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Jornalismo e Acessibilidade: Apontamentos sobre Contratos de Leitura para Efeitos de Reconhecimento de Leitores Especiais de Jornais Online 1 Joana Belarmino de Sousa 2 Resumo: O artigo tem como concepção central a ideia de Contratos de Leitura, promovendo uma análise acerca da produção jornalística e as estratégias voltadas a fisgar o leitor/consumidor com deficiência visual. Partimos da premissa inicial de que o cenário atual da produção jornalística, em que a convergência midiática encontra um lugar privilegiado no webjornalismo, é também, o espaço por excelência para o acolhimento desse tipo de leitorado, como consumidores especiais de notícias. A hipótese inicial é a de que essas pessoas não são reconhecidas como tais, na maior parte dos veículos de circulação da produção jornalística. Apresenta pesquisas recentes que demonstram a constituição desses leitores especiais, “novos sujeitos coletivos”, consumidores de notícias, que estão a exigir formatos jornalísticos baseados na premissa da acessibilidade, conforme as normas internacionais w3C. Finalmente, exploramos o cenário da midiatização atual, concluindo que o paradigma tecnológico e a convergência midiática propiciam o fortalecimento dos vínculos entre jornalismo e leitorado especial, mas, persiste um hiato no que diz respeito a contratos de leitura que promovam interação e produção de sentido para e por esses leitores. Palavras-chave: Webjornalismo, Contratos de Leitura, Convergência, Acessibilidade, Pessoas com Deficiência. 1 Artigo enviado na modalidade Comunicação 2 Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFPB; Pesquisadora em jornalismo, acessibilidade e cidadania. E-mail: [email protected]

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Jornalismo e Acessibilidade: Apontamentos sobre Contratos de Leitura para Efeitos de Reconhecimento de Leitores Especiais de

Jornais Online1

Joana Belarmino de Sousa2

Resumo: O artigo tem como concepção central a ideia de Contratos de Leitura, promovendo uma análise acerca da produção jornalística e as estratégias voltadas a fisgar o leitor/consumidor com deficiência visual. Partimos da premissa inicial de que o cenário atual da produção jornalística, em que a convergência midiática encontra um lugar privilegiado no webjornalismo, é também, o espaço por excelência para o acolhimento desse tipo de leitorado, como consumidores especiais de notícias. A hipótese inicial é a de que essas pessoas não são reconhecidas como tais, na maior parte dos veículos de circulação da produção jornalística. Apresenta pesquisas recentes que demonstram a constituição desses leitores especiais, “novos sujeitos coletivos”, consumidores de notícias, que estão a exigir formatos jornalísticos baseados na premissa da acessibilidade, conforme as normas internacionais w3C. Finalmente, exploramos o cenário da midiatização atual, concluindo que o paradigma tecnológico e a convergência midiática propiciam o fortalecimento dos vínculos entre jornalismo e leitorado especial, mas, persiste um hiato no que diz respeito a contratos de leitura que promovam interação e produção de sentido para e por esses leitores. Palavras-chave: Webjornalismo, Contratos de Leitura, Convergência, Acessibilidade, Pessoas com Deficiência.

1 Artigo enviado na modalidade Comunicação 2 Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFPB; Pesquisadora em jornalismo, acessibilidade e cidadania. E-mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo é fruto de pesquisas que vimos desenvolvendo ao longo de nossa

trajetória acadêmica, com ênfase para os atuais trabalhos de investigação que vêm sendo

desenvolvidos no Grupo de Pesquisas em Jornalismo, Mídia, Acessibilidade e Cidadania,

GJac3.

Dedicado em compreender os processos que vinculam jornalismo e cidadania, o

GJAc não se ocupa apenas com as pesquisas acerca do jornalismo colaborativo, mas dedica-

se também em abordar a produção jornalística na perspectiva de que a mesma assegure

acessibilidade e cidadania às pessoas com deficiência, mais particularmente às pessoas

cegas e com deficiência visual, sujeitos da nossa pesquisa.

O trabalho tem pois como tema central, os hábitos de consumo de leitura de

conteúdos jornalísticos por pessoas cegas, partindo da compreensão de que esses indivíduos

participam ativamente do ciberespaço, entretanto, o webjornalismo ainda não desenvolveu

víncuos de reconhecimento dessas pessoas como consumidores de notícias, e, em alguma

medida, desconhece os direitos de acesso à informação por essas coletividades.

