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Apostila I o Curso para Formação de Agentes Multiplicadores Curso para Formação de Agentes Multiplicadores para encaminhamento e triagem de dependentes químicos Parceiros pela “Vida Plena Sem Drogas” Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico: Parceiros pela “Vida Plena Sem Drogas” Apoio: (11) 4304-0449 (11) 7411-8238 www.ggpublicidade.com.br Realização:

Io Curso para - Grupo Espírita de Estudos · Esta Apostila é uma reprodução do Livro “Prevenção ao Uso Indevido de Drogas: ... de “lança-perfume”, “cheirinho”ou “loló”

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Io Curso paraFormação de

Agentes Multiplicadores

Curso para Formação de Agentes Multiplicadorespara encaminhamento e triagem

de dependentes químicos

Parceiros pela “Vida Plena Sem Drogas”

Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico:

Parceiros pela “Vida Plena Sem Drogas”

Apoio:

(11) 4304-0449

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Esta Apostila é uma reprodução do Livro “Prevenção ao Uso Indevido de Drogas:Capacitação para Conselheiros e Lideranças Comunitárias” Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD);e também do Manuscrito de Marcelo Ribeiro“Ambulatório de Dependência Química” Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD)

Organização do conteúdo do material:José Carlos Marcondes ArantesAlexandre de Souza e Castro AraújoCarlos Eduardo Damasceno Spósito

Projeto Gráfico:G&G Publicidade e Eventos - Giovana Garofalo

Revisão:Adler Koller

Setembro de 2010

Capítulo 1Drogas: classificação e efeitos no organismo ................................................................................05

Capítulo 2Experimentação, uso, abuso e dependência de drogas ............................................................23

Capítulo 3Aspectos socioculturais relacionados ao uso de álcool e outras drogas ............................31

Capítulo 4Prevenção: novas formas de pensar e enfrentar o problema ..................................................43

Capítulo 5Redes Sociais ..............................................................................................................................................57

Capítulo 6Tratamento ..................................................................................................................................................67

Capítulo 7Ambulatório de dependência química .............................................................................................79

Índice

Agradecimentos especiais:Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD);

Marcelo Ribeiro, autor do manuscrito: “Ambulatório de Dependência Química”;Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD)

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Drogas: classificação e efeitos no organismo

Capítulo 1

Drogas:classificação

e efeitos noorganismo

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Drogas: classificação e efeitos no organismo

O que é droga?Droga, segundo a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), é qualquer

substância não produzida pelo organismo que tem a pro priedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alte rações em seu funcionamento.

Uma droga não é por si só boa ou má. Existem substâncias que são usa das com a finalidade de produzir efeitos benéficos, como o tratamen to de doenças, e são consideradas medicamentos. Mas também existem substâncias que provocam malefícios à saúde, os venenos ou tóxicos. É interessante que a mesma substância pode funcionar como medica mento em algumas situações e como tóxico em outras.

Nesta primeira Unidade, você irá estudar as principais drogas utilizadas para alterar o funcionamento cerebral, causando modificações no esta do mental, no psiquismo. Por essa razão, são chamadas drogas psico trópicas, conhecidas também como substâncias psicoativas.

A lista de substâncias na Classificação Internacional de Doenças, 10a Revisão (CID-10), em seu capítulo V (Transtornos Mentais e de Com portamento), inclui:

álcool;

opióides (morfina, heroína, codeína, diversas substâncias sin téticas);

canabinóides (maconha);

sedativos ou hipnóticos (barbitúricos, benzodiazepínicos);

outros estimulantes (como anfetaminas e substâncias relacio nadas à cafeína);

alucinógenos;

tabaco;

solventes voláteis.

Vale lembrar que nem todas as substâncias psicoativas têm a capacidade de provocar dependência. No entanto, há substâncias aparentemente inofensivas e presentes em muitos produtos de uso doméstico que têm esse poder.

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Classificação das drogasHá diversas formas de classificar as drogas.

Existe uma classificação - de interesse didático - que se baseia nas ações aparentes das drogas sobre o Sistema Nervoso Central (SNC), conforme as modificações observáveis na atividade mental ou no com portamento da pessoa que utiliza a substância. São elas:

1. drogas DEPRESSORAS da atividade mental;2. drogas ESTIMULANTES da atividade mental;3. drogas PERTURBADORAS da atividade mental.

Com base nessa classificação, conheça agora as principais drogas.

Drogas depressoras da atividade mentalEssa categoria inclui uma grande variedade de substâncias, que dife rem acentuadamente

em suas propriedades físicas e químicas, mas que apresentam a característica comum de causar uma diminuição da ati vidade global ou de certos sistemas específicos do SNC. Como conse qüência dessa ação, há uma tendência de ocorrer uma diminuição da atividade motora, da reatividade à dor e da ansiedade, e é comum um efeito euforizante inicial e, posteriormente, um aumento da sonolên cia.

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Drogas: classificação e efeitos no organismo

•Álcool

O álcool etílico é um produto da fermentação de carboidratos (açúca res) presentes em vegetais, como a cana-de-açúcar, a uva e a cevada.

Suas propriedades euforizantes e intoxicantes são conhecidas desde tempos pré-históricos e praticamente, todas as culturas têm ou tive ram alguma experiência com sua utilização. É seguramente a droga psicotrópica de uso e abuso mais amplamente disseminada em grande número e diversidade de países na atualidade.

A 1fermentação produz bebidas com concentração de álcool de até 10% (proporção do volume de álcool puro no total da bebida). São obtidas concentrações maiores por meio de 2destilação. Em doses baixas, é uti lizado, sobretudo, por causa de sua ação euforizante e da capacidade de diminuir as inibições, o que facilita a interação social.

Há uma relação entre os efeitos do álcool e os níveis da substância no sangue, que variam em razão do tipo de bebida utilizada, da velocidade do consumo, da presença de alimentos no estômago e de possíveis alte rações no metabolismo da droga por diversas situações - por exemplo, na insuficiência hepática, em que a degradação da substância é mais lenta.

Níveis de Álcool no Sangue

1 Processo anaeróbico de transformação de uma substância em outra, produzida a partir de microorganismos, tais como bactérias e fungos, chamados nesses casos de fermentos.

2 Processo em que se vaporiza uma substância líquida e, em seguida, se condensam os vapores resultantes para se obter de novo um líquido, geralmente mais puro

habilidade

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O álcool induz a tolerância (necessidade de quantidades progressiva mente maiores da substância para se produzir o mesmo efeito desejado ou intoxicação) e a síndrome de abstinência (sintomas desagradáveis que ocorrem com a redução ou com a interrupção do consumo da substância).

• BarbitúricosPertencem ao grupo de substâncias sintetizadas artificialmente desde o começo do

século XX, que possuem diversas propriedades em comum com o álcool e com outros tranquilizantes (benzodiazepínicos).

Seu uso inicial foi dirigido ao tratamento da insônia, porém a dose para causar os efeitos terapêuticos desejáveis não está muito distante da dose tóxica ou letal.

O sono produzido por essas drogas, assim como aquele provocado por todas as drogas indutoras de sono, é muito diferente do sono “natural” (fisiológico).

São efeitos de sua principal ação farmacológica:a diminuição da capacidade de raciocínio e concentração;a sensação de calma, relaxamento e sonolência;reflexos mais lentos.Com doses um pouco maiores, a pessoa tem sintomas semelhantes à embriaguez,

com lentidão nos movimentos, fala pastosa e dificuldade na marcha.

Doses tóxicas dos barbitúricos podem provocarsurgimento de sinais de incoordenacão motora;acentuação significativa da sonolência, que pode chegar ao coma;morte por parada respiratória.

São drogas que causam tolerância (sobretudo quando o indivíduo utili za doses altas desde o início) e síndrome de abstinência quando ocorre sua retirada, o que provoca insônia, irritação, agressividade, ansiedade e até convulsões.

Em geral, os barbitúricos são utilizados na prática clínica para indução anestési ca (tiopental) e como anticonvulsivantes (fenobarbital).

• BenzodiazepínicosEsse grupo de substâncias começou a ser usado na Medicina duran te os anos 60 e possui

similaridades importantes com os barbitúricos, em termos de ações farmacológicas, com a vantagem de oferecer uma maior margem de segurança, ou seja, a dose tóxica, aquela que produz efeitos prejudiciais à saúde, é muitas vezes maior que a dose terapêuti ca, ou seja, a dose prescrita no tratamento médico.

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Drogas: classificação e efeitos no organismo

Substância química produzida pelos neurônios, as células nervosas, por meio das quais elas podem enviar informações a outras células.

Atuam potencializando as ações do GABA (ácido gama-amino-butírico), o principal neurotransmissor inibitório do SNC.

Como consequência dessa ação, os benzodiazepínicos produzem:diminuição da ansiedade;indução do sono;relaxamento muscular;redução do estado de alerta.

Essas drogas dificultam, ainda, os processos de aprendizagem e me mória, e alteram, também, funções motoras, prejudicando atividades como dirigir automóveis e outras que exijam reflexos rápidos.

As doses tóxicas dessas drogas são bastante altas, mas pode ocorrer intoxicação se houver uso concomitante de outros depressores da ati vidade mental, principalmente, álcool ou barbitúricos. O quadro de intoxicação é muito semelhante ao causado por barbitúricos.

Existem centenas de compostos comerciais disponíveis, que diferem somente em relação à velocidade e duração total de sua ação. Alguns são mais bem utilizados clinicamente como indutores do sono, enquanto outros são empregados no controle da ansiedade ou para prevenir a convulsão.

Exemplos de benzodiazepínicos: diazepam, lorazepam, bromazepam, midazolam, flunitrazepam, clonazepam, lexotan.

• OpióidesGrupo que inclui drogas “naturais”, derivadas da papoula do oriente Papaver

somniferum), sintéticas e semi-sintéticas, obtidas a partir de modificações químicas em substâncias naturais.

As drogas mais conhecidas desse grupo são a morfina, a heroína e a codeína, além de diversas substâncias totalmente sintetizadas em laboratório, como a metadona e meperidina.

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Sua ação decorre da capacidade de imitar o funcionamento de diversas substâncias naturalmente produzidas pelo organismo, como as endorfinas e as encefálinas.

Normalmente, são drogas depressoras da atividade mental, mas pos suem ações mais específicas, como de analgesia e de inibição do reflexo da tosse.

• Causam os seguintes efeitoscontração pupilar importante;diminuição da 4motilidade do trato gastrointestinal;efeito sedativo, que prejudica a capacidade de concentração; torpor e sonolência.

Os opióides deprimem o centro respiratório, provocando desde respi ração mais lenta e superficial até parada respiratória, perda da consci ência e morte.

São efeitos da abstinência:náuseas;cólicas intestinais; lacrimejamento;arrepios, com duração de até 12 dias;corrimento nasal;câimbra;vômitos;diarréia.Quando em uso clínico, os medicamentos à base de opióides são receitados para

controlar a tosse, a diarréia e como analgésicos potentes.

Solventes ou inalantesEsse grupo de substâncias, entre os depressores, não possui nenhuma utilização clínica,

com exceção do éter etílico e do clorofórmio, que já foram largamente empregados como anestésicos gerais.

Solventes podem tanto ser inalados involuntariamente por trabalhadores quanto ser utilizados como drogas de abuso, por exemplo, a cola de sapateiro. Outros exemplos são o tolueno, o xiloi, o n-hexano, o acetato de etila, o tricloroetileno, além dos já citados éter e clorofórmio, cuja mistura é chamada, frequentemente, de “lança-perfume”, “cheirinho”ou “loló”.

4 Capacidade de mover-se espontâneamente.

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Drogas: classificação e efeitos no organismo

Os efeitos têm início bastante rápido após a inalação, de segundos a minutos, e também têm curta duração, o que predispõe o usuário a inalações repetidas, com conseqüências, às vezes, desastrosas. Acom panhe na tabela os efeitos observados com o uso de solventes.

O uso crônico dessas substâncias pode levar à destruição de neurônios, causando danos irreversíveis ao cérebro, assim como lesões no fígado, rins, nervos periféricos e medula óssea.

Outro efeito ainda pouco esclarecido dessas substâncias (particular mente dos compostos derivados, como o clorofórmio) é sua interação com a adrenalina, pois aumenta sua capacidade de causar arritmias car díacas, o que pode provocar morte súbita.

Embora haja tolerância, até hoje não se tem uma descrição característi ca da síndrome de abstinência relacionada a esse grupo de substâncias.

Drogas estimulantes da atividade mental

São incluídas nesse grupo as drogas capazes de aumentar a atividade de determinados sistemas neuronais, o que traz como consequências um estado de alerta exagerado, insónia e aceleração dos processos psí quicos.

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• AnfetaminasSão substâncias sintéticas, ou seja, produzidas em laboratório. Existem várias

substâncias sintéticas que pertencem ao grupo das anfetaminas.São exemplos de drogas “anfetamínicas”: o fenproporex, o metilfenidato, o manzidol,

a metanfetamina e a dietilpropiona. Seu mecanismo de ação é au mentar a liberação e prolongar o tempo de atuação de neurotransmissores uti lizados pelo cérebro, a dopamina e a noradrenalina.

Os efeitos do uso de anfetaminas são:diminuição do sono e do apetite;sensação de maior energia e menor fadiga, mesmo quando realiza esforços excessivos, o que pode ser prejudicial;rapidez na fala;dilatação da pupila;taquicardia;elevação da pressão arterial.

Com doses tóxicas, acentuam-se esses efeitos. O indivíduo tende a fi car mais irritável e agressivo e pode considerar-se vítima de persegui ção inexistente (delírios persecutórios) e ter alucinações e convulsões.

O consumo dessas drogas induz tolerância. Não se sabe com certeza se ocorre uma verdadeira síndrome de abstinência. São frequentes os relatos de sintomas depressivos: falta de energia, desânimo, perda de motivação, que, por vezes, são bastante intensos quando há interrup ção do uso dessas substâncias.

Entre outros usos clínicos dessa substância, destaca-se a utilização como mode radores do apetite (remédios para regime de emagrecimento).

• CocaínaÉ uma substância extraída de uma planta originária da América do Sul, popularmente

conhecida como coca (Erythroxylon coca).A cocaína pode ser consumida na forma de pó (cloridrato de cocaína), aspirado ou

dissolvido em água e injetado na corrente sanguínea, ou sob a forma de uma pedra, que é fumada, o crack. Existe ainda a pasta de coca, um produto menos purificado, que também pode ser fumado, conhecido como merla.

Seu mecanismo de ação no SNC é muito semelhante ao das anfetami nas, mas a cocaína atua, ainda, sobre um terceiro neurotransmissor, a serotonina, além da noradrenalina e da dopamina.

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Drogas: classificação e efeitos no organismo

A cocaína apresenta, também, propriedades de anestésico local que in dependem de sua atuação no cérebro. Essa era, no passado, uma das indicações de uso médico da substância, hoje obsoleto.

Seus efeitos têm início rápido e duração breve. No entanto, são mais in tensos e fugazes quando a via de utilização é a intravenosa ou quando o indivíduo utiliza o crack ou merla.

Efeitos do uso da cocaína:sensação intensa de euforia e poder; estado de excitação;hiperatividade; insônia;falta de apetite;perda da sensação de cansaço.Apesar de não serem descritas tolerância nem síndrome de abstinência inequívoca,

observa-se, frequentemente, o aumento progressivo das doses consumidas.Particularmente, no caso do crack, os indivíduos desenvolvem dependência severa

rapidamente, muitas vezes, em poucos meses ou mesmo algumas semanas de uso.Com doses maiores, observam-se outros efeitos, como irritabilidade, agressividade e

até delírios e alucinações, que caracterizam um ver dadeiro estado psicótico, a psicose cocaínica. Também podem ser ob servados aumento da temperatura e convulsões, frequentemente de difícil tratamento, que podem levar à morte se esses sintomas forem prolongados.

Ocorrem, ainda, dilatação pupilar, elevação da pressão arterial e taquicardia (os efeitos podem levar até a parada cardíaca, uma das possíveis causas de morte por superdosagem).

Fator de risco de infarto e Acidente Vascular Cerebral(AVC)Mais recentemente e de modo cada vez mais frequente, verificam-se alterações

persistentes na circulação cerebral, em indivíduos depen dentes de cocaína. Existem evidências de que o uso dessa substância seja um fator de risco para o desenvolvimento de infartos do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (AVCs), em indivíduos relativamente jovens. Um processo de degeneração irreversível da musculatura (ra-bdomiólise) em usuários crônicos de cocaína também já foi descrito.

Drogas perturbadoras da atividade mental

Nesse grupo de drogas, classificam-se diversas substâncias cujo efeito principal é provocar alterações no funcionamento cerebral, que resul tam em vários fenômenos psíquicos anormais, entre os quais destaca mos os delírios e as alucinações.

Por esse motivo, essas drogas receberam a denominação alucinógenos. Em linhas

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gerais, podemos definir alucinação como uma percepção sem objeto, ou seja, a pessoa vê, ouve ou sente algo que realmente não existe. Delírio, por sua vez, pode ser definido como um falso juízo da realidade, ou seja, o indivíduo passa a atribuir significados anormais aos eventos que ocorrem à sua volta. Há uma realidade, um fator qual quer, mas a pessoa delirante não é capaz de fazer avaliações corretas a seu respeito.

Por exemplo, no caso do delírio persecutório, nota em toda parte indí cios claros - embora irreais - de uma perseguição contra a sua pessoa. Esse tipo de fenômeno ocorre de modo espontâneo em certas doenças mentais, denominadas psicoses, razão pela qual essas drogas também são chamadas psicotomiméticos.

• MaconhaÉ o nome dado no Brasil à Cannabis sativa. Suas folhas e inflorescen cias secas podem

ser fumadas ou ingeridas. Há também o haxixe, pasta semi-sólida obtida por meio de grande pressão nas inflorescencias, preparação com maiores concentrações de THC (tetrahidrocanabinol), uma das diversas substâncias produzidas pela planta, principal responsável pelos seus efeitos psíquicos.

Há uma grande variação na quantidade deTHC produzida pela planta confor me as condições de solo, clima e tempo decorrido entre a colheita e o uso, bem como na sensibilidade das pessoas à sua ação, o que explica a capacidade de a maconha produzir efeitos mais ou menos intensos.

Efeitos psíquicos agudosEsses efeitos podem ser descritos, em alguns casos, como uma sensa ção de bem-estar,

acompanhada de calma e relaxamento, menos fadiga e hilaridade, enquanto, em outros casos, podem ser descritos como angústia, atordoamento, ansiedade e medo de perder o autocontrole, com tremores e sudorese.

Há uma perturbação na capacidade de calcular o tempo e o espaço, além de um prejuízo da memória e da atenção.

Com doses maiores ou conforme a sensibilidade individual, podem ocorrer perturbações mais evidentes do psiquismo, com predominân cia de delírios e alucinações.

Efeitos psíquicos crônicosO uso continuado interfere na capacidade de aprendizado e memori zação. Pode induzir

um estado de diminuição da motivação, que pode chegar à síndrome amotivacional, ou seja, a pessoa não sente vontade de fazer mais nada, tudo parece ficar sem graça, perder a importância.

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Drogas: classificação e efeitos no organismo

Efeitos físicos agudosHiperemia conjuntival (os olhos ficam avermelhados); diminuição da produção da

saliva (sensação de secura na boca); taquicardia com a frequência de 140 batimentos por minuto ou mais.

Efeitos físicos crônicosProblemas respiratórios são comuns, uma vez que a fumaça produzida pela maconha

é muito irritante, além de conter alto teor de alcatrão maior que no caso do tabaco) e nele existir uma substância chamada benzopireno, um conhecido agente cancerígeno. Ocorre, ainda, uma diminuição de 50% a 60% na produção de testosterona dos homens, podendo haver infertilidade.

• AlucinógenosDesignação dada à diversas drogas que possuem a propriedade de pro vocar uma série

de distorções do funcionamento normal do cérebro, que trazem como consequência uma variada gama de alterações psí quicas, entre as quais alucinações e delírios, sem que haja uma estimu lação ou depressão da atividade cerebral. Fazem parte deste grupo a dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e o Ecstasy.

Atenção! No Brasil, o Ministério da Saúde não reconhece nenhum uso clínico dos alucinógenos, e sua produção, porte e comércio são proibidos no território nacional.

O grupo de drogas alucinógenas pode ser subdividido entre as seguin tes características:alucinógenos propriamente ditos ou alucinógenos primá rios - São capazes de produzir

efeitos psíquicos em doses que praticamente não alteram outra função no organismo;alucinógenos secundários - São capazes de induzir efeitos alucinógenos em doses que

afetam de maneira importante diversas outras funções;plantas com propriedades alucinógenas - Diversas plantas . possuem propriedades

alucinógenas como, por exemplo, al guns cogumelos (Psylocibe mexicana, que produz a psilocibina), a jurema (Mimosa hostilis) e outras plantas eventualmente utilizadas na forma de chás e beberagens alucinógenas.

• Dietilamida do Ácido LisérgicoLSD Substância alucinógena sintetizada artificialmente e uma das mais potentes com

ação psicotrópica que se conhece. As doses de 20 a 50 milionésimos de grama produzem efeitos com duração de 4 a 12 horas.

Seus efeitos dependem muito da sensibilidade da pessoa às ações da droga, de seu estado de espírito no momento da utilização e também, do ambiente em que se dá a experiência.

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Efeitos do uso de LSDdistorções perceptivas (cores, formas e contornos alterados);fusão de sentidos (por exemplo, a impressão de que os sons adquirem forma ou cor);perda da discriminação de tempo e espaço (minutos parecem horas ou metros assemelham-se a quilômetros);alucinações (visuais ou auditivas) podem ser vivenciadas como sensações agradáveis, mas também podem deixar o usuário extremamente amedrontado;estados de exaltação (coexistem com muita ansiedade, angús tia e pânico, e são relatados como boas ou más “viagens”).Dutra repercussão psíquica da ação do LSD sobre o cérebro são os de lírios. Observe o quadro:

Outros efeitos tóxicosHá descrições de pessoas que experimentam sensações de ansiedade omito intensa,

depressão e até quadros psicóticos por longos períodos com o consumo do LSD.Uma variante desse efeito é o flashback, quando, após semanas ou meses depois de

uma experiência com LSD, o indivíduo volta a apresentar repentinamente, todos os efeitos psíquicos da experiência anterior, por ter voltado a consumir a droga novamente, com consequências imprevisíveis, uma vez que tais efeitos não estavam sendo procurados ou esperados e podem surgir em ocasiões bastante impróprias.

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Drogas: classificação e efeitos no organismo

Efeitos no resto do organismoaceleração do pulso; dilatação da pupila;episódios de convulsão já foram relatados, mas são raros.

O fenômeno da tolerância desenvolve-se muito rapidamente com o LSD, mas também há um desaparecimento rápido com a interrupção do uso da substância. Não há descrição de uma síndrome de abstinên cia se um usuário crônico deixa de consumir a substância, mas, ainda assim, pode ocorrer a dependência quando, por exemplo, as experiên cias com o LSD ou outras drogas perturbadoras do SNC são encaradas como “respostas aos problemas da vida” ou “formas de encontrar-se”, que fazem com que a pessoa tenha dificuldades em deixar de consumir a substância, frequentemente, ficando à deriva no dia-a-dia, sem desti no ou objetivos que venham a enriquecer sua vida pessoal.

• Ecstasy (3,4-metileno-dioxi-metanfetamina ou MDMA)É uma substância alucinógena que guarda relação química com as anfetaminas e

apresenta, também, propriedades estimulantes. Seu uso é frequentemente associado a certos grupos, como os jovens frequenta dores de danceterias ou boates.

4Há relatos de casos de morte por hipertermia maligna, em que a par ticipação da droga não é completamente esclarecida. Possivelmente, a droga estimula a hiperatividade e aumenta a sensação de sede ou, talvez, induza um quadro tóxico específico.

Também existem suspeitas de que a substância seja tóxica para um grupo específico de neurônios produtores de serotonina.

•AnticolinérgicosSão substâncias provenientes das plantas ou sintetizadas em laboratório que têm a

capacidade de bloquear as ações da acetilcolina, um neurotransmissor encontrado no SNC e no Sistema Nervoso Periférico SNP .

Produzem efeitos sobre o psiquismo quando utilizadas em doses relativamente grandes e também provocam alterações de funcionamento em diversos sistemas biológicos, portanto, são drogas pouco específi cas.

Como efeitos psíquicos, os anticolinérgicos causam alucinações e de lírios. São comuns as descrições de pessoas intoxicadas que se sentem perseguidas ou têm visões de pessoas ou animais. Esses sintomas dependem bastante da personalidade do indivíduo, assim como das circunstâncias ambientais em que ocorreu o consumo dessas substâncias.

4 Aumento excessivo da temperatura corporal.

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Io Curso para Formação de Agentes Multiplicadores

Os efeitos são, em geral, bastante intensos e podem durar até 2 ou 3 dias.

Efeitos somáticosdilatação da pupila;boca seca;aumento da frequência cardíaca;diminuição da motilidade intestinal (até paralisia);dificuldades para urinar.

Em doses elevadas, podem produzir grande elevação da temperatura (de 40-41°C), com possibilidade de ocorrerem convulsões. Nessa situ ação, a pessoa apresenta-se com a pele muito quente e seca, principalmente localizada no rosto e no pescoço.

São exemplos de drogas desse grupo: algumas plantas, como certas espécies do gênero Datura, conhecidas como saia branca, trombeteira ou zabumba, que produzem atropina e escopolamina; e certos medicamentos, como o tri-hexaprenidil, a diciclomina e o biperideno.

• Outras DrogasVocê já estudou que as drogas podem ter vários tipos de classificação. Conheça, a seguir,

alguns exemplos de drogas cujos efeitos psicoativos não possibilitam sua classificação numa única categoria (depressoras, estimulantes ou perturbadoras da atividade mental).

Repare que todas as drogas descritas a seguir são lícitas, ou seja, são comercia lizadas de forma legal.

• TabacoUm dos maiores problemas de saúde pública em diversos países do mundo, o cigarro

é uma das mais importantes causas potencialmente evitáveis de doenças e morte.

Efeitosdoenças cardiovasculares (infarto, AVC e morte súbita);doenças respiratórias (enfisema, asma, bronquite crônica, do ença pulmonar obstrutiva crônica);diversas formas de câncer (pulmão, boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, pâncreas, rim, bexiga e útero).Seus efeitos sobre as funções reprodutivas incluem redução da fertili dade, prejuízo do desenvolvimento fetal, aumento de riscos para gra videz ectópica e abortamento espontâneo.

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Drogas: classificação e efeitos no organismo

A nicotina é a substância presente no tabaco que provoca a dependên cia. Embora esteja implicada nas doenças cardiocirculatórias, não pare ce ser esta a substância cancerígena.

As ações psíquicas da nicotina são complexas, com uma mistura de efeitos estimulantes e depressores. Mencionam-se o aumento da con centração e da atenção e a redução do apetite e da ansiedade.

A nicotina induz tolerância e se associa a uma síndrome de abstinên cia com alterações do sono, irritabilidade, diminuição da concentração e ansiedade.

Fumantes passivos - existem evidências de que os não-fumantes expostos à fumaça de cigarro do ambiente (fumantes passivos) têm um risco maior de de senvolver as’mesmas patologias que afetam os fumantes.

• CafeínaÉ estimulante do SNC menos potente que a cocaína e as anfetaminas. O seu potencial

de induzir dependência vem sendo bastante discutido nos últimos anos. Surgiu até o termo “cafeinísmo” para designar uma síndrome clínica associada ao consumo importante (agudo ou crônico) de cafeína, caracterizada por ansiedade, alterações psicomotoras, distúrbios do sono e alterações do humor.

• Esteróides anabolizantesEmbora sejam descritos efeitos euforizantes por alguns usuários dessas substâncias,

essa não é, geralmente, a principal razão de sua utilização.Muitos indivíduos que consomem essas drogas são fisioculturistas, atletas de diversas

modalidades ou indivíduos que procuram aumentar sua massa muscular. Podem desenvolver um padrão de consumo que se assemelha ao de dependência.

Você sabia que altas doses de cafeína são encontradas em bebidas ingeridas diariamente? Além do tradicional cafezinho, chás e refrigerantes também retêm esse tipo de droga.

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Efeitos adversosdiversas doenças cardiovasculares;alterações no fígado, inclusive câncer;alterações musculoesqueléticas indesejáveis (ruptura de ten dões, interrupção precoce do crescimento).

Essas substâncias, quando utilizadas por mulheres, podem provocar masculiniza-ção (crescimento de pêlos pelo corpo, voz grave, aumento do volume do clítoris). Em homens, pode haver atrofia dos testículos.

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Experimentação, uso, abuso e dependência de drogas

Capítulo 2

Experimentação,uso, abuso edependência

de drogas

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Io Curso para Formação de Agentes Multiplicadores

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Experimentação, uso, abuso e dependência de drogas

IntroduçãoO uso de drogas que alteram o estado mental, aqui chamadas de subs tâncias

psicoativas (SPA), acontece há milhares de anos e muito prova velmente vai acompanhar toda a história da humanidade. Quer seja por razões culturais ou religiosas, por recreação ou como forma de enfrentamento de problemas, para transgredir ou transcender, como meio de socialização ou para se isolar, o homem sempre se relacionou com as drogas

Essa relação do Indivíduo com cada substância psicoativa pode, depen dendo do contexto, ser inofensiva ou apresentar poucos riscos, mas também pode assumir padrões de utilização altamente disfuncionais, com prejuízos biológicos, psicológicos e sociais. Isso justifica os esfor ços para difundir informações básicas e confiáveis a respeito de um dos maiores problemas de saúde pública que afeta, direta ou indiretamen te, a qualidade de vida de todo ser humano.

Do ultrapassado conceito moral aos sistemas classificatórios atuaisO conceito, a percepção humana e o julgamento moral sobre o consu mo de drogas

evoluíram constantemente e muito se basearam na re lação humana com o álcool, por ser ele a droga de uso mais difundido e antigo. Os aspectos relacionados à saúde só foram mais estudados e discutidos nos últimos dois séculos, predominando, antes disso, visões preconceituosas dos usuários, vistos muitas vezes como ‘possuídos por forças do mal’, portadores de graves falhas de caráter ou totalmente desprovidos de ‘força de vontade’ para não sucumbirem ao ‘vício’.

Já no século XX, nos EUA, E. M. Jellinek foi talvez o maior expoente, dentre os cientistas de sua época, a estudar e divulgar o assunto alco olismo, obtendo amplo apoio e penetração dentre os grupos de aju da mútua, recém-formados em 1935, como os Alcoólicos Anônimos (AA), e exercendo grande influência na Organização Mundial de Saúde (OMS) e na Associação Médica Americana (AMA).

Na década de 60, do século passado, o programa da saúde mental da Organização Mundial de Saúde tornou-se ativamente empenhado em melhorar o diagnóstico e a classificação de transtornos mentais, além de prover definições claras de termos relacionados. Naquela época, a OMS convocou uma série de encontros para rever o conhecimento à respeito do assunto, envolvendo representantes de diferentes discipli-nas, de varias escolas de pensamento em psiquiatria e de todas as partes do mundo para o programa. Esses encontros trouxeram os seguintes benefícios: estimularam e conduziram pesquisa sobre critérios para a classificação e a confiabilidade de diagnósticos, produziram e estabe leceram procedimentos para avaliação conjunta de entrevistas grava das em vídeo e outros métodos úteis em pesquisa sobre diagnóstico. Numerosas propostas para melhorar a classificação de transtornos mentais resultaram

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desse extenso processo de consulta, as quais foram usadas no rascunho da 8a Revisão da Classificação Internacional de Do enças (CID - 8).

