132
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: COMPOSIÇÕES CÊNICAS MEDIADAS NATAL/RN 2013

LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

LARISSA HOBI

INTERFACE CENA E

TECNOLOGIA: COMPOSIÇÕES

CÊNICAS MEDIADAS

NATAL/RN

2013

Page 2: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

1

Larissa Hobi

INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: composições cênicas mediadas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Artes Cênicas, na Linha Pedagogias

da Cena: Corpo e Processos de Criação, da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte como

requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre

em Artes Cênicas.

Orientador: Dr. José Sávio Oliveira de Araújo

Co-orientador: Dr. José Amâncio Tonezzi Rodrigues Pereira

Natal/RN

2013

Page 3: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

2

Catalogação da Publicação na Fonte.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Hobi, Larissa.

Interface cena e tecnologia : composições cênicas mediadas / Larissa

Hobi. – 2013.

130 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação

em Artes Cênicas, 2013.

Orientador: Prof. Dr. José Sávio Oliveira de Araújo.

1. Cena. 2. Tecnologia. 3. Teatro. 4. GAG Phila7 I. Araújo, José Sávio

Oliveira de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BSE-CCHLA CDU 792

Page 4: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

3

Page 5: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

4

Para minha filha Ariela, passarinha.

Para minha mãe Éli, que fez de mim passarinha.

Page 6: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

5

AGRADECIMENTOS

À minha filha Ariela, por todo o amor, companheirismo, carinho e toda sua compreensão em

relação a minha ausência com ela devido à escrita.

À família Hobi Martins – meu pai Valdomir e irmãos Rafael, Guilherme, Alex e Leonardo,

por fazerem parte de minha formação, por todo o fortalecimento de caráter advindo de nossas

vivências, convivência, viagens e mudanças e, principalmente, pelo incentivo e liberdade

sempre dado aos caminhos escolhidos para serem trilhados.

À família Tozzi – Zulima, Bruno, Marcela, Maria Clara e Pedro, por todo o carinho, apoio e

incentivo nesses últimos anos.

À Maíra Lewtchuk, Amanda Galvíncio e seus rebentos – Ila, Igor e Marina – pela amizade,

amor, cafés, cervejêenhas na orla universitária e lugares afins, pelos longos sep`s e/ou

requentes, pelas sugestões, trocas e indicações. Enfim, por fazerem a espera pela redenção

mais feliz.

Ao professor José Tonezzi, pelos caminhos apontados, amizade, dedicação, pelas incontáveis

contribuições e pela parceria nesses últimos cinco anos.

Ao professor Jean Carlo pelas contribuições, sugestões, indicações de textos, amizade e

disponibilidade.

Ao professor José Sávio Oliveira de Araújo.

À Maíra Spanghero, por toda disponibilidade e ajuda prestada em momentos difíceis,

permeados por incertezas.

Ao Phila7 e seus maravilhosos integrantes, Beto Matos, Marcos Azevedo, Marisa Riccitelli

Sant‘ana, Mirella Brandi e Rubens Velloso, por serem sempre tão carinhosos, acolhedores e

disponíveis.

Ao TPA, nas pessoas de Nelson Kao e Renata Jesion, pela disponibilidade e acolhimento.

Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes,

Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio, Tiago, Tonezzi e Tony, por todos os momentos de

convivência, descontração, felicidade e superação das dificuldades, ao carinho e confiança

mútuo que tivemos diante das adversidades.

Aos integrantes do LAVID, Bruno, Erick, Glauco, Hugo, Guido, Tatiana e Yuri, que

embarcaram nessa viagem com a gente com muita dedicação e empenho, sem os quais não

teria sido possível o desenvolvimento do projeto.

Ao Grupo de pesquisa Cena e Contágio e seus integrantes, passados e presentes, por todos os

bons momentos de trocas, aprendizagens e descontração.

Page 7: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

6

Ao professores Guilherme Schulze e Naira Ciotti integrantes de minha banca de qualificação

pela leitura atenta e contribuições.

Aos Professores das disciplinas cursadas no PPGArC – UFRN, Alex Beigui, Maria Helena

Braga e Vaz da Costa, Maria de Lourdes Barros da Paixão e Vera Lourdes Pestana da Rocha

pelas indicações e saberes partilhados.

Ao professor do PPGC – UFPB, Ed Porto e alunos da turma a qual paguei a disciplina

Estudos avançados em cultura midiática audiovisual, pelo acolhimento, contribuições e

sugestões de leituras.

Aos professores da disciplina Encenação I, a qual fiz meu estagio de docência Makarios Maia

e José Sávio Araújo pelo aceite e contribuições.

À Biu Ramos – tchú, tchú, tchú – pelas conversas, amizade, carinho e colaborações em

tempos de incertezas.

À Túlio Flávio e Paula Samartin pela acolhida no Rio de Janeiro durante a temporada do

Profanações, amizade e boa companhia sempre.

À Fabio Inocêncio, pelo carinho com o qual sempre me recebeu em Sampa, pela amizade e

momentos de descontração em minhas diversas idas para contato com os grupos.

À Jubinha e Bolinha amigos amados e companheiros importantes de ócio criativo.

Ao amigo Alex Sal, tradutor juramentado, pelo meu abstract.

Aos colegas de turma do mestrado, pelos diálogos e construções nesses dois anos.

Ao secretário do PPGArC, Amauri, sempre muito solícito e a disposição para tirar as dúvidas

mais esdrúxulas.

À CAPES, pelo financiamento da pesquisa.

