é de Wesley R. Silva, da Unicamp. O quinto projeto apro­vado trata da Diversidade de Zoo plâncton em Relação à Conservação e Degradação dos Ecossistemas Aquáticos do Estado de São Paulo. A coordenação é da pesquisadora Takako Matsumura Tundisi, do Instituto In­ternacional de Ecologia de São Carlos.

O projeto Viabilização da Conservação dos Remanescentes do Cerrado Paulista, por sua vez, tem a coordenação da professora Ma­risa Dantas Bittencourt, do Instituto de Bioci­ências da USP. Já o projeto Conservação e Uti­lização Sustentável da Biodiversidade Vegetal do Cerrado e Mata Atlântica: os Carboidratos de Reserva e seu Papel no Estabelecimento e Manutenção das Plantas emseuAmbienteNa­tural é coordenado por Marcos Buckeridge.

O oitavo projeto, Reconhecimento dos A caros de Interesse Agrícola do Estado de São Paulo e de seus Predadores, é coordenado por Gilberto de Moraes, da Esalq-USP. E o nono projetoaprovado- DiversidadedeMamíferos no Estado de São Paulo - tem a coordenação de Mario de Vivo, da USP de Ribeirão Preto.

PROJETO FLORA Iniciado em 1994, o Projeto Flora Fanerogâmí­

ca do Estado de São Paulo integra 1 05 pesquisado­res de 23 instituições de todo o estado na identifica­ção das plantas com flores da região. De 1 994 a 1 997 eles realizaram 111 expedições científicas e 58 visi­tas a herbários, coletando cerca de 7.500 espécies.

O projeto criou um banco de dados que contém informações sobre os materiais depositados nos her­bários do estado até a categoria de espécie e tam­bém a ocorrência de espécies por municípios e her­bários. As informações fornecidas pelo banco de da­dos oferecem uma lista preliminar de famílias e gê­neros, com número de espécies por gênero e uma I is-

7 p

tagem das espécies que ocorrem no estado. Estas listas sugerem que o estado de São Paulo tem apro­ximadamente 1.500 gêneros e 8.000 espécies de fa­nerógamas. Parte dos resultados da pesquisa pode ser acessado no site do Biota-FAPESP: http:// www.biotasp.org.br.

A iniciativa do projeto Flora Fanerogâmíca foi do professor Hermógenes de Freitas Leitão, que morreu em fevereiro de 1996, quando dirigia uma atividade de campo da pesquisa. "Ele sempre estimu­lou o trabalho feito com base na cooperação entre os pesquisadores. E esse foi um dos princípios da cria­ção do Biota-FAPESP", afirma Carlos Alfredo Joly.

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POlÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

MULTIUSUÁRIOS

Supermicroscópio eletrônico já está funcionando em Campinas

O microscópio eletrônico mais potente da América do Sul já está em funcionamento no novo Laboratório de Microscopia Eletrô­nica (LME), do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. Inaugu­rado no dia 22 de fevereiro, em cerimônia que teve a presença do ministro da Ciência e Tec­nologia, Luiz Carlos Bresser Pereira, o LME foi montado com o apoio daF APESP, através da sua linha regular de auxílio à aquisição de equipamentos multiusuários. Seu principal equipamento, o microscópio eletrônico de transmissão, permitirá a pesquisadores que trabalham com semicondutores, cerâmicas, metais, vidros e polímeros uma análise mais ampla desses materiais e uma melhor percep­ção das interações entre os átomos.

Esse tipo de microscópio emite feixes de elétrons acelerados que penetram nos mate­riais sólidos e reproduzem detalhes de sua estrutura atômica numa tela de computador ou de televisão. "Os elétrons atravessam as amostras como a luz do projetor atravessa slides, mostrando uma espécie de fotografia da posição e da identidade dos átomos do material analisado", explicou o professor Daniel U garte, coordenador do LME.

O resultado é um poder de ampliação de I ,5 milhão de vezes, o suficiente para trans­formar uma fonniga de 4 milímetros em um bicho de 6 quilômetros de comprimento. Mais importante, esse monstro é mostrado nos mínimos detalhes. A capacidade de resolução do microscópio eletrônico de Campinas é de O, 17 nanômetros - um nanômetro é um mi­lionésimo de milímetro - um espaço menor do que o existente entre os átomos da maior parte dos mat~riais.

As possibilidades abertas por esse poder de resolução são muitas. O microscópio do LME pode ser utilizado, por exemplo, para analisar os circuitos de silício e as camadas de isolantes e de semicondutores usados em chips de computadores, além de verificar a eficiência das pequenas partículas de catali­sadores e descobrir falhas e defeitos em ligas metálicas. Em nível experimental, permite o estudo dos nanotubos de carbono, um novo tipo de formação microscópica com boas perspectivas de aplicação na microeletrônica.

Todas as análises são registradas portéé­nicas fotográficas ou por duas câmeras digi­tais de TV instaladas no microscópio e arqui­vadas diretamente em computadores. Com 2, 70 metros de altura, o microscópio de trans­missão de elétrons funciona com tensão de 300 mil volts. O LME também dispõe de dois ou­tros microscópios de varredura, com tensões de 30 mil volts e resoluções de 1,5 e 3,0nanô­metros. As imagens produzidas nesses mi­croscópios são resultantes de sinais emitidos pelos feixes de elétrons que varrem a amos­tra, ponto a ponto. A infra-estrutura do LME inclui, também, os equipamentos necessári­os para preparar amostras de materiais que serão analisados.

Facilidades Para tomar possível o LME, o auxílio à

aquisição de equipamentos multiusuários, desmembrado do Programa de Infra-Estrutu­ra da FAPESP, liberou o equivalente a US$ I ,9 milhão. "Esse laboratório exemplifica a intenção da F APESP de fmanciar equipamen­tos multiusuários", comentou o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor do

Instituto de Física da Universidade Estadual deCampinas(Unicamp)epresidentedoCon­selho Superior da FAPESP. "Escolhemos o LNLS porque lá já existia uma cultura e uma organização para o uso desse tipo de equipa­mento, que serve a toda a comunidade cien­tífica", acrescentou.

Como exemplo da facilidade e do ganho acadêmico trazidos pelo novo microscópio, Brito Cruz lembrou que, no ano passado, foi obrigado a enviar ao México um dos mem­bros do seu grupo de pesquisa sobre quantum dots (uma área de estudo sobre materiais fo­tônicos) para analisar amostras, pois não ha­via como fazê-lo no Brasil. "Nesse tipo de pesquisa, é normal que o trabalho de fazer medidas se prolongue por muitas semanas",

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disse o professor. "Acredito que o novo labo­ratório vai melhorar muito o desenvolvimen­to de materiais no país."

Apesar de estar situado ao lado do LNLS, o microscópio de transmissão funciona de maneira independente. "São duas formas de análise", informou o professor Ugarte. "A luz síncrotron vê a amostra de fonna inteira, como se os átomos e suas estruturas fossem um gru­po de pessoas, enquanto o microscópio pesqui­sa cada pessoa, cada detalhe", completou. Em muitos casos o pesquisador usa as duas técni­cas para examinar o mesmo material.

Energia em fótons A luz síncrotron é um feixe luminoso

que, além da luz visível, agrupa de forma con­densada outras ondas eletromagnéticas, que normalmente não são detectadas pelo olho humano, como os raios X e as radiações in­fravermelhas e ultravioletas . Ela é gerada numamáquinacircularcom 27 metros de diâ­metro e 93 metros de circunferência. Produzi­dos por um acelerador de elétrons no interior do círculo, feixes de elétrons se deslocam num tubo de vácuo a velocidades próximas à da luz.

Quando alguns dos elétrons são desviados de rota por campos magnéticos, a energia neles presente se transfonna em fótons, partículas luminosas de intensidade muito alta, que for­mam a luz síncrotron. A luz sai por diversos pontos situados ao longo do círculo e é desvia­da para estações de trabalho. O LNLS funciona basicamente com pesquisas multidisciplinares. Além de diversos tipos de materiais sólidos, nele também são analisadas amostras de material biológico, como bactérias e vírus.

O LNLS é uma organização civil, man­tida por contrato de gestão assinado com o Mi­nistério da Ciência e da Tecnologia e o Con­selho Nacional de Desenvolvimento Cientí­ficoeTecnológico(CNPq).AFAPESPfinan­c i ou cinco das oito das estações de trabalho I linhas de luz já disponíveis no LNLS - que são o local onde os pesquisadores fazem ex­perimentos com luz síncrotron. Entre julho de 1997 e dezembro de 1998, o laboratório abri­gou 326 projetos de pesquisa. Além de brasi­leiros, de diversos Estados, atendeu pesqui­sadores da Argentina, França, Itália, Rússia e Uruguai .

O LME funciona nos mesmos moldes do LNLS. Para usar seus serviços, os pes­quisadores apresentam seus projetos. Eles são examinados e, se forem considerados viáveis e relevantes, marca-se uma data para que o pesquisador use o equipamen­to. Como no laboratório de síncrotron, é o próprio pesquisador quem vai manipular os instrumentos.

"Todos os usuários são treinados para a etapa de preparação da amostra, com salas e materiais adequados, e para a utilização do microscópio eletrônico", infonnou o profes­sor U garte. "Afinal, o microscópio não é um serviço, mas sim um instrumento da própria pesquisa do interessado."

CONFERÊNCIA

Pesquisa e sociedade As pesquisas científicas e tecnológicas fi­

nanciadas com recursos públicos têm trazido beneficias efetivos à sociedade? Que metodo­logia deve ser usada para avaliar seus impactos sociais e econômicos? Essas questões foram a tônica da conferênciaResearchAssessment and Evaluation, proferida na FAPESP, no dia 25, deste mês, pela doutora Susan Cozzens, profes­sora da Escola de Políticas Públicas do Institu­to de Tecnologia da Georgia, Estados Unidos.

Segundo ela, os métodos de avaliação do impacto social e econômico dos projetos de pesquisa científica e tecnológica devem ser específicos para cada uma das diferentes linhas a que se destinam os financiamentos, sejam eles direcionados à pesquisa aplicada, à ino­vação tecnológica de produtos, à fonnação de recursos humanos ou a projetos desenvolvidos em parceria entre a universidade e a indústria para aperfeiçoamento de processos. A meto­dologia de avaliação deve ser de simples apli­cação e ao mesmo tempo bastante sofisticada, para oferecer informações precisas sobre os resultados da pesquisa segundo a relação cus­to/beneficio dos investimentos realizados.

Outro requisito importante para o conhe­cimento do impacto da pesquisa sobre a socie­dade diz respeito aos próprios pesquisadores. Se eles estiverem interessados em que um novo conhecimento provoque mudanças em detenni­nados grupos sociais, eles precisamestarenvol­vidos com esses grupos, certificando-se da efi­cácia dos canais de comunicação com eles. Se esses canais existem, há pelo menos um indica­dor de que a pesquisa tem impacto positivo.

A conferência, promovida pelaFAPESP, foi também uma oportunidade de fomecs:r novos subsídios para o projeto Avaliação do Impacto da FAPESP no Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado de São Paulo, coordenado pelo doutor Alberto Car­valho da Silva, ex-presidente da Fundação e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Segundo o doutor Alberto, a sua pesquisa começou com a identificação de projetos finan­ciados e dos resultados, em termos econômicos, de produtos ou conhecimentos que passaram a ser utilizados na medicina, em políticas públi­cas e outras áreas. Com base nesse levantamen­to, o grupo de pesquisadores do projeto definiu parâmetros de avaliação e está discutindo como realizar o estudo do impacto.

Para Suzan Cozzens, que também é con­sultora do projeto daFAPESP, São Paulo é um ótimo laboratório para se desenvolver novos métodos de avaliação do impacto da pesqui­sa científica sobre a economia e a sociedade. "O estado tem um nível de economia relati­vamente fácil de compreender quando com­parado a grandes e complexas economias nacionais como a americana, pois tem um número finito de setores da economia para se examinare uma agência financiadora estadu­al como a FAPESP. Esta situação é muito di­ferente da que se vê nos Estados Unidos, onde a pesquisa fundamental é financiada princi­palmente por duas agências nacionais, a Na­tional Institutes ofHealth (NIH) e a National Science Foundation (NSF)". A professora, que já foi ligada à NSF, conclui que São Pau­lo é um dos poucos lugares do mundo com a escala certa para o estudo da conexão entre ati v idades de pesquisa básica e a economia.

Depois de sua segunda visita à Funda­ção desde 1997, a doutora Susan Cozzens participou de discussões sobre o projeto do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da USP, desenvolvido em parceria com o Insti­tuto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), e sobre o projeto Políticas Públicas para Inovação Tecnológica na Agricultura do Estado de São Paulo: Métodos para Avaliação de Impactos e Priorização da Pesquisa, do Departamen­to de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, atualmente em análise no âmbito do Programa de Pesquisa em Políticas Pú­blicas da FAPESP.

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PROJETO TEMÁTICO

O estudo do transporte e regulação do íon cálcio no coração é um tema que vem mobili­zando, há mais de dez anos, o Laboratório de Pesquisa Cardiovascular(LPCv) da Universi­dade Estadual de Campinas (Unicamp). Um novo projeto temático, Transporte de cálcio em miócitos ventriculares de ratos durante o de­senvolvimento pós-natal, financiado pelaFA­PESP, está ampliando, com resultados anima­dores, os conhecimentos nessa área. "Impor­tantes conclusões estão previstas para o pró­ximo ano", informa o pesquisador José Wil­son Magalhães Bassani, diretor do Centro de Engenharia Biomédica e professor da Facul­dade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp, coordenador do projeto.

A importância do projeto é maior do que parece à primeira vista. O íon cálcio é respon­sável pela contração do músculo cardíaco. Há fortes indicações de que muitas doenças que levam a insuficiências nas funções do cora­ção, como hipertensão arterial, isquemia mi­ocárdica, hipertrofia e distúrbio de ritmo, es­tão ligadas a alterações nos transportadores de cálcio. Para caracterizar definitivamente essas alterações, porém, é preciso pesquisar de maneira mais profunda os mecanismos bá­sicos da célula sadia.

É justamente este o objetivo do projeto, iniciado há três anos. Até o fim de 1999, ele pretende apresentar uma descrição quantita­tiva precisa e completa da participação rela­tiva dos transportadores de cálcio em animais jovens e recém-nascidos. Os objetivos do pro-

ENGENHARIA BIOMÉDICA

Dentro do coração

jeto ficam dentro da pesquisa pura. Mas não há dúvidas de que suas descobertas poderão levar, posterionnente, a pesquisas sobre tra­tamentos mais eficazes para os problemas car­díacos, responsáveis, segundo dados da Fun­dação Interamericana do Coração (IHF), por 34% das mortes que ocorrem no Brasil.

Metodologia O projeto, mesmo no estágio atual,já tem

o que mostrar. Por exemplo, para sua realiza­ção, foi desenvolvida uma metodologia total­mente nova. Esse desenvolvimento foi rea­lizado no laboratório do professor Donald Martin Bers, na Universidade Loyola, em Chicago, nos Estados Unidos, com a partici­pação de Bassani e da doutora RosanaAlma­da Bassani, também da Unicamp. O desdo­bramento desse trabalho no Brasil também contou com um financiamento da FAPESP.

Nas primeiras etapas do projeto temáti­co, os pesquisadores se concentraram no de­senvolvimento e aprimoramento de métodos e instrumentos destinados a pennitir que fos­sem medidas as participações relativas dos diversos mecanismos de transporte de cálcio nas células cardíacas, além da parte liberada pelo retículo sarcoplasmático, a principal fonte do cálcio destinado às contrações do músculo existente nessas células.

