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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Jane Elisa Otomar Buecke Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista Belém – PA 2019

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

Jane Elisa Otomar Buecke

Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista

Belém – PA 2019

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Jane Elisa Otomar Buecke

Infância e Práticas Educativas na Amazônia Seiscentista

Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará. Área de concentração: Saberes culturais e educação na Amazônia. Orientadora Prof°. Dr. Maria Betânia B. Albuquerque.

BELÉM 2019

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA

Buecke,, Jane Elisa Otomar Infância e práticas educativas na Amazônia seiscentista / Jane Elisa

Otomar Buecke; orientadora Maria Betânia B. Albuquerque, 2019.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019.

1. Educação-História-Amazônia. 2. Infância-História. 3.Amazônia-Infância colonial I. Albuquerque, Maria Betânia B. (orient.). II. Título

CDD. 23º ed. 370.98115

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Jane Elisa Otomar Buecke

Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará. Área de concentração: Saberes culturais e educação na Amazônia

Data da aprovação: ___/___/___

Banca examinadora Orientadora Maria Betânia Barbosa Albuquerque Drª em Educação Universidade do Estado do Pará Examinador Interno Maria do Perpétuo Socorro Avelino Gomes de França Drª em Educação Universidade do Estado do Pará

Examinador Externo Moysés Kuhlmann Jr. Drº em História Social Universidade Católica de Santos Fundação Carlos Chagas

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Ao meu pai Luiz Antônio Otomar (in memoriam)

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus e Pai que conduziu os meus caminhos até aqui e que abre portas e possibilidades, as quais no devido tempo dão o seu fruto.

Ao meu esposo Joel Buecke, companheiro de todas as horas que me deu todo suporte necessário, financeiro, psicológico, além de ler meus trabalhos e assistir minhas apresentações. Sem você nada disso seria possível.

À minha orientadora, Maria Betânia, pelas inúmeras leituras e releituras dos textos escritos e constante disposição para dialogar sobre tantos novos autores e conceitos aprendidos.

À professora Socorro França pelas valiosas e perspicazes contribuições a este trabalho, bem como pela amizade e apoio durante todo o mestrado.

Ao professor Moysés Kuhlmann Jr. por ter gentilmente aceito o convite para participar da minha banca e ter contribuído de forma incisiva para o texto final.

Às agências de pesquisa CAPES e CNPQ, pelo apoio financeiro sem o qual a caminhada seria inviável.

Às colegas “especiais” Catarinne e Gercina com as quais comecei essa jornada em 2016 e estiveram sempre presentes cada uma a seu modo no suporte, na discussão e principalmente nos necessários momentos de relaxamento.

À Thaís, minha irmã de caminhada, pelo constante apoio, trocas de ideias, sugestões, correções e infinitos diálogos acadêmicos.

Ao Márcio Barradas pela ajuda primorosa na elaboração do projeto inicial, sugestão e envio de material e pela constante presença e críticas ao longo da jornada.

Ao Mario Allan pela leitura do projeto inicial e contribuições com indicações e envio de bibliografias.

Ao Francídio pelas inúmeras dicas de leitura e orientações dadas ao trabalho. Aos colegas da Escola Agropalma, na pessoa da diretora Ana Maria pelo apoio

constante, leitura de trabalhos e ser sempre uma importante e ferrenha crítica. Às professora Evicilene e Ena pelas constantes revisões gramaticais desde a

elaboração do projeto. Aos amigos e parceiros do GHEDA com os quais construí uma rede de

relacionamento de extrema importância para o crescimento científico. Aos amigos Levy e Artur pelo apoio, críticas às apresentações dos trabalhos e

constante parceria. Aos colegas da turma treze pela troca de informações, apoio e companheirismo

durante esta jornada. À minha família pela torcida e incentivo em todo o tempo: minha mãe, Judith,

minha sogra Elizabeth, meu mano Isac e minha mana Raquel, meu cunhado Gilcimar e minhas cunhadas, Giselly, Océlia, Vanete e Vanilda.

À todos vocês, o meu mais profundo Obrigada!

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O conhecimento do passado é uma coisa em

progresso, que incessantemente se

transforma e se aperfeiçoa.

(Marc Bloch)

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista

RESUMO

BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista. 2019. 120 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém. 2019. Esta pesquisa, de natureza histórica, apoia-se nos pressupostos da História Cultural, que amplia o conceito de fontes, valoriza a história do cotidiano e visibiliza sujeitos subalternizados. Objetiva analisar as práticas educativas envolvendo as crianças que viveram na Amazônia do século XVII e as relações dessas práticas com os saberes existentes e/ou nelas gerados. Baseia-se em fontes documentais, tais como crônicas e cartas de religiosos que viveram na região naquele período como os capuchinhos Claude D’Abbeville e Yves D’Évreux e os jesuítas João Felipe Bettendorff e Antônio Vieira. Nos documentos foram esmiuçados os relatos envolvendo a vivência dos padres com as crianças e sua visão sobre as relações das crianças índias em suas tribos, capturando-se situações identificadas como práticas educativas conforme o conceito de Cunha & Fonseca (2005). Outros referenciais teóricos que subsidiaram as análises produzidas se baseiam em Ariès (1986), Chartier (1990, 1991, 1999), Brandão (2002, 2007) e Albuquerque (2012). Foi possível perceber o sentimento de infância existente entre os nativos através da análise dos rituais de passagem e da delimitação das fases da vida da criança. Além disso, a valorização da educação das crianças como estratégia de doutrinação e perpetuação dos valores morais da Igreja Católica, demonstrou que entre os religiosos a infância tinha um tratamento peculiar. As fontes consultadas permitiram identificar a observação, a imitação, a repetição, o silêncio e a atenção como principais formas de aprendizagem entre as crianças da Amazônia seiscentista. Aprendizagem linguística, música, dança, conhecimento prático e lúdico foram alguns dos saberes que circulavam nas práticas educativas investigadas. A pesquisa demonstrou também que as crianças foram, sobretudo, mediadoras culturais capazes de catalisar as novas aprendizagens adquiridas nas práticas educativas em que estavam envolvidas, dando-lhes um novo sentido em seu próprio contexto. Palavras-chave: Práticas educativas. Educação colonial. História da Infância.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista

ABSTRACT BUECKE, Jane Elisa Otomar. Childhood, educational practice in the sixteenth century Amazon. 2019. 120 f. Dissertation (Master in Education) - University of the State of Pará, Belém. 2019. This research of a historical nature, is based on the assumptions of Cultural History, which extends the concept of sources, values the history of daily life and visibilizes to subalternized subjects. It aims to analyze educational practices involving children who lived in the seventeenth century in the Amazon and the relationships of these practice with existing and / or generated knowing. It is based on documentary sources such as chronicles and letters of religious who lived in the region in that period as the Capuchins Claude D'Abbeville and Yves D'Évreux and the Jesuits João Felipe Bettendorff and Antônio Vieira. In the documents were collected in reports on the experience of the priests with children and their view on the relations between the indies in their tribes, capturing situations identified as educational practices according to the concept of Cunha & Fonseca (2005). Other theoretical references that support the analyzes produced here are based on Ariès (1986), Chartier (1990, 1991, 1999), Brandão (2002, 2007) and Albuquerque (2012). It was possible to perceive the feeling of childhood existing among the natives through the analysis of the rites of passage and the delimitation of the stages of the child's life. In addition, the valuation of children's education as a strategy of indoctrination and perpetuation of the moral values of the Catholic Church, demonstrated that among the religious, childhood had a peculiar treatment. The documents consulted allowed to identify the observation, imitation, repetition, silence and attention as main forms of learning among the children of the seventeenth century in the Amazon. Linguistic learning, music, dance, practical and playful knowledge were some of the knowings that circulated in educational practices investigated. The research also showed that children were, above all, cultural mediators capable of catalyzing the new learning acquired in the educational practices in which they were involved, giving them a new meaning in their own context. Keywords: Educational practices. Colonial education. Childhood history.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista

Lista de ilustrações

Mapa 1 - Capitanias hereditárias…………………………………………………........... 19

Mapa 2 - Expansão dos jesuítas no Norte do Brasil .................................................. 21

Quadro 1 - Categorias de análise............................ ................................................. 38

Quadro 2 - Graus de idade das crianças Tupinambá .............................................. 51

Quadro 3 - Descrição da crônica de Bettendorff, 1990 ........................................... 79

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista

Sumário

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11

1.1 Motivações e contextualização do estudo ....................................................... 11

1.2 A Amazônia Colonial ....................................................................................... 17

1.3 A produção científica acerca da infância e das práticas educativas na

Amazônia Colonial ................................................................................................. 22

1.4 A infância sob o olhar da História Cultural ....................................................... 28

1.5 Percursos da pesquisa .................................................................................... 31

2 OLHARES SOBRE A INFÂNCIA: DA EUROPA MODERNA À AMAZÔNIA SEISCENTISTA ........................................................................................................ 38

2.1 O sentimento de infância ................................................................................. 38

2.2 A infância no Brasil Colonial ............................................................................ 41

2.3 A criança na Amazônia Colonial ...................................................................... 48

3 PRÁTICAS EDUCATIVAS NA AMAZÔNIA COLONIAL ...................................... 58

3.1 A educação das crianças Tupinambá .............................................................. 59

3.2 Da aldeia aos aldeamentos: novos espaços de aprendizagem ...................... 66

3.3 Práticas educativas no relato de Bettendorff ................................................... 76

4. SABERES DO COTIDIANO NA AMAZÔNIA COLONIAL ................................... 84

4.1 Saberes linguísticos ......................................................................................... 86

4.2 Saberes musicais ............................................................................................ 94

4.3 Danças ............................................................................................................. 99

4.4 Jogos, brincadeiras e saberes práticos ......................................................... 102

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 107

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 110

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1 INTRODUÇÃO 1.1 Motivações e contextualização do estudo

Esta pesquisa se volta para a história da infância na Amazônia

especificamente, para as práticas educativas em que estavam imbricadas as crianças

que viveram na região no século XVII.

O interesse por esse objeto de estudo se iniciou a partir do meu ingresso como

aluna especial na disciplina “Seminários Temáticos de História Cultural e Educação”,

no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará,

no primeiro semestre de 2016, ministrada pela professora Maria Betânia Albuquerque.

Oriunda de uma experiência de quinze anos voltada, exclusivamente, para a

gestão escolar, nesta disciplina deparei-me com autores e discussões inseridos na

História Cultural - um movimento até então totalmente desconhecido para mim. Esse

contato reacendeu uma antiga paixão pelas atividades humanas ocorridas no passado

despertando meu interesse pela pesquisa histórica.

Na História Cultural os fenômenos são estudados considerando seus diferentes

aspectos interseccionados com outras áreas como a antropologia, a sociologia, a

filosofia, entre outras. A estrutura econômica é parte importante na análise de um

fenômeno, mas não o único aspecto a ser considerado, nem o fator determinante. A

vida cotidiana se torna, assim, objeto de estudo (BURKE, 2008).

Nos Seminários Temáticos de História Cultural e Educação, pude conhecer

alguns desses estudos que demonstram como as análises do cotidiano podem ser

relevantes e interessantes para a compreensão da nossa formação cultural. Assim,

obras como O processo civilizador1, cujo tema é a formação de costumes

considerados corriqueiros, e Costumes em comum2 em que são analisados os

costumes como cultura, abriram meus olhos para a possibilidade de realizar algum

estudo dentro desta vertente, focalizando o contexto amazônico.

A História Cultural também revisita temas já estudados, analisando-os sob um

novo ângulo, como é caso dos estudos de Chartier (1999) sobre a história das práticas

1 ELIAS, Norbert. O processo civilizador, volume 1: uma história dos costumes. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. 2 THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 528 p.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 12

de leitura. Ao analisar os diversos modos de ler durante o fim da Idade Média até o

século XVIII, Chartier concluiu que a leitura é, sobretudo, uma prática cultural e as

representações sociais do indivíduo são decisivas para a interpretação do que se lê.

Ao estudar esses e outros autores na referida disciplina, fui instigada a pensar

nas contribuições teóricas da História Cultural para as pesquisas educacionais, em

particular na Amazônia. Compreendi, então, o alargamento do conceito de educação

implícito nessas obras e a possibilidade de estudá-la como prática social vivenciada

para além dos muros da escola e de qualquer organização formal. Essa perspectiva

ampla de educação é confirmada por Brandão (2007, p. 7) ao afirmar que

Ninguém escapa à educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação.

Fonseca (2003) ressalta a influência da História Cultural nas pesquisas em

história da educação brasileira, perceptível pelos novos objetos investigados como é

o caso da história da leitura e dos impressos, das práticas educativas e pedagógicas,

cultura escolar, dentre outros. Entretanto, observa que tais estudos se concentram no

final do século XIX e século XX, apontando a necessidade de ampliação deste círculo

temporal, bem como dos temas de estudo para além do território da escolarização

formal.

Uma das referências da disciplina que demonstrou a possibilidade e pertinência

de pesquisas que considera a educação do cotidiano no Período Colonial, por

exemplo, foi o livro Beberagens indígenas e educação não escolar no Brasil Colonial,

de Maria Betânia Albuquerque. Nele a autora analisa as beberagens praticadas pelos

índios Tupinambá recorrendo a crônicas de viajantes que passaram pelo Brasil, no

referido período, e cartas de missionários validando tais documentos como fontes de

pesquisa.

Fundamentada na História Cultural, Albuquerque (2012) evidencia o caráter

educativo da prática das beberagens, ao demonstrar saberes que circulavam e eram

transmitidos através delas e seu papel como mediadores culturais ao afirmarem

identidades e manterem os valores dos grupos. Em vista disso, o livro é apontado

pela prefaciadora, Thaís Fonseca, como “um estudo pioneiro no tratamento dado às

questões da educação de natureza não escolar numa perspectiva histórica, ainda

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insatisfatoriamente explorada pela historiografia da educação brasileira”

(ALBUQUERQUE, 2012, p. 17).

Albuquerque (2012) também enfatiza a escassez de pesquisas sobre o Período

Colonial e demonstra a possibilidade de utilização de crônicas e relatos de viajantes

como fontes para estudos dentro desse recorte temporal.

Entretanto, a história da educação na Amazônia Colonial era totalmente nova

para mim. Assim, no início de 2016 ingressei no GHEDA – Grupo de Estudos da

História da Educação na Amazônia a fim de me integrar nas discussões desse campo

de estudo e refinar a construção do meu objeto.

Em junho de 2016 ocorreu o VI seminário do GHEDA do qual participei como

organizadora e ouvinte cujo tema foi “Educação na Amazônia: o ofício do historiador”.

Esse evento teve um papel fundamental no delineamento do meu interesse de

pesquisa, pois destacou a necessidade de o historiador ser capaz de captar as

diferenças e conectar as informações com seu contexto, além de ampliar a visão sobre

os diversos materiais que podem ser utilizados como fontes de pesquisa. Na ocasião,

o historiador da educação Luciano Mendes (UFMG), conferencista convidado,

observou que temas cruciais têm sido deixados de lado por questões de prestígio e

recursos e que deveríamos indagar mais sobre o que é relevante socialmente e que

merece ser pesquisado.

Uma das bibliografias estudadas no segundo semestre de 2016 nos encontros

do GHEDA foi A política de Portugal no Valle Amazônico3 de Arthur Cezar Ferreira

Reis. Nessa clássica obra sobre o processo de ocupação da Amazônia pelos

portugueses, o autor descreve o contexto sócio-político do século XVII, os interesses

e estratégias de Portugal para dominar a região bem como relata os processos

envolvendo tais estratégias. Três capítulos do livro me levaram a pensar sobre os

processos educativos ocorrido na Amazônia Colonial; 1. A conquista espiritual: em

que o autor focaliza o papel das ordens religiosas no processo de dominação da

região; 2. O tratamento do gentio: que aborda a relação dos colonos com os povos

autóctones; 3. Despertando a intelligencia: trata das estratégias educativas adotadas

pelo governo português para garantir a posse das novas terras.

Imbuída de uma concepção ampla de educação como “prática social que se

inscreve na tessitura da vida cotidiana”, (ALBUQUERQUE, 2012, p. 27) percebi com

3 Trata-se de uma obra de 1939 que foi reimpressa pela Secretaria de Cultura/PA em 1993 mantendo o português original.

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o estudo da obra de Reis (1993) que, no contexto da Amazônia Colonial, haviam

muitos processos educativos que poderiam e deveriam ser esmiuçados pelos

historiadores da educação.

Ao considerar minha experiência profissional, como gestora escolar de

educação básica, em que pude conviver cotidianamente com crianças, passei a refletir

sobre como seria a vida das crianças que viveram na Amazônia naquele tempo: quem

eram elas? Como era seu cotidiano? O que significava ser criança no século XVII? O

que lhes era ensinado? Como elas aprendiam? Com quem?

Assim, no segundo semestre de 2016, realizei uma busca virtual no site

Google sobre história da infância no Período Colonial amazônico e para minha

surpresa, nada encontrei. Então utilizei outros nomes para a pesquisa como “História

da Infância no Período Colonial” e “História da Infância na Amazônia”. Ainda assim

poucos trabalhos aparecerem. Vasculhei os sites dos Programas de Pós-Graduação

em Educação da UEPA/PA e Universidade Federal do Pará – UFPA/PA e Pós-

Graduação em História da UFPA/PA, e analisei os títulos de todas dissertações e

teses publicadas nos referidos sites e constatei que pouco sabemos sobre a criança

e as práticas educativas ocorridas na Amazônia Colonial. Percebi que se tratava então

de um objeto de pouco “prestígio”, fato que se tornou uma motivação a mais, não

obstante o desafio que se impunha.

Durante essa procura, verifiquei que a história da infância tem sido estudada

na Amazônia, basicamente, pelo grupo de pesquisa Constituição do Sujeito, Cultura

e Educação - ECOS, coordenado por Laura Alves. No artigo “A infância em

construção: as fontes de investigação”, Alves (2014, p. 43) discute as possibilidades

de estudo sobre a história da infância e considera que o tema “[...] ainda não ocupa a

cena numa totalidade histórica que lhe é devida”. Alguns trabalhos destacados pela

autora, consideram a infância como principal objeto de estudos como, por exemplo, a

dissertação de Antônio Valdir Monteiro Duarte ao abordar a infância em Belém de

1900 a 1950 através das memórias dos velhos que foram criança nesse período4.

Outras pesquisas ressaltadas por Alves (2014), estão delimitadas na

contemporaneidade e focalizam a criança como principal sujeito, analisando seus

discursos, representações, sua cultura, entre outros aspectos.

4 DUARTE, Antônio Valdir Monteiro. Memórias (in)visíveis: narrativas de velhos sobre suas infâncias em Belém do Pará (1900-1950). 2008. 135 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Pará, Belém, 2008.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 15

Ao voltar meu interesse para a história da infância e levantar os estudos

existentes sobre o assunto destacou-se o francês Philippe Ariès (1986), considerado

um dos pioneiros nessa matéria. Suas pesquisas enfatizaram a mudança da

concepção de infância ao longo da história, demonstrando o papel da escolarização

iniciada na Idade Moderna e a emergência da vida privada como fatores propulsores

dessa modificação.

Para Ariès (1986), no século XVI a criança começa a receber uma atenção

antes não obtida da família. Os pequenos tornam-se o encanto da casa e são alvo de

mimos e gentilezas dos adultos. Passam, assim, a obter um lugar que antes não lhes

era comum.

A escolarização iniciada no século XVII também teve um papel decisivo na

formação do conceito de infância, quando os religiosos, tanto do movimento da

Reforma protestante quanto da Contrarreforma católica, perceberam que a educação

dos pequenos seria muito mais eficaz para a formação de valores morais e

doutrinação do que a educação dos adultos. Conforme o autor,

É entre os moralistas e os educadores do século XVII que vemos formar-se esse outro sentimento da infância [...] que inspirou toda a educação até o século XX, tanto na cidade como no campo, na burguesia como no povo. O apego à infância e à sua particularidade não se exprimia mais através da distração e da brincadeira, mas através do interesse psicológico e da preocupação moral (ARIÈS, 1986, p. 151).

No Brasil, Gilberto Freyre em sua obra Casa Grande e Senzala (2006) analisa

as relações com as crianças no Período Colonial. Por isso, seu trabalho tem sido

utilizado como fonte para a construção da história da infância brasileira. De acordo

com Monteiro (2005, p. 16):

Gilberto Freyre retrata a estrutura social da Colônia, concebendo-a enquanto um sistema patriarcal, onde havia a preponderância dos interesses de família, ou melhor, dos chefes de família sobre os demais. Afirma que, neste tipo de sociedade, havia uma grande distância social entre o menino e o homem ou, usando as expressões portuguesas de época, entre os “párvulos” e os “adultos”, separação tão grande entre tais fases da vida do homem quanto a que havia entre a classe dominante e a servil.

Freyre (2006) explora as práticas culturais e educacionais dos vários povos que

conviviam na Colônia e influenciaram a educação das crianças em todo o país. No

artigo História, educação e práticas culturais da infância na obra de Gilberto Freyre,

Alves e Guimarães (2014), analisam o protagonismo da criança nas narrativas do

autor e salientam cinco categorias em suas obras: mortalidade e abandono de

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 16

crianças; práticas culturais e os cuidados com as crianças; superstições na proteção

da criança; rituais nos funerais e sepultamento de crianças; castigos corporais e

disciplinamento da criança. As autoras consideram que há uma “história da infância

impregnada no pensamento de Gilberto Freyre” (ALVES e GUIMARAES, 2014, p. 61).

Para Monteiro (2005) o pioneirismo na história da infância no Brasil se deve a

Gilberto Freyre que no seu livro Sobrados e Mucambos, de 1936, dedicou um capítulo

à análise das relações entre pai e filho na sociedade brasileira, remontando ao

Período Colonial. Monteiro (2005) explica que embora não mencione a intenção de

escrever uma história da criança, Gilberto Freyre identifica em seus estudos

ambientados na Colônia, a existência de duas infâncias bem delimitadas: uma até os

sete anos e outra dos sete aos 12 anos.

Em 1991, Mary Del Priore organizou e publicou um trabalho dedicado

totalmente à historiografia da infância intitulado “História das crianças no Brasil”. O

livro reúne artigos de historiadores, sociólogos, antropólogos e outros especialistas

que abordam recortes da história da infância brasileira em épocas e contextos

diferentes. Sua intenção foi dar voz a milhares de crianças anônimas e silenciadas no

Brasil. Ao demonstrar que o papel da criança como sujeito histórico foi negligenciado,

a autora aponta a necessidade de ampliar a investigação sobre o tema.

Entretanto, é importante ressaltar que não é simples a utilização de um marco

historiográfico no que se refere à história da criança no Brasil, pois a história da

assistência à infância e da família já vinha sendo estudada, ainda que de maneira

esparsa e esta não deixa de ser uma história da infância. Neste sentido, destaca-se a

obra Histórico de proteção à Infância no Brasil (1500-1922)5 de Arthur Moncorvo Filho,

divulgada em 1922, embora o livro não trate das mentalidades em relação ao

fenômeno da infância como o de Ariès (1986) (KUHLMANN JR, 1998).

Conforme explicitado por Duarte e Alves (2014, p. 53), “O pensamento

pedagógico voltado à infância no Brasil tem como marco inicial o advento da

República, pois se pensava em construir o homem novo para uma nova nação,

pautado nos preceitos do liberalismo”. Talvez, por isso, as pesquisas históricas sobre

a infância se concentrem no período Republicano. No levantamento realizado em

2002, Ramos (2002, et al), constata que 76,1% da produção historiográfica sobre a

infância encontrada nos acervos das bibliotecas da Universidade de São Paulo/SP e

5 MONCORVO FILHO, Arthur. História da proteção à infância no Brasil: 1500-1922. 2.ed. Rio de Janeiro: Emp. Graphica, 1926.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 17

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, se situa a partir do início da

República. Apenas 15,4% dos trabalhos encontrados estão delimitados no Período

Colonial.

Reiterando a importância das pesquisas sobre a infância em outros períodos

históricos, Monteiro (2005, p. 22) atesta que

[...] se a História da criança tem ganhado destaque nos últimos anos, é ainda muito presa aos temas da História contemporânea. Poucos pesquisadores têm se debruçado na pesquisa do cotidiano da vida da criança na Colônia como objeto central de sua análise.

Nesse sentido, a fim de contribuir epistemologicamente com o campo científico

da história da educação, delimitei como objeto de estudo, a infância e as práticas

educativas no Período Colonial amazônico. Pelo interesse em conhecer o panorama

social nas origens da colonização na Amazônia, concentrei a pesquisa no século XVII

buscando visualizar as práticas cotidianas e até mesmo corriqueiras em que o saber

era transmitido e circulado.

Desse modo, esta pesquisa investiga como ocorriam as práticas educativas no

cotidiano das crianças que viviam na Amazônia no século XVII. Mais precisamente

procuro saber:

- Como era a infância na Amazônia Colonial?

- Em que práticas educativas as crianças amazônicas do século XVII estavam

inseridas?

- Que saberes circulavam nessas práticas?

Em consonância com tais questões o objetivo principal desta dissertação é

analisar as práticas educativas presentes no cotidiano das crianças da Amazônia no

século XVII. Os objetivos específicos são:

- Investigar as representações da infância presentes na Amazônia Colonial.

- Descrever as práticas educativas vivenciadas no cotidiano social das crianças

amazônicas do século XVII.

- Mapear os saberes circulados nessas práticas.

1.2 A Amazônia Colonial

Para contextualizar essa pesquisa cabe esclarecer que o termo “Amazônia”

não era utilizado no século XVII e compreendia uma vasta região que se estendia da

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 18

Serra de Ibiapaba, atual estado do Ceará até o atual estado do Amazonas. Essa

região foi denominada inicialmente de Estado do Maranhão (1621), depois Estado do

Maranhão e Grão-Pará (1654) e posteriormente Estado do Grão-Pará e Maranhão

(1751). Tais nomenclaturas nesse trabalho se referem, portanto, à região conhecida

hoje como Amazônia. Após a invasão das terras brasileiras em 1500, Portugal foi aos poucos se

estabelecendo em todo o território. Uma das estratégias para isso foi a divisão da

nova colônia em capitanias6, o que ocorreu em 1534. A região do Maranhão foi

dividida em duas capitanias e doada a quatro donatários7 (OLIVEIRA, 2011). Estes

donatários organizaram uma expedição a fim de tomar essas terras até então

desconhecidas. Enfrentando tormentas e naufrágios que levaram à perda de uma

embarcação, chegaram à ilha conhecida hoje como São Luís, mas que naquele

momento recebeu o nome de povoado de Nazaré. Todavia, a maior motivação dessa

expedição era encontrar ouro e prata o que não ocorreu, contribuindo para o

abandono da região, conforme explicitado por Oliveira (2011):

Depois desses insucessos e das trágicas perdas [...], o território da costa Leste-Oeste permaneceu isolado, restando alguns poucos colonos resistentes, espalhados pela costa e de cujo fim não se tem informações exatas. A única certeza que restou foi de que a navegação pela costa Leste-Oeste não facilitava a viagem na direção da Bahia ou Pernambuco para a foz do grande rio e que, da capitania de Pernambuco para o Maranhão a viagem marítima terminaria em naufrágio (OLIVEIRA, 2011, p. 6).

Como registrado por esta autora, um dos entraves para a conquista do norte

do Brasil, a partir do território pernambucano, era o acesso, visto que a navegação

era muito arriscada. Por terra as dificuldades eram ainda maiores pois para ir do

Pernambuco ao Maranhão era necessário atravessar a serra de Ibiapaba

instransponível naquela ocasião. Além disso, os aventureiros tinham que lidar com os

constantes ataques indígenas. Oliveira (2011) destaca que a navegação do Maranhão

ao Pará era ainda mais difícil, o que tornava a região Amazônica um grande desafio

para os colonizadores.

6 Território recebido por doação do rei e administrado pelo capitão donatário. 7 Súdito da coroa portuguesa que se responsabilizava por determinado lote de terra da colônia com o objetivo de povoar, explorar e exercer a soberania em nome do monarca.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 19

Ao visualizar a divisão das capitanias hereditárias no mapa abaixo, fica nítido

como o Maranhão se tratava da última e mais remota porção de terras portuguesas

em solo americano. Mapa 1 – Capitanias hereditárias

Fonte: CAMPOS (2014)

Outro obstáculo para o estabelecimento de Portugal no norte brasileiro foi a

constante invasão de povos estrangeiros como ingleses, franceses e holandeses que

instauraram feitorias8 na região a fim de comercializar as especiarias encontradas.

Aproveitando-se da desocupação, os franceses decidiram criar uma colônia na

região, a qual deram o nome de França Equinocial. Embora já mantivessem relações

comerciais com os índios Tupinambá, a ideia era dominar o local e, por isso, em 1612

enviaram uma missão colonizadora, que incluía padres capuchinhos, para catequisar

os nativos e os civilizarem à moda francesa.

Sentindo, então, o perigo e o risco de perder as novas terras, o governador

geral do Brasil, Gaspar de Souza, incumbiu Jerônimo de Albuquerque a mobilizar

8 Entrepostos comerciais que eram os centros de negociações das matérias-primas exploradas.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 20

pessoal suficientemente capaz de expulsar os franceses instalados em São Luís. Em

junho, de 1614, após arregimentar muitos soldados, em sua maioria índios, foi

declarada a guerra contras os franceses alojados em terras maranhenses.

Esses conflitos, perduraram até o final de 1615 quando então os portugueses

conseguiram expulsar definitivamente os franceses do Maranhão. Com eles, deixaram

a região os padres capuchinhos Claude D’Abbeville e Yves D’Évreux que faziam parte

da missão catequizadora no território tomado pelos franceses. Na sequência, o

governador-geral destacou Francisco Caldeira Castelo Branco, um dos participantes

na guerra maranhense para expulsar os franceses também do Pará, o que ocorreu,

no início de 1616. Com o auxílio dos Tupinambá, as tropas de Castelo Branco

construíram um forte onde os caminhos fluviais permitiam o acesso dos estrangeiros

à colônia denominada, inicialmente, de Feliz Lusitânia. O orago do local foi definido

como Nossa Senhora de Belém, originando, assim, a atual capital paraense (CRUZ,

1973).

Obtendo sucesso nessa primeira empreitada, algumas medidas administrativas

se fizeram necessárias para que Portugal garantisse a colonização deste território.

Por isso, em 1621 foi criado o Estado do Maranhão, uma unidade administrativa

independente do governo geral do Brasil constituído por parte do Ceará, Piauí, Pará,

Macapá e Amazonas. Contudo, somente em 1626 o primeiro governador conseguiu

tomar posse, pois a expulsão dos demais estrangeiros que habitavam a região

(holandeses e ingleses) ainda tomou algum tempo e esforço dos novos colonizadores.