Partimos pois, de uma caracterização contextual dos leitores de jornais ao longo da

história do desenvolvimento desse fenômeno comunicativo na cultura, ancorados na

perspectiva da semiótica da cultura, a qual pensa o mundo como texto, como um conjunto

complexo de códigos, conforme Lótman, (1979). De seguida perseguiremos alguns rastros

conceituais dos leitores de jornais, apoiados nos aportes de Habermas, (apud Genro filho,

1987), Park (2008), Lippmann (2008.

Um terceiro eixo do estudo dedica-se aos leitores especiais de jornais, que tiveram

nos últimos cinco anos, seu poder de consumo de notícias e de participação no ciberespaço

largamente ampliado, a partir do surgimento das redes sociais como Twitter e facebook,

entre outras, e do incremento dos usos de dispositivos móveis como tablets e smartphones.

Muitos desses dispositivos, trazendo incorporadas estratégias nativas de acessibilidade,

asseguram um importante avanço no acesso a conteúdos digitais por esses indivíduos,

3 Disponível em http://jornalismoecidadaniaufpb.wordpress.com/

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permitindo-lhes fazer parte da chamada sociedade informacional e do acesso aos seus bens

de consumo.

Paradoxalmente, pessoas cegas usuárias dessas tecnologias, defrontam-se

frequentemente com barreiras de acessibilidade que impedem o seu pleno usufruto das

informações distribuídas. Nesse aspecto, nosso trabalho pretende demonstrar que se em

muitos portais web as pessoas cegas contam com relativa acessibilidade aos conteúdos, a

agregação de conteúdos jornalísticos nos dispositivos móveis não pensa nesses indivíduos

como consumidores de notícias.

Ainda que em fase inicial, o trabalho apresenta resultados de pesquisa que estamos

desenvolvendo sobre os hábitos de consumo de conteúdos jornalísticos por pessoas cegas. A

amostra, colhida através de questionário eletrônico,o qual foi respondido por pessoas cegas

do Brasil e de outros países, apresenta um quadro atual de preferências por mídias e modos

de acesso a conteúdos, e em alguma medida demonstra a força das redes sociais como o

Twitter e o facebook, como dispositivos relevantes na constituição dos hábitos de consumo

de no´ticias por essas pessoas.

2 LEITORES DE JORNAIS: BUSCANDO OS SEUS RASTROS NO JORNALISMO

CLÁSSICO

O título desse tópico aponta para uma discussão bastante ampla, a qual, nos limites

desse artigo, será apenas levantada de forma sucinta. Quem é o leitor de jornal no

jornalismo clássico, ou seja, aquele jornalismo impresso em papel, em formato geralmente

standard?

Poderíamos iniciar nossa própria discussão da questão trazendo para aqui o fato

assente em todos os estudos relativos às ciências da linguagem, e, por assim dizer, em todas

as discussões com respeito à nossa cultura. Num mundo dado, um mundo que é em si

mesmo texto, nascemos irremediavelmente leitores. Como afirma Manguel, (1998: 21),

“...Todos nos lemos a nós próprios e ao mundo à nossa volta para vislumbrarmos o que

somos e onde estamos”.

Em seus estudos para estabelecer as tipologias da cultura, Lótman,(1979), estabelece

a sua compreensão da cultura como um conjunto de códigos complexos, onde se realiza o

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imparável trânsito dos signos, ou aquilo que Peirce chamou de “semiose”, signos

multiplicando-se em signos, na sua irremediável incompletude.

Nesse mundo cultural permeado, se quisermos tecido por códigos, a nossa tarefa é a

de decifrar a vaga imparável dos sinais da cultura. Assim, somos por natureza, sujeitos de

leitura e, podemos dizer, a história da escritura não é senão apenas um dos múltiplos

desenvolvimentos desse processo.

O leitor de jornal é pois um sujeito de leitura que se forjou no âmago da própria

história da escritura, especializou-se na leitura dos primeiros romances e folhetins, e, esse

processo cultural foi pouco a pouco engendrando a necessidade do consumo de notícias.

Nosso leitor clássico de jornal surge, pois, premido por uma necessidade. De acordo

com Habermas, citado por Genro Filho, o jornalismo se desenvolve a partir de três fases.

Uma primeira chamada artesanal, uma segunda, marcada pelo jornalismo opinativo, e uma

terceira fase com ênfase para a união entre jornalismo e publicidade, gestando-se então o

chamado jornalismo informativo.