Além do estoque de cálcio existente no retículo sarcoplasmático, as células contam com vários mecanismos para o transporte do íon, como as bombas de cálcio existentes no

retículo e na membrana das células, a troca sódio-cál­cio e o transportador mitro­condrial. Todos esses fato­res estão sendo pesquisa­dos como parte do projeto.

Contração O íoncálcio tem diver­

sas funções no organismo. Ele regula a transcrição ge­nética e controla a produção deenergianascélulas. Uma de suas funções mais impor­tantes, porém, é controlar o processo de contração do coração, que bombeia o sangue para todo o organis­mo. "Oíoncálcioatuacomo fator de ligação entre a ex­citação elétrica e a contra­ção em células musculares cardíacas, além de modular a força desenvolvida pelas células", explica o profes­sor Bassani.

Uma falha no processo pode ter conse­qüências fatais. Estudos recentes documen­taram uma ligação entre a hipertensão seve­ra, um estado que pode levar ao aumento exa­gerado e à falência do coração, e alterações no processo de ligação entre excitação e con­tração, especialmente com relação à quanti­dade de cálcio liberada pelo retículo sarco­plasmático, onde fica seu estoque principal. "Esse é o conceito que temos defendido como possível explicação alternativa para o contro­le do inotropismo (função contrátil) cardía­co", afirma o professor.

Em estudos anteriores, o grupo de traba­lho da Unicamp detenninou, a partir de pes­quisas em coelhos adultos, que, durante uma contração, cerca de 70% do cálcio é trans­portado pelo retículo sarcoplasmático, 28% pela troca sódio-cálcio e apenas 2% por me­canismos mais lentos, como as bombas de cálcio da membrana e os transportadores mi­tocondriais.

"Essas participações podem ser muito di­ferentes em animais jovens ou recém-nasci­dos", comenta o professor Bassani, "e o impac­to de tratamentos que afetem o transporte de cálcio será certamente dependente da impor­tância relativa dos diversos transportadores." Daí a importância do trabalho em curso.

Fluorescência Várias etapas do projeto já foram venci­

das. Uma delas foi a detenninação dos sítios de ligação passiva dos íons, os chamados

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buffers de cálcio, no interior das células. Outras foram a determinação de parâmetros e o desenvolvimento de métodos de calibra­ção do sinal de fluorescência usado para medir as concentrações intracelulares de cálcio.

A metodologia das pesquisas envolve o isolamento de células cardíacas, ou miócitos, por digestão enzimática; medição de corren­tes iônicas por patch-clamps (técnica que uti­liza microeletrodos para essa medição); me­dição de encurtamento celular por detecção de borda de sinal de vídeo e de concentração intracelular de cálcio por fluorescência.

De acordo com Bassani, os pesquisado­res, a certa altura, depararam com a necessi­dade de desenvolver uma técnica própria de estimulação elétrica. Essa nova técnica já le­vou a dois subprodutos: um modelo matemá­tico, com base na teoria eletromagnética, para explicar o processo de excitação elétrica das células de animais recém-nascidos; e um es­timulador elétrico de alta potência.

"A partir de agora, não só o nosso labo­ratório, mas outros, no Brasil e no exterior, poderão beneficiar-se do conhecimento de que miócitos de animais neonatos podem ser estimulados eletricamente, por campo elétri­co, desde que se usem estimuladores capazes de fornecer correntes superiores a 500 mili­amperes", afinna o professor da Unicamp. Essa corrente, superior a 500 miliamperes, é cerca de dez vezes maior que a necessária para estimular miócitos de animais adultos nas mesmas condições.

Há mais. A equipe desenvolveu um mi­crofotômetro, instrumento completo ( ópti­co, mecânico e eletrônico) para medir a con­centração de cálcio no interior das células, mais compacto e, aparentemente, mais ade­quado aos ambientes hospitalares do que equipamentos importados. O aparelho, ca­paz de monitorar a concentração intracelu-

PARTICIPAÇAO DOS TRANSPORTADORES DE CÁLCIO NO VENTRÍCULO DE RATOS

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Nesta espécie, o retículo sarcoplasmático (RS) contribui com 91 ,3% do fluxo total de cálcio transportado durante uma contração. A troca sódio/cálcio (NCX) participa com 5,6%, e o restante do transporte (3, 1 %) é feito pelo trabalho conjunto dos outros mecanismos mais lentos

!arde cálcio numa célula isolada, é uma das melhores opções nesse campo, inclusive em nível internacional.

Considerando-se que o projeto ainda não chegou ao final, são resultados amplos e importantes. Muitos outros, provavelmen­te, vão aparecer até o projeto chegar à sua conclusão, no fim do ano que vem.

Além do professor Bassani, a equipe multidisciplinar envolvida no projeto temá­tico inclui RosanaAlmada Bassani, biólo-

O íon que faz o coração se contrair

ga, mestre em Ciências Biológicas e dou­tora em Ciências, da Unicamp, que atua como v ice-coordenadora do projeto; o pro­fessor Aníbal Vercesi, médico, doutor em Ciências, da Unicamp; Márcia Fagian, bi­óloga, doutora em Ciências, da Unicamp; o professor Carlos Marcelo Gurjão de Go­doy, engenheiro-eletrônico, da Universida­de de Moji das Cruzes; e o professor Paulo Alberto Paes Gomes, fisico, da Universida­de de Moji das Cruzes. Nos Estados Uni­dos, o projeto tem o apoio do professor Do­nald Martin Bers, da Universidade Loyo­la, de Chicago.

Participam ainda os alunos de douto­ramento Sandro Aparecido Ferraz, tecnó­logo em saúde, e Josemar Gurgel da Costa, biólogo; os alunos de mestrado Katherine Almeida Lima, engenheira-eletrônica, e Nivaldo Zafalon Júnior, tecnólogo em saú­de; e, em iniciação científica, os estudan­tes Christianne Basílio e Silva, Gustavo Shingai Sinzato e Ana Carolina Silveira. Fornecem apoio técnico Alexandre Tedes­chi, técnico em eletrônica, Gílson Barbosa Maia Júnior, biólogo, e Rubia Franchi, es­tagiária em Bioquímica.

Quando o coração é ativado eletricamente, o íon cálcio entra nas células cardíacas, por meio dos canais de cálcio, desempenhando dois papéis: ativar diretamente o mecanismo de contração e provocar a liberação maciça de cálcio vindo doses­toques existentes no retículo sarcoplasmático.

A concentração intracelular de cálcio eleva-se, então, do nível de repouso para um pico, de cerca de dez vezes maior. O íon liga-se a proteínas contráteis e o processo de contração é desencadeado. O cálcio é removido do citoplasma por transportadores, a concen­tração volta ao nível de repouso e o ciclo se repete.

O papel dos transportadores é fundamental para que a concentração de cálcio na célula au­mente e volte aos níveis iniciais após a ativação elétrica, constituindo uma variação transitória cha­mada transiente de cálcio. O tempo em que ocor­re o processo e a ampliiude do transiente de cál­cio determinam a força desenvolvida e a potência da contração do músculo cardíaco.

Os estudos para a medição de cálcio dentro das células ganharam força a partir de 1985, quan­do empresas dos Estados Unidos colocaram no mercado indicadores de cálcio mais eficientes e que podiam ser usados mais facilmente. Os indi­cadores, atualmente, são fluorescentes e emitem luz quando a célula é iluminada com luz ultraviole­ta. Quanto maior a quantidade de cálcio, mais in­tensa é a luz emitida.

O controle das contrações do músculo car­díaco não é a única função do íon cálcio no orga­nismo. Ele tem importantes funções como mensa­geiro intracelular. Sinaliza processos vitais no or­ganismo e pode ser mobilizado de fontes tanto dentro como fora das células.

Entre as atividades reguladas pelo cálcio, es­tão a divisão das células, a transcrição genética e a produção de energia celular. Mas seu excesso repre­senta um perigo. Uma sobrecarga de cálcio, por pe­ríodos prolongados, pode levar à morte da célula.

Perfil: O professor José Wilson Magalhães i tem 45 anos. Bacharelou­se em Ciências de Com utação e fez mestrado e doutorado em Engenharia Elétrica e Biomédica na Unicamp. Depois de um pós­doutoramento Universidade da Cal' mia, em Riverside, foi professor-assistente da Un1 idade Loyola, em Chicago, nos Estados Unidos. Atualmente, é prole livre-docente do Departamento de Engenharia Biomédica da Faculdade Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp e dirige o Centro de Engenharia Biomédica.

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CIÊNCIA

GENOMA-FAPESP

No time dos grandes

A manhã de 26 de março de 1999, uma sexta-feira,já entrou para a história da ciên­cia brasileira. Nesse dia, no auditório daFA­PESP, foi oficialmente finnado o acordo de cooperação entre a Fundação e o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, insti­tuição internacional sediada em Nova York, com filiais em várias cidades do mundo, sen­do uma delas em São Paulo. Para assinar o contrato de cooperação, que prevê o inves­timento de US$ I O milhões, nos próximos dois anos, no projeto Genoma Humano do Câncer - marcando, assim, a entrada do país nas pesquisas internacionais sobre ge­noma humano-, estiveram presentes o pre­sidente da F APESP, Carlos Henrique de Bri­to Cruz, e o presidente do Instituto Ludwig, Edward McDermott, que veio dos Estados Unidos especialmente para selar a parceria.

De acordo com o contrato, metade da verba destinada ao projeto sairá da FAPESP e os outros 50% serão alocados pelei Instituto Ludwig. "Esse acordo é um reconhecimento da qualidade das pesquisas feitas no Brasil, sobretudo no Estado de São Paulo", disse Brito Cruz. "Por isso, foi fácil tomar a deci­são de estabelecer essa parceria", afirmou McDennott. Também estiveram presentes à cerimônia de assinatura da parceria o vice­govemador do Estado, Geraldo Alckmin, o secretário estadual da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, José Aníbal, o secretário estadual da Saúde, José da Silva Guedes, o secretário do Desenvolvimento Científico do Ministério da Ciência e Tecno­logia, F emando Reinach, os di retores da FA­PESP Francisco Romeu Landi, José Fernan­do Perez e Joaquim José de Camargo Engler,

e o presidente do Instituto Ludwig em São Paulo, Ricardo Brentani.

O Genoma Humano do Câncer, primeira iniciativa brasileira e do Programa Genoma da FAPESPa trabalharcomocódigo genético da espécie humana, tem como objetivo gerar en­tre 500 e 750 mil seqüências de genes (totali­zando 200 milhões de pares de bases) a partir de material retirado dos tumores de maior in­cidência no Brasil - cabeça e pescoço (que representam um quinto dos casos do Estado de São Paulo), gástricos (cerca de 8% do total de casos do país) e colo do útero (também apr0-ximadamente 8% dos casos do país). Os pes­quisadores esperam que, uma vez tenninado esse trabalho dé seqüenciamento de genes, as infonnações obtidas no projeto possam ser de grande valia no futuro para o tratamento, cura e prevenção desses tipos de câncer e que elas representem uma contribuição inédita da ciên­cia nacional na corrida global pelo mapeamen­to do todos os genes que fonnam o Homo sa­piens sapiens. Todos os resultados obtidos no projeto serão repassados para bases de dados públicas, a fim de que qualquer pesquisador possa usá-los em prol da ciência.

O método Orestes O Genoma Câncer dispõe de seis máqui­

nas seqüenciadoras de genes, das quais duas já estão em uso e produzindo os primeiros re­sultados. Esses novos aparelhos têm uma ca­pacidade de geração de seqüências dez vezes maior do que a dos equipamentos usados no projeto GenomaXyllela - aXylella fastidio­sa é a bactéria causadora da Clorose Variega­da dos Citros (CVC), praga popularmente conhecida como amarelinho, que ataca um

!!IAPESP

terço dos laranjais paulistas - , primeira iniciativa da FAPESP no âmbito do Progra­ma Genoma.

Embora o novo desafio seja grande, os pesquisadores estão otimistas e trabalham com uma ponta de orgulho adicional no Ge­noma Câncer. Isso porque o trabalho está sendo feito com a ajuda de um novo método de seqüenciamento de genes descoberta no Brasil, batizada de ORESTES, em inglês OpenReading Frames ESTs (Expressed Se­quence Tags). Esse método foi desenvolvi­do por Andrew Simpson, do Instituto Lu­dwig de São Paulo e coordenador do Geno­ma Câncer (veja detalhe no encarte). O con­trato de cooperação, inclusive, também es­tabelece que a patente nos Estados Unidos do novo método de seqüenciamento é do Lu­dwig, mas que os ganhos com royalties re­ferentes ao uso comercial da metodologia ORESTES serão divididos meio a meio en­tre essa instituição e a FAPESP.

Para Fernando Reinach, o projeto Ge­noma Humano do Câncer evidencia a ma­turidade da FAPESP no campo da biologia molecular. Segundo ele, no primeiro proje­to de genoma da FAPESP, o daXyllela, ha­via o medo de que os pesquisadores brasi­leiros não tivessem capacidade de levar a cabo uma iniciativa desse porte. Por isso, na ocasião, optou-se por seqüenciar um orga­nismo importante para a lavoura paulista, porém pequeno e sobre o qual não houvesse disputa com laboratórios internacionais. "Mostramos que temos competência e, com uma técnica revolucionária e brasileira, en­tramos no time dos grandes jogadores. Ago­ra, vamos trabalhar sobre o organismo mais estudado e onde há mais competição entre laboratórios públicos e privados no mundo, o ser humano. Acho que temos condições de entrar para fazer um estrago, no bom senti­do", afinnou Reinach. "Ninguém nos con­vidou para essa festa (a da corrida pelo se­qüenciamento do genoma humano), mas nós entramos nela. Talvez não sejamos nem bem-vindos, mas vamos em frente" , disse Simpson.

Rede virtual O Genoma Humano do Câncer usará

uma estrutura de funcionamento semelhan­te à empregada no projeto da Xyllela, lan­çando mão da rede virtual de laboratórios do Estado de São Paulo, ONSA (Organiza­ção para Seqüenciamento de Nucleotíde­os). A coordenação geral dos trabalhos fi­cará a cargo do Instituto Ludwig de São Paulo, sob o comando de Simpson, ao qual estarão ligados via Internet os cinco centros responsáveis pela tarefa de seqüenciar os genes humanos : Instituto de Química da USP, Universidade Federal de São Paulo, Faculdade de Medicina da USP, Universi­dade Estadual de Campinas e Fundação He­mocentro de Ribeirão Preto. Cada centro terá quatro laboratórios interligados a ele,

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que terão a incumbência de manter as má­quinas abastecidas com material a ser ana­lisado geneticamente. Os laboratórios inte­ressados em participar do projeto podem se candidatar preenchendo um fonnulário que pode ser acessado na página daFAPESP na Internet (www.fapesp.br).

"A rede ONSA foi criada para o proje­to daXyllela e hoje foi incorporada ao Pro-

grama Genoma. Ela é eficiente e barata, pois não gastamos nenhum dinheiro cons­truindo prédios para abrigar nossos proje­tos", comentou José Fernando Perez, dire­tor científico da FAPESP. O vice-governa­dor, Geraldo Alckmin, afirmou que o Ge­noma Câncer ajudará a descobrir a cura de doenças, aumentanto assim a qualidade de vida das pessoas.

·no Humano do Câncer

Presidente do Ludwig fala da parceria Notícias FAPESP · Por que o Instituto Ludwig

decidiu patrocinar o projeto Genoma Humano do Cân· cer, da FAPESP?