Atualmente, estamos na 10a Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID - 10), a qual apresenta as descrições clínicas e diretrizes diagnosticas das doenças que conhecemos. Essa é a classificação utili zada por nosso sistema de saúde pública.

Outro sistema classificatório bem conhecido em nosso meio é o Ma nual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - 4) , da Associação Psiquiátrica Americana.

Ambos os sistemas classificatórios refletem nos seus critérios para dependência: conceitos de Síndrome de Dependência do Álcool, propostos, inicialmente, por Edward e Gross, em 1976. Interessante é que o diagnóstico da Síndrome de Dependência do Álcool pode estabelecer níveis de comprometimento ao longo de um contínuo, entre o nunca ter experimentado até o gravemente en fermo, considerando os aspectos do grau de dependência relacionado com o grau de problemas.

Esse conceito de dependência transcende o modelo moral, que con siderava beber excessivamente falha de caráter e até mesmo o mode lo de doença “alcoolismo”, diagnóstico categorial, em que só se pode variar entre ser ou não portador da doença, sem permitir graduações de gravidade dos quadros; no qual a perda do controle, a presença de sintomas de tolerância e abstinência determinam o indivíduo como sendo ou não alcoólatra (dependente de etílicos).

A conceituação da Síndrome da Dependência do Álcool como importante passo rumo às abordagens modernas

Conforme conceituaram, na década de 70, os cientistas Edwards e Gross, os principais sinais e sintomas de uma Síndrome de Dependên cia do Álcool são os seguintes:

Estreitamento do repertório de beber: As situações em que o sujeito bebe se tornam mais comuns, com menos variações em termos de escolha da companhia, dos horários, do local ou dos motivos para beber, ficando ele cada vez mais estereo tipado à medida que a dependência avança;

Saliência do comportamento de busca pelo álcool: O su jeito passa gradualmente a planejar seu dia-a-dia em função da bebida, como vai obtê-la, onde vai consumi-la e como vai recuperar-se, deixando as demais atividades em plano secun dário;

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Experimentação, uso, abuso e dependência de drogas

Sensação subjetiva da necessidade de beber: O sujeito per cebe que perdeu o controle, que sente um desejo praticamen te incontrolável e compulsivo de beber;

Desenvolvimento da tolerância ao álcool: Por razões bio lógicas, o organismo do indivíduo suporta quantidades cada vez maiores de álcool ou a mesma quantidade não produz mais os mesmos efeitos que no início do consumo;

Sintomas repetidos de abstinência: Em paralelo com o de senvolvimento da tolerância, o sujeito passa a apresentar sin tomas desagradáveis ao diminuir ou interromper a sua dose habitual. Surgem ansiedade e alterações de humor, tremores, taquicardia, enjôos, suor excessivo e até convulsões, com ris co de morte;

Alívio dos sintomas de abstinência ao aumentar o consu mo: Nem sempre o sujeito admite, mas um questionamento detalhado mostrará que ele está tolerante ao álcool e somen te não desenvolve os descritos sintomas na abstinência, por que não reduz ou até aumenta gradualmente seu consumo, retardando muitas vezes o diagnóstico;

Reinstalação da síndrome de dependência: O padrão antigo de consumo pode se restabelecer rapidamente, mesmo após um longo período de não-uso.

Note que, nesse raciocínio da Síndrome de Dependência do Álcool, se trocarmos o álcool por qualquer outra droga, com potencial de abuso : até mesmo pelos comportamentos que eventualmente podem sair do controle ( jogo patológico, por exemplo), percebemos grande semelhança na natureza dos sintomas.

Observe a figura:

Figura 1 Padrões de consumo

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Essa figura representa os padrões de consumo do álcool, segundo Edwards (1977), no qual o eixo horizontal representa o grau de depen dência e o eixo vertical o grau de problemas existentes em função do uso do álcool. Se o indivíduo encaixa-se no quadrante inferior esquer do, não existe problema em relação ao uso de álcool e nenhum grau de dependência (uso social). Se se encaixar no quadrante superior es-querdo, observa-se que, embora ele não apresente nenhum grau de de pendência, tem problemas devido ao uso de álcool (uso problemático ou abuso). Já no quadrante superior direito, encontramos o indivíduo que apresenta um quadro de Síndrome de Dependência do Álcool. O quadrante inferior direito não existe clinicamente, uma vez que o qua dro de dependência está sempre associado a algum tipo de problema na vida do indivíduo. É interessante notar que, apesar de o quadro ter sido, primariamente, desenvolvido para explicar os padrões de consu mo do álcool, ele pode ser adaptado para diversas outras drogas com potencial de causar dependência.

A validação do conceito de Síndrome de Dependência do Álcool permitiu que os sistemas classificatórios atuais operacionalizassem o conceito psicopatológico da dependência, ao utilizar critérios práticos e confiáveis.

Mas qual a vantagem de estabelecer precisão em tais critérios? Possibili tar um bom diagnóstico, etapa primeira antes de qualquer abordagem.

Padrões de consumo de drogasConheça agora a correlação entre uso, abuso e dependência de drogas.

Uso de drogasÉ a auto-administração de qualquer quantidade de substância psicoativa.

Abuso de drogasPode ser entendido como um padrão de uso que aumenta o risco de consequências

prejudiciais para o usuário.

Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID), o termo “uso nocivo” é aquele que resulta em dano físico ou mental, enquanto no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), “abuso” engloba também consequências sociais.

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Experimentação, uso, abuso e dependência de drogas

Para uma melhor comparação veja a seguinte tabela:

Tabela 1 - Comparação entre critérios de abuso e uso nocivo da DSM-IV e CD-10

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DependênciaNa tabela seguinte, encontra-se uma comparação entre os critérios de dependência

referidos nas classificações do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e da Classificação Internacional de Doenças. Esses dois sistemas de classificação facilitam identificar o de pendente de substância psicoativa, veja com atenção:

Tabela 2: Comparação entre os critérios para dependência da DSM-IV e CID-10

Três ou mais das seguintes manifestações ocorrendo conjuntamente por pelo me nos 1 mês ou, se persistirem por períodos menores que 1 mês, devem ter ocorrido juntas de forma repetida em um período de 12 meses:1. Forte desejo ou compulsão para consumir a substância;2. Comprometimento da capacida de de controlar o início, término ou níveis de uso, evidenciado pelo consumo frequente em quantidades ou períodos maiores que o planejado ou por desejo persistente ou esforços infrutíferos para reduzir ou controlar o uso;3 Estado fisiológico de abstinênciaquando o uso é interrompido ou redu zido, como evidenciado pela síndrome de abstinência característica da subs tância ou pelo uso desta ou similar para aliviar ou evitar tais sintomas;4. Evidência de tolerância aos efeitos,necessitando de quantidades maiores para obter o efeito desejado ou estado de intoxicação ou redução acentuada destes efeitos com o uso continuado - da mesma quantidade;5. Preocupação com o uso, manifes tado pela redução ou abandono das atividades prazerosas ou de interesse significativo por causa do uso ou do tempo gasto em obtenção, consumo e recuperação dos efeitos;6. Uso persistente, a despeito de evi dências claras de consequências noci vas, evidenciadas pelo uso continuado quando o sujeito está efetivamente consciente (ou espera-se que esteja) da natureza e extensão dos efeitos nocivos.

Padrão mal-adaptativo de uso, levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente signi ficativos, manifestados por 3 ou mais dos seguintes critérios, ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses:1. Tolerância: definida por qualquer um dos seguintes aspectos:(a) uma necessidade de quantidades pro gressivamente maiores para adquirir a in toxicação ou efeito desejado;(b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade.2. Abstinência: manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:(a) síndrome de abstinência característica para a substância;(b) a mesma substância (ou uma subs tância estreitamente relacionada) é con sumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência.3. A substância é frequentemente consumida em maiores quantidadesou por um período mais longo do que o pretendido.4. Existe um desejo persistente ou esfor ços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso.5. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção e utilização da substância ou na recuperação de seus efeitos.6. Importantes atividades sociais, ocupa cionais ou recreativas são abandonadasou reduzidas em virtude do uso.7. O uso continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psico lógico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância.

DSM-IV CID-10

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Aspectos socioculturais relacionados ao uso de álcool e outras drogas

Capítulo 3

Aspectossocioculturais

relacionadosao uso de álcoole outras drogas

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Aspectos socioculturais relacionados ao uso de álcool e outras drogas

Uma abordagem histórica na relação homem/ drogas.

“Procurou o homem, desde a mais remota antiguidade, encontrar um remédio que tivesse a propriedade de aliviar suas dores, serenar suas paixões, trazer-lhe alegria,

livrá-lo de angústias, do medo ou que lhe desse o privilégio de prever o futuro, que lhe proporcionasse coragem, ânimo para enfrentar as tristezas e o vazio da vida.”

Lauro Sollero.

A humanidade possui inúmeros registros históricos evidenciando o uso de drogas no cotidiano. Na antiguidade, as drogas já eram utilizadas em cerimônias e rituais para se obter prazer, diversão e experiências místicas (transcendência). Os indígenas utilizavam as bebidas fermen tadas - álcool - em rituais sagrados e/ou em festividades sociais. Os egípcios usavam o vinho e a cerveja para o tratamento de uma série de doenças, como meio para amenizar a dor e como abortivo. O ópio era utilizado pelos gregos e árabes para fins medicinais, para alívio da dor e como tranquilizante. O cogumelo era considerado sagrado por certas tribos de índios do México, que o usavam em rituais religiosos, indu zindo alucinações. Os gregos e romanos usavam o álcool em festivida des sociais e religiosas. Ainda hoje, o vinho é utilizado em cerimônias católicas e protestantes, bem como no judaísmo, no candomblé e em outras práticas espirituais (Bucher, 1986).

Nesse sentido, a utilização das drogas não representava, em geral, uma ameaça à so- ciedade, pois seu uso estava relacionado aos rituais, aos costumes e aos próprios valores coletivos e, ainda, não se sabia dos efeitos negativos que elas poderiam causar - não havia estudos científicos. Esses usos foram raramente percebidos como ameaçadores à ordem social constituída, exceto durante o período da caça aos heréticos e às bruxas (Escohotado, 1989).

Foi somente no final do século XIX e Início do século XX, com a aceleração dos processos de urbanização e industrialização e com a implantação de uma nova ordem médica, que o uso e abuso de vários tipos de drogas passaram a ser problematizados. Assim, seu controle passou da esfera religiosa para a da biomedicina, inicialmente, nos grandes centros urbanos dos países mais desenvolvidos do Ocidente (McRae, 2007).

Ao longo desses últimos 30 anos, os efeitos do álcool e de outras drogas ficaram mais conhecidos. Em consequência disso, os problemas foram sendo reconhecidos de maneira mais expressiva. A partir desse proces so, um novo contexto surgiu e com ele novas formas de uso e abuso.

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O quadro contemporâneoNa atualidade, diferentes tipos de substâncias psicoativas vêm sendo usados entre

uma gama de finalidades que se estende desde um uso lúdico, com fins prazerosos até o desencadeamento de estado de êxtase, uso místico, curativo ou no contexto científico da atualidade. A experi mentação e o uso dessas substâncias crescem de forma consistente em todos os segmentos do País.

Dados do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) apontam que, no mundo todo, cerca de 200 milhões de pessoas - quase 5% da população entre 15 e 64 anos - usam drogas ilícitas, pelo menos, uma vez por ano. Dentre estas, a mais consumida no mundo é a maconha.

Os levantamentos domiciliares realizados em 2001 e 2005 pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), em parceria com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (CEBRID), mostram a evolução do consumo das drogas mais usadas. As pesquisas envolveram entrevista das das 108 cidades com mais de 200 mil habitantes do Brasil.

ÁLCOOL 68,7 74,6 TABACO 41,1 44,0 MACONHA 6,9 8,8 SOLVENTES 5.8 6,1 OREXÍGENOS 4,3 4,1 BENZODIAZEPÍNICOS 3,3 5,6 COCAÍNA 2,3 2,9 XAROPES (codeína) 2,0 1,9 ESTIMULANTES 1,5 3,2

Tabela 1: Drogas mais usadas - % de uso na vida

Drogas 2001 2005

Fonte: Curso Educadores, 2006.

http://www.mundojovem.org.br/drogas. php?sec=Drogas htpp:// www.indg.com.br/info/ glossano/gtossano.asp?c

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Aspectos socioculturais relacionados ao uso de álcool e outras drogas

Em nossa sociedade, observa-se que a grande maioria da população faz uso de algum tipo de substância lícita, como álcool, tabaco e medica mentos com finalidades diferentes (aliviar a dor; baixar a ansiedade; re duzir a sensação de cansaço, de depressão; obter prazer; entre outras). Das substâncias de uso ilícito, a maconha, a cocaína e os solventes são as mais utilizadas.

Embora as sociedades apresentem diferenças culturais em relação utilização e às finalidades do álcool e outras drogas, estas substâncias apresentam algumas funções presentes em todos os lugares: elas ofe recem a possibilidade de alterar as percepções, o humor e as sensações (Bucher, 1986).

A cultura moderna e o papel das drogasEm uma sociedade focada no consumo, na qual o importante é o “ter” e não o “ser”,

e a inversão de crenças e valores gera desigualdades sociais, favorece a competitividade e o individualismo, não há mais “certezas religiosas, morais, econômicas ou políticas”. Esse estado de inseguran ça, de insatisfação e de estresse constante incentiva a busca de novos produtos e prazeres - nesse contexto, as drogas podem ser um deles.

Dessa forma, segundo Birman (1999) e Conte (2001), as drogas inse rem-se no movimento social da nossa cultura. Algumas delas, no en tanto, são incorporadas em nossa cultura a ponto de não serem con sideradas como drogas. O álcool e o tabaco, por exemplo, são drogas legalmente comercializadas e aceitas pela sociedade. O álcool faz parte tanto das festividades sociais - como o carnaval - quanto da economia. Essa aceitação é determinada, em geral, por valores sociais e culturais.

Quando propomos ações e intervenções em situações relacionadas ao uso abusivo de álcool e de outras drogas, em nossa comunidade, precisamos entender a relação entre o homem, a droga e o ambiente, ou seja, o contexto sociocultural onde isso acontece deve receber uma atenção diferenciada.

A cultura, definida como um complexo dos padrões de comportamento das crenças, das instituições e de outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade ou de uma civilização (FERREIRA, 1986). Pode ser vista,também, como — conjunto de atitudes e modos de agir, de costumes, de instituições e valores espirituais e materiais de um grupo social, de uma sociedade, de um povo.

0 papel da família, culturas e religiõesA família é a primeira referência do homem; é como uma sociedade em miniatura. E

na família, mediadora entre o indivíduo e a sociedade, aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele. Ela é a principal responsável por nossa formação pessoal, porém não é a única.

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A família e a influência cultural são fatores importantes na determinação do padrão do uso e consumo do álcool e outras drogas. Há várias evidências de que os padrões culturais têm papel significativo no desenvolvimento do alcoolismo. Sem, entretanto, ignorar as condições preexis tentes de personalidade que podem favorecer a dependên-cia de álcool e outras drogas (Buchele, Marques, Carvalho, 2004).

Culturas que seguem rituais estabelecidos de onde, quando e como beber têm menores taxas de uso abusivo de álcool, quando comparadas a culturas que simplesmente proíbem o uso (Formigone, 1997). Fortes (1975) considera que existem culturas que ensinam crianças a beber, e nas quais o ato de beber está intimamente ligado a cerimônias e rituais religiosos.

Ramos e Bertolote (1990) explicam que na cultura judaica, por exem plo, o beber é determinado rigorosamente em algumas festas e ocasi ões rituais. O que leva à “uma educação do beber” e, com isto, a uma pequena proporção de dependentes ou de bebedores-problemas.

O uso de álcool é socialmente mais aceitável do que o de outras drogas. Porém, o que é ou não socialmente aceitá vel depende das características da comunidade em questão - seus valores, sua cultura - e não do risco que a droga representa (XAVIER, 1999).

Vários autores mostram que o alcoolismo atinge as populações de for ma diferente. Entre estes autores se pontua Edwards (1999), quando discorre sobre os fatores culturais envolvidos no alcoolismo, reafir mando que diferentes posturas frente ao uso do álcool determinam pa drões diferentes de respostas. Assim, é aceito que a cultura se constitui num importante fator determinante na proporção de alcoolistas.

Tradições e usos distintosA influência cultural não se restringe apenas ao álcool ou a outras dro gas lícitas.

Observe, a seguir, algumas considerações sobre a planta da coca, matéria-prima da cocaína, nos seus diferentes aspectos e no seu uso cultural, segundo Figueiredo (2002).

Suas folhas são mastigadas há séculos, nas montanhas e altiplanos, pela população indígena. O hábito de mastigar a folha da coca - o chamado “coquear” - ocupa um lugar de destaque na cosmologia, na esfera co munitária e ritual dessas populações.

“Coquear” faz parte de uma adaptação biológica e sociocultural em contexto geográfico e climático altamente desfavorável que, evidente mente, não se deixa mudar por considerações meramente moralistas. Mastigar a folha da coca tem por objetivo, em primeiro lugar, evitar o cansaço considerável devido à altitude. Evitam-se, assim, a sede e a fome (ou pelo menos as suas sensações), e aguenta-se melhor o frio, às vezes, intenso.

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Aspectos socioculturais relacionados ao uso de álcool e outras drogas

O seu valor cultural e mitológico é ressaltado, em particular, através do seu uso nos momentos do nascimento e da morte. Ela é aplicada no recém-nascido para a secagem do cordão umbilical, que, em seguida, é enterrado junto com as folhas de coca, representando, assim, um talis mã para o resto da vida do indivíduo. Nas cerimônias funerais, acredi ta-se numa verdadeira convulsão dos espíritos (da coca), que devem ser apaziguados mediante certos rituais, para assegurar a tranquilidade no além, da pessoa falecida.

Percebe-se, dessa forma, que o uso da coca parece ter algo de “sagra do”. Ele não se limita ao mastigar, como consequência de condições socioeconômicas difíceis. Se é altamente desejável melhorar as con dições de vida dessa população, não quer dizer que se deve, para isso, destruir os seus valores culturais milenares.

A cultura comunitária e possíveis projetos de prevençãoAlguns fatores de risco ou de proteção podem contribuir para o uso de drogas.

Estes fatores não são determinantes, apenas aumentam ou diminuem, em diferente intensidade, a probabilidade de o indivíduo vir ou não a fazer o uso de drogas.

Observe alguns exemplos de fatores de risco e de proteção para o uso de álcool e outras drogas no domínio comunitário.

Domínio Comunitário

Existência de oportunidades de estudo, trabalho, lazer e inserção social que possibilitem ao indiví-duo concretizar seu projeto de vida

Controle efetivo do comércio de drogas legais e ilegais

Reconhecimento e valorização, por parte da comunidade, de normas e leis que regulam o uso de drogas.

Incentivos ao envolvimento dos jovens em serviços comunitários.

Realização de campanhas e ações que ajudem o cumprimento das normas e leis que regulam o uso de drogas.

Falta de oportunidadessocioeconómicas para a construção de um projeto de vida.

Fácil acesso às drogas lícitas e ilícitas

Permissividade em relação a algumas drogas.

Inexistência de incentivos para que o jovem se envolva em serviços comuni-tários.

Negligência no cumprimento de normas e leis que regulam o uso de drogas.

Fatores de risco Fatores de proteção

Font

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Frente a essas informações, você conselheiro conhece a situação do consumo de álcool e outras drogas em sua comunidade e/ ou em seu município?

A seguir, você verá exemplos de sucesso desenvolvidos em projetos originados nas comunidades. Todos eles registraram bons frutos na proteção dos jovens quanto ao uso de drogas e o desenvolvimento de competências. Algumas ideias de trabalhos com jovens da sua própria comunidade podem ser extraídas destes exemplos.

Projeto Bola na Rede - Fundação Cuca/Guarabira - PBComo em outras localidades do nordeste, as crianças e adolescentes da comunidade

Antonio Mariz, popularmente conhecida por “Muti rão”, no município de Guarabira, Estado da Paraíba, enfrentam sérios problemas: exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, envolvimento com consumo e tráfico de drogas, violência e trabalho infantil.

Para fazer frente a essa situação, a Fundação CUCA - Centro Unificado de Capacitação e Arte criou o projeto “Bola na Rede”, que atende parte das crianças e adolescentes daquela comunidade.

Desde o início, os jovens foram incentivados a participar ativamente da construção do projeto. Com a oficina já instalada, os jovens desen volvem habilidades técnicas de corte, furo, costura, modelagem e se rigrafia, estando a maioria já apta a produzir bolas com a qualidade requerida. Porém, o mais relevante tem sido a participação dos ado lescentes na coordenação do projeto, definindo normas e formas de organização.

Foram eles próprios que decidiram a criação do “Embalarte” - um novo projeto que possibilita o envolvimento das famílias na aprendizagem e produção de produtos como bolsas e sacolas, utilizando a capacidade ociosa das mesmas máquinas de corte e furo usadas para a fabricação das bolas.

Hoje, os jovens do projeto, que antes trabalhavam em um lixão da re gião, conseguem uma renda individual mensal de até R$ 160,00. Foram criados quatro pontos de venda dos produtos e a equipe busca a forma ção de uma cooperativa. Vale destacar que todos os jovens continuam a estudar.

Com seriedade, dedicação e competência, a equipe conseguiu demons trar que os jovens podem ser parte da solução de seus próprios proble mas. Para isto, só precisam de uma oportunidade.

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Aspectos socioculturais relacionados ao uso de álcool e outras drogas

Projeto Cinema à Pampa - Associação de Apoio à Criança Em Risco - Diadema/SPO Bairro de Eldorado é o segundo maior de Diadema e o mais distante do centro da

cidade, repleto de regiões remotas com habitações pre cárias e altos índices de violência. Os jovens convivem com a exclusão social, conflitos familiares, defasagem entre escola e realidade, desem prego, subemprego e falta de lazer.

Essa situação começou a mudar com o projeto “Cinema à Pampa -Aprendendo com a Sétima Arte”, que dá oportunidade para jovens de 13 a 18 anos, do Bairro de Eldorado, exercerem o protagonismo ju venil: eles próprios planejam sessões de cinema para a comunidade e depois participam de debates e oficinas programadas. A experiência é desenvolvida pela ACER - Associação de Apoio à Criança em Risco -desde o início de 2002 e acompanhada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Diadema.

O impacto educativo e cultural do projeto é significativo: crianças, ado lescentes, ONGs, escolas e toda a comunidade são beneficiados com a oportunidade de acesso à cultura através das sessões de cinema e de reflexão com os debates que são realizados após cada sessão.

A participação no projeto tem gerado vários resultados positivos na vida dos jovens diretamente beneficiados: eles passam a acreditar em si mesmos, enxer gar a importância da escola e melhorar o aproveitamento escolar, melhorar seu relacionamento familiar e comunitário, formular novos projetos de vida. Alguns deles já têm envolvimento efetivo nas políticas de atendimento à criança e ao adolescente, através da participação nas reuniões do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O projeto “Cinema à Pampa” é um exemplo de como o protagonismo juvenil pode mudar a realidade de crianças e adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade.

Programa Picasso Não Pichava - Distrito Federal/DFA Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Gover no do Distrito

Federal, preocupada com os índices de violência envol vendo jovens e adolescentes em todo o Distrito Federal, considerando as motivações individuais e coletivas dos jovens em situação de risco ou não e as implicações da adesão desses jovens às gangues, percebeu a necessidade de resgatar e redirecionar o potencial desses jovens para valores humanísticos e éticos, que pudessem lhes oferecer alguma alternativa de inclusão social e ao desenvolvimento social. Com esse objetivo, foi criado o Programa Picasso Não Pichava, em 1999. Já foram atendidos mais de 20 mil alunos em suas unidades, bem

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como nas palestras realizadas em diversas instituições do Distrito Fe deral, como escolas públicas e particulares, shoppings, Ministério Pú blico, entre outros.

O Programa oferece aos jovens cursos de artes, de informática básica e serigrafia, permeados por orientação para a cidadania e acompanha mento psicológico, a fim de que eles possam desenvolver as suas ha bilidades artísticas e ao mesmo tempo estabelecer outros padrões de sociabilidade, de realização e valorização pessoal.

Projeto Esporte à Meia-Noite - Distrito Federal/DFPesquisa realizada pela UNESCO (Abramovay, Miriam, 1999) entre os jovens que

residem em algumas cidades do Distrito Federal, constatou que, pelo menos, 4.800 jovens entre 15 e 24 anos de idade integram algum agrupamento juvenil, mais conhecido como gangue ou galera.

O Projeto Esporte à Meia-Noite foi concebido com o objetivo de dimi nuir, de forma preventiva, a criminalidade juvenil, por meio do desen volvimento de ações esportivas, de qualificação profissional e de lazer, destinadas à expressão de seus valores culturais e voltadas à construção de sua cidadania. O projeto propicia a participação dos pais e responsá veis em suas atividades, promovendo a interação da comunidade com o sistema de segurança pública, de modo a difundir novas atividades esportivas, culturais e educativas para adolescentes, no período notur no, visando a diminuição da criminalidade juvenil.

O Projeto tem como principal instrumento a implantação de ativida des esportivas, culturais e educativas, de fácil aceitação entre os ado lescentes, como meio de mudança no comportamento desses jovens. Para isso, coloca à disposição dos interessados um local permanente e seguro, de segunda a sexta, para desenvolver atividades esportivas en tre 23:00 e 02:00 horas. Estas são monitoradas por bombeiros militares, com formação em Educação Física e Primeiros Socorros. Esta catego ria foi escolhida por se tratar de um segmento da segurança pública que conta com maior grau de credibilidade e aceitação por parte da comunidade, por não apresentar uma função repressiva.

Um profissional de Psicologia e um profissional de Serviço Social desenvolvem o trabalho psicossocial e educativo dos beneficiários do projeto, por meio de acompanhamento individual e familiar. Após levantamento do perfil de cada jovem, eles são encaminhados para cursos de capacitação profissional e para atividades culturais, de acordo com seus interesses e com os recursos de que a comunidade dispõe.

Durante o desenvolvimento das atividades é servido um lanche com posto basicamente de pão e leite aos participantes do projeto.

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Aspectos socioculturais relacionados ao uso de álcool e outras drogas

Projeto Resgate da CidadaniaO projeto Resgate da Cidadania é uma parceria entre o Viva Rio e a Secretaria Especial

de Direitos Humanos do Governo Federal que visa proporcionar oportunidades de futuro para jovens do Complexo da Maré e Niterói envolvidos na violência através da educação, qualifi cação profissional, esportes, atendimento psicológico e apoio jurídico para o adolescente e a família.

Resgate da Cidadania é um projeto experimental que atendeu no pri meiro ano (2o semestre de 2006 ao Io semestre de 2007) 100 crianças e jovens, no Complexo da Maré em Niterói. A participação é voluntária e direcionada para aqueles que expressam o desejo de ser reinseridos na sociedade, mas que não encontram uma porta aberta para percorrer este caminho.

No projeto, o jovem recebe orientação individualizada, de acordo com as ne cessidades de cada um, para adquirir documentos e certidões ou para trata mento de dependência química, além de uma bolsa mensal. Todos voltam a estudar através do programa de aceleração escolar do Viva Rio, que oferece tur mas do ensino fundamental e médio, e têm acesso a programas de qualificação profissional, cursos de informática e práticas esportivas, além do encaminha mento para o mercado de trabalho através de uma rede de empresas parceiras da ONG.

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Prevenção: novas formas de pensar e enfrentar o problema

Capítulo 4

Prevenção:novas formas

de pensar eenfrentar o

problema

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Prevenção: novas formas de pensar e enfrentar o problema

O conceito de prevençãoPoderíamos dizer que, em geral, a prevenção refere-se a toda iniciativa coletiva visando

à sobrevivência da espécie. Na realidade é um conceito recente e poderíamos dizer que as primeiras instituições na história que estiveram na sua vanguarda foram as religiosas (CAVALCANTI - 2001).

Podemos ver esse preceito através de práticas religiosas, como a ten tativa de pregar o respeito ao próximo. A humanidade foi se desenvol vendo e conseguindo atualizar algumas formas de preservação e algu mas formas de ataque ao seu desenvolvimento. Sabemos, por exemplo, dos danos que a poluição nos causa e da nossa dificuldade em cuidar das nossas florestas.

Assim, junto com a humanidade, o uso de drogas foi se modificando. Nos anos 60, preservávamos um uso ritualístico, hoje, temos um uso que podemos definir como consumista. Com estas mudanças, novos pensamentos e novas pesquisas foram se desenvolvendo para que as ações planejadas pudessem ser efetivas e preservadoras.

As mais sérias pesquisas sobre a questão nos mostram um aumento do uso de drogas, mas, principalmente, mostram-nos a necessidade de planejarmos ações preventivas adequadas ao grupo que desejamos atingir. Prevenir não é banir a possibilidade de uso de drogas. Prevenir é considerar uma série de fatores para favorecer que o indivíduo tenha condições de fazer escolhas.

Diante das necessidades da sociedade, ou seja, dos problemas apresen tados, o conceito de prevenção se ampliou a ponto de poder se colocar dentro do conceito de “Promoção de Saúde”.

Portanto, é fundamental que o agente de prevenção conheça os dife rentes aspectos envolvidos no seu trabalho. Nas páginas dessa Unida de, você se aprofundará neste assunto.

“Promoção de Saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e de saúde”. (As cartas de Promoção de Saúde. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas da Saúde. Projeto Promoção de Saúde - Brasília, 2002)

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Os múltiplos fatores que levam às drogasO uso indevido de álcool e outras drogas é fruto de uma multiplicidade de fatores.

Nenhuma pessoa nasce predestinada a usar álcool e outras drogas ou se torna dependente apenas por influência de amigos ou pela grande oferta do tráfico. Nós, seres humanos, por nossa humani dade e incompletude, buscamos elementos para aliviar dores e acirrar prazeres. Assim, encontramos as drogas. Algumas vezes experimen tamos, outras usamos sem nos comprometermos, e em outras, ainda abusamos.

Existem fatores que convergem para a construção das circunstâncias do uso abusivo, chamados de fatores de risco. Também existem fato res que colaboram para que o indivíduo, mesmo tendo contato com a droga, tenha condição de se proteger. Estes são os fatores de proteção.

Fatores de risco são os que tornam a pessoa mais vulnerável a ter comportamentos que podem levar ao uso ou abuso de drogas.

• Fatores de proteção são os que contrabalançam as vulnerabi lidades para os comportamentos que levam ao uso ou abuso de drogas.

Mostra-se evidente a inter-relação e a interdependência existentes en tre o usuário e o contexto que o circunda. Pensar nesta teia de vulne rabilidades e nos determinantes socioculturais em relação ao uso de drogas, em uma sociedade, certamente, amplia e torna mais complexa a abordagem desse fenômeno (Sodelli, 2005, p. 91).

Os fatores de risco e de proteção podem estar:• nos aspectos biológicos;• na cadeia genética;• nas peculiaridades das relações interpessoais; nas interações familiares;• nas oportunidades de contato ou convivência com a droga;• nas sensações provocadas pelo efeito obtido com o uso da droga;• na cultura que cada um vive, ou seja, na especificidade de cada indivíduo.

Prevenção- novas-formas de pensar e enfrentar o problema

Se examinarmos um fator como a timidez, por exemplo: de um lado, ela pode ser analisada como fator de risco para o individuo que, por ser tímido, aceita o uso de drogas para ser integrado a um grupo de usuários. De outro, ela pode ser vista como fator de proteção quando o indivíduo tímido, por medo, diante do oferecimento da droga, se recusa a experimentá-la.