Portugal passou a ter, então, duas colônias na América, o Estado do Brasil e o Estado

do Maranhão cada uma se reportando diretamente ao rei português (REIS, 1993).

O contexto de ocupação da região amazônica no início do século XVII contou

ainda com um momento específico da história de Portugal em que o país estava

subjugado à Espanha devido à União Ibérica (1580-1640). Após a morte de D.

Sebastião, rei de Portugal, em 1578, sem deixar herdeiros, o rei Felipe II da Espanha

reclamou o direito ao trono devido ao seu parentesco com D. Sebastião

estabelecendo, para isso, um cerco à Lisboa o que culminou com a união dos dois

reinos (ABBATE, 2016). Com isso, o Tratado de Tordesilhas perdeu o seu efeito, visto

que todo o território da América do Sul estava sob o domínio de um mesmo país e os

portugueses se sentiram à vontade para avançar cada vez mais pelas terras

amazônidas. Ao final da União Ibérica, já haviam se espalhado para muito além da

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linha imaginária se estabelecendo no Cabo Norte (Macapá) e no Rio Negro, por

exemplo.

O mapa elaborado por Serafim Leite, em 1943, demonstra a grande extensão

do território chamado de Estado do Maranhão e Grão-Pará. Os jesuítas contribuíram

de maneira efetiva para essa expansão ao se instalar em diferentes porções dessa

região e se relacionar com várias etnias cujos nomes e localização podem ser

identificados no mapa. Através das missões jesuíticas, os portugueses já estavam

presentes em quase todo o território amazônico no século XVIII.

Mapa 2 – Expansão dos jesuítas no Norte do Brasil

Fonte: LEITE (1943)

É perceptível no mapa que os aldeamentos se localizavam essencialmente às

margens dos rios dando origem às populações ribeirinha (Arenz, 2012). Entre os rios

Xingu e Araguaia, por exemplo, estavam pelo menos seis grupos distintos –

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Tupinambás, Catingas, Aruaquis, Nambiquaras, Jaguaris, Tocaiuras entre outros. O

mapa revela a multiplicidade de etnias indígenas existentes na região

Vale ressaltar que o estabelecimento da União Ibérica possibilitou, segundo

Cardoso (2012, p. 43), uma maior “circulação de ideais, modelos culturais,

mercadorias e indivíduos” entre o Estado do Maranhão e o Estado do Brasil. Isso

porque houve um incentivo para que famílias do Estado do Brasil e dos Açores se

mudassem para o Estado do Maranhão visando sua ocupação, possibilitando maior

integração entre as duas colônias portuguesas. Segundo Abbate (2016, p. 40)

A história da ocupação europeia do extremo norte do Brasil é uma história de contradições, encontros, choques, estranhamentos, conquistas, encobrimentos, mestiçagens. Todas essas palavras são necessárias e, ainda assim, insuficientes para definir a tomada do lugar que se define por excelência em superlativo, em construções hiperbólicas: o rio Máximo, o rio das mulheres Guerreiras.

A capital do Estado do Maranhão foi estabelecida em São Luís, mas mesmo

durante os primeiros anos da colônia, muitos governadores optaram por morar em

Belém. Em função da disputa de poder entre as duas capitanias o governo português

criou em 25 de agosto de 1654 o Estado do Maranhão e Grão-Pará. A rivalidade dos

colonos de São Luís e Belém permaneceu durante todo o século XVII e em 1751 foi

criado o Estado do Grão-Pará e Maranhão transferindo-se a capital desta colônia

definitivamente para Belém (CRUZ, 1973).

Nesse sentido, o termo “Amazônia Colonial”, nesta pesquisa, se refere a este

vasto território geopolítico. As fontes investigadas abordam a infância e as práticas

educativas compreendendo as diversas localidades que o compunham.

1.3 A produção científica acerca da infância e das práticas educativas na Amazônia Colonial

A fim de obter um panorama mais abrangente sobre as pesquisas referentes à

infância e às práticas educativas na Amazônia Colonial, percorri os bancos de teses

e dissertações dos Programas de Pós-graduação em Educação da UEPA/PA e

UFPA/PA, verificando o título de todos os trabalhos publicados, averiguando os que

abordassem infância e/ou práticas educativas na Amazônia Colonial. Constatei que

apenas três trabalhos estavam situados ou abordavam, ainda que parcialmente, a

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educação no Período Colonial. Tais trabalhos contribuíram com informações e

bibliografias para esta dissertação, e por isso são aqui mencionados.

No programa de pós-graduação em educação da Universidade Federal do Pará

(UFPA) destaco a dissertação Ação pedagógico-formativa da companhia de Jesus em

Belém (1652-1759) de Elisangela Costa, defendida em 2016. A autora focaliza a

sistematização do trabalho jesuítico como educadores em Belém, porém não traz a

criança como sujeito. A própria autora reforça em sua conclusão a necessidade de

mais estudos nesse período histórico, pois, considera que há uma lacuna na

historiografia educacional da Amazônia no que tange ao Período Colonial que precisa

ser preenchida. A dissertação foi publicada em 2017 pela editora CRV e se configurou

como uma importante fonte bibliográfica para esta pesquisa.

Já no programa de Pós-Graduação em Educação da UEPA encontrei dois

trabalhos abordando o Período Colonial. Um deles foi a dissertação Educação colonial

na Amazônia: a pedagogia dos jesuítas e a invenção do Sairé, de João Aluízio

Piranhas Dias, defendida em 2014. O autor faz um histórico do trabalho dos jesuítas

para explicar a origem da festa do Sairé realizada na localidade de Alter do Chão,

Santarém-PA e sua configuração como prática cultural, educativa e religiosa

resultante do processo de conversão dos indígenas ao cristianismo. Entretanto, seu

objetivo foi analisar os processos educativos inerentes à festa do Sairé na

contemporaneidade, não focalizando processos educativos ocorridos no Período

Colonial.

O segundo trabalho foi a dissertação O que não mata, engorda: cultura

alimentar, mediadores culturais e educação na Amazônia Colonial de Francídio

Monteiro Abbate, defendida no ano de 2016. A pesquisa analisa as trocas culturais

envolvendo a questão alimentar, entendida como processo educativo ressaltando que

os hábitos alimentares encontrados na Amazônia no século XVIII demonstram uma

mestiçagem cultural entre brancos, negros e índios. O autor destaca o papel da mulher

índia como principal educadora e transmissora dos conhecimentos e segredos da

cozinha nativa. Era a cunhã quem repassava, primeiro às suas filhas e depois aos

estrangeiros, os saberes necessários para o domínio da cozinha amazônica em que

apenas conhecer a diferença entre o que era comestível, ou não, significava

sobreviver ou morrer na floresta. Para o autor, a relação alimentar estabelecida entre

nativos e europeus aponta, de um lado, a resistência dos índios em abrir mão dos

seus saberes uma vez que as marcas da cozinha amazônica do século XVIII ainda

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estão presentes nos hábitos alimentares no Norte do Brasil. Por outro lado, revela a

dependência dos adventícios em relação aos nativos, já que não era possível manter

na Amazônia os mesmos hábitos alimentares que tinham em suas terras de origens

pois as condições naturais da região e os costumes locais produziam alimentos

totalmente desconhecidos por eles.

Ancorado na História Cultural, Abbate (2016) considera a prática alimentar

como prática educativa que permite a circulação de saberes, privilegiando os

processos cotidianos como importantes mediadores culturais (GRUZINSKI, 2003). Ao

fazer tal consideração, o pensamento de Abbate (2016) ampliou minha visão para as

possibilidades de troca de saberes em que as crianças que viveram na Amazônia

Colonial poderiam estar inseridas. Além disso, ao apontar a circularidade cultural

mediada pelas práticas alimentares, me permitiu perceber que as relações de

aprendizagem em que as crianças estavam envolvidas poderiam também propiciar tal

circularidade.

No sentido de ampliar o horizonte desta pesquisa, fiz uma investigação no

Banco de dissertações e teses da Capes, utilizando os seguintes descritores:

* Infância/Criança e práticas educativas na Amazônia Colonial

* Infância/Criança na Amazônia Colonial

* Práticas educativas na Amazônia Colonial

* Infância/Criança e práticas educativas no Período Colonial

* Práticas educativas no Período Colonial

* Infância/Criança no Período Colonial

Na falta de resultados, especifiquei ainda mais o descritor de pesquisa

utilizando o termo “Período Colonial” e, com este, encontrei 1106 resultados, dos quais

apenas 66, estavam inseridos na aérea de Educação. Destes, apenas um versava

sobre práticas educativas das ordens religiosas em Sergipe9.

Percebe-se, então, que não constava no referido banco de dados, no momento

da realização da pesquisa, nenhuma dissertação ou tese voltada para a infância e/ou

as práticas educativas na Amazônia Colonial e o único trabalho versando sobre pelo

9 MITTARAQUIS, Léo Antonio Perrucho. As ordens religiosas e as práticas educativas em Sergipe del Rey: uma ausência pedagógica. São Cristóvão, 2010. 103f. Dissertação (Mestrado em Educação). Fundação Universidade Federal de Sergipe. Biblioteca DeOpositária: BICEN. Disponível em: <http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/4677>. Acesso em 22. Out. 2016.

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menos um desses temas focaliza uma instituição religiosa, não havendo nenhum

trabalho voltado para as práticas de sociabilidades cotidianas no Brasil Colonial.

Pesquisei, por fim, no site Google Acadêmico ((https://scholar.google.com.br)

um sistema do Google que oferece ferramentas específicas para que pesquisadores

busquem e encontrem literatura acadêmica, artigos científicos, teses de mestrado ou

doutorado, livros, resumos, bibliotecas de pré-publicações e material produzido por

organizações profissionais e acadêmicas. Utilizei as mesmas nomenclaturas

anteriormente mencionadas. Devido ao excesso de resultados, uma vez que o site

não utiliza filtros pelo título, mas apresenta qualquer trabalho em que pelo menos um

dos termos apareça, limitei-me a visitar até a quinta página em cada resultado,

totalizando 50 títulos analisados por descritor. Nessa busca encontrei os seguintes

artigos tratando da educação no Período Colonial Amazônico: Os jesuítas e o ensino

na Amazônia Colonial (CHAMBOULEYRON, 2007); Educação dos índios na

Amazônia do século XVII (COELHO, 2008); As razões de Estado e seus fracassos no

Período Colonial: memória da educação no Pará (RODRIGUES, 2011); Os índios e a

educação no Mundo Colonial: fronteira oeste da América portuguesa (PESOVENTO,

2015).

Como é possível observar, são parcas as pesquisas voltadas para a educação

na Amazônia Colonial. Mesmo ao ampliar a revisão das pesquisas sobre educação

no Período Colonial para todo território brasileiro, os resultados foram pulverizados,

destacando-se os autores Amarílio Ferreira Jr. e Marisa Bittar com três artigos

abordando a Colônia: Educação jesuítica e crianças negras no Brasil Colonial

(FERREIRA JR. e BITTAR, 1999); Infância, catequese e aculturação no Brasil do

século XV (BITTAR E FERREIRA JR,, 2000) e O estado da arte em história da

educação colonial (BITTAR e FERREIRA JR., 2010).

Na falta de trabalhos acerca da história da educação amazônica nos programas

de pós-graduação em educação, investiguei o Programa de Pós-graduação em

História da UFPA/PA no qual sobressaíram Rafael Chambouleyron e Karl Arenz como

estudiosos da Amazônia Colonial com artigos publicados sobre a educação nesse

período. Além do já citado artigo de Chambouleyron que aparece na busca do Google

Acadêmico, encontrei ainda: Quem doutrine e ensine os filhos daqueles moradores: a

Companhia de Jesus, seus colégios e o ensino na Amazônia Colonial

(CHAMBOULEYRON, ARENZ E NEVES NETO, 2011); Além das doutrinas e rotinas:

índios e missionários nos aldeamentos jesuíticos da Amazônia portuguesa (ARENZ,

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2014); Sem educação não há missão: a introdução da formação jesuítica no Maranhão

e Grão-Pará (Século XVII) (ARENZ, 2016b).

Uma das bibliografias utilizadas por estes autores que merece destaque é a

tese Educação na Amazônia Colonial: contribuição à história da educação brasileira

de Garcilenil do Lago Silva, defendida na Pontifícia Universidade Católica-RJ em

1976. A pesquisa, orientada por Arthur Cesar Reis, é sem dúvida um trabalho pioneiro

publicado em 1985, mas que, na atualidade, não conta com nenhuma edição. No

entanto a tese encontra-se disponível na biblioteca do Instituto de Ciências da

Educação-ICED-UFPA. Nela, a autora apresenta um panorama geral da educação na

Amazônia no Período Colonial a partir da seguinte estruturação:

- Período do regimento das missões (1616-1757), em que a educação estaria

ao encargo das ordens religiosas;

- Período do regimento do diretório dos índios (1757-1798), quando a educação

passa a ter um caráter laico.

- Período do regimento provisional (1798-1808), correspondente à primeira

tentativa de sistematização do ensino na região.

A partir do levantamento bibliográfico realizado foi possível constatar a

existência de poucos trabalhos abrangendo a educação no Período Colonial

amazônico os quais estão mais concentrados na área de história do que na de

educação e se voltam, exclusivamente, para a educação institucional,

desconsiderando outras dimensões da educação.

Essa constatação demonstrou, por um lado, que os estudos no âmbito da

educação no Período Colonial se inserem em um campo ainda a ser desbravado pelos

pesquisadores, visto que tais processos educativos precisam ser desvelados. Por

outro lado, essa escassez levou-me a refletir sobre a relevância do tema e as razões

de seu pouco prestígio no campo da história da educação brasileira.

No artigo O estado da arte em história da educação colonial, Bittar e Ferreira

Jr. (2010) analisam a produção científica referente ao Período Colonial apresentada

nos Congressos Brasileiros de História da Educação - CBHE, estabelecendo o

Período Jesuítico (1549-1759) como limite temporal. De acordo com o levantamento

dos autores, nos três primeiros Congressos da Sociedade Brasileira de História da

Educação – SBHE, realizados em 2000, 2002 e 2004 apenas 21 dos 968 trabalhos

apresentados, ou seja, cerca de 2,0% do total abordavam o Período Colonial.

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Com o intuito de atualizar tais dados, investiguei no site da SBHE

(http://www.sbhe.org.br/anais-cbhe), os temas presentes nos congressos realizados

após 2004 situados no Período Colonial. Verifiquei os títulos de todos os trabalhos

apresentados em todos os eixos e constatei que dos 3637 trabalhos apresentados

nos eventos realizados em 2006, 2008, 2011, 2013 e 2015, apenas 33 tinham como

recorte histórico expresso em seu título, a Colônia, não chegando nem a 1% do total

de trabalhos.

Bittar e Ferreira (2010) analisaram ainda a presença da educação colonial nos

encontros anuais da Associação Nacional dos Pesquisadores em Educação –

ANPED. De 2000 a 2004 foram apresentados 60 trabalhos no grupo de História da

Educação sendo apenas um no Período Colonial. Informam ainda que nos manuais

clássicos de história da educação como História da Educação no Brasil, de Otaiza

Romanelli (1986) e História da Educação Brasileira: leituras, de Maria Lucia Spedo

Hilsdorf (2003), a educação na Colônia é tratada com menos ênfase e de maneira

mais aligeirada, focalizando, fundamentalmente, o Período Republicano.

Outro dado importante foi obtido no artigo Contribuições para o estado da arte

das pesquisas em educação no Período Colonial, de Silva, Bittar e Hayashi (2007).

Nesse texto, as autoras fazem um levantamento com base no currículo lattes de

pesquisadores cujo interesse se volta para o Período Colonial. Para tanto, realizaram

uma busca por assunto na plataforma lattes com a frase “educação colonial”

assinalando como área de atuação profissional a educação. Constataram a existência

de apenas 23 pesquisadores que trabalham com a história da educação colonial

brasileira. Ao atualizar essa investigação considerando a mesma metodologia, obtive

como resultado 66 pesquisadores cujo termo “educação colonial” aparece descrito

como área de interesse em seu currículo lattes.

Nos últimos dez anos triplicou o número de pesquisadores na área educacional

interessados pela história colonial. Entretanto, este aumento ainda é tímido

considerando que, de acordo com a Plataforma Lattes, existem 4037 pesquisadores

brasileiros cuja especialidade profissional é a história da educação.

Segundo Bittar e Ferreira (2010), o pouco interesse pela história da educação

colonial se dá pela falsa impressão de que não há nada mais a acrescentar no que se

refere à educação realizada naquele período. Para além das análises dos que, de um

lado, consideram o trabalho dos jesuítas como essencial à educação brasileira e, de

outro, os que consideram sua ação como totalmente prejudicial, há uma gama de

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 28

interpretações que precisam ser consideradas e revisitadas a fim de desmitificar o

papel da Companhia de Jesus na educação colonial e enriquecer tal discussão com

outros olhares.

O conhecimento aprofundado da ação pedagógica dos jesuítas é considerado,

pelos autores como a porta de entrada para entender a educação colonial. Nesta

dissertação, ressalto a importância de incluir conhecimentos acerca dos processos

cotidianos de educação os quais, tal como a ação escolar, também contribuíram para

socializar meninos e meninas no cotidiano da vida colonial.

A História Cultural possibilita que os temas do cotidiano se tornem objeto de

estudo, configurando-se como campo fértil para analisar esses processos. Por isso,

seus pressupostos teóricos se tornaram fundamentais para a condução dessa

pesquisa.

1.4 A infância sob o olhar da História Cultural

O movimento dos Annales, iniciado na França em 1929, persuadiu os

historiadores a voltaram-se para a história do cotidiano social rompendo com a visão

de história política preponderante até então. Na terceira geração, a partir da década

de 70, vários temas da vida cotidiana como a morte, a religião, a sexualidade, hábitos

alimentares, entre outros, se tornaram objeto de investigação. Nas palavras de Peter

Burke (2011, p. 11) “a nova história começou a se interessar por vitualmente toda a

atividade humana”.

Segundo o autor, “a base filosófica da nova história é a ideia de que a realidade

é social ou culturalmente constituída” (BURKE, 2011, p. 12). Isto quer dizer que ela

não é previamente determinada pelas estruturas econômicas e sociais, mas que as

pessoas a constroem em suas relações sociais, através de táticas de resistência e/ou

sobrevivência engendradas no cotidiano (CERTEAU, 2014). Nesta concepção, não é

mais possível “distinguir o que é central ou periférico na história” (BURKE, 2011, p.

12). Assim, a vida cotidiana, tida como irrelevante até então, passa a ser foco de

interesse e, até mesmo os indícios tornam-se imprescindíveis para a compreensão da

realidade de cada momento.

Nesse sentido, as práticas educativas ocorridas no cotidiano da Amazônia

Colonial configuram-se como objeto de investigação, e as crianças, antes

invisibilizadas pela história, adquirem o status de sujeitos de pesquisa.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 29

Ao refletir sobre as dificuldades para a realização de pesquisas no Período

Colonial, Silva (2006) ressalta que muitas vezes o mau estado de conservação dos

documentos limita as possibilidades da pesquisa. Nesse sentido, o olhar da História

Cultural é fértil ao propor a ampliação do conceito de fontes para todo e qualquer

documento – escrito, pintado, fotografado, oficial ou não, que ajude a compreender as

mentalidades e estudar as formas de viver do ser humano.

Essa nova concepção, permite considerar as crônicas escritas por religiosos

que estiveram na Amazônia Colonial, como fontes de pesquisa, uma vez que dão

visibilidade, ainda que de forma sutil, ao cotidiano dos moradores da Amazônia do

século XVII, no qual é possível reconhecer situações de aprendizagem em que as

crianças estavam envolvidas, configurando-se tais práticas como educativas.

Assim, as práticas educativas, compreendem toda relação em que ocorre

transmissão e circulação de saberes de qualquer espécie não se restringindo apenas

ao sistema escolar onde predomina, em geral, os conhecimentos científicos (CUNHA

e FONSECA, 2005). Para além do saber científico, esta dissertação buscou adentrar

nos saberes culturais não alicerçados, exclusivamente, na formação escolar mas no

cotidiano social. Focalizo, portanto, os saberes circulados nas diversas situações

pedagógicas em que as crianças mencionadas estavam envolvidas. Conforme

proposto por Kuhlmann Jr. (1998, p. 11) “A ideia é encontrar a educação no estudo

das relações sociais, no estudo da história”.

Em perspectiva semelhante, a educação é apontada por Fonseca (2003, p. 54)

“como uma dimensão importante da conformação cultural de uma sociedade e como

um dos indicadores das diferentes relações nela estabelecidas”. Daí a importância de

o estudo das práticas educativas do cotidiano considerarem os conflitos culturais e

sociais presentes no contexto analisado. Para a autora, tais conflitos

podem estar nas pequenas estratégias cotidianas, nas diversas apropriações de valores, saberes, poderes. Por isso, torna-se importante a referência às noções de representação e apropriação, por permitirem a visualização de práticas culturais presentes na sociedade brasileira e suas diferentes formas de manifestação (FONSECA, 2003, p. 63).

Ao falar de representação e apropriação a autora remete às teorias de Roger

Chartier (1990) que se voltam para as práticas e representações considerando estas

como construções sociais e históricas, essenciais para a compreensão da própria

história.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 30

Para Chartier (1990), as formas de ver e entender o mundo, isto é, as

representações, são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as

formam e por isso os discursos devem ser entendidos a partir de quem os profere

(CHARTIER, 1990). Ao definir algumas formas de relacionamento com o mundo social

o autor considera que a realidade é construída de forma contraditória pelos diversos

grupos sociais que a compõem através de múltiplas configurações intelectuais. Tal

entendimento é fundamental neste trabalho uma vez que o contexto analisado é

composto por múltiplos grupos com diferentes cosmovisões. Assim, ao investigar as

práticas educativas em que as crianças na Amazônia Colonial estavam envolvidas

não é possível perder de vista as representações dos sujeitos envolvidos nessas

práticas, bem como o modo como os adultos compreendiam a infância.

Outra forma de relacionamento com o mundo social proposta por Chartier

(1990) ocorre através das práticas de um determinado grupo que visam demarcar sua

identidade. Seus rituais e costumes, suas atividades cotidianas levam à construção

de suas representações, daí a relevância de estudar suas práticas. Nessa direção,

entendo que nenhuma prática educativa está solta no mundo e a análise do contexto

na qual está inserida, é fundamental para compreendê-la. Ao recusar uma história

“global”, Chartier (1990) valoriza as singularidades, uma vez que, indivíduos e grupos

dão sentido ao mundo que os cercam por meio das representações que constroem da

realidade.

Ainda segundo Chartier (1990) a maneira como os membros de um grupo

representam sua existência em sua comunidade também é uma forma de

relacionamento do sujeito com o mundo social. Assim, as formas de as crianças

amazônicas do século XVII agirem e estarem no mundo, extraídas das crônicas e

cartas jesuíticas, são fundamentais para compreender o papel destas crianças em sua

comunidade e a relevância delas como transmissora dos saberes do grupo social.

Os saberes são, portanto, construções coletivas e envolvem a relação do

sujeito consigo mesmo e com o outro (CHARLOT, 2013). Circunscrevem-se dentro de

uma ordem cultural que precisa ser desvelada para se compreender a sua construção.

Podem ser definidos como

uma forma singular de inteligibilidade do real, fincada na cultura, com raízes na urdidura das relações com os outros, com a qual, determinados grupos reinventam criativamente o cotidiano, negociam, criam táticas de

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 31

sobrevivência, transmitem seus saberes e perpetuam seus valores e tradições (ALBUQUERQUE E SOUSA, 2016, p. 239).

1.5 Percursos da pesquisa

Esta pesquisa se caracteriza, do ponto de vista metodológico, como de

natureza histórica, baseada em fontes documentais e bibliográficas e busca

compreender os processos educativos cotidianos envolvendo crianças na Amazônia

colonial.

Le Goff (2013) considera como documento tudo que permite recortar e estudar

uma parte do passado, observando, contudo, que

o documento não é inócuo. É antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante os quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio (LE GOFF, 2013, p. 498).

Corroborando essa visão, França e Rodrigues (2010) afirmam que a pesquisa

documental utiliza-se de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico

ou aos quais podemos fazer novas perguntas ensejando novos objetivos. Ao se

debruçar sobre a leitura de um documento histórico, é necessário considerar sua

forma material, o seu conteúdo, os objetivos de quem o produziu e o seu contexto

histórico.

A pesquisa bibliográfica é aquela que se baseia em estudos disponíveis sobre

o objeto em questão (SEVERINO, 2007) e se aplica a pesquisas exploratórias e

descritivas como esta em que “o objeto de estudo proposto é pouco estudado,

tornando difícil a formulação de hipóteses precisas e operacionalizáveis” (LIMA e

MIOTO, 2007, p. 40).

Conforme Lima e Mioto (2007), a pesquisa bibliográfica não pode ser feita de

forma aleatória. O pesquisador precisa definir critérios coerentes com seus objetivos,

mantendo sempre um “alto grau de vigilância epistemológica” (LIMA e MIOTO, 2007,

p. 44). Os critérios devem ser claros e bem definidos sendo, entretanto, flexíveis a fim

de permitir alterações necessárias durante o percurso. Delimitei como critério para o

levantamento de fontes nesta pesquisa, documentos em que fosse possível

vislumbrar práticas educativas cotidianas envolvendo crianças que viviam na

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 32

Amazônia Colonial. Nesse quesito, as crônicas e/ou relatos de viagem se tornaram

meu principal interesse.

Assim, no final de maio de 2016, visitei a 20ª Feira Pan-Amazônica do Livro,

ocorrida em Belém, com o intuito de buscar publicações que estivessem dentro desse

critério. Foi meu primeiro contato com a Crônica dos padres da Companhia de Jesus

no Estado do Maranhão, do padre jesuíta João Felipe Bettendorff, cuja bibliografia já

havia me chamado atenção no livro “Beberagens Indígenas e educação não escolar

no Brasil Colonial”. Decidi, então, iniciar por ela os estudos. Essa obra se tornou

indispensável nesta pesquisa, pois, seu texto aborda as ações dos inacianos na região

Amazônica desde a primeira tentativa de instalação da missão em 1607 (segundo ele,

antes mesmo que os franceses descobrissem e povoassem a Ilha do Maranhão) até

1698, ano da sua morte. Ao constatar que a crônica de Bettendorff abrangia um longo

período, referente aos primórdios da colonização na Amazônia, demarquei o século

XVII como recorte temporal, não me furtando a transitar nos séculos anterior e

posterior quando necessário, para a compreensão do texto e/ou do objeto em estudo.

Os escritos de Bettendorff (1990) descrevem as relações conflituosas com os

governos do Estado10 do Maranhão, que ora atendiam os interesses dos colonos, ora

os dos jesuítas ocasionando a expulsão desses últimos, duas vezes, durante o século

XVII (1661 e 1684). Além disso, a Crônica mostra o modo de vida dos habitantes das

diferentes regiões da Amazônia onde os inacianos atuavam. De acordo com Azevedo

(1999, p. 64), na segunda metade de século XVII as missões jesuíticas eram

compostas de “onze aldeias de índios mansos no Maranhão e Gurupi; seis nas

vizinhanças do Pará, sete no Tocantins, vinte e oito no Amazonas”.

Em dezembro de 2016 estive no Arquivo Público do Pará para investigar as

fontes disponíveis sobre o período colonial Amazônico a fim de subsidiar minhas

buscas. Encontrei apenas dois códices referentes a esse período, cujos manuscritos

se encontravam digitalizados, sendo o acesso a eles por meio eletrônico por se

tratarem de documentos já fragilizados pelo tempo.

Os códices 001 e 00211 me foram entregues em CD, o que me permitiu

examinar todos os manuscritos constantes no acervo. Os documentos se referiam à

10 A palavra “Estado” quando utilizada com inicial maiúscula nessa dissertação, se refere à unidade política e jurídica com governo próprio criada por Portugal para administrar suas colônias na América do Sul; quando utilizada com inicial minúscula, “estado” se refere à divisão político-administrativa do Brasil. 11 ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ, códices 001 e 002.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 33

questões de ordem econômica e política da região, como Mapa das Famílias

Existentes (1787), Regimento das Topas de Resgate (1738), Instrução sobre a Cultura

do Tabaco (1742) entre outros, não corroborando, portanto, para a elucidação do

problema de pesquisa proposto. Ademais, não havia nenhum documento referente ao

século XVII, por isso não se configuraram como referências nessa dissertação.

Recorri, então às referências bibliográficas de artigos e livros da área de

história que vessassem sobre o período e espaço delimitado. Nesse sentido,

despontou a História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e suas

circumvisinhanças, escrita pelo padre capuchinho Claude D’Abbeville (1874) no início

do século XVII. A ela se somou a Continuação da história das coisas mais memoráveis

acontecidas no Maranhão nos anos 1613 e 1614 (2007) do também capuchinho Yves

D’Évreux, escrita no mesmo período.

Tais obras relatam o contato, a convivência e as impressões desses padres

sobre os nativos. Nesses escritos, as crianças amazônidas são mencionadas como

protagonistas em algumas situações que chamaram a atenção dos padres e,

consequentemente, também a minha, tornando sua leitura imprescindível nesta

pesquisa.

Os padres capuchinhos Claude D’Abbeville e Ives D’Évreux faziam parte da

missão organizada por Daniel de La Touche que intentou implantar uma colônia

francesa na região norte do Brasil – A França Equinocial (1612-1615). O texto de

Abbeville foi produzido nos quatro meses em que permaneceu no Maranhão e

publicado com sucesso na França em 1614. Em 1874 teve sua primeira tradução para

o português, realizada por Cesar Augusto Marques, no Maranhão (ABBEVILLE,

1874).

Já o padre Évreux permaneceu dois anos na região liderando a missão e

escreveu o que ele mesmo chamou de Continuação da história das coisas mais

memoráveis acontecidas no Maranhão nos anos 1613 e 1614 por considerar seu texto

capaz de acrescentar o que Abbeville deixara de fora. De acordo com Ferdinand Denis

na introdução da crônica, Évreux era “amigo reconcentrado do estudo, e mais ainda

da humanidade, pronto a acudir onde o chamava seu zelo” (ÉVREUX, 2007, p. XXIX).

Isso explica sua disposição como missionário no novo mundo e sua descrição

detalhada do que observou entre os Tupinambá.

Todavia, ao contrário do seu companheiro, não teve a oportunidade de ver sua

Crônica publicada (ÉVREUX, 2007). A primeira publicação foi confiscada porquanto

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 34

não interessava à França, naquele momento, criar atritos com a Espanha que era a

dona “legal” das colônias portuguesas devido à União Ibérica. Isto porque o futuro rei

da França já havia acertado casamento com a princesa espanhola da Áustria.