Edward McDermott · Porque ele tem um apelo imediato. Estamos muito preocupados com o fato de que há vários projetos internacionais sobre o Genoma Humano nos quais estão sendo patenteadas seqüên· cias de genes sem que esse novo conhecimento este· ja necessariamente associado a iniciativas em prol da coletividade. Nós achamos que as seqüências de ge· nes são um tipo de conhecimento que deve estar inte· gralmente à disposição da comunidade científica inter­nacional, em bases de dados públicas. Ao apoiar o pro­jeto da FAPESP, estamos possivelmente contribuindo com uma iniciativa que visa reduzir o caminho percor­rido até a descoberta dos genes e que pode represen­tar uma contribuição material nesse esforço global em busca do Genoma Humano.

NF- O senhor acha que essa nova técnica de se­qüenciamento de genes, chamada de ORESTES, repre­senta uma revolução na busca pelo Genoma Humano?

EM -Isso somente o tempo dirá, mas, com certe­za, estamos muito entusiasmados com ela. Achamos que ela dará conta do tipo de trabalho necessário para a realização do projeto Genoma Humano do Câncer. Es­tamos muito esperançosos e aguardando seus primei­ros resultados. Daqui a dois meses, os resultados inici­ais devem começar a ser publicados, mais laboratórios entrarão no processo de seqüenciamento de genes e, dentro de um ano e meio, esperamos ter as informações genéticas de que precisamos. ORESTES é uma técni­ca nova, que está sendo usada apenas no Brasil. Pelo acordo que temos com a FAPESP, o Instituto Ludwig detém a patente dela, mas se compromete a repassar à FAPESP metade dos ganhos referentes aos royalties récebidos pelo uso dessa técnica em projetos comerci­ais, que não trabalhem com o Genoma Humano.

NF- Andrew Simpson, coordenador do Genoma Câncer, diz que, com este projeto, o Brasil entra, pos­sivelmente sem ser convidado, na festa do Genoma Humano, um campo de pesquisa muito competitivo e basicamente restrito a instituições públicas e privadas dos países do Primeiro Mundo. O senhor concorda com essa visão dele?

EM- É sempre bom entrar sem ser convidado numa festa (diz, rindo). Agora, falando a sério. Nós con­fiamos no trabalho feito pelos brasileiros, especialmente os envolvidos neste projeto. Foi, portanto, para nós, do Ludwig, uma decisão fácil e natural optar por esta par­ceira com a FAPESP. Decidimos tocar este projeto no Brasil, mais especificamente em São Paulo, porque foi aqui que a nova técnica foi descoberta. Para nós, pare­cia apropriado que as pessoas que tinham sido as res­ponsáveis pela descoberta tivessem a chance de exer­citar essa técnica. Além disso, o doutor Simpson e seus

colegas do projeto Genoma da Xyllela fastidiosa já ti­nham demonstrado competência para organizar uma rede virtual de laboratórios e tocar um esforço de se­qüenciamento genético, o que tornou a decisão ainda mais fácil. Além disso, fomos, desde o início, muito en­corajados pelo suporte dado pela FAPESP. Isso foi muito importante. Em agosto de 98, este projeto foi apresentado à administração do Instituto Ludwig, nos Es­tados Unidos. Na primeira semana de setembro, num sábado, tivemos um encontro com o professor José Fer­nando Perez (diretor científico da FAPESP) em Nova York. Havia cientistas do Instituto Ludwig de todo o mun­do que havíamos levado para lá a fim de ouvir as expli­cações do doutor Simpson sobre o novo método e nos dar uma opinião sobre a técnica. Desde então, estamos convencidos dos méritos da nova técnica e entramos numa corrida para viabilizar este projeto e chegarmos ao ponto em que ele se encontra neste momento. Hoje há uma corrida global em busca do Genoma Humano. Cada dia são geradas novas seqüências de genes e todos sabemos que há urgência em tornar públicas as informa­ções sobre o código genético. Temos, portanto, cada vez menos tempo para realizar essa tarefa.

NF- O projeto Genoma Humano do Câncer tem duração prevista de dois anos. Esse tempo é realmen­te suficiente para essa tarefa? O Instituto estaria dis­posto a patrocinar o projeto por mais algum tempo?

EM- De acordo com o que lemos na imprensa, os prazos nos projetos de Genoma Humano estão ficando cada vez menores, e não maiores. Por isso, no caso do Genoma Câncer, tudo vai depender de quão eficiente será a metodologia ORESTES e dos progressos obtidos nessa área pelos projetos internacionais que usam ou­tras técnicas. Vamos monitorar os passos de Genoma Câncer com a FAPESP, mas, em princípio, nosso com­prometimento é de dois anos com a iniciativa, tempo que

julgamos suficiente para concluir o trabalho. NF- O Instituto Ludwig participa de outros proje­

tos de Genoma Humano similares ao da FAPESP em alguma outra parte do mundo?

EM - Estou no instituto há dez anos e nós nunca fizemos algo assim. É uma oportunidade única para nós. Como eu já disse, tomar essa decisão foi muito fácil e estamos muito contentes com a parceria com a FAPESP.

NF- O senhor acha realmente que o ser humano corre o risco de ter seus genes patenteados por empre­sas privadas nessa corrida pelo Genoma da espécie?

EM -É um tema realmente controverso entre os cientistas. Há governos e empresas privadas fazendo seqüenciamentos de genes. Às vezes, alguém quer patentear uma seqüência, mesmo sem saber para o que ela serve, qual é sua função, apenas com o intuito de tentar garantir algum ganho no futuro. Não acho que seja adequado requerer essas patentes.Aiém disso, vai depender do sistema jurídico de cada país o reconhe- . cimento ou não dessas patentes no futuro.

NF- O senhor tem idéia do como está essa dis­puta entre as empresas privadas e os institutos de pes­quisa pública?

EM-É muito difícil saber como está realmente essa corrida. Na semana passada, os cientistas envolvidos no projeto Genoma dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA anunciaram que eles esperam terminar na prima­vera no próximo ano (do Hemisfério Norte) o primeiro rascunho das sequências de todos os genes humanos. Antes desse anúncio, o prazo mais otimista para concluir esse trabalho era dezembro de 2001. Ninguém sabe se os cientistas estão exagerando em suas previsões, mas o fato é que os progressos nessa área não param de acon­tecer. Isso faz com que o Genoma Câncer da FAPESP tenha cada vez menos tempo para dar sua contribuição ao esforço global de mapeamento dos genes humanos.

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PROJETO TEMÁTICO

O Brasil tem um problema sério: ades­nutrição infantil, que atinge 31% das suas cri­anças com até cinco anos. E, pelo menos, par­te da solução: aumentar a produção e o con­sumo de leite, um dos alimentos mais com­pletos que existem. Não é tarefa impossível. O Brasil produz cerca de 20 bilhões de litros por ano. Os Estados Unidos, com rebanho leiteiro menor, produzem três vezes e meia mais, 70 bilhões de litros. O consumo médio diário de leite no Brasil é de 200 mililitros, menos de um copo. O recomendado é cinco vezes mais, um litro por dia.

Para aumentar a produtividade e estimu­lar o consumo, um dos caminhos mais efica­zes é controlar as doenças mais comuns das vacas leiteiras. Assim, as vacas proçluziriam mais e melhor, com os mesmos investimen­tos em animais, pessoal e instalações. Já se tra­balha muito nesse campo. Em São Paulo, o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Glândula Ma­mária e Produção Leiteira (NAPGAMA), órgão ligado à Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), realiza, desde 1990, um trabalho intensivo para au­mentar e melhorar a produção de leite.

VETERINÁRIA

Trabalho de base No fim do ano passado, os pesquisado­

res do NAPGAMA completaram o projeto temáticoMastitelnfecciosaBovina, um tra­balho de quase cinco anos que contou com um financiamento de R$ 105 mil da FA­PESP. O assunto é muito importante. Amas­ti te infecciosa, a doença que mais atinge os rebanhos leiteiros no mundo todo, é também a que causa os maiores prejuízos à produção leiteira. No Brasil, cerca de 72% das vacas leiteiras têm pelo menos uma das quatro glândulas mamárias do úbere atingidas pela infecção. Mesmo nos Estados Unidos, o ín­dice chega a 40%.

Os resultados do projeto temático estão apenas começando a aparecer. Mas tudo in­dica que vão superar as expectativas. Além de levar à publicação de mais de 50 artigos, em revistas brasileiras e internacionais, o proje­to destruiu mitos importantes com relação à mastite e levou à revisão de vários conceitos, inclusive alguns antes aceitos internacional­mente. A extensa lista dos microorganismos responsáveis pelamastite cresceu. Além dis­so, os frutos do trabalho já iniciaram uma transformação que vai resultar, certamente,

Elizabeth Oliveira da Costa: a pesquisa destruiu mitos importantes com relação à mastite e deu origem a projetos de educação sanitária

numa maior disponibilidade de leite de me­lhor qualidade no país.

Conscientização Uma das principais conclusões do pro­

jeto é que a solução do problema passa, ne­cessariamente, pela educação. Sendo uma doença infecciosa, a mas ti te é transmitida fa­cilmente de um animal para outro, se as pessoas responsáveis pelas vacas não toma­rem muito cuidado, especialmente na fase da ordenha. "O controle da mastite bovina e, conseqüentemente, o incremento na produ­ção e na qualidade do leite, só poderá ser atingido pela conscientização do problema e pela adoção de medidas que visem minimi­zar a ocorrência dessa afecção em proprieda­des leiteiras", diz a pesquisadora Elizabeth Oliveira da Costa.

A professora Elizabeth tem condições para falar com segurança. Doutora em Imu­nologia e Microbiologia, ela é titular de Epi­demiologia de Doenças Infecciosas da Facul­dade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USPecoordenadoradoNAPGAMA.Foiela quem coordenou o projeto temático apoiado pelaF APESP. O volume de dados obtido pelo projeto é impressionante. De 1993 a 1998, seus pesquisadores realizaram cerca de 300 mil exames de diagnóstico da mas ti te, em 280 estabelecimentos leiteiros de 155 municípi­os em São Paulo, Minas Gerais e Bahia.

A conscientização, acredita a professo­ra Elizabeth, deverá vir de um esforço con­junto, do qual participariam, além dos produ­tores, seus órgãos de classe, as cooperativas, as empresas que trabalham com leite, técni­cos como veterinários, zootecnistas, agrôno­mos, universidades, institutos de pesquisa, órgãos públicos e as indústrias farmacêuticas e de equipamentos que atuam no setor. Mes­mo depois, o trabalho não estará terminado. "Para atingir-se eficiência real na produção leiteira de um país, é importante monitorar a saúde animal, uma vez que ela influi direta­mente no rendimento da produção e na qua­lidade do leite", afirma a professora.

Por enquanto, como demonstrou a pesqui­sa, a falta de infonnação entre os produtores é a principal barreira para o controle da mas ti te in­fecciosa. Essa doença pode ter origem traumá­tica, metabólica ou fisiológica. O pior é que o processo inflamatório da glândula mamária, causado por microorganismos, não se limita a prejudicar os animais e a alterar a própria com­posição do leite. Pode provocar doenças sérias nas pessoas que consomem o leite contamina­do, como meningite, brucelose e septicemias. Nas vacas, além da perda das glândulas mamá­rias, provoca abortos e mesmo a morte.

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De acordo com o NAPGAMA, o índice de cura espontânea da doença é muito baixo, não passando de 25% do total. Quando a do­ença evolui, causa a perda da glândula mamá­ria do animal, que deixa de produzir leite. Al­tamente contagiosa, passa para as outras glân­dulas mamárias do úbere e para outros ani­mais. Nos Estados Unidos, calcula-se que a doença causa um prejuízo médio anual de US$ 180 a US$ 200 por vaca. No Brasil, não há uma estimativa geral. Mas levantamentos regionais realizados pelo NAPGAMA chega­ram a índices de cerca deUS$ 330 por vaca/ ano, nas regiões que abrangem o estado de São Paulo e o Sul de Minas Gerais, enquanto o custo com as medidas preventivas seria de apenas US$ 25/vaca/ano (figura I).

Controle Os dados obtidos pelo projeto temático

já estão contribuindo para a colocação em prá­tica de programas de controle da mastite in­fecciosa e da qualidade do leite. "E vão contri­buir muito mais", diz a professora Elizabeth. Além disso, pesquisas desenvolvidas a partir do projeto estão levando a um controle melhor da doença, por meio de medidas preventivas, nas regiões estudadas.

As medidas são várias. Algumas se apli­cam aos animais em lactação, outras aos ani­mais em período seco, quando não estão pro­duzindo. Outras envolvem aspectos da nutri­ção das vacas, higiene na ordenha, ações te­rapêuticas e mesmo relacionadas com o meio ambiente. As pesquisas dizem respeito a vá­rios campos ligados à produção de leite e às glândulas mamárias dos bovinos, como epi­demiologia, manejo, nutrição, microbiologia e tecnologia de alimentos lácteos.

Um dos resultados das pesquisas foi des­fazer vários mitos correntes entre os pecua­ristas. Por exemplo, acreditava-se que a vaca

MASTITE

ordenhada com o bezerro por perto, e maman­do depois da ordenha, não adquiria mastite. Errado. Não há diferença estatisticamente significativa na incidência da mas ti te, esteja o bezerro mamando ao pé da vaca, ou não. O que há é uma incidência elevada de mastite subclínica, isto é, que não apresenta sintomas aparentes, como inchaço da glândula, entre as vacas cujos bezerros mamam depois da or­denha.

Há outros casos. Por exemplo, acredita­va-se que novilhas na primeira cria não apa­nhavam a doença. Os dados - inclusive já publicados em revistas científicas de circu­lação internacional- mostram, ao contrário, ocorrência alta de infecções intramamárias entre esses animais. Outro mito, de que a in­gestão elevada de proteínas prejudicava as glândulas mamárias das vacas, também foi destruído pelos resultados do projeto.

PERDAS

• US$ 329,34/ vaca I ano

• US$21.617,93/propriedade/ano

Higiene na ordenha O que ficou comprovado é que higi­

ene é fundamental. Nenhuma variável exerceu maior influência sobre a ocorrên­cia de mastite do que o manejo - o tra­balho colheu dados em vários tipos de ordenha, manuais e mecânicas. Daí a im­portância do traba lho educacional e de conscientização, que já começou, com palestras para técn icos, veterinários, agrônomos, zootecnistas e proprietários das fazendas.

A própria professora Elizabeth coorde­nou um projeto de educação sanitária para ordenhadores e retireiros, os trabalhadores da li nha de frente da produção leiteira, atra­vés de cursos de treinamento sobre higiene e técnicas de ordenha. "Procuramos mostrar aos trabalhadores do campo que o mesmo leite que salva da desnutrição pode provo-

Núcleo paulista serve de base para rede nacional Apenas alguns anos depois de inaugura­

do, o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Glândula Mamária e Produção Leiteira (NAPGAMA) já pode ser considerado um centro de excelência no selar leiteiro. Em suas instalações, no cam­pus administrativo da Universidade de São Pau­lo (USP) em Pirassununga, a 225 quilómetros de São Paulo, são desenvolvidas atividades acadêmicas que já resultaram na elaboração e defesa de diversas teses de mestrado e douto­rado.

Agora, o NAPGAMA está partindo para um projeto mais ambicioso, a criação de núcleos si­milares em outras regiões do Brasil. O objetivo é criar, no futuro, um programa de âmbito nacio­nal, com a participação dos criadores de gado leiteiro.

"O núcleo foi criado em 1990 com o objeti­vo de desenvolver pesquisas em um setor con­siderado de prioridade pública, a produção lei-

teira no Estado de São Paulo", lembra a coorde­nadora do núcleo, professora Elizabeth Oliveira da Costa. A criação do NAPGAMAcoincidiu com a adoção, pela USP, de uma nova filosofia, a de reunir especialistas para a participação em pro­gramas multidisciplinares e integrados com a co­munidade.

