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Jurisprudência da Terceira Turma
Relator:
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
RECURSO ESPECIAL Nº 41. 756-2 -MT (Registro n ll 93.0034752-7)
Ministro Costa Leite Recorrentes: Márcia Gregório Krichenko e outro
Recorridos: João Krichenko e cônjuge
199
Advogados: Vicente Bezerra Neto e Carlos Mário da Silva Velloso Filho e outros Sustentação oral: Carlos Mário da Silva Velloso Filho, pelos recorridos
EMENTA: Civil - Ação de anulação de casamento - Erro essencial -
Legitimidade - Substituição processual. Aintransmissibilidade que deriva da norma do art. 220 do Código Civil diz
apenas com a legitimidade para propositura da ação, não impedindo o seu pros
seguimento por parte dos herdeiros. Em caso de morte, opera-se a substituição processual na forma do art. 43 do CPC. Existência de fundamento inatacado quanto à aventada prescrição da ação negatória de paternidade. Questão concernente ao art. 134, § 3ll, do CP não examinada pelo acórdão, faltando-lhe,
pois, o necessário prequestionamento. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Nilson Naves, acompanhando o Relator, por unanimidade, não conhecer
do recurso especial. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter e Menezes Direito.
Brasília-DF, 13 de outubro de 1998 (data do julgamento). Ministro COSTA LEITE, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 30.11.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO COSTA LEITE: Trata-se de recurso especial mani
festado por Márcia Gregório Krichenko e sua filha Thatiane Krichenko, pelas alineas a e b do permissivo constitucional, contra acórdão da égregia Primeira
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sintetizado na seguinte ementa:
RST], Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
200 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
'''Reexame necessário de sentença - Ação ordinária de anula
ção de casamento cumulada com pedido de negatória de paternidade legítima - perícia médica -laudo conclusivo excluindo a paternidade - paternidade avulsa - causa que por si só torna nulo o registro de
nascimento tornando inóqua a alegação da prescrição - sentença
mantida à unanimidade de votos.
Não crível, nem lógico, nem moral, que admitindo-se paterni
dade avulsa de terceiro possa permanecer a eficácia de registro de
natalidade com filiação diversa."
Opostos embargos de declaração, foram os mesmos rejeitados.
Nas razões recursais, alega-se ofensa aos arts. 178, §§ 3º- e 4º-, 207 a 224,
344 e 345, todos do Código Civil e art. 134, § 3º-, do Código de Processo Civil.
Argumenta-se que a ação de anulação de casamento é personalíssima, não admi
tindo substituição processual, e que se operou a decadência quanto ao procedi
mento negatório de paternidade.
O parecer do Ministério Público Federal é no sentido do conhecimento e
provimento do recurso.
É o relatório, Senhores Ministros.
VOTO
O SR. MINISTRO COSTA LEITE (Relator): Conquanto não se trate de
peça modelar, o recurso situa, ainda que sem a precisão desejável, as questões
jurídicas a serem dirimidas, permitindo que se compreenda a controvérsia.
A primeira questão diz com o art. 220 do Código Civil. Com efeito, sustenta-se o caráter personalíssimo da ação de anulação de casamento por erro
essencial. A propósito, há desencontros na doutrina e na jurisprudência. Não logrei
localizar precedente deste Tribunal. Do Supremo Tribunal Federal) encontrei
um que, a meu sentir, contém a correta exegese daquele dispositivo. Refiro-me
ao Recurso Extraordinário nº- 85.037.
Como acentuou o voto-condutor, da lavra do eminente Ministro Cunha
Peixoto, louvando-se no magistério de Carvalho Santos e Eduardo Espínola, o
art. 220 do Código Civil traz em si o princípio da intransmissibilidade somente
a respeito da legitimidade para a propositura da ação, mas não no sentido de
impedir o seu prosseguimento por parte dos herdeiros.
Em caso de morte, opera-se a substituição processual, na forma do art. 43
do Código de Processo Civil.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 201
No que diz com o tema da prescrição, é bem de ver que o acórdão não
negou a prescritibilidade da ação negatória de paternidade nem cuidou do prazo
pertinente. Em verdade, no particular, subsiste o fundamento dQ acórdão. Há
completo divórcio entre o que se decidiu e o recurso.
Com efeito, assentou o voto-condutor do acórdão que não havia necessidade de
cogitar de prescrição, "porque o registro é concludentemente nulo". Con
cluiu-se que a nulidade no registro era consectário lógico e jurídico da anulação
do casamento. Por fim, a questão envolvendo o art. 134, § 3'1, do Código de Processo
Civil não foi examinada pelo acórdão, carecendo, pois, de prequestionamento. Assim sendo, não conheço do recurso. É o meu voto, Senhores Ministros.
VOTO-VISTA
o SR. MINISTRO NILSON NAVES: Pedi vista para examinar a maté
ria relativa ao art. 220 do Código Civil, consoante o qual "A anulação do
casamento, nos casos do artigo antecedente, só a poderá demandar o cônjuge
enganado". Na sentença, anulou-se o casamento, por erro essencial sobre a
pessoa do outro cônjuge, e se acolheu a contestação da paternidade, "para
declarar que a menorTathiane não é filha dele autor Antoninho Krichenko".
Após a sentença, o autor Antoninho faleceu, e foi substituído pelos pais, João e
Lúcia Krichenko. Discute-se se isto era possível, juridicamente. Estatuiu o
acórdão da seguinte forma:
"João Krichenko e Lúcia Krichenko podem intervir no feito e subs
tituir o autor originário falecido, pois direito havia lhe sido reconhecido na sentença.
O autor Antoninho Krichenko faleceu em 10 de março de 1990, con
forme certidão de óbito de fls. 265, e a sentença prolatada data de 26.05.89,
sendo que os substitutos são comprovadamente seus genitores.
A própria ré pediu a substituição, pois no petitório de fls., requereu a
suspensão do feito o que foi deferido por este relator (fls. 264/266) e o
artigo 43 prescreve: 'Ocorrendo a morte de qualquer das partes dar-se-á a
substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores observado o dispos
to no art. 265'. Dada a circunstância excepcional que estes autos revelam, é de se
admitir a substituição pois em contrário ter-se-ia um título inócuo,
inexeqüível, no caso a sentença, que para sua operosidade depende do jul
gamento final pela instância superior."
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
202 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
N O recurso extraordinário a que alude o Ministro Costa Leite (RTJ -91/
529), foi lembrada a lição de]. M. de Carvalho Santos, nesses termos: "Quem
pode promover a ação com fundamento no erro essencial quanto à pessoa do cônjuge? Somente o cônjuge enganado, responde este artigo. Nem mesmo os
herdeiros dele poderão iniciar a ação; os herdeiros poderão apenas prosseguir a
ação, caso venha a falecer o cônjuge enganado depois de iniciá-la (cfr. Cód. Civil suíço, art. 135; Espínola, cit., p. 440)", in Código ... , voI. IV, p.. 243.
Também acho que o obstáculo é quanto à promoção da ação (ver Orlando
Gomes, Direito de Família, p. 112). Intentada a ação, "Ocorrendo a morte de
qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus suces
sores, observado o disposto no art. 265" (Código de Processo Civil, art. 43). Acompanho, portanto, o Sr. Relator.
RECURSO ESPECIAL Nº 59.540 - RJ (Registro nQ 95.0003343-7)
Relator: Ministro Nilson Naves
Recorrente: Maria Zina Gonçalves de Abreu
Recorrido: Miguel José de Oliveira Filho
Advogados: Hugo Mosca e outro e Ismênio Pereira de Castro e outro
EMENTA: Arrematação - Pagamento do preço - Multa- Códígo de Pro
cesso Civil, art. 695.
1. O arrematante responde pela multa, se não pagar dentro de três (3)
dias o preço.
2. Falta de justo motivo, ou de justa causa, que impedia fosse o ato praticado.
3. Caso em que a liberação importou ofensa à lei federal.
4. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar
provimento. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro,
Waldemar Zveiter e Menezes Direito. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro
Costa Leite.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
Brasília-DF, em 19.05.98 (data do julgamento).
Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Presidente.
Ministro NILSON NAVES, Relator.
Publicado no DI de 24.08.98.
RELATÓRIO
203
O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Tomo por relatório o despacho de
admissão do recurso especial, nos termos seguintes:
"Trata a hipótese de recurso especial tempestivamente interposto, com
fundamento no artigo 105, In, a, da Constituição Federal, que visa a impug
nar o venerando acórdão, prolatado pela egrégia 7a Câmara Cível do nosso
Tribunal de Justiça (fls. 133/135), cuja ementa é a seguinte:
'Retardo em depósito do saldo do preço de imóvel arrematado
em leilão. Justificação do agravante baseada em greve do Banerj. De
mora em parte a si imputável. Provimento parcial do recurso.'
A recorrente em suas razões (fls. 139/143) sustenta que a decisão
recorrida negou vigência ao artigo 695 do CPC.
O recorrido contra-arrazoou (fls. 149/151).
É a hipótese. A alegação de ofensa do acórdão à norma do artigo 695 do CPC é
razoável e merece ser examinada pelo Tribunal Superior.
Como estão a revelar os autos, o leilão foi realizado em 28.08.92 (fls. 47).
De acordo com a norma processual, supracitada, o arrematante tinha três
dias para pagar o preço, pena de multa de 20% sobre o lanço. Em 01.09.92 foi pedida guia para o depósito do valor da arrematação
(fls. 51), tendo o interessado se mantido inerte, aguardando o despacho de fls. 52, que só veio em 21.09.92, autorizando a expedição da guia.
O depósito, segundo o próprio recorrido, só se efetivou em 01.10.92 (fls. 6), tendo o mesmo recorrido procurado argumentar com a greve do
Banerj, iniciada em 22.09.92.
Ocorre que, segundo a informação prestada à fl. 73, no período de gre
ve de 22.09.92 a 09.10.92, o Banerj funcionou regularmente para o rece
bimento de depósitos judiciais.
RST], Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
204 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Diante de todos esses fatos, revestida de toda plausibilidade é a
alegação da recorrente de que o aresto guerreado, ao dispensar o recorrido do pagamento da multa, violou o disposto no art. 695 do C. Processo
Civil. Por tais razões, admito o recurso especial, pela alínea a do inciso III
do art. 105 da Constituição Federal.
Subam os autos ao egrégio Superior Tribunal de Justiça."
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relator): Pede a recorrente seja
reformado o acórdão, determinando-se ao arrematante que "pague a multa refe
rida no art. 695 do CPC". Alega que, "Inexistindo quaisquer fatos relevantes
que provocassem o retardamento dos depósitos, restou configurada a ardilosa
manobra por parte do arrematante e do leiloeiro, ... ".
O arrematante foi liberado da multa pelo acórdão de termos seguintes:
"A situação do leiloeiro, liberado das sanções pela decisão por cópia à fl. 115, é diversa do arrematante, que só efetuou o depósito em 1!l. de
outubro de 1992, quando devia tê-lo feito nos três dias s.eguintes à arrematação (art. 690 c/c 695 do CPC), tanto que o Ministério Público,
em 11.09.92, já se manifestara requerendo a comprovação do depósito (fls.
50).
Inclusive a greve ocorreu a partir de 22.09.92, sem que tenha havido
impedimento para a realização de depósitos. De qualquer modo, libera-se o agravante da multa por ter requerido
a expedição de guia oportunamente (fls. 51), embora devesse ter insistido
em cartório na imediata expedição da guia, esta inclusive a independer de
decisão do juízo, ao invés de se ter acomodado por mais de vinte dias a
seguir."
Malgrado se tenha reconhecido que a greve não era impedimento, libe
rou-se da multa. Decidindo-se desta forma, quer-me parecer que a decisão
não foi feliz. O arrematante responde pela multa se não pagar dentro de três
(3) dias, como se lê do art. 695: "Se o arrematante ou o seu fiador não pagar
dentro de três (3) dias o preço, o juiz impor-Ihe-á, em favor do exeqüente, a
multa de 20% (vinte por cento) calculada sobre o lanço". Há julgados se-
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 205
gundo OS quais, havendo justo motivo, pode o juiz deixar de aplicar a multa.
Não é o caso destes autos, porquanto a noticiada greve não era motivo que impedia fosse praticado o ato. Há outrossim julgados para os quais não é de
rigor a multa "existindo circunstâncias que tornem a mora escusável" (RT-
541/218). Não creio igualmente seja o caso, porquanto escusa nenhuma foi
indicada. N em se trata, como sustenta o recorrido, de interpretação razoável. A
meu ver, de tão expressa a sanção, o acórdão, deixando de aplicá-la, ofen
deu o art. 695, motivo por que conheço do recurso especial e lhe dou pro
vimento.
Relator:
RECURSO ESPECIAL Nº 68.146 - SP (Registro nU 95.0030062-1)
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
Recorrentes: Antônio de Freitas Gouveia Filho e cônjuge Recorrido: Bradesco Seguros S/A
Advogados: Oswaldo da Penha Barbosa e outros e Cristiana Rodrigues Gontijo
e outros
EMENTA: Recurso especia1- Seguro obrigatório.
1. Qualquer seguradora responde pelo pagamento da indenização em
virtude do seguro obrigatório, pouco importando que o veículo esteja a desco
berto, eis que a responsabilidade em tal caso decon-e do próprio sistema legal
de proteção, ainda que esteja o veículo identificado, tanto que a lei comanda
que a seguradora que comprovar o pagamento da indenização pode haver do responsável o que efetivamente pagou.
2. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Ministros
da Terceira Turma do SuperiorTribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto
vista do Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, a Turma, por maiorIa, vencidos os
Senhores Ministros Eduardo Ribeiro e Waldemar Zveiter, conhecer do recurso
especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Senhor Ministro-Relator.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249,fevereíro 1999.
206 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Participaram do julgamento os Senhores Ministros Costa Leite, Nilson Naves,
Eduardo Ribeiro e Waldemar Zveiter. Brasília-DF, 10 de fevereiro de 1998 (data do julgamento). Ministro COSTA LEITE, Presidente. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Relator.
Publicado no DI de 17.08.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Antônio de Freitas Gouveia Filho e cônjuge intentaram ação de indenização contra Bradesco Seguros S/A, objetivando o recebimento do seguro obrigatório em
decorrência do falecimento de seu filho menor, vítima de atropelamento. Processada regularmente a demanda, sobreveio a sentença que julgou pro
cedente a ação. Inconformado, apelou a Bradesco Seguros S/A, alegando a ilegitimidade
ativa dos aa., vez que não comprovada a efetiva existência do seguro obrigató
rio. A 311 Câmara do l!lTribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo julgou
extinto o processo, sem exame do mérito, sob o entendimento de serem os aa.
carecedores da ação e de ilegitimidade passiva do recorrido, tendo em vista que o veículo envolvido no acidente encontrava-se a descoberto, inexistindo o
processamento do DUT no convênio. Os vencidos interpõem o presente recurso especial, com fundamento nas
alíneas a e c do permissivo constitucional, sustentando negativa de vigência aos artigos 5!l e 8!l da Lei n!l 6.194/7 4, além de dissídio juriSprudencial com arestos do mesmo tribunal prolator do acórdão. Sustentam ser devida a indenização na hipótese de comprovação do acidente e do dano dele emergente, independente
mente da existência de culpa e tendo por base a responsabilidade Ç)bjetiva da
seguradora. Oferecidas contra-razões foi o recurso especial admitido, na origem, su
bindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (Relator): Os recorrentes ajuizaram ação para recebimento de seguro obrigató-
RST],Brasília,a.11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 207
rio pela morte de seu filho, vítima de atropelamento, julgada procedente pela
sentença, reformada pela Terceira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil
de São Paulo com a seguinte fundamentação, verbis:
"Contudo, o apelante não se insere no vínculo passivo dessa obri
gação, uma vez que promovendo consulta à Federação, logrou esclare
cer que o veículo envolvido, placa ZD-2550, encontrava-se a descoberto, 'visto a inexistência de DUT processado no convênio' (fls. 13).
Nessa hipótese, a jurisprudência vinha entendendo que indemonstrada
a cobertura securitária, a indenização seria devida pelo titular do veículo
causador do dano independentemente da apuração da culpa GTACSP 140/
168). Pela evidente conotação social do tema, editou-se, logo depois do
acidente, mais exatamente 13 de julho de 1992, a Lei Federal nQ 8.441,
tratando também do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres - DPVAT.
Para pessoa vitimada - por veículo não identificado, com seguradora
não identificada, seguro não realizado ou vencido - criou-se um consórcio,
passível de representação em juízo, tanto que poderá haver regressivamen
te do proprietário do veículo os valores que desembolsar, ficando o veí
culo, desde logo, como garantia da obrigação, ainda que vinculado a con
trato de alienação fiduciária, reserva de domínio, leasing, ou qualquer outro (nova redação do art. 7Q e § 1 Q da Lei nQ 6.194, de 19.12.74).
Nesse contexto o tema é realmente de ilegitimidade de parte, pois
evidenciado que a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação ja
mais seria de uma empresa securitária isoladamente considerada, a Bradesco
Seguros S/A."
O recorrente tem razão, malferidas as regras indicadas da Lei nQ 6.194/74.
O sistema vigente à época do acidente, a Lei nQ 6.194/7 4, dispunha claramente nos artigos 5Q, 7Q e 8Q sobre a responsabilidade da seguradora integrante
do rol do seguro obrigatório, sem fazer qualquer ressalva pn'wria, mas, ao
revés, determinando, mesmo, que com a comprovação do pagamento "a segura
dora que houver pago a indenização poderá, mediante, ação própria, haver do responsável a importância efetivamente indenizada".
Nesse horizonte decidiu esta Corte, sem discrepância de votos, relator o
Senhor Ministro Cláudio Santos, sendo o veículo não identificado, com a seguinte ementa, verbis:
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
208 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Civil. Seguro. Indenização.
A indenização no caso de morte causada por veículo não identificado pode ser exigida de qualquer seguradora integrante do Consórcio de Resseguro." (REsp n!:'. 26.739 - RJ, Terceira Turma, DJ de
02.08.93).
o voto-condutor deixa claro o fundamento para tanto, verbis:.
"O próprio art. 7", entretanto, permite a interpretação dada pelo julgador monocrático, pois, obviamente, há solidariedade no consórcio constituído pelas seguradoras. Fosse o consórcio outra pessoa jurídica seria ela a responsável pelo pagamento, mas, segundo entendi, cuida-se apenas de um fundo contábil, administrado pelo IRE. Assim qualquer uma das consorciadas pode ser compelida ao pagamento."
Por outro lado, a falta de pagamento do prêmio de seguro obrigatório,
ainda que estando o veículo identificado, não autoriza a recusa da seguradora, dentro do sistema do seguro obrigatório, eis que entendimento diferente daria
ensanchas a uma verdadeira burla, deixando na mão do causador do acidente a responsabilidade exclusiva pela desoneração do dever de indenizar, apesar da obrigatoriedade do seguro.
N a verdade, a responsabilidade pelo pagamento é de qualquer das seguradoras integrantes do consórcio, que, comprovando o pagamento, poderá, mediante ação própria, haver do responsável o que dispendeu. E, no caso de estar o veículo
identificado, a regra tem sua aplicação com muito maior facilidade. Assim, pelo sistema legal do seguro obrigatório a indenização deve ser paga
por qualquer das seguradoras integrantes do consórcio, mesmo estando a descoberto o prêmio, pouco importando que esteja o veículo identificado ..
Anote-se, por fim, que o artigo 7" da Lei n Q 8.441/92, expressamente, agasalha essa orientação de autorizar o pagamento da indenização mesmo com o
seguro não realizado ou vencido. Destarte, eu conheço do recurso e dou-lhe provimento para restabelecer a
sentença.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: O acidente ocorreu antes da
edição da Lei n" 8.441/92. Para verificar se surgiu a obrigação, a cujo propósito se litiga, não é possível invocar o que nela se contém. A hipótese acha-se regida pela Lei n!:'. 6.194/7 4.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 209
Parece claro que, quando se cogita da obrigação do pagamento de indenização, em virtude de seguro, há de partir-se do pressuposto de que esse exista.
Exceção a isso só se prevista em lei que estabeleça o surgimento do vínculo obrigacional pela só ocorrência do fato, ainda que ausente o contrato. A lei em vigor assim dispõe; não, entretanto, o direito anterior.
A Lei n!2 6.194/7 4, é certo, determinava o pagamento da indenização, no caso de morte, mesmo se não identificado o veículo. Não havendo como apurar se feito ou não o seguro, adotou-se a solução que certamente correspondia ao que mais freqüentemente acontecia. Em regra, o seguro era feito, já que obrigatório.
Não se previu, entretanto, a hipótese de seguro não realizado, de que cuidou a Lei n!2 8.441/92, modificando, entre outros dispositivos, o artigo 7º- da Lei nº- 6.194 que cogitava tão-só de veículo não identificado. A indenização passou a ser devida, não apenas quando não se pudesse saber qual o veículo envolvido, como também se não identificada a seguradora ou não realizado ou vencido o seguro.
No caso em exame, sabia-se qual era o veículo, mas não havia o seguro. No regime da Lei n!2 6.194, não era devida indenização pela seguradora. Essa poderia ser exigida do proprietário que se abstivera de cumprir a obrigação de efetuar o seguro, ainda que não tivesse culpa no acidente.
O dissídio apontado não é apto a conduzir ao conhecimento do especial, já que o acórdão é do mesmo tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Não conheço do recurso, para isso pedindo vênia aos eminentes prolatores de votos em sentido contrário.
VOTO-VENCIDO
O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Peço vênia aos eminentes Ministros para acompanhar o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro.
Relator:
RECURSO ESPECIAL Nº 73.234 - RJ (Registro n!295.0043757-0)
Ministro Eduardo Ribeiro Recorrentes: Erineia da Silva Maciel e outros
Recorrida: Maria Luíza da Silva
Advogados: José Leite Saraiva Filho e outros e Paulo Rangel de Carvalho e outro
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249,fevereiro 1999.
210 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: Legado - Concubina.
A vedação do artigo 1. 719, III, do Código Civil não abrange a cOInpanheira de homem casado, mas separado de fato. E como tal se considera a mulher que com ele mantém união estável, convivendo como se casados fossem.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe negar provimento.
Participaram do julgamento os Srs. Ministros Cláudio Santos, Costa Leite
e Nilson Naves. Impedido o Sr. Ministro Waldemar Zveiter.
Brasília-DF, 15 de dezembro de 1995 (data do julgamento). Ministro CLÁUDIO SANTOS, Presidente.
Ministro EDUARDO RIBEIRO, Relator.
Publicado no DJ de 06.05.96.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: Os ora recorrentes, filhos e sucessores de Libertino da Silva Maciel, ajuizaram ação de anulação do testa
mento que nomeou legatária a recorrida, Maria LuÍza da Silva.
A ação foi julgada procedente, tendo sido reformada a sentença no julgamento da apelação.
Os autores manifestaram recurso especial, com base nas alíneas a e c do
permissivo constitucional. Sustentam vulneração dos arts. 1.627, 1.650 e 1. 719, III, do Código Civil e dos arts. 37 e 13, lI, do Código de Processo Civil, bem como dissídio de jurisprudência. Aduziram que, admitida pela própria ré sua condição de concubina, não poderia o acórdão transformá-la em companheira.
Ademais, não estaria o testador em seu juízo perfeito, não sendo válido o ato,
viciado ainda por terem sido admitidas, como testemunhas instrumentárias, pessoas que não o conheciam. Por fim, consoante o art. 1.719, III' do Código Civil, não pode ser nomeada legatária a concubina do testador casado. Apontaram,
quanto a isso, dissídio com julgado do Supremo Tribunal Federal. . O recurso não foi admitido. Provi o agravo para melhor exame, convertendo-o em especial. É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 211
VOTO
O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO (Relator): Mencionam os re
correntes, no início da petição de recurso, os artigos 1.627, 1.650 e 1. 719 do
Código Civil e os artigos 37 e 13 do Código de Processo Civil. Asseveram - fi.
30 - que uns e outros foram contrariados pelo acórdão recorrido, como se passaria a mostrar. Ocorre, entretanto, que, a partir daí, inexiste referência às dis
posições processuais, não se tendo cuidado de mostrar em que consistiria a violação. Examinam-se, pois, apenas as normas da lei civil.
Relativamente ao artigo 1.627, estaria a ofensa em haver o acórdão admitido pudesse fazer testamento quem não estivesse em seu perfeito juízo.
Não têm razão alguma os recorrentes. O julgado que se impugna afirmou não
existir prova da incapacidade. Não contrariou a lei. E se o testador era ou não
mentalmente capaz é matéria de prova que não se reexamina no especial.
Sustenta-se, mais, que, consoante lição de Pontes, não poderiam ser teste
munhas instrumentárias as pessoas que não conheciam o testador. Não consigna
o acórdão essa circunstância. Nele se diz apenas que o testamento teve sua ela
boração ratificada pelo tabelião e nada de sério se apurou que justificasse sua
anulação, para isso não bastando pequenas irregularidades. Não há como, no
especial, ter em conta elemento de fato estranho às considerações do julgamento recorrido.
Por fim, o fundamento mais relevante prende-se a que a legatária era
concubina do testador, incidindo a vedação do artigo 1. 719, lII, do Código Civil. Quanto ao ponto, tenho que merece ser conhecido o recurso, demonstra
do o dissídio com acórdão do Supremo Tribunal Federal.
Observo, de início, que sem relevo a alegação de que a recorrida não
contestara a condição de concubina, não podendo a decisão recorrida transmudála em companheira. Importam os fatos, e não a qualificação que lhes haja sido emprestada.
A respeito da correta interpretação do citado dispositivo, tendo em vista os tempos atuais, há notável precedente da egrégia 4ª Turma deste Tri
bunal, em que o eminente Relator, Ministro Sálvio de Figueiredo, examinou
o tema de modo exaustivo (REsp n!.l196 - RSTJ 3/1.075). Como nada pode
ria acrescentar àquele preciso voto, permito-me transcrevê-lo na íntegra:
"Cuida-se da anulação de testamento, proposta pela viúva e filhos do
de cujus, ao fundamento da instituição de legado à companheira do testa
dor, em afronta à expressa proibição constante do art. 1.719', lII, do Código Civil.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
212 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A decisão de primeiro grau analisou a controvérsia sob a ótica da
locação de serviços livremente pactuada, na qual à obrigação de fazer do
locatário (tomador dos serviços) se contrapõe a obrigação de dar do loca
dor (prestador de serviços), que aplicada à espécie admite a validade do legado, pois reconhece que:
'Diante de tais conceitos, tem-se que Arides, enfrentando os mesmos sacrifícios ao lado de Pompeu, acompanhou-o até o fim de
seus dias, dando-lhe apoio, carinho, afeto e logicamente realizando
as tarefas domésticas, pois viviam apenas a dois, conforme demonstra a prova testemunhal.'