Page 8: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

7

A respeito das certezas do mundo: ―Até um relógio

quebrado está certo duas vezes por dia.‖

Navegamos num mar de incertezas. Dito assim, você

inventa uma primeira certeza. Então, munido de um

pequeno espírito aventureiro enfuna as velas e lentamente

avança pela zona de rebentação, das marolinhas em

direção a aquele horizonte preenchido por um azul vazio

profundo. Já em águas mais profundas você flutua e sente

uma pressão no seu corpo exercida pelo céu e pelo mar.

Você está no meio do nada. Você é o nada. Para garantir

a continuidade da navegação você começa a construir

uma imagem, uma ilusão do que você é e aí você pensa:

no mínimo vai servir como bússola. Mas o nada é brutal,

imenso, avassalador e aí, vêm o primeiro paradoxo, se ele

tem toda essa potência, por que eu o sinto como nada?

Então você resolve tentar outras denominações: o

desconhecido, o vazio, o que eu não sei, zonas sem luz,

falha e conexão, o inexplicável, e por aí vai. Esse é o

exato momento em que você resolve abandonar a

embarcação e, como se obedecesse ao chamado de uma

sereia, mergulhasse em águas profundas indo

definitivamente em direção ao que você antes chamava

do nada. Depois do primeiro mergulho, quando você

volta procurando o ar, você inventa a segunda certeza – o

vazio que se estende pelo horizonte é vivo, têm textura,

sabor, cores, movimentos, enfim, e este é o paradoxo!

Existe. Três longos mergulhos intercalados por uma

respiração rápida. Depois retoma as braçadas de forma

compassada, sem desespero. Você já percebeu que apesar

do mar revolto, você flutua. E aproveitando essa

percepção você constrói uma terceira certeza: o nada tem

duas narrativas. Uma fora de mim, que eu herdei que é e

que não é minha. Uma narrativa do mundo, das

linguagens do mundo, dos seus desejos, suas vontades,

suas catástrofes, da sua beleza e da sua escuridão. A outra

é a minha, desta ilusão que ouviu o canto da sereia.

Pronto, você deixou de ser um relógio quebrado.

(Rubens Velloso)

Page 9: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

8

RESUMO

Partindo do pressuposto de que as artes no ocidente sempre dispuseram de recursos, suportes

e dispositivos pertencentes ao seu contexto de época, pretende-se uma reflexão acerca de

composições cênicas mediadas por tecnologias digitais. Tecnologias essas, que estão inseridas

no cotidiano, passando também a compor experimentos artísticos, assumindo dessa forma um

papel dialógico por meio da intersecção arte/tecnologia. Propõe-se assim investigar quais as

relações que se estabelecem na cena teatral contemporânea a partir do contágio pelas

tecnologias digitais, procurando traçar esse paralelo através do diálogo com autores que

tratam do assunto, como também, valendo-se de práticas de grupos que tem no uso de

recursos tecnológicos fator determinante em suas encenações. Além disso, se realiza uma

reflexão sobre a cena que incorpora ou se perfaz em eventos intermidiáticos, analisando de

que forma as tecnologias digitais (re)configuram os processos composicionais das encenações

do GAG Phila7, da cidade de São Paulo/SP. Para tanto, a dissertação encontra-se organizada

em três capítulos que contemplam quatro momentos, a saber: breve panorama do campo,

contextualização, análise e síntese poética. Utiliza-se como proposta metodológica os

métodos qualitativos: entrevista semi-estruturada, tomada de notas e documentos (programa,

site, caderno de encenação, material de divulgação para texto publicitário, fotografias e vídeo

de registro). Dentro do universo da pesquisa qualitativa, trabalha-se com a perspectiva

epistemológica da hermenêutica filosófica gadameriana. As possibilidades abertas pelo duplo

virtual (internet/web) gerou um tipo de teatro com outra base material e novas formas de

organização e estruturação, sendo possível perceber que tais avanços tecnológicos e as artes

se contaminam mutuamente, gerando um deslocamento na lógica da composição teatral,

movimento iniciado com as vanguardas artísticas, que vem se intensificando gradativamente,

abrindo possibilidades de construções e hibridizações das mais diversas possíveis. É nessa

perspectiva que se encontra inserido o experimento Profanações_superfície de eventos de

construção coletiva, idealizado pelo Phila7. Alvo das discussões da referida pesquisa, o

experimento trabalha com poéticas possíveis surgidas da intersecção com as tecnologias

digitais, buscando apontar e problematizar os desafios advindos da evolução e expansão

tecnológica em um contexto cênico.

Palavras-chave: Cena contemporânea. GAG Phila7. Tecnologias digitais.

Page 10: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

9

ABSTRACT

Based on the presupposition that the arts in the West always counted on resources, supports,

and devices pertaining to its time context, an reflection is intended regarding the scenic

compositions mediated by digital technologies do. Such technologies are inserted in the daily

routine, also composing artistic experiments, thus playing a dialogical role with the

art/technology intersection. Therefore, the proposal is to investigate what relationships are

established in the contemporary theatrical scene from the contagion by digital technologies,

aiming at establishing this parallel through a dialogue with the authors discussing the subject,

and also based on the group practices having technological resources as a determinant factor

in their plays. Furthermore, a reflection should be made on the scene that incorporates or is

carried out in intermediatic events, analyzing how digital technologies (re)configure

compositional processes of the plays by GAG Phila7, in the city of São Paulo/SP. For such,

the dissertation is organized in three sections comprising four moments, to wit: brief overview

of the field, contextualization, poetic analysis and synthesis. Qualitative methods are used as

the methodological proposal: semi-structure interview, note and document taking (program,

website, playing book, disclosure material for advertising text, photographs, and videos).