Pouco mais de um ano depois, em 16 de de­zembro de 1991 , os laboratórios do novo centro de estudos já estavam instalados em Pirassu­nunga. A Reitoria da USP colaborou com refor­mas, a prefeitura do campus de Pirassununga forneceu a mão-de-obra e a prefeitura da Cida­de Universitária cedeu um automóvel para pes­quisas de campo. Bolsas de aperfeiçoamento agilizaram o fluxo na pós-graduação. Algumas te­ses, por exemplo, foram concluídas em um ano e oito meses.

A partir do projeto temático Mastite Infeccio­sa Bovina, financiado pela FAPESP, o NAPGAMA

ampliou suas pesquisas, realizadas no campus de Pirassununga e em propriedades particulares. Além disso, montou a infra-estrutura para o de­senvolvimento dos estudos experimentais. Tem agora uma sala de ordenha, mini estábulo e pi­quetes de pasto, onde são mantidos os animais usados nas experiências.

No dia 21 de outubro de 1998, o núcleo lan­çou a Revista NAPGAMA, durante a Expomilk, o principal encontro ligado à produção leiteira no Brasil. A revista, bimensal, com circulação de 5 mil exemplares, divulga as pesquisas realizadas pelo NAPGAMA e outras instituições ligadas à produção leiteira.

"Nossa revista preenche uma séria lacuna na área de publicações do setor, carente de in­formações que unam orientação prática à pes­quisa científica e da apresentação de soluções para os problemas da pecuária leiteira nacional", ressaltou a professora Elizabeth.

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cara morte de uma criança por desidratação, se não forem adotados cuidados com rela­ção à saúde dos animais, à higiene durante a ordenha e à conservação do leite", disse a professora.

Conceitos internacionais Alguns resultados do projeto chegaram

a mudar conceitos internacionais sobre a mas ti te infecciosa. Acreditava-se, por exem­plo, que somente espécies de Staphylococ­cus aurieus eram patogênicos para a glân­dula mamária e muito resistentes ao trata­mento com antibióticos. "Entretanto, com­provou-se cientificamente a importância dos Staphylococcus sp coagulase negativo na etiologia da mas ti te, aspectos demonstrados em teses de mestrado envolvendo as áreas de patologia e microbiologia", ressalvou a professora Elizabeth.

Outra contribuição importante do projeto ocorreu na área da medicina pre­ventiva. Os pesquisadores examinaram di­versos anti-sépticos e sua forma de uso na desinfecção das tetas depois da ordenha, comparando sua eficácia na prevenção de

novas infecções, além de aspectos de pra­ticidade e economia. Mais uma vez, ficou clara a importância do fato r assepsia. A in­cidência da doença cai radicalmente, mes­mo com cuidados relativamente simples, desde que adotados de forma adequada e constante.

Número elevado De qualquer maneira, a erradicação da

doença é meta muito distante. "A mastite bovina ocorre em todos os países onde há produção leiteira e o interesse pelo contro­le é mundial", afirma a professora Eliza­beth. Uma das causas dessa situação é a enonne variedade de agentes causadores do problema. Uma revisão internacional, fei­ta em 1988, apontou nada menos do que 137 espécies diferentes de microorganismos como causadores da mastite. Esse número cresceu nos últimos anos. A própria pesqui­sa do NAPGAMA juntou alguns nomes à lista, além de aumentar a relevância de al­guns deles.

Um exemplo está nas algas do gênero Prototheca. Descobriu-se que elas são res-

ponsáveis por verdadeiros surtos de mas ti te em propriedades pecuárias brasileiras.A pu­blicação desse aspecto da pesquisa provocou grande interesse e deu início a intenso inter­câmbio entre o NAPGAMA e instituições de outros países, como a tradicional Universi­dade de Uppsala, da Suécia. Além de várias publicações em revistas internacionais, as algas foram tema de duas teses, uma de mes­trado, outra de doutorado.

Isso é só uma parte. Até agora, o proje­to resultou em mais de 50 pesquisas, relata­das em revistas nacionais e internacionais, e cerca de 100 trabalhos apresentados em congressos no Brasil e no exterior. Dezenas de cursos foram ministrados, em São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia. O projeto levou à criação de uma revista especializa­da bimestral , a Revista NAPGAMA, com ti­ragem de 5 mil exemplares.

"Considero, porém, como a contribui­ção mais importante desse projeto temático a consolidação do N APGAMA, por meio da formação de jovens pesquisadores e da in­tegração com pesquisadores de outras uni­dades da USP e de outras instituições de pes­quisa", diz a professora Elizabeth. Afinal, não foram poucas as entidades envolvidas com o projeto. Além de pesquisadores liga­dos às indústrias, participaram do projeto o Instituto de Ciências Biomédicas da USP, nos setores de Microbiologia e Micologia, o Instituto Biológico de São Paulo, o Instituto de Zootecnia de Nova Odessa e a Faculdade de Medicina Veterinária da UNESP de Botucatu.

Perfil: A professora Elizabeth Oliveira da Costa, de 51 anos, é veterinária, doutora em Imunologia e Microbiologia e professora titular em Epidemiologia de Doenças Infecciosas na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. Tem mais de 150 pesquisas científicas publicadas na área de doenças Infecciosas, com ênfase em mastite, e é autora de capítulos em livros nacionais e estrangeiros. É orientadora credenciada em CUISOS de pós-graduação de várias faculdades da USP e de universidades federais.

Produção cresce, mas ainda não é suficiente Quando o NAPGAMA foi instalado em Piras­

sununga, em 1991, o Brasil produzia apenas 13 bilhões de litros de leite por ano. Hoje, a produ­ção pulou para 20 bilhões de litros por ano, mas não é suficiente para atender ao consumo. Em 1996, as importações de leite foram responsáveis por 10% do déficit na balança comercial brasilei­ra. Que a produção brasileira pode aumentar ainda mais, ninguém duvida. Só que vai ser necessário muito esforço, pesquisa e informação para melhorar a composição genética, a alimen­tação, o estado sanitário e o manejo do rebanho leiteiro.

"A idéia de montar um centro de pesquisa so­bre o leite surgiu da alta relevância social, econô-

mica e de saúde pública representada pela produ­ção leiteira", lembra a professora Elizabeth Oliveira da Costa, coordenadora do NAPGAMA. O leite é o alimento básico da primeira fase da vida huma­na. Ele preenche a totalidade das necessidades de proteína das crianças com até dois anos, 60% das dos adolescentes e 40% das dos adultos.

O leite tem outras propriedades, de acordo com a pesquisadora. Previne o câncer de cólon, pâncreas e próstata e combate a hipertensão. Mas, para ter esses efeitos, é necessário que a pessoa consuma mais de um litro de leite por dia. No Bra­sil, vem ocorrendo o contrário, o consumo de leite por pessoa está caindo. De 1986 a 1996, o consu­mo por pessoa caiu 18%. Como, no mesmo perío-

do, o consumo de cerveja aumentou 47%, o pro­blema parece estar mais na falta de informação do que no baixo poder aquisitivo.

O rebanho leiteiro brasileiro tem cerca de 1 O milhões de cabeças, mas uma boa parte do leite produzido vem de vacas de raças de corte. Os mai­ores produtores de leite são Minas Gerais e São Paulo, seguidos de Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul, empatados em terceiro lugar. Há um fator pre­ocupante: do leite produzido no Brasil, 41% corres­pondem ao chamado leite informal, vendido dire· lamente ao consumidor, sem qualquer tipo de fis­calização. Como o que não falta são doenças no rebanho, como a mastite, trata-se de uma porta aberta para a contaminação.

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INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

ENGENHARIA

Dominando a tecnologia de produção de gálio Em novembro do ano passado, um gru­

po de pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) colheu as primeiras gotas densas e prateadas de gálio de alta pureza. Foi um momento importante. Naquele instante, o Brasil passava a dominar a tecnologia de produção em escala labora­torial de um metal estratégico na indústria de infonnática e de telecomunicações e de alto valor comercial. Até então, por falta de conhe­cimento científico e tecnológico, nunca hou­ve meios de aproveitar o gálio, mesmo que o país seja um grande produtor mundial de alu­mínio, que é retirado do mesmo mineral , a bauxita.

Esse pesquisa - Construção e Opera­ção de Usina Piloto para Recuperação de Gálio a partir do Licor de Bayer - se de­senvolve desde 1996, no âmbito do Pro­grama de Parceria para Inovação Tecno­lógica, da FAPESP, e é realizado por pes­quisadores daPoli/USP em parceria com a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Seu valor total é de R$ 627 mil, divididos meio a meio pela FAPESP e CBA. Os resultados representam, de ime­diato, a viabilidade de obter gálio como subproduto do processamento do alumí­nio a partir da bauxita. Para isso, é usado o chamado licor de Bayer, um líquido vennelho-escuro fonnado em uma das etapas iniciais da purificação do alumí­nio.

O impacto desse trabalho poderá ser notado em pouco tempo. Francisco Afonso Albuquerque, engenheiro da CBA que acompanhou a pesquisa com a USP, calcula que uma usina piloto semi-in­dustrial para retirada do gálio do licor de Bayer pode entrar em operação num prazo de um ano e meio,já contando as costumeiras di­ficuldades técnicas que surgem na ampliação da escala de produção. "A extração de gálio não apresenta custos elevados, não interfere no processo de obtenção de alumínio e for­nece um produto de cotação bastante eleva­da no mercado internacional", dizAlbuquer­que. Cotado a um mínimo deUS$ 400 por qui­lograma, o gálio custa cerca de duas mil ve­zes mais que o alumínio ou quatro mil mais que o mais puro minério de ferro .

A autonomia na produção desse metal poderá, assim, dentro de alguns anos, gerar um item de alto valor agregado na pauta de exportações brasileiras, além de abastecer o mercado interno. Já a curto prazo, facilita o desenvolvimento de pesquisas de tecnologi­as avançadas. O gálio é usado na fabricação de chips (ou microprocessadores) para com­putadores de alto desempenho, telefones ce-

O gálio: metal oom valor comercial duas

mil vezes maior que o do alumínio

lulares, satélites e detectores de foguetes. Além de ter um enonne potencial no merca­do de semicondutores, é indispensável em cé­lulas solares como as da sonda espacial Ga­lileu, que chegou a Júpiter, a 780 milhões de quilômetros da Terra.

Forças contrárias O domínio tecnológico da produção de

gálio exigiu não apenas tempo e apoio finan­ceiro, mas, também, doses renovadas de pa­ciência, humildade e criatividade. "Por diver­sas vezes, não conseguimos avançar nas li­nhas de pesquisa mais promissoras", conta o engenheiro metalurgista Arthur Chaves, professor do Departamento de Engenharia de

Minas da Escola Politécnica, que coordena a pesquisa. Por se tratar de uma matéria-prima de aplicações nobres e elevada cotação, as empresas que o produzem, sobretudo na Fran­ça, na Alemanha e na Austrália, sequer cogi­tam a possibilidade de passar adiante a tec­nologia de fabricação. A colaboração foi nula também dos fabricantes dos reagentes quími­cos empregados na extração do gálio, que ce­diam amostras para testes em pequena esca­la, mas recusaram-se a vender em quantida­des maiores, à medida que a pesquisa progre­dia. "Enfrentamos a resistência de grandes empresas multinacionais que não queriam que nosso trabalho avançasse", diz Arthur Chaves.

O saldo final, porém, é bastante positi­vo. Os pesquisadores criaram alternativas nacionais à altura para os reagentes importan­tes, que os fabricantes resistiam em fornecer, e inovaram em diversos pontos do processo de recuperação do gálio. O professor Arthur pode se considerar satisfeito também por outras razões. A partir da equipe fonnada para o Projeto Gálio, tomaram fonna outros traba­lhos na mesma linha de reciclagem e reapro­veitamento de resíduos, a exemplo da recu­peração da areia do Rio Tietê,já viabilizada em escala comercial. Em setembro, os resul­tados da pesquisa, que já renderam um pedi­do de patente, em co-autoria da USP com a CBA, serão apresentados em um simpósio sobre reciclagem e tecnologias limpas em San Sebastian, na Espanha.

Resultados tão grandiosos tiveram uma origem convencional. Os pesquisadores da USP partiram do licor de Bayer, o mesmo tipo de material usado no mundo inteiro como fonte de gálio. O licor de Bayer, um dos primeiros resíduos do processo, contém uma elevada concentração de alumínio, além de outros metais, entre eles o gálio, o zinco e o vanádio, em proporções bem me­nores. Trata-se, de resto, de um caminho clássico e ainda não superado para a purifi­cação do alumínio, criado em 1895 pelo quí­mico austríaco Karl Joseph Bayer (veres­quema na página seguinte).

Como o licor de Bayer retoma ao pro­cesso industrial, para dele se retirar o máxi­mo possível de alumínio, os pesquisadores ado taram como princípio básico do trabalho que as características químicas desse mate­rial não poderiam ser alteradas, sob o risco de tomar o processo antieconômico, quan­do deixasse a escala laboratorial. O licor de Bayer seria desviado do processo industrial para dele se extrair o gálio, mas voltaria nas mesmas condições, ainda que, obviamente, sem aquele metal.

Page 18: Inventário da vida

Criando alternativas Os problemas começaram já na etapa se­

guinte, quando o licor de Bayer deveria ser submetido à ação de solventes ou de resinas especiais, que, cada um a seu modo, separam o gálio do restante da solução. Como os fa­bricantes se recusaram a fornecer essas subs­tâncias em grande quantidade para o labora­tório da USP, os pesquisadores verificaram que seria inevitável desenvolver novas ma­térias-primas e caminhos inovadores. Prefe­riram desenvolver as chamadas resinas de troca iônica, um dos meios possíveis para a extração de gálio, por duas razões básicas: já havia especialistas nessa área no Brasil e os solventes, que representam o outro caminho habitual, têm um enonne potencial poluen­te. O tempo mostrou o acerto da escolha. "Acreditamos que com as resinas poderemos obter um produto de maior pureza já nas pri­meiras etapas do processo", assinala o quími­co Waldemar Avritscher, um dos pesquisado­res do projeto.

Nessa etapa da pesquisa, o laboratório da USP contou com a colaboração do Instituto de Macromoléculas do Rio de Janeiro, que projetou uma resina especial para extrair o gálio do licor de Bayer. À primeira vista, pa­rece areia, embora, claro, seja muito mais refinada. Trata-se de um polímero do grupo dos poliacrilatos, que funciona como um es­queleto ao qual, em pontos determinados, juntam-se ramificações formadas por um gru­pamento químico específico, o radical ami­doxima, que tem grande afinidade pelo gálio.

Há décadas, lembra Waldemar, os livros de química apontam os compostos que rea­gem com o gálio. "O problema era construir um polímero com um radical que fosse está­vel, funcionasse bem e tivesse a granulome­tria adequada", diz ele. De modo mais

simples: a resina não poderia ser muito gros­sa nem muito fina. Além disso, teria de extra­ir apenas o gálio, sem retirar o alumínio (os dois metais são parecidos quimicamente), e funcionar nas condições próprias do licor de Bayer, que é extremamente alcalino. Corre­ram anos de testes e ajustes até chegar ao pon­to ideal. Depois, uma inovação puxou outra. Para retirar o gálio absorvido pelo polímero, em vez de usar substâncias ácidas, como nor­malmente é feito, os pesquisadores desenvol­veram outro líquido, bem mais simples e seguro, com ótimos resultados. O gálio é, então, filtrado e passa por mais duas resinas, desta vez comuns (uma é usada para purifi­car suco de laranja, a outra para tratar água) até se tomar um metal! íquido a temperatura ambiente, como o mercúrio.