Entretanto, graças às divergências internas e, especificamente, ao interesse do

almirante François de Razzili na colonização do Maranhão, algumas cópias da obra

foram resgatadas antes de ser destruída. Uma delas foi presenteada ao rei Luís XIII

ficando esquecida em sua biblioteca pessoal. Esse exemplar, conservado na

Biblioteca Imperial, foi encontrado pelo historiador Ferdinand Denis e publicado em

português, em 1874 (ÉVREUX, 2007).

A investigação sobre as práticas educativas das crianças, se apoiou, também,

nas cartas jesuíticas muito frequentes entre os padres desta ordem até sua expulsão

do Brasil em 1759 (LONDOÑO, 2002). As cartas eram instrumentos importantes, para

a manutenção e fortalecimento do vínculo entre os membros da Companhia de Jesus

e tinham o papel de fazer circular toda e qualquer informação vinda das localidades

em que estavam instalados. Por isso, trazem relatos pormenorizados da vida na

Colônia e da atuação dos jesuítas que contribuem para a compreensão do cotidiano

social. De acordo com Pereira (2007), os jesuítas informavam nas cartas, dentre

várias outras coisas, suas estratégias para educar as crianças que eram um dos

principais focos da evangelização cristã.

Bittar e Ferreira (2010) reiteram que as cartas jesuíticas continuam sendo

importantes fontes de pesquisa para a história da educação brasileira nos primeiros

séculos da colonização pois revelam o quadro cultural em que ela ocorria. Além disso,

esses documentos “não foram suficientemente pesquisados, exigem compreensão e

merecem uma visão de conjunto (BITTAR e FERREIRA, 2010, p. 19).

Nesse sentido, foram consultadas as cartas do padre Antônio Vieira disponíveis

na coleção Cartas organizadas pelo historiador João Lúcio de Azevedo e publicadas

pela Editora Globo, em 2008. A coleção é composta de 3 volumes totalizando 729

epístolas. A primeira edição desta obra ocorreu entre 1925-1928 lançada pelo próprio

João Lúcio de Azevedo (VIEIRA, 2008). Foram selecionados os documentos

referentes ao período que Vieira esteve no Estado do Maranhão e Grão-Pará como

responsável pela missão jesuítica. Também foi possível consultar duas cartas do

Padre Bettendorff traduzidas e publicadas por Arenz (2009, 2013).

Outro documento relevante nessa pesquisa foi o regulamento das aldeias

elaborado por Antônio Vieira entre 1658 e 1661, conhecido como a Visita. O texto foi

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 35

fruto da visitação realizada nos aldeamentos da Amazônia no período mencionado,

quando Vieira fora superior da missão. A fim de normatizar o cotidiano dos

aldeamentos, o padre enumerou 50 itens a serem observados pelos religiosos na

convivência com os indígenas e entre esses itens destacou também a educação dos

curumins, motivo pelo qual, o documento foi empregado nessa pesquisa. O

regulamento foi publicado por Serafim Leite (1943) no III Tomo de sua obra.

Após a seleção da fontes, realizei a leitura e o fichamento dos textos extraindo

informações sobre as relações cotidianas em que havia troca de saberes e as

descrições encontradas em que são mencionados os meninos e meninas a fim de

compreender que práticas eram essas nas quais as crianças estavam, de algum

modo, envolvidas. O esforço da pesquisa se direcionou no intuito de minimizar

a carência de trabalhos que percorram os relatos dos missionários religiosos e viajantes e suas anotações sobre os hábitos das populações autóctones e de suas relações com os adventícios europeus, em busca de práticas de sociabilidade ou indícios de processos educativos de caráter não escolar, bem como as trocas culturais entre diferentes civilizações (ABBATE, 2016, p. 28).

Contudo, ao perquirir outros tipos de fontes para responder novos

questionamentos e buscar nelas indícios de processos educativos no cotidiano

deparei-me com problemas suscitados por estes documentos tais como, a dificuldade

de “retratar o socialmente invisível”, ou acontecimentos específicos (BURKE, 2011, p.

25). Por isso, foi necessário considerar na análise das informações obtidas o

etnocentrismo das fontes, que carregam consigo a visão cultural dos seus autores.

Não se pode perder de vista o fato de que as fontes utilizadas nesta dissertação,

referentes ao século XVII na Amazônia, foram produzidas por religiosos e europeus,

que registraram suas interpretações particulares da história. Todavia, ainda assim,

vale o esforço de buscar extrair dos seus relatos, ainda que parcialmente, a visão dos

autóctones.

Nesse sentido, Montero (2006) ressalta ser imprescindível considerar tais

documentos a partir do seu contexto de produção, especificando o lugar dos seus

atores e as contradições existentes. Trata-se de evitar o “risco de utilizar as

informações como dados objetivos, esquecendo os determinantes culturais que

constituem os "filtros" através dos quais os europeus percebiam os índios”

(MONTERO, 2006, p. 12). Daí a necessidade de conhecer o contexto histórico,

cultural e narrativo em que as fontes foram produzidas. Assim, ao analisar os dados

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 36

levantados foi primordial focalizar as relações sociais constituídas entre índios e

missionários e os códigos culturais que se articularam nessas relações. Além disso, o

cruzamento das informações levantadas com outras fontes, contribuiu para uma

melhor compreensão do contexto histórico estudado.

Bittar e Ferreira (2010) destacam como maior problema das pesquisas no

Período Colonial a falta de capacidade dos pesquisadores de relacionar o particular

com o geral, vinculando o objeto de estudo ao contexto histórico em que se insere.

Para minimizar esse problema, recorri ao historiador Carlo Ginzburg (2006) que em

sua obra O queijo e os vermes, demonstrou a possibilidade de através da micro-

história, explicar o pensamento de uma determinada época e realidade.

A micro-história desponta como forma de abordagem do passado atenta às

minúcias e detalhes ligando o micro (as práticas educativas e o cotidiano da infância

na Amazônia do século XVII) com o macro (o contexto amazônico do século XVII e o

sentimento de infância vigente no período). Trata-se assim, de uma etnografia do

passado em que o pesquisador se debruça sobre as fontes documentais examinando

as sutilezas e interpretando os sentidos das relações estabelecidas a fim de responder

suas indagações. Nesse sentido, a micro-história se complementa com o paradigma

indiciário (GINZBURG, 1989), no qual a observação e análise das minúcias e detalhes

é necessária para tecer explicações dos eventos que não são possíveis captar

integralmente, como é o caso das práticas educativas envolvendo as crianças na

Amazônia seiscentista.

Ancorada em Ginzburg (2002) adotei a perspectiva problematizadora dos

discursos encontrados nos textos, buscando à medida do possível, compreender

como essas fontes foram produzidas, ler em suas nas entrelinhas, cotejar as

informações encontradas e manter uma visão sistêmica.

Numa pesquisa de cunho qualitativo como essa, a interpretação e análise dos

dados ocorre continuamente, mas precisa ser evidenciada em algum momento. Isso

pode ser feito através da categorização dos dados coletados. Optei por utilizar

categorias temáticas conceituadas como “elementos do fato ou situação em estudo,

que são classificados e reunidos em eixos ou unidades temáticas a partir e com os

dados coletados” (OLIVEIRA e MOTA NETO, 2011, p. 164). Nesse sentido, foram

definidas as seguintes categorias de análise:

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 37

Quadro 1 - Categorias de análise

Fonte: Elaborada pela autora

Essas categorias de análise, embora imbricadas durante todo o trabalho, foram

focalizadas em capítulos distintos ficando assim estruturada essa dissertação: 1 Introdução, em que apresento as motivações, justificativa, objetivos,

relevância da pesquisa, o referencial teórico que a embasa, e a metodologia utilizada.

2 Olhares sobre a infância: da Europa moderna à Amazônia Seiscentista, onde discuto os conceitos históricos de infância e criança à luz dos dados obtidos na

pesquisa a fim de compreender as representações sobre a infância no contexto

brasileiro e amazônico do século XVII.

3 Práticas educativas na Amazônia Colonial, onde descrevo as situações

em que houve circulação e troca de saberes envolvendo as crianças nas relações

estabelecidas entre elas mesmas, com seus pais ou com os religiosos. Tais situações

são por mim entendidas como a educação ocorrida no cotidiano.

4 Saberes do cotidiano na Amazônia Colonial, em que apresento um

mapeamento dos saberes que perpassavam as práticas educativas investigadas, e

descrevo aqueles que se destacaram nas fontes selecionadas por permearem a

vivência das crianças.

5 Considerações finais, exponho as principais inferências obtidas ao longo da

pesquisa, e reforço a necessidade de aprofundamento na história da infância na

Amazônia Colonial, apontando ainda, outras perspectivas de pesquisa sobre

educação.

Infância

SaberesPráticas educativas

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 38

2 OLHARES SOBRE A INFÂNCIA: DA EUROPA MODERNA À AMAZÔNIA SEISCENTISTA

O objetivo deste capítulo é discutir as ideias formuladas sobre a infância pelos

estudiosos à luz das informações encontradas nas fontes utilizadas nesta pesquisa –

crônicas, cartas jesuíticas, e a Visita (regulamento das aldeias elaborado por Vieira) -

a fim de compreender as representações sobre a infância no contexto da Amazônia

Colonial.

No primeiro item, analiso o surgimento do sentimento de infância, momento em

que a criança é identificada nas suas especificidades em contraposição com o mundo

adulto, no contexto europeu e suas implicações no contexto brasileiro. Isso porque, “a

falta de produções na área da historiografia nacional sobre a temática, dentre outros

fatores, contribui para que grande parte dos estudos ainda sejam feitos alicerçados

nas referências internacionais” (PEREIRA, 2007, p. 25).

Em seguida, discuto a infância no contexto do Brasil Colonial buscando

compreender como a criança era vista nesse período. Por fim, analiso a infância no

contexto amazônico do século XVII demonstrando suas especificidades, sobretudo,

da criança Tupinambá por terem sido as que mais se sobressaíram nas fontes

pesquisadas.

2.1 O sentimento de infância

O historiador francês Philippe Ariès evidenciou a criança na história como um

ser de natureza particular, a partir de estudos de longa duração em que considerou

como fontes: diários, testamentos, túmulos e pinturas com os quais estabeleceu um

quadro de mudanças lentas que começaram a colocar a criança em evidência no

século XVII. Seu livro L’enfant Et La Vie Familiale sous I’ Ancien Regime, lançado em

1960, inaugurou um período de buscas e reflexões sobre o que ele chamou de

formação do sentimento de infância e é considerado “admirável pelo uso da evidência

iconográfica e pela preocupação com a cultura material (notadamente roupas e

brinquedos) enquanto expressões de mudanças nas atitudes dos adultos para com

as crianças” (BURKE, 1997, p. 2). Ao proclamar que a ideia de infância como

concebemos hoje não existia na Idade Média, e que foi criada na França moderna,

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 39

Ariès instigou os historiadores a investigarem acerca da construção da concepção de

infância ao longo da história e nos diversos contextos existentes.

As teses de Ariès consistem em considerar a escolarização, emergente no

século XVI, e a privatização da vida familiar, como principais fatores para que a criança

pudesse ser percebida de maneira diferente do adulto. Inicialmente, vista apenas

como um bibelô, ela foi comparada mesmo a um bichinho de estimação e,

posteriormente, como um ser que precisava de tratamento específico como a

moralização, por exemplo, para garantir que a futura sociedade fosse civilizada.

Postman (2012) considera que a ideia de criança como um ser que requer

formas específicas de criação foi uma invenção da Renascença. Segundo ele, “no

mundo medieval não havia nenhuma concepção de desenvolvimento infantil,

nenhuma concepção de pré-requisitos de aprendizagem sequencial, nenhuma

concepção de escolarização como preparação para o mundo adulto” (POSTMAN,

2012, p. 29).

Os conceitos de alfabetização, educação e vergonha estão na base de

formação da ideia de infância e a inexistência deles acarretou o desaparecimento da

criança na Idade Média. A capacidade de leitura e escrita recobradas no início do

século XVI foi, então, um dos fatores responsáveis pelo ressurgimento da infância

moderna. A leitura seria um divisor entre a criança, incapaz de adentrar no mundo

adulto sem a capacidade de ler, e o adulto que domina os segredos de sua cultura por

causa da leitura (POSTMAN, 2012).

Gélis (2009) aponta outro aspecto incisivo sobre esse “desaparecimento” da

infância na Idade Média. Trata-se do papel coletivo que a criança exercia no seu meio

familiar/social. Para ele, todas as aprendizagens em que as crianças estavam

envolvidas, visavam sua preparação para o mundo em que vivia, e o desenvolvimento

de suas habilidades a fim de garantir a continuidade da família. Ele aponta que até o

século XIV, a criança tinha papel de transmissora cultural dos valores do seu grupo

familiar e social e, por isso, era um ser da coletividade e até o seu corpo era “um pouco

‘os outros’, os da grande família dos vivos e dos ancestrais mortos” (GÉLIS, 2009, p.

306). O valor da criança não estava na sua individualidade e a perda de um filho

poderia ser resolvida com a substituição por outro filho que garantiria a linhagem

familiar.

Para Gélis (2009), a formação das cidades, no contexto da Renascença,

contribuiu para uma mudança nessa configuração visto que ao se perder a relação

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 40

direta com a vida no campo e se estabelecer um espaço mais íntimo, perdeu-se

também o sentido da coletividade e a visão anterior da infância. Ele considera, ainda,

que embora a evolução do sentimento de infância não seja linear, no início do século

XVII, na França, já se percebe um “novo sentimento de infância” através do discurso

literário e médico. O interesse e a indiferença pela criança, ou seja, o sentimento de

infância sempre coexistiriam nas sociedades e em todos os períodos históricos,

sobressaindo-se um ou outro por motivos nem sempre claros (GÉLIS, 2009).

Boto (2002) chama atenção para a mudança do papel social da criança na

Renascença quando nela os adultos passam a projetar a nova e dinâmica concepção

de homem. A partir de então, começa-se a desenhar novas formas de se lidar com a

criança, convertida em matéria de interesse de intelectuais humanistas que buscam

uma pedagogia capaz de moldá-la conforme a nova moral vigente. Para a autora,

Refletir sobre a criança requer pensar modos de educar que historicamente estão correlatos ao trajeto da existência infantil. O século XVII será no campo intelectual, um tempo assinalado bela busca da racionalização quanto a valores e referências mas sobretudo quanto ao modos de apreensão do mundo (BOTO, 2002, p. 33).

No Brasil, coube aos estudiosos da infância o desafio de compreendê-la se

balizando, inicialmente, pelos estudos de Ariès, ambientado na França moderna, um

contexto bem diverso do realidade brasileira. Entre esses autores destacam-se Mary

Del Priore (1991) e Kuhlmann Jr. (1998) que apontaram as fragilidades de assentar

os estudos sobre a infância brasileira em teóricos europeus como Ariès e defendem

a necessidade de compreender a formação do sentimento de infância em seu próprio

contexto. As características próprias da formação brasileira baseadas em mais de três

séculos de colonização, as diferenças regionais e culturais que se formaram sob a

influência dos povos nativos, de negros trazidos para cá forçosamente, e imigrantes

de várias partes do mundo forjaram um modo peculiar de compreender a infância, de

se relacionar com as crianças, de definir o papel e a forma como ela deveria ser

tratada.

Há um certo consenso entre esses autores de que a concepção de infância é,

sobretudo, uma construção histórica e sociocultural e, por isso, não é possível

estabelecer uma única infância. Também corrobora essa visão, William Corsaro

(2011, p. 97) ao apontar os estudos históricos como fundamentais para que “as

crianças pudessem ser vistas como contribuintes ativas na produção e na mudança

social enquanto criam, simultaneamente, suas próprias culturas infantis”.

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Nesse sentido, é possível inferir que a infância entendida como “uma abstração

que se refere à determinada etapa da vida” (HEYWOOD, 2004, p. 22) sempre existiu.

Todavia, há diferentes conceitos de infância conforme o tempo e espaço em que se

situam. Em vista disso, é necessário se debruçar na cultura em que as crianças estão

imersas, e não compreendê-las somente como produtos dela, mas, também como

produtoras e transmissoras de sua própria cultura.

2.2 A infância no Brasil Colonial

Ao retratar a estrutura social da Colônia, Gilberto Freyre fez uma robusta

etnografia em que focalizou, sobretudo, a vida cotidiana intrincada nas estruturas

sociais do Brasil naquele período. Nessa análise, não deixou de fora a infância e, por

isso, pode ser considerado o pioneiro no estudo social sobre a criança no Brasil.

Freyre (2004) evidencia a preponderância da família e do sistema patriarcal em que a

distância entre crianças e adultos era demarcada pela supremacia destes últimos,

cabendo aos meninos almejar a vida adulta para se livrar da vergonha da meninice.

A criança teve, para Freyre (2006, p. 198), papel decisivo no contato entre as

culturas indígena e europeia “quer como veículo civilizador do missionário católico

junto ao gentio quer como condutor por onde preciosa parte de cultura aborígene

escorreu das tabas para as missões e daí para a vida em geral, da gente

colonizadora”. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, encontraram populações

nativas que já viviam nessas terras há séculos e tinham seu modo próprio de vida e

organização social. No projeto colonizador europeu o papel da criança foi fundamental

e, por isso, a noção de infância dos conquistadores se chocou com a dos índios.

A concepção de infância vigente no Brasil Colonial foi pautada, basicamente,

pela interpretação católica do que significava ser criança. Para os religiosos, baseados

no seu entendimento da Bíblia, a criança era símbolo do pecado e perpetuação do

mal devendo ser tratada com rigor a fim de ser moralizada e santificada. Em Portugal,

“o castigo fazia parte da estratégia de coação da maioria dos educadores”

(FERREIRA, 2014, p. 72). Temia-se que os mimos advindos da individualização da

criança formassem homens moles e fracos (GÉLIS, 2009). Para os religiosos e

moralistas que detinham a educação dos pequenos à época,

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a criança é percebida pelo que lhe falta, pelas carências que apenas a maturação da idade e da educação poderiam suprir. Frágil na constituição física, na conduta pública e na moralidade, a criança é um ser que deverá ser regulado, adestrado, normalizado para o convívio social, (BOTO, 2002, p. 17).

Segundo a análise de Freyre (2004, p. 178), até os seis anos de idade, a

criança brasileira era adorada e mimada, considerada ingênua. Esse tratamento se

assemelhava ao que ocorria na França onde “até o meio do século XVII, tendia-se a

considerar como término da primeira infância a idade de 5-6 anos, quando o menino

deixava sua mãe, sua ama ou suas criadas” (ARIÈS, 1986, 176). Até então, a criança

era considerada fraca e incapaz de aprender qualquer coisa.

Ao chegar à chamada idade teológica da razão (seis, sete anos), a criança

passa a ser vista como um “menino-diabo” (FREYRE, 2004, p. 178) e precisava ser

domesticada. Na faixa etária dos 6 aos 12 anos a criança era considerada imunda e,

por conseguinte, deveria guardar distância dos adultos, não lhes dirigir a palavra, e

até mesmo nas brincadeiras ser comedida. Era o momento propício para ser educada

e isso deveria ser feito com rigor, para os quais os padres estavam capacitados.

Todavia, a disciplina da criança cabia à qualquer adulto – parentes, amigos chegados

ou professores. E isso, geralmente, era feito com castigo físico a fim de extirpar a

malícia e preguiça que lhes eram típicas chegando-se algumas vezes ao

espancamento e até mesmo à morte das crianças (FREYRE, 2004). O castigo

corporal se tornou nesse momento a forma peculiar de se relacionar com a criança

pois aos mestres caberia a responsabilidade de moralizá-la e “não podiam ser

abandonadas sem perigo, a uma liberdade sem limites hierárquicos” (ARIÈS, 1986,

179).

A diferenciação entre a criança e o adulto era fundamentada na fraqueza das

crianças, que, por isso, eram tratadas como as camadas mais inferiores da sociedade.

Nessa concepção, elas só aprenderiam através da disciplina comumente utilizada

entre os séculos XIV e XVI (ARIÈS, 1986).

Del Priore (2015) ressalta que no Período Colonial brasileiro a infância era

considerada apenas um período de transição e de formação do futuro homem, motivo

pelo qual, as crianças também eram chamadas de ingênuas. Nesse contexto,

o saber só era relevante ou interessante na medida em que servia à ordem teológico-filosófica legitimadora dos poderes vigentes. Estava-se num tempo em que convencer era mais importante do que esclarecer, daí a aposta no caráter ideológico e autoritário da educação. O que se tornava imperioso era

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inculcar ideias e promover sentimentos caros à condição de católico (FERREIRA, 2014, p. 73).

Na missão evangelizadora dos jesuítas as crianças formavam assim, um

público especial pois, conforme Ariès (1986), no século XVII o infante começaria a

deixar de ser visto como adulto em miniatura e passaria a ser visto como um ser

humano vivendo uma fase antecedente à vida adulta. Os inacianos acreditavam que

para moldar a sociedade conforme os valores da igreja católica, bastava educar as

crianças e introjetar nelas hábitos e crenças desejáveis. Nessa direção, Freyre (2006,

p. 218) afirma que “o processo civilizador dos jesuítas consistiu principalmente nesta

inversão: no filho educar o pai; no menino servir de exemplo ao homem; na criança

trazer ao caminho do Senhor e dos europeus a gente grande”.

Essa visão, levou os padres da Companhia de Jesus a escolherem os curumins

como “papel em branco”, pois neles seria possível construir o adulto civilizado já que

“os padres aqui aportados, depois das frustrações em converter índios adultos,

perceberam a vantagem de, primeiro, conquistar a alma da crianças, para que, então,

ela própria se constituísse um obstáculo aos "maus costumes" dos pais” (BITTAR;

FERREIRA JR., 2000, p. 454).

Assim, a crença na inocência infantil imprimiu nos religiosos um olhar

direcionado às crianças como seres aptos a aprender o comportamento religioso

almejado visto que no século XVII pairava a ideia de criança como “rascunho do adulto

em formação” (BOTO, 2002, p. 41).

Os jesuítas trataram, então, de investir em colégios e aldeamentos onde as

crianças pudessem ser educadas utilizando-se do modelo ideológico de criança-

Jesus, que consistia em expandir a devoção ao Deus menino enfatizando sua

inocência e sua doçura, como exemplos de características desejáveis nas crianças. A

difusão desse modelo consistia na “privatização da imagem da criança” contribuindo

para fortalecer sua individualização e estabelecia um padrão de infância a ser seguido.

(GÉLIS, 2009, p. 315).

No contexto da América portuguesa a presença do Estado estava subordinada

à igreja e “diante da frágil iniciativa dos poderes laicos, a Companhia de Jesus apostou

claramente na educação e na escola como forma de disciplinar as consciências”

(FERREIRA, 2014, p. 59) e assim disseminar sua concepção de infância.

Esse pensamento permeou o processo de colonização do Brasil desde a

chegada do primeiro governador geral, Tomé de Souza, que trouxe consigo um

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regimento respaldando e direcionando seu trabalho conforme orientações da Coroa

Portuguesa12. Nesse documento, o rei de Portugal expressava a necessidade de

doutrinação dos povos gentios com atenção especial para os meninos, pois segundo

ele, neles se imprimiria melhor a doutrina. A ordem do regimento era que os infantes

se tornassem cristãos, separando-os, inclusive, do convívio com os gentios.

Respaldados por esse estatuto, os jesuítas iniciaram a catequese dos nativos assim

que chegaram em terras ameríndias.

Porém, com o crescimento da demanda educativa nas colônias americanas e

espanholas os inacianos investiram na elaboração de um plano educativo que

pudesse direcionar o trabalho pedagógico. Após quinze anos de minuciosos estudos

foi promulgada a Ratio Atque Institutio Studiorom Societatis Jesu em 1599 que se

tornou o padrão da ação educativa da Companhia de Jesus em todos os lugares em

que estivesse instalada (NEGRÃO, 2000).

A Ratio Sudiorom separava as crianças por idade nas classes existentes nos

colégios implantados, o que, para Boto (2002) assinala a forma moderna de pensar a

criança, agora individualizada como um estado específico do ser. O programa era

composto de conhecimento divididos em grupos proporcionais ao nível dos alunos

que eram incentivados a aprender por meio de premiações ou castigos (SAVIANI,

2013). Através desse programa, os inacianos padronizavam o ensino e transportavam

para dentro dos colégios os ideais de civilidade estabelecidos pela Renascença

criando a infância escolar (BOTO, 2002).

Vale ressaltar, porém, que o plano educacional contido na Ratio Studiorum,

destinou-se aos filhos dos colonos, excluindo-se os indígenas, motivo pelo qual os

colégios jesuítas tornaram-se o veículo de formação da elite colonial. O curso de

humanidades, pelo qual se iniciavam os estudos, continha as classes de retórica,

humanidades, gramática superior, média e inferior. Os indígenas só tinham acesso

aos cursos de ler e escrever, que não compunham o Ratio Studiorum e ainda assim,

apenas se estivessem nos aldeamentos criados pelos padres.

Na Amazônia, os filhos de alguns colonos estudavam tanto no Colégio Nossa

Senhora da Luz, em São Luís, quanto no de Santo Alexandre em Belém, onde

12 Regimento que levou Tomé de Souza, Governador do Brasil. Almerim, 17/12/1548. Lisboa, AHU, códice 112, fls. 1-9. Disponível em: <http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/2018-04/Regimento_que_levou_Tome_de_Souza_governador_do_Brasil.pdf>. Acesso em: 19 out. 2017.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 45

aprendiam latim, teatro e cálculo, a fim de se tornarem os intelectuais da terra recém-

colonizada. No final do século XVII teve início as aulas de filosofia, escolástica,

teologia e moral13.

Além dessas matérias, aos filhos de colonos que os clérigos julgavam mais

capazes de aprender era ensinado também Lógica e Física como explicitado por

Bettendorff (1990, p. 570) ao se referir à Manuel Pereira, filho do colono Diogo Pereira,

como “moço bem criado e sujeito” com “boa compreensão e boa memória para tudo”.

Esses colégios, entretanto, não tinham capacidade para atender toda a

demanda de filhos de colonos, por este motivo, os padres selecionavam apenas

meninos, dentro os quais escolhiam os mais submissos, pois, consideravam tal

característica fundamental para garantir a aprendizagem e a possibilidade de carreira

eclesiástica.

Com isso, a maioria dos filhos dos colonos não tinha acesso à educação

escolarizada, embora essa já fosse demandada pelos moradores da época, para

quem, assim como ocorria na metrópole, os colégios eram “uma forma de adquirirem

um saber que lhes possibilitasse melhorar a sua condição social” (FERREIRA, 2014

p. 59). Entretanto, na Amazônia seiscentista esses estabelecimentos eram voltados

apenas para os meninos e atendiam uma parcela muito pequena da população sendo

as meninas, mesmo as filhas dos colonos, excluídas do colégio.

Aos curumins aldeados restava a catequese para a qual era necessário apenas

aprender a ler e escrever no intuito de favorecer o aprendizado da doutrina cristã. E

este aprendizado ocorria sempre com o envolvimento direto dos indiozinhos nos

serviços da igreja que era uma das estratégias dos inacianos para atraí-los. Os rituais

católicos despertavam certa curiosidade nas crianças e, por isso, o canto de missa,

de litania, de ladainha e procissões compunham sua rotina educativa

(CHAMBOULEYRON, 2015). As procissões ocorriam em diversos momentos como

jubileus, batismo e festas de padroeiros configurando-se como oportunidades para

que as crianças e os demais expectadores introjetassem os valores e nova formas de

vida disseminados pelos padres (DEL PRIORE, 2002). Ao tomar a dianteira na

procissão, os curumins cumpriam a função pedagógica de encantar seus pais e trazê-

los para o seio do catolicismo.

13 O primeiro curso de filosofia no Colégio de Santo Alexandre teve início no ano de 1695 e foi ministrado pelo próprio superior da missão, padre Bento de Oliveira, por faltar mestres (BETTENDORFF, 1990, p. 584).

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 46

Ao analisar o pensamento nascente sobre a infância no início da Modernidade,

Carlota Boto (2002) retoma o pensamento educacional dos jesuítas, de Comenius e

Rousseau. A despeito das diferenças nas metodologias propostas por estes três

pensamentos, eles têm em comum a visão da criança como responsável pela

mudança na sociedade futura. Todos acreditavam na possibilidade de moldar a

criança. Viam igualmente a supremacia do adulto sobre ela, explicada por Postman

(2012), essencialmente pela disseminação da leitura proporcionada pela imprensa. O

adulto, ao dominar as letras, se distanciava cada vez mais das crianças, demarcando-

se as diferenças entre os mundos pelas informações que o adulto detinha. A criança

deveria ser estimulada a buscar esse mundo e seu objetivo passaria a ser tornar-se

adulta.

Pode-se dizer que a criança do Brasil Colonial estava no meio de um conflito

surgido com a Renascença que confrontava a educação familiar (agora incapaz de formar o ser humano para a nova sociedade vigente) e a educação dos religiosos - detentores do projeto educativo capaz de moldar a criança para a sociedade que se

pretendia formar. Um outro indicador da relevância da criança no projeto educacional dos

jesuítas no Brasil Colonial foi a importação de meninos órfãos de Lisboa com o intuito de, através da interação deles com os meninos índios, favorecer o aprendizado da

língua e atingir os adultos das tribos, uma vez que, as relações cotidianas foram mediadas por uma língua de matriz indígena. Alguns desses meninos se integraram

à Companhia de Jesus tornando-se importantes intérpretes e mediadores entre europeus e indígenas (PRUDENTE, 2017).

O domínio da língua tinha função decisiva no projeto catequizador dos inacianos tanto que investiram em gramáticas de “língua geral”, como a elaborada

por José de Anchieta em 1550. Conforme sintetiza Prudente (2017, p. 31), “reduzir a língua indígena do plano oral para o escrito, enquadrando-a no modelo gramatical

latino era um primeiro passo para a redução das populações nativas aos aldeamentos e à vida cristã”. Desde 1583 todos os inacianos deveriam aprender a língua geral e

isso ocorria, geralmente, em estágios realizados nos aldeamentos (PRUDENTE, 2017). Nessa tarefa as crianças foram de suma importância conforme resume Pereira

(2007, p. 118):

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A questão da língua teve nas crianças valor elevado. Os curumins forneceram subsídios para a catequese ao contribuir para o conhecimento da língua nativa. Agentes do processo educativo-evangelizador, as crianças revestiam a pedagogia jesuítica de ferramentas facilitadoras na comunicação e consequentemente, na conversão.