Genro Filho, (1987: 61), cita Habermas para comentar essa primeira fase artesanal

do jornalismo:

Sendo oriundo do sistema das correspondências privadas e

tendo ainda estado por longo tempo dominada por elas, a imprensa

foi inicialmente organizada em forma de pequenas empresas

artesanais; nessa primeira fase, os cálculos se orientam por

princípios de uma maximização dos lucros, modesta, mantida nos

tradicionais limites da primeira fase do capitalismo: o interesse do

editor por sua empresa era puramente comercial (FILHO, 1987).

Em sua segunda fase, “...Os jornais tornaram-se instrumentos da luta política e

partidária, empenhados na conquista e legitimação de uma "esfera pública burguesa" em

oposição à velha sociedade feudal” (IBD, 52).

A terceira fase do desenvolvimento do jornalismo é aquela em que o mesmo se

consolida como empresa capitalista, a partir da terceira década do século XIX, alicerçada

em dois fenômenos principais: A incorporação da publicidade e da propaganda aos negócios

do jornalismo e a constituição de consórcios de jornais, organizados para criarem as

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agências de notícias. Estavam dadas as bases para o franco desenvolvimento do chamado

jornalismo informativo e da venda de notícias a custos cada vez mais irrisórios4.

Habermas expressa seu desencanto com essa terceira fase de desenvolvimento do

jornalismo, quando afirma:

A história dos grandes jornais na segunda metade do século

XIX demonstra que a própria imprensa se torna manipulável à

medida que se comercializa. Desde que a venda da parte relacional

está em correlação com a venda da parte dos anúncios, a imprensa,

que até então fora instituição de pessoas privadas enquanto público,

torna-se instituição de determinados membros do público enquanto

pessoas privadas - ou seja, pórtico de entrada de privilegiados

interesses privados na esfera pública (apud FILHO, 1987: 62).

Os estudos de Lippmann e Park coincidem com o auge dessa fase de

desenvolvimento do jornalismo, quando o leitor de jornais, em alguma medida, é um

cidadão apressado, mundano, mas, aferrado ao jornal em papel, portanto, com

possibilidades limitadas de interferência no texto jornalístico.

Park acredita no jornal como capaz de estabelecer vínculos entre o indivíduo que

deixou sua terra natal e agora vive na cidade grande, na condição de imigrante. A esse

respeito ele comenta: “...O motivo, consciente ou inconsciente, dos escritores da imprensa é

reproduzir, dentro do possível, na cidade, as condições de vida na vila. Na vila todos se

conhecem. Cada um se chama pelo primeiro nome. A vila era democrática. Nós somos uma

nação de aldeões” (Park, 2008: 38).

Lippmann também preocupou-se com o leitor de jornal, com as razões que o levam a

ser fiel a um periódico, acreditando que quanto mais um jornal compartilhar as crenças e

experiências dos seus leitores, mais estará assegurando a fidelidade dos mesmos. Em

alguma medida, Lippmann pensava como Park: Os leitores dos jornais gostam de ler coisas

que os remetam ao seu próprio mundo. A esse respeito ele comentou: “...A clássica fórmula

para esse tipo de jornal está contida numa carta escrita por Horace Greeley em 3 de abril de

1860 ao ”Amigo Fletcher” que estava prestes a começar um jornal no interior”3:

4 Para um aprofundamento do tema, recomenda-se leitura da obra “A Informação na Nova Ordem Internacional”, organizada por Fernando Reys Matta, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.

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Comece com a concepção clara de que o assunto do mais profundo

interesse para um ser humano comum é ele próprio; em seguida, que

sua maior preocupação são os seus vizinhos. A Ásia e as ilhas de

Tongo ficam longe demais para terem alguma importância... Não

deixe que nenhuma igreja se organize ou que novos membros se

juntem a uma igreja já existente, que uma fazenda seja vendida, uma

nova casa construída, um moinho colocado em movimento, uma loja

aberta, nem qualquer coisa que seja do interesse de uma dúzia de

famílias ocorra, sem que o fato seja devidamente publicado em suas

colunas, embora sucintamente. Se um agricultor cortar uma árvore

enorme ou colher uma beterraba gigantesca ou fizer uma colheita

generosa de trigo ou milho, coloque o fato do modo mais perfeito e

conciso possível (LIPPMANN, 2008: 159).

3 JORNALISMO PÓS-INDUSTRIAL: LEITORES DE JORNAIS ONLINE

E eis que chegamos, por um curto caminho, à quarta fase do desenvolvimento do

jornalismo, ou seja, a era pós-industrial, marcada pelo crescente aumento da incorporação

dos insumos tecnológicos às rotinas de trabalho, a migração radical do jornalismo em papel,

se quisermos, jornalismo of, para o jornalismo digital, online, com suas avassaladoras

transformações nos processos de produção, circulação, distribuição e recepção dos

conteúdos.

