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ANTlQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 255 desde 1885 não houve mais escravos nesta rua, e por isso cabe-lhe a primazia dessa iniciativa. Illuminação, fogos de Bengala, ban- das de musica, discursos do Patrocinio do Clapp. Quem quizer saber disto com toda as minucias é recorrer ao velho Basilio, o decano da localidade, emerito fabricante de cartólas, o qual, em honra ao progresso da rua Nova do Ouvídor, em seu estabele- cimento acabou com as antigas janellinhas de rotula que, ainda ha tempos, nos lembravam o balcão da residencia do dr. Bartholo, no primeiro acto do Barbeiro de Seroilhel 17 de Junho de 1902. LARANJEIRAS Quem te viu e quem te vê, formoso rio sagrado desta terra, o qual, na phrase de Rocha Pítta, tinha o privilegio de dar ás damas mimosos carões e aos cantores vozes mellifluas e arre- batadoras! Beijando os pés das primitivas tabas tamoias, ensombrado pelos altivos jequitibás e corpulentos jacarandás, sõbre tuas cauda- losas aguas dêste passagem ás ligeiras canôas dos nossos prí- meiros povoa dores, que traziam ao mercado da nascente cidade os productos da pequena lavoura! Testimunha dos gloriosos feitos, narrados por frei Vícente do Salvador, assististe á derrota de intrusos extranqeiros e á fuga dos companheiros de Villegagnon. Teu nome constantemente celebrado nas chartas dos dis- cípulos de Loyola figura nos primeiros foraes, dados ao Rio de Janeiro. Manancial de lympha cristallina, saciaste a sêde de deste- midos nautas, que aqui aportaram. Perto de tua Ióz, foi cons- truida a célebre Casa de pedra, que serviu de pousada ao escriptor Lery, mais tarde ao primeiro juiz ordinario P·edro Martins Na- morado, e desrruida pelo embate das ondas, no tempo do sapa- teiro Sebastião Gonçalves. Quantos annos, quantos sacrifícios, quanta somma de dinheí- ro afim de encanar tuas aguas para o abastecimento da cidade até o Largo, que por milagre conserva o teu nome, que ainda não foi mudado para o de algum João Ninguem! Dellas o visionario Tira- dentes pretendeu aproveitar-se para a construcçâo de moinhos col- locados em tuas nascentes. Nas occasiões das grandes enxurradas,

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ANTlQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 255

desde 1885 não houve mais escravos nesta rua, e por isso cabe-lhea primazia dessa iniciativa. Illuminação, fogos de Bengala, ban-das de musica, discursos do Patrocinio do Clapp. Quem quizersaber disto com toda as minucias é recorrer ao velho Basilio, odecano da localidade, emerito fabricante de cartólas, o qual,em honra ao progresso da rua Nova do Ouvídor, em seu estabele-cimento acabou com as antigas janellinhas de rotula que, aindaha tempos, nos lembravam o balcão da residencia do dr. Bartholo,no primeiro acto do Barbeiro de Seroilhel

17 de Junho de 1902.

LARANJEIRAS

Quem te viu e quem te vê, formoso rio sagrado desta terra,o qual, na phrase de Rocha Pítta, tinha o privilegio de dar ásdamas mimosos carões e aos cantores vozes mellifluas e arre-batadoras!

Beijando os pés das primitivas tabas tamoias, ensombradopelos altivos jequitibás e corpulentos jacarandás, sõbre tuas cauda-losas aguas dêste passagem ás ligeiras canôas dos nossos prí-meiros povoa dores, que traziam ao mercado da nascente cidade osproductos da pequena lavoura!

Testimunha dos gloriosos feitos, narrados por frei Vícentedo Salvador, assististe á derrota de intrusos extranqeiros e á fugados companheiros de Villegagnon.

Teu nome constantemente celebrado nas chartas dos dis-cípulos de Loyola figura nos primeiros foraes, dados ao Rio deJaneiro.

Manancial de lympha cristallina, saciaste a sêde de deste-midos nautas, que aqui aportaram. Perto de tua Ióz, foi cons-truida a célebre Casa de pedra, que serviu de pousada ao escriptorLery, mais tarde ao primeiro juiz ordinario P·edro Martins Na-morado, e desrruida pelo embate das ondas, no tempo do sapa-teiro Sebastião Gonçalves.