'Em contraprestação, o de cujus, antecipando-se, efetuou uma
dação em pagamento, a teor do artigo 995, do Código Civil, o que
consignou em seu testamento, sem ofender a meação ou a legítima, a
que a viúva e as filhas têm direito por lei, pagando aquilo que achava ser justo pelo que recebia' (fi. 104).
De outra parte, o egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
confirmando a sentença, arrima-se em interpretação restritiva da regra do
art. 1.719, UI, do Código Civil, destacando-se do contexto do acórdão o
seguinte e elucidativo trecho, verbis:
'Em resumo, quero dizer que não se pode interpretar a vedação
do art. 1.719, UI, do Código Civil, de acordo com os princípios
legislativos implantados pelo codificador de 1916, mas sim em con
formidade com o sistema jurídico que hoje vigora, no qual a lei e os
tribunais dispensam bem diverso tratamento ao concubinato, cuja
existência jurídica reconhecem, e lhe atribuem efeitos, seja garantin
do à concubina o direito à meação, ou à indenização por serviços
prestados, seja assegurando direitos no campo da previdência social e
dos seguros privados. Tal alteração normativa, de origem legislativa
e jurisprudencial, impõe submeter-se a outros princípios - que não
os vigorantes ao tempo da codificação - a proibição de o homem
casado legar à concubina. Basta dizer que ela tem ação para pleitear
bens de valor equivalente ou mesmo superior ao legado.
Esta colocação encaminha-se para uma interpretação restritiva
da regra do art. 1.719, lU, do Código Civil, cujos limites não devem
ultrapassar a necessidade de proteção da família legítima, que é o
bem jurídico que se quer resguardar. Assim, onde não houver lesão à
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 213
família legalmente constituída, não incide a norma proibitiva e o ato
é válido.' (fl. 153).
Tenho como escorreito esse entendimento, em perfeita sintonia com
a moderna leitura do Código Civil, à luz das profundas transformações
dos costumes pelas quais vem passando a sociedade ocidental e, em parti
cular, a brasileira a partir da metade do século. Além do mais, a construção pretoriana, dos tribunais, refletindo a
mutação dos costumes, tem agasalhado (a meu ver com absoluta razão) a
distinção entre companheira e concubina, cujos matizes convém tonalizar devidamente, pinçando-os da doutrina e dos arestos que cristalizam esse
entendimento. Concubina, no dizer da jurisprudência, é 'a amante, a mulher dos
encontros velados, freqüentada pelo homem casado, que convive ao mes
mo tempo com sua esposa legítima' (RE n1l 83.930-SP, reI. Min. Antônio
Neder, RTJ n ll 82/933); 'é a que reparte, com a esposa legítima, as aten
ções e assistência material do marido' (RE n ll 82.192-SP, reI. Min.
Rodrigues Alkmim); 'é a mulher do lar clandestino, oculto, velado aos
olhos da sociedade, como prática de bigamia e que o homem freqüenta simultaneamente ao lar legítimo e constituído segundo as leis' (RE n!2
49.195, conceito expendido pelo Juiz Osni Duarte Pereira e adotado pelo
eminente ReI. Min. Gonçalves Oliveira, RF (197/7).
A companheira, por seu turno, 'é a mulher que se une ao homem já
separado da esposa e que a apresenta à sociedade como se legitimamente
casados fossem' (RE n1l 49.185, RF 197/97); 'é a mulher que une seu destino
ao do homem solteiro, viúvo, desquitado ou simplesmente separado de fato
da mulher legítima. Sua característica está na convivência de fato, como se
casados fossem aos olhos de quantos se relacionem com os companheiros de tal união. Pesam no conceito as exigências de exclusividade, fidelidade, vida
em comum sob o mesmo teto com durabilidade. O vínculo entre os companheiros imita o casamento, ou no dizer tradicional, é 1D.ore uxorio, todo o
relacionamento se faz às claras, sem ocultação. Os dois freqüentam a socie
dade onde, reciprocamente, se tratam como marido e mulher' (Mário Aguiar
Moura, RT 519/295).
A distinção entre os dois conceitos acha-se convenientemente gizada pelo em. Ministro Antônio N eder, no trecho que transcrevo do voto profe
rido do RE n1l 83.930-SP, verbis:
'Todavia, em jurídica linguagem é de se admitir a diferencia-
RST], Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
214 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ção, porque, na verdade, o cônjuge adúltero pode manter convívio no lar
com a esposa e, fora, ter encontros amorosos com outra mulher, como
pode também separar-se de fato da esposa, ou desfazer desse modo a sociedade conjugal, para conviverrrlOre uxorio com a outra parte.
Na primeira hipótese o que se configura é um concubinato,
segundo o seu conceito moderno, e obviamente a mulher é concubina, mas, na segunda hipótese, o que se concretiza é uma união-de-fato
(assim chamada por lhe faltarem as justae nuptiae) e a mulher merece
havida como companheira; precisando melhor a diferença, é de se
reconhecer que, no primeiro caso, o homem tem duas mulheres, a
legítima e a outra; no segundo, ele convive apenas com a companhei
ra, porque se afastou da mulher legítima, rompeu de fato a vida con
jugal' (RTJ 82/934).
Nos Embargos Infringentes n!2 29.849, considerado leading case no egrégio
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o então Des.Athos Gusmão Car
neiro, hoj e em. Ministro da Casa, atento às lições de Arnold Wald (RT 413/
54) e Francisco Pereira de Bulhões Carvalho ("Incapacidade Civil e Res
trições de Direito", voI. 2.9.) sustentava, ab initio que:
'Cumpre definir - neste último quartel do século XX, em que
se renovam as concepções de vida, afirmam-se outros costumes e
padrões de conduta socialmente aceitos, modificam-se as estruturas e
os ditames familiares - cumpre definir, para este momento, o exato
alcance da regra do art. 1.719, lII, do CC, pela qual não pode ser
nomeada herdeira nem legatária a concubina do testador casado.'
(Revista de Jurisprudência doTJRS, n!2 80/128).
Colacionando, ainda, arestos coincidentes com a tese, conclui o ilustre
Juiz no sentido de que a jurisprudência tem prestigiado a circunstância do con
vívio prolongado entre o testador e a legatária que, a se sentir e dos eminentes
pares que o acompanharam, altera em profundidade o impedimento previsto na
lei, convalidando, destarte, o testamento.
Por outro lado, restrito ao tema considerado relevante na argüição,
estou em que o decisuIll. não põe em risco a instituição do casamento, que
permanece como base da sociedade (art. 226 da Constituição da República)
a existência de união estável entre o homem e a mulher, por igual modo, é
reconhecida como entidade familiar (§ 3.9. do art. 226 da Carta Política), em
inequívoca demonstração de que o legislador constituinte, sensível à reali-
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 215
dade vivenciada pela sociedade, consagrou esse relacionam~nto como cre
dor da proteção do Estado. E este, através de sua função jurisdicional, quan
do interpreta restritivamente o impedimento consignado no art. 1.719, IH, CC, cumpre o desiderato constitucional.
Os motivos que inspiraram o codificador de 1916 já não encontram
respaldo e ressonância na realidade da família moderna. Tanto é assim que,
de lege ferenda, o projeto do novo Código Civil (Projeto de Lei n!.l 634, de
1975), contempla no dispositivo que trata das incapacidades para receber
legados ressalva expressa concernente ao concubinato vigente há mais de
cinco anos (art. 1.848, lU, parte final), consagração evidente da evolução do
direito no sentido da tese.
Impõe-se dar à lei, especialmente em certos campos do Direito, como no de família, uma interpretação construtiva, teleológica e de valoração,
fundada na lógica do razoável. O jurista, salientava Pontes de Miranda
em escólios ao Código de 1939 (voI. XH/23), 'há de interpretar as leis
com o espírito ao nível do seu tempo, isto é, mergulhado na viva realidade ambiente, e não acorrentado a algo do passado, nem perdido em alguma
paragem, mesmo provável, do distante futuro'. 'Para cada causa nova o juiz
deve aplicar a lei, ensina Ripert ('Les Forces Creatives du Droit', p. 392),
considerando que ela é uma norma atual, muito embora saiba que ela muita vez tem longo passado'; 'deve levar em conta o estado de co.isas existentes
no momento em que ela deve ser aplicada', pois somente assim assegura o
progresso do direito, um progresso razoável para uma evolução lenta.
Nesta mesma direção exegética, e como homenagem à Justiça do Estado de origem do recurso, ao finalizar chamo à colação a lição de
Galeno Lacerda em seus 'Comentários' ao art. 809, CPC, segundo a qual
'Há que interpretar a norma de acordo com a realidade e com a teleologia do sistema'."
Adotando esses fundamentos, conheço do recurso, em virtude do dissídio, mas nego-lhe provimento.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Meditei com mais vagar sobre este caso, meditação essa que me foi proporcionada pelo pedido de vista. Está em
causa o art. 1. 719, UI, do Cód. Civil. Concordo com a interpretação que lhe emprestou o Sr. Relator, até porque, segundo o acórdão recorrido,
RSTJ,Brasília,a.11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
216 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Quanto ao concubinato, o que se observa é que, tendo o fale
cido se separado de fato da esposa, a apelante foi cuidar dele, tudo indicando que passou ela, posteriormente, à sua condição de compa
nheira. No fim, seria mais uma enfermeira, eis que faleceu o testador com 88
anos e ela tinha trinta e tantos anos por essa época.
Não é aquela comborça que a lei perseguia, mas, sim, a companheira
que, agora ela protege."
É caso de companheira, não lhe sendo mesmo de se aplicar a proibição do aludido art. 1. 719, UI.
Acompanho, portanto.
Relator:
RECURSO ESPECIALNº74.671-RS (Registro nQ 95.0047338-0)
Ministro Nilson Naves
Recorrentes: Ilídio Antônio Biacchi e outro
Recorrido: Alcides Morgental
Advogados: Werner CantalÍcio João Becker e outros e Luiz Carlos Lopes Madeira e outros
Sustentação Oral: Werner Cantalício João Becker (pelos recorrentes) e o Luiz Carlos Lopes Madeira (pelo recorrido)
EMENTA: Ação de consignação elll pagaITIento - Depósito elll conta cor
rente, COlll posterior estorno (haveres de sócio).
Pedido rejeitado "porque o requerido não teve participação ou fiscaliza
ção do procedilllento que concluiu pelo valor dos haveres". Caso elll que não
existe ofensa ao art. 890 do Cód. de Pro Civil, nelll dissídio a propósito do âlllbi
to da consignatória, porquanto teve ela desfecho de lllérito. Illlpertinência de
dispositivos do Cód. Civil, referentes ao capítulo da sociedade. Recurso espe
cial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos .e das notas
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 217
taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Par
ticiparam do julgamento os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter,
Menezes Direito e Costa Leite. Brasília-DF, em 21.05.98 (data do julgamento). Ministro COSTA LEITE, Presidente.
Ministro NILSON NAVES, Relator.
Publicado no DJ de 24.08.98.
RELATÓRIO
O SR MINISTRO NILSON NAVES: Tratam os autos de ação de consig
nação em pagamento, proposta pelos recorrentes contra o recorrido, alegando
que
" ... juntamente com o demandado compunham o quadro social da firma Administradora de Consórcios Pampeiro Ltda, a qual teve sua extinção
determinada pelo Banco Central do BrasiL Em função disto foi realizada reunião dos sócios quotistas para deliberarem sobre a ordem do dia, veri
ficando-se tão-somente a ausência do demandado. Deliberada a extinção da empresa, conforme previsão nos estatutos sociais, restaram nomeados
liquidantes da mesma e promoveram a apuração de haveres. A importância
que tocou ao réu foi depositada em estabelecimento bancário, sendo que,
posteriormente, a seu pedido, foi procedido o estorno respectivo. Em face da recusa do réu, foram consignados os valores pertinentes.
Designada data para o recebimento (fl. 52) não compareceu o de
mandado (fl. 57), efetivando-se, assim, o depósito judicial (fl. 58). Contestação, fls. 61/69.
Em preliminar, é argüida a carência de ação, eis que os demandados
não podem pretender a liberação de suas responsabilidades via ação de consignação, quando sequer houve prestação de contas. No mérito, aduz
que a ação proposta somente é própria para solucionar a lide, se existente obrigação já definida."
A sentença julgou improcedente a ação, e o acórdão negou provimento à
apelação. Eis a sua ementa:
"Consignatória. Sociedade comercial. Depósito de importân
cia referente ao quinhão em conta corrente bancária. Posterior estorno.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
218 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Pedido julgado improcedente porque o requerido não teve par
ticipação ou fiscalização do procedimento que concluiu pelo valor os haveres.
Recurso improvido."
o acórdão de fls. 207/211 rejeitou os embargos de declaração.
Fundado nas alíneas a e c, foi o recurso especial admitido pelo fundamento da divergência jurisprudencial, segundo este despacho do DeseJ;llbargador
Sergio Pilla da Silva:
"IlI - Pela alínea a:
Argumentam os recorrentes, em síntese, infringência aos artigos
1.093, 1.364 e 1.399, lII, da Lei Civil, porque o v. aresto não consi
derou o conflito das normas comerciais e civis, deixando de dar
prevalência ao prescrito no Código Civil. E isto porque ocorreu, no
caso, a perda do objeto do ente social por imposição do Banco Cen
tral, o que é causa de extinção da sociedade, independentemente da
vontade dos sócios.