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Prevenção: novas formas de pensar e enfrentar o problema

Este que usou, se não tiver dentro de si um fator biológico importante, se tiver uma boa relação familiar e se não tiver uma boa sensação com este uso pode, ainda, fazer só um uso recreacional, mas se suas condi ções forem de risco ou prazerosas ele poderá vir a fazer uso regular da droga.

Para que se realize um trabalho sério e cuidadoso de prevenção, com um determinado grupo, é necessário:

• identificar os fatores de risco - para minimizá-los;• identificar os fatores de proteção - para fortalecê-los;• tratar o grupo como específico - para a identificação dos fa tores acima.

A subdivisão dos fatores de risco e de proteção tem uma utilidade di dática no planejamento da ação preventiva. Vejamos alguns exemplos:

Fatores do Próprio Indivíduo

InsegurançaInsatisfação com a vidaSintomas depressivosCuriosidadeBusca de prazer

Habilidades sociaisCooperaçãoHabilidades para resolver problemasVínculos positivos com pessoas, institui-ções e va-loresAutonomiaAutoestima desenvolvida

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A curiosidade, colocada na tabela acima como fator de risco porque leva à experimentação, também é uma característica do adolescente e um fator importante para o desenvolvimento dele. Um adolescente pouco curioso é um adolescente “pobre.”

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Fatores familiares

Pais que fazem uso abusivo de drogas Pais que sofrem de doenças mentais Pais excessivamente autoritários ou muito exigentes Famílias que mantêm uma “cultura aditiva”

Pais que acompanham as atividades dos filhos Estabelecimento de regras e de conduta claras Envolvimento afetivo com a vida dos filhos Respeito aos ritos familiares Estabelecimento claro da hierarquia familiar

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Como demonstra a tabela a seguir, na família também podem estar contidos tanto os fatores de risco como os de proteção para o uso das substâncias psicoativas.

Fatores Familiares

A formação de cada um de nós se inicia na família. É função da família proteger seus filhos e favorecer neles o desenvolvimento de competên cias, por exemplo, para lidar com limites e frustrações. Na adolescên cia, a falta da proteção da família, especialmente, para o adolescente transgressor que não sabe lidar com frustrações, pode favorecer o uso indevido de substâncias psicoativas.

De um lado, o cuidado com os filhos na infância leva a uma melhor capacitação das crianças para o enfrentamento da vida adolescente e adulta (fator de proteção = acompanhamento dos filhos) (ARMS TRONG et al., 2000).

De outro, a transformação que os filhos vão sofrendo com sua ado lescência leva a família a reorganizar seus papéis e a fazer adaptações em sua estrutura para permitir o desenvolvimento de seus filhos (fator de risco — impossibilidade de deixar os filhos crescerem) (SPROVIERI, 1998).

Cultura aditiva é a forma de viver adotada por uma família na qual as soluções são dadas como formas de impedir a reflexão

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Fatores Escolares

A escola é um ambiente privilegiado para a reflexão e formação da criança e do adolescente, já que é o espaço onde eles vivem muito tem po de suas vidas.

Fatores Sociais

Baixo desempenho escolar Falta de regras claras Baixas expectativas em relação às crianças Exclusão socialFalta de vínculos com as pessoas ou com aaprendizagem

Bom desempenho escolar Boa inserção e adaptação no ambiente escolar Ligações fortes com a escola Oportuni-dades de participação e decisão Vínculos afetivos com professores e colegas Realização pessoalPossibilidades de desafios e expansão da mente Descoberta de possibilidades (e “talentos”) pessoaisPrazer em aprenderDescoberta e construção de projeto de vida

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ViolênciaDesvalorização das autoridades sociaisDescrença nas instituiçõesFalta de recursos para prevençãoe atendimentoFalta de oportunidades de trabalho e lazer

Respeito às leis sociais Credibilidade da mídia Oportunidades de trabalho e lazer Informações adequadas sobre as drogas e seus efeitosClima comunitário afetivoConsciência comunitária e mobilização social

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Algumas questões consideradas sociais podem levar o jovem a supor que só os fatores externos o levaram ao uso, e que estes mesmos fato res o levarão a resolução de seus problemas. Por exemplo: morar em um bairro violento.

Se o jovem vem de uma família desorganizada, mas encontra em sua vida um grupo comunitário que faz seu asseguramento, oferecendo-lhe alternativas de lazer e de desenvolvimento de habilidades pessoais, pode vir a ter sua forma ção garantida, aprendendo a criticar e se responsabilizar por si próprio e pelo seu grupo social.

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Fatores Relacionados à Droga

Disponibilidade para compra Propaganda que incentiva e mostra apenas o prazer que a droga causa Prazer intenso que leva o indivíduo a querer repetir o uso

Informações contextualizadas sobre efeitos Regras e controle para consumo adequado

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Os dependentes e sua possibilidade de recuperaçãoO fato de um indivíduo usar ou até ser um dependente da droga não faz com

que esteja condenado a nunca mais se recuperar. Nos anos 70, no Brasil, antes dos movimentos antimanicomiais, tratávamos os usuários de drogas, dentro dos hospitais psiquiátricos, como psicopa tas, ou seja, amorais. Nenhuma diferenciação era feita entre eles. Isso acontecia porque nós, os técnicos, tínhamos uma posição muito mo ralista diante do problema. Se o usuário não era julgado pelo sistema prisional, ele era julgado pelo sistema psiquiátrico.

Nos anos 80, tivemos que repensar a posição diante do aumento do consumo das drogas injetáveis e do aparecimento da AIDS.

Foi nesta época que dois conceitos importantes passaram a ser cuida dosamente estudados e aplicados: “resiliência” e “redução de danos”. Acompanhe.

a) ResiliênciaDe acordo com Junqueira e Deslandes (2003, p. 228), resiliência é en tendida como uma

“reafirmação da capacidade humana de superar adversidades e situações potencialmente traumáticas”. Ou seja, o indi víduo resiliente é aquele capaz de superar frustrações e / ou situações de crise e de adversidades.

b) Redução de DanosTambém chamada de redução de riscos, é um conjunto de medidas individuais e

coletivas, sanitárias ou sociais cujo objetivo é diminuir os malefícios ligados ao uso de drogas lícitas ou ilícitas.

Estas definições já fazem refletir sobre nossas “pretensões” quando pensamos em um programa de prevenção. Para o ser humano, a vivên cia sobre o peso dos chamados fatores de risco causa mudanças em sua vida, não é inofensiva. Mas também não é determinante na sua impos sibilidade de superação. Se este ser humano contar com seus fatores de proteção, poderá superar suas dificuldades.

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Prevenção: novas formas de pensar e enfrentar o problema

Você pode então perguntar: mas o que favoreceria essa superação? Será que alguns de nós teríamos esta condição e outros não? Será que a identificação de j um grande número de fatores de risco em uma comunidade e um programa de prevenção que ofereça “fatores de proteção” ajudariam no desenvolvimento destes indivíduos?

Muitos estudos foram feitos com as populações chamadas de “alto risco”. Um estudo longitudinal (Werner-1986-1993) acompanhou 72 indivíduos (42 meninas e 30 meninos) desde a infância até a idade adul ta, nascidos numa ilha do Havaí. Eles eram crianças provenientes de famílias pobres, de baixa escolaridade, além de terem baixo peso no nascimento ou presença de deficiências físicas e estresse perinatal. Os próprios pesquisadores se surpreenderam ao verificar, ao final do estu do, que nenhuma destas crianças desenvolveu problemas de aprendiza gem e de comportamento.

Outro grupo estudado era composto por 49 jovens, em que os pais eram pobres, tinham sérios problemas de abuso de álcool e sofreram conflitos familiares desde cedo. Aos 18 anos, 41% apresentaram pro blemas de aprendizagem e 51% não apresentaram estes problemas.

Apesar de terem características diferentes, os dois grupos foram con siderados resilientes. Então, todos temos salvação? Podemos ser ex postos a qualquer estresse e sem dúvida sairíamos ilesos? Essas são perguntas muito importantes, pois temos que estar atentos para não confundirmos resiliência com invulnerabilidade.

Vamos destacar aqui alguns dados para podermos construir uma definição mais ampla sobre resiliência:

resiliência não é um processo estanque;

resiliência não é o oposto de fator de risco;

desenvolver resiliência não é o mesmo que superação de vi vências traumáticas;

resiliência é como um “banco de dados” que protege o indiví duo (Slap-2001);

o conceito de resiliência nos mostra o ser humano como ca paz de superar adversidades;

cada um de nós tem uma capacidade psíquica particular para o enfrentamento dos problemas da vida.

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A sintonia entre as propostas e as necessidadesÉ preciso que as propostas de prevenção estejam mais sintonizadas com as necessidades

da população de usuários.

Da mesma forma, felizmente, os novos conhecimentos trouxeram no vas posturas para quem estudava novas formas de enfrentar o proble ma das drogas. Uma delas é a de redução de danos.

BASTOS e MESQUITA (2004, p. 182), fazendo eco com alguns estudio sos, dizem que:é tempo de substituir as declarações de fé pelo rigoroso escrutínio científico, partindo de

pressupostos que não se jam pró ou antidrogas, mas que, de fato, consigam mini mizar os danos decorrentes do consumo em um sentido mais amplo. [...] o então crescente número de usuários de drogas injetáveis infectados pelo HIV/AIDS nos países de senvolvidos [...] fez com que estratégias alternativas à pura e simples repressão no âmbito dos danos secundários ao abuso de drogas, até então restrita a um punhado de ativis tas e especialistas, se revestisse de uma dimensão coletiva e global e se tornassem legítimas aos olhos de dirigentes líderes de paises e comunidades influentes (Bastos e Mes quita, 2004, p. 182).

Já em 1986 e 1987, com a grande contaminação pelo vírus HIV nos usuários de drogas injetáveis, na Inglaterra e na Holanda apareceram os primeiros centros de troca de seringas. A proposta era reduzir os danos que estes usuários causavam a si próprios compartilhando serin gas. Esta ação foi considerada eficiente na Europa.

Na França, CAVALCANTI (2001) aponta que, antes dos programas de distribuição, mais de 50% dos usuários compartilhavam suas seringas e hoje este número é menor que 17%.

No Brasil, na mesma época, também foram feitas tentativas neste sen tido, mas a iniciativa tornou-se um caso de polícia. Ainda não conseguí amos abandonar nossas posições proibicionistas e tratávamos a preven ção como uma forma de repressão. Hoje, já sabemos que a redução de danos é muito maior do que só trocar seringas.

1Estudos apontam cinco princípios para a redução de danos1. É uma alternativa de saúde pública aos modelos moral, crimi nal e de doença.2. Reconhece a abstinência como resultado ideal, mas aceita al ternativas que reduzam

danos.

1Moreira, Silveira e Andreoli (2006) citando Marlatt (1999).

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Prevenção: novas formas de pensar e enfrentar o problema

3. É baseada na defesa do dependente.4. Promove acesso a serviços de baixa exigência, ou seja, ser viços que acolhem usuários

de forma mais tolerante, como uma alternativa para as abordagens tradicionais de alta exi gência, aquelas que, tipicamente, exigem a abstinência total como pré-requisito para a aceitação ou permanência do usu ário.

5. Baseia-se nos princípios do pragmatismo empático versus ide alismo moralista.

Ao pensarmos a redução de danos e colocarmos a abstinência como um resultado ideal a ser alcançado, estamos admitindo que o real não é o ideal. Com esses conhecimentos novos, podemos ampliar nossa vi são para uma visão mais social, pois é essa a demanda que temos hoje presente em nossa realidade.

O objetivo da prevenção, segundo a OMS, é reduzir a incidência de problemas causados pelo uso indevido de drogas em uma pessoa em um determinado meio ambiente.

No entanto, as categorias de prevenção primária, secundária e terciária que herdamos dos modelos médicos não dão mais conta do nosso pro blema, apesar de ainda serem utilizadas.

• Prevenção primária - evitar que o uso de drogas se instale, dirigindo-se a um público que não foi afetado.

• Prevenção secundária - efetuar ações que evitem a evolução do uso para usos mais prejudiciais.

• Prevenção terciária - tratar os efeitos causados pelo uso da droga, melhorando a qualidade de vida das pessoas afetadas.

“Hoje, a prevenção se organiza focando o indivíduo ou a população em que estão implícitos os conceitos de fatores associados à proteção e ao risco, considerando a multiplici dade de fatores envolvidos ao uso abusivo e na dependên cia de drogas.” (Noto. e Moreira, 2006, p. 314)

Agora, a partir da definição de uma população-alvo, as atividades pre ventivas passam a ser chamadas de:

• intervenção global ou universal;• intervenção específica ou seletiva;• intervenção indicada.

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Fatores da proposta de prevençãoPara fazer uma proposta de prevenção, é preciso que alguns fatores sejam considerados.Dada a complexidade da problemática do uso de drogas, envolvendo a interação de

fatores bio-psico-sociais, o cam po das ações preventivas é extremamente abrangente, en volvendo aspectos que vão desde a formação da persona lidade do indivíduo até questões familiares, sociais, legais, políticas e econômicas (ANDRADE e BASSIT,1995).

Sabemos que o problema do uso indevido de drogas é sério e impor tante. Sabemos, também, que só nossas boas intenções não são sufi cientes para planejarmos uma ação preventiva.

Para tal planejamento, é preciso ter conhecimento científico, e não somente uma opinião sobre a questão. Dentro deste conhecimento está a identificação; da população a ser trabalhada, a identificação dos fatores de risco e de proteção desta determinada população e o planejamento da intervenção que será feita.

Somos seres humanos e muitas vezes não enxergamos o problema de forma completa, por isso, é muito importante o trabalho em equipe. Na formação da equipe, é importante contar com especialistas e mem bros da comunidade local - chamamos isso de apoio.

Os fatores: apoio, conhecimento, criatividade e equipe treinada são essenciais para o desenvolvimento de um bom trabalho nesta área.

na comunidade, em ambiente escolar e nos meios de comunicação.

por exemplo, em grupos de crianças, filhos de dependentes químicos.

em programas que visem diminuir o consumo de álcool e outras drogas, mas também a melhora de aspectos da vida do indivíduo como, por exemplo, desempenho acadêmico e reinserção escola.

Intervenção global - são programas desti-nados à população geral, supostamente sem qualquer fator associado ao risco.

Intervenção específica - são ações voltadas para populações com um ou mais fatores associados ao risco de uso de substâncias.

Intervenção indicada - são intervenções voltadas para pessoas identificadas como usuárias ou com comportamentos violentos relacionados direta ou indiretamente ao uso de substâncias, como por exemplo alguns acidentes de trânsito.

O que é? Onde se aplica

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Prevenção: novas formas de pensar e enfrentar o problema

Se a função do técnico for a de treinar uma equipe local, é preciso que esta equipe tenha condições de:

• receber o conhecimento científico e se manter atualizado;• suportar mudanças lentas e graduais;tolerar frustração para conseguir ampliar os próprios limites;• examinar seus erros e seus preconceitos em relação à questão;• exercer a própria criatividade para criar ações considerando o grupo identificado;• trabalhar com outros técnicos em atividades grupais.

Para a implantação de um programa, é preciso que se defina seus obje tivos e as estratégias, considerando a comunidade onde ele será desen volvido, além da definição dos recursos físicos locais para que a inter venção não precise ser interrompida.

Os processos de mobilização ocorrem mais facilmente se forem iniciados em comunidades menores.

Para se fazer prevenção, além da preparação da equipe, da definição de objetivos e do estabelecimento de apoio, temos de contar com dados da realidade externa que interferem no nosso trabalho e estar atentos a novos fatores que possam interferir nele. Por exemplo, uma nova droga introduzida no mercado ou novos hábitos que vêm fazer parte daquela comunidade devem ser considerados.

As ações preventivas na comunidade podem ser orientadas por diferen tes modelos que não são excludentes entre si.

Utilizando como exemplo a escola, podemos dizer que uma interven ção preventiva será mais eficiente quanto mais ela considerar dados como:

• o respeito à cultura da comunidade e do lugar onde ela está inserida;• o planejamento das ações;• o aproveitamento dos recursos já existentes;• a integração das novas atividades ao currículo escolar; o envolvimento gradual da comunidade escolar;• a preocupação com a possibilidade da continuidade das ações planejadas;• a consideração do fato de que só a informação não basta;• a identificação dos fatores de risco e proteção.

Tanto quanto o planejamento para iniciar a intervenção preventiva, a avaliação dos resultados obtidos é de suma importância.

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Redes Sociais

Capítulo 5

RedesSociais

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Redes Sociais

Redes SociaisO conceito de rede social como um conjunto de relações interpes soais concretas que

vinculam indivíduos a outros indivíduos vem se ampliando dia-a-dia, à medida que se percebe o poder da cooperação como atitude que enfatiza pontos comuns em um grupo para gerar solidariedade e parceria.

O homem, como ser social, estabelece sua primeira rede de relação no momento em que vem ao mundo. A interação com a família confere-lhe o aprendizado e a socialização, que se estendem para outras redes sociais. É pela convivência com grupos e pessoas que se moldarão mui- tas das características pessoais determinantes da sua 1identidade social.

Surgem, nesse contexto, o reconhecimento e a influência dos grupos como elementos decisivos para a manutenção do sentimento de pertinência e de valorização pessoal.

Todo indivíduo carece de aceitação e é na vida em grupo que ele irá externar e suprir esta necessidade. Os vínculos estabelecidos tornam-se intencionais, definidos por afinidades e interesses comuns. O grupo, então, passa a influenciar comportamentos e atitudes, funcionando como ponto em uma rede de referência composta por outros grupos, pessoas ou instituições, cada qual com uma função específica na vida da pessoa.

Na prática, a existência humana constitui-se nas interações. O ambien te poderá intensificá-las ou diminuí-las de acordo com o surgimento de novos interesses e necessidades. É o equilíbrio dessas interações que vai determinar a qualidade das relações sociais e afetivas do indiví duo com os pontos de sua rede que são: a família, a escola, os amigos, os colegas de trabalho, entre outros.

Assim, o indivíduo pode constituir ou fazer parte de uma rede, cujo padrão de interação poderá ser:

• Positivo - privilegiando atitudes e comportamentos que va lorizam a vida.

• Negativo - marcado por atitudes e comportamentos de agressão à vida.

1 Identidade social é o conjunto de características individuais reconhe-cido pela comunidade da qual a pessoa faz parte.

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É importante salientar que o padrão de interação nem sempre se dá de maneira estanque. Dificilmente, uma pessoa se relacionará de forma totalmente negativa ou positiva.

Objetivos das Redes Sociais

• Favorecer o estabelecimento de vínculos positivos, por meio da interação entre os indivíduos;

• oportunizar um espaço para reflexão, troca de experiências e busca de soluções para problemas comuns;

• estimular o exercício da solidariedade e da cidadania;

• mobilizar pessoas, grupos e instituições para a utilização de recursos existentes na própria comunidade;

• estabelecer parcerias entre setores governamentais e não-governamentais, para implementar programas de orientação e prevenção, pertinentes a problemas específicos apresentados pelo grupo.

A construção da rede somente poderá ser concretizada à medida que se associam os princípios da responsabilidade pela busca de soluções com os princípios da solidariedade.

É preciso que cada cidadão busque, dentro de si, o verdadeiro sentido da gratificação pessoal mediante a participação.

Ao conselheiro, compete potencionalizar a força natural dos indivíduos e da co-munidade em ações para a formação e fortalecimento de redes voltadas à ga rantia de acesso aos direitos sociais e ao exercício da cidadania.

Características a serem identificadas e desenvolvidas no trabalho em rede• Acolhimento - capacidade de acolher e compreender o outro, sem impor quaisquer

condições ou julgamentos, ou impor-se.• Cooperação - demonstração do real interesse em ajudar e de compartilhar na busca

das soluções.• Disponibilidade - demonstração e associação a um compro misso solidário.

Respeito às diferenças étnicas-econômicas-sociais, reconhecimento e consideração pela diversidade.

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Redes Sociais

• Tolerância - capacidade de suportar a presença ou interferên cia do outro sem sentimento de ameaça ou invasão.

• Generosidade - demonstração de um clima emocional positi vo (apoio, carinho, atenção e “dar” sem exigir retorno).

Na figura abaixo, é apresentado um exemplo da articulação das carac terísticas de rede.

As Redes Sociais e a prevenção do uso de drogasO uso de drogas tem se revelado um importante problema de saúde pública com

enorme repercussão social e econômica para a socieda de contemporânea. Não obstante os esforços do poder público e da sociedade civil na busca de alternativas, o aumento do consumo e a precocidade com que os jovens vêm experimentando vários tipos de drogas, alertam especialistas em uma direção comum: é preciso prevenir! Prevenir no sentido de educar o indivíduo para assumir atitudes responsáveis na identificação e no manejo de situações de risco que possam ameaçar a opção pela vida.

Essa visão de prevenção enfatiza a adoção da educação não apenas como um “pacote” cumulativo de informações sobre drogas, mas como um processo contínuo de aprendizagem voltado ao desenvol vimento de habilidades psicossociais que permitam um crescimento social e afetivo equilibrado ao indivíduo.

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A articulação de diferentes pontos da rede social pode otimizar espaços de convivência positiva que favoreçam a troca de experiências para a identificação de situações de risco pessoal e possíveis vulnerabilidades sociais, observando que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), são fatores de risco ao uso de drogas:

• ausência de informações adequadas sobre as drogas; insatisfação com a sua qualidade de vida;

• pouca integração com a família e a sociedade;• facilidade de acesso às drogas.

A participação comunitáriaO impacto da participação em um projeto social transcende o supri mento de carências,

pois a vivência comunitária é veículo para a am pliação da visão de mundo, geração de conhecimentos, exercício da cidadania e transformação social.

Na ação comunitária, a ideologia preponderante é a cooperação, cuja força se dá no estabelecimento de uma corrente solidária em que cada pessoa é importante na sua necessidade ou na sua disponibilidade para ajudar.

As soluções participativas mobilizam as ações de responsabilidade par tilhada, a formação, o estreitamento de parcerias e a otimização dos re cursos existentes na comunidade, possibilitando o desenvolvimento de trabalhos de prevenção do uso de drogas com os seguintes enfoques:

• prevenção universal: é dirigida à população em geral. Na co munidade, esse modelo de prevenção abrange todos os mo radores ou um grupo como um todo. Por exemplo: gincana sobre saúde e qualidade de vida com participação de todos os alunos da escola.

• prevenção seletiva: é dirigida a grupos específicos da comu nidade, com o objetivo de identificar os fatores de risco as sociados ao uso de álcool e outras drogas e atuar de forma a retardar ou impedir o uso e o abuso. Por exemplo: ação de orientação para estudantes de ensino médio que comumente frequentam festas onde há consumo de álcool.

• prevenção indicada: planejada para pessoas que já apresen tam os primeiros sinais de uso abusivo de álcool e outras dro gas. Tem por objetivo prevenir a evolução para um possível quadro de dependência e suas complicações. O enfoque da intervenção deve ser específico para cada indivíduo ou gru po e considerar os problemas escolares, de saúde, familiares e sociais relacionados ao padrão de consumo. Por exemplo: encaminhamento de usuário para tratamento externo.

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Experiências de trabalho em redeExistem inúmeras experiências que demonstram ser possível o traba lho em rede. Você

irá conhecer algumas Instituições, Organizações, Associações, Projetos, dentre outros, que realizam esses trabalhos com a intenção de solucionar ou amenizar os problemas causados pelo uso abusivo de álcool e outras drogas.

Associação Lua NovaA Associação Lua Nova é uma iniciativa não governamental que tem por objetivo a

reinserção social de jovens mães e seus filhos em situa ção de vulnerabilidade social. Com sede em Sorocaba (SP), desenvolve ações de geração de renda, trabalho, estudo, desenvolvimento comu nitário e cidadania. Tem como missão “resgatar e desenvolver a auto estima, a cidadania, o espaço social e a auto sustentabilidade de jovens mães vulneráveis, facilitando sua inserção como multiplicadoras de um processo de transformação de comunidades em risco”.

Para que isso ocorra, a ONG desenvolve uma série de programas. A etapa inicial é dar residência, alimentação, assistência médica, psico lógica e educacional às jovens e seus filhos. A etapa seguinte é cha mada de Lua Crescente, que fomenta o planejamento da futura “vida em família” e encoraja os primeiros passos para a independência so-cioeconómica das residentes. Para chegar a essa independência as residentes participam de Projetos de Geração de Renda e Trabalho, como por exemplo, o Projeto Criando Arte - que consiste na for mação de costureiras e criação, desenvolvimento, produção e venda de bonecas e brindes. O projeto Panificadora Lua Crescente - tra balha na produção e venda de biscoitos artesanais, dentre outros. Através de seu trabalho e métodos terapêuticos empregados, a Associa ção Lua Nova pretende tornar-se referência nacional e um centro mul tiplicador por excelência de programas de inserção social de jovens/ adolescentes em situações de risco. A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas financiou a sistematização dessa metodologia, com o ob jetivo de disseminá-la em outros municípios brasileiros.

Terapia ComunitáriaCriada pelo psiquiatra e antropólogo Adalberto Barreto, a metodolo gia da Terapia

Comunitária (TC) tem como fundamento o reconheci mento dos potenciais e competências existentes em cada pessoa, nos grupos e na comunidade, para o enfrentamento dos problemas em seu cotidiano.

Neste sentido, o trabalho comunitário revela-se como uma importan te estratégia na otimização dos recursos, pois, visa trabalhar a saúde comunitária em espaços públicos, com valorização na prevenção e na participação de todos.

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O Brasil já conta com mais de 12 mil terapeutas formados, que são profissionais das áreas de saúde, educação, social, segurança, além de outros voluntários. A TC tem sido, também, um instrumento de mo bilização de recursos locais e de reflexão sobre o sofrimento de fa mílias com problemas decorrentes do uso de álcool ou outras drogas por parte de algum de seus membros, fortalecendo, assim, os vínculos sociais e as redes de proteção. Nesta perspectiva, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas promoveu a capacitação de 720 terapeutas comunitários para qualificá-los especificamente no atendimento das questões relativas ao tema.

Central Única das Favelas - CUFAA Central Única das Favelas - CUFA - é uma organização criada a partir da união

entre jovens de várias favelas do país, que buscavam espaço para expressar atitudes, questionamentos ou simplesmente sua vonta de de viver.

A CUFA promove atividades nas áreas de educação, lazer, esportes, cultura, cidadania. Como recurso, utiliza graffiti, formação de DJs, break, rap, audiovisual, basquete de rua, literatura, entre outros. O Hip Hop é a principal forma de expressão da CUFA e serve como fer ramenta de integração e inclusão social. A Central produz, distribui e veicula a cultura Hip Hop através de publicações, discos, vídeos, programas de rádio, shows, concursos, festivais de música, cinema, oficinas de arte, exposições, debates e seminários. A equipe CUFA está presente nos 26 estados da União e no Distrito Federal. É compos ta, em grande parte, por jovens formados nas oficinas de capacitação e profissionalização das bases da instituição, oriundos das camadas me nos favorecidas da sociedade e que atuam em rede com as comunida des locais.

Acesse o site no seguinte endereço eletrônico:http://www.abratecom.org.br

Para obter maiores informações sobre a CUFA acesse o seguinte endereço: http://www.cufa.org.br

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Redes Sociais

Conheça outros Projetos de trabalho em Rede

• Projeto PracatumA Associação Pracatum Ação Social foi fundada em 1994 pelo músico Carlinhos

Brown com o objetivo de desenvolver um trabalho fun damentado nos temas educação e cultura, mobilização social e ur banização. A missão da associação é a melhoria da qualidade de vida dos moradores da comunidade do Candeal (Salvador - BA), através do desenvolvimento comunitário, saneamento básico e programas educa cionais e culturais. As iniciativas sociais incluem questões de responsa bilidade social e inserção dos jovens da comunidade no mercado de trabalho. O lugar é um centro de referência em cursos de formação profissional em moda, costura, reciclagem, idiomas e oficinas de ca poeira, música, dança e de temáticas ligadas à cultura afro-brasileira, além de uma escola infantil.

Informações adicionais sobre este projeto acesse os endereços eletrônicos:www.carlinhosbrown.com.br

• Projeto AfroReggaeO AfroReggae é uma ONG que também atua como banda musical e tem por objetivo

intervir junto à população afro-brasileira, atuando principalmente na comunidade de origem de seus membros, Vigário Geral, no Rio de Janeiro. Para tal, foi criado o Núcleo Comunitário de Cultura que promove atividades de amparo a jovens em situação de vulnerabilidade, passíveis de envolvimento com a criminalidade. Esses jovens passam a integrar projetos sociais que envolvem atividades de dança, percussão, futebol, reciclagem de resíduos e capoeira. No total, o grupo tem mais de 65 Projetos sociais e atua em todo Brasil e fora dele.

Para maiores informações acesse: http:/www.afroreggae.org.br

• Grupo Cultural OlodumO grupo Olodum da Bahia possui uma Escola Criativa que desenvolve uma série de

cursos, tais como: oficina de mamulengos, dança, teatro, percussão, dicção e postura de voz, reforço escolar, iniciação musical, História e Português. Na área de saúde, o projeto Pró Saúde objetiva educar e informar a população sobre a prevenção de doenças sexual-mente transmissíveis. O grupo realiza ainda campanhas de limpeza urbana, que visam manter a comunidade limpa, assim como o reapro veitamento de parte do lixo como material reciclável.

Para maiores informações acesse: http://www.facom.ufba.br/com112/olodum_e_timbalada/olodum_index.htm

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• Programa Social da MangueiraO Programa Social da Mangueira reúne um conjunto de ações que atendem às áreas

de Esporte, Saúde, Educação para o Trabalho, Lazer e Cultura. As atividades são voltadas para pessoas de diversas idades, de crianças a idosos. Atualmente o Complexo Olímpico atende cerca de 2.500 crianças e adolescentes e ainda se estende ao manter ativida des para adultos. O reflexo direto desse trabalho é o baixo índice de criminalidade infantil e o aumento da escolaridade na comunidade da Mangueira. A Vila Olímpica da Mangueira foi escolhida pela BBC de Londres como o Melhor Projeto Social da América do Sul.

Maiores informações sobre este programa acesse o endereço eletrônico:http://www.mangueira. com.br/site/conteudo/ programas_sociais.asp

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Capítulo 6

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1Lapsos são consumos de curta duração que se seguem a um período de abstinência, porém não levam o indivíduo ao comportamento anterior de uso regular.

IntroduçãoAs primeiras abordagens terapêuticas para o tratamento de dependen tes químicos

datam do século XIX, embora existam relatos de quadros de alcoolismo desde a antiguidade. Por isso, ainda hoje, são realizadas pesquisas que buscam avaliar quais tratamentos realmente funcionam. Nesta Unidade, você vai conhecer tratamentos que apresentam eficá cia já demonstrada e estão disponíveis em nosso meio.

Os profissionais que trabalham com usuários de substâncias psicoativas (SPA) precisam, inicialmente, conhecer os efeitos agudos e crônicos das drogas de abuso, suas formas de uso, a prevalência e os padrões de uso mais típicos.

Atualmente, considera-se que os indivíduos que apresentam proble mas com droga compõem grupos heterogêneos e necessitam de tra tamentos diferentes.

Isso acontece porque a dependência química resulta da interação de vá rios aspectos da vida das pessoas: biológico, psicológico e social. Desse modo, as intervenções devem ser diferenciadas para cada indivíduo e devem considerar todas as áreas envolvidas.

Assim, torna-se fácil entender porque existem tantos tipos de tratamen to, mas em todos eles devem ser considerados alguns fatores, como por exemplo, a motivação para mudança.