Quantos annos, quantos sacrifícios, quanta somma de dinheí-ro afim de encanar tuas aguas para o abastecimento da cidade atéo Largo, que por milagre conserva o teu nome, que ainda não foimudado para o de algum João Ninguem! Dellas o visionario Tira-dentes pretendeu aproveitar-se para a construcçâo de moinhos col-locados em tuas nascentes. Nas occasiões das grandes enxurradas,

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256 REVISTA DO I STITUTO IIISTORICO

salas do teu leito de alvas pedras e inundavas as cercanias do Cat-tete e do Campo das Pitangas! Fizeram-te o elogio Gabriel Soares,Jaboatão, Vasconcellos, Sancta Maria, Pizarro, B. Lisboa, Fernan-des Pinheiro e tantos outros historiographos, e foste cantado porpoetas e trovadores.

Juncto de tuas margens edificou sua casa de recreio o célebregovel1Ilador dr. Antonio de Salema, e mais além possuiu conhecidaolaria outro governador - Martim de Sá. E hoje? Receptaculode immundicíes, vivenda de microbios, espelunca de ratazanas.valla nojenta de esboroadas margens, patenteando em tudo a desi-dia dos ingratos filhos, a quem déste o nome! És peior que oBanana Podre - oh! legendario Nilo dêste torrão! Porque - tãobaixo caíste - famoso Carioca? Como pretender tractar das an-tiguidades do vetusto valle, constituido hoje em bello e opulentoarrabalde e sem fallar de ti, do teu passado? És victima doeterno ceci tuera celê. Consola-te : mataram-te, mas em compen-sação, velho e alquebrado, assistes silencioso ao progresso da tuacidade, que viste nascer e vai crescendo e crescendo sempre!

Sem aprofundar a origem etymologica da palavra Carioca,sôbre a qual os auctores divergem; - ou provenha de casa doskarís, tribu dos Tamoios, como quer Lery, ou de agua cor-rente de pedra (Pízarro}. - casa da fon te (Martius), - casado branco (Varnhagen), - agua corrente de pedra (FernandesPinheiro), corrente salda do matto ou do monte. - casa da cor-rente do matto (Valle Cabral). citaremos a «carioca o mesmoque cariá ou cariyá - ceriboc, ceri-uoc, descendente do branco,procedente do europeu, o mixtiço de procedencia do branco. Pôdetambem ser cari-oca. casa do branco.» O pranteado Couto deMagalhães nunca dizia Cariocas, - mas sim os Ceriboces.

Muito antes da transferencia desta cidade do morro de S. Joãoou Cara de Cão para o morro hoje do Castello, já o bairro,objecto dêstes aponctamentos, escriptos para satisfazer a illustreamigo nosso, era procurado pelos companheiros de Estacio deSã. Este, doando a primeira sesmaria para patrimonio do Con-celho, escolheu para comêço della a praia da ribeira. da Carioca,dando posse ao procurador da Camara, João Prosse.

Muito antes de 1567, o mesmo governador concedia terrasno sitio da Carioca e ao longo da praia de Lerípe, compre-hendida entre os actuaes morros da Gloria e da Viuva, esteassim denominado por ser possuido em tempos muito posteriorespor d. Joaquina Figueiredo Pereira de Barros, viuva de JoaquimJosé Gomes de Barros.

Isto é cabalmente provado pela lista das primeiras sesma-rias dada á imprensa na Revista do Instituto Histoiico, I" parte

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ANTIQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 257

do anno de 1900, e tirada por Pízarro dos cartorios dos respecti-vos tabelíâes.

O actual bairro das Laranjeiras faz parte do grande valledo Carioca ou do Cattete, cujos limites, como é sabido, são:os morros da Víuva, do Bastos, do Conde d'Eu, costão das mon-tanhas das Laranjeiras, Corcovado, D. Martha, Pedreira da Glo-ria, do Quintanílha, a da Candelaría, o morro do Pinheiro, dodentista Carvalho, o morro da Gloria o do Barão de Monser-Iate, terminando no morro do Sísson.

Confessa o dr. Mello Moraes não lhe ter sido possível,nas investigações que fez, saber quem fôsse essa senhora, quedeu nome ao penhasco das Laranjeiras e Cosme Velho. Quantoa nós, tracta-se de d. Martha Antunes, benfeitora da Míserí-cordía, rica proprietaria que deu o nome a uma rua do Rio deJaneiro, conforme lemos em uma antiga escriptura, pertencenteao archivo do Rosario.