Within the universe of qualitative research, it works with the epistemological perspective of

the Gadamer philosophical hermeneutics. The possibilities allowed by the double virtual

(Internet/web) generated a type of theater with another material basis and new forms of

organization and structure, being possible to perceive that such technological advances and

the arts are mutually contaminated, generating a dislocation in the logics of theatrical

composition, movement beginning with the artistic vanguards, gradually intensified, thus

offering new possibilities of constructions and hybridization of the of the most different

possible types. Experiment ―Profanações_superfície de eventos de construção coletiva‖,

idealized by Phila7 is inserted in this perspective. Object of the discussion of such research,

the experiment works with possible poetics arising from the intersection with the digital

technologies, aiming at identifying and problematizing the challenges from the technological

evolution and expansion in a scenic context.

Keywords: Contemporary scene. GAG Phila7. Digital technologies.

Page 11: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

10

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Play on Earth………………………………………………...………………….27

Imagem 2 – What´s Wrong with the World?...........................................................................27

Imagem 3 – WeTudo DesEsperando Godot.............................................................................27

Imagem 4 – Alice Através do Espelho.....................................................................................27

Imagem 5 – Corte Seco............................................................................................................31

Imagem 6 – Hamlet..................................................................................................................31

Imagem 7 – Por Conta da Casa................................................................................................32

Imagem 8 – Nunca Feche o Cruzamento.................................................................................32

Imagem 9 – Desce! (amor de cão)...........................................................................................33

Imagem 10 – Prometheus – a tragédia do fogo........................................................................39

Imagem 11 – Leonce e Lena....................................................................................................40

Imagem 12 – Dona Flor e seus dois maridos...........................................................................40

Imagem 13 – Viúva, porém honesta .......................................................................................40

Imagem 14 – As relações entre o Potencial, o Real, o Virtual e o Atual.................................47

Imagem 15 – Programa Profanações........................................................................................75

Imagem 16 – Profanações GAG Phila7..................................................................................84

Imagem 17 – Profanações GAG Phila7..................................................................................84

Imagem 18 – Grafite Flower Chucker………………………………………………………86

Imagem 19 – Profanações GAG Phila7..................................................................................86

Imagem 20 – Profanações GAG Phila7 .................................................................................87

Imagem 21 – Profanações GAG Phila7..................................................................................87

Imagem 22 – Profanações GAG Phila7..................................................................................88

Imagem 23 – Profanações GAG Phila7..................................................................................88

Imagem 24 – Profanações GAG Phila7..................................................................................89

Imagem 25 – Profanações GAG Phila7..................................................................................89

Imagem 26 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................90

Imagem 27 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................90

Imagem 28 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................91

Imagem 29 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................91

Imagem 30 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................93

Imagem 31 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................93

Page 12: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

11

Imagem 32 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................94

Imagem 33 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................94

Imagem 34 – Profanações GAG Phila7..................................................................................96

Imagem 35 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................96

Imagem 36 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................98

Imagem 37 – Profanações GAG Phila7..................................................................................98

Imagem 38 – Interface gráfica...............................................................................................101

Imagem 39 – Interface gráfica...............................................................................................101

Page 13: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 – CARTOGRAFIA DA PESQUISA ............................................................ 18

1.1 REFLEXÕES TEÓRICAS METODOLÓGICAS ...................................................... 18

1.1.1 Justificativa, Metodologia e Objetivos .............................................................. 18

1.1.2 Objeto da Pesquisa: GAG Phila7 ...................................................................... 23

1.2 BREVE PANORAMA DO CAMPO: CENA CONTEMPORÂNEA E

TECNOLOGIA ................................................................................................................. 28

CAPÍTULO 2 – CENA CONTEMPORÂNEA E TECNOLOGIAS DIGITAIS: NOTAS

PRELIMINARES ................................................................................................................... 45

2.1 O CONTÁGIO DA CENA CONTEMPORÂNEA PELAS TECNOLOGIAS

DIGITAIS .......................................................................................................................... 45

2.2 O FIO DE ARIADNE ................................................................................................. 50

2.3 INTERSECÇÃO TEATRO / TECNOLOGIAS DIGITAIS: (RE)CONFIGURAÇÃO

DE ELEMENTOS NARRATIVOS .................................................................................. 55

2.3.1 Ator (corpo/presenças) ...................................................................................... 57

2.3.2 Espaço cênico (desterritorializado/fragmentado) ............................................. 67

2.3.3 Espectador (virtual/presencial) ......................................................................... 72

CAPÍTULO 3 – PROFANAÇÕES_ SUPERFÍCIE DE EVENTOS DE CONSTRUÇÃO

COLETIVA .............................................................................................................................73

3.1 EXPERIMENTO PROFANAÇÕES ........................................................................... 73

3.2 SUPERFÍCIES: NOTAS SOBRE O PROCESSO ...................................................... 80

3.2.1 GAG Phila7 ....................................................................................................... 84

3.2.2 Cena e Contágio ................................................................................................ 90

3.2.4 Lavid ................................................................................................................ 100

3.2.4 MidiaLab ......................................................................................................... 101

3.2.5 Dramaturgia e cena: gêneros e linguagens .................................................... 102

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 103

Page 14: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

13

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110

LIVROS E PRODUÇÕES CIENTÍFICAS ..................................................................... 110

PÁGINAS E SITES ELETRÔNICOS ............................................................................ 116

FILMES ........................................................................................................................... 116

REFERÊNCIAS ICONOGRÁFICAS ............................................................................. 117

APÊNDICES ......................................................................................................................... 119