Um modelo conhecido por “estágios de mudança”, descrito, primeira mente, por Prochaska e Di Clemente (1983), tem sido bastante discu tido entre os técnicos que trabalham com dependência química (DQ). Esse modelo propõe que os usuários de SPA apresentam “fases de mo tivação” para o tratamento, e proporciona aos profissionais um melhor entendimento de suas mudanças de comportamento, 1lapsos e recaídas.

Os estágios de mudança não são necessariamente sequenciais, e os indivíduos usualmente passam por eles várias vezes durante o trata mento, em ordens aleatórias. Na Tabela 1, encontra-se uma descrição sucinta de cada estágio e algumas estratégias que podem ser aplicadas nos diferentes momentos. Acompanhe.

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0 indivíduo não percebe os prejuízos relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Segue

com o uso e não pensa em parar nos próximos seis meses

0 indivíduo percebe os problemas relacionados ao uso, mas não

toma nenhuma atitude em direção à abstinência. Pensa em parar

nos próximos seis meses.

Utiliza SPA, porém já fez uma tentativa de parar por 24 horas, no

último ano. Pensa em entrar em abstinência nos próximos 30 dias.

Conseguiu parar completamente com o uso nos últimos seis meses

Está em abstinência há mais de seis meses.

Retornou à utilização da droga.

Pré-Contemplação

Contemplação

Preparação

Ação

Manutenção

Recaída

Estágio Descrição AbordagemConvidar o indivíduo à reflexão;

evitar confrontação; remover barreiras ao tratamento.

Discutir os prós e contras do uso; desenvolver 1discrepânica(levando-o a refletir: “É possível atingir os objetivos que busco na vida se continuar com o uso?”).

Remover barreiras ao tratamento, ajudar ativamente e demonstrar interesse e apoio à

atitude do indivíduo.

Implementar o plano terapêutico.

Colaborar na construção de um novo estilo de vida, mais

responsável e autônomo.

Reavaliar o estágio motivacional do indivíduo.

Tabela 1 - Descrição dos estágios de mudança

1 Incompatibilidade entre o uso de drogas e os objetivos de vida do indivíduo.

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Definições de objetivos de um tratamento para dependência química

Como vimos, muitas vezes os dependentes químicos nem percebem que possuem problemas relacionados ao uso de substâncias. Assim, o primeiro passo do tratamento é alcançar um nível de participação e motivação suficiente para manter um tratamento a médio e longo pra zo. Em seguida, costuma-se propor três objetivos principais: abstinên-cia, melhora da qualidade de vida e prevenção de recaídas, descritos a seguir.

Abstinência do uso de substâncias psicoativasO objetivo final da maioria dos tratamentos é o abandono do uso de SPA (abstinência).

Os elementos necessários para alcançá-lo incluem a aquisição de diferentes habilidades e comportamentos que permitam evitar seu consumo.

Melhorar a qualidade de vidaIndependente de o primeiro objetivo ser alcançado, e dado ao fato de nem sempre

estarem presentes as condições psicológicas e sociais pro pícias para atingi-lo, é de especial importância a melhora da qualidade de vida, mesmo que o uso de drogas não tenha sido interrompido. Para estes indivíduos, deve ser reforçada a adesão ao tratamento e deve ser proposta uma estratégia de redução de danos, que permita diminuir as conseqüências negativas do consumo. Quem precisa de tratamento?

Fazem parte desta estratégia, entre outras, a prevenção e o tratamento de do enças clínicas (como HIV, hepatites) e psiquiátricas (como depressão, psicose).

Prevenção de recaídasOs indivíduos que aceitam a abstinência completa como meta devem ser preparados

para a possibilidade de recaídas. É importante que este jam cientes da natureza crônica e reincidente da dependência química.

Quem precisa de tratamento

Para responder esta pergunta, é necessária uma avaliação cuidadosa e ampla do indivíduo. Nesta avaliação, deve-se perguntar sobre as subs tâncias utilizadas, o tipo de consumo de cada uma delas (se o uso é experimental, recreacional, abuso ou dependência); tratamentos ante riores; comorbidades clínicas e psiquiátricas; história familiar ; perfil 2psicossocial. Quanto maior a gravidade do consumo, mais o indiví duo necessita de tratamento. Indivíduos que apresentam padrões de consumo recreacional e de abuso, em geral, também se beneficiam de tratamento, sendo que, nesses casos, apenas o aconselhamento pode ser suficiente.

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Avaliando comorbidades psiquiátricasO uso de drogas pode ser causa e/ou consequência de sintomas psi quiátricos. Quando

a presença desses sintomas demonstra representar uma doença independente - além do transtorno por uso de substâncias -, identifica-se um subgrupo de indivíduos chamados de “indivíduos com diagnóstico duplo” ou “comorbidade”, ou seja, com mais de um diagnóstico psiquiátrico.

Indivíduos com comorbidade psiquiátrica e uso abusivo de SPA cos tumam apresentar maiores dificuldades para aderir ao tratamento e, geralmente, não respondem bem a abordagens terapêuticas direciona das a apenas um dos transtornos. Desse modo, é necessário combinar medicações e modificar as terapias psicossociais, incluindo abordagens para ambos.

Como escolher o tratamento

Antigamente, havia poucas opções disponíveis (internação, grupo de auto-ajuda e encaminhamento a especialistas), contudo, pesquisas têm demonstrado que tratamentos breves, conduzidos por não-especialistas, apresentam resultados significativos e com baixo custo, de maneira que essas técnicas vêm sendo amplamente difundidas.

As abordagens por não-especialistas são realizadas através de aconselhamento e intervenções breves (detalhadas a seguir). Porém, indivíduos com dificuldade de aderência ou pouca melhora com o tratamento breve devem ser encami nhados a especialistas como psiquiatras ou psicólogos.

Então, quando se deve encaminhar ao especialista? Quando estiverem presentes as seguintes características:

1. suspeita de outras doenças psiquiátricas;2. não melhoraram com os tratamentos anteriores;3. tiveram múltiplas tentativas de abstinência sem sucesso.

2Características como idade, cor, nível social, financeiro, educacional e cultural, assim como moradia, tipo de família, entre outros

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Tratamento

Além disso, se o usuário é incapaz de cumprir as mínimas combina ções, ou se ele apresenta-se frequentemente intoxicado, provavelmente apresenta um quadro de dependência grave e necessita ser encaminha do para algum ambiente que envolva mais estrutura e segurança - para si e para os técnicos que o atendem- ou seja, deve ser considerada a internação psiquiátrica. Outra indicação de internação ocorre quando a agressividade do indivíduo implica riscos para sua integridade física ou para os outros.

Quadro 1 - Indicações de internação

• Condições médicas ou psiquiátricas que requeiram observa ção constante 3(estados psicóticos graves, ideias suicidas ou homicidas, debilitação ou abstinência grave).• Complicações orgânicas devidas ao uso ou cessação do uso da droga.• Dificuldade para cessar o uso de drogas, apesar dos esforços terapêuticos.• Ausência de adequado apoio psicossocial que possa facilitar o início da abstinência.• Necessidade de interromper uma situação externa que refor ça o uso da droga.

As várias formas de tratamento

O tipo de tratamento a escolher depende da gravidade do uso e dos re cursos disponíveis para o encaminhamento. A seguir, vamos descrever brevemente os principais modelos de tratamento que vêm sendo uti lizados em nosso meio e que são cientificamente recomendados. Eles devem ser indicados conforme os critérios previamente estabelecidos e muitas vezes se constituem em abordagens complementares para um mesmo indivíduo, de modo que não devem ser vistos como excluden tes.

DesintoxicaçãoA desintoxicação pode ser realizada em três níveis com complexidade crescente:

tratamento ambulatorial, internação domiciliar e interna ção hospitalar.Em qualquer nível, sempre que necessário, podem ser utilizados medi camentos para o

alívio dos sintomas (4benzodiazepínicos, antipsicóticos, entre outros).

3São estados em que o indivíduo se distancia da realidade, muitas vezes ouvindo vozes ou tendo pensamentos estranhos como de perseguição.

4Calmantes em geral, que costumam ser utilizados para insônia e ansiedade.

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Os objetivos da desintoxicação são:1. alívio dos sintomas existentes;2. prevenção do agravamento do quadro (convulsões, por exem plo);3. vinculação e engajamento do indivíduo no tratamento.

Grupos de autoajudaÉ importante estar familiarizado com programas de auto-ajuda, espe cialmente, o

dos 512 passos empregados pelos Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA). Estes programas são muito popu lares e, segundo as pesquisas, costumam ser bem sucedidos como pro gramas de recuperação para os transtornos por uso abusivo de álcool ou outras drogas.

Os grupos de AA/NA são gratuitos e amplamente disponíveis em todo o País.

Estes programas servem de apoio ao dependente químico, pois se orientam pela experiência dos demais participantes e pela identifica ção com eles. Frequentemente, também, os AA ou NA estimulam uma rede saudável de contato e apoio social. Além disso, a filosofia dos 12 passos divulga algumas ideias psicológicas e espirituais que facilitam lidar com as pressões de vida diárias e parecem ajudar alguns depen dentes a estabelecer e manter um estilo de vida sóbrio.

Comunidades terapêuticas

As comunidades terapêuticas e as fazendas para tratamento de depen dentes químicos disponíveis no nosso meio possuem as mais variadas orientações teóricas e, em geral, utilizam uma filosofia terapêutica ba seada em disciplina, trabalho e religião. Esse recurso deve ser reserva do para indivíduos que necessitam de um ambiente altamente estru-turado e para aqueles com necessidade de controle externo (nenhuma capacidade de manter abstinência sem auxílio). Algumas disponibili zam atendimento médico e devem ser preferidas quando houver a pos sibilidade da indicação de uso de medicação por comorbidade ou por dependência grave.

5Trata-se de uma técnica baseada na filosofia dos Alcoólicos Anônimos, em que são recomendados 12 princípios básicos para manter a abstinência.

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Tratamento

Tratamentos farmacológicosO tratamento farmacológico para a dependência química funciona com a prescrição

de medicamentos, por profissionais da área médica, tanto em hospitalizações, para tratar sintomas de intoxicação e absti nência, quanto no tratamento ambulatorial.

As estratégias medicamentosas aceitas e eficazes têm como finalidade:tratar sintomas da intoxicação;tratar sintomas de abstinência;substituir o efeito da substância (por exemplo: adesivo de nicotina - Fazer efeito contrário a nicotina no tratamento do tabagismo);6antagonizar os efeitos da droga (como o naltrexone, no trata mento do alcoolismo);causar aversão à droga (como o dissulfiram que provoca ver melhidão facial, dor de cabeça, palpitação, enjôo e sensação de morte, quando o indivíduo ingere álcool).

Tratamentos psicossociaisEntre os vários tipos de tratamento, os psicossociais são os mais am plamente utilizados.

Costumam estar disponíveis em diversos níveis do sistema de saúde: em postos de saúde, em Centros de Atenção Psicos social - Álcool e Drogas (CAPS-ad), e serviços terciários de atendimen to (hospitais gerais). As formas mais aceitas de tratamentos psicosso ciais são brevemente descritas a seguir.

Entrevista MotivacionalA Entrevista Motivacional foi desenvolvida por William Müller e co laboradores, e

postula que a motivação dos indivíduos para uma mu dança de comportamento pode ser modificada através de estratégias específicas. A técnica de Entrevista Motivacional constitui-se de um estilo que evita o confronto direto e promove o questionamento e o aconselhamento, visando a estimular a mudança do comportamento. Ela prioriza a autonomia do indivíduo em tomar decisões e é baseada em cinco princípios básicos.

1. Expressar empatia: escutar respeitosamente o indivíduo, tentando compreender o seu ponto de vista, ainda que não concordando necessariamente com ele.

2. Desenvolver discrepância: conduzir o usuário a visualizar os seus objetivos de vida, contrastando com o seu comporta mento atual, para poder criar uma percepção de incompatibi lidade entre os atos e os seus objetivos.

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3. Evitar discussões: evitar discussões e confrontações diretas, promovendo reflexões com eventuais aconselhamentos sobre o tema em questão.

4. Fluir com a resistência: não se deve impor novas visões ou metas, mas convidar o indivíduo a vislumbrar novas perspec tivas que lhe são oferecidas.

5. Estimular a autoeficácia: a autoeficácia é a crença do próprio indivíduo na sua habilidade de executar uma tarefa ou resol ver um problema e deve sempre ser estimulada.

AconselhamentoÉ a intervenção psicossocial mais amplamente utilizada em depen dência química e

contribui para uma evolução positiva do tratamen to. Consiste, fundamentalmente, de apoio, proporcionando estrutura, monitoração, acompanhamento da conduta e encorajamento da abs tinência.

Proporciona, também, serviços ou tarefas concretas tais como enca minhamento para emprego, serviços médicos e auxílio com questões legais.

O aconselhamento deve ser individualizado, enfatizando o retorno da avaliação realizada.

Pode ser mínimo (3 minutos), breve (3-10 minutos) ou intensivo (mais de 10 minutos). Pode ser aplicado por qualquer profissional adequada mente treinado e apresenta quatro fases:

Avaliação (identificação do problema).Aconselhamento (estratégias motivacionais).Assistência.Acompanhamento.

Intervenção BreveA Intervenção Breve é uma técnica mais estruturada que o aconselha mento. Possui um

formato claro e simples, e também pode ser utiliza da por qualquer profissional.

Quando tais intervenções são estruturadas em uma até quatro sessões, pro duzem um impacto igual ou maior que tratamentos mais extensivos para a dependência de álcool. Terapias fundamentadas na entrevista motivacional produzem bons resultados no tratamento e podem ser utilizadas na forma de intervenções breves.

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As intervenções breves utilizam técnicas comportamentais para alcan çar a abstinência ou a moderação do consumo. Ela começa pelo esta belecimento de uma meta. Em seguida, desenvolve-se a automonitorização, identificação das situações de risco e estratégias para evitar o retorno ao padrão de consumo problemático. O espectro de pro blemas também determina que se apliquem intervenções mais espe cializadas para indivíduos com problemas graves, além de adicionais terapêuticos, como manuais de auto-ajuda, aumentando a efetividade dos tratamentos.

Terapia Cognítívo Comportamental (TCC) e Prevenção de RecaídaNesta forma de tratamento, procuram-se corrigir as distorções cogni tivas (pensamentos

e crenças mal-adaptativas) e os comportamentos que o usuário tem em relação à droga.

A abordagem básica da TCC pode ser resumida em “reconhecer, evitar e criar habilidades para enfrentar”as situações que favorecem o uso de drogas. As ses sões seguem uma estrutura padronizada e os indivíduos têm papel ativo no tratamento.

Após a motivação e a implementação de estratégias para interromper o uso da droga, surge uma tarefa tão ou mais difícil, que consiste em evitar que o indivíduo volte a consumi-la. O modelo de “prevenção de recaída” (Marlatt, 1993) incorpora os aspectos cognitivo comporta mentais e objetiva treinar as habilidades/estratégias de enfrentamento de situações de risco, além de promover amplas modificações no estilo de vida do indivíduo.

Terapia de GrupoO desenvolvimento da técnica de grupoterapia é uma alternativa para atender um

maior número de pessoas, num menor tempo, e, portanto, com um custo mais baixo. É considerada uma alternativa viável e tam bém efetiva. O tratamento em grupo de dependentes de álcool e de outras drogas vem ocupando um espaço amplo, mas o seu estudo ain da é restrito, pois exige uma metodologia de avaliação muito rigorosa.

Terapia de famíliaA comunicação com os familiares traz amiúde novos dados que podem ter fundamental

importância no esclarecimento diagnóstico e trata mento do paciente. Quando se percebe que o conflito familiar interfere diretamente no tratamento, costuma-se indicar terapia de família.

A terapia de familia objetiva aprimorar a comunicação entre cada um de seus componentes e abordar a ambivalência de sentimentos. Ela pretende reforçar positivamente o papel do dependente químico na fa milia, levando a uma melhor adaptação no seu funcionamento social.

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Redução de Danos

Em Saúde Pública, o conceito de Redução de Danos, já abordado nas Unidades 4 e 5, é utilizado com a finalidade de prevenir ou reduzir as consequências negativas associadas a um determinado comportamen to.

Considerando o tratamento de dependencia química, ele é útil, por exemplo na redução da transmissão de HIV e hepatites através de programas de troca de seringas, para usuários de drogas injetáveis.

Você conheceu ou reviu uma ampla gama de conceitos e informações sobre drogas, passando pelos conceitos básicos como experimentação, abuso, questões cul turais, prevenção, redução de danos e tratamento, tudo isso entreme ado com dados recentes sobre o uso de drogas no Brasil e no mundo. Para encerrar esta etapa, execute a seguinte atividade: faça uma breve retrospectiva sobre os assuntos estudados e anote todas as referên cias importantes relacionadas à sua comunidade que você lembrou durante os estudos. Então, acesse o fórum e compartilhe com os co legas as reflexões que apareceram durante esse período de estudos. Lembre-se que eles vêm de realidades e áreas de atuação distintas, então, quanto maior a colaboração, mais rico será o debate. Também é uma boa oportunidade para tirar alguma dúvida sobre o conteúdo ou solicitar alguma sugestão de ação direcionada ao seu trabalho de conselheiro.

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Capítulo 7

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Ambulatório de Dependência Química

Marcelo Ribeiro de Araújo

Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD)Prof. Dr. Ronaldo Ramos Laranjeira

Introdução

As substâncias capazes alterar o funcionamento psíquico são velhas conheci-das da humanidade. A necessidade da experiência com essas aparece nos dese-nhos neolíticos e nos primeiros escritos da Antigüidade. “O mundo tal qual é – e não um jardim sem dor e morte, onde nenhum leão massacra, de onde nenhum lobo leva o cordeiro, onde nenhum enfermo dos olhos pede que alguém lhes faça doer ainda mais - começa com a ingestão de um vegetal silvestre, tão ino-fensivo e tentador em aparência como a maçã bíblica.” Há antropólogos que sugerem que essa planta era psicoativa...

Em meio a rituais religiosos e festas profanas, através do refinamento das pes-quisas científicas, em meio à expansão comercial e revoluções culturais, a busca do paraíso perdido jamais foi esquecida. As substâncias psicoativas se diversi-ficaram e se espalharam. Alguém, obviamente, tinha que ganhar dinheiro com isso: a tráfico de drogas movimenta anualmente 300 bilhões de dólares ou 10% da economia mundial. Não é de espantar, assim, que as drogas estejam tão pre-sentes em nosso cotidiano. Excluídos o tabaco e o álcool, é certo que muitos de vocês já tiveram experiências com tais substâncias ou, com certeza absoluta, sabem de alguém que já teve.

Mas o que acontece num ambulatório de dependência química não é român-tico, tampouco poético. Pensar o dependente como ‘um cara muito louco’ ou achar que tudo o que verão é como uma aventura intermediana ou praieira, é a visão de quem foi ao Paraíso, mas voltou... Pensemos em um indivíduo que

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provou da maçã e gostou tanto do Paraíso que viu, que para ali ficar não faz questão de transformar seu mundo anterior na sucursal do rabudo... Talvez aí comece nosso papel no tratamento do dependente: ele precisa retornar a reali-dade dos mortais que perdeu, destruiu ou muitas vezes nem chegou a construir. Precisa parar um consumo e subir degraus que sequer chegou a arquitetar em vida. Necessita mais que um médico, psicólogo, terapeuta ocupacional ou enfer-meiro: acima de tudo, precisa de um consultor confiável, alguém que olhe para a sua vida, veja como ela está e lhe ensine a cultivar os frutos que poderá ingerir quando seu suprimento de frutos proibidos acabarem. Afinal, ninguém conse-gue viver nesse mundo de estômago vazio...

Definição

A ciência moderna se interessa pela dependência química há pelo menos dois séculos. Os paradigmas que utilizamos hoje foram construídos na década de setenta, pela escola inglesa. Afirmam Edwards e Gross (1976):

dependência é uma síndrome

“Uma síndrome é uma formulação clínica descritiva que inicialmente tende a ser agnóstica quanto a causação ou patologia. (...) A observação clínica revela um repetido agrupamento de sinais e sintomas em certos bebedores (e usuários de outras drogas) pesados.”

A síndrome de dependência tem severidade variável

“A síndrome de dependência existe em graus de severidade, e não como um absoluto categórico (a doença existe ou não).” Essa diferença é extremamente importante, pois deve-se buscar não um sintoma característico e patognomôni-co de uma condição clínica, mas sim uma série de sintomas, devendo-se avaliar não só a sua presença, mas também a intensidade dos sintomas ao longo de um continuum de gravidade, desde a ausência completa dos sintomas até graus muito intensos de manifestação. A síndrome pode ser reconhecida por certo agrupamento de sintomas, embora nem todos presentes ao mesmo tempo. No entanto, a medida que a síndrome se torna mais grave, todos tendem a aparecer

.

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A síndrome de dependência é moldada por outras influências“Sua apresentação pode ser moldada por influências patoplásticas em vez de

ser concreta e invariável.” Ao contrário do que era proposto anteriormente, vários tipos de aprendizado estariam presentes no desenvolvimento da síndrome10.

A síndrome de dependência deve ser distinguida conceitualmente dos proble-mas relacionados a essa

“A dependência significa um relacionamento alterado entre a pessoa e sua for-ma de beber. Um indivíduo pode começar a beber por muitas razões, e quando fica dependente muitas dessas razões ainda estão presentes. Mas a dependên-cia oferece agora razões para beber que são supra-adicionadas, e que podem dominar as razões precedentes para o beber e o beber pesado. A dependência torna-se um comportamento que se auto mantém.”

Portanto, não basta diagnosticar apenas a síndrome

“Uma abordagem mecanicista ao diagnóstico da dependência é insuficiente. A tarefa diagnóstica não se completa quando definimos que a dependência está “presente” ou “ausente”. A habilidade está em ser capaz de reconhecer as suti-lezas de sintomatologia que revelarão não apenas se esta condição está lá, mas, se existe, o grau de seu desenvolvimento. O que também precisamos saber é como as manifestações da síndrome são moldadas pela personalidade, pelas influências ambientais ou por forças culturais. É a capacidade de reconhecer e compreender as variações sobre esses temas o que constitui a verdadeira arte.”

Elementos da síndrome de dependência 22

A síndrome de dependência elaborada por Edwards e Gross são a base dos critérios diagnósticos dos dois principais códigos psiquiátricos da atualidade: o CID-10 (OMS) e o DSM-IV (APA) (Quadro 1). São eles:

Estreitamento do repertório

O consumo do bebedor comum é variável: respeita ocasiões, o gosto por certa bebida e a irregularidade e a variabilidade do uso. O dependente parece au-

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mentar seu repertório nos estágios iniciais, uma vez que busca situações onde o consumo é facilitado. Conforme a dependência se estabelece, os estímulos relacionam-se ao alívio ou evitação dos sintomas de abstinência e seu repertório pessoal torna-se cada vez mais restrito. Bebe a mesma coisa durante o trabalho ou no fim de semana e a natureza da companhia ou de seu estado de humor fazem cada vez menos diferença.

Saliência do beber

O avançar da dependência leva o indivíduo priorizar a manutenção do con-sumo. As reclamações do patrão e de esposa são vistas como falta de compre-ensão, o dinheiro é preferencialmente gasto com o consumo, em detrimento da economia doméstica, não encontra tempo para ficar com a família, padrões morais convencionais são substituídos por súplicas, empréstimos impagáveis ou contravenções visando ao dinheiro para o consumo.

Aumento da tolerância

É a necessidade de doses crescentes para atingir o efeito experimentado nas primeiras fases de consumo. Pode haver tolerância cruzada por substância da mesma classe (p.e. dependentes de álcool também desenvolvem tolerância por outros depressores, como os barbitúricos e os benzodiazepínicos). Nas fases fi-nais, o indivíduo vai perdendo a tolerância e fica incapacitado com quantidades de álcool que antes suportaria.

Sintomas de abstinência

Os sintomas de abstinência são mais floridos e evidentes entre os depresso-res do SNC (álcool, opiáceos, barbitúricos e benzodiazepínicos). No início são intermitentes e leves, desaparecendo rapidamente, mesmo se o indivíduo não consumir a substância. Evoluem para quadros floridos, intensos e de extremo desconforto, sempre que os níveis plasmáticos da substância caem. Quadros confusionais (delirium) e convulsões aparecem em usuários extremamente gra-ves. Entre os estimulantes e alucinógenos, observa-se um quadro onde predo-minam os sintomas psíquicos, tais como a ansiedade.

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Alívio ou evitação dos sintomas de abstinência pelo aumento da ingestão da substância

Ao longo do desenvolvimento da síndrome de dependência, o indivíduo aprende a detectar o aparecimento dos sintomas de abstinência e desenvolve esquemas cada vez mais rígidos e rituais para antecipá-los. É um bom marcador de gravidade: assim, aquele que consegue acordar, tomar banho, vestir-se e ler o jornal antes da primeira dose tem uma dependência menos avançada do que aquele que precisa de uma dose para conseguir sair da cama.

Percepção subjetiva da compulsão para beber

É percebida pelo paciente como ‘perda de controle’ (“se eu tomar um gole, não para mais”) e ‘desejo intenso de consumir a substância’ (“estou fissurado por uma pedra de crack”).

Reinstalação após a abstinência

Um dependente grave, mas abstinente há muito tempo, se começa a beber novamente, pode ver seus sintomas de abstinência, seus comportamentos evita-tivos e compulsão para o uso se reinstalaram em poucos dias. O tempo necessá-rio para a reinstalação é proporcional a severidade da síndrome.

Estabelecendo o diagnóstico sindrômico10, 14, 24

dependência e uso nocivo (abuso)

Estabelecer o diagnóstico sindrômico dos transtornos relacionados ao consu-mo de substâncias é simples e objetivo. Os sinais e sintomas devem ser procu-rados a partir do que foi descrito na sessão anterior. Para isso, foram elabora-dos critérios diagnósticos pela Organização Mundial da Saúde (CID-10)14 e pela American Psychiatric Society (DSM-IV)24, a partir do conceito de síndrome de dependência.

Peguemos o álcool como exemplo. A Síndrome de Dependência do Álcool traz consigo a idéia de dependência variando ao longo de um continuum (do con-

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sumo normal à dependência grave) e propõe duas dimensões distintas: [1] uma relacionada com à psicopatologia do uso e [2] outra enfocando uma série de problemas decorrentes do uso mal-adaptado. Imaginando essa concepção num plano cartesiano encontramos no eixo horizontal o comportamento de consumo e no vertical os problemas a ele relacionados (Figura 1).

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No quadrante I, teríamos aquelas situações nas quais, à medida em que o ní-vel de consumo (dependência) aumenta, aumenta também a probabilidade de desenvolver uma série de problemas (desemprego, separação conjugal, brigas, acidentes,...). No quadrante II estão aquelas condições onde, apesar do indiví-duo não apresentar um comportamento de consumo sugestivo de dependência (p.e., seu uso não é compulsivo), apresenta problemas sérios relacionados (bri-gas, acidentes durante a embriaguez,...). No quadrante III estariam os indivíduos que não apresentam problemas ou dependência em seu consumo de álcool. O quadrante IV (dependência sem repercussões) é considerado inexistente.

A partir desse esquema, é possível compreender os conceitos de dependência de substância, já exposta anteriormente, (Quadro 1), e de uso nocivo ou abuso de substância (Quadro 2). As definições expostas em seguida, foram retiradas do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) 24:

dependência de substância

A característica essencial da dependência de substância (Quadro 1) é a presen-ça de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância, apesar de pro-blemas significativos relacionados a ela. Existe um padrão de auto-administração repetida que geralmente resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo da droga. Um diagnóstico de dependência pode ser aplicado a qualquer classe de substância, exceto cafeína. Os sintomas de depen-dência são similares entre as várias categorias de substâncias, mas, para certas classes, alguns sintomas são menos salientes e, em uns poucos casos, nem todos os sintomas se manifestam (p.e., não existe síndrome de abstinência para aluci-nógenos; a fissura é mais evidente entre os estimulantes).

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Uso nocivo ou abuso de substância

A característica essencial é um padrão mal-adaptativo de uso de substância, manifestado por conseqüências adversas recorrentes e significativas relaciona-das ao uso repetido da substância(Quadro 2). Pode haver um fracasso repeti-do em cumprir obrigações importantes relativas ao seu papel, uso repetido em situações nas quais isto representa perigo físico, múltiplos problemas legais e problemas sociais e interpessoais recorrentes. Difere da dependência por não incluir entre os seus critérios a tolerância, abstinência ou um padrão de uso com-pulsivo, resumindo-se apenas às conseqüências prejudiciais do uso repetido. Um diagnóstico de uso nocivo é cancelado pelo de dependência, se o padrão de consumo pelo indivíduo alguma vez satisfez os critérios para essa.

Esse diagnóstico aplica-se, na maior parte das vezes, apenas às pessoas que recentemente iniciaram o consumo de alguma substância psicoativa. No entan-to, alguns indivíduos continuam apresentando situações adversas relacionadas ao uso de substâncias por um longo período, sem nunca preencherem critérios para dependência. A categoria abuso de substância não se aplica à nicotina e à cafeína.

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A abordagem terapêutica para as situações de abuso e dependência tem algu-mas diferenças importantes e por isso o tipo de transtorno relacionado ao uso de substâncias psicoativas deve estar claro antes de qualquer planejamento para o paciente.

Refinando o diagnóstico 22

Já foi salientado que não basta detectar a síndrome. Essa afirmação está lon-ge de ser uma mera frescura de psiquiatra. Os sinais e sintomas da síndrome de dependência são claros e objetivos, facilmente detectados numa entrevista, como qualquer outra patologia clínica, cirúrgica, ortopédica ou ginecológica. Da mesma forma, não basta diagnosticar uma broncopneumonia e introduzir um antibiótico a um indivíduo, sem antes saber como andam sua alimentação, sua qualidade de vida, o tipo de atividade que exerce e o suporte familiar que irá cuidá-lo em casa. Se não tiver ninguém, é melhor que fique na enfermaria até melhorar.

Na dependência química, antes de pensarmos em qualquer tratamento deve-mos saber:

• o tipo de transtorno decorrente do uso de substâncias psicoativas(dependência, abuso [uso nocivo], uso social)• os graus de dependência• a influência da cultura e do meio ambiente• a influência da personalidade

Alguns outros fatores podem nos auxiliar no deslindamento do caso de al-guém que nos procura com um problema de dependência química:

Falamos a mesma língua?

O trabalho clínico depende de estarmos atentos aos significados das palavras e nuanças das frases que são parcialmente idiossincráticas de cada paciente, mas em geral refletem a cultura. Devemos estar dispostos a examinar as frases repetidamente, até haver um lampejo de mútua compreensão. Termos médicos utilizados pelos pacientes devem ter seus significados por nós investigados. O uso de termos técnicos com os mesmos, sem explicar-lhes o que significam, pode também travar a interlocução.

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Chegada e intenções pessoais

Entender os motivos específicos que trouxeram o paciente até um serviço de tratamento de dependência química ajuda-nos na escolha da melhor aborda-gem para o caso. É preciso saber porque o paciente veio. Foi uma escolha sua, ou pressão da família? Quem marcou a consulta? Quem descobriu a existência do nosso serviço? Que tipo de ajuda ele vem esperando? O que mais lhe incomoda atualmente no seu consumo de substâncias? Dados simples, porém fundamen-tais em nossa investigação inicial.