Cumpre aqui refutar a opinião dêsse íllustre historiographo,quanto ao nome de Cosme Velho. Segundo M. Moraes - «emtempos remotos, morava, elli, um velho chamado Cosme, e comoere morador antigo, para se discriminar as localidades, ficou ofim do caminho das Lerenjeires com a denomineçêo de CosmeVelho.» Isto não nos parece exacto; tracta-se de Cosme VelhoPereira, que viveu nos principios do seculo XVIII, foi negociantena rua Direita, proprietario de terrenos juncto ao Carioca e exer-ceu o cargo de juiz da Irmandade de São José, da qual foigrande benfeitor, doando-lhe um orgão, que foi em 1860 substi-tuido pelo actual, que custou seis contos de réis.

A existencia de um rio perfeitamente navegavel explica bema expansão territorial do Rio de Janeiro, desde 1660. Prova-o olivro mais antigo da Edilidade, que tem por titulo - Aforamentosda Cemere. Toda esta extensão (Valla das Laranjeiras), dizlnnocencio Maciel, foi dividida em grandes sesrnarias, das quaesa menor tinha 100 braças de testada e a maior 600. Consequin-temente, accrescenta o antigo contador, todo este logar é Ioreí-ro, sem excepçâo de um só palmo; é talvez o logar que está maisregular nos seus assentos - ,perfeitamente reconhecidos colmolareiras.

Quando se tractou de aproveitar as aguas do Carioca, aCamara suspendeu a concessão de terrenos, nas margens do antigorio, pelo damno que causavam os moradores á pureza das aguas.

Seja-nos licito citar os nomes dos antigos povoa dores dohoje opulento arrabalde, os quaes primeiro souberam aproveitar-sedas vantagens do solo: Estevão Gomes Coutínho, A!ntonio Fran-

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258 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICO

cisco, Christovam Mendes, Amador Jorge, Manuel Caldeira, Ma-nuel Gomes Bravo, Gonçalo de Barros, Balthazar Coutinho, Sal-vador Peixoto, Manuel Femandes Baldaia, Francisco Víeqas,Francisco Gomes, Pedro Pína, Francisco Machado, Alvaro Pires,Francisco Fernandes Godinho, Francisco de Pina, Antonio deAlmeida, Amaro de Barros Pereira, Francisco Ramires, JoãoMíqueís, Amara Símões, João de Sousa, Mathias de Almeida emuitos outros, sendo para notar o aforamento, que lemos noArchivo Municipal. dado a Dío Fernandes, tambor! Muito con-ceituados deviam ser os tambores daquelle tempo, para obterem150 braças de terras concedidas mediante ridículo fôro ou quaside mão beijada!

Salvo melhor juizo, pensamos que todos ou alguns dêsteshomens bons cultivavam laranjeiras" e d'ahi o nome por que foie é, ainda hoje, conhecido o antigo bairro do Carioca. Se noné veto é bene trovato, como dizem os italianos. A idéa dosmoinhos, apresentada em 1788 á Camara pelo Tíradentes, nãoera nova, pois já em 1576 a marqueza Ferreira, viuva de Chrísto-vam Monteiro, teve nas terras do Carioca casa com roça de legu-mes e um moinho de vento para arroz e milho; depois ficouconhecido pela denominação de Moinho Velho. Esta fazenda,que a marqueza herdara de seu marido, passou a Maria Soares,dona viuva, em 17 de Agosto de 1610 (Mello Moraes). Entreparenthese, Christovam Monteiro foi o primeiro ouvidor do Riode Janeiro, por nomeação de Mem de Sá. Foi grande benfeitordos [esuítas, bem como a marqueza, que a elles legaram terrasem Sancta Cruz, sendo secundados por seu filho Iríneu Morr-teíro, si não nos falha a memoria.

Parece que as primitivas sesmarias tinham a testada na praia,por onde se fazia a communícação da cidade para Botaíoqo. Éo que podemos deprehender da charta passada em 3 de Septem-bro de 1606 a Sebastião Gonçalves; de' sorte- que a- estrada chama-da do Cattete foi aberta muito mais tarde. Na medição daprimeira sesmaria da Camara nestas localidades, em 1667, sóse mencionam pequenos caminhos: um que está dejrotite da olariade Joanna Coutinho, outro para a olaria de Domingos Coelho.Já na segunda medição (1753) o rumo atravessou terras entrea praia e estrada, chamada do Cettete, até que se chegou a estacom quinhentas e sessenta braças e prosseguindo; atravessada adita ESTRADA, se chegou á que della vai para a pedreira.