Ao chegar à Amazônia no século XVII, a Companhia de Jesus estava mais

estruturada e experiente. Talvez, por isso, percebe-se uma maior adaptação aos

costumes da terra. Perdura a estratégia dos aldeamentos, e percebe-se nos relatos

do Bettendorff (1990) e nas cartas de Vieira (2008), a continuação da utilização de

métodos que agradem aos nativos, como a música e as danças nos rituais católicos,

iniciados nas aldeias da Bahia e de São Paulo. Porém, nota-se um cuidado a mais

quando Vieira (2008) se encarrega de adaptar o catecismo para uma linguagem

acessível aos moradores da Amazônia.

Ao agrupar os curumins em seus aldeamentos, os religiosos buscavam retirar

a influência dos líderes das tribos, especialmente dos pajés. A concepção de criança

em voga, como tábula rasa ou papel em branco, levou os inacianos a acreditarem que

longe de suas tribos, ao receber a catequese, as crianças seriam convertidas em

novos cristãos e deixariam para trás todos os conhecimentos pregressos. Para os

religiosos, “a posse do curumim significava a conservação, tanto quanto possível, da

raça indígena sem a preservação de sua cultura” (FREYRE, 2006, p. 218).

Imbuídos de uma visão de criança como um ser capaz de carregar e transmitir

valores sociais, os jesuítas retiravam as crianças do convívio familiar e comunitário e

as isolavam em um sistema educativo afoito para usá-las na construção de uma nova

sociedade pautada pela cosmovisão cristã (BOTO, 2002). Sua maior satisfação era

quando os meninos passavam a renegar os costumes dos seus pais, os repreendendo

e os delatando aos padres (CHAMBOULEYRON, 2015).

Os relatos estudados por Pereira (2007) demonstram que as crianças preferiam

ficar com os padres, ao invés de ficarem com suas famílias e os jesuítas quinhentistas

destacavam que os próprios pais entregavam seus filhos aos padres confiando-lhes

toda a educação. Para Chambouleyron (2015), essa disposição dos índios poderia

ensejar o estabelecimento de alianças com os religiosos através das crianças que

beneficiasse de alguma forma as tribos.

É possível inferir que o sentimento de infância já se fazia presente no Brasil

Colonial embora os papéis sociais inerentes às crianças fossem diferentes entre os

jesuítas empenhados na formação de uma nova sociedade baseada na visão cristã e

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os nativos, para quem as crianças eram as reprodutoras do seu próprio modo de vida

transmitindo-os às novas gerações.

As crianças, portanto, tiveram especial atenção dos missionários jesuítas que

acreditavam ser possível, por meio delas, perpetuar os valores morais da igreja. Além

disso, elas foram importantes interlocutoras na relação dos jesuítas com os nativos.

Contudo, na Amazônia, no início do século XVII, Abbeville (1874) narra casos

de crianças que fugiram dos aldeamentos no intuito de voltar para a mata. O autor

relata também que as mães Tupinambá resistiam em deixar seus filhos com os padres

temendo perdê-los demonstrando, assim, um forte apego ao seus rebentos e o sentido

de responsabilidade por eles. Nesse contexto, percebe-se, então, uma dinâmica

diferente em que a criança tinha um valor preponderante caracterizando as

especificidades da infância na Amazônia.

2.3 A criança na Amazônia Colonial

Ao registrar situações envolvendo meninos e meninas, os cronistas que

estiveram na Amazônia no século XVII nos permitiram entrever ou supor como era

sua visão sobre as crianças e como estas crianças viviam. Com isso, é possível

contar, ainda que de maneira parcial e incompleta, um pouco da história dessas

crianças e demonstrar sua relevância na produção social e cultural do seu tempo.

Desde a Idade Média já havia uma preocupação em se estabelecer as “idades

da vida” do ser humano e nesse período já é possível encontrar as nomenclaturas que

ainda hoje costumamos utilizar ao nos referirmos às várias fases da vida tais como

infância, puerilidade, juventude, adolescência, velhice e senilidade. A infância durava

até os sete anos, fase em que a criança não era capaz de falar adequadamente por

não ter seus dentes definitivos. Em seguida vinha a puerícia que durava até os

quatorze anos. Embora a criança já falasse, ainda era considerada inocente, por isso

essa fase seria uma espécie de transição para a adolescência quando o indivíduo já

seria maduro o suficiente para procriar. Com algumas variações de parâmetros –

alguns ligados aos signos dos zodíacos, outros aos quatro elementos da natureza, ou

ao número de planetas – esta forma de categorizar as idades da vida permaneceram

similares até o século XVI. Contudo, conforme o alerta de Ariès (1986, p. 38),“’é

preciso ter em mente que toda essa terminologia que hoje nos parece tão oca, traduzia

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 49

noções que na época eram científicas, e correspondia também a um sentimento

popular e comum da vida”.

Ao analisar o tema das idades da vida nas iconografias profanas, Ariès (1986)

identificou sobretudo nas imagens do século XIV ao XVIII a correspondência destas

idades a funções sociais bem delimitadas. Assim, a infância pode ser percebida em

dois momentos – a idade dos brinquedos (até os 7, ou 9 anos) e a idade da escola

(até os 15 anos). Depois deste período o individuo passaria para “as idades do amor

ou dos esportes da corte e da cavalaria: festas, passeios de rapazes e moças, cortes

de amor, as bodas ou a caçada do mês de maio dos calendários” (ARIÈS, 1986, p.

39).

O pensamento eclesiástico também teve um papel preponderante no que se

refere à determinação das fases da vida. Para a Igreja Católica, aos sete anos o

indivíduo alcançava a idade da razão, quando poderia ser responsabilizado por seus

próprios pecados. Até essa idade, os meninos ainda eram considerados inocentes,

por isso, aptos ao batismo mesmo sem as instruções do catecismo, bastando apenas

a manifestação do interesse em seguir o cristianismo. O batismo era considerado, a

garantia de ganhar o reino dos céus e na corte portuguesa cabia aos pais encaminhar

seus filhos ao batismo logo após o nascimento (FERREIRA, 2014).

O batismo dos inocentes é destacado em vários trechos da crônica de

Bettendorff (1990) demonstrando que sua preocupação era prioritariamente com a

alma das crianças. Um dos registros se refere aos Tabajara da Serra de Ibiapaba em

que, após serem instruídos, foram batizados “todos com suas mulheres e filhos”

(BETTENDORFF, 1990, p. 96). Nesta mesma localidade, segundo os relatos do Padre

Pedro Poderoso, não tinham obtido muito resultado no trabalho catequético com os

adultos, mas seu “consolo”, para usar a palavra do próprio autor, era ter batizado

setecentas crianças. O batismo, assim, representava a salvação das crianças e a

garantia de sucesso dos missionários.

Também o padre Francisco Velloso em missão junto aos Tupinambá aldeados

à margem do rio Tocantins, toma como primeira atitude “batizar todos os meninos” (p.

BETTENDORF, 1990, 110), pois a morte de uma criança sem esse sacramento

significava para os religiosos, a perda irrecuperável de um alma. O próprio Bettendorff

(1990, p. 161) narra em sua viagem para a missão dos Tapajós, que enquanto esteve

hospedado na aldeia de Gurupatiba tratou de doutrinar e batizar “quantidade de

inocentes” tendo principalmente o cuidado de verificar se “tinha ficado alguma criança

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sem batismo”. Ao constatar que havia uma “rapazinho” moribundo sem o batismo, o

padre cuidou de batizá-lo mesmo naquele estado e considerou esta uma oportunidade

divina pois pouco depois o menino faleceu, mas, na concepção do padre, o mais

importante era que “se foi para o ceo gozar da vista do seu Creador” (BETTENDORFF,

1990, p. 161).

Na convivência com os Tupinambá na Amazônia, o capuchinho Yves D’Évreux

se surpreendeu com a nítida delimitação de fases da vida, presente entre estes povos,

marcadas, sobretudo, pela hierarquia respeitada em cada idade. O padre ressaltou o

respeito dos moços pelos mais velhos e destacou que “cada um faz o que a sua idade

permite sem cuidar daquele que se acha mais alto ou no mais baixo grau” (ÉVREUX,

2007, p. 73). Portanto, já se observava nesta sociedade uma função social

correspondente à idade do indivíduo, a qual estava presente desde a infância. Évreux

(2007) ressalta ainda, a diferença dessas crianças em relação à sociedade francesa

da época, onde na visão do religioso, as crianças eram insubordinadas “e apesar de

todos os belos ensinamentos dos mestres e pedagogos, observam-se ainda confusão

e grande presunção” (ÉVREUX, 2007, p. 73).

É certo que conforme pondera Montero (2006, p. 13) “a perspectiva indígena

aparece de maneira muito sutil, nas entrelinhas e sempre filtrada pela ótica dos

interesses de quem os documenta”. Por isso, é preciso questionar se, ao evidenciar a

obediência das crianças, Évreux não estaria condicionado pela ideia de formar uma

sociedade moldada pelos valores católicos que os padres vislumbraram ao encontrar

os índios Tupinambá. Um dos capítulos de sua crônica se intitula “As crianças do

Brasil darão cabo do reinado de Lucífer, e começarão a estabelecer o reinando de

Jesus Cristo” demonstrando que o capuchinho acreditava na potencialidade das

crianças como instrumento para o estabelecimento de uma sociedade genuinamente

cristã. O entusiasmo do clérigo com as possibilidades de formar uma nova

comunidade é claro em sua obra cuja tônica visava estimular os franceses a

ocuparem, definitivamente, a terra recém-colonizada. Porém, considerando que ele

viveu no Maranhão por dois anos, é factível que essa característica das crianças

Tupinambá – o respeito aos mais velhos – fosse de fato marcante naquele contexto a

ponto de chamar sua atenção.

De toda forma, os relatos de Claude D’Abbeville (1874) também revelam a

obediência das crianças como uma virtude adquirida na convivência com a família,

principalmente através da observação e imitação das atitudes dos pais, ou seja, pela

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 51

força do exemplo. O jesuíta Fernão Cardim já havia feito esta mesma observação

quando esteve em visitação à missão pela Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de

Janeiro e São Paulo entre 1583 a 1590. Na Narrativa Epistolar referente a essa visita,

enviada ao Padre Provincial em Portugal, ele informa que entre os Tupinambá que

viviam na Bahia “nenhum gênero de castigo tem para os filhos; nem pai nem mãe que

em toda a vida castigue nem toque em filho, tanto os trazem nos olhos” (CARDIM,

1925, p. 310). A informação demonstra, que os pais mantinham controle sobre seus

filhos apenas pelo olhar e, ao mesmo tempo, pode indicar que, provavelmente, os

curumins ficavam o tempo todo sob a observação dos seus pais.

Entretanto, ao analisar os traços culturais das tribos indígenas do Nordeste

brasileiro, Freyre (2006) relata que os meninos eram cruelmente espancados nas

cerimônias de puberdade, demonstrando que, ainda que ritualmente, em alguns

momentos, os nativos se valiam da violência como forma de educar suas crianças.

Ele acrescenta que “espancar a pessoa até tirar-lhe sangue, ou sarjá-la com dente

agudo de animal” era um costume nativo que visava purificar o indivíduo e incidia com

maior rigor tanto nos meninos quanto nas meninas ao iniciarem-se na puberdade

(FREYRE, 2006, p. 208).

O padre Évreux (2007) observou que entre os Tupinambá havia uma forte

hierarquia determinada pela idade e função social correspondente à cada um. Ele

registrou a distinção entre elas atribuindo três graus ao que hoje chamamos de

infância. Essas idades podem ser assim sintetizadas:

Quadro 2 – Graus de idade das crianças Tupinambá

Graus de idade Meninas Meninos

Do nascimento até começar a andar Peitan

Dos primeiros passos até aos sete Kugnatin-miry Kununmy-mir

Dos 7 aos 15 anos Kugnatin Kunumy

Fonte: Elaborado pela autora

Conforme percebe-se no quadro, havia uma forte demarcação de gênero na

sociedade tupinambá já a partir da infância.

O primeiro grau de idade era denominado Peitan pelos nativos e abrangia as

crianças desde que nasciam até começarem a andar. Nessa fase, não havia diferença

de gênero e a criança era considerada um bebê, terminologia que não estava presente

na sociedade francesa da época. Segundo Ariès (1986), a palavra francesa para

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 52

designar “bebê”, surgiu no dicionário somente no século XIX. Antes disso, nos séculos

XVI e XVII esta mesma palavra se referia às crianças em idade escolar.

Provavelmente por isso, o tratamento dado pelos Tupinambá às crianças desta fase

tenha motivado o padre Évreux a registrar esta diferença e lhe conferir uma

nomeclatura específica.

A palavra Peitan significa “menino saído do ventre de sua mãe”. O padre revela

diferenças marcantes entre as formas em que o nativo da Amazônia Colonial se

relacionava com suas crianças em comparação com os seus contemporâneos

franceses. Uma delas era o fato de a própria mãe amamentar seus filhos. O padre

relata que nessa fase eles tinham

por único alimento o leite da mãe e grãos de milho assados, mastigados por ela até ficarem reduzidos a farinha, amassados com saliva em forma de caldo, e postos em sua boquinha como costumam fazer os pássaros com a sua prole isto é, passando de boca para boca (ÉVREUX, 2007, p. 74).

Na Europa, o costume de contratar amas-de-leite estava presente entre as

famílias mais abastadas desde meados do século XIV. Na França, no século XVII o

hábito já se encontrava disseminado também entre os burgueses e era comum que

tão logo a criança nascesse, seu pai buscasse uma outra mulher para amamentá-la.

As mães europeias consideravam pouco digno amamentarem elas mesmas seus

filhos, pois, além do gesto de expor o seio ser frequentemente considerado

despudorado, o leite era considerando precioso para a saúde da mãe e não deveria

ser desperdiçado (HEYWOOD, 2004).

Para Del Priore (2015) o hábito indígena realçado pelo capuchinho pode,

inclusive, ter influenciado as mulheres europeias que para cá vieram a também

amamentar seus filhos.

O banho das crianças pequenas, especialmente de rio, foi outra característica

peculiar dos costumes dos Tupinambá que chamou a atenção dos padres, visto que

para os europeus o resguardo da mãe e o agasalho do bebê, eram essenciais no

cuidado com as crianças pequenas (DEL PRIORE, 2015).

Por fim, a liberdade dos membros das crianças foi objeto de espanto, não só

para Évreux como também para o padre Abbeville, seu companheiro e

contemporâneo na missão no Estado do Maranhão. Na Europa, naquele momento,

era comum a utilização de faixas para prender o corpinho dos pequenos. De acordo

com Heywood (2004, p. 96),

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Na França, na Alemanha e Inglaterra, as mães simplesmente passavam a faixa duas ou três vezes em torno do corpo. Em toda parte, os bebês eram amarrados com os braços presos próximos à lateral do corpo e as pernas estendidas juntas, com suporte adicional para manter a cabeça firme.

Contrastando com essa forma de tratar os recém-nascidos na Europa, os

padres revelaram que na Amazônia, as crianças nativas cresciam à vontade. O

menino recém-nascido não era

afagado, aquecido, bem nutrido, nem confiado aos cuidados de nenhuma ama, e sim apenas banhado em algum riacho ou nalguma vasilha com água, deitado em uma redezinha de algodão, com todos os seus membros em liberdade, nus inteiramente (ÉVREUX, 2007, p. 74).

Isso foi considerado positivo pelos padres capuchinhos pois os meninos eram

“bem feitos de corpo e seus membros proporcionais” (ABBEVILLE, 1874, p. 327).

Além disso, o padre demonstra acreditar que esse método propiciava saúde às

crianças devido ao grande número delas encontrado na região.

De acordo com Del Priore (2015), o médico holandês Guilherme Piso que viveu

em Recife na primeira metade de século XVII, também registrou a eficácia da

liberdade dada aos bebês silvícolas para o fortalecimento dos seus membros, em

detrimento dos hábitos portugueses de utilizar panos pesados para enfaixar as

crianças. Segundo (FERREIRA, 2002, p. 171) “esta prática era muito conveniente aos

adultos, porque fazia com que raramente se tivesse de atender às necessidades de

uma criança que estava completamente envolta e atada”. Somente a partir do século

XVIII, atendendo aos apelos de médicos e pedagogos é que os europeus deixaram

de enfaixar seus filhos em favor de um melhor desenvolvimento físico deles.

O tratamento dado à criança recém-nascida pelos Tupinambá também foi

considerado eficiente para conter a mortalidade infantil. Como observa Abbeville

(1874) a causa da mortalidade desses povos era principalmente as guerras. Os

Tupinambá eram povos guerreiros e, por isso, logo que nasciam, os meninos

recebiam flechas, tacapes, garras de onça ou aves de rapina, tudo para fortalecer a

identidade valente e corajosa necessária no ambiente em que viviam. Esses

presentes remetiam à sua futura função social no grupo.

As meninas, por sua vez, recebiam como oferta dentes de capivara que

estavam relacionados à sua futura função de mastigação no preparo do cauim –

bebida fermentada consumida pelos Tupinambá em várias ocasiões da vida social

(FERNANDES, 2016). Essa tarefa era exclusivamente feminina e, deste cedo, cabia

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 54

à elas o preparo do fermentado com seus próprios dentes que, portanto, precisavam

ser bons e fortes. O presente era um bom agouro para que a criança tivesse apta para

exercer essa atividade central à estrutura social dos Tupinambá, pois, sem a

fabricação de bebidas, uma série de rituais e decisões estariam comprometidos

(ALBUQUERQUE, 2012).

O segundo grau de idade dos Tupinambá, conforme Évreux (2007) tinha início

no momento em que a criança aprendia a andar, e durava até os sete, oito anos.

Nessa fase havia uma clara demarcação de gênero através da qual se atribuía

funções especificas para menina e meninos conforme seu papel social dentro do

grupo. Ambos residiam com as mães e mamavam até quando sentissem vontade

embora começassem desde cedo a ingerir comidas comuns aos adultos.

As meninas eram chamadas de Kugnatin-myri e imitavam as tarefas das mães

durante as brincadeiras, a fim de as assumirem quando chegassem à idade adulta.

Costumavam, por exemplo, amassar o barro com os quais fabricariam utensílios

importantes para os nativos como panelas, vasos entre outros.

Os meninos eram denominados de Kunumy-miry e nessa idade ganhavam

arcos e flechas e começavam a utilizá-los nas brincadeiras, enquanto treinavam sua

mira, aptidão necessária para o homem Tupinambá (CARDIM, 1925).

O apego das mães às essas crianças é notado por Évreux (2007, p. 74) ao

registar que “quando vão trabalhar nas roças elas as assentam nuazinhas na areia ou

na terra onde ficam caladinhas, ainda que o ardor do sol lhes queime o rosto ou o

corpo” (ÉVREUX, 2007, p. 74). Ele também ressalta ter visto mães ensandecidas

chorarem amargamente a perda dos seus filhos. Ao descrever os Tupinambá que

encontrou na Bahia, o padre Cardim ressaltou que eles “estimam mais fazerem bem

aos filhos do que a si próprios” (CARDIM, 1925, p. 170).

O cuidado com as crianças na Amazônia misturou superstições e crenças

indígenas e europeias. Havia um grande medo da perda dos filhos para os seres

transcendentes como as bruxas. No intuito de protegê-las dos maus agouros, logo

que nasciam, as mães Tupinambá colocavam algodão sobre as suas cabecinhas e

roçavam seus corpinhos com penas de pássaros e paus para que crescessem forte e

saudáveis. Elas pintavam os recém-nascidos de urucum ou jenipapo, perfuravam seus

lábios, narizes e orelhas nas quais enfiavam fusos, penas e batoques além de lhes

pendurar dentes de animais ao pescoço. Tudo isso para “desfigurar, mutilar a criança,

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com o fim de torná-la repulsiva aos espíritos maus; guardá-las do mau-olhado e das

más influências” (FREYRE, 2006, p. 202).

Além disso, Freyre (2006) narra que a mitologia indígena tinha um papel de

infringir medo nas crianças a fim de garantir sua sujeição às autoridades da tribo. A

obediência, então, não se daria apenas pela relação afetuosa com os pais mas

também pela crença de que o mal comportamento lhes causaria a visita indesejável

de monstros, assombrações e até mesmo do diabo. O medo, especialmente do

Jurupari, era inerente à vida cotidiana da criança indígena.

Era comum, também, entre as colonas que para cá vieram, o uso de

defumadores, plantas e relíquias a fim de afugentar bruxas e maus olhados que

pudessem afetar a saúde de suas crianças. Os choros repentinos, tremores e apatia

eram, primeiramente, associados à quebranto e/ou assédio de bruxas para o qual a

presença de uma rezadeira seria a única solução (ALVES e GUIMARAES, 2014).

Esse afeto e cuidado provavelmente ainda não era muito comum na França e

em Portugal, o que explicaria os relatos detalhados de Évreux (2007) e Cardim (1925).

O número elevado de mortalidade infantil nesses países, levava os pais a terem uma

postura austera frente à morte. A estratégia era ter muitos filhos na esperança de que

alguns vingassem. Nesse contexto, não convinha criar uma ligação muito forte com

os pequenos (POSTMAN, 2012). Além disso, o ascetismo cristão impunha o

pensamento de que se a vida era dom de Deus, a morte também o era.

No Brasil, a morte das criancinhas tomou um sentido místico com a presença

dos religiosos, pois estes a consideravam um alento e uma alegria visto que era como

se um anjo inocente estivesse retornando aos céus. Mas isso, somente se os

pequenos tivessem sido batizados. Assim, a morte dos infantes passou a ser cultuada

e até mesmo almejada (FREYRE, 2006). Já os indígenas continuavam temendo a

perda dos seus filhos, e demonstrando medo e tristeza frente a essa possibilidade

conforme evidenciado por Bettendorff (1990) ao relatar que uma mãe se recusou a

permitir o batismo de seu filho porque associou a prática com a morte das crianças.

Évreux (2007) destaca, porém, que o amor dos pais era mais direcionado aos

meninos do que às meninas, e na interpretação do padre, isso ocorria por serem os

meninos responsáveis pela manutenção do tronco familiar. A meu ver, o papel de

guerreiro e protetor reservado aos homens na sociedade Tupinambá seria uma melhor

explicação para essa atenção maior aos meninos.

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Contudo, esse cuidado já não estava mais tão presente no terceiro grau de

idade, chamado por Évreux (2007) de mocidade, que ia dos 8 aos 15 anos de idade.

Nessa fase, os meninos recebiam o nome de Kunumy e não ficavam mais em casa

com a mãe. Passavam a acompanhar o pai imitando todas as suas atividades.

Começavam a caçar, pescar, ou seja, a aprender a prover o sustento da família. As

meninas, que passavam a ser designadas como Kugnatin, também aprendiam nessa

faixa etária todos os deveres que uma mulher Tupinambá deveria exercer em sua

comunidade (ÉVREUX, 2007).

O capuchinho observa que “não se lhes manda fazer isto, porém eles o fazem

por instinto próprio, como dever da sua idade, e já feito também por todos os seus

antepassados” (ÉVREUX, 2007, p. 76). E isso se referia tanto aos meninos quanto às

meninas.

Os filhos dos principais das tribos dessa idade eram mais bem aparamentados

que os demais, e portavam enfeites nos braços e pulsos como forma de destacá-los.

Além disso, a morte de um filho de um dos chefes eram pranteada por toda a aldeia

sendo o costume das mulheres e meninas o lamentarem por uma noite inteira

(ABBEVILLE, 1874). Vê-se, então, que se tratavam de crianças com um status

diferente dentro do grupo.

Percebe-se, portanto, que na Amazônia no século XVII várias infâncias

coexistiam. Entre os Tupinambá as crianças eram consideradas importantes

transmissoras da sua cultura. Nota-se entre eles um sentimento claro de infância, pois

davam uma atenção particular a esta fase da vida marcada por rituais de passagem

e práticas educativas que visavam a transmissão do saber cultural acumulado. Nesses

momentos, os papéis sociais dos meninos e meninas eram bem definidos

demonstrando as transições entre cada faixa etária. O padre Abbeville (1874) assim

descreve um destes rituais de passagem:

Quando chegam seus filhos à idade de 4, 5 ou 6 anos, preparam um vinho ou festa a que chamam Cauim, e convidam parentes e amigos do menino, cujo beiço se quer furar e também todos os habitantes da aldeia e de suas circunvizinhanças. Depois de terem cauinado, e dançado por dos ou três dias, como costumam, apresentam o menino, dizem-lhe que vão furar-lhe o beiço inferior para que seja um dia guerreiro valente e forte, e assim animado o próprio menino com toda a coragem e presença de espírito oferece o beiço com alegria e satisfação, e pega nele o incumbido de tal processo, fura-o com a ponta de um chifrezinho, ou de algum osso e faz um grande buraco. Se chora o menino, o que poucas vezes sucede, ou se dá alguma demonstração de dor, dizem que nunca há de valer coisa alguma, que será covarde e fraco. Se pelo contrário tudo sofre com firmeza e constância, como de ordinário

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acontece, tiram disto bom agouro e creem que sua vida será grande e ele guerreiro valente e corajoso” (ABBEVILLE, 1874, p. 313).

Pela leitura do excerto é possível perceber que o ritual da perfuração do lábio

inferior do menino Tupinambá era uma cerimônia importante, comemorada inclusive

com as beberagens. Tratava-se de um evento festivo que contava com a presença de

parentes e amigos e marcava o início de uma nova fase na vida da criança

configurando-se como instância de afirmação e transmissão de valores fundamentais

para a sociedade Tupinambá, como a coragem, por exemplo, garantindo a formação

de mais um guerreiro. A criança participava voluntariamente do ritual e uma vez

perfurado seu lábio, gozava de novo status no grupo social em que suas atividades

seriam direcionadas para seu futuro papel na tribo.

A criança da Amazônia seiscentista, aqui representada pela criança

Tupinambá, tinha um papel importante e delimitado em seu grupo social, e talvez por

isso, manteve forte vínculo com sua origem não absorvendo passivamente as

instruções impostas pelo catolicismo. Ancorada em Chartier (1991) é possível inferir

que as representações de religiosos e crianças pelas quais cada grupo dava sentido

ao seu próprio mundo, foram produzidas e reproduzidas nas relações contraditórias

estabelecidas entre eles.

Assim, as crianças foram, sobretudo, mediadoras culturais capazes de catalisar

as novas aprendizagens adquiridas nas práticas educativas em que estavam

envolvidas, dando-lhes um novo sentido em seu próprio contexto, conforme será

tratado no próximo capítulo.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 58

3 PRÁTICAS EDUCATIVAS NA AMAZÔNIA COLONIAL

Neste capítulo, descrevo e analiso as práticas educativas, ou seja, as relações

em que havia circulação de saberes em que as crianças que viveram na Amazônia no

século XVII estavam imbricadas e não somente a ação pedagógica das ordens

religiosas propriamente ditas, embora não seja possível abandoná-las durante a

análise.

Trata-se de uma tentativa de decifrar estas relações sabendo que elas são

“produzidas pelas representações, contraditórias e em confronto, pelas quais os

indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é o deles” (CHARTIER, 1991, p.

177). O significado das representações, muitas vezes impostas pelos religiosos, não

era assimilado pelas crianças tal qual os catequistas empreendiam. Isso demonstra

que suas experiências de vida ultrapassavam as representações dos adultos sobre a

própria infância. É necessário estudar a forma como estas crianças lidavam com tais

representações para, então, compreendê-las.

Este é sem dúvida um dos maiores limites deste estudo, pois só é possível

adentrar no universo social da infância amazônida do século XVII através da visão do

adulto. Entretanto, tal limite não pode ser um impeditivo para esta busca pois

as crianças participam das relações sociais, e este não é exclusivamente um processo psicológico mas social, cultural e histórico. As crianças buscam essa participação, apropriam-se de valores e comportamentos próprios de seu tempo e lugar, porque as relações sociais são parte integrantes de suas vidas, de seu desenvolvimento (KUHLMANN JR., 1998, p. 31).

Outro limite das fontes é sua visão etnocêntrica na qual o outro é descrito a

partir da cosmovisão do escritor e de sua origem religiosa que muitas vezes

estabelecia, inclusive, como tais registros deveriam ser feitos. Ao abordar um choque

cultural extremo como o ocorrido nas Américas nos séculos XVI e XVII, as próprias

fontes são produzidas a partir das reinterpretações dos escritores. Não se trata

apenas de traduzir uma linguagem mas sim de toda uma cultura e modo de vida

totalmente diferentes dos povos europeus, e em certa medida intraduzíveis. Isso não

impede, contudo, o esforço para compreender esse universo com os recursos

disponíveis e esta é a pretensão desse trabalho no que tange às práticas educativas

envolvendo as crianças.

Considerando que as fontes utilizadas estão separadas no tempo, optei por

organizar o texto de forma cronológica embora em alguns momentos seja possível o

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 59

diálogo entre elas. Assim, no primeiro item focalizo os excertos encontrados nas obras

de Claude D’Abbeville e Yves D’Évreux que registram suas impressões sobre os

Tupinambá nas imediações de São Luís no início do século XVII (1614-1615). No

segundo item abordo a inserção dos Jesuítas no Estado do Maranhão efetivada

somente em 1652. Para tanto, as cartas do Padre Vieira, o regulamento que ele deixou

registrado para o funcionamento das aldeias e alguns excertos da Crônica de

Bettendorff, escrita já no final do século XVII, foram essenciais. No último item exploro

os trechos encontrados na Crônica de Bettendorff, que abrange, vários momentos da

atuação jesuítica na Amazônia, desde a primeira tentativa de se estabelecer na região

em 1607. O autor se valeu também dos relatos do padre capuchinho Claude

D’Abbeville para compor sua crônica.

3.1 A educação das crianças Tupinambá

No início do século XVII o povo tupinambá residente no litoral norte do Brasil já

mantinha uma certa aliança com os franceses que estabeleceram feitorias na região

a fim de explorar os bens da terra obtidos nas negociações com esses índios. Em

1612 quando os franceses decidiram se instalar de vez, construíram um forte na

cidade de São Luís e trouxeram uma missão religiosa formada por padres

capuchinhos para cristianizar a terra aos moldes franceses.

Dois, dos quatro padres que vieram para o Maranhão, descreveram o que viram

e legaram ampla informação sobre os costumes daqueles povos. O padre Abbeville

ficou apenas quatro meses na região e, incumbido de relatar sua experiência,

escreveu um texto bastante detalhado com as características físicas do local,

nomeando todas as aldeias existentes, seus chefes e suas impressões enquanto ali

esteve. Sua visão é bem romântica e otimista pois via tais povos como joias a serem

lapidadas que iriam enriquecer o reino: “ó França será enfeitada com o riquíssimo

ornamento da glória, tecido com muitas pedra preciosas, e semeiado de tantas joias

de tão alto valor, quantas são as alma adqueridas para Jesus Cristo” (ABBEVILLE,

1874, p. XII). Apoiando o projeto de colonização, Abbeville (1874) tinha fé na

conversão dos gentios, o que significava o despojamento de alguns hábitos não

condizentes com os valores cristãos como a poligamia, a antropofagia, entre outros.