Início e tempo de consumo

É bem estabelecido que quanto mais cedo o início do consumo, pior o prog-nóstico para quem se tornou dependente. Adolescentes que começam a abusar de álcool e outras drogas, em detrimento de sua formação acadêmica e do seu desenvolvimento como membro de uma sociedade multifacetada e ampla, terão mais dificuldades para se adaptarem à abstinência e às exigências sociais e do mercado de trabalho, quando aos 27 anos, apenas com o primeiro grau, com sua credibilidade junto à família aos frangalhos e sem amigos, resolvem parar de con-sumir álcool e cocaína. Já os indivíduos que começaram a utilizar substâncias de um modo mais problemático após a terceira década de vida e tiveram a oportuni-dade de estudar, casar, encontrar um bom emprego, terão um ambiente mais su-portivo para alcançarem a abstinência. São pessoas que exercitaram suas funções psíquicas no momento mais importante do seu desenvolvimento: a adolescência. Possuem, assim, recursos cognitivos e afetivos para lidar com a dependência.

Conseqüências e complicações do consumo

Quando um dependente químico se nos apresenta, é provável que apresente complicações em todas as esferas de sua vida: biológica, interpessoal, psicosso-cial e mental.

• biológicaPode chegar até o tratamento com sintomas de abstinência e fissura, além de

complicações clínicas, tais como desnutrição, descompensações metabólicas e de doenças prévias (diabetes, HAS), fraturas e lesões decorrentes do consumo,

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Ambulatório

de acidentes ou brigas, estados crônicos adquiridos no decorrer da dependência (hepatopatias, estados demenciais, HIV).

• interpessoalPostura resistente ao tratamento, negando e racionalizando seus problemas

com a família, com o trabalho e seus relacionamentos sociais, os quais abando-nou ou negligenciou para consumir substâncias químicas.

• psicossocialPode haver problemas tais como remorso, culpa, conflitos morais, sensação

de perda vocacional para o trabalho e das habilidades para conviver com outras pessoas.

• mentalÉ de fundamental importância entendermos o papel das comorbidades. Co-

morbidade é a ocorrência simultânea de duas ou mais patologias num mesmo indivíduo. Dentro das etiologias possíveis na gênese da dependência química, o modelo da automedicação, propõe o consumo de substância visando ao alí-vio de doenças psiquiátricas que já possuída. Pacientes ansiosos e depressivos, tendem a utilizar o álcool como forma de alívio. Hiperativos têm afinidade por estimulantes. No caminho inverso, o uso crônico de substâncias pode levar a uma doença psiquiátrica secundária. Por isso, além da preocupação com o tra-tamento da dependência, deve-se atentar para a necessidade de tratarmos uma segunda patologia psiquiátrica. Pacientes com comorbidade têm maior tendên-cia a procurar auxílio especializado, aparecendo em quase metade dos pacientes atendidos nesses centros.

Avaliação da coerência do quadro

O quadro que emerge da experiência de uma síndrome de dependência de um paciente deve ser coerente. Se um elemento da síndrome está estabelecido, um outro não deverá estar ausente: se um paciente relata estar sofrendo de graves tremores matinais, mas sua ingestão diária é de duas doses de pinga, a história talvez não esteja bem contada. O paciente deve estar relatando que bebe menos do que realmente bebe, ou tais tremores possuem origem em outra patologia. Tais incoerências devem alertar a pessoa que faz o diagnóstico a investigar o caso cuidadosamente.

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Entrevista motivacional 21

Não basta investigar, tem que motivar

É fundamental obtermos um perfil do dependente que se nos apresenta num ambulatório. O diagnóstico clínico é objetivo: basta identificar os critérios do CID-10 ou DSM-IV. Além disso, os critérios devem ser quantificados (graus de severidade) e contextualizados (influências da cultura e da personalidade). A his-tória deve ter coerência interna. O início e a evolução da doença precisam estar claros. As intenções e os motivos que trouxeram o dependente até nós são nos-so ponto de partida.

Mas a entrevista precisa ter um estilo. No caso da dependência química, a entrevista motivacional é um recurso de suma importância: facilita a obtenção de informações, reforça o vínculo e o engajamento do paciente e já é por si só um tratamento.

Até os anos 80, os pacientes que abandonavam o tratamento precocemente, continuavam a consumir substâncias durante o tratamento ou não se engajavam aos requerimentos exigidos pela terapia, eram rotulados como resistentes, ne-gadores de sua doença ou desmotivados. Nessa época, o psiquiatra americano William Miller, elaborou um método de abordagem a partir de algumas evidên-cias científicas:

Existe um movimento natural para a mudança

A maioria dos dependentes de tabaco abandonam a dependência sem o au-xílio de profissionais da saúde. Frente às primeiras conseqüências do uso noci-vo do álcool, a maioria dos indivíduos adotam padrões sociais ou abandonam espontaneamente o consumo. Boa parte dos usuários de drogas pesadas con-segue abandonar o uso com terapias alternativas e um bom suporte familiar. A maioria dos fumantes abandona o tabagismo por si só, sem qualquer acompa-nhamento profissional Portanto, se há a tendência natural para a mudança, cabe aos terapeutas potencializa-la.

Intervenções breves funcionam

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Estudos da OMS mostram que uma pequena entrevista de aconselhamento de 5 a 15 minutos é capaz de suprimir o beber pesado. Abordagens breves reduzem com a mesma eficácia o consumo de substâncias, se comparadas aos tratamen-tos longos.

Há elementos fundamentais nas intervenções breves (FRAMES)

Tais elementos podem ser abreviados na palavra FRAMES (frame of mind = disposição de ânimo).

Feedback (devolução): devolver ao paciente o conteúdo do seu discurso, com o intuito de organizá-lo e buscar seu posicionamento frente ao que diz. Deve-se sempre evitar o confronto ou emitir opiniões pessoais sobre o problema do paciente.

Responsibility (responsabilidade): enfatizar a responsabilidade do paciente por sua mudança, mas também sua liberdade de escolha.

Advice (aconselhamento): recomendações claras ou conselhos sobre a neces-sidade de mudança, feitos de maneira suportiva, ao invés de autoritária.

Menu (opções): diversas estratégias devem ser oferecidas ao paciente, pro-vendo-lhe opções dentre as quais escolherá a que lhe pareça a mais adequada.

Empathy (empatia): A empatia, a reflexão, a cordialidade e o suporte, suscitam um

melhor desfecho do que o confronto.

Self-efficacy (auto-eficácia): o reforço positivo das capacidades de mudança presentes no paciente, aumentam suas expectativas de sucesso.

O efeito-terapeuta

O tratamento da dependência química varia substancialmente dependendo do terapeuta que a maneja. Afirma Miller: o comportamento do terapeuta é parte determinante para motivar o paciente para a mudança. Tal motivação é dependente da relação interpessoal entre ambos. Vencer a resistência e a am-

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bivalência é um problema e uma habilidade do terapeuta. Se o tratamento não está funcionando, provavelmente é sinal que a estratégia de abordagem precisa ser trocada.

O engajamento do paciente

Quanto mais tempo permanecer num tratamento, melhor o prognóstico. Mas além disso, o paciente deve fazer coisas para que melhore (p.e. comparecer às sessões, tomar os medicamentos, modificar pequenos hábitos propostos em te-rapia). A empatia e a crença mútua de sucesso melhoram o desfecho do trata-mento.

A motivação para a mudança é maleável

Idéias tais como a negação é um traço da personalidade do dependente, a motivação tem que estar presente desde o início do tratamento e que o não-engamento é uma questão de caráter caíram em desuso. A nova ordem: [1] a motivação é maleável, desencadeada, desenvolvida e mantida dentro do inter-relacionamento do paciente e seu terapeuta, [2] a resistência é evocada por uma abordagem inadequada, [3] o não-engamento é sinal de ambivalência, que faz parte do processo de mudança.

Existem estágios de mudança

Esse modelo teórico desenvolvido por Prochaska e DiClemente (1986) é de grande importância para que nos situemos na escolha da melhor abordagem para cada paciente. Para ambos, a escolha da intervenção deve respeitar o está-gio de motivação do paciente. São seis os estágios:

Pré-contemplação

Nesse estágio o indivíduo não considera a mudança, provavelmente por não ver um problema no seu consumo de substâncias.

contemplação: consegue analisar ambivalentemente a necessidade de mudan-ça e a vontade de permanecer consumindo substâncias, provavelmente pesando os prós e contras de ambos.

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Preparação

Já considera a mudança necessária e está se preparando para ver como poderá fazê-la.

Ação

Começa a implementar o processo de mudança (abstinência).

manutenção

Se envolve em estratégias que visem a mantê-lo abstinente.

Recaída

É parte normal do processo de mudança. Menos de 5% dos pacientes nunca recaem após iniciarem o processo de mudança e mais de 70% recaem antes do 3 mês de abstinência. Retornam a algum dos estágios anteriores, para novamente evoluírem rumo à mudança. Não é o retorno à estaca zero, tampouco motivo para repreensões ou culpa. É um momento de aprendizado, visando a evitar ou dificultar recaídas futuras.

A entrevista motivacional

Criada originalmente como um prelúdio para o tratamento, foi aos poucos fazendo-se presente em todos os estágios do mesmo. Possui cinco princípios básicos:

• Expressar empatia: “paradoxalmente, a aceitação facilita a mudança”• desenvolver discrepância: “o consumo de substâncias é compatível com seus

sonhos?”

• Evitar discussão: “o confronto gera defesa e piora o prognóstico de mudança”

• Lidar com a resistência: “a resistência é um convite para novas perspectivas”

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• Suportar a auto-eficácia: “acreditar com otimismo realista no paciente e sua mudança”

A doença 22

Objetivando-a para melhor trata-la

O alcoolismo é a doença psiquiátrica mais comum e a segunda em termos ge-rais. Atinge quase 15% da população e está presente em cerca de ¼ dos pacien-tes que procuram os hospitais gerais por outros motivos. Em 50% dos acidentes automobilísticos houve consumo prévio da substância. Mas qual a origem da dependência? Provém de um comportamento intencional ou é o resultado de um mau hábito? O modelo de doença atual, recusa ambas.

No cerne da patologia, reside um princípio fundamental: a dependência quími-ca é uma doença física. Não é um resultado final, tampouco um sintoma de outra doença de base, mas sim uma doença primária, crônica e progressiva.

Disfunções biológicas e comportamentais

Dois modelos procuram explicar a fisiopatologia da dependência: disfunção biológica e comportamento de consumo. O consumo continuado de qualquer substância provoca neuroadaptações, que serão responsáveis pelo aparecimen-to de comportamentos específicos durante o uso e de sintomas físicos e psíqui-cos após a abstinência. Tais adaptações resultam do bombardeamento excessivo do SNC por substâncias químicas, que usurpam o funcionamento de sistemas de neurotransmissão fundamentais. A dependência química é uma doença psíquica que marcadamente prejudica a habilidade pessoal em controlar sua busca por substâncias psicoativas. Tais alterações resultam em um comportamento que vai do abuso à dependência.

Mas se a dependência resulta de neuroadaptações, permanece a questão so-bre a predisposição individual variável para tornar-se dependente. O uso conti-nuado é capaz de gerar dependência em qualquer indivíduo. O uso de morfina em pacientes acometidos por quadros álgicos crônicos e intensos causa depen-dência nesses indivíduos. Parece, porém, que alguns indivíduos são particular-mente predispostos [1] à procura ou ingestão de substâncias químicas e/ou [2] à

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aquisição de neuroadaptação secundária ao uso.

A genética da dependência

Tem sido hipotetizado que a dependência química é o produto final de pro-cessos geneticamente interligados que afetam o desenvolvimento do cérebro e resultam em comportamentos específicos, tais como hiperatividade, ansieda-de e tensão. Em estágios iniciais da doença, o consumo de substância traria alívio para essas disfunções. Portanto, indivíduos com uma disfunção cerebral geneticamente determinada experimentariam as substâncias psicoativas de um modo diferente dos não-dependentes, e por isso seriam predispostos ao uso. Um exemplo disso é a impulsividade, tão comum nos dependentes. Apesar de aparecer secundariamente em quase todos eles, alguns indivíduos têm uma na-tureza impulsiva, decorrente de defeitos no sistema serotoninérgico, cujo o con-sumo de álcool, por exemplo, lhe traz um alívio inicial, para exacerba-lo quando a síndrome de dependência está bem estabelecida.

A multifatorialidade

Mas a etiologia da dependência química não pode ser reduzida a alguns fato-res. Como regra, continua ser vista como uma doença multifatorial, que envol-ve a cultura, a hereditariedade, fatores sócio-econômicos e ambientais. Se um dependente grave de cocaína naufragasse numa ilha deserta, seu problema de dependência estaria resolvido. A facilidade em se obter a substância é um fator influente. A proibição religiosa para o consumo de álcool no mundo árabe im-pediu que esse hábito se espalhasse por esses países ou comunidades. Famílias onde o pai ou a mãe são dependentes de álcool, mas que conseguem manter uma estrutura de convívio minimamente harmoniosa (almoçam juntos, está uni-da durante as festas tradicionais do ano, relaciona-se socialmente com outras famílias e pessoas,...) têm uma incidência significativamente menor de depen-dência química entre seus filhos, do que aquelas visivelmente desestruturadas.

Portanto, há sementes da dependência em maior ou menor grau em muitos indivíduos. Precisam no entanto, de cultivo (estímulos) para que possam se de-senvolver e tornarem-se uma entidade nosológica autônoma. Há um processo. É importante que digamos ao paciente que possui um problema que surgiu e se estruturou decorrente a alterações físicas e por isso é tratável. Depende, no

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entanto, da sua responsabilidade em modificar comportamentos e situações que estimulam a manutenção de tais neuroadaptações.

Substância per se

É óbvio que a substância psicoativa tem o seu papel na gênese da depen-dência. Foi capaz de produzir uma resposta satisfatória (reforço positivo) a um funcionamento cerebral prévio e estava disponível e culturalmente colocada dentro de uma determinada comunidade. Neurobiologicamente, a capacidade de uma substância causar dependência provém de sua natureza provocadora de relaxamento, euforia e bem-estar. Os estimulantes (cocaína, anfetaminas, ni-cotina e cafeína), em graus variados, atuam dentro de um sistema de natureza predominantemente dopaminérgica conhecido por sistema de recompensa. Tal sistema é ativado quando nos vemos em situações prazerosas, constituindo-se num importante sistema de autopreservação. Quando estimulado pelo consumo de cocaína, um comportamento de busca repetida por essa substância é ativado. O sistema opióide também participa desse sistema, além de ser o responsável pelos efeitos sedativos, analgésicos e de bem-estar procurados pelos dependen-tes de opiáceos. Aliás, o sistema opióide parece estar envolvido na dependência dos principais depressores do SNC. Os benzodiazepínicos possuem um sistema endógeno de receptores no SNC, responsável pelo surgimento de neuroadapta-ções e de dependência por essas substâncias.

A via de administração, o início, a duração, a qualidade e a intensidade do efeito produzido também interferem para o surgimento da dependência. O crack gera dependência com muito mais facilidade do que a forma refinada (inalada). Apesar de não passarem de apresentações diferentes da cocaína, o crack tem absorção pulmonar, e por isso, um início de ação imediato, com efeitos esti-mulantes e eufóricos intensos e de curta duração, fazendo o usuário repetir o consumo com grande freqüência, muitas vezes visando a antecipação da fissura, que aparece minutos após a última fumada. Já a forma refinada, absorvida pela circulação da mucosa nasal, é lentamente captada, leva até 15 minutos para atin-gir seu pico máximo de ação, que ainda assim é bem menos intenso do que o produzido pelo crack ou pela administração endovenosa. A duração dos efeitos é maior, estimulando menos o indivíduo a utiliza-la a cada cinco minutos, como é observado no crack.

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Manutenção da doença

Em adição às propriedades das substâncias reforçadoras do uso, a dependên-cia é mantida pelo surgimento de um elaborado sistema de defesa que essen-cialmente nega a severidade do consumo ou o comportamento ligado a esse e suas conseqüências. Tal sistema tende a minimizar o volume de substâncias consumidas e racionalizar problemas nos quais o dependente se vê envolvido. Intimidação, distanciamento hostil, manipulação e comportamento de oposição são alguns dos métodos utilizados para bloquear o acesso terapêutico e manter o consumo. O sistema de defesa protege o paciente da sua realidade e mascara as conseqüências do uso de substâncias químicas em sua vida.

Há fatores importantes para a manutenção do consumo:

• fatores psicológicos idiossincráticos

Do ponto de vista fisiológico, há uma organização por parte do paciente para evitar sintomas de abstinência e fissura. Mas se só isso houvesse, um tratamen-to de desintoxicação resolveria o problema. Há também uma incapacidade dos mesmos de experimentarem situações de prazer e recompensa sem substâncias químicas. As alterações neurobiológicas levam a perda do controle, que consiste na capacidade de escolher e predizer quando e onde começar e a hora de parar. Esse é um marcador fundamental no diagnóstico da dependência.

• fatores comportamentais e ambientais

Além dos estímulos internos, os estímulos ambientais são importantes mante-nedores da dependência. Nas fases iniciais dos processos de motivação, os pa-cientes tentem a valoriza-los pouco (“se eu for a um bar não vou ter vontade de beber”) ou caracteriza-los como uma causa inevitável de recaída (“encontrei um amigo e aí não teve jeito”). Entender quais são os estímulos mais importantes, mapea-los e procurar um distanciamento nas fases iniciais é muito importante.

• sistemas sociais originados pela dependência

O dependente químico criou fama e deitou na cama... A partir do seu uso e das

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conseqüências que gerou, uma série de defesas, ressentimentos e desconfianças são estruturadas por familiares e amigos. O dependente em abstinência recente ou negando sua condição toma ofensivamente tais comportamentos e não raro afirmam que recaíram para “dar uma lição na esposa que desconfiou por ter chegado em casa hora atrasado”, “ou para se vingar da mãe que mexeu em suas gavetas a procura de drogas”. Uma abordagem familiar e social são necessárias se tais situações são evidentes.

Tratamento 21,22,23

Do que dispomos

Temos um dependente químico que procurou um serviço médico especiali-zado. Entrevistando-o, vimos que possui critérios para uma síndrome de de-pendência, numa certa severidade, incluída em e moldada por seu contexto so-ciocultural e pessoal. Tal condição acarretou-lhe problemas físicos, psicológicos, interpessoais e sociais. Ele chega com um determinado grau de motivação para a mudança, mas com diversos fatores biológicos, psicológicos e ambientais que o estimulam a manter o consumo, que lhe geram indecisão e ambivalência.

Sem esse perfil bem compreendido, o tratamento é inviável. O perfil determina a estratégia de tratamento que escolheremos. Não vamos propor a um paciente que fique em casa e evite situações de risco, se ele acha que não há problema algum em consumir cocaína. O tratamento indicado seria motiva-lo e procurar mantê-lo no tratamento, fazendo-o entender melhor a sua condição. Deve ser encaminhado para outras especialidades caso haja problemas clínicos associa-dos. Comorbidades devem ser tratadas.

Tudo isso deve ocorrer em um ambiente de empatia, livre de confrontos e discussões desnecessárias, onde o cotidiano do paciente poderá ser entendido e organizado e seus progressos monitorados e elogiados realisticamente. Muito do que se pode conseguir depende das qualidades centrais, não-verbalizadas, mas tangíveis do próprio relacionamento: “O que realmente ajudou a superar aquela fase foi essa enfermeira que parecia ter fé em mim. Ela acreditava que eu era capaz e eu não podia decepciona-la. Ela sempre tinha tempo para me ouvir.” Com isso percebemos que o tratamento da dependência química se inicia logo na primeira entrevista.

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I. ATENTANDO PARA O RELACIONAMENTO 22

o relacionamento entre o paciente e o terapeuta é fundamental para o sucesso do tratamento proposto e a aquisição de ganhos pelo paciente.

o terapeuta deve ter a capacidade de demonstrar empatia pelo paciente e seus problemas.

o terapeuta deve reforçar as expectativas que o paciente deseja atingir, ao in-vés de dirigir ou tomar para si responsabilidades reservadas a esse.

Atribuir valor e dar esperança aos maus sentimentos e expectativas do paciente.

II. ATENTANDO PARA OS PRINCÍPIOS GERAIS 22

Continuidade

Quanto maior o tempo permanece no tratamento, melhores as chances de mudança. A existência de tratamentos prévios não pode ser analisado de forma isolada: a presença de uma longa história de tratamentos é um sinal de mau prognóstico e geralmente associada a complicações graves decorrentes do uso: carreira profissional inexpressiva, atividades ilegais, dentre outras. Por outro lado, outros pacientes trazem consigo os benefícios dos tratamentos pregressos e utilizam-nos, melhorando seu prognóstico no tratamento vigente.

Tanto o paciente como o terapeuta devem manter um senso de progresso e propósito, e evitar a confusão e a perda dos objetivos. A recuperação presume a idéia de direção. Isso pode ser obtido de várias maneiras:

• Utilizar a formulação inicial e o estabelecimento dos objetivos

A partir do perfil do paciente e do que ambos entenderam ser relevante para o tratamento que se inicia, objetivos claros e simples devem ser traçados de co-mum acordo, respeitando a condição atual do paciente. Uma conduta bastante utilizada nas primeiras sessões é a experiência da abstinência. Propomos que se faça uma internação domiciliar, com saídas restritas e sempre acompanhadas até a sessão seguinte, quando esse período será discutido entre o paciente e seu terapeuta.

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• Enfatizar o que foi atingido

Em cada sessão o terapeuta deve ajudar o paciente a identificar o que foi conquistado desde o último encontro e assim reforçar o senso de realização do paciente – por exemplo, tantos dias de abstinência, uma situação difícil bem manejada, o início de um novo emprego, uma saída com a família, ou novos aspectos do auto-entendimento.

• Estabelecer a próxima tarefa a curto prazo

A sessão também deve identificar os próximos passos, com o paciente com-prometendo-se a tenta-los. Não se deve trabalhar com generalidades: “buscar novas experiências”; mas sim, trabalhar com coisas objetivas: “conheço um curso de cerâmica que pode lhe interessar, o que você acha?” ou “então chegamos a conclusão que enquanto não arrumar suas gavetas, não localizará todos os do-cumentos de que necessita, que tal organiza-las essa semana?”

• Manter o olho num futuro mais a longo prazo

É importante que o paciente entenda e acredite que o mais importante no momento é o tratamento da sua dependência. Sem esse, seus sonhos futuros estão seriamente ameaçados. Nos primeiros dias de abstinência, porém, um tur-bilhão de planos e desejos lhes toma de assalto. Querem fazer cursos, viagens, comprar coisas e assumir responsabilidades em casa. Parece que o problema da dependência é coisa do passado.

É importante pontuar e elogiar essa iniciativa, mas também colocar-lhes que a dependência é uma doença crônica, cuja a recuperação é marcada por ar-madilhas inusitadas, que os fazem recair e abandonar tudo o que conquista-ram. Aguardar mais algumas semanas ou escolher apenas uma atividade ajuda o paciente a se situar em seu problema e lhes traz alívio, uma vez que muitas vezes nem fazem idéia do tamanho e da responsabilidade que tais escolhas lhes acarretariam.

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Monitorar o progresso

Implícita na idéia de compromisso está a expectativa de que esse será cumpri-do, mas o processo só funciona se o terapeuta conferir o que foi combinado. É útil para o paciente sentir que o seu progresso está sendo monitorado, e relató-rios periódicos feitos ao terapeuta podem ser complementados por um elemen-to de automonitoração. Combinar uma tarefa e esquecer de conferi-la na sessão seguinte pode ser interpretado pelo paciente como sinal de desdém em relação ao seu esforço para cumpri-la.

III. ATENTANDO PARA O TRABALHO TERAPÊUTICO 22

Trabalhar o consumo problemático

Graus de motivação e entrevista motivacional

De acordo com o grau de motivação em que se encontra o paciente, o trabalho terá significados diferentes. Nessa fase é necessário fazê-lo avançar no espiral da motivação:

Pacientes nas fases iniciais de motivação (pré-contemplação e contemplação), onde a ambivalência é ainda pronunciada, estão propensos a comportamentos de negação e resistência, não cooperando e negligenciando as metas propostas. A utilização da entrevista motivacional e dos FRAMES são úteis nessa fase da doença. Avaliarmos os prós e os contras do consumo e da abstinência também são úteis para elucidar com o paciente seu grau de motivação e clarificar para esse o porquê da necessidade de mudança.

Pacientes prontos para a mudança (preparação, ação e manutenção) bene-ficiam-se mais de abordagens orientadas para a ação, focalizadas no conheci-mento de sua doença e hábitos ligados ao consumo e recaídas, bem como no desenvolvimento de novas habilidades e estratégias de mudança. É sempre bom

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lembrar que a entrevista motivacional deve ser sempre retomada, mesmo em es-tágios avançados de manutenção da abstinência, quando sinais de ambivalência se manifestarem.

Ênfase na doença

Quando o paciente abandonou o consumo é importante trabalhar diretamen-te o problema com a substância utilizada. Esse é um momento de consolidação e não de relaxamento. O modelo da doença deve ser revisado e reforçado para o paciente, bem como sua responsabilidade em sua cura. A ambivalência nunca deve ser esquecida, mas sempre trabalhada.

Mapear o cotidiano

É importante centrar-se em questões tais como a intensidade em que o pa-ciente pensa sobre as substâncias ou se sente desejo de consumi-las, os estímu-los e as circunstâncias que deflagram estas experiências subjetivas, e as maneiras pelas quais ele lida com estes sentimentos. É importante ensinar aos pacientes a pensar nesses termos e a desenvolver estratégias que serão empregadas em situações difíceis. Na maioria das vezes, as explicações para a recaída são vagas e simples. O paciente sequer percebe que por detrás de ações inocentes há uma intencionalidade para recair. São as atitudes aparentemente irrelevantes. A pro-posta de que faça um diário, no qual colocará os momentos do dia, as situações e os locais que lhe fizeram sentir vontade de usar, o que pensou sobre isso e como agiu, são úteis para que estratégias eficazes de evitação sejam estabele-cidas. Evitação não é uma atitude covarde. Muitas vezes por pressão de grupo, acha que deve se testar, expondo-se a situações de risco. Deve-se conversar com ele e tentar elucidar se isso não é apenas mais uma artimanha de sua vontade de recair.

Saúde mental e farmacoterapia

O alívio dos sinais e sintomas de abstinência e fissura, o tratamento de comor-bidades associadas, além da melhora na aderência ao tratamento são metas da farmacoterapia, importantes no processo geral de desintoxicação e manutenção

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da abstinência. Ausentes o desconforto físico e psíquico, aumenta a disponibi-lidade do indivíduo para focalizar e vivenciar conflitos internos e externos, que o deixa vulnerável e predisposto a soluciona-los através do uso de substâncias psicoativas.

Os pacientes freqüentemente trarão problemas relacionados com seus “ner-vos”: ansiedade, sintomas fóbicos, irritabilidade, depressão e insônia. Durante as primeiras semanas, ou meses, tais sintomas podem estar relacionados à abs-tinência e tendem a melhorar espontaneamente. Mas pode ser que o paciente seja uma pessoa realmente ansiosa e irritável e durante anos tais características foram encobertas pelo uso de substâncias. O paciente deve receber uma orien-tação otimista (vai melhorar ao longo da abstinência) e realista (é necessário lidar com tais sentimentos, como parte da natureza humana). Há fatores causais que podem ser trabalhados (dívidas, desentendimentos,...) e estratégias simples que podem ser introduzidas (esporte, música, telefonemas para amigos...).

Abordagens medicamentosas podem ser utilizadas, mas infelizmente não há um tratamento consensual. Vale a experiência do profissional no manejo e na combinação dos fármacos que mostram alguma utilidade para esses pacientes. O alcance esperado pela farmacoterapia nessa fase são o alívio de sintomas an-siosos, da impulsividade, da irritabilidade, da insônia e da depressão. Há aborda-gens de substituição, como a utilização de metadona no tratamento da depen-dência por opiáceos, ou ainda medicamentos capazes de melhorar o desejo de consumir a substância, tais como o naltrexone (álcool) e a bupropiona (tabaco). Quando há presença de comorbidade, a segunda patologia deve ser tratada normalmente, como uma entidade nosológica independente. Os fármacos atu-almente utilizados no tratamento da dependência química estão detalhados nos capítulos referentes a cada substância.

Ajustamento social e familiar

É preciso discutir e monitorar uma série de problemas à medida que o paciente trabalha para atingir as metas combinadas. Se o paciente não os trouxer espon-taneamente, é bom que o terapeuta indague ao menos em termos genéricos, o que está acontecendo na família, no emprego (ou em sua procura) e como tem passado seu tempo livre. Problemas financeiros, de moradia e legais também

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merecem ser averiguados. O terapeuta precisa estar interessado em todos os aspectos da vida do paciente e com ele buscar soluções para esses.

Saúde física

O uso de substâncias químicas está associada à doenças clínicas, discutidas nos capítulos específicos para cada substância. Tais complicações requerem atenção e encaminhamento. O terapeuta não deve esquecer de monitorar junto com o paciente o andamento desses seguimentos. O bem-estar físico redescoberto é uma das melhores recompensas da sobriedade.

IV. ATENTANDO PARA A MANUTENÇÃO DA ABSTINÊNCIA 21,22

Só haverá sucesso a longo na manutenção da abstinência, se essa se mostrar recompensadora para o paciente. A relutância em abandonar o consumo apare-cerá se houver uma perda sem ganhos. Quando a abstinência não é recompen-sadora, existe também o perigo da substituição dessa pelo jogo descontrolado ou pelo consumo excessivo de tranqüilizantes ou sedativos.

Padrões de recuperação

Muitos pacientes descobrem espontaneamente as recompensas e envolvem-se amplamente em novas atividades. Na verdade, talvez já possuíam um padrão de envolvimento positivo com a vida antes do início da dependência. Já um segundo grupo tem uma recuperação mais tímida, pois com freqüência nunca tinham alcançado grandes satisfações pessoais na vida. Nesse caso, o consumo de substâncias não lhe roubou uma vida feliz, mas sim, desenvolveu-se em meio a um estilo de vida de relacionamentos e atividades não-gratificantes.

Estratégias para melhorar as habilidades

A manutenção da abstinência é a arte de produzir fatos novos. É preciso des-pertar no paciente interesses que antes não tinha, reavivar ‘dons’ que diz pos-suir, impeli-lo a novas atividades a que possa se dedicar. Toda a semana, novos objetivos, por menores que sejam devem ser traçados. Conquistas devem ser pontuadas e elogiadas com realismo. Dificuldades de relacionamento devem ser

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discutidas e estratégias de enfrentamento aos poucos instituídas. Uma vivência de sucesso acaba sendo generalizada pelo paciente e atinge outras áreas do seu funcionamento, abrindo-lhe novos leques de possibilidades.

Prevenção de recaída (PR)

Método desenvolvido com a finalidade de manter a mudança alcançada no curso do tratamento. Tem duas finalidades precípuas: [1] desenvolver habilida-des que dificultem o retorno ao consumo e [2] manejar com habilidade as re-caídas (se houver), visando a evitar o reinicio do consumo. O modelo adotado pela PR entende a dependência química como hábito adquirido e aprendido. Como a substância é utilizada para lidar com situações, emoções e experiên-cias de desprazer, a dependência também é vista pela PR como uma estratégia de enfrentamento aprendida disfuncional. A etiologia é multifatorial: genética, ambiental, familiar, por pressão de grupo, experiência precoce de uso, crenças individuais nas benesses do consumo. A manutenção se dá pelos efeitos de cur-ta duração da substância, capazes de aliviar os desconfortos do indivíduo, que assim se mantém no consumo. A associação da incapacidade em lidar com situa-ções dolorosas (frustração) combinada à baixa auto-estima e auto-eficácia para a resolução de problemas perpetua o padrão de consumo. Além disso, o consumo de algumas substâncias, como o álcool e a nicotina, é estimulado socialmente e incorporado ao estilo de vida de muitos indivíduos, dificultando sua motivação para abandona-lo.