Esta última julgamos ser a actual rua Pedro Ameríco.

Até 1831 o actual bairro das Laranjeiras fazia parte dafreguezia de S. José; mas por decreto de 9 de Agosto dês seanno foi creada a nova parochia de Nossa- Senhora da Gloria.

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ANTIQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 259

cujos limites foram marcados pelo decreto de 30 de Outubrodo mesmo anno. Até então só existiam duas capellas: umamuito antiga na rua Conselheiro Pereira da Silva com a invoca-ção de Nossa Senhora dos Prazeres, citada nas pastoraes dosantigos bispos e possuida em 1835 por Antonio Joaquim Pereirade Nolasco, sarqento-móre juiz de paz de S. José, (3° districto);e outra construi da em 1720, pertencente depois á casa da rainhaCarlota Joaquina, nos chãos do predío n. 9 da actual rua Conse-lheiro Delamare, e foi comprada em praça por Antonio José deCastro e sua mulher d. Leonarda Angelica de Castro, na execuçãoque o Banco do Brasil promoveu á rainha de Portugal d. Maria n.Esta segunda capella foi adquirida pela Irmandade do Sa-cramento da Gloria, e nella esteve provisoriamente a séde da pa-rochia, durante as obras da nova egreja. Tudo isto pôde ser,com vantagem, lido em minuciosa monographia do dr. MarquesPinheiro, impressa em 1899.

Falta-nos espaço para minudencias acêrca das antiguidadesdas Laranjeiras.

O largo do Machado (segundo Mello Moraes) recebeu estenome do appellido de um açougueiro, que tinha talho de carne,onde está, pouco mais ou menos, a estação da «Botannical Garden.sEsta praça havia sido grande lagôa entretida pelas enchentes dorio Carioca.

Nesse largo, além do templo, encontramos a Eschola Pu-blica, erecta em terrenos de d. Maria Ignez da Cunha Marques,comprados pelo Govêrno em 1871. Os do lado opposto, con-forme lemos no tombamento de Innocencio Maciel, foram possui-dos pela supra citada rainha de Portugal. No centro da praça estáhoje a estatua do benemerito duque de Caxias objecto de estudoprestes a apparecer, escripto pelo diligente investigador dr. CunhaBarbosa, cujos prcqenítores foram grandes proprietarios na zona,assumpto destes aponctamentos.

A rua Carvalho de Sã, que começa na antiga praça daGloria, ou campo das Laranjeiras, e vai terminar na rua dasLaranjeiras, hoje Conselheiro Delamare, formando um angulorecto, foi aberta em 1837. na maior parte através da chacarade Domingos Carvalho de Sá e dos terrenos possuídos por Fran-cisco Marques Lisboa.

Grande extensão do lado impar da antiga rua das Laran-jeiras pertenceu á grande chacara de Domingos Francisco deAraujo Roso e sua mulher d. Leonor Alves de Castro Roso,cujos descendentes, por vendas successivas, dividiram essa impor-tante zona em muitas propriedades, abrindo-se nella novas ruas,hoje ornadas de magníficos predíos, dando facil communicação

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-260 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICO

para o Caminho Novo de Botafogo e a praça do Cattete. ou antigoCampo das Pita]ngas, em cujo centro existe a estatua de Joséde Alencar.

Deste lado mencionaremos a antiga rua da Rainha, cuja bellaagua era muito apreciada pela esposa de d. João VI. Sôbre esselogar ouvimos, em menino, contar umas historias de almas de outromundo, muito parecidas com os modernos phantasmas da ladeirado Ascurra, perto da qual tem magnifica vivenda o nosso bomamigo dr. Francisco Pinto Ribeiro, em terras outr'ora do capitão-mór Manuel José de Sousa, no Cosme Velho.

No lado opposto desta rua, hoje Conselheiro Octaviano,houve um pequeno largo chamado do Boticario, por alli ter proprie-dade Joaquim Luiz da Silva Sou to, que exercia essa profissão.