Tais alegações, no entanto, não infirmam o entendimento cons
tante no v. aresto de que a liquidação da sociedade que está em discus
são é aquela decidida em assembléia, pela maioria de seus membros,
que não detém tal poder deliberatório, sem a participação do sócio
remanescente, o qual recusou a importância oferecida por entender
indevida.
Não há, pois, como acatar o entendimento recursal de que, na espé
cie, haveria de incidir a Lei Civil - art. 1.399, lII. Como já exposto, a
maioria dos sócios não poderia deliberar na assembléia determinando a
dissolução, liquidação e extinção da sociedade, havendo sócjo que não
concorde. Portanto, a lei aplicável ao caso, como bem consignou a egrégia
Câmara Julgadora, é a comercial, em seus artigos 330/335, não alterando
a solução da controvérsia o fato da sociedade ter sido ou não dissolvida por ordem de autoridade administrativa.
Também não viabiliza o trânsito da inconformidade a alegação de
infringência ao art. 890 do CPC, sob o argumento de que caberia ao recor
rido discutir, no bojo da ação consignatória, o quantum debeatur, pois
os eminentes julgadores decidiram pela improcedência da presente de
manda tendo em vista que as partes não produziram provas do alegado.
IV - Pela alínea c:
O recurso merece ser admitido pelo dissídio jurisprudencial.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
DA TERCEIRA TURMA 219
Com efeito, os julgados colacionados consignam entendimento menos
restritivo do que o do aresto recorrido quanto ao âmbito da discussão da ação consignatória, restando afirmado, inclusive, no REsp nU 35.926-0 que 'matéria relacionada ao quantulll debeatur, cujo deslinde afigura-se indispensável à exata definição deste, guardando, pois, pertinência com o ob
jetivo de liberação do devedor, não inviabiliza a ação consignatória, por
mais complexo que seja o seu exame'. Esta tese jurídica, pois, diverge do
posicionamento expresso na v. decisão. V - Pelo exposto, admito este recurso especial com fundamento no
art. 105, IH, c, da Constituição Federal.
Oportunamente, subam os autos ao col. SuperiorTribunal de Justiça."
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relator): Como se viu, cuidam os
autos de ação de consignação em pagamento, na qual o autor requereu a citação
do réu para, "no dia, hora e local que forem determinados porVossa Excelência, venha ou mande receber o referido valor de CR$ 4.165.108,34 e seus respecti
vos acréscimos até aquela data, valor este referente ao seu quinhão no 'acervo
líquido' da 'extinta Administradora de Consórcios Pampeiro Ltda', da qual ele
era seu sócio-quotista". Tal a circunstância, acho mesmo que nada têm a ver
com o presente feito os arts. 1.364 e 1.399, IH, que, no Cód. Civil, encontramse inseridos no capítulo pertinente à sociedade (Capítulo XI - Da Sociedade), e
menos ainda o art. 1.093. Aqui, não se cuida de feito referente à dissolução de
sociedade. Saber se se trata de sociedade civil, ou se trata de sociedade comer
cial, também a meu juízo era e é irrelevante para o deslinde da causa, como aliás
bem anotou o Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos embargos de
declaração (voto do SI. Relator), in verbis:
"Prefacialmente destaco que eventual equívoco aduzindo ser socie
dade comercial e não civil, em nada modificaria os rumos da controvérsia.
Saliento, ainda, que o dito à 'sociedade comercial' consta apenas da emen
ta. Vislumbra-se do recurso que os embargantes querem novo julgamen
to da lide. O colegiado entendeu que não se poderia dizer como razoável o
depósito efetivado, sem que o demandado tivesse a oportunidade de dis
cutir os valores."
RSTJ, Brasília, a. 11, (J 14): 197-249, fevereiro 1999.
220 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apesar de aqui se ter feito alguma incursão pelos temas relativos à dissolução (diga-se, porém, que o fizeram magistralmente), o que desde o início este
ve presente quando do julgamento da instância ordinária foi a recusa do
contestante, de modo que cumpria sabê-la se ou não justa, como é de se concluir da sentença, e de sentença que no caso em foco decidiu o mérito da
causa, in verbis:
"Ora, entendo não ser necessário dizer muito para que se conclua no sentido de que merece inacolhimento a pretensão deduzida pelos demandantes. Basta referir que o réu, consoante já asseverado, sequer teve qualquer participação ou exerceu qualquer fiscalização reverentemente ao processo em que foram encontrados os valores pertinentes aos haveres de cada sócio. Logo, afigura-se como justa a recusa em receber o valor consignado, apurado unilateralmente pelos demandantes. E não prospera o argumento no sentido de que o demandado não pode deduzir qualquer reclamação acerca da partilha efetivada, posto decorrido o prazo de dez dias, previsto contratualmente, porquanto sequer demonstrado que o mesmo tenha sido formalmente cientificado de que tal partilha foi levada a efeito. Ao contrário. Mero depósito em conta corrente da qual é titular, sequer tem o condão de noticiar tenha ocorrido o partilhamento de haveres sociais. Daí, então, a improcedência da ação.
N o mais, cumpre referir que a então existente ação cautelar inominada, que tramitava perante a 4l!.Vara Cível desta comarca, sequer pode ser con
siderada para o desfecho da presente demanda, eis ter havido desistência da mesma (fl. 125).
IH - Isto posto, julgo improcedente a ação de consignação em paga
mento, intentada por Ilídio Antônio Biacchi e Cláudio Emanuelli, qualificados nos autos, contra Alcides Morgental, igualmente qualificado no feito. Porque sucumbentes, arcarão os autores com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% do valor corrigido da causa."
Pelo visto, disse o juiz que se lhe afigurava justa a recusa, e desse tópico da sentença, transcrevendo-o, valeu-se o acórdão, segundo o voto do Sr. Relator, Desembargador Guilherme Englert. Consoante S. Exa., "A demanda", iniciando o seu voto, "é consignatória e nos seus limites é que deve ser equ~cionada". Acrescentou que o réu, na espécie, "não é obrigado a aceitar o total mostrado pelos outros sócios". E por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, resumiu assim o pensamento da 511 Câmara:
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 221
"Disse o colegiado que ao sócio demandado também competiria examinar, se fosse o caso, os valores respectivos, entendendo-se que, no campo de simples consignatória, inexistiam elementos para tal. Não se está dizendo que a consignatória continua sendo ainda aquela 'executiva às avessas' de outros tempos. Não. Concorda-se que ela pode ter um espectro mais amplo, mas, em face da documentação constante dos autos, a Câmara, bem ou mal, entendeu de negar provimento ao recurso - penso que examinando as alegações pertinentes. Chegou a essa conclusão porque considerou que não restou demonstrado também o exato momento em que o requerido ficou ciente do depósito em sua conta corrente e que o estorno foi feito em prazo razoável. Se o julgamento está certo ou não é matéria que só pode ser solvida no recurso próprio, se for o caso. Entendeu-se, também, não ser necessário o demandado fazer uma reclamação perante a sociedade, conforme cláusulas avençadas, uma vez que já havia depósito feito em conta corrente."
Ora bem, a ação de consignação em pagamento teve desfecho de mérito: podendo o réu alegar que foi justa a recusa, assim foi feita a alegação, no que foi acolhida pela sentença, e depois chancelada pelo acórdão, daí decorrendo a improcedência da ação. Ante tal quadro, discórdia não existe, a propósito do âmbito dessa espécie de ação, entre o pronunciamento de origem e o entendimento do Superior Tribunal. Não existe, porque tanto lá como cá se entende que ela "pode ter um espectro mais amplo". E não deixou de tê-lo aqui: repito, a ação teve desfecho de mérito. Se dissídio jurisprudencial não há, igualmente não existe ofensa ao art. 890 do Cód. de Processo Civil.
Não conheço do recurso especial.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Os recorrentes, liquidantes nomeados de determinada sociedade comercial, com distrato
social já devidamente arquivado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, ajuiza
ram consignatória contra determinado cotista alcançando o depósito do quinhão a este correspondente, mais os rendimentos financeiros do período. Na contestação, o réu afirmou não ter "as mínimas possibilidades de participar de qualquer reunião promovida pelos autores, ou assistir, aprovar ou desaprovar, as contas dos mesmos como liquidantes" (negrito no original) . Argumenta, então, ser imprópria a ação proposta pelos autores, considerando ser "totalmente despropositada, sem nenhum amparo no direito, a pretensão dos autores de obter quitação, em Ação de Consignação em Pagamento, cuja sentença é meramente declaratória, sem rigorosa prestação de contas dos haveres da sociedade em cuja liquidação só eles atuaram, livres de qualquer fiscalização" (negrito no original). No mérito, alega que se "inexiste
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
222 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
relação jurídica entre os autores e o réu, pela qual aqueles se tenham obrigado a pagar a este determinada prestação, seja coisa, seja quantia em dinheiro, que opção de defesa de mérito restará ao requerido, nos estritos limites traçados pelo art. 896
do Código Civil Brasileiro?". A sentença julgou improcedente a ação considerando que o r·éu "sequer
teve qualquer participação ou exerceu qualquer fiscalização referentemente ao
processo em que foram encontrados os valores pertinentes aos haveres de cada sócio. Logo, afigura-se como justa a recusa em receber o valor consignado,
apurado unilateralmente pelos demandantes". E, ainda, rechaçou o argumento
do prazo para investir contra a partilha, previsto contratualmente, "porquanto
sequer demonstrado que o mesmo tenha sido formalmente cientificado de que
tal partilha foi levada a efeito. Ao contrário. Mero depósito em conta corrente da
qual é titular sequer tem o condão de noticiar tenha ocorrido o partilhamento
de haveres sociais". O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul manteve o julgado
monocrático. Para tanto, considerou que não ficou demonstrado que o réu tenha
se afastado há muito tempo de seu cargo de gerente, ficando, assim, ausente da
sociedade, e, também, que não há prova de que o réu tenha tido conhecimento
da data do depósito. Para o tribunal de origem, "no presente feito, onde as partes
não produziram provas sobre o alegado, não seria justo e razoável o provimento
sobre os variados temas agora enfocados".
O especial aponta violação aos artigos 1.364 e 1.399, IIl, do Código Civil e
890 do Código de Processo Civil, ademais de dissídio juriSprudencial.
O voto do eminente Relator, o Senhor Ministro Nilson Naves, é pelo não
conhecimento do especial.
O que se verifica neste feito é que desde a contestação o réu vem alegando a
impropriedade da ação, afirmando que não participou do processo de dissolução da
sociedade e que não existe relação jurídica entre as partes.
A sentença, porém, aceitou a ação como consignatória e admitiu como justa a
recusa do réu diante de uma apuração unilateral feita pelos autores. E o acórdão,
talqualmente a sentença, teve por não demonstrado o momento que o réu ficou
ciente do depósito e, ainda, que ele não é obrigado a aceitar o total mostrado pelos
outros sócios.
A meu juízo, essa fundamentação do acórdão afasta, por inteiro, a
pertinência dos artigos 1.364 e 1.399, IlI, do Código Civil, que, de fato, não
foram objeto das decisões proferidas nas instâncias ordinárias. Nos declaratórios,
os artigos foram ventilados, mas, ainda uma vez, não desafiados. Para que esta
Corte pudesse enfrentá-los deveriam ter sido indicados os dispositivos próprios,
o que não ocorreu.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURi\llA 223
No que se refere ao art. 890 do Código de Processo Civil, igualmente,
não há incidência, no caso, pela só razão de não ter o julgado recorrido, afastado a viabilidade da ação consignatória, mas, sim, admitido possível a ação tal como proposta, contudo julgando-a improcedente porque justa a recusa do
réu. Não há, portanto, qualquer violação possível. Este particular aspecto foi
bem evidenciado no voto do Senhor Ministro Nilson Naves ao destacar que "o
que desde o início esteve presente ao julgamento da instância ordinária foi a recusa do contestante de modo que cumpria sabê-la se ou não justa, como é de
se concluir da sentença. E de sentença que no caso em foco decidiu o mérito
da causa". Anote-se, também, que o especial questiona o conhecimento de depósito
pelo réu, o que foi afastado pela sentença e pelo acórdão recorrido, daí, igualmente, não prevalecer a argumentação do especial sobre o prazo contratual para
reclamar. Da mesma maneira, fica sem sustentação uma apontada "preclusão quanto à reclamação administrativa".
Finalmente, quanto ao dissídio pretoriano, para levantar o recurso especi
al pela alínea c, não vejo base. E não vejo, exatamente, porque a ação foi decidi
da no seu mérito, ou seja, entendeu-se justa a recusa do réu, não negando o julgado a possibilidade de ser discutida na consignatória o valor consignado. O que ocorreu neste feito é que as instâncias ordinárias consideraram que o réu,
diante das circunstâncias peculiares da apuração do valor que veio a ser consig
nado, recusou justamente o valor depositado.
É o quanto basta para que eu acompanhe o eminente Relator, às completas.
RECURSO ESPECIAL Nº 139.469 - GO (Registro n J2 97.0047402-0)
Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
Recorrente: Walter Pereira da Silva
Recorrido: Haroldo de Britto Guimarães
Sustentação Oral: Walter de Paula Silva (pelo recorrente)
Advogados: Walter de Paula Silva e outro e Alex A. N eder e outro
EMENTA: Dano moral- Legitimidade passiva - Ofensa divulgada por meio de comunicação social.