APÊNDICE A – ENTREVISTA COM RUBENS VELLOSO ....................................... 119

APÊNDICE B – GLOSSÁRIO DE NOÇÕES ................................................................ 129

Page 15: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

14

INTRODUÇÃO

Com o advento das tecnologias digitais tornaram-se corriqueiras as discussões sobre o

futuro do humano e de que forma se estabelecerão as relações referentes à interface

humano/máquina. É possível observar a incidência e recorrência da referida temática em

diversos âmbitos, como o acadêmico, o social e o cotidiano – a exemplo de livros, palestras,

mesas redondas, artigos científicos, filmes, matérias em jornais, blogs, novelas, seriados,

desenhos infantis, chats, dentre outros. Questões essas, antes abordadas apenas pela ficção

científica que especulava de que forma o humano configurar-se-ia no futuro. Esse gênero

literário, considerado por muitos como inferior, tem adquirido na contemporaneidade a

expressão de uma realidade potencial, que transita como ―ficção da ciência‖ e ―ciência da

ficção‖.

Estudiosos acreditam que essa projeção no futuro está presente dentro e fora dos seres

humanos, tornando-se parte da nossa realidade e auxiliando na reconfiguração da percepção

que temos dela. Podemos perceber que os desdobramentos dessas discussões têm repercutido

nas diversas áreas do conhecimento humano, encontrando na arte um dos campos férteis para

esses questionamentos.

A aceleração tecnológica tem promovido na contemporaneidade uma ruptura gradativa

em relação ao entendimento tradicional de conceitos como: tempo, presença, espaço e corpo;

ruptura essa, como nos aponta Giddens (1991, p. 26), iniciada na modernidade – no final do

século XVIII – com a criação do relógio mecânico, artefato de ―significação-chave na

separação entre tempo e espaço‖. Tal aceleração altera modelos e dinâmicas sociais, culturais,

morais e éticas. Retomaremos a referida discussão, de forma a aprofundá-la, no capítulo 2.

Com a inserção das tecnologias digitais na cena teatral, pode-se optar pelo

deslocamento de elementos antes previstos para estarem presentes no mesmo espaço. Dessa

forma, o ator, indispensável ao fenômeno teatral, pode estar presente tanto de forma física

como de forma virtual, não se tratando apenas de simulação, mas de presença virtual no real.

É possível também relativizar a presença do espectador, que se encontraria deslocado

fisicamente do lugar de apresentação do artista. Outra perspectiva é a fragmentação do espaço

cênico. Essas modalidades eram impensadas antes das possibilidades abertas com o

surgimento das redes telemáticas.

O teatro é per si uma arte híbrida, em que encontramos a relação dialógica entre

mídias distintas. Na atualidade, ocorre uma explosão por meio de inúmeras experiências

Page 16: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

15

estéticas, em que a assimilação ou recusa de tais elementos dá-se a partir de propostas

diversificadas de encenação. Dessa forma, observa-se que com as tecnologias ocorre a mesma

dinâmica: determinados diretores, companhias e grupos se apropriam de tais elementos os

tornando parte constituinte de suas encenações, agregando e/ou ―profanando‖ as

possibilidades oferecidas pelas tecnologias digitais.

Esta dissertação surgiu como desdobramento de pesquisas desenvolvidas junto ao

grupo de pesquisa Teatro: Tradição e Contemporaneidade1, na linha intitulada Cena e

Contágio. A proposta inicial foi aprovada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação

Cientifica (PIBIC), com incentivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq)/ Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob orientação/coordenação

do Prof. José Tonezzi. Desenvolvemos o plano de trabalho Teatro em conexão (2009-2010),

que tinha como foco principal justamente verificar em que medida as novas tecnologias

incidem na expressão cênica de forma a (re)dimensionar e questionar noções referentes ao

corpo, presença, tempo, espaço e textualidade.

O Núcleo Cena e Contágio visa o estudo das artes cênicas, visuais e performáticas em

sua interação com o universo do grotesco, da hibridização e das disfunções do corpo, da

mente e do comportamento, investigando ainda a virtualização e a multimodalidade do corpo

cênico. Suas Áreas de interesse encontram-se assim distribuídas:

Dramaturgia, através de obras que abordem o assunto, de autores/diretores

influenciados pelo tema, de obras adaptadas e de procedimentos criativos do

teatro contemporâneo;

Encenação, pela análise de trupes e diretores que fazem do assunto um mote

criativo, que eventualmente abordem o tema ou que tragam à cena textos e

adaptações;

Interpretação, pela interface cênica do homem com a máquina e com os recursos

por ela gerados (o ator da era tecnológica); abordagem do corpo, da caracterização

e de procedimentos que, de alguma maneira, remetam à transformação, à hibridez

e ao grotesco.

Nossas atividades resultaram na realização do Conexão XXI - Festival Cênico2 e teve

como desdobramento a realização de diversas atividades, a saber: o trabalho cênico

1 http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0083803M3FOW5H

2 Após aprovação pelo Fundo Municipal de Cultura (FMC) e com apoio da UFPB (através da Pró-

Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PRPG, do Departamento de Artes Cênicas – DECEN e do

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e

Page 17: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

16

Experimento Zero3; a publicação de um dossiê intitulado Cena e tecnologia na revista

Moringa – Artes do Espetáculo4 – DECEN/UFPB; a ministração de uma oficina intitulada

Teatro e Tecnologia no XIII Festival Nacional de Arte (FENART). A referida pesquisa

recebeu o prêmio jovem pesquisador UFPB/CNPq (2010).