Em nossa discussão, interessa-nos sobretudo a posição do leitor, a qual alterou-se

significativamente no novo cenário tecnológico. A tal pondo que o estatuto de leitor

passivo, aferrado à leitura solitária do impresso, ampliou-se para o de leitor interativo,

participativo, produtor, consumidor, distribuidor, se quisermos, o leitor converteu-se em

audiência, na medida em que a convergência midiática envolve hibridização e multiplicação

de linguagens, tendo-se pois, num mesmo ambiente, o texto, o som, a imagem e tantas

outras formas de distribuição de conteúdos.

No campo do webjornalismo, devem ser postos a serviço dessa nova audiência, pelo

menos seis estratégias de operação: a interatividade, a multimidialidade, a hipertextualidade,

a atualização contínua, a memória e a personalização, conforme Palácios (2011) e Padilha,

(2012; 2007).

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Se as ciências da linguagem já haviam demonstrado o quão complexos podem ser os

processos de leitura nas interfaces como livros e jornais em papel, o processo complexifica-

se ainda mais nas plataformas web, onde se criam novas ambiências, novas arquiteturas, e

onde cada indivíduo pode dar curso a sua própria experiência de consumo.

4 WEBJORNALISMO E LEITORES ESPECIAIS DE JORNAIS:

ACESSIBILIDADE E CIDADANIA EM PAUTA

A era digital do jornalismo despejou no ciberespaço, novos coletivos de

leitores/consumidores de conteúdos, os quais, em muitos casos, achavam-se à margem dos

processos de consumo de notícias. É o caso das pessoas com cegueira, cujo acesso a jornais

impressos inexiste até nossos dias, e que têm muitas vezes uma experiência limitada com o

consumo de conteúdos jornalísticos veiculados pela tevê5.

Conforme discutimos em trabalho anterior, os anos setenta trazem à luz as primeiras

experiências de integração das coletividades cegas ao mundo da informática.Trata-se de um

desenvolvimento lento, que terá como figuras centrais, programadores cegos, atuando com

periféricos cuja base principal de acesso era a síntese de voz.

A década dos noventa promoverá, a partir do desenvolvimento dos computadores

pessoais, um incremento nos processos de síntese de voz, agregado ao barateamento de

computadores e suprimentos, permitindo que as coletividades cegas instalem-se de vez na

cibercultura.

Ao lado desses desenvolvimentos convencionais, periféricos voltados ao

aproveitamento da interface braile também foram criados. A tecnologia trazia à luz,

processos híbridos, em que se combinavam o código tátil, através do braile digital e o

suporte da oralidade, a partir da síntese de voz.

Os últimos desenvolvimentos desse processo, culminando com a web 2.0 e 3.0, onde

os conteúdos como jornais, livros, imagens e todos os outros processos comunicativos estão

5 A impressão de um jornal em braile é bastante custosa e inviável. Somente se conhecem experiências de impressões de resumos de notícias, sobretudo em datas comemorativas, como o dia Nacional de Luta das Pessoas com deficiência em 21 de setembro.

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nas mãos dos usuários também afetam os indivíduos cegos. Smartphones e tablets com

tecnologia nativa inserida, através da síntese de voz, permitem que esses indivíduos possam

produzir, distribuir e acessar conteúdos os mais variados.

Há porém, grandes desafios a serem vencidos. Experiências de internautas cegos

demonstram que a maioria dos agregadores de conteúdos jornalísticos para dispositivos

móveis não são acessíveis. Em chats, posts de blogs e redes sociais, encontramos

depoimentos que dão conta de tais experiências. Aplicativos de grandes jornais e revistas

online como O globo, Exame, Folha de São Paulo, Carta Capital e outros, geralmente

disponibilizados em arquivos como imagens, não permite navegabilidade e usabilidade por

pessoas cegas com seus dispositivos6.

Temos pois uma discussão importante a ser enfrentada. A academia, sobretudo

através dos cursos de pós-graduação, tem dado um importante contributo com pesquisa que

descrevem o problema da acessibilidade a conteúdos web. O tema do web jornalismo ainda

é pouco explorado, entretanto os primeiros estudos de peso começam a ser esboçados, a

exemplo dos estudos do GJOl, na UFBA, os trabalhos da Agência Nacional pelos direitos da

Infância, andi, entre outros.