Ao avançar para a etapa industrial, a pes-

quisa deverá se beneficiar com o alto teor de gálio verificado na bauxita brasileira. Segun­do Waldemar, enquanto a média mundial situa­se entre 30 a 40 partes por milhão (ppm) de gálio, a bauxita retirada das minas de Poços de Caldas (MG), amais usada nos experimentos, apresenta de 80 a 11 O ppm (o teor de alumínio é cerca de 2.000 vezes maior). Além disso, o licor de Bayer, numa etapa intermediária de processamentodabauxita,éummaterialabun­dante nas refinarias de alumínio. O caminho, enfim, está aberto.

Pertil: O p~ssor Arthur Chaves, de 53 anos, é engenheiro metalurgista graduaao pela Esoola Politécnica da USP, onde fez mestrado e doutorado na área de tratamento de minérios. É professor titular do Departamento de Engenharia de Minas da PoiVUSP e trabalha, desde 1990, em pesquisas de reciClagem e reaproveitamento de subprodutos da mineração.

O passo a passo para obtenção do gálio nacional

1 -A bauxita é moída e

misturada com uma substância

básica, o hidróxido de

sódio, em tanques sob alta pressão (15 a 20

atmosferas) e alta

t temperatura (150 a 200• Celsius).

2 -A filtração separa as impurezas

insolúveis, a chamada lama

vermelha, que é descartada, e o licor de Bayer,

com alto teor de

outros metais solúveis, como

o gálio.

3- Cristais de alumina (ou hidróxido

de alumínio) são acrescentados ao licor de Bayer para acelerar

a separação do alumínio, que vai ao

fundo do tanque.

Alumínio

4 - Parte do licor de Bayer, que 1 ainda contém bastante alumínio, f mesmo depois de lavado e

•................. filtrado, volta para o início do

processo, para ser reciclado.

ts fS

Page 19: Inventário da vida

O projeto de recuperação de gálio a partir dos resíduos da bauxita tem um colorido peculiar. De tempos em tempos, os pesquisadores coletam amostras dos líquidos que se formam durante o pro­cesso de extração do metal, misturam com uma so­lução com corante e pingam, gota a gota, em tiras de papel divididas em quadrados devidamente nu­merados. De acordo com o teor de gálio da solu­ção, formam-se círculos cor-de-rosa, de uma tona­lidade mais acentuada, se o teor do metal é eleva­do, e mais tênue, se a concentração é baixa. Se não houver metal no líquido examinado, o corante não vai reagir e o papel permanecerá branco. É possí­vel, assim, acompanhar instantaneamente o teor de

5 - Uma resina especial retém o gálio do licor de Bayer. Em seguida, um líquido de baixa acidez, que substitui os bastante ácidos usados nos processos convencionais, separa o metal da resina.

Círculos cor-de-rosa gálio durante as etapas de purificação e, quando ne­cessário, ajustar o processo. "Essas tiras são o nosso principal instrumento de trabalho", diz o quí­mico Waldemar Avritscher.

Simples e eficiente, o teste de gálio, como é chamado, é uma das inovações surgidas durante o desenvolvimento da pesquisa. Sua história é in­teressante. Já se sabia, há décadas, que um coran­te vermelho-vivo, a rodamina, reage com o gálio. O professor Alcídio Abrão, consultor do projeto, reu­niu essa informação com os princípios do chama­do spot test, um método criado no Brasil pelo quí­mico austríaco Fritz Feigl, que identifica metais pin­gando reagentes sobre as amostras organizadas

As tiras coloridas que medem o teor de gálio: se o teor do metal é elevado, a tonalidade rosa é mais acentuada; se a concentração é baixa, a cor é mais tênue

em uma placa de vidro. A partir daí, bastou adap­tar o teste para o papel e ajustar a solução com o corante. O componente-chave é o benzeno. É ele que extrai a rodamina com o gálio para formar os diferentes tons de cor-de-rosa. Quando não há gálio, o benzeno não se mistura com o corante, permanece sobrenadando no líquido e se mantém transparente.

Trata-se, evidentemente, de um teste semi­qualitativo, puramente visual. Os resultados serão verificados e detalhados em seguida, por meio das análises qualitativas realizadas noespectrofotôme­tro de absorção atómica, um equipamento total­mente automatizado, de elevada precisão.

6- O gálio, em uma solução ainda amarelada, passa por uma filtragem e a seguir por uma segunda resina, que remove as impurezas. Nesta etapa, o gálio está contido numa solução transparente, semelhante à água.

7 - Uma terceira resina retira as impurezas finais e deixa o gálio, ainda diluído numa solução ácida, pronto para ser purificado.

8- Na etapa final, a eletrólise, por meio de correntes elétricas de elevada amperagem e baixa voltagem, o gálio é separado do oxigênio ao

Gálio purificado

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qual está ligado e, purificado, torna-se um metal líquido denso e prateado.

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INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

LABORATÓRIO MÓVEL

Na porta da fábrica Cerca de 3.000 micro e pequenas empre­

sas do setor de transformação do plástico, si­tuadas no Estado de São Paulo, começam a ver luz no fim do túnel. Hoje, um dos principais problemas enfrentados por esse contingente, que representa cerca de 80% da indústria do plástico no estado, é a dificuldade de acesso à informação e às novas tecnologias, o que com­promete a qualidade de seus produtos e im­pede a conquista de novos mercados.

A partir deste mês, essas empresas pas­sam a entrar no Prumo da tecnologia. Não se trata apenas de força de expressão. O Prumo - Projeto de Unidades Móveis de Atendimen­to Tecnológico às Pequenas Empresas do Se to r Plástico é um serviço de apoio tecnoló­gico que vai até a empresa, levando novos conhecimentos aos micro e pequenos empre­sários. As unidades móveis são veículos adap­tados com equipamentos laboratoriais impor­tados e de última geração (de que a grande maioria das empresas ainda não dispõe), para a realização de ensaios físicos e mecânicos em matérias-primas, processos e produtos acaba­dos.

A novidade faz parte de um projeto pio­neiro, resultante de uma parceria firmada en­tre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o Sebrae- Serviço de Apoio às Mi­cro e Pequenas Empresas de São Paulo, e o Instituto Nacional do Plástico (INP), com o apoio da FAPESP, no âmbito do Programa Inovação Tecnológica em Parceria. O obje­tivo é contribuir para a elevação tecnológica das empresas transformadoras de plástico ­uma das principais matérias-primas do mun­do-, preparando-as para ganhar novos mer­cados, inclusive os de exportação.

Produção e pesquisa "No mundo em que vivemos não há

competitividade sem adensamento tecnoló­gico e a experiência do Prumo representa este necessário entrosamento entre a produ­ção e a pesquisa", salientou o ministro do De­senvolvimento, Indústria e Comércio, Cel­so Lafer, durante o lançamento do projeto, no último dia 8 deste mês de março, na aber­tura da 7" Brasilplast - Feira Internacional da Indústria do Plástico, realizada no Pavi­lhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo.

Após a concorrida solenidade, que con­tou ainda com a presença do vice-govema­dor de São Paulo, Geraldo Alckmin, do se­cretário estadual de Ciência e Tecnologia, José Aníbal , do diretor presidente da FA­PESP, Francisco Romeu Landi, di retores do IPT, Sebrae e INP, e outras autoridades, fo­ram apresentadas ao público as duas primei-

ras vans que irão levar informações tecno­lógicas às empresas. Os veículos estão equi­pados com 13 tipos diferentes de máquinas e contam com uma equipe formada por um engenheiro e um técnico, em cada uma das vans. As ati v idades de campo começaram no dia 15 deste mês.

O Prumo foi criado por iniciativa do IPT, a partir de uma idéia do engenheiro Vi­cente Mazzarella, diretor técnico do Institu­to, e coordenador do projeto. Há quatro anos, durante um trabalho de consultaria realiza­do na Colômbia, com 20 empresas da área de fundição, através de convênio com a Or­ganização de Desenvolvimento Industrial das Nações Unidas, o engenheiro percebeu quanto fazia falta o apoio de equipamentos laboratoriais para demonstração. Assim nas­ceram os laboratórios móveis, desenvolvi­dos no Brasil posteriormente.

Atendimento gratuito "Este é um projeto aplicável a qualquer

setor: fundição , tratamentos de superfície, borracha, móveis, calçados, setores que pos­sivelmente vamos começar a atender após o trabalho no setor plástico", adianta Mazza­rella. Concebido nos últimos três anos, o pro­grama deverá realizar cerca de 175 atendi­mentos por ano, com suas duas unidades móveis, que contam com três equipes técni­cas, revezando-se a cada 15 dias. As primei­ras 350 empresas inscritas serão atendidas gratuitamente (veja como participar do Pru­mo no quadro abaixo).

Mazzarella informou que o mercado potencial em todo o estado é formado por cerca de 3.000 micro e pequenas empresas

Acima, Vicente Mazzaretta coordenador do projeto, diante de equipamento da unidade móvel. A esquerda, o diretor·presidente da FAPESP, Francisco Romeu Landi, e o diretor do tPT, Alberto Pereira de Castro. Na página ao lado, o ministro do Desenvolvimento, Celso Lafer, e o vice·govemador paulista, Geraldo Alckmin

transformadoras de plástico. Para dar conta desse universo, seriam necessárias cerca de 30 dessas unidades móveis, o que tomaria possível atender cada empresa uma vez por ano. Na fase experimental, os técnicos visi­taram20fábricas do setore identificaram uma série de dificuldades que poderão ser facil­mente resolvidas com o apoio dos laborató­rios.

Cada visita do laboratório móvel deve durar de um a três dias, oportunidade em que a equipe de atendimento pode indicar solu­ções para problemas relativos aos diferentes componentes que entram na formulação do plástico ou dar sugestões quanto ao processo de industrialização (variáveis de temperatu­ra e pressão, por exemplo). E ainda contribui

Page 21: Inventário da vida

para detectar a presença de substâncias con­taminantes que podem influir no produto aca­bado.

Uma das empresas visitadas, por exem­plo, usa chapas de acrílico para montagem de painéis promocionais e necessita de um ma­terial perfeitamente branco.Amatéria-prima utilizada atualmente pela empresa tem um matiz que tende para o azulado. Com o labo­ratório móvel, será possível detenninar apre­sença ou não de aditivos que possam ser cor­rigidos para o branqueamento desejado.

De que maneira? A pesquisadora Maria do Canno Zorzenon Sim i, gerente do Prumo, explica que os laboratórios contam com equi­pamentos modernos e muito precisos. Um desses aparelhos, por exemplo, é o espectro­fotômetro por infravermelho, usado para identificar diferentes materiais. O reconheci­mento do material e a identificação de seus componentes são feitos por radiação infraver­melha, ou seja, os raios absorvem energia em detenninados comprimentos de onda e essas absorções criam uma impressão digital dos diferentes materiais.

É o aparelho ideal para empresas que tra­balham com matéria-prima importada e ne­cessitam saber sua composição, ou ainda re­solver dificuldades como a das placas de acrí­lico. A resposta pode ser obtida em até cinco minutos, a depender do material em estudo. Mas, por enquanto, nem mesmo as indústrias de porte médio têm acesso a esse equipamen­to, que custa cerca deUS$ 45 mil.

Outro equipamento de grande utilidade é a máquina universal de ensaios, que realiza testes mecânicos nos materiais, para avaliar suas propriedades de !ração, flexão e com­pressão. Maria do Canno destaca, ainda, o aparelho para ensaios de resistência ao impac­to, que funciona assim: o equipamento que­bra o material por um sistema de pêndulo, com peso definido, e verifica quanto este material absorveu de energia por superfície para se quebrar, detennjnando sua resistência ao im­pacto.

Foi identificada, também, nessa fase ex­perimental, uma outra indústria que faz inje­ção de peças pequenas para o setor automoti­vo, utilidades domésticas e embalagens, e tem

problemas de acabamento. Nesse caso, o laboratório móvel tem condições de ve­rificar a fluidez da matéria­prima adquirida pela empre­sa e a adequação da monta­gem da peça, e, ainda, se há necessidade de ajuste no pro­cesso de injeção. Há, tam­bém, os casos de empresas que querem comprar equipa­mentos para seus laboratóri­os, mas necessitam de apoio na hora de definir o que comprar e como treinar suas equtpes.

O Prumo, segundo o en­genheiro Mazzarella, foi

pensado para resolver todas essas situações. "Nosso apoio é importante por dois aspectos: as pequenas e microempresas vão ter mais condições de resistir à invasão dos produtos importados e realizar o que chamamos de substituição de importações. E, se forem capazes de resistir internamente, muitas vão ter condições de exportar", analisa.

Outra conseqüência será a redução de refugos nas empresas, uma vez que as peças produzidas que não atingem o nível deseja­do vão para a reciclagem. Além disso, com o apoio tecnológico, os produtos acabados te­rão melhor qualidade e as empresas serão mais seletivas com os materiais de partida (matéria-prima virgem ou material recicla­do). Resultado: redução de custos e aumento do faturamento.

Tecnologia aplicada O superintendente do IPT, Plínio Ass­

mann, ressaltou, na solerudade de lançamento do projeto, que a parceria do Instituto foi ini­ciada com as empresas do setor plástico de; vido à grande receptividade demonstrada

pelo Instituto Nacional do Plástico, que con­gregaas principais entidades representativas da categoria. "O empresário brasileiro preci­sa não ser avesso a mudanças e estar aberto à evolução, e o INP é um promotor dessa aber­tura no setor." Continuou: "O Sebrae é um parceiro nato e a FAPESPéa grande motiva­dora". Para esse projeto, a FAPESPestá libe­rando recursos da ordem de R$ 530 mil, o Se­brae, R$ 867 mil, e o IPT, R$ 196,6 mil.

Para Assmann, a FAPESP dá um passo muito significativo no campo da tecnologia aplicada, "na medida em que financia proje­tos de grande impacto social". O Prumo, se­gundo ele, vai beneficiar mais de 60% das empresas do setorplástico, o que significa um contingente de 120 mil empregos.

Já o presidente do INP, Alexandrino de Alencar, acredita que esse apoio tecnológico vai refletir, no futuro próximo, na melhoria da saúde das empresas, aumentando sua pro­dutividade e competitividade. Entusiasmado, o diretor do Sebrae, Edson Fennann, adian­tou que a instituição vai trabalhar, nos próxi­mos dois anos, em projetos de parceria. Dis­se também que o Projeto de Unidades Móveis está dentro das metas estabelecidas pelo Se­brae, que tem como objetivo trabalhar seto­rialmente e regionalmente.

O Prumo é um projeto especial do IPT, que conta com a supervisão geral da direto­ra adjunta para Projetos Especiais, Ma ri To­mi ta Katayama, sob a gerência de Maria do Carmo Zorzenon Si mi. Participam também do projeto os pesquisadoresAnnênio Gomes Pinto e Evelyne Yaidergorin, e o diretor da Divisão Química do IPT, Antonio Bonomi.

Pertil: O pesquisador Vicente Mazzarella, 67 anos, é engenheiro meta urgista, formado pela Escola Politécnica da USP. É pós-graduado em Mel urgia Flsica pela Carnegie Tech, em Pittsburgh, Estados Unidos, e em Administração de Empresas pela_Fundação Getúlio Vargas, São aulo. Alua mente, é diretor técnico do I PT.

ENTRE NO PRUMO DA TECNOLOGIA Veja como solicitar ao IPT uma visita do laboratório móvel:

1. A empresa interessada no programa deve solicitar o atendimento à Central de Operação do Prumo, pelo telefone 0800-557790.

2. Um técnico do IPT vai até a empresa em data previamente agendada para entrevista e diagnóstico preliminar.

3. A Central de Operação avisa qual a data do atendimento tecnológico solicitado. No dia marcado, a unidade móvel visita a empresa.