1. Identificado o autor da ofensa, pode o ofendido ajuizar contra ele a ação
reparatória pelo dano moral causado por meio de publicação emjo'rnal, não com-
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
224 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
portando o art. 49, § 22 , dalei especial de regência, interpretação diversa, sob pena
de grave violação do novo sistellla de responsabilidade por dano llloral, que telll
as galas constitucionais nos incisos V e X do art. 52 da Constituição de 1988.
2. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Ministros da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e, por
maioria, vencidos os Senhores Ministros Nilson Naves eWaldemar Zveiter, dar-lhe
provimento. Participaram do julgamento os Senhores Ministros Costa Leite, Nilson
N aves, Eduardo Ribeiro e Waldemar Zveiter.
Brasília-DF, 7 de abril de 1998 (data do julgamento). Ministro COSTA LEITE, Presidente.
Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Relator.
Publicado no DI de 14.09.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Trata
se de recurso especial interposto porWalter Pereira da Silva, com fundamento
nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pela
Terceira Turma da 111 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás,
cuja ementa está assim vazada, verbis:
"Responsabilidade civil- Indenização - Dano moral- Lei de
Imprensa - Legitimidade Passiva - Honorários.
I - Visando a Lei de Imprensa a que as empresas jornalísticas
exerçam vigilância sobre a atuação de seus funcionários e colabora
dores, no sentido de evitar a prática de abusos, estabeleceu em seu art. 49, § 2º, àquelas, a responsabilidade civil para reparação de even
tuais danos morais causados a terceiros.
II Resumindo o trabalho do advogado da parte vencedora
apenas na elaboração da peça contestatória, razoável a fixação da
verba honorária em 10% sobre o valor da causa, máxime se a senten
ça não ultrapassou a preliminar.
Apelo conhecido e provido em parte." (fls. 100)
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURlVlA 225
Sustenta o recorrente que o acórdão combatido violou os artigos 49, caput,
inciso I e § 3Q, 51 e 67 da Lei n Q 5.250/67 e 1.518, parágrafo único, 1.524, 159,
1.547 e 1.553, do Código Civil, pois o recorrido, autor do escrito, seria parte legítima para figurar no pólo passivo da ação de indenização. Traz julgados
desta Corte para comprovar a divergência jurisprudencial.
Não houve contra-razões e o recurso especial foi admitido.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (Relator): O recorrente ajuizou ação de responsabilidade civil por danos mo
rais, alegando que o réu escreveu artigo assinado no jornal Diário da Manhã. A
sentença acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva do réu, com base na Lei
de Imprensa. O Tribunal de Justiça de Goiás manteve a sentença, com apoio no
art. 49, § 2Q, da lei especial de regência.
O recurso merece ser conhecido pela alínea c.
São já conhecidos os posicionamentos da Corte diante da questão posta em julgamento. Ao julgar o REsp n Q 61.922 - RS, de que fui relator, pronunciei
me no mesmo sentido do paradigma apresentado no especial, merecendo a adesão da maioria, vencidos os Senhores Ministros Nilson N aves e Waldemar Zveiter,
pedindo vênia aos meus eminentes colegas para destacar este trecho:
"Não se pode dizer que houve vulneração da Lei de Imprensa, mes
mo porque com a disciplina do inciso X do art. 5Q da Constituição Federal
o art. 49, § 2Q, invocado, não comporta interpretação que exclua a
legitimação passiva daquele que diretamente, usou as expressões apontadas como violadoras do direito fundamental à honra do autor, sob pena de
grave violação da nova sistemática da responsabilidade por dano moral,
agora no plano da Lei Maior, após longa e segura construção jurisprudencial.
Entender de outra forma com todo maior respeito, seria criar uma
situação de desigualdade entre ofensores que se albergam em lei especial e
ofensores que ficam expostos ao relento do direito comum. A ofensa à honra não é compatível com essa restrição na legitimação passiva. Sendo direito fundamental assegurado, com foro de regra intangível até para o legislador constituinte derivado, uma vez malferida a honra pode o atingido investir, se identificado o autor, contra este diretamente, sem prejuízo de responsabilizar o veículo que, por negligência, deu curso a ófensa, falhando no seu dever de avaliar o que publica."
RST}, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
226 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA
Os fundamentos acima deduzidos são suficientes para que eu proveja o recurso, presente a divergência.
ESCLARECIMENTOS
o SR. MINISTRO NILSON NAVES: Sr. Relator, o aspecto destacado por V. Exa. mudaria a feição do caso?
O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (Relator): Na nossa perspectiva não.
O SR. MINISTRO COSTA LEITE: Na nossa não, mas na de V. Exa. pode mudar.
O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (Relator): Na perspectiva de V. Exa. pode mudar. Na realidade, o que temos dito ao longo do tempo, examinando esses casos, é que, identificado o autor do dano, se não o punirmos, cria-se um biombo de indenidade.
O SR. MINISTRO COSTA LEITE: Tem que deixar à escolha da vítima, no caso.
O SR.MINISTRO CARLOSALBERTOMENEZES DIREITO (Relator): N o caso concreto, ele não é funcionário da empresa. Trata-se de um colaborador que escreveu um artigo que deu azo à ação de responsabilidade civil. Essa é a questão hoje em julgamento.
VOTO
O SR. MINISTRO COSTA LEITE: Srs. Ministros, mantenho o meu ponto de vista já expendido em vários precedentes. Realmente, não se justifica, tanto mais numa situação como essa que estamos examinando, onde se trata de colaborador eventual, que sequer é um jornalista vinculado à empresa.
VOTO
O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Como venho sustentando que a responsabilidade é da empresa jornalística (é certo que tal questão foi remetida à 211 Seção, mas lá o julgamento ainda não teve início), também conheço do
recurso, mas peço vênia para lhe negar provimento.
VOTO-VENCIDO (EM PARTE)
O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Sr. Presidente, enquanto a Seção não resolver a espécie - já temos pauta fixada para a apreciação da maté-
RSTI, Brasília, a. 11, (114): 197-249,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 227
ria - peço respeitosa vênia ao Sr. Ministro-Relator, a V. Exa. e ao Sr. Ministro
Eduardo Ribeiro, para manter o ponto de vista que foi, primitivamente majori
tário nessa Turma na sua composição originária, reservando-me, obviamente, para reexaminar essa questão após a manifestação da nossa 2D. Seção, a quem incumbe uniformizar a matéria, pois, como sabemos, a 4D. Turma diverge da
nossa posição majoritária. O SR. MINISTRO COSTA LEITE (Aparte): Sr. Ministro, já há alguns
colegas propensos a mudarem seus votos.
O SR. MINISTROWALDEMAR ZVEITER: Então saberemos quais se
rão as razões pelas quais eles mudarão o voto. Entendo que, por ora, atendemos
a pretensão da parte. Ficamos nessa questão preliminar. O processo vai ter se
guimento lá e voltará aqui para a decisão de mérito. Peço vênia para manter o meu ponto de vista.
Relator:
RECURSO ESPECIAL Nº 140.343 - RS (Registro n!l97.0049117-0)
Ministro Nilson Naves
Recorrent~s: Ruy Brossard Souza Pinto e cônjuge
Recorridos: Helena Costa e Silva e outros e Flávio da Cunha Silva (sucessão) e outros
Advogados: Esther Souza Pinto Ramos e Cecília de Araújo Costa e outros e Eduardo Euclides Aranha
Sustentação Oral: Paulo Brossard, pelos recorrentes e Cecília de Araújo Costa
(pelos primeiros recorridos)
EMENTA: CondonlÍnio em edificio de apartamentos e salas - Divisão.
Se material, fática e fisicamente impossível a divisão, o acórdão, ao assim
decidir, enfrentou questões de fato, cujo reexame não se admite na via especiaL "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial"
(Súmula ni! 7): ver também o REsp ni! 10.209, in DJ de 24.06.9l.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
228 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter,
Menezes Direito e Costa Leite. Brasília-DF, em 14 de abril de 1998 (data do julgamento). Ministro COSTA LEITE, Presidente.
Ministro NILSON NAVES, Relator.
Publicado no DI de 17.08.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO NILSON NAVES: Trata-se de ação de divisão de condomínio, intentada pelos recorrentes na comarca de Porto Alegre. Disse
ram eles que são proprietários de 3,3074% do edifício Imperial, com 11 pavimentos. Invocaram o disposto no art. 629 do Cód. Civil, alegando que o imóvel é
" ... perfeitamente divisível, permanecendo o restante do imóvel próprio para o destino até então utilizado pelos demais condôminos, vem propor a presente ação de divisão de condomínio.
Desse modo, não convindo mais aos autores o prosseguimento da
situação, porque pretendem dar destinação pessoal ao imóvel de sua propriedade, e como não houve possibilidade de solução extrajudiCial, torna
se imprescindível a divisão do condomínio."
Em sua sentença, depois de rejeitadas as preliminares suscitadas pelos réus, o juiz, no mérito, julgou improcedente o pedido, porquanto reputou indivisível o imóvel.
Por maioria de votos, o Tribunal de Justiça negou provimento à apelação
dos autores, em acórdão assim ementado:
"Edifício. Divisão parcial do condomínio. Cerceamento.
Desprocede a invocação de cerceamento pela ausência de manifestação judicial em pedido de indagações suplementares pelo pe
rito, visto que a questão de direito ensejava sua apreciação, não necessitando de outros esclarecimentos a prova técnica, ainda que ponderáveis as antagônicas razões dos demandantes.
Divisão. Ante a natureza especial do condomínio em edifícios, por im-
RSTJ,Brasília,a.ll, (114): 197-249,fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 229
possibilidade física de uma divisão cômoda entre os titulares, não há
como ser plasmada a tradução dos percentuais de propriedade em
unidades do prédio, sob pena, no caso, de sua mutilação. Preliminar rejeitada e apelo desprovido.
Voto-vencido quanto ao mérito."
Também por maioria de votos, foram os embargos infringentes rejeitados,
conforme esta ementa:
"Ação de divisão. Condomínio em edifício. Ante a natureza especial do condomínio que se estabelece em
edifício, quer de apartamentos residenciais, quer de salas ou unida
des comerciais, por impossibilidade de divisão cômoda entre seus
proprietários, ou por outra causa titulares, admissível não se apre
senta tradução dos percentuais de cada uma das unidades sobre as
áreas comuns, pena ficarem mutiladas e depreciadas. Além de implicar, a divisão das áreas comuns, em extinção do
condomínio por si só juridicamente não possível. Recurso de embargos infringentes de decisão que, a nível de
Câmara Cível, por maioria assim decidiu. Recurso que se desacolhe, com votos-vencidos."
Rejeitados os embargos de declaração que ainda apresentaram, os autores
interpuseram recurso especial, com base no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição, sustentando o seguinte, consoante o despacho que na origem ad
mitiu o recurso:
" ... em nenhum momento o Código Civil condicionou a divisão à
comodidade ou à desnecessidade de despesas, como entendido pelos emi
nentes julgadores. Ainda, que não pode prevalecer o posicionamento nele
constante de que pretendem os postulantes extinguir o condomínio das
partes comuns, como o terreno, as fundações, o teto, etc. Assim, têm como contrariados os artigos 629 da Lei Civil, o sistema da Lei nQ 4.591/65 e os
artigos 5Q, XXIII, e 170, III, da Magna Carta. Cumpre consignar, inicialmente, que não cabe, nesta via especial,
exame de suposta ofensa à norma constitucional, por ser matéria específi
ca de ser sustentada em sede extraordinária (art. 102, III, a, da CF).
As demais alegações recursais, no entanto, conduzem ao trânsito da inconformidade."
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
230 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É O relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO NILSON NAVES (Relator): Dizem os recorrentes, tra
zendo à baila o art. 629 do Cód. Civil, "que ninguém é obrigado a permanecer em
estado de comunhão". Apontam ofensa a tal norma, bem como à Lei nU4.591/65,
sem, no entanto, quanto a esta, particularizarem, dentre as suas disposições, qual
a ofendida pelo acórdão estadual, daí tratar-se, no particular, de recurso deficiente
(Súmula nU 284-STF), e ainda dão por violados textos constitucionais, que, como
se sabe, tal alegação não dá ensejo a recurso especial. Inegavelmente, pode qualquer condômino a todo tempo exigir a divisão
da coisa comum. Aliás, segundo várias opiniões, a comunhão é algo que se não
recomenda. "É um estado anormal", disse Caio Mário, referindo-se a Bevilacqua, "muito freqüentemente gerador de rixas e desavenças, e fomentador
de discórdias e litígios" (Instituições, vol. IV, p. 133). Juridicamente, dúvida não
há quanto a que a divisão é possível (forma de extinção do condomínio), seja
através da homologação pelo juiz de plano apresentado pelas partes (amigável),
seja através da decisão das questões suscitadas pelas partes (litigiosa).
No caso em comento, conquanto alegam os recorrentes não se cuidar de
questão de fato ("Desnecessário será dizer que não se trata de reexame de pro
va. A quaestio é puramente jurídica", dizem eles), a lide, ao que penso, teve
solução ao sabor da matéria probatória. O que se decidiu foi que, materialmen
te, a divisão não é possível.
No julgamento da apelação, a maioria dos ilustres julgadores ressaltou,
conforme consta da ementa do acórdão, a "impossibilidade física de uma divi
são cômoda entre os titulares, não há como ser plasmada a tradução dos
percentuais de propriedade em unidades do prédio, sob pena, no caso, de sua
mutilação". O voto do Desembargador Favretto, vencido, perguntava se o Edi
fício Imperial era coisa divisível ou indivisível, e respondia que "Ao examinar a
prova dos autos, convenci-me de que o Edifício Imperial constitui coisa divisí
vel e, em linha de princípio, a orientação é no sentido da divisão jurídica e
material viável". S. Exa., acolhendo o laudo do assistente técnico dos autores,
remetia as partes à fase executória.