O problema da acessibilidade aos conteúdos web no jornalismo precisa ser

incorporado à formação universitária dos jornalistas. Nas redações multiplataformas,

marcadas pelo trabalho em convergência de mídias. Quase todo o processo de produção e

distribuição dos conteúdos, nos mais variados formatos, está na mão do próprio jornalista. É

ee pois que terá de ser o primeiro a preocupar-se com a acessibilidade.

Temos aqui pois, uma discussão de natureza democrática, que apela para a cidadania

e a inclusão, ao lado de uma discussão de natureza técnica, que pede a apropriação de

saberes sobre normas internacionais de acessibilidade e sobre a sua incorporação nos

espaços web7.

6 Smartphones e tablets com sistemas ios e androide incorporam estratégias de acessibilidade para seus usuários cegos, baseada em síntese de voz e com uma variedade de aplicativos. 7 A esse respeito, consultar o site oficial do w3c em http://www.w3c.br/Noticias/WebContentAccessibilityGuidelineswcag20AprovadoComoNormaInternacionalIsoiec

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5 LEITORES ESPECIAIS DE JORNAIS ONLINE E SEUS HÁBITOS DE

CONSUMO

Neste ponto do trabalho apresentamos resultados iniciais de pesquisa que estamos

desenvolvendo sobre hábitos de consumo de conteúdos jornalísticos por pessoas cegas.

Partimos de uma hipótese inicial de que os meios convencionais como rádio e tevê são os

meios da preferência desses indivíduos, entretanto, as redes sociais têm se constituído numa

importante fonte de acesso à informações, seja fortalecendo redes de relacionamento e de

indicação de notícias, seja por via de perfis de portais noticiosos, seguidos por esses

sujeitos.

A coleta dos dados foi obtida através da aplicação de um questionário eletrônico, que

obteve respostas de pessoas cegas de diversos estados brasileiros, além de outros países, a

exemplo de Portugal.

As tabelas abaixo apresentam os primeiros resultados alcançados pela pesquisa.

Participaram da mesma 68 pessoas, sendo 59 do Brasil e 9 de Portugal. Quanto à deficiência

visual, 12 declararam ter baixa visão, 37 declararam ter cegueira congênita e 22, cegueira

adquirida (Figura 01).

Figura 01: Gráfico de Deficiência visual

Entre outros itens, o estudo levou em conta questões como: hábitos de consumo, uso

de rede sociais, navegabilidade e agregadores de notícias, conforme demonstrado os

gráficos a seguir:

Figura 02: Gráfico de Hábitos de consumo dos entrevistados.

Baixa  visão  17%  

Cegueira  congênita  52%  

Cegueira  adquirida  31%  

Deficiência  visual  

TV  12%  

Internet  70%  

Rádio  18%  

Meios  de  hábitos  de  consumo  

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Figura 03: Gráfico de Preferências de conteúdos

Figura 04: Gráfico sobre o acesso aos conteúdos de informação

Figura 05: Gráfico sobre as preferências dos consumidores quanto ao acesso à informação

Figura 06: Gráfico sobre o uso de redes sociais

42  29  

50  18  

28  54  

20  

0   10   20   30   40   50   60  

Entretenimento  DesporNvos  CienOficos    Religiosos  PolíNcos    

JornalísNcos  em  geral  Outros  

Preferências  de  conteúdos  

33  39  

1  62  

31  

0   10   20   30   40   50   60   70  

Pelo  Rádio  

Pelo  Jornal  impresso  

Pela  internet  (smartphone)  

Acesso  à  informação  

8  9  

42  9  

0   5   10   15   20   25   30   35   40   45  

Rádio  TV  

Internet  (computador)  Internet  (smartphone)  

Preferência  de  acesso  

58  45  

38  9  

0   10   20   30   40   50   60   70  

Facebook  Twi^er  

Whatsapp  Linkedin  

Uso  de  redes  sociais  

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Figura 07: Gráfico sobre os hábitos de consumo

Figura 09: Gráfico sobre as condições de navegabilidade dos consumidores

Figura 10: Gráfico sobre o perfil dos consumidores de notícias

5%  

21%  

60%  

14%  

Hábitos  de  consumo  

Não  tem  hábito  de  consumo  

Prefere  se  informar  através  de  rádio  e  TV    

Costuma  ler  as  noOcias  todos  os  dias  pela  internet  

11%  

46%  

37%  

6%  

Condições  de  navegabilidade  

Não  tem  paciência  para  navegar  através  dos  portais  de  noOcias  e  encontrar  assuntos  que  me  interessam  