Para a PR, no entanto, a etiologia não é importante, mas sim a manutenção dos comportamentos desadaptados. Trata-se de um modelo compensatório: “problemas causadores a parte, o indivíduo pode compensa-los assumindo a responsabilidade pessoal pelo processo de mudança, identificando os determi-nantes do seu problema e desenvolvendo estratégias de modificação desses comportamentos.” O indivíduo, assim, é o agente responsável por sua mudança.

Situação de alto risco

Qualquer situação que ofereça risco de algum grau consumo de substância psicoativa. Podem ser classificadas como possuidoras de fatores intrapessoais e interpessoais determinantes de recaída. Entender e evitar as situações de risco é a razão de ser da prevenção de recaída.

Fatores intrapessoais facilitadores de recaída

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Estados negativos do humor, tais como raiva, tédio, ansiedade, frustração e de-pressão. Uma pequena parte dos indivíduos, afirmam que recaíram por estarem muito bem (estados positivos) ou ainda por estarem testando seu autocontrole.

Fatores interpessoais facilitadores de recaída

Há duas situações predominantes: conflitos interpessoais e pressões sociais. O primeiro conflitos em andamento (problemas com familiares) ou recentes (discussão com um amigo). O segundo pode ser direto (Pô meu, tu tá virando careta? Se liga aí, brodinho!) ou indireto (permanecer em companhia de quem consome).

O modelo da recaída

Ao entrar em contato com uma situação de risco o indivíduo pode ou não evocar uma estratégia de enfrentamento, sem a necessidade de recorrer ao con-sumo da substância da qual deseja se abster. Se a estratégia é utilizada efeti-vamente, vivencia-se a auto-eficácia e sensação de capacidade para enfrentar situações futuras com sucesso.

Por outro lado, o indivíduo pode ser incapaz ou não desejar enfrentar uma situação de risco. Haverá um déficit de estratégias por parte do indivíduo, fazen-do que sua ansiedade bloqueie os enfrentamentos aprendidos ou que perceba tarde demais a situação de risco. Isso prejudica sua auto-eficácia e reforça a sensação de descrença no tratamento e na cura.

A mudança terapêutica e o modelo da jornada

O modelo da PR procura centrar o tratamento no abandono de comportamen-tos desadaptados e no aprendizado de outros mais adaptados. A PR usa o mo-delo da jornada e a divide em três fases: preparação, partida e a jornada per se.

Preparando a jornada

Consiste em aumentar a motivação para aqueles que ainda se encontram pré ou ainda contemplando a mudança. A ambivalência é a condição-maior entre aqueles que estão considerando a possibilidade de buscar a abstinência. Algu-

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mas intervenções podem estimular o paciente a modificar seus hábitos:

Avaliar os prós e contras do consumo e da abstinênciaAlém de induzir o paciente à ponderação, ajuda o terapeuta a compreender as

idiossincrasias que motivam o consumo ou desejo de abstinência do indivíduo.

Elaborar uma autobiografia do consumo

Muitas vezes, os dependentes têm uma visão reduzida de sua condição de consumidores de substâncias psicoativas: sentem-se “usuários”, “adictos”, estig-matizados, ou, por outro lado, têm uma visão romântica de sua dependência. Visando à focalizar sua auto-imagem, o paciente pode fazer a autobiografia do seu consumo, abarcando o consumo da substância em sua família, as razões que o levaram a iniciar o consumo, e os sentimentos, experiências e pessoas associadas a esse.

Descrevendo a abstinência ou o uso controlado

Ainda visando ao entendimento da motivação e dos objetivos do paciente, o mesmo pode ser estimulado a descrevê-los como abstinentes e/ou usuários controlados da substância da qual dependem.

“Quero muito parar, mas tenho certeza que vou falhar”

Indivíduos motivados para a mudança, mas inseguros quanto a sua capacidade de abstinência (normalmente influenciados por tratamentos anteriores fracassa-dos), beneficiam-se de estratégias de mapeamento das suas dificuldades, inves-tigação de recaídas anteriores e da sua capacidade para enfrentar tais situações. A elaboração de um diário é importante na elucidação dessas questões.

Princípios básicos e fundamentais na preparação

• o tratamento é uma parceria, no qual o paciente tem responsabilidade con-junta com o terapeuta na busca da cura.

• objetivos a serem alcançados entre as sessões, aliviando a idéia de longevi-dade do tratamento e aumentando a auto-eficácia do paciente.

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• praticar as estratégias de enfrentamento recém-adquiridas em ambientes seguros.

• melhorar a auto-imagem estimulando e acreditando na sua capacidade de mudança.

A partida

O paciente parou de consumir. O que ele pode fazer para evitar ao máximo uma recaída? Possui a substância ou os objetos que utilizava para consumi-la em sua casa? Se ainda sente-se susceptível, que locais pode evitar ou a quem poderá recorrer como companhia quando precisar ir para lá? Se o consumo mais pesado se dá no dia em que recebe seu salário, quem poderá passar a receber por ele? Enfim, tudo o que seja sabidamente perigoso e evitável deve ser inves-tigado e estratégias de enfrentamento para isso, instituídas.

A jornada

Nenhuma a viagem é prazerosa e isenta de imprevistos, por mais experiente e preparado que sejam os passageiros. As recaídas atingem 70% dos pacientes nos três primeiros meses e eles precisam estar a atentos e equipados para lidar com essa possibilidade. Haverá, com certeza, a tentação de usar, atitudes apa-rentemente irrelevantes que o conduzirão à recaída e idéias decorrentes que o convencerão a permanecer consumindo.

A fissura é o desafio dos primeiros dias. É a lembrança da situação prazerosa e imediata trazida pelo consumo da substância, em meio ao desconforto que vive o paciente, fazendo-o assumir um comportamento de busca impulsiva e impen-sada, cujo o resultado é óbvio. Pode ser desencadeada por diversos fatores, tais como:

• estímulos condicionados, tais como objetos, músicas, lembranças relaciona-das ao momento de consumo.

• exposição a situações de alto risco.

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• crenças pessoais e culturais nas benesses do consumo.

• locais onde o consumo é estimulado Outro fator importante é a crença nos efeitos positivos do consumo, que deve

ser abordada desde o início, conforme já dissemos. Fazer o paciente entender o modelo da doença e o papel da substância no aparecimento dos sintomas psíquicos e dos problemas de relacionamento ajuda-o a ponderar a necessidade de se manter abstinente. A fissura e a busca compulsiva devem ser entendidos pelo paciente como provenientes de fatores biológicos e comportamentais e so-luções para tais devem ser procuradas (p.e. exercícios, massagens, telefonemas para amigos ou parentes,...). O paciente deve aprender a se posicionar frente a fissura (“Estou fissurado”), ao invés de sucumbir diante dela (“Preciso beber”), para poder ativar com sucesso suas estratégias de enfrentamento. A fissura tem um comportamento de onda: aumenta progressivamente, atinge um pico, para depois diminuir. Quanto maior a abstinência, menor é a freqüência e intensidade.

A internação domiciliar é a estratégia mais adequada para os primeiros dias. Propõe-se ao paciente que permaneça em casa, recluso, na primeira semana de tratamento. O contrato pode (e deve) ser renovado nas semanas seguintes, até o paciente demonstrar sinais de adesão ao tratamento e a idéia de permanecer abstinente. Caso o indivíduo trabalhe, estude, ou precise sair de casa, é conve-niente analisar as situações de risco que o cercam e propor-lhe que seja acom-panhado ou levado e buscado por alguém.

Outra estratégia é a busca de um estilo de vida equilibrado que facilite o pro-cesso de mudança. É a criação de novas rotinas, com atividades agradáveis e estratégias de enfrentamento, que façam frente ao desejo de consumo e recaí-da. Quando estressores sobrecarregam tais estratégias, o indivíduo pode ver no consumo o meio mais fácil para recuperar seu senso de equilíbrio (“Cheguei tão cansado do trabalho e achei que só conseguiria relaxar se fumasse unzinho”). Um novo estilo de vida equilibrado é aquele no qual as demandas externas e as atividades não sobrecarregam a rotina do paciente, que lhe provém de prazer e senso de auto-eficácia. Vivendo sob abstinência o paciente costuma elaborar planos mirabolantes (“quero estudar, fazer computação, trabalhar para ajudar minha família e jogar bola à noite...”), os quais não consegue manter por muito

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tempo e o estimulam a recair frente ao fracasso. Devemos estar atentos para tais planos, analisa-los com o paciente e estimula-lo a agir com mais parcimônia. O tempo livre e de lazer do paciente precisa ser investigado e novas atividades longe de locais propícios para o consumo, propostas.

A recaída é um acidente de percurso esperado. Menos de 5% dos que iniciam um programa de tratamento não recaem até o final desse. Mais de 70% dos pa-cientes recaem nos primeiros três meses de tratamento. O paciente não deve ter essa informação logo que inicia o programa, para não usa-la disfuncionalmente, como uma justificativa natural da ação de sua doença sobre o seu comporta-mento. Nesse caso, é importante lembra-lo que o mesmo possui uma responsa-bilidade: entender e modificar seus comportamentos que o expõem a situações de risco. Caso não assuma a sincera posição de mudança, cometerá, o tempo todo, atitudes aparentemente irrelevantes, que o conduzirão ao consumo. Um indivíduo que recai uma única vez deve ser encorajado a permanecer calmo e desestimulado a entrar em idéias de culpa e autopunição. Os objetivos iniciais devem ser rememorados, planos de recuperação da recaída, instituídos e as ati-tudes que levaram a recaída, estudados. Não existe recaída do nada. O paciente muitas vezes não sabe disso: pensa ser incapaz, que a substância é mais forte ou que tudo não passou de um acidente. Não. Investigando a situação, sempre se detecta um processo de construção da recaída, que deve ser entendida em conjunto com o paciente, para que estratégias de prevenção possam ser criadas.

V. ATENTANDO PARA OS OBSTÁCULOS COMUNS E SINAIS DE ALERTA 22,23

Os indivíduos dependentes de substâncias são especialmente propensos a terem problemas sérios em suas vidas, como um precipitador de seu ingresso em uma terapia e/ou repetidamente durante o curso do tratamento. Por isso, o desenvolvimento típico do tratamento desses pacientes envolve a ocorrência freqüente de crises.

Mesmo quando parece que os pacientes estão fazendo um progresso impor-tante, seus terapeutas não podem ficar tranqüilos, pois basta apenas uma bebe-deira ou um tirinho para que estes causem grandes conflitos nos setores mais importantes de suas vidas. Isso inclui relacionamentos familiares, situação no emprego, condição médica, bem-estar financeiro e funcionamento psicológico

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geral. Em relação a questões mais complicadas, esses pacientes tendem a res-ponder às crises evitando seus terapeutas, em vez de irem até eles para pedir ajuda enquanto os problemas são tratáveis.

Por exemplo, não é incomum um terapeuta ver um dependente, cuja terapia parece estar dando certo, de repente e inexplicavelmente parar de ir às sessões e negligenciar às mensagens telefônicas de acompanhamento. Algum tempo depois, o mesmo telefona ao terapeuta em um estado extremamente agitado, atuando em um nível bastante regredido em relação aos seus contatos prévios, e então fica claro que reassumiu plenamente, mais uma vez, o consumo de subs-tâncias. Além disso, questionando com cuidado o paciente, freqüentemente se constatam problemas sérios e agudos afetando-o nesse momento, além do con-sumo de substâncias por si só. De fato, é mais provável que tenha restabelecido contato com o terapeuta em resposta a essas dificuldades adicionais, ao invés da admissão ao uso renovado de substâncias e a um apelo para um novo com-prometimento em um tratamento continuado para o problema do consumo de substâncias. Tais obstáculos são desafios permanentes dentro do tratamento da dependência química.

Sinais de advertência 23

Dependentes de substâncias são conhecidos por negarem seus problemas. Em alguns casos, esta é uma tentativa deliberada de negar informações às outras pessoas; em outros, é uma manifestação de negação cognitiva. Nesse último caso, os pacientes podem ser absolutamente adeptos da ilusão a respeito da gravidade de seu consumo e suas repercussões, não-conscientes de suas difi-culdades até que seja demasiado tarde. Em qualquer caso, há vários sinais que sugerem aos terapeutas a possibilidade de seus pacientes estarem em crise.

Sessões em atraso ou perdidas

Um sinal de advertência comum é o paciente chegar habitualmente atrasado para as sessões ou simplesmente não aparecer. O atraso aqui referido, não se resume a alguns minutos. É extremo e habitual e às vezes com características estranhas (liga pedindo um horário mais tarde, liga novamente avisando que atrasará alguns minutos e chega 40 minutos atrasado, quando chega...).

Quando um paciente falta às sessões, sobretudo sem telefonar para cancelar,

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é grande a probabilidade de que ele esteja novamente consumindo substâncias psicoativas ou esteja envolvido em dificuldades sérias. Quando isso acontece, o tempo é crucial: é imperativo que o terapeuta faça todo o esforço razoável para entrar em contato com o paciente o mais rápido possível. Embora inicialmente possa ser difícil restabelecer o contato com o paciente, em geral a persistência é recompensada: o paciente em geral responde às inúmeras chamadas e cartas e o terapeuta tem novamente a possibilidade de reengaja-lo no tratamento ativo. Em casos extremos, é aconselhável contatar parentes e responsáveis e autorida-des legais, caso esteja sob a supervisão dessas.

Mudanças no humor e no comportamento

A mudança marcante do humor ou do comportamento pode ser um sinal de recaída. Algumas situações são usualmente encontradas no consultório médico ou em contatos telefônicos:

• o pensamento outrora bem articulado, parece confuso e desorganizado.

• a ausência de comorbidade ou sintomas psiquiátricos evidentes, dá lugar a atitudes marcadamente disfuncionais (“quero me matar”).

• a cooperação e o contato amigável são substituídos pela hostilidade em re-lação ao terapeuta (“recaí porque você me controla, se intromete em minha vida e não confia em mim”).

• evidência de sentimentos lábeis, como mudanças entre agitação, choro, risos e idéias frouxas (“como vai você? estava pensando que poderíamos jogar uma partida de dominó, o que acha?”)

• evidência de sinais e sintomas sugestivos de intoxicação aguda.

Mudanças pronunciadas na atuação de um paciente devem ser resolvidas o quanto antes. Em tais momentos é requerida uma mistura competente de em-patia precisa e confrontação franca. O terapeuta deve salvaguardar o relaciona-

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mento terapêutico, ao mesmo tempo que trabalha para estabilizar o paciente, para que a crise possa ser enfrentada de maneira construtiva.

Relatos de “quase-recaída”

Os pacientes freqüentemente evitam ou resistem a relatar nas sessões suas recaídas, mas parecem estar mais propensos a discutir “situações próximas”. Quando os pacientes relatam que quase usaram drogas na semana passada, pode-se afirmar como quase certo que eles terão pelo menos outra “situação próxima” também nessa semana. Mais do que provável, eles possivelmente já fizeram uso na semana anterior e continuaram a fazê-lo na semana seguinte. Quando a questão aparece na sessão, o terapeuta deve transforma-la em prio-ridade inconteste, para auxiliar o paciente a se desviar do uso entre as sessões.

Quando não mencionam espontaneamente episódios de quase-recaída, é pru-dente o terapeuta provocar uma discussão sobre o assunto de forma empática e direta: “Na semana passada, houve algum momento em que esteve tentado a usar cocaína? Qual o momento em que esteve mais próximo a usa-la?”

Em resumo, os terapeutas habilidosos na detecção de sinais de advertência de uso renovado de drogas e outras crises em seus pacientes têm uma oportunida-de muito maior de mantê-los abstinentes e em tratamento. Podem ter sucesso na percepção prévia do problema, tratando as emergências antes que conduzam a um dano considerável ou à internação.

Situações de crise 23

Overdose e risco de suicídio

A overdose de uma substância química é a falência de um ou mais órgãos por ação direta ou indireta dessa sobre o metabolismo do organismo. Independe do tempo de uso, da via de administração utilizada e da dose. Pessoas com problemas cardíacos (p.e. insuficiência coronariana) têm overdoses com quan-tidades menores de cocaína, se comparadas a indivíduos sadios. Situações de

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pânico e ansiedade generalizada, onde a sensação de morte iminente aparece, são intoxicações agudas muito próximas da uma overdose evidente e devem ser consideradas como tais.

Seja por meio de uma tentativa de suicídio ou acidente no manuseio da subs-tância, a overdose representa uma crise de ameaça à vida. Na maior parte dos casos, o terapeuta só toma conhecimento do episódio após o dano já ter sido causado (uma ligação dos pais ou da esposa/marido). Em raras ocasiões o pa-ciente pode ligar para o terapeuta avisando-lhe estar em overdose. Quando não é intencional, há probabilidade do paciente ficar em agitação ou confusão. O terapeuta terá algumas prioridades nessa situação:

• localizar o paciente e o seu número telefônico

• os tipos e quantidades de substâncias utilizadas

• o tempo decorrido desde que foram consumidas

• providenciar o envio de socorro especializado ou responsáveis até o local

Como em tais situações o paciente pode estar sozinho e confuso, é útil manter seus endereços, telefones pessoais e de parentes e amigos tanto no consultório, quanto em casa.

Quando o paciente telefona para o terapeuta durante uma tentativa de suicí-dio, é importante que a interlocução seja empática, para evitar que o paciente desligue. Nesse ínterim, o terapeuta avalia a gravidade da tentativa de suicídio, tenta instilar um sentimento de esperança, trabalha para enviar um socorro e para solicitar ao paciente cooperação no resgate.

Perda ou desaparecimento domiciliar

O terapeuta pode testemunhar a expulsão de seus dependentes do local onde viviam (briga com os pais ou cônjuges, despejo pelo senhorio,...). Nessas situa-ções, quando não há outro parente ou amigos que o acolham, não tem outra opção a não ser perambular pelas ruas, permanecer em bocadas ou procurar clínicas de tratamento. A última alternativa é a que o terapeuta buscará para o

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seu paciente. Isso resolverá momentaneamente sua situação de sem-teto e po-derá ajuda-lo a engajar-se num tratamento, enquanto um planejamento social é arquitetado. Tal atitude também aproxima a família e propicia a obtenção do perdão por ela.

Durante a intoxicação, o paciente algumas vezes passa horas ou dias longe de casa, muitas vezes na rua ou bocadas fazendo uso continuado da substância. Ao fim da “viagem”, despertam para a dura realidade de terem comprometido sua situação familiar, profissional, legal e de saúde, muitas vezes já por um fio. É importante manter contato freqüente com a família, ou se o paciente vive só e não tem telefone, mandar-lhe correspondências com freqüência. O terapeuta deve estar preparado para reassumir o caso tão logo o paciente retorne. É muito trabalhoso evitar uma nova recaída em pacientes que em momentos de crise, não ponderam as conseqüências do desligamento total de seus laços afetivos e compromissos sociais. O aumento do número de sessões, melhora do aporte social e familiar, estratégias como hospitais-noite ou pensões abrigadas, bem como incrementar a prevenção de recaída é o mínimo que pode ser feito.

Perda do emprego

Um paciente que perde o emprego, seja ou não em decorrência do consumo de substâncias químicas, costuma acentuar o desespero e o sentimento negativo do fracasso. É comum ouvir de recém-abstinentes: “Lutei tanto para me libertar das drogas, e olhe o que me tornei: nada! Se é para ser assim, posso muito bem sair e me drogar de novo!”

A perda do emprego requer ação imediata e prioritária por parte do terapeuta. Deve-se buscar junto com o paciente novas fontes legais de renda (seguro-de-semprego, reverter a demissão para afastamento por motivo de saúde – “caixa”) e maneiras de procurar uma nova ocupação. Coisas muito tranqüilas e fáceis de se conseguir nesse país tropical...

Naturalmente, o terapeuta deve também se concentrar no problema do abuso de substâncias. Caso contrário, os maus hábitos do paciente com relação ao tra-balho vão resultar em um desemprego prolongado e/ou intermitente.

Ruptura e perda de relacionamentos pessoais íntimos

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O conflito, a separação e a perda dos relacionamentos importantes são uma fonte comum de crise para os dependentes de substâncias químicas. Há disforia, raiva e desespero quando os pais os rejeitam, os cônjuges rompem com eles, o contato com seus filhos lhes é negado (pelo parceiro ou tribunal) e quando membros de sua família ou de ser círculo de amigos morrem.

Nessas circunstâncias, o paciente pode buscar conforto em suas substâncias preferidas, esperando amortecer a dor da perda interpessoal. Ou, deliberada-mente, podem se envolver em um comportamento autodestrutivo, devido à rai-va, desespero, culpa ou desejando manipular a outra parte (“minha mãe duvidou de minha abstinência, brigamos e resolvi beber para me vingar dela”).

Uma faceta dos relacionamentos interpessoais e o consumo de substâncias psicoativas é a violência doméstica. O terapeuta deve buscar fontes de apoio adicionais para o paciente (grupos de apoio, delegacias especializadas,...) e estar atento para o uso nessas ocasiões como estratégia de enfrentamento por parte do paciente. Caso o paciente seja menor de idade, o terapeuta deve comunicar as autoridades competentes (conselho tutelar, juizado de menores,...).

A postura do terapeuta frente tais situações deve ser colaborativa e reconfor-tante, propiciando ao paciente algum tipo de controle sobre muitas dessas per-das, para fazê-lo enfrentar o fato de que ele mesmo possa ser responsável por elas e ser também capaz de facilitar a reconciliação ou novos relacionamentos como uma conseqüência da mudança terapêutica.

Finalmente, quando morre uma pessoa a quem o paciente era ligado, o tera-peuta deve reagir com grande sensibilidade à tristeza do cliente, e ainda chamar sua atenção para o risco, agora aumentado, de ele vir a consumir substâncias.

Emergências médicas

O consumo de substâncias químicas aumenta o risco de crises médicas em re-lação à população geral. Exemplos são a cirrose hepática, lesões térmicas nas vias aéreas superiores nos consumidores de crack e o risco de elevado de contamina-ção pelo vírus da AIDS e DSTs, além dos danos do consumo durante a gestação.

Quando o terapeuta suspeita que seu paciente está experimentando graves

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crises de saúde, é imperativo instruí-lo a buscar tratamento médico o mais rápi-do possível. Isso pode ser realizado fazendo o paciente telefonar para um serviço especializado, o seu convênio ou médico particular, dirigir-se ao hospital mais próximo, ou simplesmente chamando uma ambulância se a situação for crítica. A família deve ser comunicada, em casos graves, quando o paciente se recusa a procurar ajuda médica especializada.

Crises legais

O consumo de substâncias ilícitas podem envolver o paciente em diversas si-tuações ilegais: porte, tráfico, roubo, brigas e destruições e até crimes de maior gravidade. Obter dinheiro para o consumo é uma causa freqüente de contra-venções. Se não houver suporte social, o terapeuta deve pesquisar junto com o paciente em alternativas para resolver sua situação ilegal (encaminhá-lo para de-partamentos de auxílio jurídico, estimula-lo buscar o entendimento com a parte lesada,...). Sem tomar qualquer atitude moralista, o terapeuta pode ajudar o pa-ciente a avaliar os prós e os contras dos comportamentos ilegais, assim como as vantagens e desvantagens dos métodos legais para se atingir o objetivo.

Quando as coisas não dão certo 22

Você leu esse texto, leu artigos e sentiu-se imbuído de uma confiança fenome-nal. Mas na prática, tomou uma lavada do seu paciente. O paciente não só recaiu, como piorou seu padrão, utilizou-se do tratamento para praticar uma série de manipulações, sua família não quer te ver e o tratamento acabou com o abando-no do dependente que lhe rotula de uma série de coisas... Não vamos pedir para que esqueça tudo o que leu... O objetivo principal desse texto foi tratar a questão da dependência química com objetividade. Mas vamos corrigir agora qualquer caricatura acidental e considerar alguns problemas clínicos que podem surgir no consultório de qualquer terapeuta e nas casas de nossos pacientes.

O espírito terapêutico

A pessoa que deseja tratar a dependência química precisa saber avaliar as maneiras pelas quais um tratamento pode não dar certo. Ela precisa reconhe-cer rapidamente essas situações geradoras de fracasso no tratamento. Precisa aprender a examinar a extensão em que o terapeuta ou o paciente está errado,

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e analisar especialmente o que está faltando na interação. Ela não deve desani-mar ou se sentir derrotada com esses eventos, mas usá-los, na medida do pos-sível, terapeuticamente. Não podemos tratar a dependência sem que as coisas muitas vezes dêem errado, e a essência do tratamento geralmente é uma série de tentativas e erros, e não uma linha reta de avanços. Tal afirmação não deve ser interpretada como uma permissão para a complacência – é verdade que as coisas podem dar errado, e não podemos nos deixar dominar por isso, mas é igualmente verdade que essa situação precisa ser reconhecida e devemos fazer um esforço para revertê-la.

Nem oito, nem oitentaGrande parte da terapia consiste em encontrar o equilíbrio entre as metas fun-

damentais para o sucesso do tratamento na visão do terapeuta e do paciente. Deve-se modificá-lo rapidamente se sinais de desentendimento começarem a aparecer.

Enfatizar o beber/enfatizar tudo o mais

Entendemos a dependência química como uma síndrome de etiologia multifa-torial. Predisposições genéticas, influências familiares e sociais e questões do de-senvolvimento, levaram um indivíduo, no momento em que entrou em contato com uma substância (dentro de uma certa cultura), a desenvolver um consumo disfuncional e dependente dessa. Existe agora uma doença a parte, autônoma, uma entidade com vida própria. A árvore da vida gerou a semente da dependên-cia química. Tratá-la somente não impedirá que a nova árvore da dependência continue a crescer. Por outro lado, a árvore da vida lança folhas e frutos ao chão, ajudando a adubar e perpetuar a nova árvore.

As coisas podem dar errado porque o tratamento passou a centrar-se tão ex-clusivamente no beber do indivíduo, esquecendo que esse indivíduo foi criado e vive dentro de um meio social e nele vive as dificuldades criadas durante o seu desenvolvimento. O desequilíbrio complementar é a percepção sensível da vida global do indivíduo, não se levando em consideração a realidade das substâncias químicas como uma aspecto destrutivo dessa situação.

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Metas muito ambiciosas/metas muito modestas

Às vezes as coisas não dão certo porque o terapeuta e o paciente perdem a medida em relação a uma expectativa razoável de que as mudanças podem ser obtidas ou do ritmo dessas mudanças. Este dilema pode ocorrer em qualquer fase do tratamento. O erro pode ser em adotarmos um ritmo rápido demais, o que pode levar o paciente a romper o contrato, mas também pode estar na inércia.

Muita indulgência/muita rigidez

Existe um equilíbrio referente ao grau em que o relacionamento oferecido pelo terapeuta ao paciente de apoio sem julgamento, em contraposição a um rela-cionamento com expectativas rígidas e duro confronto. Há ocasiões em que é terapeuticamente útil ser protetor e indulgente e outras em que é melhor e mais construtivo o desafio aberto. Esta é uma outra dimensão em que a questão do equilíbrio deve ser avaliada em todos os procedimentos terapêuticos.

Diretividade excessiva/medo de assumir uma posição

A alternativa de impor nossa opinião ao paciente não é necessariamente a de não ter nenhuma opinião. Um terapeuta pode ter dificuldades para tratar pro-blemas da dependência química, porque dá aos pacientes a impressão de estar inseguro num momento em que eles precisam terrivelmente que alguém lhes ofereça algumas certezas.

Defesas vendedoras

Que as defesas do paciente precisam ser identificadas, sua utilidade para o paciente compreendida e sua existência adequadamente manejada são idéias comuns no tratamento de muitas condições diferentes do alcoolismo, e as de-fesas que o bebedor emprega não são específicas para esta condição. Mas o terapeuta que vai trabalhar com problemas com substâncias químicas terá de ficar muito atento a como as defesas se manifestam neste cenário. Uma resposta inadequada às defesas do paciente é uma das razões mais comuns para as coisas darem errado.

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Negação pura ou mista

Por negação nos referimos a uma defesa contra a ameaça da realidade, ba-seada numa recusa a admitir a existência da mesma. A finalidade é enganar o próprio indivíduo, e não os outros. Na sua forma pura, o mecanismo é descrito como operando no plano inconsciente, sendo assim diferenciada de uma men-tira consciente destinada a enganar outras pessoas. Muitas vezes, a dificuldade inicial do paciente em enfrentar a ameaça trazida pelas substâncias é uma mani-festação tanto de negação no sentido clássico, quanto uma mentira. Na prática, é difícil determinar a extensão em que os dois elementos estão contribuindo para uma dada apresentação, e processos conscientes e inconscientes parecem fundidos. Encontramos muitas vezes, pacientes utilizando algumas substâncias de modo grave, com repercussões clínicas evidentes e completamente disfun-cionais, jurando não beberem além do social ou nem isso.

Entra na sala o Sr. José Corvo, proprietário de um restaurante mexicano no centro da cidade. Sua esposa e seu irmão o acompanham. Ao exame mostra-se visivelmente alcoolizado, atóxico, olhos avermelhados e caídos, hálito alcoólico. O irmão afirma que há dias não aprece no restaurante, deixando tudo nas mãos do gerente. Há meses que o negócio vai muito mal. Não liga mais para os paren-tes e falta a todas as reuniões familiares, sempre inventando alguma desculpa. Há duas semanas forçou-o a ir a um clínico que detectou uma esteatose hepá-tica. Há sinais de hematoma em algumas partes do corpo. Ontem, ao descer do carro, tropeçou e bateu a cabeça no chão. A esposa afirma que o marido chega tarde em casa, inventa compromissos e reuniões e não é encontrado nesses locais conforme dissera. A conta-conjunta tem perdas financeiras misteriosas e vira-e-mexe encontra garrafas de tequila escondidas em armários da casa. Os fi-lhos pequenos já reparam no comportamento do pai e questionam a mãe sobre a natureza daquilo.

O Sr. Corvo rebate-os prontamente, afirmando que das vezes que o irmão ligou estava providenciando mercadorias para o restaurante e que há dois dias está direto em casa fazendo planos para modernizar o estabelecimento. Os ne-gócios vão mal porque o país está em crise. Gosta muito do irmão (“uma pessoa fantástica”), mas o fato de estar muito atribulado em seu serviço, o faz exagerar um pouco quanto a ele. Já a esposa é sua razão de viver, mas gosta de gastar um

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pouco demais no shopping e precisa controlar melhor o cheque, nega a existên-cia de garrafas e que os filhos o amam tanto, que perguntariam a ele mesmo, caso percebessem algum problema. O ferimento que traz na testa aconteceu ao sair do carro e pisar numa pedra solta do calçamento, que o fez perder o equilíbrio.

Como nunca devemos perder a esperança, a melhor abordagem poderia ser tentar compreender as razões que levam o paciente a erguer essa muralha. Nor-malmente, não há apenas um motivo. Todos nós utilizamos mecanismos defen-sivos ao longo da vida. A negação pode aparecer para o dependente como uma das poucas alternativas defensivas que seu repertório limitado pelo consumo lhe permite. Outra possibilidade é produzir uma postura passivo-agressiva ao que ele concebe como um ataque a sua integridade (“meu irmão é uma pessoa fan-tástica, mas está muito atribulado e exagera...”). Ele vê o irmão e a esposa como pessoas querendo dominá-lo e reage com uma teimosia infantil e zangada.