Do acórdão dos embargos infringentes a que dera margem o voto-vencido,
tornou-se relator o Desembargador Stefanello, e S. Exa., a par de entender que
não se pode dividir sem extinguir e que não é possível extinguir condomínio
forçado ("e que tem as áreas de uso comum, juridicamente, insuscetíveis de
divisão", fi. 286), acrescentou o seguinte:
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 231
"De consignar que, mesmo se possa tratar a questão como se simples
divisão fosse, sem que tal divisão implicasse, necessariamente, na extinção
do condomínio das áreas divididas, na hipótese, ao que extraio do laudo pericial elaborado pelo perito do juízo, tal divisão não seria possível. Preci
so o laudo, nesse ponto, ao responder ao seguinte quesito: 'É o imóvel divisí
vel fisicamente e economicamente? Por quê?' Resposta: 'Não. O imóvel é
indivisível, porque coisas divisíveis são as que se pode partir em porções reais
e distintas, formando um todo perfeito, não alterando a estrutura do prédio.'"
"Certo, não posso deixar de admitir, que o Assistente-Técnico dos
autores apresentou um laudo que conflita com o do perito oficial, ... "
De igual modo e tão enfática, eis a opinião do Desembargador Monte
Lopes, nesta passagem: "Então, são essas as circunstâncias que me fizeram pender para entender da impossibilidade material concreta da divisão, ainda que
parcial. Se não vejo como realizá-la concretamente, data maxima venia, não tenho como deixá-la para a fase de execução", e a do Desembargador Perrone
de Oliveira, neste tópico, "O que os elementos que acompanharam o material
para o julgamento demonstraram é a inviabilidade fática desta divisão, não só no estado em que se encontra, mas no estado em que estaria em qualquer mo
mento, sem que houvesse um acordo entre todos os condôminos", e a do
Desembargador Englert, neste trecho, "Não vejo como possibilitar essa divisão
no aspecto fático, e, aí, estou com a perícia apresentada. Por isso é que reitero o voto do Des. Monte Lopes quando da apelação, e, aqui, o voto do Des. Stefanello".
Por aí se vê que o que prevaleceu foi o aspecto de fato: a saber, material,
fática ou fisicamenre a divisão não é possível. Sendo assim, ao especial falta
cabimento, à vista da Súmula nQ 7: "A pretensão de simples reexame de prova
não enseja recurso especial". Veja-se a ementa que o Ministro Dias Trindade
escreveu para o REsp n Q 10.209: "Civil. Condomínio. Extinção. Indivisão. Di
zendo o acórdão recorrido da indivisão do bem, segue-se que a extinção do
condomínio se dará pela venda judicial do mesmo, não cabendo, em recurso especial, o reexame de prova dessa indivisão. (Súmula n Q 7-STJ).", in DI de
24.06.91.
Em preliminar, não conheço do recurso.
VOTO
O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Sr. Presidente, recebi in
clusive o memorial e com deleite ouvi a brilhante sustentação do eminente Ad-
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
232 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
vogado e Jurisconsulto Professor Brossard, que nos brindou com sua presença
hoje.
Nos termos em que a questão está posta tanto no acórdão da apelação
quanto no acórdão dos embargos infringentes, parece-me que a matéria fica
adstrita ao reexame dessas questões soberanamente decididas pelas instâncias
originárias.
Peço vênia a S. Exa. para acompanhar o voto do eminente Ministro-Relator.
RECURSO ESPECIAL Nº 154.476 - SP (Registro n1l97 .0080699-5)
Relator: Ministro Waldemar Zveiter
Recorrente: Banco do Brasil S/A
Recorridos: Companhia Agrícola e Industrial São Jorge e outros
Advogados: Eliézer de Oliveira Felinto Melo e outros e Vanderlei Avelino de
Oliveira
EMENTA: Execução por título extrajudicial- EIllbargos recebidos
parcialIllente - Apelação do banco exeqüente recebida no duplo efeito -
Suspensividade da execução -Aplicação do disposto no art. 520, caput, do
CPC - Acórdão que adIllite o prosseguiIllento da execução eIll caráter
provisório - Manutenção da decisão para não incorrer eIll refonnatio in
pe;us.
I - Recebida a apelação do exeqüente no duplo efeito, de rigor seria a
suspensão dos efeitos da sentença que julgou parcialIllente procedentes os
eIllbargos do executado.
H-No entanto, se o acórdão recorrido deterITIinou o prosseguiITIento da
execução eIll caráter provisório, para não incorrer eIll refonnatio in pejus dei
xa-se de declarar a suspensividade, devendo a IlleSIlla prosseguir conforIlle
deterITIinado na decisão recorrida. IH - Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Ministros
da Terceira Turma do SuperiorTribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso es-
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 233
pecial. Participaram do julgamento os Senhores Ministros Menezes Direito)
Costa Leite) Nilson Naves e Eduardo Ribeiro.
Brasília-DF) 25 de agosto de 1998 (data do julgamento). Ministro COSTA LEITE) Presidente.
Ministro WALDEMAR ZVEITER) Relator.
Publicado no DJ de 09.11.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTROWALDEMARZVEITER: Cuidam os autos de embar
gos à execução de título extrajudicial opostos por Companhia Agrícola e Indus
trial São Jorge e outros) contra o Banco do Brasil S/A) julgados parcialmente
procedentes pela r. sentença de fls. 82/86.
Ambas as partes apelaram. O MM. Juiz de Direito recebeu a apelação do
embargante no efeito devolutivo e a do embargado no duplo efeito (fls. 106).
Após) o Banco do Brasil S/A atravessa petição pedindo o prosseguimento
da execução em caráter definitivo) o que lhe foi negado.
Desta decisão interpôs agravo de instrumento) onde sustentou a definiti
vidade da execução por título extrajudicial (fls. 2/8). O acórdão recorrido apreciando o recurso) assim decidiu (fls. 157):
"Execução - Desapensamento dos autos da execução - Pendente re
curso de apelação) considera-se provisória a execução - Os autos princi
pais da execução devem ser remetidos ao egrégio tribunal ad queIll -
Necessidade de formação de autos suplementares - Recurso improvido."
Inconformado) interpôs o Banco) Recurso Especial) com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional) sustentando violados os arts. 587 e 589 do
CPC) além de divergência juriSprudencial.
Contra-arrazoado o recurso (fls. 206/212) o nobre Presidente daquela Corte o admitiu) por ambas as alíneas do permissivo constitucional (fls. 215/216).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Relator): Sustenta) em
síntese) o Banco recorrente que é definitiva a execução por título extrajudicial)
a teor do art. 587 do CPC e da farta jurisprudência desta Corte e) ainda) que
RSTJ, Brasília, a.11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
234 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
sendo definitiva, deve fazer-se nos autos principais. Segundo suas razões a subi
da dos autos da execução ao Tribunal ad queIll, juntamente com os de embar
gos, conforme determinado pelo Juiz singular e confirmado no acórdão recorri
do, é um vício processual e não encontra amparo na legislação vigente.
° acórdão recorrido assim apreciou a controvérsia (fls. 158/166):
"Realmente, o entendimento jurisprudencial predominante adotado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça está orientado no sentido de que, sen
do a execução fundada em título extrajudicial, mesmo pendente recurso de
apelação contra a r. sentença que julgou improcedentes os embargos ofertados, tem caráter definitivo (art. 587 do Código de Processo Civil).
Nesse sentido, confira-se a ementa citada por ocasião da ·denegação
de seguimento do Recurso Extraordinário interposto em decorrência do
julgamento do Recurso Especial nº-60.667-GO, pela Terceira Turma:
'Assentado na doutrina e jurisprudência o entendimento no sen
tido de que, julgados improcedentes os embargos, a execução prosse
guirá em caráter definitivo, se ou quando fundada em título extrajudicial, equiparada esta, inclusive, àquele com suporte em sen
tença transitada em julgado (art. 587 do CPC)' (DJU 183:30.746, de
22.09.95).
Mas sobre o tema há divergência, tanto doutrinária como jurispru
dencial.
E adota-se, no caso, a orientação de que a execução é provisória, não
definitiva."
"Se o recurso, na espécie, não impede a reabertura da execução, impede
pelo menos a sua movimentação como execução definitiva, provocando,
temporariamente, uma transfiguração na natureza dos atos executivos pra
ticáveis.
Autorizar a reabertura da execução em caráter definitivo, quando pro
visória é a rejeição dos embargos, é medida que se nos afigura temerária,
diante dos irremediáveis prejuízos que poderá acarretar ao embargante, caso seja vitorioso na solução do recurso."
Esta Corte tem posicionamento pacífico sobre a definitividade da
execução fundada em título extrajudicial. Diversos são os precedentes, dentre
RSTJ, Brasília, a. 11, (I 14): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 235
eles, o REsp nQ 60.667/GO, de minha relatoria, DJ de 07.08.95; REsp nQ 45.967/
GO, ReI. Min. Sálvio de FigueiredoTeixeira, DJ de 23.05.94; REsp nº- 58.727-
l/MG, ReI. Min. Fontes de Alencar, RSTJ 79/260. Julgados parcialmente procedentes os embargos, tão-só para reduzir a taxa
de juros e afastar a capitalização, a execução deve continuar, em caráter defini
tivo, respeitando-se o que ficou decidido na sentença. No entanto, neste caso, há peculiaridade que deve ser apreciada, qual seja
a incidência da norma do art. 520, caput, do CPC.
Isto porque, como se observa dos autos, ambas as partes apelaram da senten
ça que julgou os embargos do devedor. Às fls. 106, verifica-se que embora a
apelação dos executados tenha sido recebida somente no efeito devolutivo, a do
exeqüente, ora recorrente, o foi em ambos os efeitos, devolutivo e suspensivo, e
contra essa decisão não foi interposto qualquer recurso.
Já nas contra-razões ao agravo de instrumento aviado pelo Banco, salientava o recorrido que não se pode suspender a execução apenas em relação a uma das
partes, o que esbarra em manifesta impossibilidade lógica e processual (fls. 53).
Portanto, de rigor seria a suspensão da execução a teor do art. 520, caput,
do Código de Processo Civil. Assim o tribunal a quo deveria ter apreciado a
questão eis que não houve qualquer discussão sobre a possibilidade da apelação,
contra sentença que julga parcialmente procedente embargos do devedor, ser recebida no duplo efeito. Ela simplesmente o foi e com isso conformaram-se as
partes, inclusive a exeqüente que, agora, quer o prosseguimento em definitivo da execução.
Assim, se a apelação foi recebida no efeito suspensivo e contra esta decisão
não houve recurso, a execução está suspensa, por força dessa decisão.
Inócua, na verdade, toda a discussão sobre o caráter defii:1itivo ou pro
visório da execução por título extrajudicial. No entanto, como o aresto
admitiu seu prosseguimento em caráter provisório, apesar da suspensividade concedida ao recurso do embargado, ora recorrente, para não incorrer em
reformatio in pejus, mantenho a decisão recorrida.
Em face de tais considerações, entendo que não houve violação ao art. 589 do CPC, quando o acórdão assim decidiu (fl. 165):
"Assim sendo, o egrégio Tribunal, ao apreciar o aludido recurso, tem
de examinar todos os autos, os correspondentes à execução e os dos embargos que, evidentemente, têm natureza de ação, mas com o objetivo de
desconstituir o título que embasa o pedido executório.
É, portanto, inacolhível o pedido de desapensamento dos autos da execução."
RST], Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
236 REVISTADO SUPERIORTRIBUNALDEJUSTIÇA
o dissídio, por sua vez, não resta configurado pois toda a jurisprudência
trazida não abrange a peculiaridade apresentada nestes autos a suspensividade concedida ao recurso de apelação dos recorrentes.
Forte em tais lineamentos, não conheço do recurso.
É o meu voto.
Relator:
RECURSO ESPECIAL Nº 155.251- GO (Registro nJ2 97.0081855-1)
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
Recorrente: Vânia SueleneAbrão Normanha
Recorrido: Sandro Antônio Scodro
Sustentação Oral: José Balduíno de Souza Décio (pela recorrente) e Inocêncio
Mártires Coelho (pelo recorrido)
Advogados: Lúcio Gaião Torreão Braz e Luciano Melo Moreira Lima e outros
EMENTA: Nota promissória - Cláusula de irresponsabilidade - Ausên
cia de poderes do emitente para a respectiva emissão do título - Prequestio
namento - Dissídio jurisprudencial.
1. O acórdão recorrido considerou que o título emitido por procurador,
que incluiu, ele próprio, cláusula de irresponsabilidade, é nulo, consideran
do, ademais, que a procuração constante dos autos, não outorga expressos
poderes para a emissão. O flanco tomado pelo julgado não está presente no
especial, não havendo prequestionamento dos dispositivos apontados como
violados, exatamente, emrazão de tal circunstância. Pelo mesmo motivo, os
arestos apontados tornam-se imprestáveis para a comprovação da diver
gência.
2. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Ministros
da Terceira Turma do SuperiorTribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso es
pecial. Participaram do julgamento os Senhores Ministros Costa Leite, Nilson
Naves, Eduardo Ribeiro e Waldemar Zveiter.
RST], Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
Brasília-DF, 5 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro COSTA LEITE, Presidente.
Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Relator.
Publicado no DI de 21.09.98.