Qu-em não conhece o antigo caminho do Inglez, assim de-nominado. por ter Jorge Butaim edíficado grande casa em ter-renos hoje de propriedade do Estado, e onde está a Caixad'aqua?

Quem falla hoje nas Aguas Ferreas tão procuradas pelosnossos antepassados que soffriam de pobreza de sangue e nãotínham á sua disposição os preparados ferruginosos, que nosvêm da Europa. Ha cêrca de septe annos vimos a fonte emcompleto abandono, quando alguem teve a lembrança de pedirao Conselho Municipal aquelle logradouro, para edíficar um bo-tequim. O Areal, o jardim das Laranjeiras, o morro do Pen-dura-Saías e o morro do Balaio ou Gongá foram perfeitamentedescriptos pelo velho Mello Moraes em sua Chronice Geral. Jáhoje ninguem canta a Saudade do pau grande, musica motivadapor ter sido derrubado um irnmenso [equítibá, nos terrenos dailha Sêcca, pertencentes ao Piolho Viajante.

Nada diremos sôbre os antigos caminhos do Leite e do Pei~xoto, pelos quaes os primitivos excursionistas subiam ao Cerco-vado. Hoje os modernos o fazem pelo caminho de ferro, cujaestação está perto de terrenos do velho Francisco Nogueira daLuz.

A rua de Paísandú, antiga Sancta Tereza do Cattete, foiaberta em 1853 em terras pertencentes aos Guedes Pinto. Teveo nome actual, pela resolução da Camara de 2 de Março de1865; a de Guanabara tambem o foi em 1853 através da grandechacara do Roso, da qual a entrada era na rua hoje Conse-lheiro Delamare: a do Ipiranga, em 1856, onde hoje reside ovenerando visconde de Barbacena, que em 20 de Julho proximocommemorará o seu centesimo anniversario,

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ANTIQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 261

Poncto em bocca - e ao concluir repitamos com o persona-gem da Nova Castro, no acto da coroação da misera e mes-quinha:

«Esta é a pompa, senhor, que a brevidade perrnittíu detempo.»

VISITAÇÃO

A festa, vulgarmente dieta de Sancta Isabel, celebrada nestacidade ha mais de tres seculos, characteriza-se, além da origempuramente religiosa, por uma feição de ordem cívil-historíca, ouantes do mais subido valor patriótico.

Solenniza a Egreja, no dia 2 de Julho, a visita da mãedo Messias á sua prima Isabel, esposa do sacerdote Zacarias.

Esse facto, singelamente narrado pelo evangelista São Lucas,foi dignamente estudado e cornmentado por doutores e letrados,que procuraram estudar o assurnpto, indagando onde se realizouo acontecimento, taes como: Sancto Isídoro, Salmeron, Beda.Euthymio, S. Boaventura, Hugo, o cardeal Toledo e tantos outros.Para d. Antonio Caetano de Sousa, a visitação realizou-se emCariatharbe ou Hebron, situada na zona occupada pela tribu de[udá, não longe de Emaús e duas leguas distante de Jerusalém.

Monsenhor Míslín. em seu trabalho Les Saints Lieux, visitoue descreveu os restos da casa de Zacarias, na aldeia Mar-Sakaria,nas vizinhanças de Suba (vinte e cinco leguas distante de N a~zareth), bem como a fonte de puras e crystallinas aguas Aín-Karín,onde, segundo é fama, a Virgem Maria por vezes matou a sêde.Nessas paragens existe o convento de S. João, e o viajante pôdecontemplar a cóva em que ainda infante, foi escondido o Baptistapara ser subtrahido aos furores de Herodes. Nosso illustradocompatriota monsenhor Eduardo Christão, ha pouco tempo visi-tando a Palestina, teve occasíão de também ver o acima referido edetidamente percorreu esses logares, tão cheios de sanctas recor-dações.

Segundo o cardeal Baronio, a festa da Vísítação, institui dapela urgente necessidade que a Eqreja padecia com os schismas,foi decretada pelo papa Urbano VI no último anno de seupontificado, e logo depois approvada pelo papa Bonífacío IX.O ceremonial dessa solennidade consta da sessão 43~ do Conciliode Basíléa, que concedeu officio proprio, modificado pelos papasPio V e Clemente VII em Maio de 1550, que a declarou festa«duplex.»