A pesquisa teve continuidade em um segundo plano de trabalho (2010 – 2011) em que

o foco recaía em questões efetivamente ligadas ao trabalho de representação e de encenação

no âmbito da intersecção cena/tecnologia, no qual o propósito passou a ser a experimentação e

a percepção dessa relação. A referida pesquisa, pelo segundo ano consecutivo, foi agraciada

com o prêmio Jovem Pesquisador UFPB/CNPq (2011).

Esta dissertação, como continuidade das atividades referenciadas, se propõe a

contextualizar as relações que se estabelecem em imbricações entre a cena teatral

contemporânea e as tecnologias digitais. Tendo como fulcro a discussão sobre a cena que

incorpora ou se perfaz em eventos intermidiáticos, sua ênfase recai no deslocamento de um

dos elementos constituintes do ―fenômeno‖ teatro a partir das possibilidades abertas pela

convergência das mídias, verificando de que forma tais tecnologias (re)configuram seus

processos composicionais. Construção feita a partir do diálogo com teóricos da sociologia, da

filosofia e da comunicação associados aos das artes cênicas, para tentar compreender, discutir

e problematizar tal temática que tem se tornado uma constante em diversas encenações.

No contexto de uma expansão tecnológica que não para de avançar, encontramos no

teatro um terreno propício para investigar quais as relações que se estabelecem na cena

contemporânea a partir do contágio ocasionado pelas tecnologias digitais. Propomos tal

investigação a partir do Grupo de Arte Global – GAG Phila7, da cidade de São Paulo, que tem

Pequenas Empresas (SEBRAE) e do Colégio Marista Pio X, realizou-se dois eventos simultâneos e de

âmbito nacional: o Conexão XXI – Festival Cênico e o Simpósio Cena e Tecnologia. Os eventos

ocorreram de 18 a 21 de agosto de 2010 nas dependências da UFPB e do Teatro Ariano Suassuna,

tendo como intuito a reunião de profissionais e obras envolvendo variadas manifestações artísticas,

numa interface com o virtual e as tecnologias digitais. A programação contou com debates e

exposições teóricas, além de oficinas e apresentação de espetáculos. Ver:

http://www.festivalcenico.com.br/. 3 A partir de oficinas práticas, o grupo realizou uma intervenção – Experimento Zero, apresentada na

abertura do Festival Conexão XXI. Utilizou-se equipamentos tecnológicos disponíveis cotidianamente,

como notebooks, celulares, aparelhos de MP3 ou MP4, máquinas fotográficas digitais, datashows, etc.

para propor a percepção do tempo a partir do uso e interferência de tais implementos tecnológicos.

Desta forma, foi criado um vídeo, com imagens pré-gravadas, onde a atriz percorria a cidade de João

Pessoa correndo, como se fugisse de algo, tais imagens foram associadas a imagens da mesma atriz,

com o mesmo figurino, captadas em tempo real no dia da execução da performance, o que tornava

difícil a distinção entre realidade e ficção, imagens pré-gravadas e ao vivo, provocando diversas

reações no publico. 4 http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/moringa/issue/view/850.

Page 18: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

17

no uso de recursos tecnológicos fator determinante em sua linguagem cênica. Para tanto, a

dissertação encontra-se organizada em três capítulos que contemplam quatro momentos, a

saber: breve panorama do campo, contextualização, análise e síntese poética.

O capítulo 1, intitulado Cartografia da pesquisa, apresenta um breve panorama das

discussões relativas ao estado da arte, tomando como ponto de partida as seguintes obras:

Teatro pós-dramático, de Hans-Thies Lehmann (2007); A encenação contemporânea:

origens, tendências e perspectivas, de Patrice Pavis (2010); Work in progress na cena

contemporânea, de Renato Cohen (2006), dentre outros textos descritos no corpo do capítulo

1, seguido de algumas reflexões teórico-metodológicas, tendo como proposta a pesquisa

qualitativa em uma perspectiva epistemológica da hermenêutica.

O capítulo 2, intitulado Encenação contemporânea e tecnologias digitais: notas

preliminares, é dedicado à conceituação de temas pertinentes ao recorte da pesquisa. Nesse

capítulo discutiremos a encenação contemporânea e as tecnologias digitais, analisando de que

forma ocorre a apropriação e ressignificação das tecnologias digitais pelo teatro e quais as

relações que se estabelecem, como também, os traços estilísticos identificáveis a partir da

intersecção teatro/tecnologias digitais.

O capítulo 3, intitulado Profanações: superfície de eventos de construção coletiva, se

propõe a identificar e pontuar o processo criativo da encenação Profanações, realizado pelo

GAG Phila7 em parceria com o Núcleo Cena e Contágio – Grupo de pesquisa Teatro:

Tradição e Contemporaneidade e Laboratório de Aplicações do Vídeo Digital (LAVID)/

UFPB; Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional (MidiaLab)/ Universidade de

Brasília (UNB) e Grupo de pesquisa Dramaturgia e Cena, Gêneros e Linguagens/

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Abordando as diversas

superfícies de eventos produzidas durante o projeto.

Page 19: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

18

CAPÍTULO 1

CARTOGRAFIA DA PESQUISA

Faço questão de lhes fazer, [...] uma advertência gratuita:

estamos nisso – e, cada vez mais, vamos estar nisso.

(Albert Camus)

1.1 REFLEXÕES TEÓRICAS METODOLÓGICAS

1.1.1 Justificativa, Metodologia e Objetivos

Esta dissertação surgiu como desdobramento de pesquisas desenvolvidas com

incentivo do CNPq/UFPB junto ao Grupo de Pesquisa Teatro: Tradição e

Contemporaneidade, no PIBIC vinculado à linha de pesquisa intitulada Cena e Contágio.