Sua narrativa é marcada pelo heroísmo da missão tida como salvadora e isso é

perceptível no frontispício da obra original ao demonstrar a veneração dos Tupinambá

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 60

à igreja católica, simbolizada por Nossa Senhora com o manto estendido a eles, seu

abandono aos rituais antropofágicos e conversão aos padres assim como a

submissão ao rei da França (SBRANA, 2014). Foi assim que sua obra veiculou em

1614, como uma propaganda da missão colonizadora.

O foco da narrativa de Abbeville está, mormente, na obra missionária, e no seu

relato ele destaca sua percepção do nativo e do papel da igreja na vida deles como

demonstra o excerto:

O que mais agradava no Ceo era a profunda humildade destas pobres almas vendo-se passar de pontos tão oppostos isto é, de lobos a cordeiros, de cruéis a christãos, de filhos e de instrumentos da raiva e da crueldade do Diabo á filhos de Deos, aborrecendo sua vida passada, e chorando a cegueira e a perda de seus antepassados (ABBEVILLE, 1874, 424).

Évreux, por sua vez, ficou dois anos na missão e escreveu o que supôs faltar

no relato do seu companheiro. Sua crônica focaliza principalmente o projeto

colonizador da França Equinocial, motivo pelo qual sua obra não foi publicada na

época pois com a união do futuro rei da França com a infanta espanhola, tal projeto

não fazia mais sentido. Ambos registraram informações importantes sobre a criança

Tupinambá e sua relação com seus pais. Tais informações fornecem subsídios para

compreender como ocorriam as práticas educativas entre essas crianças.

Uma das características desvelada nos relatos dos religiosos, que se distinguia

do tratamento observado entre pais e filhos europeus, foi a ternura parental. Esses

padres sublinharam a ausência de castigos e uma infância com grande liberdade. Os

mimos e a presença da criança em torno da mãe o tempo todo, foram objeto de

espanto visto que na realidade europeia isto não acontecia (ABBEVILLE, 1874).

Mary Del Priore (2015) acrescenta que estes mimos e cuidados às crianças

pequenas não se restringiam aos nativos, mas “estendiam-se aos negrinhos escravos

ou forros vistos por vários viajantes estrangeiros nos braços de suas senhoras ou

engatinhando em suas camarinhas” (DEL PRIORE, 2015, p. 96). Ela acrescenta

ainda, que os castigos físicos foram uma introdução dos jesuítas, momento em que é

possível perceber o conflito entre concepções diferentes de infância já que, para os

religiosos, “o apego à infância e à sua particularidade não se exprimia mais através

da distração e da brincadeira, mas através do interesse psicológico e da preocupação

moral” (ARIÈS, 1986, p. 151).

Enquanto para os viajantes e clérigos essa relação de ternura e liberdade com

as crianças significava lassidão e ausência de educação, Thomas (2014) defende que

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tais observadores não perceberam que era assim que se educavam as crianças

Tupinambá.

Abbeville (1874) destacou, por exemplo, o menino Acaiuy Miry, filho de

Japyaçu, principal14 da aldeia de Juniparan. Ao registrar suas observações deste

indiozinho de 9, 10 anos de idade, o autor realça algumas características que também

se contrapõe à visão de infância europeia.

Inicialmente, o padre ressaltou a iniciativa da criança em se aproximar e intentar

estar junto deles o tempo todo. Vê-se aí um certo protagonismo, autonomia e

liberdade que esta criança detinha. Ao se juntar aos padres para aprender, o autor

observa que Acaiuy Miry “ficava silencioso e recatado sem interromper-nos para coisa

alguma, ou por leviandade, o que não é comum em meninos desta idade (tão

prudentes e civilizados fossem eles!)” (ABBEVILLE, 1874, p. 111). O silêncio e o

recato se sobressaíam como forma de aprendizagem provavelmente apropriadas ao

contexto da tribo. Somente a partir dos 15 anos os meninos poderiam conversar com

os mais velhos e ainda assim, na presença do principal só deviam escutar. A

oportunidade de se pronunciar em reuniões públicas se iniciava somente a partir dos

25 anos, já no quinto grau de idade chamado aua. E isso restrito apenas aos meninos

(ÉVREUX, 2007). Abbeville (1874) destacou que o Acaiuy Miry era “cordato e bem

ensinado”. Parece que a figura do padre, representava uma autoridade tal qual os

mais velhos representavam em sua tribo. Talvez por isso o religioso tenha atraído

tanta atenção da criança.

Pode-se desconfiar de que o “silêncio e recato” destacados pelo religioso,

seriam muito mais características almejadas por eles em uma nova sociedade ideal

que estaria se formando – A França Equinocial – do que efetivamente, características

das crianças Tupinambá. Porém, ao cotejar tais informações com as do padre jesuíta

Fernão de Cardim (1925), referindo-se aos Tupinambá da Bahia, percebe-se uma

certa semelhança, o que me permite supor que, mesmo havendo algum exagero da

parte de Abbeville, de fato, o silêncio era uma forma de aprendizagem presente entre

as crianças nativas do Maranhão. Era de forma silenciosa que crianças e

adolescentes observavam e imitavam os mais velhos e aprendiam os saberes que os

identificavam como nação; saberes esses fundamentais para que tais crianças

exercessem o papel social que lhes cabia no grupo.

14 Nome dado o chefe da tribo segundo Abbeville (1874), Évreux (2007) e Bettendorff (1990).

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A liberdade da criança Tupinambá é demonstrada no relato de Abbeville (1874)

ao frisar que elas “crescem à vontade” (p. ABBEVILLE, 1874, p. 326) e suas mães lhe

“dão ampla liberdade para fazerem o que quiserem não os repreendendo nunca”

(ABBEVILLE, 1874, p. 327). A despeito dessa liberdade, o padre observou que as

crianças eram obedientes e não contrariavam os seus pais. O respeito à hierarquia é

evidenciado, não tendo o autor registrado nenhum momento de desavença entre pais

e filhos. Inclusive, ao mencionar o casamento, enfatiza que quando a filha era

prometida desde o nascimento para outra família, assim se cumpria, embora não

tivesse a obrigação de continuar casada a vida inteira, em caso de desentendimento

com o marido. Essa hierarquia tinha o seu ápice nos velhos da tribo que detinham o

conhecimento dos ritos e tradições tribais motivo pelo qual ganhavam a atenção e o

respeito dos mais jovens e das crianças. (FERNANDES, 1963).

Fernandes (1963) considera que a educação entre os Tupinambá se realizava

de maneira coletiva, pela sociedade como um todo, cabendo aos velhos distribuírem

seu conhecimento. Contrapondo-se a essa visão, Thomas (2014) defende o papel

preponderante da família, onde as funções sociais, fortemente delimitadas,

direcionavam o processo educativo. Para ele a educação das crianças e a formação

da identidade dos Tupinambá ocorria, mormente, no núcleo familiar pela sua

estruturação demarcada, sobretudo, nos ritos de passagem, em que os papéis de pais

e filhos eram bem definidos. Os principais saberes da tribo não estariam, portanto,

concentrados apenas nos velhos embora sua autoridade fosse perceptível. Mas,

provavelmente, essa se daria pela experiência acumulada, considerada valiosa. A

obrigação dos homens e mulheres de protegerem seus pais e ajudá-los em suas

plantações reforça a teoria de Thomas (2014), pois, aponta a família como núcleo

central da sociedade tupinambá. Entretanto, quer fosse na família ou na sociedade, a

educação das crianças se dava de forma coletiva. Nesse contexto as representações

coletivas construídas pelas crianças nas relações de aprendizagem lhes conferiam

uma identidade social, marcavam a existência do grupo e davam sentido ao seu

próprio mundo (CHARTIER, 1991).

Pelo relato de Abbeville (1874) nota-se que era observando, imitando e

repetindo que as crianças Tupinambá aprendiam. Acaiuy Miri exercitava seu tirocínio

transmitindo com satisfação aos seus companheiros o que aprendia com o padre.

Para obter sucesso nessa tarefa o menino desenvolveu, inclusive, técnicas empíricas

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como riscar com um pau na terra o número de mandamentos bíblicos para facilitar a

memorização dos mesmos, demonstrando, com isso, astúcia e criatividade.

Numa cultura ágrafa como a dos povos amazônicos do século XVII, a memória

tinha um papel fundamental posto que os saberes eram transmitidos por meio dela.

Seu valor foi realçado pelo padre Yves D’Évreux ao descrever que as crianças “não

esqueciam nenhuma única palavra de que havíamos dito, mas recitavam o todo a

seus pais e mães tendo voltado para suas casas” (ÉVREUX, 2007, p. 311).

Em outro trecho, Évreux (2007) relata admirado, que viu os idosos narrarem as

histórias dos seus antepassados para os mais moços com bastante detalhe, momento

esse carregado de emoção. Tais registros revelam o papel da memória nos processos

educativos dos Tupinambá. Albuquerque (2012, p. 60) destaca o papel das

beberagens como importante indutores da memória demonstrando sua dimensão

educativa posto que “era por meio dela que a coletividade vivia seus mitos, valores e

ideais”.

Além da memória, a observação, imitação e repetição foram percebidas em

outras situações relatadas por Abbeville (1874) como na habilidade dos meninos em

pescar. É provável que tais meninos tenham aprendido essa função – que o autor

coloca como seu principal serviço – observando e imitando seus pais. Essa prática

durava “longas horas” (ABBEVILLE, 1874, p. 355), o que demonstra a aprendizagem

de valores como perseverança e paciência para a realização dessa atividade que

integrava o cotidiano das crianças.

No seu relato, o capuchinho revela a constante presença das crianças junto

aos adultos explicando que a mãe descansa

só três dias depois do parto, e depois carrega o menino, suspende-o ao pescoço por meio de um pedaço de pano de algodão, e vai para a roça trabalhar ou fazer outra coisa qualquer sem grande resguardo. Acontece algumas vezes trazerem além do menino suspenso ao pescoço, um no braço, outro pela mão, além de dois ou três maioresinhos, que saltam e brincam ao redor dela (ABBEVILLE, 1874, p. 327).

Percebe-se, então, que as crianças conviviam com os adultos deste cedo e

participavam inclusive de rituais importantes que marcavam o calendário do grupo

como as beberagens já mencionadas. Évreux (2007) ressaltou que essa convivência

se estendia para outras situações como na construção do forte de São Luís, por

exemplo, durante a qual “não trabalhavam somente os homens e sim também as

mulheres e meninos, aos quais eles davam pequenos cestos para carregar terra

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conforme suas forças” (ÉVREUX, 2007, p. 20). Ambos os crônicas, reiteram que

nesses momentos a criança mantinha recato e silêncio, sugerindo que se tratavam de

oportunidades de aprendizagem, ocorridas, sobretudo, através da observação e

imitação. Portanto, as crianças aprendiam através dos modelos dos adultos.

Nesse processo, os principais da tribo tinham papel destacado, pois, seu estilo

de vida inspirava os mais jovens. A inserção deles no mundo do trabalho tupinambá

era obtida por meio da imitação do que faziam esses chefes, conforme o relato:

Os rapazes observam minhas ações e praticam o que eu faço; se eu ficasse deitado na rede a fumar o petun, eles não quereriam fazer outra coisa; quando me veem ir para o campo com o machado no ombro e a foice na mão, ou tecer rede, eles se envergonham de nada fazer. Jamais me senti tão recompensado (ÉVREUX, 2007, p. 63).

As crianças Tupinambá foram descritas como atentas e curiosas pelo

capuchinho. Ao utilizar imagens para ensinar a doutrina cristã aos meninos e às

meninas, Évreux (2007) se viu bem satisfeito pois, segundo ele, as crianças eram

insistentes em saber o significado de tais imagens e não os “deixavam de repouso”

(ÉVREUX, 2007, p. 309) enquanto não as compreendessem. Percebe-se novamente

a persistência para aprender.

O autor conta que, na presença dos homens, as moças (sete a quinze anos)

guardavam completo silêncio e mantinham maior diálogo com as moças da sua idade

Com isso percebe-se que a aprendizagem ocorria também nas trocas entre os pares.

Essa coletividade era recorrente entre as crianças pois o padre reitera que elas

sempre o procuravam “em bandos” (ÉVREUX, 2007, p. 310).

Nas relações educativas estabelecidas entre crianças e religiosos, havia uma

preocupação destes últimos em conquistar primeiro as crianças pois, em sua visão,

elas se disporiam a aprender. Nota-se, contudo, que nem sempre os padres tiveram

sucesso nessa empreitada posto que algumas crianças abandonavam o aldeamento

e retornavam para a mata quando chegavam à puberdade.

Durante o período que esteve na Missão do Maranhão, Évreux (2007) registrou

as conversas que realizou com alguns principais das etnias que a compunham. Uma

delas foi com Jacupen pai do já citado Acaiui-Miri15, ambos convertidos ao

cristianismo. O padre explica ao principal que através do seu filho ele poderia se

desenvolver na aprendizagem da doutrina cristã pois o menino saberia ensiná-la até

15 A grafia deste nome difere nos textos de Abbeville e Évreux embora seja claro que se trate da mesma pessoa.

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mesmo melhor do que os religiosos visto que dominava a língua indígena. Porém

Jacupen responde-lhe de forma preocupada que

depois de cristão, logo no princípio [Acaiui-Miri] procedeu bem; já sabia ler um pouco no seu Cotiare, e escrever, estava sempre com o padre, e o seguia por toda a parte. Deixou depois tudo isso, entregou-se à liberdade, esqueceu o que havia aprendido, e foge para o mato quando o padre o procura; (ÉVREUX, 2007, p. 341).

De acordo com o excerto, o filho do principal demonstrou interesse e habilidade

para aprender a língua dos franceses e a doutrina cristã quando criança, todavia, ao

chegar à puberdade passou a evitar o padre e seu pai chega mesmo a supor que ele

esqueceu o que aprendeu. Com isso, é possível inferir que liberdade e autonomia

presentes nas práticas educativas das crianças Tupinambá, falavam mais alto quando

elas chegavam à puberdade. Possivelmente elas não esqueciam o que aprendiam

como supunha o pai pois, como evidenciado anteriormente, a memória tinha papel

fundamental em seu processo educativo. É provável que a falta de significado dos

conceitos cristãos para as crianças, as demovessem da vida cerceada nos

aldeamentos jesuítas. Além disso, ao fugir dos padres, as crianças demonstravam sua

identificação com o grupo ao qual pertenciam originalmente, fazendo valer sua

existência anterior.

Brandão (2002, p. 151) afirma que a educação é “uma unidade cultural

agenciada e responsável pela criação de tipos de pessoas e de identidades através

da aquisição motivada e sistemática de tipos de saberes, de valores, de

sensibilidades”. Depreende-se, assim, que se não houver motivação ou significado,

os saberes não serão apropriados e não haverá educação. É o que parece ter ocorrido

nesse início do século XVII na Amazônia. O conhecimento trazido pelos religiosos não

tinha significado suficiente para motivar as crianças, pelo menos quando elas

chegavam à puberdade.

Com isso, percebe-se que entre os nativos já havia uma educação baseada na

força da tradição, da ação e do exemplo (SAVIANI, 2013), a qual se chocou com a

proposta racional e essencialista inserida pelos jesuítas. O historiador Serge Gruzinski

(2003), ao analisar a relação dos colonizadores e nativos na colonização mexicana,

afirma que essa não se limitou apenas em destruição e resistência, mas propiciou

processos de transformação cultural dos envolvidos. Processo semelhante pode ser

observado nas relações dos religiosos com as crianças na catequização

implementada na Amazônia Colonial, principalmente a partir dos aldeamentos

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 66

indígenas onde educação imposta pelos jesuítas em contraposição à educação

existente entre os autóctones forjou uma mestiçagem cultural.

3.2 Da aldeia aos aldeamentos: novos espaços de aprendizagem

O desenvolvimento da ciência moderna é marcado pela ruptura com o

racionalismo teológico em que a razão estava subordinada à fé cristã (OLIVEIRA,

2016). Durante toda a Idade Média predominou a escolástica de São Tomás de

Aquino, para quem não havia contradição entre ciência e fé pois ambas vinham de

Deus. A intelectualidade, todavia, era concebida como criação divina e por isso

deveria estar sempre subordinada ao pensamento cristão. Na racionalidade moderna,

segundo Oliveira (2016), o ser humano passa a ser valorizado como ser racional e

pensante, capaz de sozinho compreender o mundo à sua volta sem necessitar da

intervenção divina. Esse novo pensamento, juntamente com a Reforma Protestante

iniciada em 1517, obrigou a Igreja Católica a reestruturar seu papel institucional. Para

isso, o Papa Paulo III iniciou em 1546, um concílio especial realizado na cidade de

Trento com o intuito de propor ações de combate à Reforma que ficaram conhecidas

como Contrarreforma católica. Nessa reunião, que durou até 1563, a Igreja Católica

estabeleceu as diretrizes evangelizadoras ao redor do mundo (com uma visão mais

ampla) prevendo a aplicação da fé nas diversas áreas da vida do ser humano.

É nesse contexto que nasce a Companhia de Jesus, fundada em 1534 por

Inácio de Loyola, ex-soldado espanhol que se converteu ao cristianismo. A nova

ordem foi aprovada em 1540 pelo Papa Paulo III com o objetivo de evangelizar os

povos espalhados pelas colônias portuguesas e espanholas (COSTA e ARENZ,

2014). Sua missão era garantir a continuidade e permanência do evangelismo católico

apostólico romano ao redor do mundo. Com as conquistas de novos territórios, a Igreja

Católica encontrou nas colônias recém-implantadas, um espaço para divulgar seus

valores e manter o racionalismo teológico que na Europa perdera espaço (COSTA,

2017).

Os inacianos tornaram-se o braço direito de Portugal e Espanha na colonização

da América (COSTA e ARENZ, 2014). De acordo com Costa (2017, p. 38) “Os jesuítas

intentavam, com essa mudança para a quarta parte do mundo, a formação de uma

nova sociedade, forjada a partir da junção das virtudes dos valores cristãos europeus

com a inocência dos habitantes do Novo Mundo”. Seu papel foi fundamental na

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 67

colonização dos novos povos, considerados como incivilizados, uma vez que,

utilizando da evangelização, os jesuítas buscavam transferir a cultura da metrópole

para eles.

Ratificada pelo Concílio de Trento como instrumento oficial de evangelização

da Igreja Católica, a Companhia de Jesus se lançou ao estudo das mais diversas

áreas do saber a fim de promover a salvação da alma e do corpo humano. Não

demorou muito para os padres da Companhia serem reconhecidos como excelentes

missionários e ganharem o apoio da Coroa Portuguesa para o exercício de suas

atividades no “Novo” Mundo (COSTA, 2017).

É importante lembrar que a “humanidade” dos índios só foi declarada em 1537

pelo Papa Paulo III, quando ele reconheceu que os indígenas eram dotados de alma.

Essa declaração fortaleceu o trabalho dos jesuítas que entenderam ser sua missão a

conversão dessas almas com base nos ensinamentos cristãos (ARENZ, 2012). Porém

na Amazônia, esta declaração causou desentendimentos entre jesuítas e colonos

uma vez que “os colonos viam os jesuítas como embaraço dos particulares interesses

no serviço dos índios” (COELHO, 2016, p. 117). Os conflitos aumentaram pois, para

colonos e autoridades a não humanidade dos índios respaldava sua escravização,

muito útil para eles.

O nativo que habitava a Amazônia no século XVII tinha muito valor para colonos

e missionários por sua força física utilizada para vários tipos de trabalho (como

mateiros, remeiros, trabalhos nas roças, plantio de tabaco, entre outros) e capacidade

de defesa da colônia contra os estrangeiros que também visavam as terras

amazônicas. Segundo Azevedo (1999), os índios detinham saberes importantes para

garantir a sobrevivência de todos que vinham para estas terras ainda pouco

exploradas. Para os missionários, porém, o valor do silvícola estava também na

possibilidade da expansão do cristianismo através da formação de um povo cristão

que pudesse perpetuar os valores morais da igreja. No século XVII, devido a

condições econômicas e geográficas, a escravidão negra era ainda muito incipiente

na Amazônia o que tornava o trabalho escravo dos indígenas essencial para os

interesses dos colonos.

O desempenho da Companhia de Jesus foi preponderante no combate a essa

escravidão. Segundo Coelho (2016, p. 123), “Vieira insistia que a grande riqueza do

Grão-Pará eram seus habitantes naturais, as milhares de almas espalhadas pela

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floresta, numa posição politicamente confrontante com a lógica mercantil do Estado

português”.

Além dos jesuítas, outras ordens religiosas vieram para a Amazônia no século

XVII. Na expulsão dos franceses liderada por Francisco Caldeira Castelo Branco, em

1616 os capuchinhos deixaram a região e a propagação da fé católica no norte do

país passou, inicialmente, a ser missão dos Frades de Santo Antônio. Esses frades

colaboraram na guerra contra os franceses e logo que se instalaram em Belém

coordenaram os nativos em campanhas contra os holandeses e ingleses em favor dos

portugueses (REIS, 1993). Esses franciscanos foram os primeiros “pacificadores” dos

Tupinambá através de sua atuação catequética. Liderados pelo Frei Cristóvão de

Lisboa tiveram papel relevante nas denúncias contra a violência praticada pelos

colonos contra os povos autóctones (COELHO, 2012).

Em 1627, os Carmelitas Calçados que já mantinham casa em São Luís,

iniciaram a instalação de seu convento em Belém e a Ordem das Mercês se instalou

na região em 1640 (REIS, 1993). Essas ordens foram aliadas decisivas no processo

de conquista cultural da população nativa e foram importantes na educação das

crianças que viveram na Amazônia no século XVII, embora seu convívio não tenha

sido totalmente pacífico (CARDOZO, 2008).

A escolarização era restrita a poucos e à maioria restava a catequização, que

neste caso, se configurava como prática educativa, pois, ao cumprir esse papel, os

religiosos modificavam os hábitos nômades dos índios ajuntando-os em

agrupamentos onde exerciam a agricultura, aprendiam o português e ofícios

mecânicos a fim de incutir-lhes novas formas de sociabilidades. Silva (1976) destaca

que a Ordem dos Franciscanos da Província de Santo Antônio abriu escolas de cunho

profissional em todos os seus aldeamentos, e no convento que abriram em Belém

ofereciam aulas gratuitas para a crianças aprenderem a ler, escrever e contar.

Os carmelitas por sua vez, além de também manterem escolas de ler e

escrever em suas aldeias investiam no trabalho de “moralização” dos colonos e

ensinavam música aos índios (SILVA, 1976).

A ordem Jesuíta, entretanto, foi a mais ativa na Amazônia, assim como em todo

o Brasil, sendo a mais exitosa. De acordo com Colares (2002, p. 6)

A Companhia de Jesus foi a Ordem religiosa que maior importância teve na ação missionária inserida no processo de ocupação e de colonização lusitana. Apesar de existirem outras ordens religiosas na Amazônia no

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período anterior à entrada dos Jesuítas, estes conseguem desenvolver um trabalho bem mais intenso e consistente.

Os inacianos eram os mais organizados, aptidão herdada de sua gênese militar

além de serem os que detinham melhores habilidades didáticas, por acreditarem na

doutrinação como forma de perpetuação dos valores morais da igreja.

Outro fator fundamental para o sucesso da missão jesuítica foi a facilidade de

se integrar na vida cotidiana da colônia como afirmam Claudino & Nelson Piletti (2013,

p. 71) “No ensino das primeiras letras, os jesuítas mostraram grande capacidade de

adaptação. Penetraram com igual facilidade na casa-grande dos senhores de

engenho, na senzala dos escravos e na aldeia indígena”.

A primeira missão da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão chegou à

cidade de São Luís em 1622. Liderados pelo padre Luiz Figueira iniciaram no mesmo

ano a construção do primeiro colégio – Nossa Senhora da Luz. Já em Belém os

jesuítas se estabeleceram somente em 1653, mais de 100 anos depois da chegada

da Companhia de Jesus no Brasil, sendo seus líderes os padres João de Souto Maior

e Gaspar Frutuoso. Esta chegada tardia foi precedida de uma tentativa frustrada em

1645, quando um naufrágio, ocorrido na baía do Marajó, dizimou todos os dezesseis

padres vindos para a missão evangelística sob o comando do Padre Luiz Figueira,

que também faleceu na viagem. Juntamente com os padres vieram mais duzentos

soldados. Porém, de acordo com o relato de Bettendorff (1990), os sobreviventes do

naufrágio foram mortos pelos índios Aruans.

Segundo Vieira (2008), a missão jesuítica no Maranhão não gozava de boa

fama e nem atraía os missionários. O morte trágica do Padre Luiz Figueira e de seus

companheiros provavelmente contribuiu para isso. O próprio Vieira, líder responsável

pela implantação dos trabalhos na região, em 1653, demonstrou em uma de suas

cartas mais apreço pela missão em Cabo Verde do que pela do Maranhão por ser

aquela “muito mais perto de Portugal, muito mais junta, muito mais disposta, e de

gente sem nenhuma comparação muito mais capaz e ainda muito mais numerosa”

(VIEIRA, 2008, p. 230).

A maior “capacidade”, atribuída aos moradores de Cabo Verde em detrimento

dos moradores do Maranhão por Vieira, se dava, quiçá, pelo fato da colonização

portuguesa já estar instalada naquela região desde o século XV sendo, inclusive, a

língua portuguesa já dominada pelos nativos. No Maranhão por sua vez, o trabalho

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 70

de colonização ainda estava se organizando tendo se efetivado há pouco mais de

trinta anos e a língua ainda era uma barreira.

A preocupação dos jesuítas com o ensino formal era patente pois, para Vieira

(2008, p. 237), faltava “cultura e doutrina” aos habitantes do Estado do Maranhão.

Assim, logo depois de sua chegada começaram as lições de retórica e filosofia aos

religiosos da Nossa Senhora das Mercês a fim de prepará-los para educar os

moradores. Na visão de Vieira, os jesuítas eram os mais capacitados para fazer esta

formação.

Ao chegar à Amazônia, os inacianos contavam com uma instrução própria de

trabalho – a Ratiom Studiorum, e uma metodologia específica para as terras

colonizadas - os aldeamentos. Por isso, ao se instalarem no Estado do Maranhão,

além de investirem na construção de colégios, como o Nossa Senhora da Luz em São

Luís, construíram também o colégio de Santo Alexandre em Belém (1653), e ao

mesmo tempo se espalharam por todo o Estado do Maranhão, a fim de criarem os

aldeamentos. Guzmán (2008, p. 108) considera tais espaços como

“homogeneizadores e centralizadores em que diferentes culturas, línguas,

cosmologias nativas serão amalgamadas e levadas a se submeterem à cultura, língua

e cosmologia cristãs”. Para Arenz (2016a) os aldeamentos foram espaços

fundamentais na formação da sociedade colonial na Amazônia seiscentista.

A pedagogia jesuítica era influenciada pela escolástica, enfatizando o uso da

razão, sintetizava a doutrina cristã com a teoria aristotélica (OLIVEIRA, 2016). Com

base na filosofia de Santo Tomás de Aquino, a escolástica se afastava do pensamento

de Platão e se aproximava de Aristóteles especialmente de sua metafísica.

Para Saviani (2013), ao firmar e se manter nessa concepção, os inacianos não

pretendiam fortalecer as ideias predominantes até então opositoras à nascente

concepção moderna de ciência. Porém, pretendiam se adaptar aos novos tempos

reformulando a escolástica com elementos próprios da época, que destacassem o

homem como ser ativo. Ao analisar as missões jesuíticas na Amazônia seiscentistas,

Santos (2010) utiliza o termo “neotomista” para identificar esta reformulação

considerada por ele como uma

compatibilização realizada pelos jesuítas entre a síntese tomasiana e o pensamento humanista renascentista, somado posteriormente aos aspectos da filosofia e da ciência modernas – e apresenta argumentos que reúnem à orientação teológica herdada da escolástica uma justificativa lógica e racional baseada na experiência (SANTOS, 2010, p. 17).

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 71

Percebe-se, então, que os jesuítas ao mesmo tempo em que não se

desvencilhavam do pensamento escolástico, se aproximavam do pensamento lógico

e racional, conforme sua experiência nas missões evangelísticas. Contudo, a

concepção vigente em sua prática pedagógica, de acordo com Saviani (2013),

caracteriza-se por uma visão essencialista de homem, isto é, o homem é concebido como constituído de uma essência universal e imutável. À educação cumpre moldar a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano (SAVIANI, 2013, p. 58).

Esta visão foi responsável pelo uso frequente da disciplina como prática da

pedagogia jesuítica pois eles acreditavam que sem ela seria impossível moldar as

crianças indígenas ao ideal de homem cristão. Assim, a correção era intrínseca ao ato

educativo como apontado por Ariès (1986, p. 191):

A disciplina escolar teve origem na disciplina eclesiástica ou religiosa: ela era menos um instrumento de coerção do que de aperfeiçoamento moral e espiritual, e foi adotada por sua eficácia, porque era a condição necessária do trabalho em comum, mas também por seu valor intrínseco e de edificação e ascese. Os educadores se adaptariam a um sistema de vigilância permanente das crianças, de dia e de noite, ao menos em teoria.

Ao relatar o processo de evangelização implementado logo após sua chegada

na Missão do Maranhão, Vieira (2008) afirma que após encomendar o Terço do

Rosário conforme a cartilha dos jesuítas, dois meninos de melhores vozes começaram

a entoar seguidos por toda a igreja. Ele menciona, inclusive, que todos os estudantes

e meninos do colégio Nossa Senhora da Luz, em São Luís participavam dessa

cerimônia, o que provavelmente acontecia em outras ocasiões. Bettendorff (1990)

ressalta que nos domingos e dias de festa os estudantes do colégio saíam em

procissões cantando orações e ladainhas visitando os doentes e presos na cidade a

fim de estimular-lhes a misericórdia. Assim, percebe-se a relevância das crianças no

processo de evangelização da nova terra.