Com essas suposições em mente, o terapeuta poderia sentar-se a sós com o paciente, tirando da sala os outros atores. Sem nenhuma implicação de ataque, poderia começar uma conversa a partir de uma suposição clara de que ambos sabem que a realidade está sendo negada:

Terapeuta: José, longe de mim transformar essa situação num interrogatório, mas vejo que coisas graves estão acontecendo em sua casa. Não importando agora quem está com a razão, o que é evidente é que vocês não estão se enten-dendo. Parece que você está tendo problemas com seu consumo de álcool e é natural que nessa situação, o receio de assumir tal condição e ser desprezado e rebaixado lhe faça agir assim. Mas seria demasiado interessante se pudéssemos reservadamente discutir essa situação, se for da sua vontade.

José Corvo: Doutor, vejo que é uma pessoa muito bacana e só o fato de co-nhecê-lo hoje já valeu ter estado aqui. Mas estou sendo vítima de um terrível equívoco, causado por dificuldades de meus familiares, que acabam descontan-do em mim.

O que poderia ser feito? Talvez uma solução fosse deixar a defesa como está. Permitir que o paciente continue pensando que está tudo bem e pedir que volte mais algumas vezes para discutirem problemas domésticos. Esse acordo dificil-mente funciona: o paciente não volta, ou quando o faz, incorpora o discurso do

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terapeuta e o contato se torna inútil. Uma outra abordagem às vezes bastante útil é concentrar-se na saúde física do paciente. Isso lhe dá feedbacks objetivos:

terapeuta: Vejo que o seu ultrassom evidencia a existência de uma esteatose hepática ou fígado gorduroso, uma fase intermediária de irritação desse órgão decorrente do consumo de álcool. Há também alterações nas enzimas mais sen-síveis às alterações do fígado. Tal situação é totalmente reversível se o consumo de álcool for abolido, mas pode evoluir para a cirrose, que evolui para a morte do fígado, mesmo se aquilo que está agredindo o órgão for eliminado.

José Corvo (versão otimista): Sabe doutor, já que tocou nesse assunto, sinto que minha saúde poderia receber alguma atenção nesse momento. O médico que me atendeu anteriormente disse-me que não adiantava eu inventar descul-pas: ou parava de beber ou morreria. Uso no máximo uma dose de tequila no fim do dia, com amigos do restaurante. Mas não fazia um check-up há muito tempo e já que apareceu esse problema, não me oponho a ficar sem beber até que esse problema melhore e a causa verdadeira possa ser encontrada. Pensando bem, me fará bem ficar sem o álcool. Talvez minha esposa fique mais tranqüila. Peço que me acompanhe nessa fase e me indique outro clínico.

José Corvo (versão pessimista): Deve haver alguma outra causa para esse pro-blema. De fato tenho comido muita gordura ultimamente... Prometo ao senhor que procurarei moderar meu consumo de gorduras. Obrigado pela sua atenção, mas sei que seu dia é cheio e não quero mais tomar seu tempo.

Se nenhuma dessas abordagens der resultado, a única saída pode ser deixar o paciente com uma mensagem clara de que ele precisa abrir os olhos, e com uma advertência dos perigos da negação da mentira, se essas continuarem, e propor que os contatos ocorram apenas se partirem da sua vontade. A esposa pode ser ajudada nessa fase, melhorando seu bem-estar e posicionando-a melhor em relação à dependência do marido, ajudando-o também a aderir ao tratamento. A internação nessas situações será discutida adiante.

Não vamos negar que ocasionalmente ocorrem negações tão profundamente arraigadas que são intratáveis. A tentação é, quase literalmente, de erguer a voz na esperança de que o paciente consiga ouvir, ou confrontá-lo com todas as

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provas positivas e esperar que as muralhas de suas defesas desmoronem drasti-camente. Em resumo, somos tentados a recorrer a mareta. Infelizmente, as con-seqüências desse ataque provavelmente serão o fortalecimento das muralhas defensivas.

A doença como defesa

Às vezes o paciente afirma que continua a consumir substâncias porque é, de fato, um “viciado”. Ele sofre de uma doença, que é a explicação de seu comporta-mento, e a responsabilidade de curar essa doença cabe ao terapeuta. O paciente pretende continuar bebendo, tendo estabelecido a confortável posição de que a culpa é do terapeuta. As coisas poderão dar certo se inicialmente aceitarmos essa posição, mas certamente darão errado se o terapeuta automaticamente assumir que essa pessoa está fazendo um jogo ou preparando algum truque intencional. Ele pode estar assumindo esta versão do papel de doente porque realmente acredita que está doente, prejudicado e não consegue mais controlar o próprio comportamento. Isso não seria tanto uma manifestação de defesa quanto de sintomas de uma desesperança aprendida. Os dois significados dife-rentes de apresentação externas semelhantes precisam ser distinguidos. Cortar o paciente com uma análise clara e agressiva do jogo que ele está fazendo pro-vavelmente terá como resultado o terapeuta livrar-se de um paciente difícil, mas nada além disso. Seria mais útil tentar fazer essa pessoa perceber que é capaz de assumir a responsabilidade por não beber, que ela realmente tem mais recursos do que imagina e que seria enganador alguém assumir a responsabilidade por ela. A tarefa é aumentar a auto-eficácia e reforçar a motivação.

Absolvição

O paciente em busca do terapeuta bonzinho

O paciente pode defender-se da dor que o levaria a mudar seu comportamen-to se encontrar um médico ou conselheiro que aceite absolvê-lo regularmente. Ao mesmo tempo, ele pode apresentar um quadro de pseudo-insight: intelectu-almente, ele sabe o sofrimento que está causando a si mesmo e aos outros, mas consegue separar esta compreensão de qualquer sentimento mais profundo, desde que receba doses regulares de perdão. Na verdade, ele está buscando a

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conivência do terapeuta num jogo repetitivo e improdutivo. Carolina, funcionária pública, casada e mãe de dois filhos, procurou um serviço

especializado após ter sido afastada da sua função devido ao excesso de faltas e ter sido flagrada consumindo cocaína durante o expediente. Após a triagem, foi encaminhada para grupos de dependência e para o atendimento psiquiátrico. Compareceu assiduamente até a resolução de seu processo, apesar de manter-se consumindo. Em seguida, retornava sempre que as coisas no emprego ou em casa pioravam. Queria medicamentos específicos e se não os conseguia, negli-genciava o uso dos outros prescritos.

Sabia que era uma dependente de cocaína e mostrava-se entristecida e preo-cupada com sua situação. Relatava quão mau e ausente era para a marido e os filhos e como colocava em perigo seu emprego, sua única fonte de renda. Ficava desolada com o seu consumo, mas em todas as sessões tinha uma justificativa para a recaída da semana anterior. Ela se lamentava imensamente. Sentia que tratava o esposo como um animal e sentia-se muito envergonhada por desapon-tar o terapeuta mais uma vez. Sempre pedia algo mais: “além da consulta médica e do grupo, acho que preciso de psicoterapia individual.”

As coisas darão errado se o terapeuta tomar uma posição de ajudar e confirmar este ciclo de comportamento. Essa história não é incomum, e o paciente pode ser um antigo freqüentador do serviço, mas alguém que conseguiu obter muito pou-co desse contato. Está muito longe de entender a real filosofia daquele serviço. É inútil o terapeuta manter o contato nesta base não-terapeutica ou antiterapêutica. O melhor é devolver a responsabilidade ao paciente e colocar-lhe claramente que está trabalhando a favor de sua doença, numa dinâmica da qual o terapeuta não participará. Um elemento de desafio e confrontação pode trazer novas possibilida-des, mas sempre existe o risco de o paciente abandonar o tratamento e encontrar outro terapeuta que, pelo menos temporariamente, o absolva.

A defesa romântica

A dependência leva peculiarmente a uma defesa romântica, uma identificação com os famosos poetas e dramaturgos que bebiam.

Maria Joana, estudante secundarista, começou tratamento após receber sus-pensão escolar por excesso de faltas e queda do rendimento escolar. Há dois

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anos fuma cerca de cinco baseados por dia. Chegou para a psicoterapia de gru-po com uma série de máximas que coletara de um livro de citações, feitas por figuras famosas:

“Mostre-me um homem que não beba e lhe provarei que ele é parte camelo.” (W.C. Fields)

“O melhor amigo do homem é o uísque. O uísque é o cachorro engarrafado.” (Vinícius de Morais)

“Não consigo ficar sóbrio o tempo suficiente para achar graça em estar só-brio.” (F. Scott Fitzgerald)

“Quem disse que cocaína vicia? Cheiro isso a anos e nunca me viciei.”(Tallulah Bankhead)

“Um dia a maconha será legalizada. Todos os estudantes de Direito a fumam.” (Lenny Bruce)

“Nunca tive problemas com drogas. Só com a polícia.”(Keith Richards)

“Uma vez em Londres experimentei LSD. E, quer saber? É uma boa droga.” (Caetano Velloso)

De posse de tão famosos argumentos, começou a contar no grupo, quão im-portante foram as drogas no processo criativo de artistas e poetas como Bob Marley, Charlie Parker, Fernando Pessoa e outros. Afirmava, inclusive, que Buda utilizou a maconha para meditar... Portanto ela não pode aceitar nenhuma ajuda que tenha como condição o abandono completo do uso da maconha.

Neste caso, a defesa do paciente obscurecerá o julgamento do terapeuta que seduzir-se pelo argumento da substância psicoativa simbolizando “a vida cria-tiva”. Encobre-se, assim, o fato da paciente estar suspensa da escola, onde seu rendimento caiu drasticamente, devido ao consumo excessivo de maconha.

Se aceitarmos essa posição, as coisas certamente darão errado, com a paciente

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continuando a fumar maconha e o terapeuta neutralizado como um especta-dor e admirador de um modo de vida fascinante, tendo perdido sua posição terapêutica. No início do contato, o terapeuta deve manter a posição de que a substância em questão precisa ser desmistificada e encarada em sua realidade. O paciente pode ter uma sensação imediata de alívio ao descobrir que pode parar de fingir que aquela autodestruição é uma brincadeira romântica.

O paciente conhece alguém que consome muito mais que ele

Um fator causador de fracasso no tratamento é a afirmação, por parte do pa-ciente, de que conhecem alguém que consome alguma substância muito mais do que ele, ou que consome muito e nunca teve nenhum prejuízo.

João Caminheiro Vermelho, durante uma entrevista em que seus padrões de consumo de álcool estavam sendo investigados com seu terapeuta e natural-mente iam colocando em xeque sua noção inicial de consumo, argumentou: tudo bem, eu bebo um pouco. Mas vou lhe dizer uma coisa: meu pai morreu aos 86 anos e bebia muito mais do que eu. Era uma rotina, ele nunca saía de casa sem colocar uma garrafa de pinga no bolso, da mesma forma como apanhava sua lata de fumo.

É totalmente inútil entrar num debate com esse paciente para saber se ele bebe mais ou menos do que o pai bebia. Os dados sobre o beber do paciente provavelmente estão incertos nesse estágio, e os dados sobre o beber do pai serão muito falsificados, de modo que o paciente está numa posição de manter sua defesa, revisando todos os elementos da comparação conforme lhe convier. Se concordarmos em entrar nesse debate, provavelmente seremos envolvidos num “papo de bar”, com afirmações altamente improváveis, mas indiscutíveis. A melhor maneira de não se envolver nesses debates improdutivos é dizer que o pai do paciente não veio à consulta, e que deve ficar do lado de fora.

Discussões intermináveis

Os problemas trazidos pela defesa intelectual são conhecidos em qualquer área de psicoterapia. No trabalho com a dependência química, a intelectuali-

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zação tende a seguir direções especiais: o paciente desvia a discussão de qual-quer conteúdo terapêutico real e transforma a entrevista num simpósio sobre definição de dependência ou sobre os determinantes do comportamento de consumo. A resposta terapêutica deve ser afastar o paciente das generalizações e trazê-lo de volta à imediação de sua própria posição. De outra forma, o tera-peuta se verá envolvido numa longa análise do “conceito de doença”, enquanto o paciente continua a consumir substâncias psicoativas.

VI. ATENTANDO PARA A INTERNAÇÃO COMO OPÇÃO TERAPÊUTICA

O aprimoramento do atendimento ambulatorial e suas técnicas de aborda-gem, e surgimento nos países desenvolvidos de opções intermediárias entre esse e a internação, tem deixado essa cada vez mais como a última opção dentro do tratamento da dependência química. O Brasil caminha (a passos bem lentos) na mesma direção.

A internação em desuso: motivos

Eficácia ambulatorial equivalente

Estudos tem demonstrado que o seguimento ambulatorial é capaz de produzir resultados semelhantes ou melhores do que a internação. Dentro das diversas opções de internação, também não se encontrou diferenças entre as longa e curta duração.

Opções intermediárias

A criação de opções que interferem pouco na autonomia do paciente, tais como pensões, repúblicas e casas terapêuticas, hospitais-noite, centros de con-vivência e equipes comunitárias de tratamento, permitem um acompanhamento diário e próximo, permitindo que o paciente continue a trabalhar e estudar, estar em contato com seus parentes e amigos, ao mesmo tempo em que está sob su-pervisão profissional direta. Esse contato mais íntimo, permite a equipe conviver com o jeito de ser dos pacientes e detectar com mais sensibilidade momentos de maior dificuldade e de provável recaída. O paciente tem uma referência cons-

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tante a que pode recorrer quando desejar, e, por mais que tenha livre acesso a todos os locais, sabe que está habitando um ambiente destinado ao tratamento de dependentes químicos.

Melhora do atendimento ambulatorial

Além de técnicas de abordagens efetivas, tais como a prevenção de recaída e a entrevista motivacional, a melhora da compreensão da dependência química permitiu a criação de ambulatórios bem equipados, com grupos apoio especí-ficos para as diversas fases da abstinência, abordagens que respeitam o estágio de motivação do paciente, atendimento interdisciplinar e uma farmacoterapia mais diversificada. O atendimento é flexibilizado, de acordo com a disponibilida-de de tempo ou as necessidades do paciente: funciona nos três períodos do dia, quantas vezes na semana o paciente necessitar. Nos países desenvolvidos e no atendimento mais elitizado no Brasil, o acompanhamento terapêutico especiali-zado permite que o paciente seja supervisionado em casa, onde seus problemas podem ser melhor entendidos e resolvidos in loco. Atividades terapêuticas, tais como a terapia ocupacional dão ao paciente a oportunidade de vivenciar expe-riências construtivas, com começo, meio e fim. Outras instituições oferecem cur-sos e atividades de lazer. Um ambulatório moderno e dinâmico é uma internação a céu aberto®.

Baixo custo

A abordagem ambulatorial é evidentemente menos onerosa e por isso capaz de se proliferar com mais rapidez e eficácia nos diversos locais onde sua presen-ça é necessária.

Qualidade de vida do paciente

Por mais breve que seja, a internação compromete o cotidiano de pacientes que ainda possuem laços sociais presentes (emprego, estudo, família,...). Inter-nações longas muitas vezes, além de não mantê-los longe do consumo após a alta, eliminam os ganhos que haviam obtido ambulatorialmente ou os laços que mantinham com a sociedade (por mais tênues que fossem). Tornam-se também motivo de estigmatização para o paciente, já que nesses casos, uma gama maior de pessoas fica ciente do problema do paciente, principalmente no ambiente

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de trabalho. Ambulatorialmente, tais problemas poderiam passar despercebidos. Quando a internação é uma opção terapêutica

Como já foi dito, não possuímos a mesma qualidade ambulatorial, tampouco opções intermediárias em grande quantidade para desprezarmos a internação como opção terapêutica. Além disso, a cultura da dependência no Brasil vê na internação a melhor opção tratamento, entendendo muitas vezes que o paciente sairá de lá curado e nada mais precisará ser feito. A recomendação do trata-mento ambulatorial pelo profissional de saúde é visto com desconfiança pelos familiares, pensando estarem sendo ‘enrolados’ por esse, que não tem ou se recusa a lhes ceder uma vaga na rede pública. De qualquer forma, a preferência é o tratamento ambulatorial. Há algumas situações onde a internação é preferível ou necessária:

Presença de comorbidades psiquiátricas gravesQuando o uso de substâncias gera quadros psiquiátricos graves ou desequili-

bra preexistentes, tais como crises psicóticas, de mania, depressões graves, ten-tativas de suicídio e episódios de agitação psicomotora e agressividade durante a intoxicação, a internação é a primeira indicação de tratamento. A comorbidade deve ser tratada como uma patologia independente e muitas a abordagem da dependência química só será possível após a resolução ou melhora da primeira.

Presença de complicações clínicas

Essa acontece preferencialmente em hospitais gerais, mas ocorrem com fre-qüência em hospitais psiquiátricos. Os quadros de abstinência por sedativos são os mais comuns. Pacientes que chegam para uma primeira avaliação com sinais evidentes de abstinência do álcool ou opiáceos, com histórico de síndromes de abstinência pregressas complicadas, com convulsões e/ou delirium , devem ser internados até a resolução do quadro. O acometimento de órgãos vitais também indicam o tratamento clínico acima de qualquer outra coisa.

Necessidades diagnósticas

Por diversos motivos, dúvidas diagnósticas sobre determinados casos podem ocorrer. Muitas vezes o paciente chega excessivamente medicado, com sinais e sintomas que não sabemos se atribuímos ao consumo, a uma patologia prévia

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(clínica e/ou psiquiátrica) ou ao uso de medicações. Nesses casos, pode ser in-teressante internar o paciente por alguns dias, para que a medicação possa ser repensada e uma abstinência mínima atingida, visando a elucidar melhor a ori-gem dos fenômenos observados.

Perda do suporte familiar

Em qualquer situação médica, a presença da família é capaz de reduzir o tem-po de internação em qualquer especialidade médica. Não se dá alta para um paciente de rua enquanto sua ferida cirúrgica não estiver totalmente cicatrizada. Já um paciente bem assistido por sua família poderá ir para casa e voltar em dez dias para retirar os pontos. O paciente que perde o apoio da família e acaba na rua, ou simplesmente vive só na cidade e não está conseguindo um suporte para se manter abstinente, tem na internação uma oportunidade de reforçar sua motivação e planejar seu retorno ao ambulatório com mais acertividade. Também pode ser um “álibi” para a reaproximação entre o paciente e sua família, namorado(a), amigos.

“Férias” para a família

Há casos em que o sucesso do tratamento é pouco ou nenhum, mesmo após longas tentativas, passando por várias internações, diferentes profissionais e li-nhas de tratamento. O sentimento geral é de desânimo e descrença. Mesmo assim, o paciente continua a conviver com a família, que tenta contê-lo fatigada-mente. Após graves recaídas reinterna-lo por algum período proporciona a famí-lia um tempo de recuperação e uma nova oportunidade para que ambos sejam trabalhados no sentido de melhorar seu relacionamento e função após a alta.

Mau desempenho ambulatorial associado ou não a complicações sociais

Pacientes que não conseguem a abstinência ambulatorial podem ser estimula-dos a permanecerem internados por um curto período, para darem um ‘pontapé inicial’ no tratamento. Nesse curto período, passa por atividades motivacionais, examina e planeja as estratégias de tratamento que seguirá após a alta. Outras vezes, o paciente, além de não conseguir a abstinência, envolve-se com freqüên-cia em situações que comprometem sua integridade física e de terceiros: conso-me a substância e envolve-se em brigas, comete delitos, machuca-se em dema-

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sia, falta no emprego e fica na iminência de uma demissão. Nesses momentos a internação é uma saída segura e preventiva.

Negação da doença e internação

Há pouco, quando discutíamos a negação intransponível do paciente da pre-sença de problemas relacionados ao consumo de uma substância, falamos que em alguns casos o paciente deve ser diretamente alertado sobre o seu problema e estimulado a voltar apenas se quiser. Ocorre aí um dilema médico. Sabemos que a abstinência melhora traços disfuncionais da personalidade do paciente, e, passando um período abstinência é capaz de abordar e elaborar questões rela-cionadas ao seu consumo, o que antes seria impossível. Negando o problema e continuando a consumir, se expõe a situações que vão minando seu suporte familiar, prejudicando seu desempenho social e profissional e a perigos em bo-cadas, brigas, sendo muitas vezes preso. É comum a família não suportar mais encontrar a filha estendida no chão da sala da seu apartamento completamente alcoolizada, fazendo escândalos quando é por ela acordada. No dia seguinte promete não mais beber, mas a promessa dura apenas algumas horas... Outras vezes, o filho promete nunca mais consumir crack e dois dias depois é detido pela polícia numa bocada.

Frente a históricos como esse, um plano ambulatorial deve ser instituído, mas a internação proposta e discutida como alternativa desde o início, não como ameaça, mas sim, como um tentativa radical de atingir sua doença. Promessas do paciente devem ser escritas e servirem como marcadores da necessidade urgente de internação. A família pode ser orientada a interna-lo em momentos de crise (“após uma overdose ou um porre, que o debilitou em casa ou levou-o a um hospital”) ou na vigência de intercorrências do consumo (brigas seguidas de detenção, arrependimento após ter vendido vários objetos da casa para fumar crack,...) que deixam o paciente momentaneamente sensível a aceitar a interna-ção. A internação a revelia, com auxílio de equipes especializadas, também pode ser cogitada.

A internação frente a negação extrema aparece como a última cartada contra a negação do paciente. A idéia é mantê-lo a revelia, na esperança de observarmos sinais de motivação, passada a fase da síndrome de abstinência. Pode represen-tar um fato novo importante na recuperação do paciente, ou a ruptura entre o médico e o paciente, após a alta.

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Tipos de internação 22

Além de indicar a internação é preciso definir o tempo de permanência do pacien-te nessa. Deve ser pensada a partir da situação atual do paciente, para que possa ser frutífera e não apenas um jeito qualquer de impedi-lo de consumir substâncias.

Internação breve

É a mais difundida e desejável. Mexe menos no cotidiano do paciente, tem ob-jetivos específicos e nos faz pensar na alta desde a internação: o objetivo é pla-nejar as estratégias de enfrentamento para o paciente lidar com a abstinência de modo favorável. Provê ao paciente um ambiente seguro para vivenciar a fase de síndrome de abstinência, onde sintomas floridos ou fissuras intensas impedem-no de mantê-lo longe do consumo. Pode ser uma opção para aqueles que es-tão tendo dificuldades para abandonar o consumo ou uma maneira radical para bloquear uma recaída repentina, mas grave, que está pondo em risco o bom andamento do tratamento. Muitos pacientes conseguem passar bons períodos abstinentes, trabalhando e convivendo relativamente bem com os seus, mas têm recaídas graves. Esse período muitas vezes só é amenizado pela internação bre-ve. Uma opção viável quando alguma coisa não está dando certo e não se quer perder o pouco que já existe.

Internação longa (“sítios”)

É uma opção discutível. O necessário é ponderar até que ponto o afastamento prolongado (forçado o não) contribui para a abstinência, sem atrapalhar ainda mais a reabilitação social do indivíduo. Por isso é a última das últimas alternativas de tratamento. Casos extremamente graves, como pacientes que usam substân-cias químicas desde a adolescência, não conseguiram estudar e não trabalham, nunca permaneceram estáveis em alguma atividade, estão freqüentemente en-volvidos em problemas decorrentes do consumo e não têm qualquer noção de limite, talvez possam se beneficiar de internações longas em sítios, onde uma estrutura hierárquica rígida, com regime de trabalho e atividades bem estabele-cidos dão-lhe uma organização concreta e objetiva. Normalmente estão associa-dos a entidades religiosas e ao método dos 12 passos (AA,NA), abordagens de

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assimilação baseadas na autopiedade e na libertação espiritual. Os pacientes são estimulados a ficarem e tornarem-se monitores de novos internados. Enfim, às vezes pode ser tudo o que lhe restou fazer na vida, pois a fase mais importante do seu desenvolvimento, passou usando alguma substância ou tudo aquilo que havia conquistado foi completamente destruído pela dependência.

VII. ATENTANDO PARA O FRACASSO DO TRATAMENTO 22

Ainda assim, deu tudo errado...

Há momentos em que tudo parece dar errado, não só em termos de um de-terminado paciente, mas com vários pacientes apresentando dificuldades sérias num período de poucas semanas. Esses períodos ocorrem, e o terapeuta que os enfrenta precisa lembrar (e ser lembrado pelos colegas) que o tratamento da dependência química às vezes é inevitavelmente pesado e perturbador. O terapeuta pode estar selecionando todos os casos mais difíceis, e é possível que esteja exigindo muito de si mesmo, esteja esgotado ou descuidado. Mas é mais provável que as coisas tenham se agrupado aleatoriamente e que o terapeuta precise de um apoio para a sua autoconfiança, ao invés de se culpar.

Às vezes as coisas dão errado por esquecimento e distração: a necessidade de um exame físico não é valorizada, a esposa não é entrevistada, o que o pacien-te está tentando dizer não é escutado. Talvez o maior perigo seja o terapeuta ficar excessivamente confiante, não ter dúvidas e supor que sabe tudo, e que se o paciente não responde é porque está precisando de mais medicação. Em algumas ocasiões também é necessário examinar cuidadosamente o sistema de tratamento. Pode ficar evidente que dificuldades se originam na interação inade-quada da equipe ou de tensões pessoais entre os seus membros.

Quando as coisas não dão certo, a resposta terapêutica positiva para os possí-veis problemas podem ser:

• compartilhar os problemas com colegas

• compreender o seu próprio comportamento, atitudes e expectativas, assim como os do paciente (problemas ocorrem nos dois sentidos)

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• identifique os bloqueios na sua abordagem e nos mecanismos de defesa utilizados pelo paciente.

• a necessidade de melhorar mais a prontidão do paciente para a mudança

• revise a formulação inicial, revise o caso e faça um novo planejamento em conjunto com o paciente e recupere a situação terapêutica

• ninguém é onipotente e o terapeuta tem necessidades legítimas

Tratar o dependente de substâncias psicoativas é mobilizá-lo, com todas as estratégias possíveis, para uma aliança com sua própria recuperação. A arena mais rica de aprendizagem é o contato real, a experiência de que as coisas as vezes não dão certo, e a descoberta de que com paciência, flexibilidade e esforço mútuo as coisas, felizmente, dão certo.

AS SUBSTÂNCIAS

farmacocinética e farmacodinâmica das substânciasfarmacoterapia das complicações específicas

• Álcool• Cocaína• Opiáceos• Canábis• Benzodiazepínicos• Barbitúricos• Anfetaminas e derivados• Alucinógenos• Solventes ou inalantes• Nicotina

Álcool

O álcool é a substância psicoativa mais utilizada em nossa sociedade. Tem am-

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pla aceitação cultural, diversas apresentações, modos de consumo e fácil acesso ao usuário. Apresenta por isso, maior incidência de complicações relacionadas ao uso continuado e/ou abusivo (Tabela 1) ou à interrupção desse em usuários crônicos (síndrome de abstinência).

Mecanismo de ação16

A farmacologia do álcool é pouco caracterizada e relativamente inespecífica. O modelo proposto atualmente é demasiado simplista para os numerosos efeitos sobre grande variedade de sistemas de neurotransmissores, receptores, mem-branas e enzimas apresentados pelo álcool.

O álcool atua estimulando o sistema GABA A, o sistema inibitório do SNC. Além de aumentar a neutransmissão inibitória, ele também reduz a neurotrans-missão excitatória no subtipo NMDA do receptor do glutamato; ou seja, o álcool aumenta a inibição e diminui a excitação, e isto pode explicar sua caracterização como depressor do funcionamento neuronal do SNC.

Os efeitos de reforço do álcool podem ser mediados predominantemente pela liberação de dopamina no sistema dopaminérgico mesolímbico-mesocortical. O álcool também pode liberar serotonina, e esta liberação pode causar ações indi-retas sobre neurônios dopaminérgicos na via mesolímbica-mesocortical. Há de-pleção dos níveis de serotonina no uso crônico. Um papel para o sistema opióide na dependência causada pelo álcool é sugerido pelo fato do antagonista opióide naltrexona diminuir o intenso desejo pelo álcool e aumentar a abstinência em

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indivíduo dependentes. Além disso o álcool pode provocar liberação de opióide endógenos, particularmente sobre os neurônios dopaminérgicos mesolímbicos, sugerindo outra maneira pela qual o álcool estimularia os neurônios dopaminér-gicos mediadores do prazer.

ABORDAGEM AMBULATORIAL

Desintoxicação ambulatorial 22

Algumas alternativas farmacológicas estão disponíveis para o tratamento am-bulatorial da dependência do álcool. O dependente de álcool que decide aban-donar o consumo está exposto à síndrome abstinência. A presença de sinais matinais de abstinência deve ser bem investigada, assim como a ocorrência de quadros de abstinência, convulsões e delirium anteriores. Uma avaliação clínica e laboratorial (Tabela 3) deve ser providenciada.

Nos primeiros quinze dias, a introdução de benzodiazepínicos (BDZ) de dura-ção prolongada (diazepam, clordiazepóxido) ou com baixa metabolização hepá-tica, para idosos e hepatopatas (lorazepam), deve ser introduzida. Por mais que não haja sinais clínicos visíveis de abstinência, há sempre aumento da ansiedade, irritação e impulsividade, que também pertencem à síndrome. Pode-se iniciar com 10mg de diazepam três vezes ao dia (doses-equivalência para outros BDZ – Tabela 14), aumentando a dose na presença de sinais de abstinência ou reduzin-do frente a ocorrência de sedação, apatia e ataxia. A medicação é retirada num período de 10 a 15 dias. É importante que receba aporte vitamínico, em especial o complexo B e o ácido fólico, durante as três refeições do dia. Nessa fase o paciente deve ser acompanhado diariamente. Assim é possível controlarmos a síndrome de abstinência e o uso de BDZ e motivá-lo a atravessar o período de desintoxicação.

É possível que haja doenças psiquiátricas primárias ou secundárias ao uso pro-longado de álcool. Os transtornos depressivos e ansiosos, principalmente o pâ-nico são os mais prevalentes. Devem ser investigados e tratados separadamente. Os quadros secundários melhoram com a abstinência, mas devem ser tratados dependendo de sua intensidade.

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Síndrome de abstinência não-complicada

O sintoma de abstinência mais comum é o tremor5,10,13, acompanhado de irritabilidade, náuseas e vômitos. Aparecem algumas horas após a diminuição ou parada da ingesta e são normalmente observados no período da manhã. Os tremores tem magnitude variável. Algumas pessoas referem apenas tremores internos3. Pioram frente à atividade motora e ao estresse emocional, bem como à extensão dos membros superiores e protrusão da língua. Outros sintomas que acompanham os tremores estão relacionados à hiperatividade autonômica, tais como taquicardia, aumento da pressão arterial, sudorese, hipotensão ortostática e febre (< 388).

Aproximadamente 90% dos casos não evoluem para além de um quadro efê-mero, brando e marcado por tremores, insônia, agitação e inquietação psicomo-tora, com auto-resolução entre 5 a 7 dias, ou menos13.

Apenas uma pequena parte dos usuários ingere quantidades de álcool por um período de tempo suficientes para desenvolver uma sintomatologia mais intensa e completa, conforme aparece na Tabela 213. O quadro clínico é florido e de fácil identificação: tremores grosseiros e generalizados (óbvios nas extremidades e

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na região perilabial), sudorese profusa, aumentos significativos da pressão ar-terial, dos batimentos cardíacos e da temperatura. Esse estágio de abstinência é atingido em 48 horas após a última dose de álcool ingerida. Seu ponto alto é alcançado com o aparecimento de alucinações.

Normalmente são auditivas, mas podem ser também visuais. Nessa fase, o in-divíduo conserva consigo a crítica necessária para julga-las como inverossímeis, apesar de presentes.