Ainda como aluna de graduação, participamos e desenvolvemos uma pesquisa relativa ao

plano de trabalho Teatro em Conexão, que tinha como foco principal verificar em que medida

as novas tecnologias incidem na expressão cênica de forma a (re)dimensionar e questionar

noções referentes ao corpo, presença, tempo, espaço e textualidade.

Nossas atividades resultaram na realização do Conexão XXI – Festival Cênico, tendo

como intuito a reunião de profissionais e obras envolvendo variadas manifestações artísticas,

numa interface com o virtual e as tecnologias digitais. Organizado e promovido por nosso

grupo de pesquisa, sua programação contou com um simpósio – debates e exposições teóricas

–, além da realização de oficinas e apresentação de espetáculos. Teve como desdobramento a

publicação de um dossiê na revista Moringa – Artes do Espetáculo.

A referida pesquisa foi agraciada com o prêmio Jovem Pesquisador UFPB/CNPq

(2010) e teve continuidade em um segundo plano de trabalho em que o foco recaia em

questões efetivamente ligadas ao trabalho de representação e de encenação no âmbito da

intersecção cena/tecnologia, no qual o propósito passou a ser a experimentação e a percepção

dessa relação. A referida pesquisa também foi agraciada com o prêmio Jovem Pesquisador

UFPB/CNPq (2011).

Devido as pesquisas desenvolvidas junto ao grupo de pesquisa mencionado, foi

possível criarmos uma base para posteriormente partirmos para o aprofundamento de questões

Page 20: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

19

contidas na temática pesquisada, assim como a realização do Conexão XXI Festival Cênico e

do Simpósio Cena e Tecnologia. Esses contaram com a participação de diversos pensadores

de referência na cena brasileira no que tange à temática arte e tecnologia, como também a

abertura para novas possibilidades. Tal iniciativa, abraçada pelos integrantes do Núcleo Cena

e Contágio resultou em um dossiê, uma oficina ministrada no FENART (2010), uma

participação em eventos, um experimento cênico – o grupo idealizou coletivamente uma

intervenção para ser apresentada no dia da abertura do Conexão XXI, intitulada Experimento

Zero. A intervenção se utilizou de equipamentos tecnológicos disponíveis cotidianamente,

como notebooks, celulares, aparelhos de MP3 ou MP4, máquinas fotográficas digitais, data

shows, etc., para propor a percepção do tempo a partir do uso e interferência de implementos

tecnológicos cotidianos. Tais atividades demonstram a importância da Iniciação Científica

como instrumento de solidificação e de incentivo no percurso da carreira acadêmica.

A partir dessas experiências surgiu o nosso interesse e a possibilidade de ampliar essa

temática no âmbito de uma Pós-Graduação e tentar responder questões suscitadas a partir das

mesmas. Como se porta o ator em cena com o uso de uma mídia que se interpõe? Ocorre de

fato uma (re)configuração dos elementos narrativos em composições cênicas mediadas?

Como se dá o processo de criação? As intervenções da plateia se efetivam? Existe um cuidado

em relação à concorrência da presença física com a imagética? Como trabalhar com o espaço

cênico desterritorializado? É pensado o imprevisto e a potência performática da tecnologia

nessas proposições cênicas?

No âmbito cultural, as discussões referentes à temática proposta tem tomado grandes

proporções, em especial no campo das artes visuais. Porém, ainda são poucas as publicações

que aprofundem o tema diretamente ligado às artes do espetáculo. Desta forma, através da

presente proposta põe-se uma questão atual que prevê a produção artística sintonizada com os

avanços tecnológicos e com a prática teatral de fazer uso de recursos, dispositivos e suportes

de seu contexto de época. Para Diana Domingues (2003, p. 17):

Hoje, tudo passa pelas tecnologias: a religião, a indústria, a ciência, a

educação entre outros campos da atividade humana estão utilizando

intensamente as redes de comunicação, a informação computadorizada, e a

humanidade está marcada pelos desafios políticos, econômicos e sociais

decorrentes das tecnologias. A arte tecnológica também assume essa relação

direta com a vida, gerando produções que levam o homem a repensar a sua

própria condição humana.

Page 21: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

20

A relevância do tema pesquisado reside no seu recorte, que se propõe a refletir o

processo criativo do grupo Grupo de Arte Global (GAG) Phila7 na construção coletiva da

chamada ―superfície de eventos‖, conforme apregoa o diretor Rubens Velloso, intitulada

Profanações. Há também a contribuição da bibliografia para uma área que, como nos aponta

Cauquelin (2008 p. 131), sofre ―um vazio teórico‖.

A quem encara esse espaço se propõe, já desde o início, algo como um vazio

de referencias, de história, de definições coerentes. O espaço das ações

cibernéticas não tem muito mais que vinte anos, o que não é o bastante para

a acumulação de estratos históricos como temos para a cultura artística [...].

Nesse contexto, fica evidente a necessidade de um maior aprofundamento na temática,

buscando uma melhor compreensão das relações que se estabelecem entre cena e tecnologia e

suas consequências na cena contemporânea, bem como as contribuições bibliográficas

oriundas de tal empreitada. A escolha do grupo Phila7 se deu devido a pautar-se, fazer uso de

forma sistemática e ter no uso das tecnologias fator determinante em suas composições

cênicas.

A seguir, descrevemos a metodologia proposta para a investigação e o

desenvolvimento da pesquisa, essa visa o cumprimento dos objetivos deste projeto. Para

tanto, faz-se necessário uma pesquisa qualitativa, em que pesquisadores da área se valem de

uma gama de práticas interpretativas, visando entender melhor o assunto ao qual se propõe a

investigar. Segundo Denzin et al (2006, p. 17):

[...] A pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador

no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas

que dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em

uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as

conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes.