Para regular o funcionamento dos aldeamentos, Antônio Vieira estabeleceu

algumas normas quando foi nomeado visitador da Missão em 1658. Essas normas

converteram-se em um verdadeiro manual para os padres missionários no decorrer

de seus trabalhos, durante o século XVII. O texto ficou conhecido como A visita e

“Trata de inúmeras matérias, de diversificada índole, religiosa, espiritual, catequética,

escolar, social, econômica, sacramental, hospitalar, linguística e civil” (NEVES, 1983,

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p. 32). Até mesmo a posição dos religiosos nos aldeamentos era definida pelo

regulamento de Vieira. Este não negava a convivência entre sagrado e profano nesses

ambientes e, por isso, os padres deveriam residir ao lado da igreja pois dali é que

emanaria o saber o e poder que deveria irradiar por todo o aldeamento. Assim,

separados do restante dos aldeados, os padres ficariam protegidos das possíveis

tentações e demarcava-se a dicotomia entre cristão e não cristão, ou os que sabiam

e os que não sabiam, de maneira hierárquica.

O novo espaço de aprendizagem em que as crianças nativas se encontravam

não era mais como suas antigas aldeias, porém um espaço em que o adulto religioso

se tornaria o dono do saber. A liberdade e a autonomia observada por D’Abbeville

(1874) décadas antes, seriam cerceadas por uma prática educativa diretiva, em que

o saber religioso se imporia como o mais importante.

A primazia desse saber é demonstrada na Visita através da definição dos

exercícios religiosos como primeira tarefa do dia. Somente após as orações e as

missas é que se iniciavam os trabalhos na roça, tarefa exclusiva dos índios, visto que

os religiosos não deviam se envolver em atividades seculares. Práticas devocionais

coletivas permeavam as atividades cotidianas, cabendo aos padres aproveitar todas

as oportunidades para ensinar os saberes religiosos católicos aos gentios aldeados.

Além do saber religioso, o saber musical especificamente, foi valorizado e

ensinado nos aldeamentos, assim como o ler e o escrever (aos que eram mais

hábeis). Entretanto todas as atividades realizadas nos aldeamentos como “Arte,

prática educacional e prática religiosa não estão de modo algum separados: pelo

contrário, seu ensino tinha por objetivo, o “benefício” dos ofícios divinos” (NEVES,

1983, p. 44).

No regulamento de Vieira, as crianças tinham um lugar destacado pois a

doutrina da tarde era voltada exclusivamente para elas. Nesse momento as crianças

deveriam participar de uma procissão em que davam a volta na praça da aldeia

cantando e rezando (VIEIRA, 2008). É provável que com esta atividade o inaciano

intentasse exemplificar para os pais o comportamento ideal do cristão e demonstrar o

quanto as crianças estavam comprometidas com a doutrina. Esta valorização do

trabalho com as crianças ratificava a visão jesuítica de que elas não eram meros

adultos em miniatura, mas sim uma espécie de pré-adulto a quem tudo poderia ser

ensinado e através de quem a sociedade poderia ser moldada.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 73

Na análise do texto da Visita, Neves (1983) aponta o atendimento individual ao

aprendiz como uma característica peculiar na missão do Maranhão. Para o autor,

“Vieira opta por um trabalho mais lento e minucioso que não quer abandonar a

quantidade de conversos, mas ele ainda quer mais: a durabilidade da conversão e a

conversão real de todos os que estão em processo de aquisição da cultura cristã-

ocidental” (NEVES, 1983, p. 46). Para o jesuíta, era necessário ensinar de maneira

particular aos mais “rudes”.

No item 28 da Visita, Vieira demonstra preocupação com a adequada

comunicação com os índios pois seu interesse era garantir que todos pudessem se

converter. Assim, a regra dispunha que os padres deveriam criar um catecismo

resumido em tupi para utilizar com os índios aldeados. No caso de haverem índios de

outras línguas e não haver intérpretes, a recomendação era juntar os nativos “com os

da língua geral, ou de outra sabida para que ao menos os meninos aprendam com a

comunicação” (LEITE, 1943, p. 116). A catequese, neste caso, lançaria mão de outros

métodos como a observação da cruz, de imagens e dos ofícios religiosos. A

expectativa do padre era que com esse método, os meninos pudessem receber a fé

e consequentemente o batismo.

Essas práticas se configuram no que Chartier (1991, p. 183) chamou de

“matrizes construtoras do próprio mundo social”. Com a sua repetição no cotidiano, as

crianças iam aprendendo a valorizar, sobretudo, os saberes cristãos, os

ressignificando de acordo com suas próprias representações de mundo.

Assim, se no começo do século XVII, nas primeiras incursões religiosas feitas

pelos capuchinhos, a criança amazônida ainda era capaz de fugir e manter seu vínculo

com sua identidade anterior, a partir da segunda metade do século elas tendem a

reformular suas representações e sua própria identidade. É possível considerar que

essa mudança na forma de se ver o mundo e lhe dar o sentido, foi forjada no confronto

das representações de grupos e indivíduos nas práticas educativas nas quais esses

religiosos e crianças estavam envolvidos (CHARTIER, 1991).

Na carta ao Provincial do Brasil, Vieira detalha suas ações na Missão do

Maranhão a fim de salientar seus esforços para “melhorar a vida e costumes dos

habitantes da terra” (VIEIRA, 2008, p. 263). Dentre estas ações constava a doutrina

geral sob a qual deveriam ser realizadas as missas dominicais na Matriz de Nossa

Senhora da Luz em São Luís. Tais cerimônias sempre envolviam os estudantes do

colégio e uma procissão em direção à igreja, com o intuito de chamar a atenção dos

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moradores e compelir a todos para comparecem à igreja onde o catecismo era

ensinado.

Para facilitar a aprendizagem, já que para Vieira (2008) a maior parte da

população era inculta, ele mesmo formulou um catecismo que “por muito breve e claro

estilo, estão dispostos os mistérios necessários à salvação” (VIEIRA, 2008, p. 266).

Segundo ele, este catecismo foi eficaz pois na terceira doutrina já haviam alguns

meninos que responderam a muitas de suas perguntas.

Sob a ótica de Vieira os trabalhos da missão inaciana no Estado do Maranhão

e Grão-Pará foram profícuos, pois há apenas três meses na região, já contavam com

70 estudantes no colégio Nossa Senhora da Luz. Esses alunos estavam sempre

presentes nas atividades religiosas realizadas e as faziam

com gosto e sujeição, que é cousa que nos admira naquela idade; e geralmente é tal a índole destes moços que cada dia nos confirmamos mais nas esperanças de havemos de ter deles alguns que, recebidos na Companhia, nos sirvam muito bem, e principalmente porque quase todos sabem a língua da terra (VIEIRA, 2008, p. 267).

Pelo excerto percebe-se que havia intenção dos Jesuítas de receber os

indiozinhos convertidos nos seus colégios, a fim de concluírem com êxito sua

doutrinação e mostrar ao Superior da Missão, o fruto do seu trabalho. Porém, ao

contrário do que esperava o Padre Vieira, isso não ocorreu. Conforme análise de

Chambouleyron, Arenz e Neves Neto (2011, p. 66) “Pelo que se pode entender das

cartas e relações dos jesuítas do Maranhão e Pará, durante o século XVII, as

atividades educativas não foram tão produtivas como em outros lugares, como, por

exemplo, o colégio da Bahia”.

A resistência dos indiozinhos em permanecer na fé cristã e/ou manter os

valores morais que lhes foram ensinados, fora registrada com tristeza pelo padre

Manoel da Nobrega em suas cartas, as quais demonstram que, ao contrário do que

os jesuítas acreditavam, as crianças indígenas já tinham inscritas em si, crenças e

valores e não eram o “papel em branco” que os padres supunham (DEL PRIORE,

1991). Tais crenças eram aprendidas no cotidiano na vida social da tribo.

Embora com uma concepção racionalista, os padres da Companhia de Jesus

que chegaram à Amazônia, tal qual havia sido feito nas missões do século XVI em

outras regiões do Brasil, adotaram em sua ação educativa, uma postura mais

empírica, pois assim puderam se aproximar de forma mais efetiva dos nativos e

alcançar os objetivos de cristianização e civilização destes. Na interação com as

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 75

crianças, os padres aprendiam a língua nativa e ensinavam a doutrina cristã. A música

era um importante instrumento de aproximação e conquista dos curumins e, portanto,

fazia parte da metodologia de trabalho.

A instalação de oficinas de arte nos colégios de São Luís e Belém assim como

nas fazendas e aldeamentos, foi outra estratégia bem-sucedida na atividade

pedagógica dos jesuítas na Amazônia. Os curumins que tinham habilidades recebiam

aulas de canto orfeônico e de instrumentos musicais e ofícios mecânicos (marcenaria,

olaria). Os mais hábeis poderiam ingressar nas turmas de latim, que equivalia ao curso

secundário (COSTA, 2017).

A relação entre jesuítas e colonizadores foi permeada por trocas culturais pois

na intenção de ganhar as almas dos nativos, e ao buscarem em seus métodos

evangelísticos se aproximar da cultura dos índios, os padres se expunham à inevitável

influência deles como explicitado por Santos (2010, p. 18):

A ação de Souto-Maior demonstra que a estratégia de conversão utilizada estava pautada pelo princípio da accomodatio presente no ‘modo de proceder’ jesuítico e, embora tal ‘flexibilidade’ fosse vista pelos membros da Ordem como uma poderosa ferramenta de auxílio para aproximar infiéis e pagãos ao catolicismo, ao adotarem a polêmica atitude de adaptar-se aos costumes dos outros povos para difundir a fé cristã, os jesuítas acabavam correndo o risco de ultrapassar os limites da concepção eurocêntrica e gerar resultados distintos aos desejados.

Nota-se que a estratégia adotada pelos inacianos teve o efeito de propiciar

novos hábitos não somente para os nativos, mas também para os próprios jesuítas. E

isso se repete na relação destes com as crianças conforme análise de Del Priore

(1991, p. 22) para quem “A pedagogia jesuítica, e a tentativa de transformar os

pequenos indígenas em crianças santificadas e exemplares, vai ajudar na elaboração

de uma cultura sincrética”.

Abbate (2016) em seu trabalho sobre cultura alimentar analisa as relações

entre índios, jesuítas e demais personagens envolvidos na vida cotidiana da Amazônia

colonial e também destaca a atuação dos inacianos como mediadores culturais

considerando que as missões jesuíticas tinham por característica a “desconstrução e

reconstrução dos códigos comunicativos” (ABBATE, 2016, p. 52). Para ele, ao revestir

nas danças dos curumins como elementos da catequese por exemplo, os jesuítas

criavam códigos de comunicação transculturais que marcaram a relação entre eles e

se estabeleceram como novas formas culturais. Portanto, não se tratava apenas de

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 76

uma imposição de uma cultura sobre a outra, mas de trocas culturais que modificaram

todos os agentes envolvidos.

3.3 Práticas educativas no relato de Bettendorff

A Crônica dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão foi

escrita pelo padre João Felipe Bettendorff no final da sua vida como missionário na

Amazônia. Nela, ele narra as ações dos jesuítas desde as primeiras tentativas de se

instalarem na região no século XVII. Seu relato mostra o modo de vida dos habitantes

locais e detalha situações que permitem adentrar no cotidiano da vida na Amazônia

daquele período. Por isso, sua obra se configura como uma das principais fontes para

o entendimento da realidade colonial amazônica, e tem sido utilizada por todos os

estudiosos da Amazônia Colonial. Vicente Salles em Nota Prévia à crônica de

Bettendorff (1990) afirma que sua obra

é um extenso relato das atividades dos missionários, contendo episódios comuns, triviais, revelações do dia-a-dia, variada e às vezes minuciosas, testemunhando fatos, relembrando acontecimentos, dos primórdios da colonização até 1698 (BETTENDORFF, 1990, s.n).

O historiador Karl Arenz, biógrafo do jesuíta, o considera um personagem

chave para o entendimento da formação da sociedade colonial, mormente, pela

consolidação da missão no Estado do Maranhão na Amazônia seiscentista. Para ele,

além de aspectos específicos (religiosos, econômicos, sócio-políticos, jurídicos, etnográficos, geográficos) a crônica apresenta uma visão geral da formação da sociedade colonial e aponta para as transformações ocorridas no mundo ameríndio no século XVII (ARENZ, 2010, p. 60).

Bettendorff nasceu em Luxemburgo em 1625 e veio para o Brasil a fim de

trabalhar nas missões do Estado do Maranhão em 1661, onde permaneceu até sua

morte em 1698, em Belém. Durante os trinta e sete anos de missão na região, o padre

transitou entre os vários aldeamentos existentes, sendo responsável pela fundação

do aldeamento do Tapajós que deu origem à cidade de Santarém. Exerceu diversas

funções na Companhia de Jesus chegando a ser superior da missão e reitor dos

colégios de Santo Alexandre (Belém) e Nossa Senhora da Luz (São Luís). Era

extremamente culto conforme pode se depreender do excerto:

Mesmo tendo nascido numa sociedade marcada por resquícios feudais e num século de constantes guerras e epidemias, o jovem João Felipe recebeu

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uma educação humanista sólida. Durante os anos de sua formação, entre 1635 e 1659, ele percorreu uma faixa de terras na Europa ocidental onde as áreas de cultura latina e germânica se entrecruzam. Os deslocamentos nesta área explicam o fato de Bettendorff falar fluentemente seis línguas: alemão, francês, italiano, flamengo, espanhol e latim. (ARENZ, 2010, p. 27).

A proposta de escrever uma crônica da missão dos padres jesuítas no Estado

do Maranhão partiu do Padre Bento Oliveira, quando este era superior da missão.

Coube à Bettendorff a tarefa de escrevê-la por ser, segundo ele, o missionário mais

antigo com mais informações para relatar (BETTENDORFF, 1990).

Seu trabalho de escritor se iniciou em 1694, quando era reitor do colégio de

Santo Alexandre em Belém, e se estendeu até 1698 sendo interrompido com sua

morte. Para escrever seu texto, Bettendorff utilizou diversas fontes disponíveis como

cartas geográficas, escrituras de terras, documentos do colégio, crônicas e narrativas

como as escritas pelos jesuítas José da Costa e Christovão da Cunha, pelo

capuchinho Claude D’Abbeville, e pelo escritor Joao Laet,16 entre outros.

De Abbeville (1874), o jesuíta extraiu informações que o possibilitaram

descrever o Estado do Maranhão. Chama-lhe a atenção o número de aldeias e

moradores registrado pelo francês na região de São Luís, no início do século XVII: 27

aldeias com cerca de duzentos, trezentos ou seiscentos habitantes em cada uma. Em

1661, ano da sua chegada, Bettendorff encontra apenas duas ou três aldeias com

pouquíssimos índios, situação por ele atribuída à “crueldade e cobiça dos que

acabaram por guerras e trabalhos tanta gentilidade” (BETTENDORFF, 1990, p. 13).

Com isso, o jesuíta demonstra seu posicionamento contrário à escravização dos

índios suscitada pelos colonos, que causou constantes disputas com os religiosos

durante o século XVII. E ao mesmo tempo provoca a dúvida sobre o que realmente

teria acontecido com essas populações autóctones entre os anos de 1616 e 1661.

O cronista não registra o nome dos principais, como Abbeville fez em sua

crônica, mas somente o nome das aldeias, ressalvando sua dificuldade para entender

a grafia dos nomes indígenas registrados pelo francês uma vez que “os Francezes

não pronunciam e nem exprimem bem os nomes de outras línguas” (BETTENDORFF,

1990, p. 12). Para o cronista havia erros de impressão também, e ele se esforçou para

interpretar os nomes escritos conforme seu conhecimento posterior da região, como

por exemplo a aldeia registrada como Hirahendaba que ele supôs ser Iraendaba. Essa

16 LAET, Johannes de. Historia ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636. in: Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. (Vol. XXX). Rio de janeiro: Officinas Graphicas da Bibliotheca Nacional, 1912.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 78

mesma aldeia é chamada de Itandeaue na tradução da obra de Abbeville feita por

Cezar Augusto Marques em 1874, o que demonstra a dificuldade de interpretação e

grafia desses nomes.

Munido do texto do padre Christovão da Cunha17, Bettendorff pôde narrar a

expedição de Pedro Teixeira à Quito pelo rio Amazônia em 1637, e descrever a

geografia do local. Para o que não tinha registro ele contou com os relatos dos mais

antigos da missão e do que “viu com os próprios olhos”. Não obstante, ele mesmo

esclarece que na falta de maiores informações ou (incongruências) seguiu o que

achou “mais provável” já que não contava com nenhuma anotação própria sobre os

anos passados na missão. Entretanto, é importante ressaltar seu esforço para

escrever uma narrativa coerente com a realidade ao buscar várias fontes ouvindo

“todos os que bem o sabiam ou obraram aquilo de que se trata” (BETTENDORFF,

1990, p. 3).

De acordo com Arenz (2010), o manuscrito original da Crônica provavelmente

foi encontrado na Torre do Tombo, em Portugal, por Antônio Gonçalves Dias (entre

1855-1858) quando este esteve incumbido pelo governo maranhense de reunir

documentos que contassem a história do estado. Tão logo trouxe o documento ao

Brasil, Gonçalves Dias providenciou cópias do manuscrito, mas o original se perdeu

nesta tramitação.

Essa cópia se encontra no setor de obras raras da biblioteca da Universidade

de São Paulo (Coleção Yan Almeida Prado). A primeira publicação foi realizada em

1910 na Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e em 1990 a SECULT/PA

a reimprimiu (ARENZ, 2010). Esta foi a versão utilizada nesta pesquisa contendo

seiscentas e noventa e sete páginas e dividida em dez livros sem um rigor cronológico

pois o autor retoma em vários momentos acontecimentos de épocas anteriores. O

quadro a seguir resume os temas abordados em cada um desses livros:

17 Optei por utilizar a grafia portuguesa do nome espanhol “Cristóbal de Acuña”, conforme registrado na fonte pesquisada.

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Quadro 3 – Descrição da crônica de Bettendorff (1990)

Livro Título Assunto 1 Da origem do nome, descobrimento

do Estado e capitania do Maranhão Descrição e história do Estado do Maranhão em que detalha as capitanias e missões existentes.

2 Do que obraram os Padres missionários em tempo do governo do primeiro governador do Estado, e do segundo em que fez a viagem para Quito, e do terceiro, em que os holandeses tomaram o Maranhão.

O autor faz uma descrição minuciosa da expedição patrocinada pelo rei Felipe II que intentava abrir caminhos mais rápidos até a colônia espanhola no Peru. Ele também relata o levante popular que expulsou os holandeses do Maranhão e destaca o papel de Antônio Vieira como responsável pela efetivação da missão no Estado em 1653 ao conquistar o governo temporal dos indígenas garantindo assim o seu aldeamento, condição decisiva para a catequese.

3 Do que os padres obraram desde o ano de 1655 até o ano da sua primeira expulsão, em 1661.

Focaliza as ações de Antônio Vieira e suas conquistas para o desenvolvimento da missão como a escrita do regulamento dos aldeamentos – A visita, bem como a luta contra a escravidão indígena. Bettendorff também detalha nesse livro a distribuição dos missionários pelas missões no Estado incluindo sua própria chegada na missão em 1661 e sua primeira experiência em terras amazônicas. Para escrever esses relatos é provável que ele tenha utilizado as cartas do próprio padre Vieira.

4 Levantamento do povo do Maranhão e Pará contra os padres da Companhia de Jesus, enquanto se institui a missão do rio das Amazonas com missionários e residências em Tapajós.

São detalhados sua experiência quando do primeiro levante contra os jesuítas em 1661, momento em que Bettendorff estava na missão do Tapajós e por isso acabou escapando da expulsão, por ter se escondido na mata.

5 Do que se obrou do ano de 1667 até o ano 1684

Narra o desenvolvimento da missão evidenciado a criação do bispado em 1680 e o comércio das drogas do sertão – cravo, cacau e as salinas dos padres. Ressalta também a promulgação da lei que proibia a escravização do índio em 1680 e os distribuía entre colonos e padres.

6 Das cousas que sucederam a missão em tempo do governo do Padre Pero Luiz Gonsalvi, Romano.

Relata sua experiência como reitor do Colégio Nossa Senhora da Luz em São Luís iniciado em 1674 e diversas situações vividas entre os padres da companhia e o governo do Estado do Maranhão demonstrando a inter-relação entre o governo temporal e o espiritual com o destaque para a nomeação do primeiro bispo do Estado, D. Gregório dos Anjos.

7 Do levantamento do povo do Maranhão, expulsão e restituição dos padres missionários da Companhia de Jesus.

Trata da Revolta de Beckman em que a disputa pela mão de obra do trabalho indígena ocasiona nova expulsão dos jesuítas do Estado do Maranhão em 1684. Bettendorff foi deportado inicialmente para o Estado do Brasil, e eleito representante da missão para tratar das questões em torno do governo temporal dos índios na corte em Lisboa de onde retornou em 1687. Suas negociações favoreceram a promulgação do Regimento das missões em 1688 que devolveu aos jesuítas os poderes legais no manejo do nativo.

8 Põe-se a missão em estado maior e sua última consistência.

Relata os detalhes da missão na retomada do governo temporal e espiritual dos índios como o zelo no cuidado com as igrejas e capelas. Também aborda

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as vicissitudes enfrentadas nesse período como uma epidemia de varíola ocorrida em 1695 que vitimou a maioria das pessoas do colégio do Maranhão, das aldeias e engenhos dos inacianos. A epidemia iniciada em São Luís se estendeu por várias vilas incluindo algumas da capitania do Pará e cidade de Belém.

9 Relata-se a repartição das missões que se fez, por ordem de Sua Majestade entre os missionários das religiões e o que obrou superior novo, Bento de Oliveira, em tempo de seu governo.

Trata do conflito quanto às áreas de atuação das diversas ordens religiosas já estabelecidas na Amazônia no final do século XVII ficando a região do Cabo Norte (Macapá) a cargo dos Capuchos da Piedade.

10 Trata-se das cousas da missão acontecidas em tempo do superiorado do Padre José Ferreira.

Narra os conflitos entre o governador do Estado do Maranhão como o novo bispo no final do século XVII motivados pelas divergências sobre a jurisdição sobre as relações civis dos habitantes do Estado. A crônica se encerra sem o desfecho final da contenda.

Fonte: Elaborado pela autora

O texto do jesuíta, marcado pelo estilo barroco da época, atenta-se aos

detalhes e minúcias dos fatos e busca convencer o leitor pelo dramatismo das

imagens utilizadas e pela exuberância e grandiosidade das descrições narradas como

o relato sobre os rios da região amazônica, por exemplo. É perceptível o caráter

edificante estabelecido por Ignácio de Loyola no Exercícios espirituais18 que visava

sobretudo “manifestar a presença divina, estimular a fé do próximo e infundir a

piedade” (LONDOÑO 2002, p. 12). Bettendorff (1990) utiliza uma linguagem simples

incluindo vários vocábulos tupis.

Entretanto, não faltam à Crônica elementos da subjetividade do escritor cujo

tom é algumas vezes desanimador pelos rumos que a missão tomara naquela região

e pelas dificuldades enfrentadas, marcadas por duas expulsões num período de pouco

mais de vinte anos. De qualquer forma, os “meninos” e “meninas” aparecem em vários

momentos na narrativa fornecendo informações significativas para o entendimento da

vida das crianças na Amazônia no século XVII. Tais relatos permitem refletir sobre as

práticas educativas vivenciados no início da ocupação da região pelos portugueses.

Ao relatar a visita do padre Vieira na missão da serra do Ibiapaba, Bettendorff

(1990) evidencia a realização de danças pelos meninos os quais, juntamente com os

padres e os principais da aldeia, iam receber o clérigo. O relato demonstra ser essa

prática recorrente entre as crianças parecendo ser a dança um saber dominado por

18 LOYOLA, Santo Ignacio de. Exercícios espirituais. 3. ed. Braga, Pt: Livraria A. I. Braga, 1999. Disponível em: <http://www.raggionline.com/saggi/scritti/pt/exercicios.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2018.

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elas e, provavelmente por isso. as “festas e bailes” se tornaram parte do programa

educativo dos inacianos (BETTENDORFF, 199, p. 146).

A recepção calorosa dos meninos a um religioso, sempre cercada de música e

dança, aparece em outros trecho da crônica: “Aí estivemos esperando as águas vivas,

e com elas fomos até a aldeia dos Tupinambá, onde assistia o Padre Francisco

Velloso, que nos recebeu com muitas danças de meninos, que nos vieram

acompanhar para a igreja, e depois para casa” (BETTENDORFF, 1990, p. 155).

Nessas práticas, os saberes culturais nativos eram circulados e ressignificados pelos

jesuítas que as permitiam como forma de glorificar a Deus. Foi uma forma de integrar

os povos nativos ao culto católico (DEL PRIORE, 2002).

As atividades doutrinárias eram práticas que envolviam as crianças e também

seus conhecimentos musicais. Isso se estendia às demais ordens, como no caso dos

Carmelitas que chegaram a organizar orquestras com instrumentos confeccionados

pelos próprios índios que se apresentaram, inclusive, para o governador Mendonça

Furtado no século XVIII (REIS, 1993). As festas religiosas misturavam os estilos e os

corpos de nativos e religiosos criando, na mediação cultural entre sagrado e profano,

novos códigos de comunicação. Nesse processo, as crianças se destacavam como

importantes mediadoras pois criavam sentidos para os códigos aprendidos dentro do

seu universo cultural agindo como facilitadoras da comunicação entre mundos

culturais distintos (MONTERO, 2006).

A repetição era a forma precípua de inculcar a doutrina religiosa nos meninos.

Aplicando o previsto na Visita de Vieira, ao fazer suas inspeções, o Padre Gonçalves

mantinha a rotina de ensinar o catecismo à tarde para as crianças e realizava a

procissão pela aldeia com os meninos cantando a doutrina e os adultos a repetindo

(BETTENDORFF, 1990, p. 131). Como descrito por Bettendorff (1990, p. 131), a

doutrina era acompanhada de atividades práticas: “ao fim da doutrina, saía com todo

o auditório a encomendar as almas pela aldeia, entoando os meninos em voz alta a

doutrina cristã com a cruz alçada, e respondendo todos, assim índios como índias,

uniformemente a tudo”. Pelo texto do jesuíta, é possível inferir que a aprendizagem

das crianças nativas acontecia, sobretudo, na relação social e familiar.

Os curumins participavam dos rituais sociais importantes como as beberagens

na qual se via “uma fileira grande de homens e mulheres com seus filhinhos ao colo

ou pelas mãos” (BETTENDORFF, 1990, p.170). Esses rituais eram marcados pelo

consumo de bebidas embriagantes e, como demonstrado por Albuquerque (2012), se

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constituíam em importantes instâncias de socialização em que saberes e valores

circulavam, tratando-se por isso de uma prática educativa. As populações autóctones

não separavam as crianças e nem as excluíam desses momentos. Com a participação

delas garantiam a continuidade de seus costumes e de sua cultura, tendo nas

beberagens um momento privilegiado para isso. É preciso destacar porém, que as

crianças não ingeriam a bebida, sendo esse costume iniciado apenas nas cerimônias

de casamento, quando o jovem era desafiado pela primeira vez a beber uma cuia

inteira do cauim, momento em que afirmava sua coragem e valentia, valores

fundamentais para a sociedade tupinambá.

Percebe-se, então, que para os indígenas a criança era um ser aprendente,

capaz de reproduzir uma prática que lhe fosse ensinada. Porém, enquanto os

religiosos desenhavam um método diretivo, sem o qual eles consideravam impossível

a aprendizagem, os índios ensinavam através do exemplo e das atividades cotidianas.

De fato, tais crianças não eram o “papel em branco” que os religiosos acreditavam

que fossem, pois já traziam consigo os saberes que lhes eram importantes,

aprendidos no convívio cotidiano.

A estratégia dos padres jesuítas era de se integrar ao cotidiano dos índios e

utilizar seus próprios saberes na introdução da doutrina cristã. Um exemplo desta

atuação é a festa do Sairé em Santarém a qual, conforme Dias (2014), é fruto da

introdução dos elementos católicos aos rituais dos índios que viviam no aldeamento

do Tapajós num claro exemplo de circularidade cultural.

No balanço dos seus trinta e sete anos na Missão, Bettendorff se mostra

desapontado com os resultados obtidos e afirma que não viu melhoria alguma nas

vidas considerando “os filhos piores que os pais e os netos piores que seus avós”. Ele

acrescenta, ainda, que embora os primeiros colonos da Amazônia fossem “homens

sinceros e modestos” os seus descendentes eram tão diferentes que não pareciam

filhos de quem eram (BETTENDORFF, 1990, p. 268). Tal registro permite entrever

que as mudanças sociais advindas do contato colonizador-índio-religiosos não se

seguiram no rumo idealizado pelo religioso ao ressaltar no mesmo texto que “anda

solto o inferno”, expressando que o comportamento encontrado nos nativos estava

muito aquém do esperado. Isso demonstra que os valores incutidos nas crianças pelos

pais índios reverberavam em suas mentes mesmo após a insistência dos religiosos.

Nas palavras de Del Priore (1991, p. 24) “Malgrado o relevante esforço dos inacianos,

a cultura indígena já havia impregnado nas crianças com uma força de crenças e

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valores que as procissões, autos e capela de flores não conseguiam apagar de todo”.

Na mesma direção, segundo a interpretação de Sbrana (2014) as tradições culturais

dos Tupinambá já estavam enraizadas quando do contato com os europeus visto que

eles se encontravam nas terras brasileiras há séculos.

Não é possível negar, contudo, que o contato dos padres com as crianças

produziram mudanças significativas nelas pois, mesmo abandonando o aldeamento,

“não comiam mais carne humana e saíam capazes para receber a graça e procurar a

sua salvação. Além dos mais, antigos estudantes das escolas jesuíticas auxiliavam os

padres e muitos davam-se a ofícios” (CHAMBOULEYRON, 2015, p. 69).

Ao esmiuçar as práticas educativas em que as crianças estavam envolvidas na

Amazônia colonial, é possível compreender como elas aprendiam e o

entrecruzamento das distintas culturas envolvidas. Nessas práticas sobressaíram

saberes que circularam entre nativos e colonos amalgamando e transformando as

relações entre eles como será evidenciado a seguir.

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4. SABERES DO COTIDIANO NA AMAZÔNIA COLONIAL

O escopo deste capítulo é mapear os saberes presentes nas práticas

educativas cotidianas envolvendo as crianças da Amazônia do século XVII, uma vez

que elas tinham liberdade de experimentar as coisas e nessas experiências

aprendiam e transmitiam os conhecimentos necessários para desenvolver seu papel

social.

O processo de transmissão de saberes de geração a geração é entendido,

nessa pesquisa, como educação. É através dela que o homem se humaniza, se

constrói e se concretiza, se constituindo pela sua especificidade histórica, como

membro de uma sociedade e de uma cultura e, ao mesmo tempo, pela sua

singularidade. Por isso, a educação é também um movimento de contradições que

acontece pela humanização, pela socialização e pela subjetivação (CHARLOT, 2013).