4. Durante o atendimento, a empresa deverá destacar um responsável da área técnica/produtiva para aluar junto aos técnicos do I PT, permitir a realização das modificações propostas e fornecer insumos, energia elétrica, entre outros itens necessários aos trabalhos.

5. Três meses depois da primeira visita, será feito novo contato para avaliação dos resultados alcança­dos. A empresa que tiver implementado todas as ações receberá um atestado de participação assina­do pelas entidades parceiras.

O I PT compromete-se a manter sigilo sobre todas as informações a que tiver acesso.

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Page 22: Inventário da vida

PROJETO TEMÁTICO

TEATRO

A busca de uma nova técnica de interpretação

O ator em primeiro plano. É com essa perspectiva que o Lume (Núcleo Interdisci­plinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp) in­vestiga, desde 1985, as múltiplas possibilida­des de formação do ato r teatral. Não se trata apenas de preparar jovens artistas para atuar no palco. O objetivo do Lume é pesquisar as técnicas que constituem a chamada arte de ator, desenvolvendo, assim, novos métodos de trabalho para a criação teatral. Aberto às mais diferentes fonnas de linguagem e ex­pressão corporal - desde elementos da cul­tura popular brasileira até experiências de vanguarda - o grupo vem obtendo crescente reconhecimento internacional. Técnicas e es­petáculos criados pelo Lume já foram apre­sentados em inúmeros países da Europa e da América Latina.

A mais importante pesquisa em desen­volvimento pelo Lume é Mímeses Corpórea e a Poesia do Cotidiano. Seu princípio está na observação e na imitação da gestual idade humana. A pesquisa foi apresentada como um projeto temático à FAPESP e desde janeiro de 1997 conta com o apoio da instituição, no valor de R$ 45,6 mil.

Em sua primeira fase, encerrada no ano passado, o projeto compreendeu o confronto de duas metodologias: as técnicas de expressão do Butô - criado no Japão no inicio da década de 1960, em oposição à rígida tradição cênica do país - desenvolvidas pela coreógrafa e baila­rina Anzu Furukawa e o método de Mímeses Corpórea, elaborado pelo próprio Lume.

O convite para Anzu Furukawa realizar um intercâmbio com o grupo da Unicamp não foi ao acaso. "Suas técnicas são diferentes, mas com resultados semelhantes aos que procura­mos", diz a professoraSuzi Frank! Sperber, co­ordenadora do Lume e do projeto temático. Considerada uma das mais importantes repre­sentantes do Butô,Anzu Furukawa é autora de dezenas de coreografias apresentadas no cir­cuito internacional de festivais de dança.

Seu trabalho é voltado ao mundo incons­ciente, procurando fazer com que o corpo fale por si. Já a Mímeses Corpórea está baseada na observação das pessoas. "Não se trata de uma mera repetição de movimentos", diz Car­los Roberto Simioni, ator e pesquisador do Lume. "A idéia é que o ator coloque o outro dentro do seu próprio corpo. Assim, os ges­tos codificados são acoplados às técnicas cor­póreas de representação", aponta Simioni.

Cem anos de solidão Além da pesquisa sobre o confronto de

técnicas, o inter­câmbio teve como objetivo a monta­gem de um espetá­cuJo inspirado na obra Cem Anos de Solidão, do escritor colombiano Gabri­el Garcia Márques. Batizada como Afastem-se Vacas que a Vida é Curta, a peça foi apresen­tada no final de 1997, sendo que a sua estréia aconte­ceu no Teatro Luís Otávio Bumier (que homenageia o fundador do Lume, morto em 1995), em Campinas.

Para encenar o universo mágico descrito pelo livro de Garcia Márques, o Lume empreen­deu uma viagem de pesquisa até aAma­zônia. "Resolve­mos coletar materi­al nessa região, li­mítrofe da Colôm­bia, porque ela é a . . que mais se aproxi­ma do mundo de Cem Anos de Soli­dão, conta Suzi Frank! Sperber. En­tre abril e maio de 1997, um grupo de atares-pesquisadores esteve em cerca de 30 cidades, coletando informações sobre hábi­tos e comportamentos dos moradores dare­gião. Nessa empreitada, os pesquisadores uti­lizaram todo o tipo de transporte possível : avi­ões da Força Aérea Brasileira, barcos a mo­tor ou mesmo canoas a remo conduzidas por índios. Assim, eles tomaram contato com o cotidiano dos rincões do país. "Conhecemos pessoas que tinham uma percepção de vida completamente diferente da nossa", conta Ana Cristina Colla, atriz e pesquisadora do Lume. "Um Brasil completamente novo, cuja riqueza corporal, vocal, textual e humana me encantou profundamente", acrescenta.

Em cada cidade visitada, os pesquisado-

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res dedicavam muitas horas a conversas com os moradores locais, principalmente os ido­sos, justamente por terem mais experiências para contar. Sem falar no encontro com tri­bos indígenas, como os lanomani. Sua pro­posta era não deixar passar despercebido ne­nhum detalhe das narrativas de vida dos mo­radores daAmazônia, assim como gestos, há­bitos e posturas. Tudo era anotado, gravado e, quando possível, fotografado.

O material pesquisado na Amazônia foi a matriz da montagem de Afastem-se Vacas que a Vida é Curta, apresentada entre setem­bro e dezembro de 1997 pelo interior do Esta­do de São Paulo. Encenada com sete a tores, a peça combina figurinos e expressões da cul-

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tura brasileira com situações insólitas. A peça, entretanto, não esgotou o material coletado na viagem para aAmazónia. "Temos uma pesqui­sa rica e vasta que pretendemos utilizar em novos trabalhos", afim1a Carlos Simioni. É o caso de inúmeras canções da região, que fazem parte do mais novo espetáculo do grupo, Café com Queijo, com estréia prevista para o final deste mês de março, no Teatro do Lume, em Campinas. "A pesquisadaMímesesCorpórea tem ainda de subir novos degraus até que este­jamos em condições de sintetizar uma nova técnica", diz Simioni.

Antropologia teatral O trabalho desenvolvido atualmente

pelo Lume dá continuidade às idéias que ali­mentaram a sua criação. O centro foi ideali­zado pelo diretor Luís Otávio Bumier, após ter passado oito anos em estudo e pesquisa pela Europa - quando teve conta to com im­portantes nomes da interpretação modema, como Etienne Decroux, Eugenio Barba, Jer­zyGrotowski, lves Lebreton e Jacques Lecoq, além de mestres do teatro oriental, como No h, Kabuki e Kathakali.

Retomando ao Brasil, Bumier resolveu investir no projeto de criação de um centro de pesquisa teatral cujo foco fosse a arte de ato r. A proposta tornou-se realidade em 1985, quando o Lume foi estabelecido por Bumier, Denise Garcia, Carlos Simioni e Ricardo Puc­cetti.lnstitucionalmente, o Lume é um núcleo da Pró-Reitoria de Desenvolvimento Univer­sitário da Unicamp.

"O projeto de Luís Otávio Bumier era a criação de uma antropologia teatral", diz Suzi Frank! Sperber, que assumiu a coordenação do núcleo em 1996. "Sua proposta consistia no aproveitamento das técnicas aprendidas na Europa junto com elementos da cultura bra­sileira", conta a professora. "Ele investiu na hipótese de que o universo cultural brasilei­ro, principalmente no que tem de ritualístico, traria elementos para a criação teatral."

Dentro dessa perspectiva, seria neces­sária a criação de uma nova concepção de ato r. "Era preciso criar um ato r independen­te, investindo-se, assim, na busca dos ele­mentos que seriam necessários para a for­mação do corpo desse ator", afirma Suzi Sperber. Essa foi a razão da constituição do Lume como um centro formado por atares­pesquisadores, envolvidos num projeto de longo prazo. "O ato r precisa ter o conheci­mento das suas potencialidades. Ele preci­sa saber como expressar as variadas ener­gias que estão no seu próprio corpo", aponta Carlos Simioni. "Nossas pesquisas procu­ram o desenvolvimento autónomo de cada ator, fazendo com que ele seja o teorizador da sua própria prática", diz Suzi Sperber.

A concepção de teatro do Lume, porém, não extingue a função do diretor, mas exige uma nova postura da sua parte. "O diretor continua existindo. Mas o seu papel passa a ser o de um orientador", diz Suzi Sperber. "Ele não é orientador que impõe o seu projeto, mas aquele que sabe discemir o que é novo e inte­ressante no projeto do seu orientando", aponta a professora. "É como se fosse uma colcha de retalhos. Cada pedaço de tecido é a proposta de um ator. Cabe ao diretor costurar esses re­talhos", compara Carlos Simioni.

"Antes da produção artística, nossa pre­ocupação é pesquisar o homem e o seu corpo em situações de representação", diz Suzi Sper­ber. Assim, os espetáculos montados pelo Lume são uma conseqüência natural da pes­quisa sobre o fazer artístico. "Técnica e cria­ção são inseparáveis", aponta a professora.

Técnicas em pesquisa O Lume está sediado num casarão pró­

ximo à Unicamp, que já se transformou num laboratório de experimentos teatrais. São comuns os festivais com grupos da região, ou mesmo do exterior. Diariamente, os atorés­pesquisadores do Lume enfrentam longas jornadas de treinamento e pesquisa da expres-

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são corporal e teatral. Além da Mímeses Cor­pórea, o grupo desenvolve outras duas linhas de pesquisa: a Dança Pessoal e o Clown e a Utilização Cómica do Corpo.

A Dança Pessoal visa a elaboração e a codificação de uma técnica pessoal de repre­sentação que tenha como base a dilatação e a dinamização das energias potenciais do ato r. "É uma técnicaquepermiteaoatortrazerpara fora sentimentos e emoções de todos os tipos, mesmo que eles sejam monstruosos", diz Carlos Simioni. "Com a Dança Pessoal, te­mos o ator e as suas emoções dilatados cor­poralmente. Assim, o atordeve saber contro­lar essas reações."

Já o Clown e a Utilização Cómica do Corpo tem como base técnicas mais antigas da arte dos palhaços. "O clown é profundamente humano. Ele trabalha com energias sutis, re­ais e não di latadas. A técnica do clown faz com que o ato r se revele", diz o a tore pesquisador. "Não se trata simplesmente de uma pesquisa para ser palhaço. Mas a busca de uma compre­ensão do ser humano despojado. O clown é wn ser despido para poder reagir ao mundo", afir­ma Suzi Sperber.

Embora as técnicas desenvolvidas pelo Lume trabalhem com princípios diferentes, as três linhas convergem para a arte de ator, possibilitando, assim, pesquisas em conjun­to. Dado o caráter experimental do trabalho, no entanto, nem sempre é possível visualizar o resultado. "Nós não partimos de certezas; mas de suspeitas", aponta Suzi Sperber. "E verdade que projetos que começam com tudo já delineado são mais confortáveis. Mas eles também não trazem nada de novo."

Dessa maneira, conforme avança em suas experiências teatrais, o Lume também vem-teorizando o seu trabalho. Um esboço das suas propostas pode ser conferido no pri­meiro número da Revista do Lume, publica­da no final do ano passado. O grupo também dispõe de uma página na Internet (www. unicamp.br/lume/). Outro fruto do trabalho do Lume é o CD-ROM Lume - a arte de não interpretar como poesia corpórea do atar, produzido pelo ator e pesquisador Renato Ferracini , como parte da sua dissertação de mestrado sobre a proposta do grupo.

O Lume está programando algumas apresentações do seu novo espetáculo, Café com Queijo, para a cidade de São Paulo, em abril. Também em abril acontece o festival Tem Cena na Vila 2, na sua sede em Cam­pinas, com a participação dos grupos Com­panhia Sarau, Boa Companhia, Barracão Teatro e Seres de Luz. Para o próximo ano, o grupo pretende publicar em livro a sua metodologia de trabalho.

Periil: A pesquisadora Suzi Frankl Sperber, 60, anos é diplomada em Letras, pela faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, com mestrado e doutorado em Teoria Literária, na mesma instituição. É professora do Instituto de Estudos da Linguagem, da Unicamp, e coordenadora do Lume, orientando trabalhos na área de decodificação de linguagem.

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LIVRO

Desafios e atualidade dos clássicos Como conciliar democracia com a crise

do Estado do bem-estar social? Qual a impor­tância da vaidade e da ambição na nossa com­preensão do mercado e dos agentes econômi­cos? Existe uma moralidade universal na política? Questões como essas aparecem nas páginas da coletânea Clássicos do Pensa­mento Político, organizada por Célia Gaivão Quirino, Claudio Vouga e Gildo Marçal Bran­dão (Edusp e F APESP), revelando, neste tem­po de fim das utopias, o quanto alguns textos clássicos ainda podem se assemelhar a pro­jetas inacabados. A coletânea nasceu como fruto do trabalho de wn grupo de especialis­tas, reunidos no Instituto deEstudosAvança­dos (USP), desde 1991. São doze capítulos nos quais cada estudioso é chamado a apre­sentar o essencial de autores como Platão, Só­crates, Maquiavel, Hobbes, Locke, Rosseau, Hume, Adam Smith, Hegel e Tocqueville.

Para captar o essencial nos textos clássicos, cada um dos autores procura,

Hobbes, o quanto a nossa experiência com os horrores da cena contemporânea permite compreender e relativizar a solução hobbe­siana de um Estado robusto, obcecado pela paz e pela ordem. Já Modesto Florenzano convida-nos a visitarThomas Paine, o menos romântico e o mais lúcido de todos os rebel­des da sua geração, que teve o privilégio de viver intensamente a independência norte­americana e a queda da Bastilha. "A socieda­de é produzida pelas nossas necessidades e o governo pornossa maldade", dizia Paine, este liberal puro, radical - tão radical que as au­toridades proibiram que seus restos mortais fossem enterrados em solo inglês. Como en­tender a relação tensa e a conexão histórica conflituosa entre liberalismo e democracia na modernidade, ou a crise do Estado do bem­estar, atacado por todos os lados pelo neoli-

beralismo, senão atra­vés de Hegel, Hobbes ou Thomas Paine?

em sintonia fina, manter um olhar atento tanto na

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. os ooPE. '!: -"'''"', I .,~, cv..ss\C 1 ~, , I 1

Noutra chave temática-a das re­lações entre ética e política - Mário leitura cuidadosa dos tex­

tos quanto nos desafios e questões atuais que os clás­sicos podem colocar oures­ponder. Nada mais saudável do que esta leitura em sinto­nia fina com o nosso tempo. Os clássicos da política guar­dam sempre uma pontinha de atualidade, mas esta atualidade depende muito mais de nossa lei­tura, dos repertórios de experiên­cias pessoais que trazemos conos­co e das perguntas que fazemos aos autores - na hora certa, eles nos darão aquela piscadela, sugerindo que as respostas estão ali, à nossa espera. Assim, quando lemos um clássico, parece que temos de entrar pesso­almente no texto, participar na fabricação dos significados, criando quase que um tex­to virtual, paralelo, produto de nossas inqui­etações. Os autores da coletânea estimulam­nos, de forma competente, na realização dessa tarefa.