E se difere da pesquisa quantitativa, pois:

[...] Implica uma ênfase sobre as qualidades das entidades e sobre os

processos e os significados que não são examinados ou medidos

experimentalmente em termos de quantidade, volume, intensidade ou

freqüência. Os pesquisadores qualitativos ressaltam a natureza socialmente

construída da realidade, a íntima relação entre o pesquisador e o que é

estudado, e as limitações situacionais que influenciam a investigação [...].

(DENZIN et al, 2006, p. 23).

Page 22: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

21

Os meios e procedimentos utilizados na pesquisa têm como base a metodologia

descrita em Pavis (2005; 2007); Carreira et al (2006) e Denzin et al (2006). Como principais

instrumentos de análise estão a entrevista semi-estruturada, a tomada de notas e os seguintes

documentos: programa, site, caderno de encenação, material de divulgação, paratexto

publicitário, fotografias e vídeo de registro.

Dessa forma foi levantada a bibliografia pertinente ao tema proposto, traçando-se em

seguida um histórico da evolução do uso de recursos técnicos/tecnológicos nas artes cênicas,

além do levantamento e análise de companhias, grupos e diretores que se utilizam em cena e

processo de recursos tecnológicos. Foram feitos ainda contato com o GAG Phila 7 e Teatro

Para Alguém (TPA), ambos da cidade de São Paulo (SP), e também realizada uma visita às

respectivas sedes. A partir de então, mantivemos contato com os grupos. Ambos participaram

do Conexão XXI, evento organizado em 2010 pelo Núcleo Cena e Contágio, o qual já foi

referenciado.

Dentro do universo da pesquisa qualitativa, utilizamos a perspectiva teórica

metodológica da hermenêutica filosófica gadameriana que, como nos propõe Denzin et al

(2006, p. 198-199):

[...] Sustenta que a compreensão não é, em primeiro lugar, uma tarefa

controlada por procedimentos ou por regras, mas, sim, justamente, uma

condição do ser humano [...] nesse sentido, a hermenêutica filosófica opõe-

se a um realismo ingênuo ou objetivismo no que diz respeito ao significado,

e pode-se dizer que defende a conclusão de que nunca existe uma

interpretação definitivamente correta.

A hermenêutica é definida, grosso modo, como a teoria de interpretação de sentidos,

em que o intérprete se apresenta como um indivíduo engajado em uma análise crítica e/ou

explicativa de um texto ou ação humana, empregando o método do círculo hermenêutico. A

hermenêutica gadameriana parte do pressuposto de que nunca se começa uma interpretação

do zero, o pesquisador vem com um conhecimento prévio acerca de seu objeto de pesquisa,

definido como pré-conceito; e de que jamais chegará efetivamente ao fim de todas as

possibilidades interpretativas. O que ocorre é uma fusão de horizontes a partir do diálogo com

seus pares.

A intenção do pesquisador encontra-se contaminada pela sua posição no

mundo, e a raiz do seu trabalho está justamente localizada onde se situa o

pesquisador e junto a quem ele trabalha. Na relação com o mundo, o

pesquisador estabelece um encontro com o outro, com falas e discursos

singulares, por meio da tradução da experiência do outro, num encontro de

Page 23: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

22

subjetividades. Nas várias formas de compreensão do mundo, de nós

próprios e do outro, passa-se por um conjunto de significados embutidos na

cultura, na língua, no não-dito e na pluralidade de elementos que necessitam

de interpretações. Essa questão de interpretação se coloca como um

problema. (CAVALCANTI, 2002, p. 01).

A investigação, ao ser executada passa por um processo de transformação, que

envolve a própria teoria e os objetivos que a orientam. Como nos propõe Denzin et al (2006,

p. 195):

[...] a partir do momento que o individuo envolve-se em atividades

―práticas‖ de geração e de interpretação de dados para solucionar dúvidas

quanto ao significado daquilo que outros estão fazendo e dizendo, para,

então, transformar esse entendimento para o conhecimento público, ele

inevitavelmente estará assumindo inquietações ―teóricas‖ sobre o que

constitui o conhecimento e como este justifica-se, sobre a natureza e o

objetivo da teorização social, e assim por diante. Em suma, a ação e o

pensamento, a prática e a teoria, estão ligadas em um processo contínuo de

reflexão crítica e de transformação.

Segundo Casanova no texto de apresentação, para Gadamer (2010) a arte é um

fenômeno hermenêutico por excelência, pois ―toda e qualquer relação com a obra sempre

envolve necessariamente um processo interpretativo no interior do qual o que está a cada vez

em jogo é determinar o que a obra tem efetivamente a nos dizer‖ (GADAMER, 2010, p. IX)5.

A seguir, listamos os instrumentos de coletas de dados que foram utilizados nessa

pesquisa:

a) levantamento bibliográfico e videográfico relacionados à temática e grupo

pesquisado;

b) leitura, organização e sistematização teórica e metodológica do problema estudado;

c) seleção e sistematização dos temas centrais (emissão/recepção, ator, espaço) nas

encenações do GAG Phila7;

d) análise da encenação selecionada, com base na descrição verbal, documentos

recolhidos, tomada de notas e entrevistas semi-estruturada;

e) transcrição e publicação da entrevista.

Temos como objetivo principal, de acordo com a argumentação anterior, investigar

quais as relações que se estabelecem na cena teatral contemporânea a partir do contágio pelas

5 Na apresentação à edição brasileira do livro Hermenêutica da obra de arte de Hans-Georg Gadamer

(2010).