Nesse movimento, Bondia (2002, p. 27) aponta os saberes da experiência do

indivíduo, como elaborações que dão sentido à vivência do sujeito ao revelar o

“homem concreto e singular”. Através dos saberes vivenciados e experimentados, os

sujeitos constroem sua identificação com o grupo social ao qual pertencem e elaboram

seu pensamento organizando o conhecimento com base em suas experiências. Isso

não significa que os saberes da experiência, ou do cotidiano, sejam simples ou de

fácil absorção, pois resultam da “incorporação de atitudes que apenas a regularidade

e a disciplina pessoal permitem possuir” (BRANDÃO, 2002, p. 166).

Os saberes do cotidiano podem ser considerados como mecanismos que

contribuem para a interpretação de uma sociedade e ao mesmo tempo, se configuram

como elementos constitutivos da identidade de seus membros. Para Martinic (1994,

p. 73) isso ocorre porque os saberes incluem “um conjunto de objetivações, certezas

e parâmetros que permitem ao sujeito compreender sua experiência e, ainda mais,

fazê-la inteligível aos demais”. Com isso, os saberes culturais se tornam

compartilhados e reconhecidos no grupo.

Na concepção de Albuquerque e Sousa (2016. p. 239) estes saberes “são

construídos nas práticas sociais cotidianas dos sujeitos, em suas experiências

religiosas, festivas ou no trabalho” e contemplam uma “uma dimensão abstrata e

sistemática”, ou seja, têm uma lógica própria que exige esforço de aprendizagem. Ao

analisar os saberes circulados na Amazônia Colonial, percebe-se que embora

estivessem ligados a aspectos considerados utilitários, eles também eram

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transmitidos nas práticas educativas cotidianas e nos rituais, exigindo algumas

capacidades como imitação, observação, repetição nas quais incidiam regras e

princípios com intenção pedagógica.

Os rituais podem ser considerados como momentos peculiares de transmissão

de saberes. Nessas cerimônias as crianças adquiriam conhecimentos que

demarcavam sua identidade no grupo social, como a coragem aprendida no rito de

perfuração dos lábios dos meninos Tupinambá, por exemplo. O significado simbólico

produzido nessas práticas era uma das formas das crianças se relacionarem com seu

mundo social (CHARTIER, 1991).

Ancorada em Brandão (2002), é possível inferir que na reprodução desses

saberes a criança se tornava capaz de participar das atividades coletivas do grupo e

assim se sentir parte dele.

A transmissão de saberes também contou com a memória. Para Évreux (2007)

a ausência da escrita não comprometia em nada a aprendizagem dos saberes

culturais dos Tupinambá pois os conhecimentos repassados oralmente pelos pais

eram memorizados pelos filhos que “lembram-se sempre do que viram e ouviram”

(ÉVREUX, 2007, p. 68). O cronista relata que era comum ver os mais velhos contando

aos mais moços suas experiências e o que sabiam. Nesses momentos os mais velhos

relatavam quem foram seus antepassados, suas realizações, detalhando “palavra por

palavra” e contavam com a participação de muitas pessoas que se reuniam para ouvi-

los incluindo as crianças, que guardavam tudo na memória.

A construção da identidade cultural permeada por saberes, deve ser vista como

uma relação de forças entre as representações “impostas pelos que detêm o poder

de classificar e de nomear e a definição, de aceitação ou de resistência, que cada

comunidade produz de si mesma” (Chartier, 1990, p. 183). Por isso, a análise das

relações estabelecidas no contexto estudado é primordial visto que, no que se refere

à Amazônia Colonial, há um diversidade de forças e interesses interagindo ao mesmo

tempo.

No século XVII “As relações das populações indígenas com a floresta e com o

rio, com a coleta e com a pesca, conformavam o sistema de sustentação dos grupos

tribais da Amazônia” (COELHO, 2016, p. 127). Nesse sistema se concentravam

conhecimentos próprios desse grupo, forjados no seu cotidiano e que mediavam

essas relações.

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Um vez que o índio dominava os saberes necessários à vida na Amazônia,

para o europeu se tornou imperativo se relacionar com ele a fim de sobreviver nesse

ambiente. Diferentemente do que ocorreu em outras regiões do Brasil, no norte, os

índios não puderam ser simplesmente eliminados. Sem condições para o plantio de

cana-de-açúcar que movia a economia no Estado do Brasil capitaneado por Salvador

e Recife, no Estado do Maranhão e Grão-Pará a retirada das chamadas drogas do

sertão foi, de início, a principal atividade econômica para a qual o trabalho do índio se

tornou fundamental. Nesse sentido, Coelho (2012) resume a relevância das

populações autóctones esclarecendo que

A resposta à domesticação da Amazônia residia no saber do índio, saber cuja apropriação pelo conquistador exigia mediação linguística e sínteses culturais, ou seja estratégias construídas pelo sujeito da colonização para se revelar ao indígena e obter ganhos decorrentes dessa revelação (COELHO, 2012, p. 36).

Para usar o conhecimento do índio e/ou aprender com ele, a relação dos

religiosos com as crianças amazônidas do século XVII, estabelecidas principalmente

nos aldeamentos jesuítas, tiveram papel fundamental. Certamente muitos saberes

circularam nessa relação, mas nessa pesquisa focalizei aqueles que se sobressaíram

a partir das fontes selecionadas e que permearam o cotidiano dessas crianças.

Os saberes linguísticos, musicais, as danças e os saberes lúdicos e práticos se

configuraram como códigos culturais privilegiados ao serem transmutados em uma

linguagem que permitiu a comunicação e a mediação cultural entre grupos sociais tão

distintos. Através desses códigos partilhados foi possível entrever “a pluralidade das

clivagens que atravessam uma sociedade” (CHARTIER, 1991, p. 177).

Tais saberes dialogam entre si, mas, para uma apresentação didática optei por

discorrer sobre eles separadamente, ciente de que eles estão sempre imbricados.

4.1 Saberes linguísticos

A comunicação com os autóctones das terras amazônicas foi um dos pontos

cruciais na investida de evangelização católica. Para cumprir a missão de cristianizar

a nova terra, era fundamental que os religiosos conseguissem transmitir aos

autóctones, os valores do cristianismo, e para isso se fazia necessário o

desenvolvimento de códigos linguísticos capazes de traduzirem esses valores para os

povos aqui encontrados.

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Aprender a língua do autóctone era primordial para os jesuítas exercerem sua

função evangelizadora conforme o direcionamento da Companhia de Jesus, pois de

acordo com princípio do accomodatio, “os missionários deveriam adaptar-se às

sociedades indígenas nos locais de missão ao ponto de poderem, por meio do

conhecimento da lógica de organização social e das práticas culturais, pregar-lhes a

mensagem cristã” (PRUDENTE, 2017, p. 30). Esse princípio derivava dos Exercícios

Espirituais estabelecidos por Inácio de Loyola, em que uma nova espiritualidade

conduziria o missionário a renunciar até mesmo sua própria língua para aprender e

usar uma nova, com a qual pudesse pregar o Evangelho e arrebanhar mais almas

para o reino divino (AGNOLIN, 2006).

A aprendizagem da língua do novo mundo ocorreu, inicialmente, por imersão

dos padres no convívio cotidiano com os nativos. Desde a chegada dos Jesuítas no

Brasil em 1549, crianças portuguesas foram utilizadas nessa tarefa pois acreditava-

se que elas teriam maior habilidade de aprender os mistérios da língua falada pelos

indígenas. Por isso, foram trazidos meninos órfãos de Portugal para os aldeamentos

brasileiros a fim de aprenderem a língua e se tornarem tradutores, os chamados

línguas. Esses meninos interagiam com os curumins e com eles aprendiam os

sentidos das palavras nativas e as explicavam aos religiosos. Seu papel foi

extremamente importante na elucidação de termos e na escolha das palavras

indígenas que poderiam representar melhor, os sentidos religiosos que os padres

queriam repassar aos nativos.

Para além desse papel, nessa interação entre meninos portugueses e

curumins, estes últimos também aprendiam os termos portugueses e nessa relação

se fundou a língua que viria a ser falada por quase três séculos no Brasil Colonial – a

língua geral. Entretanto, para levar adiante seu projeto missionário era fundamental

que os religiosos contassem com alguma sistematização dessa língua, até então

somente falada, para criar parâmetros mínimos de difusão do evangelho.

Ao se estabelecerem na Amazônia no início do século XVII, os jesuítas já

haviam acumulado experiências com nativos de outras regiões brasileiras, e

focalizado no estudo da língua no intuito de dominar seus códigos. Contavam,

inclusive, com uma gramática escrita pelo padre Anchieta, resultado dos seus

esforços juntos aos Tupinambá em terras paulista e capixaba, que visava estabelecer

“uma padronização da língua indígena a ser usada na catequese dos índios na

América portuguesa” (PRUDENTE, 2017, p. 31). Com essa estandardização o padre

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intentava criar uma língua única, dentre a multiplicidade de dialetos existentes na

região, e a gramática ou dicionário elaborado se destinaria aos missionários, com o

intuito de homogeneizar essa língua visando, sobretudo, formar uma identidade cristã

nos autóctones. O efeito disso foi principalmente sobre os tapuias aldeados, que se

viram obrigados a “tupinizar” sua língua para poder se comunicar com os padres e

demais índios (PRUDENTE, 2017).

Entretanto, tudo indica que essa gramática não foi suficiente para garantir a

comunicação com os Tupinambá encontrados em São Luís pelo padre Luís Figueira,

o que explicaria a elaboração de outra gramática, utilizada pelos religiosos em missão

no Estado do Maranhão e Grão-Pará19. Isso demonstra que havia algumas diferenças

entre a língua falada na colônia do sul e a língua falada na colônia do norte

(PRUDENTE, 2017).

O padre Vieira (2008), que veio do Estado do Brasil para o Estado do Maranhão

em 1652, destacou as dificuldades de comunicação com os nativos locais visto que

poucos padres dominavam a língua. Por isso, ao chegar na região, uma de suas

primeiras providências foi juntamente com os demais padres da Missão, tomar

diariamente “uma lição da língua da terra” inclusive nos dias “santos” (VIEIRA, 2008,

p. 250).

Para Vieira, sem o domínio da língua era impossível que os padres fossem

“instrumentos hábeis da conversão dos índios” (VIEIRA, 2008, p. 250). Considerando

que sua chegada na Amazônia ocorreu mais de cem anos depois da chegada dos

jesuítas na Bahia, essa persistente necessidade de aprendizagem da língua pelos

religiosos, aponta para a diversidade linguística existente em território brasileiro e o

desafio implícito nesse domínio.

A necessidade de dominar o idioma falado na região era fundamental, a ponto

de Vieira insistir junto ao Provincial da missão para o envio de missionários que

dominassem a língua brasílica ou estivessem dispostos a aprendê-la. Em carta

enviada ao Rei D. João IV em 1653, relata as dificuldades encontradas e reforça, em

vários momentos, a necessidade de padres “línguas” e atribui o desamparo

encontrado à

19 FIGUEIRA, Luís. Arte da língua brasílica. Lisboa: Oficina de Manoel da Silva, 1621. Esta gramática foi reeditada por Bettendorff em 1687.

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falta de curas e sacerdotes, principalmente de religiosos que tenham por instituto estudar e saber a língua; porque sem ela aproveitam pouco os curas, e só os que sabem lhes podem administrar os sacramentos como convém, principalmente o do Batismo e da Confissão, que são os mais necessários” (VIEIRA, 2008, p. 238).

Ao reconhecer a necessidade de aprendizagem da língua falada na Amazônia,

Vieira instaurou uma espécie de estágio para garantir que todos os neófitos

dominassem os códigos comunicativos, afiançando o sucesso da missão. Assim, todo

padre recém-chegado no Estado do Maranhão e Grão-Pará, deveria passar um tempo

em uma das aldeias jesuíticas próxima à Belém ou São Luís aprendendo o idioma

com os nativos, antes de ser enviado como missionário a um aldeamento.

Foi o que o que ocorreu com o padre Bettendorff, quando ele foi designado

como missionário para o Estado do Maranhão e Grão-Pará, em 1659. Sendo

originariamente belga, se dedicou inicialmente aos estudos do português e,

posteriormente, do tupi, utilizando para isso a gramática do padre Figueira produzida

em 1621. Mas, a fim de se tornar versado na língua da terra, ao chegar no Pará em

1661, foi mandado juntamente com o padre Francisco da Veiga para a aldeia de

Murtigura (atual Vila do Conde/PA). Nessa experiência, ao ensinar o português ele ia

aprendendo a língua nativa conforme ele mesmo relata:

Tomando a minha conta a doutrina de cada dia, a classe dos meninos para ensiná-los a ler e escrever [...] por fata de livros, tinta e papel, não deixassem de aprender, lhes mandei fazer tinta de carvão e summo de algumas ervas, e com ella escrevia em folhas grandes de pacobeiras e para lhes facilitar tudo lhes puz um pauzinho na mão por penna, e os ensinei a formar e conhecer as letras assim grandes como pequenas no pó e arêa das praias com que gostaram tanto que enchiam as praias de letras, ficando aldeia e praias alastradas todas; mas como os mystérios da nossa Santa Fé são os que se devem saber ensinar antes de tudo mais com eles também os exercitava em o fim da classe, e com isso ia também eu aprendendo a língua da terra, cuja grammatica a tinha translado em latim, estando ainda em Portugal, e mandando-a para a minha província para que aprendessem por ella os que la quisessem vir para essa missão do Maranhão (BETTENDORFF, 1990, p. 157).

No excerto, o padre detalha sua didática, expondo a utilização de recursos que

lhes estavam à mão e ressaltando o gosto das crianças pelo aprendizado das letras.

Ele aponta ainda para o protagonismo dos meninos e meninas que o possibilitou a

aprender a língua da terra. É visível também a preocupação do jesuíta com o

aprendizado da língua nativa, que o motivou a traduzir a gramática de Figueira para

o latim, a fim de que os religiosos que se interessassem pela missão no norte do Brasil

chegassem a ela melhor preparados.

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A preocupação de Bettendorff (1990) com o ensino do latim é demonstrada na

sua tentativa de iniciar turmas para os filhos dos moradores da cidade de Belém na

sétima década do seiscentos. As turmas começaram e segundo o autor, os alunos

estudavam “todos com furor e grande aproveitamento” (BETTENDORFF, 1990, p.

280). Entretanto, o governador mandou que um dos seus alunos se alistasse nas

tropas que defendiam o território, o que contrariou o padre e o levou a requerer

dispensa para este aluno. Ao ter o seu pedido negado Bettendorff decidiu fechar a

classe e no seu relato afirma que não mais a abriu. Era uma reinvindicação dos

missionários que os meninos não servissem às tropas do governador antes de

chegarem a idade de se casar para que pudessem aprender bem a doutrina.

O jesuíta se esforçou para aprender também a língua dos ingaybas20 para a

qual contou com a ajuda do filho do capitão-mor. Esse mameluco, afirma o cronista,

era “versadíssimo” em ambas as línguas – português e ingayba e com seu auxílio, o

padre aprendeu aquela língua dentro de três meses podendo, com isso, ensinar a

doutrina e batizar pelo menos mais de oitenta crianças (BETTENDORFF, 1990, p.

336).

A utilização de índios e/ou mamelucos na disseminação da língua geral era

recorrente, configurando-se como uma estratégia de ação dos jesuítas visando a

rápida e eficaz aprendizagem. Outro exemplo foi o caso do filho do principal dos

Irurizes21 que foi levado pelo padre Iodoco Peres para o colégio de Santo Alexandre

em Belém a fim de aprender a língua geral e se tornar tradutor do padre missionário

em serviço naquela aldeia. Após aprender o idioma que representava os códigos dos

padres transmutados em códigos indígenas, o jovem retornou para a aldeia como

companheiro do padre João Ângelo (BETTENDORFF, 1990).

Bettendorff (1990) relata também, a tradução do catecismo em várias línguas

nativas com a ajuda de índios possibilitando-o, assim, catequisar os Tapajó e os Urucu

em sua própria língua. Da mesma forma, o padre Manuel Nunes investiu na

composição de catecismo na língua dos Ingaybas. Com isso, nota-se o protagonismo

dos nativos na formação de uma língua comum à todos.

Ao analisar essas práticas de aprendizagens linguísticas como espaços de

mediação cultural em que “o esforço de generalização se impõe” (MONTERO, 2006,

p. 23) infere-se que esses indígenas não apenas reproduziam os significados

20 Nome genérico para qualquer povo não-tupi (PRUDENTE, 2017). 21 Nação indígena que vivia na região do rio Madeira (BETTENDORFF, 1990).

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 91

aprendidos mas também os ressignificavam tornando os resultados de sua ação

imprevisíveis para os religiosos. Há aqui uma aproximação das ideias e Montero

(2006) e Chartier (1991), pois para este último, é justamente nas práticas, como no

caso das aprendizagens linguísticas, por exemplo, que as representações são

construídas e as clivagens culturais são reorganizadas e ganham novo sentido para

ambos os grupos envolvidos. A relação entre nativos e indígenas se constituiu

portanto, em espaços de construção de novas representações linguísticas.

Em alguns casos, depois de versado na língua geral, o índio simplesmente não

voltava para sua aldeia para servir de tradutor como queriam os padres. Foi o que

ocorreu com o filho do principal dos Abuquenos, nação que vivia próxima ao

aldeamento do rio Urubu, um dos afluentes do Amazonas. O padre João Maria levou

o rapaz para o colégio do Pará a fim de que ele aprendesse a língua e quando ele já

a dominara, Bettendorff o entregou ao padre Theodósio, para que ele retornasse à

sua nação ainda não evangelizada, e convencesse seu pai, a descer com os índios

para o aldeamento e ali pudessem todos ser doutrinados. Entretanto, de acordo com

Bettendorff (1990) o jovem permaneceu no Pará, e não retornou para o aldeamento

com o padre.

O protagonismo dos rapazes e meninos como facilitadores da aprendizagem

da língua nativa também ocorreu em outras partes do Brasil, conforme registrado por

Freyre (2006, p. 219):

No Brasil o padre serviu-se principalmente do culumim, para recolher de sua boca o material com que formou a língua tupi-guarani – o instrumento mais poderoso de intercomunicação entre as duas culturas: a do invasor e a raça conquistada. Não somente de intercomunicação moral como comercial e material. Língua que seria, com toda a sua artificialidade, uma das bases mais sólidas da unidade do Brasil.

Na missão do Maranhão, Vieira (2008 p. 294) ressaltou que os filhos

“emendavam” aos pais e que os “moços” eram “os que mais depressa tomavam de

memória”. Portanto, o investimento no ensino da língua às crianças produzia frutos

mais rápidos para os padres e ao dominá-la, elas se tornavam importantes agentes

de transmissão da crença e rituais cristãos. De qualquer forma, considerando que o

aprendizado da doutrina era sobretudo pela oralidade, não havia como os

missionários controlarem os significados que as crianças davam para as novas

palavras que aprendiam.

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 92

Esse idioma, que ficou conhecido como língua brasílica ou língua geral, se

configurou como um nova linguagem criada a partir das relações estabelecidas

mormente nos aldeamentos, em que os jesuítas se esforçavam para traduzir a

contento os símbolos cristãos para o universo indígena. Segundo Prudente (2017, p.

18),

o estabelecimento de uma “Língua Geral” ocorreu devido à dificuldade dos europeus em dar conta da diversidade linguística existente na colônia. Esta prejudicaria a comunicação e, consequentemente, o processo de conquista no campo espiritual e territorial.

Até o século XVIII predominou essa linguagem em que elementos da língua

tupi se misturavam com a língua portuguesa sendo a mais praticada na costa

brasileira. Segundo Bittar e Ferreira Jr. (2017), era o idioma utilizado nas relações

privadas, ficando o português restrito às relações oficiais e mercantis.

A relevância das crianças na transmissão do saber linguístico foi perceptível

não somente entre os religiosos mas “muitos colonos e seus filhos também aprendiam

a falar a Língua Geral na convivência com índios que prestavam serviços nas roças

ou como domésticos, principalmente aqueles nascidos na colônia e criados por amas

de leite indígenas” (PRUDENTE, 2017, p. 68).

Embora a relação de forças entre religiosos e nativos fosse assimétrica, é

possível compreender o ensino da língua na Amazônia sob a ótica da mediação

cultural pois a língua geral forjada, ao mesmo tempo que era uma ferramenta de

catequese se configurou no resultado dela (AGNOLIN, 2006). Isso porque os

religiosos se aproveitaram de mitos existentes naquele contexto buscando dar-lhe

outro significado como no caso de Jeropary, nome de uma entidade temida na cultura

Tupi que passou a denominar o diabo cristão, conforme se pode notar no texto de

Abbeville (1874, p. 76):

Foi sim o desejo de serem vossas almas, depois da vida d'este mundo, livradas da condemnação eterna e dos tormentos de Jeropary, e conduzidas, cheias de felicidade ao Céo, onde existe Deos, e todos os bons christãos, que são seos verdadeiros filhos, e que ahi vivem descançados com Elle.

O Deus cristão foi transmutado para a palavra Tupan, que no universo Tupi não

correspondia necessariamente à uma divindade, mas estava ligada à manifestação

do trovão que causava temor aos índios. Contudo, nessa manifestação os religiosos

encontraram a tradução que precisavam ao invés de simplesmente utilizar uma nova

palavra. Daí terem se apresentando como filhos do grande Tupan numa tentativa de

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se aproximarem dos indígenas e os convencerem a se tornarem também filhos de

Tupan, a partir da doutrinação que traziam. Há uma intenção de compartilhamento de

sentidos e esta relação se situa numa zona de interculturalidade.

O domínio da língua geral se tornou, assim, condição requerida para o exercício

da missão entre os nativos, e os padres que detinham seu conhecimento e fluência

foram os primeiros a serem enviados e os que melhor resultados obtinham, como

padre o Francisco Velloso, destacado por Bettendorff (1990) por ser considerado

perito na língua Tupi. Segundo o cronista, quando os indígenas ouviram a doutrina

em sua própria língua e que o padre Francisco Velloso lhes “falava como natural entre

eles e ainda muito melhor, d’elles não houve um só que não quizesse descer em sua

companhia, portanto tratou logo de batisar todos os meninos” (BETTENDORFF, 1990,

p. 110).

É inegável que esse processo de formação de uma nova língua tenha causado

perdas irreparáveis para as comunidades indígenas que tinham no seu vocabulário

sua identidade e sua forma própria de se relacionar com o mundo. Além disso, ao

estandardizar o tupi como língua geral, os jesuíticas contribuíram para sufocar as

línguas tapuias. Porém, considerando que os materiais elaborados pelos padres como

gramáticas e catecismos eram utilizados de forma oral, “a operação linguística

veiculada pela leitura dessas instruções abre, de fato, o problema de determinar não

somente o que os catecúmentos entendiam, mas como entendiam” (AGNOLIN, 2006,

p. 170). Os conceitos e categorias utilizados pelos jesuítas não existiam nas culturais

indígenas e a disparidade entre a cultura escrita dos religiosos e a cultura ágrafa dos

nativos permite supor que estes também ressignificavam as práticas europeias

aprendidas, dando às palavras nem sempre o mesmo sentido que os padres

intentavam impor. Para Agnolin (2006, p. 173),

os diferentes sentidos se encontravam numa matéria linguística (nova) que, em sua contínua mobilidade, teria revelado uma tentativa (contínua) de acomodação, realizando-se, também e paralelamente, pelo seu constituir-se como instrumento comunicativo performático.

Portanto, essa é também uma história de resistência em que a apropriação da

nova linguagem utilizada se valeu de vocábulos de matriz indígena num claro

processo de mestiçagem. Essa nova língua inclusive, veio a se tornar empecilho para

as reformas pombalinas no século XVIII quando então a língua geral foi substituída

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 94

pelo português. Essa mestiçagem é perceptível também na análise de outros saberes

como a música por exemplo.

4.2 Saberes musicais

A utilização da música pelos jesuítas como meio de aproximação e sedução

dos nativos na América portuguesa foi uma marca na atuação desses religiosos

mesmo considerando que os documentos que regulamentavam as ações da

Companhia de Jesus não estimulassem ou apoiassem a prática musical. As

Constituições previam que o clérigo se dedicasse à vida espiritual, voltando-se para a

catequese, a pregação, a comunhão, os sacramentos. Até mesmo o uso do coro nas

igrejas só foi permitido por Loyola a partir de 1555. Na visão do fundador da

Companhia, a música poderia desviá-los de uma vida mais asceta e por isso não fazia

parte das ocupações dos inacianos (HOLLER, 2006). Ao contrário, eles deveriam se

abster dos cantos ou restringir seu uso a um “tom devoto, suave e simples isso no

intuito, e até onde fosse indicado, de mover o povo a frequentar mais as confissões,

pregações e leituras, e não de outro modo” (CONSTITUTIONES, apud HOLLER,

2006, p. 132).

Porém, na convivência com os nativos, os jesuítas das missões brasileiras

perceberam que a música tinha um forte apelo na cultura indígena e seu valor foi logo

capturado pelos padres.

Eles notaram que se não utilizassem a música em suas atividades de

catequese correriam o risco de afastar os índios dos aldeamentos. Por isso, preferiram

contrariar o disposto em seu regulamento e ao invés de excluir a música de suas

atividades resolveram aproveitá-la.

A utilização de música e instrumentos musicais em atividades de catequese e

nas missas foi registrada em vários documentos do Período Colonial. Ao iniciar o

processo de catequese o padre Manuel de Nóbrega relata que para atrair os índios,

chegavam a cantar as cantigas religiosas na língua e no tom dos nativos (HOLLER,

2006).

A prática musical entre os nativos foi registrada por vários cronistas do Brasil

Colonial. Abbeville (1874, p. 349), por exemplo, ressaltou que as cantigas indígenas

eram sempre em louvor à natureza e à suas próprias vitórias nas guerras contra os

povos inimigos, cantadas em momentos festivos “em diversos tons, conforme o

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compasso, e com estribilho no fim de cada estância”. Havia ainda uma variação no

volume da cantiga entoada junto às danças. Começavam bem baixo e depois iam

levantando “a voz a ponto de serem ouvidos muito longe, principalmente quando são

muitos como de ordinário acontece” (ABBEVILLE, 1874, p. 349).

No Tratado descritivo do Brasil, Gabriel Soares de Sousa (1879) relata que

entre os Tupinambá haviam grandes músicos e a habilidade musical era respeitada

em todas as nações indígenas, tendo o músico passe livre para transitar até mesmo

entre a as nações inimigas. Embora considerasse o tom de seu canto “sofrível”, Sousa

(1879, p, 294) ressaltou que os Tupinambá tinham “boas vozes”. Eram bons

improvisadores e quando se reuniam, um dizia a cantiga e os outros respondiam,

todos no mesmo tom. Algumas mulheres são citadas por Sousa (1879, p. 294) como

“grandes músicas e por isso mui estimadas”.

O padre Cardim também relata a participação de mulheres cantoras nas

cerimônias de morte dos inimigos em que levando cordas novas para prender o cativo

“começa uma velha como versada nisto e mestra do coro a entoar uma cantiga que

as outras ajudão, cuja letra é conforme a ceremonia” e diz “se tu foras papagaio,

voando nos fugiras” (CARDIM, 1925).

Através da música, os nativos contavam suas façanhas nas guerras. A guerra

era um atividade dos Tupinambá e ser guerreiro um valor fundamental. Ao cantarem

os cânticos que relatavam como os guerreiros derrotaram seus inimigos e

acompanharem os rituais que os massacravam, como o descrito acima, as crianças

eram estimuladas a almejar se tornarem também guerreiras. No futuro, os meninos

ouvintes estariam cantando suas próprias façanhas. Para além de um saber, a música

era, portanto, uma prática educativa em que os valores guerreiros da sociedade

tupinambá eram transmitidos (SEVERIANO, 2016).

Segundo Severiano (2016), a música estava presente em diversos momentos

da vida dos Tupinambá como cerimônias de nascimento, rituais fúnebres,

antropofágicos, reuniões políticas, fabricação de cauim entre outros. Em todas essas

ocasiões as crianças estavam presentes, e por isso, participavam dessas práticas

musicais que compunham a cosmologia nativa. Elas aprendiam a música no contexto

inter geracional, e na relação com seus pares.

Para Gilberto Freyre coube aos jesuítas substituir esses cantos “por outros,

compostos por eles, secos e mecânicos; cantos devotos, sem falar em amor, apenas

em Nossa Senhora e nos santos” (FREYRE, 2006, p. 178). Isso é perceptível no relato

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de Bettendorff ao registrar as procissões festivas dos nativos da Aldeia de Cayritiba.

Nessas ocasiões eles levavam “diante de si a imagem da Virgem Senhora Nossa,

cantando alternativamente: Tupá cy angarurana, Santa Maria Chisto Yara”

(BETTENDORFF, 1990, 272).

Os jesuítas se estabeleceram no Estado do Maranhão em 1622 com a

participação do padre Manuel Gomes, um dos primeiros membros da Companhia a

chegar na região. Em sua experiência nessa missão ele registrou que levou consigo

índios cantores e instrumentistas de Pernambuco, com o intuito de se apresentarem

em festas cantando, tocando e dançando. Na visão do religioso, esses momentos

eram extremamente educativos pois ver aqueles índios doutrinados envolvidos com a

música, serviria de estímulo para que os Tupinambá do Maranhão se interessarem

pela religião católica (HOLLER, 2006). Percebe-se então que a música tinha forte

apelo entre os índios e era um saber que circulava entre nativos e europeus se

configurando como um código de comunicação comum entre ambos. As crianças

foram interlocutoras privilegiadas nessa mediação cultural, pois o uso de instrumentos

musicais era geralmente atribuído à elas incluindo-se tanto as nativas quanto as

crianças portuguesas (HOLLER, 2006).

A musicalidade dos nativos foi notada pelo padre Vieira ao chegar no Maranhão

e com seu tom edificante qualificou o que ouviu nas festividades da Semana Santa

como “a melhor música da terra” (Vieira, 2008, p. 264). Viera sabia que o “canto

público” não condizia com as orientações da Companhia e por isso mesmo defendeu

seu uso em carta emitida ao provincial do Brasil. Para ele, essa era uma forma de

“trazer as almas a Deus” e poderia ser usada por ser “segura e aprovada como a

devoção da Virgem”. Nessa epístola, além de justificar o uso da música ele ainda

demonstrou um exemplo de sua efetividade ao narrar que os estudantes do colégio

de São Luiz iam cantando a ladainha e os índios e índias os seguiam até a igreja onde

a doutrina lhes era ensinada. Percebendo o pendor para a musicalidade entre os

autóctones, Vieira introduziu na Amazônia a prática de cantar o terço, já existente em

Portugal.