RELATÓRIO
237
O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Vânia
SueleneAbrão N ormanha interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a
e c do permissivo constitucional, contra o Acórdão da Terceira Turma da 2Jl Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado:
"Processual Civil. Embargos do devedor. Nota promissória. Nulidade cambial como título executivo, no caso dos autos.
I - A regra geral é que as cláusulas que excedem aos requisitos de formação da cambial não afetam a sua validade ou efeitos.
U - Quando tais cláusulas se refiram às próprias relações cambiárias, devem ser aceitas pelas suas referências meramente explicativas, já que se destinam a facilitar a execução do título, ou,
em hipótese diversa, devem ser consideradas como não escritas.
lU - Quando, no entanto, a cláusula é incompatível com o ca
ráter abstrato, autônomo, independente, da nota promissória, a
inserida pelo próprio emitente, o resultado é a nulidade da cambial,
por ser patente a contradição entre as exigências naturais do título e
a vontade do emitente." (fls. 655)
Sustenta a recorrente contrariedade aos artigos 43, 44, incisos II e IV, e 56 do Decreto n!l 2.044, de 31.12.1908, eis que a inserção, no verso da cártula, de cláusula estabelecendo condições para o seu pagamento não acarreta a nulidade do título, bastando tê-la por não escrita. Argumenta, verbis:
"É de fácil percepção que a cláusula em tela impossibilitou o endosso, despojando as notas promissórias das características que lhe são peculiares de circulação e autonomia.
A mesma cláusula, de outra parte, fez tábua (sic) rasa do princípio da abstração do título cambiário, princípio segundo o qual este tem existência própria, sem liame de subordinação a negócio jurídico subjacente." (fls. 666/667)
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
238 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Para comprovar a divergência jurisprudencial indica precedentes do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Foram oferecidas contra-razões (fls. 679 a 699) e o recurso especial não foi admitido (fls. 701/702).
Subiram os autos a esta Corte por força de agravo de instrumento por mim provido (fls. 704).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (Relator): Embargos à execução julgados procedentes, mantido o julgado pelo Tribunal de Justiça de Goiás.
O acórdão recorrido narra que o embargante, ora recorrido, "sofre execução por parte de Vânia Suelene Abrão N ormanha em razão de haver emitido duas notas promissórias, firmadas, segundo ele, mediante procuração outorgada por Carla Alves Fonseca Peixoto, e, conforme entendimento da exeqüente, emitidas normalmente por ele para garantir a dívida de Carla Alves". Para o acórdão recorrido, "ficou demonstrado que Carla Alves devia a Vânia Suelene as quantias retratadas nas cambiais emitidas pelo embargante, e que este acorreu ao Banco Francês e Brasileiro para firmar as cambiais ora postas em execução, a pedido de Carla Alves". Examinando a procuração, passada por instrumento público, conclui o decisuID que esta "não lhe confere expressos poderes para
emitir cambiais, a despeito de haver sido noticiado nos autos que o Banco com ela se satisfez", ademais de terem recebido "o acréscimo de cláusulas estranhas à sua natural formação". Lembrando voto do Senhor Ministro' Sálvio de
Figueiredo Teixeira, o qual reproduziu estudo de meu antigo colega no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o culto e probo Desembargador Renato Maneschy, descartou cláusulas escritas pelo próprio emitente, fazendo a emissão sem responsabilidade para si ou com responsabilidade restrita, eis que em tal
caso não há cambial, "porque verdadeiramente não foi emitido título dessa espécie. Assim se o sacador da letra de câmbio ou o emitente da nota promissória se declara irresponsável no título pelo título, ou limita sua responsabilidade nele, a cambial é nula e cai no número dos instrumentos meramente probatórios
do direito comum". E, para o acórdão recorrido, esse é o caso dos autos.
O especial enxerga vulneração aos arts. 43, 44, incisos II e IV, e 56, do Decreto n!l 2.044/08, ademais de indicar dissídio jurisprudencial.
Para o especial, a cláusula impossibilitou o endosso, não sendo mesmo admi
tida no direito cambiário , mas, também, "fez tábua (sic) rasa do princípio da
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 239
abstração do título cambiário, princípio segundo o qual este tem existêncía própria,
sem liame de subordinação a negócio jurídico subjacente". Adverte, ainda, que é preciso considerar que o "negócio juridico fundamental, adjacente, não interfere na
validade da nota promissória, ainda que o emitente haja registrado sua ocorrência
no verso, podendo apenas ser objeto da defesa do devedor em seus embargos".
Desde logo, é bom lembrar precedente da Corte, de que foi Relator o Senhor
Ministro Ruy Rosado (REsp n!l111.961-RS, DJ de 12.05.97), mencionando pre
cedente da Terceira Turma, de que foi Relator o Senhor Ministro Cláudio Santos, e
da 411 Turma de que foi Relator o Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,
neste último caso quando se trata de vinculação registrada no próprio tí~ulo, como no feito sob julgamento, concluiu que a cambial perde a sua natureza abstrata.
Por outro lado, a lição de José Maria Whitaker é a de que as cláusulas
incompatíveis com o caráter abstrato, autônomo, independente da obrigação cam
bial, "anula a letra, por ser evidente a contradição entre a vontade do sacador e as exigências naturais do título", sendo certo que" anula o título a cláusula pela qual
o sacador exclui ou restringe sua responsabilidade, uma vez que se não compreen
de que queira e, ao mesmo tempo, não queira emitir a letra de câmbio (art. 42, §
2!l); e, igualmente, o anula a cláusula que torna a prestação dependente de qualquer condição, como: 'pague nos termos da minha carta, ou de nosso contrato de
tal data', por isso que a letra é um título completo, que nenhum outro documento
pode integrar, explicar ou modificar". (Letra de Câmbio, RT, 7"- ed., 1963).
O próprio art. 44, invocado pela recorrente, no seu § 2!l, assegura esse
entendimento ao comandar que não é "letra de câmbio o título em que o emi
tente exclui ou restringe a sua responsabilidade cambial" .
Vale insistír em que o acórdão recorrido considerou, expressamente, a nulida
de da cambial porque o emitente, ele próprio, inseriu cláusula q.ue lhe retira a
responsabilidade pelo título. E esse ângulo preciso não foi desafiado no especial,
que permaneceu, como anotado, no aspecto geral da validade do título por sua autonomia e abstração, contendo cláusula que impossibilita o endosso.
É certo que a Corte já reconheceu em inúmeros precedentes a autonomia e a
abstração da cambial, mesmo vinculada a contrato (REsp n!l3.257 - RS, Relator o
Senhor Ministro Waldemar Zveiter). Da mesma forma que a Corte já admitiu, em conseqüência, o curso do título quando o contrato que lhe é subjacente apresenta
vício que o descaracteriza como título executivo extrajudicíal, desde que aparelhada
a execução com os dois instrumentos (REsp n!l 19.774 - SC, Relator o Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 01.06.92).
Todavia, o acórdão recorrido não trilhou esse flanco da questão cambial. O
que o acórdão decidiu foi a nulidade do título, sem mencionar nenhum dos artigos apontados no especial, mesmo porque a conclusão a que chegou neles
RST], Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
240 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
não encontra lastro, montada na não existência do título considerando que o
emitente inseriu cláusula de exclusão ou restrição de sua responsabilidade, a
teor do § 2D. antes citado.
Sob outro aspecto, o acórdão recorrido não ficou, apenas, nestes pontos alinhados pelo especial, mas, teve em conta, ainda, baseado na procuração exis
tente, o fato de não ter o embargante poderes para a emissão da nota promissó
ria, como se verifica do trecho seguinte:
"Evidentemente, se o embargante fosse considerado parte ilegítima
para figurar no pólo passivo da ação, haveria que se dar pela extinção do
feito, sem julgamento do mérito (art. 267, VI, CPC), situação que não se
configurou, pois, como visto, a procuração de fls. 14, do voI. 1{4, apenso 2,
não outorga expressos poderes para se firmar a nota promissória mas refe
re-se tão-somente à assinatura de contratos de créditos (vinculados obvia
mente ao objeto da procuração: 'amplos e ilimitados poderes para vender,
compromissar ou por qualquer forma ou título alienar e qualquer bem
imóvel de propriedade da outorgante .. .').
Por outro lado, acertada, a conclusão a que chegou a sentença, cuja
parte dispositiva dá pela procedência dos embargos, em consonância com
os argumentos ora assumidos."
o trecho foi citado também no especial, só que truncado, eis que não reproduzida
a parte relativa à falta de poderes para a assinatura das promissórias (fls. 665).
Em conclusão, não há prequestionamento e os arestos indicados, como
bem assinalado no despacho que não admitiu o especial, não guardam a mesma
base fática do acórdão recorrido para servirem como paradigmas.
Por tais razões, eu não conheço do especial.
VOTO
O SR. MINISTRO EDUARDO RIBEIRO: Sr. Presidente, a matéria per
tinente às conseqüências de lançar-se no título declarações que são, a rigor, incompatíveis com a sua natureza cambial, constitui interessante questão que
tem merecido apreciação dos doutrinadores, com algumas divergências.
Estava inclinado a pedir vista para me deter nesse assunto, mas o Relator
acrescenta que há outro fundamento, ou seja, o de que o signatário do título, que
o firmou por procuração, para isso não tinha poderes. Se assim é, perde inteira
mente relevo a outra questão.
Acompanho o Ministro-Relator.
RST}, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 241
VOTO
o SR. MINISTROWALDEMARZVEITER: Sr. Presidente, do reexame
percuciente feito pelo eminente Relator, restou claro que há fundamento
in atacado e, por essa razão, seria impossível o conhecimento do recurso, desta
cando-se o aspecto afirmado pelo acórdão, da inexistência de poderes para o
emitente da cambial. Peço vênia ao nobre advogado, que sustentou em sentido contrário, para
também acompanhar o voto do Sr. Ministro-Relator.
Relator:
RECURSO ESPECIAL Nº 161.351- SC (Registro n!!.97.0093796-8)
Ministro Waldemar Zveiter
Recorrente: Atlântica Seguros S/A
Recorrida: Construtora e Imobiliária Habitacional Ltda - Cihab Advogados: Manoel Nunes e Carlos Alberto Peixer Vinci
EMENTA: Civil e Processual- Ação de indenização - Contrato de em
preitada - Defeito de construção - Exegese do art. 1.245 do CC - Prazo de
mera garantia - Sub-rogação da seguradora - Ônus da prova - Apelo desprovido - Matéria de prova - Súmula n!!. 83-ST].
I - O prazo qüinqüenal previsto no art. 1.245 do CC refere-se apenas à
garantia de solidez da obra e à responsabilidade do empreiteiro pelo trabalho
que tenha executado, não se reportando ao exercício da ação que essa garan
tia venha a se fundamentar. Este, a seu turno, é estabelecido pelo prazo prescricional comum de 20 anos.
II - O direito de regresso da seguradora que efetuou os reparos em
imóvel sinistrado, em sub-rogação nos direitos do proprietário, somente pode ser exercido se ocorrido o dano ou a ruína no interstício temporal de
cinco anos. Se os danos ocorreram após esse lapso, ex vi do conjunto
probatório, extingue-se o direito de reclamar pela imperfeição da obra,
não podendo a lei acobertar um estado permanente de insegurança para o empreiteiro.
III - Matéria de prova (Súmula n!!. 7 -STJ) e jurisprudência do STJ (Súmula n!!.83).
IV - Recurso não conhecido.
RST}, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
242 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Ministros
da Terceira Turma do SuperiorTribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso es
peciaL Participaram do julgamento os Senhores Ministros Menezes Direito,
Costa Leite, Nilson Naves e Eduardo Ribeiro. Brasília-DF, 20 de agosto de 1998 (data do julgamento). Ministro COSTA LEITE, Presidente.
Ministro WALDEMAR ZVEITER, Relator.
Publicado no DI de 03.11.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: Cuida-se de ação de reparação de danos em que autora Atlântica Seguros S/A e réu Construtora Imobiliá
ria Habitacional- Cihab. Pretende a seguradora ser reembolsada do valor dos prejuízos apurados e
pagos ao mutuário em razão de o imóvel deste, financiado pelo SFH e por agente financeiro (banco), ter sido alvo de desmoronamento e de outras falhas.
O acórdão, confirmando a sentença de fls. 106 por seus próprios fundamentos e desacolhendo o pedido da autora concluiu (fls. 137):
"Ação de indenização. Contrato de empreitada. Defeito de cons
trução. Exegese do art. 1.245 do CC. Prazo de mera garantia. Subrogação da seguradora. Ônus da prova. Apelo desprovido.
O prazo qüinqüenal previsto no art. 1.245 do CC refere-se ape
nas à garantia de solidez da obra e à responsabilidade do empreiteiro pelo trabalho que tenha executado, não se reportando ao exercício de ação que essa garantia venha a se fundamentar. Este, a seu turno, é
estabelecido pelo prazo prescricional comum de 20 anos. O direito de regresso de seguradora que efetuou os reparos em
imóvel sinistrado, em sub-rogação nos direitos do proprietário, so
mente pode ser exercido se ocorrido o dano ou a ruína no interstício temporal de cinco anos. Se os danos ocorreram após esse lapso, ex vi
do conjunto probatório, extingue-se o direito de reclamar pela im
perfeição da obra, não podendo a lei acobertar um estado permanente de insegurança para o empreiteiro."