Avaliação diagnóstica

Durante a anamnese e o exame físico, deve-se ter em mente que o indivíduo em abstinência do álcool é um usuário crônico e pode utilizá-lo em detrimen-to do seu autocuidado. Torna-se, desse modo, suscetível a complicações5 tais como a desnutrição (anemia, déficit vitamínico, hipoglicemia) e descompensa-ções hidro-eletrolíticas (desidratação, hipopotassemia, hiponatremia e hipomag-nesemia). A ação direta do álcool sobre a medula óssea e/ou o estado nutricional deficitário comprometem sua imunidade, expondo-o a diversos agentes infec-ciosos. Os aparelhos gastrointestinal, circulatório, respiratório e SNC devem ser cuidadosamente investigados (Tabela 1). Alguns exames laboratoriais de rotina devem ser sempre solicitados10 (Tabela 3). Os sinais e sintomas indicam a gravi-dade e servem de parâmetro na avaliação da eficácia do tratamento escolhido.

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Ambulatório

Tratamento suportivo

São dois os princípios básicos do tratamento da abstinência alcóolica13: ali-viar o desconforto e prevenir as complicações diretas (convulsões e delirium) e indiretas (gastrites, hepatites, pancreatites, descompensações, TCEs...) causados por essa. Todos os pacientes abstinentes devem receber 100mg de tiamina in-tramuscular por 3 dias para prevenir complicações neurológicas. Os níveis glicê-micos e os eletrólitos devem ser investigados e corrigidos prontamente: podem provocar quadros confusionais semelhantes ao delirium tremens, convulsões e comprometimento do funcionamento cardíaco. Sempre que a correção de gli-cose for necessária, a aplicação intramuscular de 100mg tiamina deve precedê-la, uma vez que suas reservas são agudamente depletadas pela administração da glicose e podem precipitar a encefalopatia de Wernicke (quadro 1). Outros procedimentos básicos são o aporte hídrico endovenoso e nutricional. A maioria dos abstinentes respondem a esses procedimentos5,10,13.

Tratamento farmacológico

Para aqueles que não respondem aos procedimentos suportivos, o tratamento farmacológico deve ser instituído. O objetivo da farmacoterapia é o controle dos sintomas através de um sedativo com tolerância cruzada com o álcool, aliviando os sintomas e prevenindo complicações. De todos os sedativos disponíveis, os benzodiazepínicos (BZD) são os mais seguros e eficazes. Além disso, têm ação anticonvulsivante e preventiva eficaz para o delirium tremens13,510.

Há diversas opções de BZD e modos de prescrevê-los, de acordo com as ne-cessidades de cada paciente e a experiência do profissional em utiliza-las. BZD de meia-vida longa (diazepam e clordiazepóxido) são os mais indicados, pois protegem o paciente por mais tempo. Naqueles cuja a função hepática encon-tra-se comprometida (hepatopatas e idosos), é preferível utilizar BZD que pas-sam apenas pela conjugação hepática, como o lorazepam (1 - 4 mg a cada 6-8 horas) e o oxazepam (15 - 60 mg a cada 6-8 horas)13,5. Em mulheres grávidas, o fenobarbital é a melhor opção, devido os riscos de malformação cardíaca ofere-cidos pelos BZD13. As equivalências entre as doses dos benzodiazepínicos mais utilizados no tratamento da abstinência estão na Tabela 15.

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O paciente bem instruído, com quadro de abstinência leve ou moderada, sem complicações associadas e possuidor de bom aporte social, pode ser tratado ambulatorialmente10,13: diazepam 10 - 20mg (ou equivalente) a cada 6 horas. Deve haver visitas diárias para avaliação da resposta e da necessidade de au-mentar/diminuir a dose instituída. Após o controle da sintomatologia, retira-se a medicação gradualmente ao longo de uma semana.

quadro 1: Síndrome de Wernicke-Korsakoff

A síndrome de Wernicke-Korsakoff pertence ao grupo dos Transtornos Men-tais Devido a uma Condição Médica Geral e está associada ao déficit de tiamina no organismo. Qualquer patologia alteradora do processo de obtenção de tia-mina pelo organismo (síndrome mal-absorção, anorexia, hiperemese gravítica, obstrução gastrointestinal, alimentação parenteral prolongada, tireotoxicose e hemodiálise) pode desencadea-la, mas o consumo excessivo e prolongado do álcool é a causa principal5,10,13. O álcool inibe a absorção ativa da tiamina no intestino e geralmente há prejuízo na ingestão de alimentos pelos usuários aco-metidos. Estima-se que a síndrome corresponde a 3% do total de distúrbios relacionados com o consumo de álcool.

A tiamina tem papel fundamental na oxidação dos carboidratos e parece de-sempenhar função independente na condução nervosa periférica. A metaboliza-ção da glicose pelas células nervosas depende da tiamina pirofosfato, coenzima da qual a tiamina é precursora. O consumo de glicose pelos neurônios diminui até 60% com a deficiência da tiamina. Os resultado são lesões focais do tálamo, hipotálamo, corpos mamilares e assoalho do quarto ventrículo, degeneração do verme cerebelar e neuropatia periférica. Histologicamente encontram-se células inflamatórias, hemorragias petéquiais e perda neuronal.

A encefalopatia de Wernicke tem início abrupto e manifesta-se através de confusão mental, distúrbios oculomotores e ataxia cerebelar. O sintoma mais comum é a confusão mental (82%), seguida de distúrbios oculares (29%) e ata-xia (23%)5,10,13. Portanto o diagnóstico pode ser estabelecido sem a presença completa da tríade. Os distúrbios oculomotores incluem desde o nistagmo até a paralisia ocular completa. A ataxia pode preceder a confusão mental em dias. É uma das causas metabólicas a serem aventadas em casos de coma a esclarecer. A ausência de resposta clínica clara em 48-72 horas sugere mau prognóstico. A mortalidade é ao redor de 17% e embora a tríade desapareça em torno de um

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Ambulatório

mês após o tratamento, a síndrome amnéstica (Korsakoff) acompanha ou segue-se à encefalopatia de Wernicke em 80 a 85% de todos os casos.

Tratamento

Por se tratar de uma situação emergencial, deve administrar 100mg de tiamina endovenosa até a oftalmoplegia desaparecer. O desaparecimento da ataxia pode levar dias ou semanas. Uma das causas de não-resposta ao tratamento é a hipo-magnesemia; portanto o sulfato de magnésio (1-2ml em solução de 50%) deve ser administrado por via intramuscular concomitantemente10,13.

A síndrome de Korsakoff é classicamente descrita como uma condição crônica na qual ocorre um predomínio de amnésia retrógrada (até vários anos antes do início da doença) e anterógrada. O quadro clínico freqüentemente aparece o cur-so crônico da encefalopatia de Wernicke ou após delirium tremens. Em alguns casos pode progredir de forma insidiosa. A confabulação, considerada o sintoma típico, nem sempre está presente. Podem ocorrer alterações de comportamento sugestivas de lesão no lobo frontal (apatia, inércia, perda de insight). O paciente sente dificuldade em ordenar os eventos e preenche lacunas com falsas lem-branças, ou em parte verdadeiras, mas em seqüências erradas (confabulação)13.

Tratamento

A contrário do que ocorre com a encefalopatia de Wernicke, o quadro clínico da síndrome de Korsakoff não reverte após a reposição de tiamina. O tratamento por vezes requer hospitalização e o diagnóstico diferencial com demência alcóo-lica nem sempre é fácil.

A clonidina (0,3mg 2 vezes ao dia), tem sido associada à melhora discreta da memória recente. Propanolol (20mg/kg/dia) também tem sido utilizado no con-trole dos sintomas agudos. Infelizmente nenhum desses tratamentos parece ser muito eficaz13.

O paciente internado5,10,13 recebe diazepam 20 mg (ou equivalente) a cada hora até atingir-se uma sedação leve. A dose eficaz obtida é então dividida em 3-4 tomadas diárias e retirada gradualmente ao longo de uma semana. A via oral

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é sempre a mais indicada. O diazepam e o clordiazepóxido têm absorção intra-muscular errática. O mesmo não ocorre com o lorazepam, mas o mercado brasi-leiro não dispõe de sua apresentação em ampolas. Quando a via endovenosa é a única possível, deve-se evitar a administração no soro fisiológico ou glicosado, pois a estabilidade dos BZD nessas soluções é pobre. A melhor alternativa é a injeção direta e lenta do diazepam (5mg em 2 minutos), a fim de evitar o risco de parada respiratória.

A sedação branda alivia parcialmente os sintomas e expõe o paciente ao risco de convulsões e delirium tremens. A supersedação aumenta o risco de quedas, diminui o reflexo da tosse e acumula secreção pulmonar e atrasa a reabilitação do paciente. Portanto, devem ser bem mensuradas a fim de evitar os extremos13.

Manutenção da abstinência 21,22

Aspectos farmacológicos

Medicamentos que atenuam o comportamento de beber

Naltrexona

A naltrexona é um antagonista opióide, utilizado classicamente nas intoxica-ções por opiáceos ou nas salas de recuperação anestésica. A ação reforçadora do uso do álcool parece estar relacionada ao estímulo do sistema opióide cerebral. A ação bloqueadora da naltrexona é capaz de reduzir a ação do álcool sobre o sistema opióide, diminuindo o prazer e o desejo de consumir a substância.

A dose diária é única: 50mg. É relativamente segura, tendo como efeitos cola-terais freqüentes náusea, vômito, dor abdominal, cefaléia e letargia, que melho-ram ao longo do uso. Foram relatadas anormalidades hepáticas e trombocitope-nia, em casos raros.

Acamprosato (homotaurinato de cálcio)

O acamprosato é uma droga segura que não interage com o álcool ou o dia-zepam e parece não ter nenhum potencial de criar dependência. O mecanismo

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Ambulatório

de ação é incerto: parece estimular a transmissão inibitória GABA e antagoniza aminoácidos excitatórios, especialmente o glutamato. A dose diária recomen-dada é de 1998mg e 1332mg para um peso corporal acima e abaixo de 60kg respectivamente.

Medicamentos aversivos ao consumo de álcool

Dissulfiram (o “tira-álcool”)

A metabolização hepática do álcool passa por alguns estágios: por ação da enzima álcool desidrogenase, o álcool é convertido em acetaldeído, uma molé-cula tóxica, capaz de produzir um quadro de rubor facial e do tronco superior, taquicardia, cefaléia intensa, náusea, vômito e mal-estar. A enzima aldeído de-sidrogenase, transforma o acetaldeído em acetato, de baixa toxicidade, que é eliminado pela urina.

O dissulfiram atua inibindo a aldeído desidrogenase, fazendo a metabolização do álcool parar no acetaldeído. Os efeitos acima relatados iniciam rapidamente após o consumo de álcool (de 10 a 30 minutos) e duram várias horas. A gravi-dade é muito variável: pode ser tão leve que o paciente ‘segue bebendo’, ou tão grave a ponto de colocar sua vida em risco. Está cont,ra-indicado para pacientes com cardiopatias, hipertensão, disfunção hepática ou renal, doença respiratória, diabete ou epilepsia. Vitamina C intravenosa e anti-histamínicos estão recomen-dados como antídotos. Além da ação inibitória sobre a aldeído desidrogenase, parece aumentar os níveis de dopamina no sistema mesolímbico, reduzindo o desejo de beber.

O objetivo do dissulfiram é proporcionar ao paciente um motivo concreto para não beber. Deve ser prescrito dentro de um ambiente de empatia e parceria entre o terapeuta e o paciente, onde o último sinta que será de fato “uma força a mais” para sua motivação e não um objeto de controle e submissão. Todos os perigos devem ser rigorosamente explicados.

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A dose diária preconizada vai de 100 a 200mg por dia. Efeitos colaterais incluem letargia e fadiga iniciais, vômito, halitose, impotência e dificuldade respiratória essencial. Sinais e sintomas mais raros são: psicose, dermatite alérgica, neurite periférica e dano celular hepático. Interage aumentando o efeito-warfarina, inibe o metabolismo dos antidepressivos tricíclicos, fenitoína e benzodiazepínicos.

O dissulfiram oral supervisionado parece ser eficaz quando incorporado a um programa abrangente, quando utilizado em associação com um plano de ma-nejo das contingências, uma abordagem de reforço comunitário ou no aconse-lhamento.

ABORDAGEM NA SALA DE EMERGÊNCIA

Intoxicação aguda

A intoxicação aguda, de maneira geral, caracteriza-se pela ingesta de uma ou mais substâncias em quantidades suficientes para interferir nos sistemas de su-porte do organismo13. Seus estágios variam de uma embriaguez leve à anes-tesia, coma, depressão respiratória e, raramente, morte. A intoxicação aguda provoca alterações variáveis e idiossincráticas do comportamento e do afeto, tais como excitação e alegria, desponderação, irritabilidade, agressividade, de-pressão e ideação suicida. Cognitivamente ocorrem lentificação do pensamento, prejuízo da concentração, raciocínio, atenção e julgamento. Há maior susceptibi-lidade para acidentes automobilísticos, agressões físicas, suicídios e homicídios e outros acidentes. Alterações psicomotoras incluem fala pastosa, prejuízo no desempenho motor e ataxia5,10,13.

A Tabela 4 apresenta os níveis plasmáticos de álcool (mg%) e as alterações fenomenológicas relacionadas5,10. A velocidade da ingesta, ingestão prévia de alimentos, fatores ambientais e o desenvolvimento de tolerância aos efeitos do álcool interferem nessa relação13. O nível plasmático de álcool legalmente per-mitido para a condução de veículos deve ser inferior a 0,06mg%.

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Ambulatório

Tratamento

A maioria dos casos de intoxicação aguda pelo álcool não leva o indivíduo ao pronto socorro. Costumam chegar para atendimento médico de urgência, into-xicações pronunciadas, com alterações do comportamento (p.e. agitação, qua-dros ansiosos e/ou depressivos, tentativa de suicídio, auto/heteroagressividade, ...), sedação e/ou confusão mental, ou associadas a sinais e sintomas clínicos maiores (p.e. letargia, vômitos, perda da consciência...)5. A intoxicação aguda é passageira (o organismo metaboliza cerca de 0,015mg% de álcool/hora10). Na maioria dos casos é necessário apenas assegurar a interrupção da ingesta de ál-cool pelo indivíduo e proporcionar-lhe um ambiente seguro e livre de estímulos, onde possa passar algumas horas. Diálogos objetivos e esclarecedores, voltados para a realidade, situam e acalmam o indivíduo. Casos extremamente graves podem ser tratados com hemodiálise10.

Um exame físico cuidadoso deve ser feito logo na entrada, a fim de detectar sinais de complicações (p.e. aspiração brônquica, crises hipertensivas, TCEs, ...)

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e sinais de cronicidade ou comorbidades (hepatomegalia, desnutrição, infec-ções,...). Caso seja possível, obtenha a história de uso do álcool e outras drogas (pregressa e atual), patologias crônicas (clínicas e psiquiátricas) e medicamentos em uso e queixas presentes do paciente. Pacientes comatosos requerem aborda-gem de emergência (quadro 2)13.

quadro 2: o paciente comatoso5

Aplicável para intoxicações por qualquer substância

O paciente inconsciente é uma emergência médica e requer uma abordagem especial. Prioridades de suporte à vida devem ser estabelecidas rapidamente, a fim de compensar sua incapacidade de fornecer à equipe de socorro dados objetivos para a formulação do diagnóstico e do plano terapêutico. As intoxica-ções são apenas um dos fatores causais. As condutas iniciam-se mesmo frente à inexistência de um diagnóstico firmado.

Primeiro passo: Sinais vitais e acesso endovenoso • se ausentes, iniciar reanimação cardiorespiratória de imediato.• infusão de soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato em pacientes desidratados/

hipotensosSegundo passo: Vias aéreas livres • retificação da cabeça.• remoção de corpos estranhos da garganta.• ausculta cárdio-respiratória• respiração artificial/intubação orotraqueal se necessário• se a intubação é desnecessária: lateralização o decúbito do doente (afim de

evitar a aspiração de vômitos) e monitorização do padrão respiratório.Terceiro passo: Circulação adequada• aparelho de monitorização cardíaca• parada cardíaca/fibrilação: massagem/desfibriladorQuarto passo: Exame físico rápido• condições da pupila/nistagmo• marcas de agulha na pele• odor do hálito• palpação do fígado• investigação de traumas (observar oto/rinorragia)

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Quinto passo: Exames laboratoriais• testes toxicológicos (10ml de sangue)• hemograma, eletrólitos, metabólitos e glicemia (30 - 40ml de sangue)• gasometria arterialSexto passo: Trato urinário• sodagem com catéter de Foley• testes toxicológicos (50 ml de urina)

Sétimo passo: Infusão endovenosa de antídotos (quando há suspeita)• naloxone [0,4 mg (adultos) e 0,01 mg/kg (crianças) infusão lenta]Repetir uma ou duas vezes a cada 3 minutos se não houver resposta.Melhora da freqüência respiratória = intoxicação opióide.

• flumazenil [0,3 mg em 15 segundos (adultos)]Repetir 0,3 mg 1/1min. até a melhora do nível de consciência (dose máxima:

2mg). Melhora = intoxicação por benzodiazepínicos.

• fisostigmina [1-4mg (adultos) infusão lenta]

Caso haja suspeita de intoxicação por anticolinérgicos (taquicardia, pele/boca secas, rash ...)

Oitavo passo: Exame de ponta de dedo• hipoglicemia: Glicose 50% 50ml EVNono passo: Lavagem gástrica e carvão ativado• intoxicações orais ocorridas há menos de 6 horas (ou até 12 horas no caso

da fenciclidina)• reposição dos líquidos perdidos por via endovenosa

O exame de ponta-de-dedo informa prontamente a glicemia do usuário. Em casos de reposição de glicose, deve receber 1 ampola de tiamina 100mg trinta minutos antes, desde que os níveis glicêmicos não estejam críticos e ameaçado-res à vida do doente. As células nervosas utilizam a tiamina na metabolização da glicose. A ausência dessa pode desencadear a encefalopatia de Wernicke (vide síndrome de Wernicke-Korsakoff)5,10,13. Indivíduos com história nutricional adequada, tendo feito um uso abusivo e isolado, não necessitam de administra-ção prévia de tiamina.

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Algumas substâncias como o naloxone, a zimelidina, o lítio foram testadas com pouco sucesso na tentativa de antagonizar os efeitos físicos e cognitivos da intoxicação pelo álcool. O flumazenil parece agir nos casos de comatose, além de produzir melhora sensível na ataxia e na ansiedade10.

Transtornos amnésico-alcoólicos (blackouts)

Os blackouts10 são episódios transitórios e lacunares de amnésia retrógrada para fatos e comportamentos ocorridos durante graus variados de intoxicação alcoólica. Podem ocorrer em associação com o beber excessivo, em pessoas de-pendentes ou não, embora acredita-se que apareça nas fases tardias da depen-dência. Não há uma explicação causal de consenso. Teorias atuais acreditam que haja uma relação entre a diminuição da serotonina e a desregulação dos neurorreptores excitatórios na gênese dos blackouts.

Intoxicação alcoólica idiossincrática (intoxicação patológica)

A intoxicação patológica é caracterizada por um comportamento destrutivo, impulsivo, desorganizado, sem um foco ou objeto específico, desencadeado pelo uso de pequenas doses de álcool5,10. É normalmente seguida de exaustão e amnésia lacunar para o episódio. Tal diagnóstico é raro e deve ser estabelecido de forma criteriosa13. O álcool pode desencadear comportamentos agressivos, mas na maioria dos casos há concordância com níveis sangüíneos elevados (in-toxicação aguda). Pode haver dificuldade em diferencia-lo de outras patologias como a epilepsia, o delirium tremens, o distúrbio do comportamento após trau-matismo craniano e os quadros dissociativos10.

Quando o diagnóstico é provável deve-se investigar um foco epiléptico (es-pecialmente a epilepsia de lobo temporal), síndromes mentais orgânicas, bem como transtornos de personalidade anti-social e histriônica. A tomografia com-putadorizada (TC) de crânio e o eletroencefalograma (EEG) fazem parte da in-vestigação5,10,13.

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Tratamento

Não há tratamento específico para a intoxicação patológica13. Na fase aguda é necessário abordar o comportamento agressivo do paciente, através de méto-dos sedativos e de contenção mecânica. O haloperidol 5mg IM é utilizado para sedação , podendo repeti-lo em 1 hora se necessário. Todo o paciente deve ser orientado a evitar o uso de álcool ou pelo menos evita-lo quando está cansado, com fome ou sob estresse. Tratamentos específicos devem ser instituídos na vigência de um foco epiléptico ou síndrome mental orgânica.

Síndrome de abstinência do álcool

A síndrome de abstinência do álcool inicia-se num intervalo de horas após a diminuição ou parada do consumo de álcool, secundária à queda de seus níveis plasmáticos5,10,13. O tempo e a intensidade do uso são diretamente proporcio-nais à gravidade do quadro. Tem curso flutuante e autolimitado. A síndrome de abstinência do álcool evolui de maneira ordenada, progressiva e aparente5,10,13: o estágio inicial não-complicado, marcadamente autonômico e disfórico, pode associar-se a episódios convulsivos tônico-clônicos generalizados, evoluir para um quadro confusional (delirium tremens), ou ambos. Sinais e sintomas de abs-tinência podem ser mascarados pelo uso concomitante de medicamentos (p.e. b- bloqueadores). Patologias de base (p.e. HAS) ou complicações concomitantes (p.e. hipoglicemia) são capazes de exacerbar ou provocar quadros confusionais semelhantes13.

Convulsões relacionadas à abstinência alcóolica

Cerca de 10 a 15% de usuários de álcool apresentam crises convulsivas, tipo grande mal durante seus períodos de abstinência10,13. O consumo do álcool diminui o limiar convulsivo, mas deve ser utilizado por longos períodos para desencadea-las (sugere-se pelo menos 5 anos de uso contínuo). Em mais de 90% dos casos, ocorrem entre 7 e 38 horas após a última dose, com pico após 24

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horas. Metade das tomografias de crânio de pacientes acometidos apresentam algum tipo de lesão estrutural e um terço desses pacientes apresentam sinais neurológicos focais ao exame físico. Um terço desses pacientes evoluem para um quadro de delirium tremens. Outras causas de convulsão, tais como hipo-magnesemia, hipoglicemia, alcalose respiratória e aumento do sódio intracelu-lar, traumatismo com hemorragia intracraniana e história prévia de epilepsia ou lesão do SNC estão associadas ao desencadeamento de convulsões alcóolicas e devem ser investigadas.

Tratamento

Seu aparecimento indica que os sintomas de abstinência poderão ser gra-ves10,13. O paciente deve ser internado e o tratamento farmacológico com BZD, instituído. Os BDZ aumentam o limiar convulsivo e protegem o paciente de re-corrências. Prescreve-se também sulfato de magnésio 1g intramuscular a cada 6 horas por 2 dias. Convulsões múltiplas podem ser tratadas com fenitoína 100mg, 3 vezes ao dia. A convulsão no ato do atendimento pode ser interrompida com a administração endovenosa de uma ampola de diazepam 10mg.

Delirium tremens

O delirium tremens caracteriza-se por um quadro confusional agudo, flutuante e autolimitado. Inicia-se cerca de 72 horas após a última dose e dura cerca de 2 a 6 dias5,10,13. Apenas uma pequena parte dos abstinentes evoluem para este estágio. É uma condição de urgência médica, associada a riscos significativos de morbidade e mortalidade, porém, com opções rápidas e eficazes de tratamento.

A sintomatologia habitual, em graus variados de intensidade, caracteriza-se por estado confusional flutuante, com estreitamento do campo vivencial e mar-cado por desorientação temporal e espacial, prejuízo da memória de fixação (fatos recentes), desagregação do pensamento, alucinações e delírios, que se so-mam aos sinais e sintomas de abstinência iniciais (tremor, inquietação/agitação psicomotora, insônia, sudorese, febre leve, taquicardia, excitação autonômica pronunciada,...). O afeto é lábil, marcado por estados ansiedade e temor, poden-do haver depressão, raiva, euforia ou apatia.

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O quadro alucinatório clássico é visual10: insetos e pequenos animais, mas pode haver também formas táteis, com sensação de insetos e animais cami-nhando pelo corpo do paciente e formas auditivas, que vão de ruídos e sons primários a vozes de natureza persecutória. Os pacientes com quadros ilusionais tomam objetos por animais (p.e. o equipo do soro é uma serpente) e identificam pessoas erradamente (falsos reconhecimentos). A reação afetiva à experiência alucinatória é congruente e geralmente marcada por ansiedade intensa (terror) e agitação. Os delírios podem ser sistematizados ou não.

Tratamento

A internação é sempre indicada5,10,13. Os pacientes devem passar pela mes-ma avaliação diagnóstica e receber o mesmo tratamento suportivo descrito para os casos não-complicados. Devem permanecer em um ambiente desprovido de estímulos e iluminado: o quadro piora com freqüência ao entardecer ou em am-bientes pouco iluminados, fenômeno conhecido por sundowning. Em casos de agitação e confusão extremas faz necessária a contenção mecânica, visando a protegê-lo de auto-agressões.

O tratamento medicamentoso segue o mesmo esquema, porém, quando hou-ver predomínio de sintomas alucinatórios, pode-se administrar haloperidol 5mg por via intramuscular. O haloperidol diminui o limiar convulsivo e por isso deve ser utilizado após pelo menos 20mg de diazepam terem sido administradas. Sedativos com ação anticolinérgica (p.e. prometazina) podem desencadear ou piorar os quadros de delirium.

Cocaína

A cocaína é um alcalóide natural, extraído da planta Erythroxylon coca, estimu-lante do SNC e anestésico local. Foi isolada na virada desse século e largamente utilizada pela medicina até o início dos anos 20, quando foi proibida em vários países da Europa e nos Estados Unidos devido à dependência e aos comporta-mentos de abuso que causava. Ressurgiu nos anos 80 e é hoje a droga ilícita mais comumente mencionada nas admissões em prontos socorros.

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Boa parte dos indivíduos faz uso de cocaína associado a depressores do SNC (álcool, benzodiazepínicos, maconha [no contexto brasileiro] e opiáceos)13,, vi-sando a contrabalançar os efeitos simpatomiméticos da droga. Pode haver de-pendência de álcool associada, que produz sinais e sintomas de abstinência e/ou delirium, nos dias que seguem à admissão. A cocaína e o crack, vendidos nas ruas, por sua condição ilícita, não têm controle de qualidade, possuem toda a sorte de adulterantes (tabela 5) e métodos de refino e alcalinização duvidosos, aumentando ainda mais a vulnerabilidade dos usuários.

Pode provocar sinais e sintomas físicos e psíquicos agudos importantes, tanto em usuários crônicos, eventuais ou iniciantes, instabilizar problemas clínicos de base ou ainda gerar complicações clínicas pelo uso prolongado. A intoxicação pela cocaína, devido à alta taxa de prevalência e sua capacidade geradora ou desencadeadora de complicações focais e sistêmicas, deve constar no rol dos diagnósticos diferenciais nas salas de emergência e requer avaliação psiquiátrica e clínica.

Administração e biodisponibilidade

A cocaína pode ser utilizada por qualquer via de administração: oral, intra-nasal, injetável ou pulmonar3,10. A via escolhida interfere na quantidade e na qualidade dos efeitos provocados pela substância. Quando maior e mais rápido o início e a duração dos efeitos, maior a probalidade de dependência e abuso. As particularidades de cada via expõem os usuários a determinados riscos, tais como contaminações pelo compartilhamento de seringas, exacerbação de qua-dros asmáticos, rinites persistentes, dentre outros.

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A administração oral3,18, o hábito de mascar ou tomar chás de folha de coca, é secular e cultural nos países andinos, por suas características reativantes e ano-rexígenas. As folhas têm baixa concentração de cocaína (menos de 2%), com chances remotas de intoxicação. Apenas 20-30% da cocaína ingerida é absorvida pelo organismo, os efeitos iniciam-se cerca de 30 minutos depois e duram cerca de 90 minutos. Pessoas que ingerem a cocaína e/ou crack frente a flagrantes po-liciais ou no caso dos bodypackers, narcotraficantes que ingerem invólucros de cocaína a fim de transporta-la para outras regiões do país ou do globo, devem receber atenção clínica especial visando a prevenir/tratar uma possível overdose.

A via intranasal3,18 ou aspirada tem biodisponibilidade de 30%. Boa parte pó refinado prende-se a mucosa nasal, onde é absorvido pela circulação local. O efeito da cocaína pode ser sentido minutos após a primeira administração, com duração de 30 a 45 minutos.

A cocaína fumada3 era pouco utilizada até o aparecimento do crack (quadro 3). A pasta da cocaína, produto intermediário do refino, é obtida após a masse-ração e tratamento das folhas de coca com ácido sulfúrico, alcali e querosene. É fumada nas regiões produtoras, mas pouco popular em outros países. O refino e obtenção do cloridrato de cocaína se dá a partir da acidificação da pasta, com ácido clorídrico. A cocaína refinada é ácida e por isso pouco volátil e sujeita à de-gradação em altas temperaturas. A pasta e o crack, de natureza básica, têm pon-tos de ebulição mais baixos e podem ser fumados. A fumaça inalada é composta por vapores de cocaína (6,5%) e suas minúsculas partículas (93,5%). Ambos po-dem ter de 20 a 85% de substância ativa, seus efeitos são sentidos em menos de 10 segundos e duram de 5 a 10 minutos. O índice de absorção é variável: 6-32%.

quadro 3: O crack3,18

O crack é obtido a partir da uma mistura de cloridrato de cocaína (pó refinado) com um componente básico (bicarbonato de sódio, amônia,...) e um solvente (éter, acetona,...), em seguida evaporado, restando apenas os cristais. O crack é incolor, inodoro, cristalino e estala quando aquecido (cracking), particularidade que lhe deu o nome. Pode ser fumado em cachimbos improvisados ou mistura-do ao tabaco ou à maconha (freebase).

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Seus efeitos euforizantes rápidos, intensos e de curta duração induzem à de-pendência ou a comportamentos de uso continuado com mais facilidade.

A cocaína injetável3 começa a agir no SNC 30 a 45 segundos após a aplicação. A via elimina a etapa de absorção e o efeito de primeira passagem hepática. Desse modo, o aproveitamento da cocaína é de 100%, sendo necessária uma dose 20% menor da ingerida ou aspirada. O efeito euforizante dura cerca de 20 minutos. A tabela 6 sintetiza o exposto nessa seção.

A ativação dos receptores mu e delta produz sedação e um estado de eu-foria e bem-estar, responsáveis pelo comportamento de busca continuada da substância (reforço). Os receptores capa são capazes de produzir sedação, mas também um quadro disfórico, inibindo a auto-administração quando estimu-lado isoladamente. Os receptores mu suprimem a tose, inibem a peristalse e a diarréia, diminuem o esvaziamento urinário, a freqüência respiratória e cardíaca, são hipotensores, ansiolíticos e indutores de um estado de indiferença física e psíquica à dor.

Os receptores opiáceos possuem antagonistas específicos, naltrexone e nalo-xone, capazes de reverter a analgesia e a sedação produzidas pela substância, bem como desencadear quadros de abstinência em usuários crônicos10.

Os opiáceos são também classificados de acordo com sua afinidade e ativida-de por um ou mais receptores e pela intensidade e duração de sua ação anal-gésica3. Alguns dos mais utilizados estão relacionados na tabela 9. Os agonistas mu, analgésicos fortes e de ação longa são os mais relacionados com o uso abusivo e à dependência.