Facilidade  em  navegar  nos  portais  de  noOcias  e  encontra  sempre  o  que  quer  ler  

Prefere  acessar  aos  links  através  das  redes  sociais  

40  

1  

5  3  

7  

10  

Perfil  dos  consumidores  de  noOcias  

Lê  as  noOcias  todos  os  dias  

Assina  jornais  ou  revistas  

Recebe  revistas  gravadas  

Recebe  revistas  em  Braille  

Não  usa  agregadores  de  noOcias  

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Figura 11: Gráfico sobre o uso dos aplicativos

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante frisar que os dados aqui apresentados resultam de uma Pesquisa ainda

em andamento. Nosso questionário eletrônico ainda está ativo, pois esperamos colher uma

amostra significativa, danto do ponto de vista quantitative, quanto no que toca às reflexões

qualitativas que poderemos depreender da investigação. Assim, o que se apresenta aqui

como conclusões também tem um caráter de provisoriedade.

As tecnologias, são por natureza, inclusivas. Nós próprios, seres humanos, podemos

ser pensados como sujeitos tecnológicos. Conforme Anselmino, (2013, 28), “...Es

imprescimdible compreender que el ser humano está constituído de manera tecnológica: es

um tecnológico”.A autora reflete sobre o fato de que a tecnologia ganha relevância, a partir

dos usos sociais que lhes são dados.

De fato, impõe-se para os novos campos afetados pelo paradigma tecnológico, e por

consequência o campo do webjornalismo, a tarefa de compreender adiversidade e a

pluralidade dos sujeitos que conformam a esfera do ciberespaço, assim como a

multiplicidade de usos que podem ser materializados.

Conforme demonstrado em nossa Pesquisa, leitores especiais de jornais têm na

internet o lugar privilegiado para o acesso a conteúdos jornalísticos. As preferências de

consume indicam que pelo menos mais de oitenta por cento dos entrevistados têm

preferência por conteúdos jornalísticos de um modo geral. O computador ainda é a forma

0   2   4   6   8   10   12  

Flipboard  Folha  de  São  Paulo  

O  Globo  Época  

Carta  Capital  Revista  Exame  

Uso  dos  aplicaNvos  

Uso  dos  aplicaNvos  

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privilegiada de acesso à internet, vislumbra-se porém, a presença dos dispositivos móveis

como instrumentos da preferência de 31 por cento dos entrevistados.

Outro achado importante trata do uso das redes sociais. Em Pesquisa anterior,

tínhamos visto a popularidade do twitter junto às pessoas cegas. Agora, o facebook parece

ter se tornado também muito popular entre esses usuários, uma tendência que parece igualar

esses usuários aos usuários da rede de um modo geral.

O consume de notícias jornalísticas é pois um hábito presente na vida de 39 por

cento desses entrevistados, o que justifica medidas de acessibilidade para garantias de um

acesso com autonomia e com aproveitamento total na absorção dos conteúdos.

Outra hipótese confirmada pelo estudo é a de que as redes sociais são importantes

disparadores da busca pela informação. Vinte e quarto por cento dos entrevistados disseram

que clicam em notícias que foram indicadas npor seguidores do twitter ou do facebook

A discussão precisa agora avançar para um novo capítulo, qual seja, o capítulo

relativo aos profissionais, sua formação e suas práticas. A acessibilidade precisa consolidar-

se como um tema urgente nos currículos do Jornalismo, nos seus eventos científicos, e

sobretudo, precisa materializar-se como estratégia, nos espaços profissionais onde os

jornalistas produzem e distribuem conteúdos.

7 REFERÊNCIAS

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intervención y participación del lector en Clarín y La Nación. - 1a ed. - Buenos Aires:

Teseo, 2012.

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Beira Interior, 2007.

FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide – para uma teoria marxista do jornalismo. Porto

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Lótman, Iuri M. In A Semiótica Russa. Boris schnaiderman (org). Editora Perspectiva, São

Paulo, 1979.

Manguel, alberto. Uma História da Leitura. Editorial Presença, Lisboa, 1998.

Padilha, Sonia Costa. O Webjornalismo Mediado pela cultura social Local. Estudo

Comparativo: Brasil e Portugal. Universidade da Beira Interior, 2012.

Palácios, Marcos (Org). Ferramentas para análise de Qualidade nos cibermails. Livros

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Park Robert E. In A Era Glacial do jornalismo Teorias sociais da Imprensa, Vol 2. Porto

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