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 243
Inconformada, a empresa securitária apresenta Especial (art. 105, lU, a e
c) onde alega que o aresto teria dissentido de precedentes do STJ que traz a
reexame - fls. 145. O recurso teve seu processamento deferido, ao entendimento de que a tese
suscitada, tocante à responsabilidade do empreiteiro, após o prazo qüinqüenal
de garantia da obra, merece ser apreciada. É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (Relator): A hipótese vem
assim deduzida (fls. 139/142):
"Cinge-se o apelo à questão de natureza do prazo qüinqüenal previsto no art. 1.245 do Código Civil.
Dispõe referido artigo que: 'nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução
responderá, durante cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim
em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não o achando
firme, preveniu em tempo o dono da obra.' Ab initio, cumpre salientar que o vício de construção é aquele que
compromete a segurança do edifício ou o torna impróprio ao uso a que era
destinado, sendo o empreiteiro responsável por sua destruição, total ou
parcial, assim como por todos os defeitos que porventura destituam a soli
dez e segurança do prédio, já que é seu mister a conclusão da obra dentro
dos padrões técnicos exigidos.
Na disciplina do contrato de empreitada, a lei limita-se a regular as relações entre o construtor e o dono da obra. E assim o faz o art. 1.245 do CC, que estabelece uma garantia para o dono da obra pelo lapso de tempo de
cinco anos, adotado como conveniente para a manifestação dos riscos de cons
trução. É esse o entendimento majoritário dispensado pela doutrina e juris
prudência, que trata referido prazo como sendo de garantia e não de prescrição ou decadência. Então, seria o mesmo um prazo de beneficio concedido ao
construtor pela limitação de sua responsabilidade pelos defeitos da constru
ção, e que se refere apenas à garantia de solidez da obra e não ao exercício de
ação que essa garantia venha a se fundamentar. Este, por sua vez, é estabelecido pelo prazo comum prescricional de 20 anos. Ocorrido o dano ou a ruína
no período de cinco anos, o dono da obra tem prazo vintenário para acionar.
Somente para efeitos de menção, saliente-se que não se trata o prazo
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
244 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
qüinqüenário, outrossim, de prazo decadencial. Sendo a decadência o pró
prio perecimento do direito, a causa do prazo do art. 1.245 é a efetivação
de responsabilidade do empreiteiro, que não se refere à sua inércia em
não pleitear o direito dentro de tal interstício. Já a prescrição, no dizer
de Clóvis Bevilacqua, in Teoria Geral do Direito Civil, 1976, p. 286: 'é
a perda de ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva,
em conseqüência do não uso dela, durante um determinado espaço de tempo'.
Neste diapasão, asseverou o mestre Washington de Barros Monteiro,
em sua obra 'Curso de Direito Civil- Direito das Obrigações', 211 parte,
101led.,p.195:
'Durante o qüinqüênio o construtor fica adstrito a assegurar a solidez e a estabilidade da construção; entretanto, embora excedido o
prazo, poderá o proprietário demandar o construtor pelos prejuízos
que lhe advieram da imperfeição da obra. Só ao cabo de vinte anos prescreve a ação do primeiro contra o segundo para a reposição da
obra em perfeito estado. A teoria da unidade de prazo para ação e
para a garantia não tem apoio sério em nosso sistema legal'.
No mesmo sentido, explana Hely Lopes Meirelles:
'O prazo qüinqüenal dessa responsabilidade é de garantia e não
de prescrição, como erroneamente têm entendido alguns julgados.
Desde que a falta de solidez ou segurança de obra apresente-se den
tro de cinco anos de seu recebimento, a ação contra o construtor e
demais participantes do empreendimento subsiste pelo prazo
prescricional comum de 20 anos, a contar do dia em que surgiu o
defeito' (Direito de Construir, Malheiros Editores, 1994, p. 220).
Ou ainda, colhe-se da lição do insigne doutrinador José de Aguiar
Dias:
'O prazo de cinco anos não diz respeito à ação de que dispõe o
dono de obra prejudicada, com o que estaria o dispositivo estabelecendo
um prazo de decadência de direito. Esse prazo se refere à garantia e não
ao exercício da ação que essa garantia porventura fundamente' (Da Res
ponsabilidade Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1973, vol. 1, p. 353).
A jurisprudência, a seu turno, faz predominar equânime entendimento:
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 245
'I - O prazo de cinco (5) anos, de que trata o art. 1.245, do
Código Civil, relativo à responsabilidade do construtor, é de garan
tia pela solidez e segurança da obra executada; e não de prescrição ou decadência. O proprietário que contratou a construção tem o pra
zo de 20 (vinte) anos para propor ação de ressarcimento, que é o
lapso de tempo prescricional. Precedentes do STJ. lI-Recurso não conhecido.' (REsp nU 73.022-SP, Relator Min.
Waldemar Zveiter, julgado em 14.05.96, in DJU de 24.06.96).
Esta Corte de Justiça assim já decidiu:
'O primeiro dever legal de todo profissional ou empresa de
engenharia e arquitetura é assegurar e responder pela perfeição da
obra, aindll que essa circunstância não conste de qualquer cláusula contratual, pois é inerente ao serviço contratado' (Rui Stoco).
'O empreiteiro responde pelos defeitos de construção verifica
dos nos cinco anos seguintes ao da entrega da obra. Esse prazo é de
garantia e não se confunde com aquele para o exercício da ação (prescricional), que é vintenário' (in Ap. Cív. nU 46.558, de Blumenau,
reI. Des. NewtonTrisotto, publicado no DJE de 28.05.96).
Então, correto é o entendimento da apelante neste tocante, qual seja, o de que o prazo do art. 1.245 do CC é de garantia pela solidez da obra, e não prescricional. Não obstante, o ônus da prova de que ocorreu qualquer dano ou ruína na obra, dentro desse prazo de garantia de cinco anos, cabia à autora/apelante, o que não o fez.
Sustenta a mesma, em apertada síntese, a falta de firmeza e estabilidade do terreno para a edificação, fato este, aliás, corroborado pelo perito judicial a fls. 55 dos autos. Realmente, o vício de solo deve ainda mais agravar a responsabilidade do empreiteiro pela insegurança na própria fundação do imóvel, entretanto, o prazo para se efetivar a constatação do defeito é o do art. 1.245. Não se confunde este fato com o prazo de garantia da obra, que é o mesmo em se tratando de solo defeituoso ou inapropriado.
Destarte, o contrato de empreitada firmou-se em 30.12.78, conforme se depreende de fls. 22 dos autos, sendo entregada a obra, após financiamento, em 30.09.80. Ora, a notícia de ocorrência de sinistro somente se deu em 04.11.87, como afirma a própria autora/apelante em sua peça inaugural, fato inclusive confirmado pelo perito, a fls. 55, que aduziu o termo inici{ll dos problemas no imóvel como sendo o ano de 1986.
RSTJ, Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
246 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A respeito do tema, colhe-se do corpo de aresto contido na JC 72/ 271, ao frisar que o prazo do art. 1.245 é de mera garantia:
'Trata-se, portanto, de uma garantia dada ao proprietário con
tra o construtor ou empreiteiro com o qual ele contratou. Como,
porém, não era justo nem razoável que essa garantia se perpetuasse,
em prejuízo do construtor ou empreiteiro, a lei fixou, de acordo
com as lições de experiência, um limite razoável de tempo, para
que a responsabilidade do empreiteiro ou construtor pudesse ser
invocada somente contra os defeitos fundamentais da obra que ti
vessem aparecido dentro daquele limite de tempo marcado na lei'
(RF 88/536)".
o recorrente, para demonstrar a dissidência pretoriana entre o entendimento proclamado no aresto vilipendiado e o consubstanciado em precedentes, traz à análise alguns exemplos de minha relatoria, como assim transcritos às fls. 149, verbis:
"Civil - Responsabilidade civil - Construtor - Prescrição -
Inteligência do art. 1.245 do Código Civil.
I - Comprovado o nexo causal da culpabilidade responde o
construtor pelos vícios da construção e o prazo do art. 1.245 do Código Civil em caso que tal é de garantia da obra, sendo o demandante
que contratou a construção tem o prazo de 20 anos para propor ação
de ressarcimento, que é lapso de tempo prescricional.
II - Recurso não conhecido (STJ - 311 T - REsp n ll 8.489-RJ -
ReI. Waldemar Zveiter - DJ de 29.04.91 - RSTJ 23/402)."
Na verdade, os paradigmas aí registrados não discrepam da orientação seguida pelo aresto profligado, na medida em que todos, assim como o da hipótese sub judice, são acordes em declarar que o prazo do artigo 1.245 do Código Civil traduz um lapso de tempo, qüinqüenal, dentro do qual se pode aferir os eventuais vícios da construção e chamar, uma vez ocorridos, o construtor a responder por tais. Trata-se, enfim, de garantia qüinqüenal assegurada ao dono da obra.
o acórdão recorrido não merece censuras. Sua conclusão reflete a base fática da hipótese, com suas peculiaridades. O próprio elenco de provas apontou que o desmoronamento do imóvel deu-se após prazo, dito de garantia. E, todavia, como assevera o eminente Relator, dentro desse prazo não se comprovou a ocorrência de qualquer vício ou dano. Daí colacionar o eminente prolator, com
RST], Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 247
arrimo de seu entendimento também precedente (fls.141) REsp n!l.73.022-SP, de minha relatoria.
Por isso que o acolhimento do inconformismo encontra óbice nos Verbetes n.\lli 5 e 7-STl
De conseguinte, não conheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL Nº 168.007 - PR (Registro n!l. 98.00 19920-9)
Relator: Ministro Waldemar Zveiter Recorrente: Caixa Econômica Federal- CEF
Recorridos: Celso Aparecido Sausen e outro
Advogados: Vera Lúcia BiccaAndujar e outros
EMENTA: Processual Civil- Execução - Pedido de expedição de ofício para obtenção de informações sobre devedor.
I - De acordo com a orientação da Terceira Turma do STJ, não se justifica pedido desta natureza, formulado por credor em seu exclusivo interesse. REsps n!l.li 19.468, 28.067 e 28.868.
11 - Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do SuperiorTribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Participaram do julgamento os Senhores Ministros Menezes Direito, Costa Leite e Nilson Naves.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Eduardo Ribeiro.
Brasília-DF, l!l.de outubro de 1998 (datado julgamento). Ministro COSTA LEITE, Presidente. Ministro WALDEMAR ZVEITER, Relator.
Publicado no DJ de 09.11.98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTROWALDEMAR ZVEITER: Nos autos de execução de
RSTJ,Brasília,a.ll, (114): 197-249, fevereiro 1999.
248 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
título extrajudicial em que exeqüente Caixa Econômica Federal e executados Celso Aparecido Sausen e Maria de Lourdes Garcia Sausen, agrava de instrumento a Caixa Econômica decisão do MM. Juiz que lhe denegou pedido endereçado ao Bacen, pretendendo que este aponte eventuais depósitos bancários em
nome dos executados e sob custódia de estabelecimentos outros. O acórdão que julgou o agravo, concluiu, como na ementa que (fls. 44):
"Processo Civil. Execução. Localização de depósitos de qual
quer natureza em nome do executado. Expedição de ofício ao Bacen.
Impossibilidade. Diligência improdutiva.
1. A expedição de ofício ao Bacen, para informar sobre possíveis contas bancárias do executado deve ser indeferida por tratar-se
de diligência improdutiva e ineficaz, já que o Banco Central não
possui informações sobre todos créditos de particulares junto às instituições financeiras.
2. Agravo improvido."
Irresignada, alega a Caixa Econômica Federal que o aresto teria violado
os arts. 130 e 399, II, do CPC, bem como dissentido de entendimento acolhido, em caso que tal, por outros Tribunais.
Às fls. 58, deferiu-se o processamento do recurso, ao fundamento de que o tema foi examinado pelo aresto hostilizado e o dissídio jurisprudencial resultou comprovado.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTROWALDEMARZVEITER (Relator): Assim deduziu a hipótese o eminente Relator (fls. 41 e 42):
"Já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no RE n!2 92.377-SP, que a requisição de informações sobre o executado às repartições públicas se faz no interesse da justiça. Assim, tais diligências são um dever do juiz.
Entretanto, entendo ser improdutiva a diligência requerida pela CEF,
tendo em vista a impossibilidade do Banco Central do Brasil de ter dados sobre todos os correntistas do País. Tornar-se-á impossível, portanto, que o Bacen cumpra a determinação judicial pretendida."
"A realização da penhora é do interesse da Justiça, admitindo-se a re
quisição à repartição competente para fins de localização de bens do devedor.
RSTJ,Brasilia,a.11, (114): 197-249, fevereiro 1999.
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA 249
No entanto, se a diligência requerida se apresenta improdutiva e ine
ficaz, deve o magistrado indeferi-la."
A argumentação expendida pelo aresto por sua conclusão não merece censu
ra, até, porque na hipótese, amolda-se ela com a jurisprudência deste ST}. É ver o precedente REsp n12 30.794/PB (relator eminente Ministro Nilson
Naves - DI de 17.05.93) onde se consigna que a orientação da Terceira Turma é no sentido de que não se atende a pedido dessa natureza, formulado no exclusivo interesse do credor.
Assim que, embora não endossando os fundamentos do aresto recorrido que indeferiu a diligência tão-só por considerá-la ineficaz, certo que a compreensão emanada desta Corte não a admite por se constituir ônus do credor e também para guardar o sigilo bancário, verdade é que por sua conclusão deve remanescer pois que atinge tal propósito.
Forte em tais fundamentos, não há como acolher-se o inconformismo da recorrente (Súmula n12 83-STJ).
De conseguinte, não conheço do recurso.
RST], Brasília, a. 11, (114): 197-249, fevereiro 1999.