No capítulo mais complexo do livro, Kurt von Mettenheim analisa como a Filoso­fia da História de Hegel pode ajudar-nos a comparar conjunturas críticas de diferentes momentos das sociedades: a organização da democracia na Grécia antiga; a criação da ordem medieval, a partir da arte de governar de Carlos Magno; ou o traumático momento da Revolução Francesa, que ajudou a definir o padrão do governo representativo popular na Europa do século XIX. Noutro capítulo, João Paulo Monteiro sugere, da leitura de

Miranda Filho analisa, a partir dos textos gre­gos, as antíteses ·entre a sabedo-

ria e a virtude na construção de uma Re­pública, en­quanto Ro­b e r t o Chisholm nos apre­

senta o que ele designa como "ética

feroz" de Maquiavel , dentro da qual a política nunca fornece a base para uma mo­ralidade universal, apenas normas para as relações entre os cidadãos e entre governan­tes e governados. Numa variação salutar,Rolf Kuntz apresenta os impasses entre cidadania e desigualdade, a partir dos textos de Locke. O leitor pode completar essa chave temática com dois outros capítulos: 'estudo de Cícero Araújo sobre o direito natural em Hume e a

lfJAPESP SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

reflexão de Célia Gaivão Quirino sobre a di­fiei! conciliação entre liberdade e democra­cia, a partir dos iluminadores textos de Toc­queville.

Qual a importância da vaidade, da am­bição, da paixão e de outras atitudes incon­fessáveis na nossa comprensão do universo econômico e político? Algumas respostas aparecem no capítulo "Reivindicar Direitos segundo Rousseau", de Milton Meirado Nas­cimento, uma percuciente releitura dos tex­tos do convincente filósofo da "vontade ge­ral". Outras respostas podem ser encontradas na original interpretação de Eduardo Gianetti da Fonseca, que, partindo de Adam Smith e Hume, investiga as maneiras como fatores sub-racionais, como a vaidade e a ambição, atuam na fonnação das crenças e condutas humanas. Como não é possível eliminar por decreto tais hábitos mentais da psicologia dos agentes econômicos, a conclusão é muito ins­trutiva: os problemas sociais e econômicos só podem ser genuinamente resolvidos de bai­xo para ctma.

Em síntese, os clássicos sempre geram novos modos de ver coisas velhas - ou no­vas coisas que nunca vimos antes: seu dom de antecipação racional (não de previsão adi­vinhatória!), sua capacidade de superar nos­so provincianismo (não de espaço, mas de tempo histórico) e sua tendência a subverter os protocolos e convenções comumente acei­tos são as qualidades dos autores clássicos apontadas no capítulo que abre o livro, escri­to por Claudio Vouga. A pouca leitura dos tex­tos clássicos e as questões da institucionali­zação acadêmica da teoria política são exa­minadas de fonna mais ampla no capítulo que conclui a coletânea, por Gildo Marçal Bran­dão.

Clássicos do Pensamento Político não é um manual de "como se deve ler um clássi­co", desses que, em nome da vulgarização, esquematizam as verdades. Fazendo jus à célebre definição de Jorge Luis Borges, cada capítulo é um irrecusável convite para a lei­tura dos livros originais - estes livros que "as gerações dos homens, urgidos por razões diversas, lêem com prévio fervor e com uma misteriosa lealdade".

Elias Tlwmé Saliba

GOVERNÇ) DO ESTADO DESAOPAULO

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Genoma ESPECIAL

GENOMA HUMANO DO CÂNCER

ORESTES: a tecnologia de acesso ao centro do gene humano

A s palavras entusiasmadas que cercaram o lança­mento do projeto Genoma Humano do Câncer, no dia 26 de março, na FAPESP, não foram, com

certeza, louvação gratuita ou vazia. Elas refletiam, em vez disso, a aguda consciência de que naquela manhã, en­quanto se explicava o projeto, falava-se sobre seu signifi­cado no contexto da pesquisa in­ternacional de genoma ou assi­nava-se o acordo de cooperação cientifica entre a FAPESP e o Ins­tituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, que viabilizou o proje­to, estava-se diante de um ato, ou de um fato, de extrema impor­tância para a ciência brasileira.

dores que se sucederam no ato de lançamento do projeto Genoma Humano do Câncer. Eles também dão pistas cla­ras sobre todo o esforço de investimento e de acumulação de competência na pesquisa científica que precedeu longa­mente o lançamento desse projeto, e era igualmente disso que falavam os oradores na manhã de 26 de março. Não

havia ali ufanismo, mas uma tran-qüila certeza, como bem resumiu o presidente da FAPESP, professor Carlos Henrique de Brito Cruz, de que "a ciência brasileira precisa ser apoiada, não porque está em dificuldades, mas porque é boa".

Por quê? Primeiro, porque o projeto Genoma Humano do Câncer permite ao Brasil entrar efetivamente na corrida interna­cional para desvendar o genoma

Andrew Simpson desenvolveu

Nas páginas que se seguem está reproduzida a didática pa­lestra do doutor Andrew Simpson sobre o projeto Genoma Huma­no do Câncer, apresentada na FAPESP no dia 26 de março. O doutor Simpson, bioquímico, pes­

em São Paulo a recnologia ORESTES

humano, que é, sem sombra de dúvida, um dos mais im­portantes empreendimentos científicos em curso nesta vi­rada do milênio, em razão de seu potencial para alterar profundamente as bases da biologia e as tecnologias a ela relacionadas. Em segundo lugar, porque o projeto permite a entrada do país nessa corrida com um trunfo especial nas mãos: uma nova e revolucionária tecnologia de seqüencia­mento genético - ORESTES -, desenvolvida aqui, que permite seqüenciar a área central dos genes, justamente a parte a que a tecnologia já existente não dá acesso (limi­tando-se às suas extremidades), e onde se concentra- eis um dado crucial - a região codificadora dos genes.

Esses dois dados bastam para dar uma idéia da maturi­dade e da capacidade criativa que a ciência brasileira alcan­çou, e era isso que assinalavam, conscientemente, os ora-

NOTÍCIAS FAPESP

quisador do Instituto Ludwig no Brasíl e, é o coordenador desse projeto e um dos principais criadores do ORESTES. Nas páginas finais deste encarte especial do Notícias FAPESP estão resumidas as falas de todos os oradores du­rante o ato de lançamento do projeto Genoma Humano do Câncer. São eles o vice-governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, o secretário do Desenvolvi­mento Científico do Ministério da Ciência e Tecnologia, Fernando Reinach (representante do ministro Luís Carlos Bresser Pereira), o secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, José Aníbal, o presidente do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, Edward McDermott, o presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, e o diretor cien­tífico da FAPESP, José Fernando Perez.

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GENOMA ESPE C IAL

Un1 can1inho con1petitivo para a descoberta de novos genes

Andrew Simpson

• Figura I. O gene produz RNA mensageiro, que produz uma proteína. As proteínas determinam tudo em nosso corpo.

• Figura 2. As células conrêm os mesmos genes, mas expressam só alguns. Diferentes tipos de célula expressam diferenres genes.

• Figura 3. A expressão gênica em células tumorais pode estar alterada quantitativamenre ou qualitativamenre.

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V ou falar brevemente para tentar dar uma idéia do pro­jeto Genoma Humano do Câncer. Quero aproveitar a oportunidade para comunicar à comunidade científica

quais são as idéias e oportunidades que existem dentro desse novo projeto.

O conceito central ou o dogma central da biologia é o se­guinte: o gene produz RNA mensageiro, que por sua vez pro­duz uma proteína. As proteínas determinam tudo- da estru­tura à função do nosso corpo. As informações para elas estão todas nos genes (Figura 1).

Todas as nossas células contêm os mesmos genes. Só que, em determinado lugar, as células expressam uns, e, em outro lugar, expressam outros. Se queremos entender a diferença entre as células do músculo, as células do pé, as células do sistema ner­voso, nós temos de entender qual é a diferença de expressão gênica. Determinado isso, podemos entender de maneira mui­to profunda como funcionam todas essas estruturas (Figura 2).

Da mesma maneira, a diferença entre uma célula normal e uma célula que já adquiriu o fenótipo maligno é também re­flexo da expressão gênica. Num tumor maligno alguns genes param de ser expressos, outros começam a ser expressos e ou­tros sofrem mutações. Então, de novo, podemos entender esse processo patológico en~endendo a expressão gênica (Figura 3).

Atualmente estamos indo para uma direção de pesquisa muito quantitativa, na qual podemos comparar expressão gêni­ca dos genes individuais em estados diferentes, que podem ser tecidos diferentes ou, como é nosso interesse, células malignas e células normais.

Genes superexpressos são marcadores de grande importân­cia para diagnóstico e são alvos de terapias novas. Genes que não são mais expressos são alvos de terapia gênica futura (isso porque, se sabemos que para uma determinada célula ser nor­mal determinado gene deve ser nela expresso, poderemos no futuro, quem sabe, reinjetar esse gene na célula e devolvê-la efe­tivamente à normalidade). Consideramos, então, que a pro­dução desse tipo de impressão digital molecular de uma célula é o futuro próximo imediato da pesquisa em câncer.

Já existe a tecnologia para fazer medição de expressão gêni­ca em larga escala: com o DNA chip, nosso equivalente do computador, já é possível medir simultaneamente a expressão de milhares de genes. No nosso laboratório, já o fizemos com cerca de 20 mil genes simultaneamente. O professor Brentani

NOTICIAS FAPESP

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(Ricardo Renzo Brentani, diretor do Hospital do Câncer e tam­bém do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer) chama a isso de end ofscience, porque não exige mais pensar, apenas fazer experimentos essencialmente simples. Liga-se o computador e ele vai dizendo tudo. Só tem um porém: para acessar todo o poder dessa tecnologia precisamos colocar em nosso DNA chip os genes de nosso interesse. E se o nosso interesse é o Genoma Humano, precisamos colocar no DNA chip todos os genes humanos (Figura 4).

Ora, como disse Edward McDermott (presidente do Ludwig lnstitute for Cancer Research) e como todo mundo sabe, existe uma corrida internacional para conhecer o genoma humano. Por que isso gera hoje tanta emoção? Porque o geno­ma humano vai ser a base de toda a pesquisa genética humana nos próximos anos. E há o risco de patenteamento antes da hora dos genes só seqüenciados em nível de ESTs ("expressed sequences tags", ou etiquetas de sequências expressas), sem um grande investimento de trabalho. Isso é um grande desestímu­lo à pesquisa, porque se alguém já é dono de um gene, por que eu vou trabalhar com esse gene? Para ele ficar rico? Isso não é bom. A corrida que está em curso é da iniciativa privada, de grandes empresas como a Incite e Celera, e da comunidade acadêmica, como os NIH (National lnstitures for Health, dos Estados Unidos) e o Sanger Center, na Inglaterra.

Nós acreditamos que é de importância fundamental que o Genoma Humano permaneça aberto para que todos possam trabalhar nele. Por isso vamos entrar nessa corrida com o pro­pósito de tentar colocar no domínio público o maior número possível de genes humanos, para nos dar a oportunidade de futuramente trabalhar com eles.

Estima-se que existem de 50 a 100 mil genes humanos. Provavelmente a maioria tem alguma seqüência já conhecida, mas só 10% são totalmente seqüenciados. Outros 90% cons­tituem trabalho para os próximos anos. E nós vamos entrar nisso. Ninguém nos convidou. É uma festa, e decidimos entrar. Nem sei se somos bemvindos, mas vamos estar lá.

É objetivo futuro entendermos realmente a diferença entre uma célula maligna e uma célula normal (na imagem mostra­da, uma célula maligna de um sarcoma de partes moles está saindo do tumor e migrando para um vaso onde causará a me­tástase, que produz grandes danos ao paciente). Qual a dife­rença? Como podemos explorar essas diferenças para diagnós­ticos de terapias melhores? (Figura 5).

Em nossa opinião, o segredo, a grande ajuda para isso vai ser conhecer o genoma humano inteiro. O genoma humano é mui­to diferente do genoma da Xylelfa fastidiosa (bactéria causadora da praga do amarelinho, nos laranjais, cujo seqüenciamento, objeto de um projeto da FAPESP, está em fase de conclusão). Não só porque é mil vezes maior, mas porque sua estrutura é di­ferente. Observando o genoma de uma bactéria, encontra-se um gene, seguido de outro, seguido de outro, e assim sucessivamen­te (Figura 6). O genoma humano tem mais ou menos 97% de

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GENO MA ESPEC IAL

• Figura 4. Num só DNA chip, mediu-se simultaneamente a expressão de 20 mil genes no Ludwig.

• Figura 5. Células malignas de rumor migram para os vasos, podendo cauxar metástase.

• Figura 6 Apenas 3% do genoma humano codificam genes. Os outros 97% seriam resquícios evolutivos desse genoma.

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GENOMA ESPECIAL

• Figura 7. A recnologia exisrente de seqüenciamenro a partir do cDNA só alcança as extremidades dos genes.

To general e 200Mb ol expressed gene sequence oentered on lhe ORFs

To compile conttgs of pORFs

To cootnbute to lhe tmely pubtic avaiaboltty of human cod•ng reg•ons

To iden~fy key genes •nvolved 1n tumor formahon •n cancer types or local importance

To stimulate vigorous downstream exploitation ofthe sequences discovered and

• Figura 8. O projeto Genoma Humano do Câncer deverá seqüenciar 500 mil ORESTES e gerar 200 milhões de nucleo­rídeos diferentes centrados na porção codificadora dos genes.

• Figura 9. Em 6 mil seqüências geradas com o ORESTES, conseguiu-se 35% de novas seqüências de genes humanos.

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DNA que não codifica genes e só 3% que codificam genes (a teoria hoje mais aceita é de que esses 97% de nucleotídeos que não formam genes constituem uma espécie de "lixo" da evolução do genoma humano). Então o Human Genes Project e aCelera, de Craig Venter, que pretendem seqüenciar o geno­ma inteiro, no fundo, vão fazer 97% do trabalho para obter se­qüências de menor importância do que os genes, que são real­mente o ouro nesta mina. Não só isso, quando se seqüencia tudo, às vezes é difícil reconhecer a posição e a identidade dos genes (na técnica tradicional de seqüenciamento, que toma o DNA como ponto de partida, há essa dificuldade, enquanto que na técnica cujo ponto de partida é o RNA mensageiro veri­fica-se com mais certeza quando se está diante de um gene, uma vez que só há RNA se na sua origem há um gene).

A alternativa é só seqüenciar os genes. Isso é possível e não é novidade: usar a maquinaria das células para pegar as partes separadas dos genes, colocá-las juntas e essencialmente seqüen­ciar isso. A tecnologia existente na parte de cDNA permite se­qüenciar as extremidades dos genes. Temos hoje, no GenBank, mais de um milhão de seqüências, essencialmente das extremi­dades dos genes expressos, que marcam 60 mil genes diferentes. Mas falta uma informação que é crucial, porque também den­tro do gene você tem a parte que não codifica proteína e a que co­difica, e é exatamente essa parte codificadora que muitas vezes ainda está perdida dentro dos genes depositados no GenBank.

Nós conseguimos desenvolver uma metodologia que per­mite seqüenciar exatamente aquela parte que ainda falta. É isso que vamos fazer agora, em larga escala, nesse projeto. Essa téc­nica se chama ORESTES - Open Reading Frames EST Se­quences. E seu produto, ou seja, as seqüências (templates, em inglês) que ela permite gerar, tem o mesmo nome (Figura 7).

Então, o objetivo do projeto é, a partir do material dos tu­mores, gerar e seqüenci~r 500 mil ORESTES, que devem gerar em torno de 200 milhões de nucleotídeos, todos centrados nas "open reading frames" dos genes expressos humanos, para mon­tar por computação essas "open reading frames" inteiras, sub­metê-las ao GenBank, e aí vamos ter em nossas mãos os genes clonados. Vamos garantir a inclusão nesse trabalho de todos os tipos de câncer que têm importância local, por exemplo, câncer de estômago, boca, colo de útero, que não são necessariamente o objetivo de muitas pesquisas no exterior. Isso é que é realmen­te importante: o projeto vai dar muito trabalho, mas é um meio para impulsionar nosso trabalho com essas novas seqüências e explorá-las para projetos de nosso próprio interesse (Figura 8).