De acordo com Holler (2006, p. 12), “provavelmente por uma inclinação

particular, o Padre Bettendorff refere-se a práticas musicais em vários trechos dessa

crônica, assim como nas ânuas de sua autoria”. Dentre os muitos relatos em que

sobressai a presença da música em diferentes contextos e usos, um deles chama a

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atenção por revelar sua importância na celebração de uma pacificação entre tribos

rivais que teria sido promovida pelos jesuítas. O congraçamento desses povos

se fazia ao som de trombetas, buzinas, tambores e outros instrumentos, acompanhados de um grito contínuo de infinitas vozes, com que toda aquela multidão de gente declarava sua alegria, estendendo-se este geral conceito a todas, posto que eram de mui diferentes línguas (BETTENDORFF, 1990, p.142).

A despeito do tom edificante e do interesse em ressaltar o relevante papel dos

padres nesse momento, o trecho permite perceber que mesmo entre grupos

diferentes, a música era um saber comum e agregador. O uso de variados

instrumentos musicais, e o “grito contínuo” relatado no excerto, demonstram que a

música era um saber local com uma marca tão forte entre esses povos que os jesuítas

não podiam prescindir de seu uso. Ainda nesse relato, o clérigo informa que as

comemorações se seguiram por três dias e que à noite ocorriam os bailes envolvendo

as várias nações e suas “diferentes vozes, modos, instrumentos e harmonias”

(BETTENDORFF. 1990, p.142).

A habilidade musical dos índios era usada também para divertir os padres como

foi o caso do índio Thomazio, a quem Bettendorff registra ter solicitado que tocasse a

trombeta durante sua viagem pelo Tapajós, pois assim, poderiam suportar com mais

alívio os ataques dos mosquitos durante a noite. Em outra ocasião, o padre João Maria

foi quem alegrou a trupe formada por homens, mulheres e crianças que conduzia ao

som da sua gaita. Percebendo o interesse dos nativos, o padre aproveitou para

ensiná-los a tocar. Bettendorff (1990) narra que eles então passaram a entoar a gaita

toda noite e destaca que ensinar os índios a manejar algum instrumento que eles

pudessem utilizar em suas festas, era uma maneira de entretê-los e convencê-los a

ficar nos aldeamentos. Ainda no Maranhão o padre Diogo da Costa, por sua vez,

ensinava os rapazes a cantar e tocar violão.

Percebe-se, com isso, que a música permeava o cotidiano dos morados da

Amazônia colonial e tinha várias funções além de alegrar. Segundo Pereira (2007), os

Jesuítas acreditavam que a melodia musical seria capaz de afugentar os espíritos

maus e por isso utilizavam a música como recurso na catequese. A autora demonstra

também o caráter educativo da música visto que a repetição de rezas e cânticos

garantiria a presença das crianças nos eventos católicos, além de atrair seus pais.

Nos relatos consultados ficou patente a utilização cotidiana da música como prática

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 98

educativa e a repetição da doutrina católica, sempre cantada, ensejando a

aprendizagem. Ao registrar a realização de uma festa religiosa, por exemplo, o padre

provincial da Bahia salienta a participação de um coro formado por moços e meninos

utilizando vários instrumentos musicais, dentre os quais baixão, sacabuxa, flautas e

charamelas (HOLLER, 2006, p. 98). Essa diversidade de instrumentos é registrada

nos escritos dos padres jesuítas.

Ao voltar-se, especificamente, para esse tema, Holler (2006, p. 71) constatou

que no século XVII

não se tem somente uma maior quantidade de referências a instrumentos, mas também maior variedade, pois surgem vários instrumentos que antes não haviam sido mencionados, como as charamelas (que passam a surgir nos relatos quase tão frequentemente quanto flautas) e baixões.

Na Amazônia há registro de usos de flautas, charamelas, buzinas, gaitas,

cravos, trombetas, rabecas, viola, baixões e harpa. Esses três últimos eram utilizados

pelos mercedários e estavam associados com a cultura portuguesa da época, tocados

“para mitigar as saudades da música desse Reino” (HOLLER, 2006, p. 437). Dentre

eles, a viola era o mais comum em Portugal.

As flautas foram largamente utilizadas pelos jesuítas junto aos índios, tanto

pela semelhança com os apetrechos encontrados entre os nativos, quanto pela

facilidade de sua construção. Estavam presentes em várias atividades tanto as sacras

quanto as profanas (HOOLER, 2006).

As charamelas eram aparelhos comuns no século XVII sendo frequentemente

citadas nos documentos jesuíticos. O termo era utilizado “para instrumentos de

madeira com palheta dupla, e também para instrumentos de sopro de metal, como

trombetas” (HOLLER, 2006, p. 100) .

De acordo com Holler (2006, p. 98), “pode-se supor que as gaitas mencionadas

nos textos jesuíticos eram flautas de construção mais rústica e que seu uso atual no

norte e nordeste do Brasil tenha origem provável na atuação dos jesuítas no Período

Colonial”. Eram feitas, geralmente, de bambu ou até mesmo de ossos de animais ou

humanos como no caso relatado por Bettendorff em que os Tapuyas aproveitaram

“uma canella do Padre Bernardo Gomes, para della fazer uma gaita”

(BETTENDORFF, 1990, 431).

As buzinas, por sua vez, são denominações dadas pelos portugueses aos

instrumentos de sopro indígenas (HOLLER, 2006). Em uma de suas cartas, Vieira

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 99

relata que em seu contato com os Nheengaíbas foi recebido pelos seus principais ao

som de buzinas. Os padres também utilizavam o apetrecho para comunicarem-se

entre si durante suas viagens pelos rios da Amazônia (VIEIRA, 2008).

O cravo aparece no relato de Bettendorff já no final do século XVII, embora não

seja tocado por padres da companhia e sim pelo colono Gregório de Andrade. Seu

uso estava relacionado à novena de São Francisco Xavier realizada na igreja do

colégio do Maranhão, por insistência do governador Antônio de Albuquerque Coelho

de Carvalho e contou com a participação dos estudantes do colégio que “cantavam a

ladainha da Senhora de Loreto” ao som do instrumento (BETTENDORFF, 1990, p.

521).

A utilização desses dispositivos musicais foi primeiramente realizada pelos

meninos, tantos pelos nativos quanto pelos portugueses e sua disseminação no

século XVII, ocorreu possivelmente com a participação dessas crianças.

A música estava em muitos momentos associada à dança, como prática

cultural e educativa das comunidades indígenas, e também se configurou como um

saber destacado nas relações envolvendo as crianças e, por isso, foram tratadas aqui

de maneira específica.

4.3 Danças

Conforme relatos do padre Cardim, as crianças índias aprendiam a dançar e a

cantar com seus pais. O clérigo registra impressionado, a descrição de uma

coreografia com meninos índios presenciada por ele em que “o mais velho seria de

oito anos, todos nuzinhos pintados de certas cores aprazíveis, com seus cascavéis

nos pés, e braços, pernas, cinta, e cabeças com várias invenções de diademas de

penas, colares e braceletes” (CARDIM, 1925, p. 347).

O viajante Jean de Léry (1961) já havia registrado que as crianças Tupinambá

encontradas no Rio de Janeiro em meados dos século XVI sempre se apresentavam

em grupos dançando diante dele quando chegava à aldeia.

Bettendorff (1990) também descreve uma cena vista na Amazônia, em que os

nativos seguem em procissão para realizar suas beberagens seguidas de bailes. O

cronista enfatiza a presença dos filhos dos índios junto aos seus pais durante todo o

ritual. Com isso, é possível inferir que a dança fazia parte do universo cultural das

crianças que habitavam a Amazônia Colonial e seu aprendizado ocorria em seu

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 100

cotidiano. Por meio da observação dos pais, as crianças índias incorporavam as

danças em suas práticas. É provável que as várias danças vistas por Bettendorff

(1990) se configurassem como um momento educativo privilegiado, pois observando

e imitando seus pais, as crianças iam aprendendo as tradições do seu povo a fim de

reproduzi-las.

O padre Abbeville (1874, p. 347) registrou com entusiasmo o costume e o

gosto dos índios pela dança, e a identificou como “o primeiro e o principal exercício

dos maranhenses”, ressaltando que não se passava um só dia sem que eles

dançassem. O padre notou ainda a demarcação dos papéis de gênero durante o

bailado, destacando que as meninas e mulheres solteiras dançavam entre si e as

casadas não colocavam as mãos nos ombros dos maridos durante os movimentos.

Abbeville comparou as coreografias nativas com as vistas nos salões europeus e

destacou a coletividade existente nas danças tupinambá, pontuando que nelas não

havia a libertinagem comum na Europa. No excerto abaixo, ele descreve uma dessas

folias de maneira pormenorizada:

Fazem um círculo, juntos uns aos outros, sem se tocarem e nem mudar de lugar [...]. Quando dançam, trazem os braços pendentes, e às vezes a mão direita nas costas, e somente movem a perna e o pé direito. Às vezes aproximam-se uns dos outros, depois voltam para traz, sempre batendo com o pé no chão, e após de darem três ou quatro voltas, com tal ou qual compasso, regressa ao seu lugar (ABBEVILLE, 1874, p. 347).

Pelo relato do padre, percebe-se que na prática da coreografia era exigido dos

nativos domínio corporal que incluía movimentos de braços e pernas e capacidade de

sincronização, uma vez que o bailado era coletivo. O clérigo revela ainda, que essas

danças eram acompanhadas pelo maracá e pelo próprio canto dos participantes.

Tais habilidades se inserem no que Martinic (1994, p. 74) denomina como “um

conjunto de supostos e de conhecimentos que o sujeito deve interiorizar” responsáveis

para o domínio de um saber. Com isso, infere-se que a dança nativa não poderia ser

considerada um conhecimento tácito mesmo sendo construída no cotidiano.

Cabe destacar a habilidade dos jesuítas em captar o lugar que a dança ocupava

no cotidiano indígena transformando essa prática em uma de suas principais

estratégias pedagógicas. A relevância da música e da dança como mediadores

culturais entre os grupos autóctones levou à incorporação dessas práticas pelos

religiosos que fundamentaram todo o trabalho de catequização a partir delas. Silva

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BUECKE, Jane Elisa Otomar. Infância e práticas educativas na Amazônia Seiscentista 101

(1976) relata que os jesuítas introduziram danças portuguesas ao universo dos nativos

assim como o canto e instrumentos musicais.

Freyre (2006) considera que algumas danças tinham por finalidade reforçar a

figura do Jurupari, entidade que representava o mal e causava medo entre as

mulheres e crianças. Neste caso, um dos dançarinos utilizava uma máscara que lhe

dava o poder de se transmutar nessa figura e cabia a ele imitar os movimentos e vozes

que seriam do ser demoníaco. Ao conservar tais danças, reproduzi-las com as

crianças e introduzir nelas elementos que desprestigiassem a figura do Jurupari, os

jesuítas tomavam para si o controle sobre o medo das crianças.

Sob a ótica de Montero (2006 p. 42) “os agentes lutam pelo poder de

representação”. Então, ao ressignificar as coreografias dos nativos por exemplo, os

padres intentavam imprimir nelas os valores cristãos para moldar as crianças

conforme a sua cosmologia. Em vários momentos do seu relato, Bettendorff (1990 p.

155) descreve a recepção de padres com “danças de meninos” demonstrando que

essa prática foi disseminada na colônia. Ela permitia a inserção dos autóctones no

culto católico, assumindo um caráter duplo, pois, ao incorporar as danças dos meninos

indígenas em suas cerimônias e festas religiosas, os jesuítas se valiam de códigos

culturais compartilhados, cujo sentido apropriado por ambos, tomaram dimensões

diversas e nem sempre previsíveis. Assim, as crianças também imprimiam nas danças

suas próprias representações de mundo sendo as festas e bailados católicos,

“oportunidade para recriar seus mitos, sua musicalidade, sua dança, sua maneira de

vestir-se e aí reproduzir suas hierarquias tribais, aristocráticas e religiosas” (DEL

PRIORE, 2002, p. 89). Nessa prática, as crianças davam sentido ao seu próprio

mundo (CHARTIER, 1991).

Esse pensamento se coaduna com a concepção de saber de Martinic (1994, p.

80) para quem “na vida cotidiana os sujeitos interiorizam as elaborações e

conhecimentos herdados e, simultaneamente, recriam e rearticulam os

conhecimentos”. A dança, de fato, não era um saber estático e sua circulação entre

crianças e religiosos se configurou, sobretudo, como espaço de mediação cultural em

que os sujeitos envolvidos recriavam e rearticulavam seus significados.

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4.4 Jogos, brincadeiras e saberes práticos

Os jogos e brincadeiras estavam presentes na infância vivida no Brasil Colonial

conforme se percebe nos diversos relatos de padres, viajantes e cronistas. Entretanto,

tais relatos revelam que, muitas das vezes, no lúdico se antevia o papel social que as

crianças viriam a desenvolver em suas tribos. Para além desse papel as brincadeiras

tinham finalidade de diversão e estavam diretamente ligadas ao cotidiano das

crianças.

Altman (2015) defende que as diversões e brincadeiras permeavam a vida das

crianças indígenas por meio das quais elas imitavam seus pais e se preparavam para

a vida adulta. Para além desse aspecto, nas brincadeiras se encontravam expressões

da sua cosmologia, como no caso dos brinquedos de barro feitos pelas mães de

algumas tribos para as crianças que representavam figuras de animais e de gente.

Esses artefatos, embora simples, pelas suas características totêmicas,

provavelmente carregavam um sentido oculto que ainda hoje intriga os antropólogos

(FREYRE, 2006).

O padre Cardim relata que os meninos eram “alegres e dados a folgar e folgam

com muita quietação e amizade” (CARDIM, 1925, p. 177). Entre suas brincadeiras

estava a interação com os animais que os circundavam, especialmente os pássaros.

A estes gostavam de domesticar, em especial aos papagaios a quem ensinavam a

falar (ALTMAN, 2015). Seus jogos incluíam também a imitação desses bichos e a

interação com macacos, lagartos e cobras que costumava ser de estimação,

conforme registrado por Cardim (1925, p. 310): “tem muitos jogos a seu modo, que

fazem com muita mais festa e alegria que os meninos portugueses. Neste jogos

arremedam vários pássaros, cobras, e outros animaes, etc., os jogos são mui

graciosos, e desenfadiços”.

Entre os Nhambiquara encontrados em Rondônia, as crianças costumavam

brincar com as aves amansadas (FREYRE, 2006) e é possível que esse costume se

repetisse no Estado do Maranhão e Grão-Pará.

Os jogos também compunham o rol das brincadeiras. Freyre (2006) destaca

que o jogo de bola teve sua origem entre os meninos ameríndios conforme registros

do embaixador de Veneza do que viu em Sevilha – para onde foram levados muitos

rapazinhos nativos. A bola era feita de borracha extraída do caucho e o jogo era

basicamente de cabeçadas.

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Cardim (1925, p. 314) também registra que os meninos brasis faziam “jogos na

água”. Como eles passavam horas pescando, de acordo com o relato de Abbeville

(1874), é possível inferir que a pesca era também momento de ludicidade. Nadar e

pescar eram, portanto, práticas do cotidiano das crianças índias, que lhes propiciavam

a aquisição de saberes fundamentais para sua inserção e identificação naquele grupo

social. Cardim (1925) relata que tal prática, iniciada na infância, os tornava grandes e

destemidos nadadores.

Évreux (2007, p. 76) também destacou a pesca como atividade presente no

cotidiano dos meninos da faixa etária de 8 a 15 anos, ressaltando que “não se lhes

manda fazer isto, porém o fazem por instinto próprio, como dever da sua idade”. O

capuchinho esclarece que além da pesca, nessa idade os meninos também

começavam a caçar aves, todavia, a competência deles na captura de peixes

utilizando flechas, ou de mariscos utilizando redes, foi o que mais chamou a atenção

do cronista. Confirmando a visão de Abbeville (1874), para Évreux (2007) a pesca era

uma atividade “mais agradável que penosa”.

À luz do que propõe Martinic (1994, p. 78) esse saber “apresenta uma

estruturação lógica e descansa em sistemas amplos de compreensão dos

fenômenos”. Afinal, a pesca era uma atividade que demandava das crianças uma

série de conhecimentos tais como: saber a época mais adequada para pescar, as

diferentes estratégicas de acordo com os diferentes tipos de peixe, onde encontrá-los,

dentre outros. Altman (2015) explica que os meninos acompanhavam os pais na caça

e pesca desde cedo, o que os tornava exímios pescadores. Na interação com as

águas, as crianças amazônidas do século XVII aprendiam e se divertiam. Os rios e

igarapés eram, portanto, espaços privilegiado de educação.

Sousa (1879) aponta que os meninos aprendiam com os pais a utilizar o arco

e a flecha, tarefa diretamente ligada à sobrevivência da tribo. Segundo Léry (1961)

aos nove, dez anos de idade, os meninos já manuseavam o arco e a flecha com a

destreza de um adulto.

Além da fabricação de arcos e flechas, competia aos homens a construção de

instrumentos musicais e certos adornos para o corpo, e a construção da oca e de

canoas, feitas de um só pau (FREYRE, 2006). Desde cedo, os meninos aprendiam

fazer suas próprias canoas e nelas seguiam “sempre junto dos adultos, com seus

pequenos remos ou com as próprias mãos e, com flechinhas, tratando de pescar ou

até apanhando com as mãos os peixes à vista” (ALTMAN, 2015, p. 234). Esses

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saberes práticos foram fundamentais para a sobrevivência dos religiosos e

colonizadores em terras ameríndias. Na interação com os nativos, os padres não

apenas ensinavam mas aprendiam a utilizar as canoas e reconhecer alimentos

comestíveis (ABBATE, 2016).

Aos homens também cabiam a feitura de balaios e vasilhas de folhas de palma,

bem como carapuças e capas de penas de pássaros, atividades que tinham sua

aprendizagem lastreada na infância.

Às mulheres competia a fabricação dos potes e vasilhas de cerâmicas

essenciais no seu cotidiano. Os potes eram utilizados especialmente para armazenar

o cauim e as vasilhas tinha diversos formatos servindo de panelas, copos e pratos.

Jean de Léry (1961) os considerou de qualidade superior às cerâmicas fabricadas na

França. Ele destacou as várias cores e motivos utilizados frisando que nunca haviam

duas pinturas iguais pois as pintoras não utilizavam modelos mas sim sua imaginação.

A fabricação das vasilhas era um momento de expressão feminina em que elas

poderiam exibir suas habilidades artísticas (FERNANDES, 2016). Considerada uma

tarefa tão relevante entre os indígenas, que as meninas, conforme sua capacidade,

se divertiam amassando o barro que usavam para fazer seus pequenos potes e

panelas (ÉVREUX, 2007).

Évreux (2007) também destacou a aprendizagem pela imitação observada nas

brincadeiras das meninas. Segundo ele, esse exercício, realizado na fase do

Kugmantin-myri (até os seis anos de idade), servia como preparação para a

aprendizagem das atividades próprias da mulher nativa que começariam, de fato, a

partir dos 7 anos. A partir dessa idade, as meninas deveriam aprender “todos os

deveres de uma mulher: fiam algodão, tecem redes, trabalham com embiras, semeiam

e plantam nas roças, fabricam farinha, fazem vinhos, preparam carnes” (ÉVREUX,

2007, p. 81).

A habilidade de tecer fios de algodão, foi salientada por Bettendorff (1990) ao

observar o trabalho da índias Jurunas às margens do rio Xingu. Segundo ele a nativas

tinham muita habilidade e destreza, realizando o ofício com “notável artifício e limpeza”

e o fio ficava “fino como o cabelo da cabeça” (BETTENDORFFF, 1990, p. 116).

Tal aptidão, provavelmente, se explicaria pela experiência iniciada ainda na

infância. Altman (2015) ressalta que as meninas acompanhavam as mães nessa

atividade e nos outros afazeres domésticos da tribo e ao final do dia criavam um jogo

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de faz de conta em que se sentavam junto às outras crianças e se punham a tecer e

trocar ideias como viam suas mães fazerem.

O ofício de tecelagem já fazia parte da tradição dos índios amazônidas pois, no

início do século XVII, o padre capuchinho Évreux (2007, p. 63) registrou que eles

teciam seus leitos e trabalhavam em lã “tão perfeitamente como os franceses”,

embora utilizassem métodos mais rústicos.

Évreux (2007, p. 62.) cita também diversos outros ofícios aprendidos e

exercidos pelos Tupinambá no Maranhão como de “tecelão, marceneiro, cordoeiro,

alfaiate, sapateiro, pedreiro, ceramista, oleiro e agricultor” e para todos eles o

capuchinho considerava os silvícolas “aptos e inclinados pela natureza”. O cronista

destaca um nativo que ganhou a alcunha de “Ferreiro” por ter aprendido esse ofício

sem que o mestre o explicasse, corroborando a ideia de que a aprendizagem entre os

Tupinambá ocorria por meio do silêncio, da observação atenta e da repetição.

A aptidão desse índio na malhação com o ferro chamou a atenção do padre

pois ele atuava como se tivesse “longa prática” (ÉVREUX, 2007 p. 62). Ele detalha

ainda, a realização de outros ofícios que eram praticados “com tal habilidade a ponto

de parecer-me que, com pouco tempo de ensino, chegariam à perfeição” (ÉVREUX,

2007, p. 64).

O jesuíta João Daniel (2004) ao escrever sua crônica no século XVIII, também

reconheceu a habilidade dos índios em aprender os ofícios mecânicos,

Onde, porém realçam mais é nas missões e casas dos brancos, em que aprendem todos os ofícios que lhe mandam ensinar, com tanta facilidade, destreza e perfeição, como os melhores mestres, de sorte que podem competir com os mais insignes do oficio; e muitos basta verem trabalhar algum oficial na sua mecânica pra o imitarem com perfeição. Donde procede haver entres eles adequado imaginários, insignes pintores, escultores, ferreiros, e oficiais de todos os ofícios; e têm tal fantasia, que para imitarem qualquer artefato basta mostrar-lhes o original, ou cópia, e a imitam com tal magistério, ao depois faz equivocar qual seja o original, e qual a cópia (DANIEL, 2004, p. 341).

No relato, o padre observa que os nativos tinham muita facilidade em aprender

o que lhes era ensinado apontando mais uma vez a capacidade de observar como

fundamental no processo pois, para muitos, bastava “ver” algum artífice trabalhando

para o imitarem com “perfeição, ou apenas olhar um artefato para então fazer outro

conforme o original. Em estudo recente, realizado entre ribeirinhos do Baixo Tapajós,

Medaets (2011) constatou que não há nos processos de aprendizagem daquele grupo

momentos específicos de explanação mas “na verdade se é observando que se

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aprende, observar depende mais de uma postura ativa do ‘aprendente’ e menos da

ação didática do ‘ensinante’” (MEDAETS, 2011, p. 8). Essa forma de aprender é

provavelmente, uma herança cultural dos povos indígenas que habitavam aquela

região.

Guzmán (2015, p. 17) explica que no contexto das missões religiosas na

Amazônia se formaram vários artistas nativos cujos nomes podem ser encontrados

no Catálogo de 1720 do Colégio de Santo Alexandre, que registra as funções de

aprendizes-pedreiros, ferreiros, carpinteiros, escultores, alfaiates. O autor relata que

a “ação educadora dos missionários provocou misturas e hibridações, cruzando as

técnicas e materiais utilizados pelos grupos indígenas com as utilizadas pelos oficiais

mecânicos portugueses”.

De fato, a apropriação dos saberes indígenas pelos jesuítas nos processos de

catequese especialmente das crianças, propiciou a construção de novos códigos

comunicativos frutos das hibridizações mencionadas por Guzmán (2015), chamadas

também de mestiçagens culturais por Gruzinski (2003). Essas mestiçagens incidiram,

sobretudo, nos saberes circulados nas práticas educativas cotidianas sobressaindo-

se a língua, a dança, a música e os saberes práticos, sem os quais teria sido

impossível a aproximação dos religiosos com os nativos. No contexto da Amazônia

seiscentista, até mesmo a sobrevivência dos padres e dos colonos teria sido inviável

sem os saberes indígenas acerca do cotidiano. Esses saberes transmitidos e

circulados através da atenção, da observação, da repetição e da imitação se

fundamentavam na criatividade e curiosidade das crianças nativas as quais por isso

mesmo se tornaram foco dos religiosos demonstrando com isso que a criança

amazônida no século XVII foi catalisadora nos processos culturais híbridos dos quais

foi protagonista.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve por objetivo analisar as práticas educativas envolvendo as

crianças que viveram na Amazônia no século XVII. Nesse sentido, destacaram-se

três categorias especificas que foram discutidas cada uma em um capítulo, ainda que

de maneira imbricada: infância, práticas educativas e saberes.

A partir dos estudos de Ariès (1986) constata-se que o sentimento de infância

– a noção de um fase específica na vida da criança – na França, teve início no século

XVI com o advento da vida privada e o princípio da escolarização. Antes disso, para

o autor, tal qual para Postman (2002), a criança não era vista em sua especificidade

e sua potencialidade.

Entretanto, ao analisar as fontes disponíveis sobre a infância na Amazônia no

século XVII, percebe-se que o sentimento de infância já estava presente. No caso dos

indígenas, isso é notável pelos rituais de passagem que determinavam uma nova fase

na vida tanto de meninos e meninas e pelas tarefas que lhes cabiam, as quais, mesmo

como brincadeiras, apontavam para o desenvolvimento do seu papel na tribo. A

criança indígena vivia sua meninice plenamente exercendo atividades educativas de

maneira lúdica.

Ao voltar a catequese principalmente para as crianças, por as considerarem

mais aptas a aprender a doutrina cristã do que os adultos, os jesuítas demonstraram

que para eles a infância não era invisível e que de alguma forma as crianças

pertenciam a uma categoria geracional diferente dos adultos.

Se no começo do século, nas primeiras incursões religiosas feitas pelos

capuchinhos as crianças eram capazes de fugir dos aldeamentos e/ou manter seu

vínculo com a sua identidade anterior, a partir da segunda metade do século, com a

intensividade do trabalho jesuíta elas se viram tendo que reformular suas

representações e sua própria identidade. Nesse sentido, é possível perceber que

havia uma cultura infantil e que as crianças se reinventavam dentro da cultura adulta.

Nas brechas encontradas as crianças reconstruíam em novas bases sua própria

cultura, ao aprender a língua geral, ou reconfigurar suas danças em festas católicas,

por exemplo.

Essas brechas foram forjadas nas práticas educativas em que se inseriram.

Nas relações de aprendizagem estudadas foi possível notar que elas ocorriam,

sobretudo, através da repetição, da observação e da imitação. A curiosidade das

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crianças nas diversas situações é apontada principalmente pelos capuchinhos do

início do século XVII, pressupondo que a relação com os jesuítas foi mais austera. A

presença da criança, juntamente com suas mães o tempo todo, foi destacada pelos

capuchinhos e pelos jesuítas. Estes consideravam tal influência perniciosa ao seu

projeto cristianizador motivo pelo qual sua estratégia foi separar as crianças de suas

famílias a fim de evitar obstáculos à transformação da crianças em futuros cristãos.

Com isso, seria possível que elas se despojassem das crenças e costumes presentes

em sua cultura.

Contudo, esse despojamento não ocorreu como os religiosos pressupunham.

As crianças demonstraram que não eram o papel em branco suposto pelos padres.

Isso, em parte, pelo valor da memória, pois meninos e meninas conheciam sua história

contada pelos anciãos do grupo dando sentido ao seu próprio mundo.

Mesmo entre os jesuítas, ao analisar os saberes que circulavam nas práticas

educativas, é possível compreender que havia modificações no significados e os

saberes também receberam influência das crianças, principalmente a língua, cujo

aprendizado era feito geralmente com elas. Ao tempo em que os padres lhes

ensinavam a doutrina, eles aprendiam também a língua da terra. Língua essa que,

durante o século XVII era chamada de Língua Geral e representava uma mistura do

português com as línguas de matriz tupi-guarani.

De qualquer forma, nas músicas largamente utilizadas pelos jesuítas, havia

muito da cultura nativa, dos seus instrumentos musicais e maneiras de cantar. E nas

danças, que se tornaram formas de recepção para os visitadores dos aldeamentos

havia elementos das danças nativas, praticadas pelas crianças mesmo antes da

chegada dos religiosos. Nesse saber incidia, sobretudo, a consciência corporal e a

expressão da própria cultura e de seus significados.

As fontes utilizadas nesta pesquisa evidenciaram que as crianças estavam

presentes em todos os rituais festivos ou religiosos, assim como nas experiências de

trabalho nas quais seus conhecimentos eram construídos e circulavam. Nesse

processo, as crianças também formavam sua identidade como integrante do grupo

social a que pertenciam.

As crianças atuaram, então, como importantes mediadores culturais para a

manutenção da cultura indígena na região amazônica pois não absorviam

passivamente a cultura imposta pelo catolicismo mantendo forte vínculo com sua

cultura e sua forma de aprender.

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Os saberes nativos se caracterizaram especialmente por serem holísticos e

não se referiam somente à preparação para outra fase da vida. Mesmo nas

brincadeiras, as crianças anteviam suas futuras atividades como adultos da tribo de

forma lúdica. Pode-se dizer que as práticas educativas vivenciadas pelas crianças da

Amazônia seiscentista eram imbuídas de significados que remetiam às tradições e

rituais do seu povo, em que valores fundamentais eram transmitidos. Sem sentido ou

significado para as crianças índias, a educação imposta pelos religiosos nem sempre

teve o resultado desejado. Isso explicaria o fato de muitas delas fugirem dos

aldeamentos jesuítas e retornarem para as matas. E quando permaneciam, as

crianças imprimiam sua identidade no novo estilo de vida ao ressignificar as danças

católicas por exemplo, em que elementos indígenas permaneciam presentes.

Ao me debruçar sobre o contexto da Amazônia do século XVII, percebi que,

entre as crianças já invisibilizadas pela historiografia, os filhos dos colonos são os

mais subalternizados. Aos curumins era reservada a catequese e as ações realizadas

nos aldeamentos foram em grande parte registradas pelos religiosos. Dos filhos das

autoridades e políticos captamos alguma coisa sobre sua presença nos colégios

mantidos pelos jesuítas na região. Mas, da criança pertencente às famílias dos

colonos que para cá vieram tentar a sorte, quase nada se sabe. Cresceram anônimas

sem acesso ao colégio e sem registros de sua educação. Como era seu cotidiano? O

que aprendiam? Com quem? Esta é uma das lacunas não preenchidas nesse estudo,

que segue em aberto ensejando a necessidade de aprofundamento das pesquisas

sobre as crianças da Amazônia Colonial.

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