Para conseguir esse alto nível de seqüenciamento, tivemos a sorte de já conseguir importar e instalar no Brasil uma última geração de seqüenciador capilar, que faz 96 seqüências simul­taneamente em 90 minutos. Trata-se do MegaBace, cada um com capacidade de seqüenciar mais de 100 mil nucleotídeos por dia, do qual existem mais ou menos 50 em todo o mundo, em instituições públicas. E 10% desses equipamentos estão em nosso projeto, já funcionando. Portanto, estamos competitivos.

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Testamos também a tecnologia em uma escala um pouco mais alta, com resultados animadores. Por exemplo, aqui em 6 mil seqüências geradas, cerca de 10% mais ou menos não repre­sentam coisas de qualquer interesse porque são genes abundan­temente expressos. Outros 10% representam seqüências que são repetidas no Genoma, e por ser repetido você não pode tirar muita informação dele. Não se sabe se vem de um gene ou não, se vem de um gene novo, etc. E um terço tem homologia nor­malmente completa com genes já completamente seqüenciados. Mas 15% já caem para genes parcialmente seqüenciados, 5o/o têm uma homologia com o DNA, porque mais ou menos 5o/o de todo o genoma está seqüenciado e há probabilidade disso acon­tecer, e 2% são novos genes humanos que têm homologia com genes já seqüenciados de outros organismos- aliás, isso é ótimo, porque já se sabe o que esse gene faz sem fazer nada, porque alguém já verificou isso em ratos, camundongos - e 25% da seqüência são genes totalmente novos, sem nenhuma homologia. Então realmente em torno de 35% dos dados que nós estamos produzindo são novas seqüências de genes humanos (Figura 9).

Isso é a base da idéia. Essa é a posição de nossas seqüências dentro de um gene. Então, pegamos todas as seqüências que batem com genes completos para calcular a posição da seqüên­cia dentro do gene. O vermelho é o previsto, e o preto são os dados que calculamos esta semana (21/3 a 26/3 de 1999) a par­tir dos resultados das primeiras 6 mil seqüências. Me deu muita felicidade ver que o que foi previsto aconteceu (Figura 10).

E tem mais uma grande vantagem nessa tecnologia que é a seguinte: um dos maiores problemas de seqüenciar ESTs, cDNA, é que os genes são expressos em níveis muito diferentes. Se pegamos cDNA libraries, bibliotecas de cDNA, acabamos seqüenciando muitas vezes a mesma coisa, por conta dos genes abundantemente expressos, e quase nunca aqueles raros que realmente queremos. Se pegamos da Internet, por exemplo, uma biblioteca produzida pelo pesquisador Marcelo Bento Soares, colega nosso que trabalha em Iowa, a distribuição da abundância dos genes seqüenciados nessa biblioteca é assim. E a coluna média é de genes que já foram seqüenciados mais de 100 ou 200 vezes anteriormente. Tem uma tecnologia inventa­da por ele, que permite a normalização, conseguindo diminuir para um fator mais ou menos 2 a abundância média do gene que você está seqüenciando. Pode-se ver na figura que as barras vão um pouco para a esquerda, e se tem mais desses genes raros. Quando aplicamos nossa tecnologia do ORESTES, consegue­se mais uma vez dobrar a eficiência do processo, agora com uma porcentagem maior de genes raros, e a média é de 30, 60, em vez de 126 a 355.

Então, temos uma tecnologia que, sim, nos dá a possibili­dade de competir, porque resolve os dois problemas principais de EST: sequenciar no meio do gene e normalizar (Figura 11).

Vamos falar da estrutura do projeto. A coordenação deste pro­jeto está sendo feita por uma equipe de grande capacidade, os meus colegas do Instituto Ludwig (Figura 12). E já assinamos

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GENOMA E S PE C IAL

• Figura IO. fu primeiras 6 mil seqüências mostraram que, con­forme o esperado, a técnica permite a obtenção de seqüências da porção inrerna dos genes.

• Figura II. Mesmo quando comparada com bibliotecas norma­lizadas, observa-se que a porcentagem de genes raros nas bi­bliotecas de cDNA aumenra muito com o uso da nova tecnolo­gia.

• Figura I2. A estrutura do projeto prevê a inregração de rodos os cenrros entre si e com a coordenação central.

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G ENOM A ES P EC IAL

• Figura 13. Produção de RNA, construção de bibliotecas e coordenação de bioinformática reúnem-se no instituro Ludwig.

• Figura 14. Cada centro de seqüenciamenco irá contar com o apoio de quatro laboratórios.

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• Figura 15. Os tumores serão coletados para preparação do RNA, construção das bibliotecas e geração das ORESTES.

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ontem contratos com cinco centros no Estado de São Paulo, liderados pelo professor Sergio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da USP, professor Fernando Ribeiro Costa, da

· Unicamp, professor Marco Antonio Zago, na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, professor Marcelo Brio­nes, na Escola Paulista de Medicina, e doutora Maria Aparecida Nagai, da Faculdade de Medicina da USP. Cada um desses cen­tros já tem um MegaBace funcionando. As setas na figura vão em todas as direções, porque o pano de fundo desse projeto, do mesmo modo como no projeto da Xyllela, é integração, comu­nicação e trabalho em equipe.

Responsável pela coordenação no Ludwig, encontro-me no meio olhando todo mundo trabalhando em torno. Começando por uma função realmente fundamental, que é a produção de RNA de altíssima qualidade, temos um especialista nessa área, Luís Fernando Lima Reis, depois, a construção das bibliotecas, que está sendo coordenada por Emmanuel Dias Neto, que é realmente a pessoa responsável por essa tecnologia desenvolvida durante o seu doutorado. Na coordenação de bioinformática temos Sandro de Souza, que estava até recentemente no la­boratório do professor Walter Gilbert, em Harward, cuja par­ticipação nesse projeto foi um dos motivos de ter voltado para o Brasil, em vez de aceitar outros convites que recebeu do mundo inteiro - e estamos muito felizes com isso. Temos muita sorte também de ter um project manager, a Juçara Parra, um gerente de projeto que, aprendemos com os trabalhos da Xylella, é fundamental para tocar o dia-a-adia do projeto, para fazê-lo andar com eficiência (Figura 13).

Nós vamos interagir com cinco centros de sequenciamento, onde existem os coordenadores. Cada centro vai precisar de mais quatro laboratórios, quatro grupos de pesquisa para parti­cipar deste projeto (Figlfra 14). Hoje nós estamos pedindo aos grupos que queiram participar do projeto a partir do próximo mês que se inscrevam já. Nós gostaríamos muito que mais ou menos metade desses laboratórios fossem de grupos que já estavam participando conosco do projeto da Xyllela. Se alguém ainda agüentar o esforço, coragem. E eu quero um número mais ou menos igual de laboratórios novos com interesse em par­ticipar desse projeto. O endereço para inscrições na Internet é: watson.fapesp.br. Ali estão todos os detalhes do projeto, os or­çamentos, as tarefas e, no final, os formulários já abertos.

O que esses grupos vão fazer? A idéia do projeto é coletar tumores em todos os hospitais de São Paulo que tenham inte­resse em participar disso e vamos preparar RNA para verificar a qualidade do material, no Ludwig. Depois vamos distribuir RNA e os outros reagentes necessários para fazer ORESTES para os grupos que vão construir os templates e seqüenciar os genes, daí mando de volta para a bioinformática e vamos man­dar para o GenBank dos National lnstitutes for Health (NIH) , em Washington. Enfim, espero que no próximo ano o nosso trabalho no Instituto virtual tenha todas as emoções que no ano passado já teve (Figura 15).

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Muitos genes de uma só família, chamada humanidade

Geraldo Alckimin Filho Via-governador do Estado de São Paulo

Uma pá de cal no complexo de inferioridade

Fernando Reinach Secretdrio de Desenvolvimento Científico do M CT

Parcerias para ap~ofundar a pesqmsa

José Aníbal Perez de Pontes Secretdrio da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico

NOTÍCIAS FAPESP

Em síntese o que disseram os oradores

• O homem sempre viveu entre dois infini­tos. O infinitamente grande - o universo, com suas estrelas e galáxias - e o infinita­mente pequeno - os átomos, as moléculas, as células, os micróbios, os genes.

Talvez por ser mais visível, majestoso e encantador, o infinitamente grande sempre despertou maiores atenções. Os estudos do microcosmo só começaram em meados do século passado, com as pesquisas de Louis Pasteur, que marcaram os primeiros e im­portantes mergulhos do homem para den­tro de si mesmo.

Neste limiar do terceiro milénio, que to­dos esperam ser a era da paz, o homem come-

• O projeto Genoma Humano do Câncer marca a adolescência ou mesmo a maturida­de de uma parte grande da ciência brasileira.

Quando o programa Genoma da FAPE­SP foi iniciado, com o projeto da X fastidiosa, existia um grande medo e muitas dúvidas na Fundação. Por exemplo: conseguiríamos fazer um genoma? Tínhamos capacidade ins­talada para fazê-lo? Existiriam cientistas com ânimo suficiente e treinamento para isso?

Agora estamos quase no fim do projeto Xyllela e está demonstrado que foi possível. E é impressionante a velocidade com que mudamos de patamar. De início, pegamos um organismo sobre o qual não havia com-

• Os recursos repassados à FAPESP e a ou­tros órgãos públicos são dinheiro do con­tribuinte. E não conheço nenhum gover­nante no Brasil que mais freqüentemente faça referência a esse fato do que o gover­nador Mário Covas, principalmente em reuniões públicas e comícios. A respons­abilidade do governante é alocar bem esses recursos, e acentuar esse fato nunca é de­mais. Isso nos remete à seguinte reflexão:

O projeto Genoma Humano do Câncer é uma satisfação para São Paulo. Ele con­tribui para a nossa auto estima e investe contra a prevalência de uma cultura um tanto amarga da nossa tradição, que leva,

GENOMA ES P EC I A L

ça a descobrir dentro de si que existe um uni­verso tão ou mais encantador que aquele outro cheio de constelações, estrelas e planetas.

O projeto Genoma é um dos mais fasci­nantes estudos que se pode fazer nesta nova era da ciência. Ao desvendar e catalogar o có­digo genético da espécie humana, ele estará descobrindo a cura para graves doenças. Estará prolongando a vida com mais qua­lidade. E, mais importante, ao mergulhar fundo na essência da vida de cada um de nós, estará mostrando que as variações de genes não diferenciam os homens entre si, pois todos pertencem a uma única família chamada humanidade.

petição, e agora estamos trabalhando em um organismo em que a competição é a mais acirrada no mundo, que é o ser humano; no começo, usamos uma técnica absolutamen­te standard, e agora vamos entrar na com­petição internacional com uma técnica revo­lucionária, nova, desenvolvida aqui.

Isso deveria por a pá de cal final no com­plexo de inferioridade da ciência brasileira, do sistema de ciência e tecnologia do Brasil e, particularmente, do Estado de São Paulo.

• Temos condições para competir em pé de igualdade. Temos todas as condições de en­trar nessa festa para fazer um estrago - no bom sentido.

por exemplo, alguns a nos descreverem co­mo Belíndia.

A competência de São Paulo para fazer uma parceria com o Instituto Ludwig é a competência de suas universidades estaduais, dos institutos de pesquisa, da FAPESP, e isso nos orgulha muito. Mas quero desta­car, em paralelo, que não temos ainda, no Brasil, uma tradição de participação de ins­titutos privados e empresas em projetas de pesquisa. E acho que este é um grande de­safio. As parcerias devem ser ampliadas para que a pesquisa, a ciência, a tecnologia, este­jam acopladas ao desenvolvimento da pro­dução de bens e de serviços.

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Page 32: Inventário da vida

GENOMA ESPEC IAL

Caracterização genética com menor carga de trabalho

Edward McDermott Presidente do Instituto Ludwig

Quatro atores viabilizando um projeto

Carlos Henrique de Brito Cruz Presidente da FAPESP

Uma proposta ousada para entrar na competição

José Fernando Perez Diretor Científico da FAPESP

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Em síntese o que disseram os oradores

• O Instituto Ludwig sente orgulho em jun­tar-se à FAPESP na promoção e coordenação do projeto Genoma Humano do Câncer.

Muitos esforços de seqüenciamento es­tão em curso no mundo. Embora uma ajuda extra para o formidável trabalho de decodi­ficar os 3 bilhões de unidades de DNA do ge­noma humano possa ser bem-vinda, não é por isso que a FAPESP e o Ludwig decidiram lançar-se nesse campo, altamente competiti­vo. Nós o fazemos porque temos uma aborda­gem para reduzir o trabalho necessário à to­tal caracterização de todos os genes humanos.

Diferentemente das estratégias hoje uti­lizadas, o alvo da técnica criada pelo doutor

Quatro atores possibilitaram o projeto Ge­noma Humano do Câncer: o Instituto Lud­wig, a ciência brasileira, a FAPESP e o con­tribuinte.

Ao primeiro, agradeço a proposta de parceria que trouxe à FAPESP, porque mos­tra o reconhecimento de uma importante or­ganização internacional à capacidade do nos­so sistema de pesquisa.

A ciência brasileira desenvolveu-se muito nos últimos trinta anos, e hoje demonstra vi­talidade para superar os mais árduos desa­fios, cumprindo seu papel ao elevar progres­sivamente seus próprios referenciais. Nesse processo, cabe destacar o papel do estado: o

O Projeto Genoma Humano do Câncer faz parte do programa Genoma-FAPESP. A imagem de uma onça e a sigla ONSA -Organization for Nucleotide Sequencing and Analysis - usadas para o programa ex­pressam nosso respeito pelo TIGR - The lnstitute for Genoma Research (tigre, em inglês, sem o e) -, instituição referencial na área de pesquisa em genética molecular. Expressam também o humor presente nas reuniões que precederam o lançamento do primeiro projeto do nosso programa, o de seqüenciamento da Xylella fostidiosa, em outubro de 1997, e a ousadia brasileira em entrar numa área tão competitiva da genéti-

Simpson são os 3% do DNA que contêm as regiões codificadoras do genoma e, espe­cificamente, sua porção central. Essa notá­vel tecnologia, ORESTES - apenas uma das significativas contribuições de nossa fi­lial paulista -, deve acelerar a identificação de novos genes humanos.

Os frutos desse projeto serão públicos. Nenhuma das seqüências será patenteada e, quando forem divulgadas, deverão estimu­lar pesquisas sobre estrutura e função dos genes, ampliar nossa compreensão sobre a gênese do câncer e facilitar a identificação de marcadores genéticos para detecção pre­coce e avaliação de tumores.

projeto Genoma do Câncer seria impossível sem os investimentos federais e estaduais em bolsas, projetos de pesquisa e qualificação.

O terceiro ator, a FAPESP, tem dado se­guidas demonstrações de critério e rigor na aplicação dos recursos, e tem cumprido seu papel de definir estratégias e criar desafios por meio de programas, aos quais a comu­nidade científica tem respondido à altura.

Finalmente, refiro-me aos que pagam a conta. A parte da FAPESP nesse projeto é paga com recursos do contribuinte paulista, repassados pelo governo estadual, o que au­menta a responsabilidade com que deve­mos encarar o investimento.

ca molecular, em que só existiam projetos do circuito Estados Unidos- Europa-Japão.

O Genoma-FAPESP começou com uma preocupação em relação ao lento desenvol­vimento da biotecnologia em nosso país. Era preciso criar competência nessa área, e decidimos usar a Xyllela como instrumento de capacitação. A partir daí andamos rápido.

Hoje, a FAPESP e o Instituto Ludwig es­tão lançando o Genoma Humano do Cân­cer. É uma parceria que reconhece a com­petência que se instalou e o modelo virtual de organização do programa, que não de­manda investimento em infra-estrutura físi­ca ou administrativa.

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