Page 24: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

23

tecnologias digitais, procuramos estabelecer esse paralelo a partir de autores que tratam do

assunto como também a partir de práticas de grupos que tem no uso de recursos tecnológicos

fator determinante em suas encenações. Além disso, propomos uma reflexão sobre a cena que

incorpora ou se perfaz em eventos intermidiáticos, analisando de que forma as tecnologias

digitais (re)configuram os processos composicionais das encenações do GAG Phila7.

1.1.2 Objeto da Pesquisa: GAG Phila7

O Phila7 surgiu no início de 2005, na cidade de São Paulo, com o objetivo de

pesquisar novas linguagens e diferentes mídias. É formado por um núcleo de artistas de

diferentes áreas: Rubens Velloso, Marcos Azevedo, Mirella Brandi, Beto Matos e Marisa

Riccitelli Sant´ana. O Phila7 trabalha com a imagem e a tecnologia na busca de novos

parâmetros para uma poética contemporânea. Tendo como elementos centrais em suas

encenações: a relação entre o corpo presencial e a virtualidade, como também a

desterritorialização do espaço cênico.

Desde sua formação, o Phila7 vem experimentando diversas possibilidades relativas a

interface cena/tecnologia, avançando em suas pesquisas e na apropriação de tais recursos em

suas composições cênicas, tal processo se iniciou com projeções videográficas que criavam

diferentes camadas de encenação no espetáculo Galileo Galilei, e posteriormente foram se

aprofundando, como é o caso da série Play on Earth – com seu primeiro espetáculo em 2006

– a qual, com o uso da internet criou-se um grande palco no mundo. Com o espetáculo Play

on Earth, o grupo apresentou uma proposta inovadora no uso da Internet para a criação e

apresentação de uma peça teatral que uniu três elencos em três continentes simultaneamente:

Phila7 em São Paulo, Station House Opera em Newcastle, na Inglaterra e Cia Theatreworks

em Cingapura. Três audiências, cada uma em sua cidade, assistiram as atuações no palco e

nas telas que constituíam um quarto espaço imaginário.

Em 2007, é inaugurada a sede do grupo, visando promover e agregar produções

artísticas contemporâneas. Em 2008, o grupo encena What´s Wrong with the World? Segundo

espetáculo da série Play on Earth, que ocorre ao vivo entre Brasil (Rio de Janeiro) e Inglaterra

(Londres), espetáculo em tempo real, em que, atores brasileiros e ingleses contracenaram. Em

Junho de 2009 estréia WeTudo – DesEsperando Godot, espetáculo em que o público é

convidado a participar efetivamente na encenação, podendo sugerir de trilha sonora a

fragmentos de texto. Sua participação pode se dar em duas modalidades: presencialmente,

fazendo uso de celulares e computadores, ou virtualmente, pela internet, no qual a peça pode

Page 25: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

24

ser assistida num plano sequência, previamente marcado, não se caracterizando como uma

documentação do que acontece em cena por possuir uma linguagem própria; uma poética

pensada para a captação e transmissão do espetáculo, levando em consideração princípios da

mídia cinema/vídeo, ―transposto‖ para um discurso para a câmera.

Em Alice Através do Espelho (2010), o grupo faz uma releitura contemporânea do

texto original do clássico de Lewis Carroll, valendo-se de diferentes recursos como vídeo,

corpo, texto e câmeras ao vivo, além do uso de tecnologias digitais on-line. O grupo também

recorreu em sua criação cênica ao uso de tecnologias digitais off-line, com a criação de um

blog onde os atores utilizavam nicknames dos personagens da encenação e interagiam com os

demais integrantes do blog, fazendo uso deste recurso para o processo de criação

dramatúrgica.

Nesses oito anos, o Phila7 experimentou relações de contaminação de diversas

linguagens artísticas até chegar à construção de espetáculos em que a internet transformou-se

efetivamente em um palco virtual.

Em entrevista à Larissa Hobi, Velloso (2011) traçou um panorama do uso de recursos

tecnológicos nos processos do Phila7 a partir do primeiro espetáculo do grupo, Galileo

Galilei, em que o entrevistado afirma que o grupo já compreendia, mas ainda não realizava o

uso das tecnologias digitais de forma a redimensionar a linguagem cênica:

[...] uma parte do que aconteceu em termos de imagem tinha uma relação

com o distanciamento brechtiano, que a gente transferiu, digamos assim,

para uma cinematografia com os atores ao vivo na coxia, que comentavam

os personagens antes de entrar em cena. Uma outra parte dessas imagens era

cenografia, ou seja, dialogavam e complementavam a ambientação da cena.

Uma terceira linha de utilização das imagens se constituía numa ampliação

metafórica para a poética das situações específicas que explodiam no palco.

Tinha objetivo de estabelecer uma linguagem paralela. (VELLOSO, 2011,

p.82).

E prossegue descrevendo outros trabalhos como A verdade relativa da coisa em si, que

apresentava uma discussão sobre como o individuo se posiciona frente a mídia quando ele é

observado. Trabalho em que ocorre um aprofundamento das relações da dramaturgia com o

universo midiático através do texto.

Porém, foi quando fizeram, em 2006 a convite do diretor inglês da companhia Station

House Opera, o espetáculo Play on Earth, considerado pelo diretor Rubens Velloso (2011)

como o divisor de águas para o grupo dentro dessa área de pesquisa que vem desenvolvendo,

que houve o impulsionamento de experimentos com uso da Internet para a criação e

Page 26: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

25

apresentação de uma peça teatral que uniu três elencos em três continentes simultaneamente.

Tratava-se de um espetáculo linkado pela internet que acontecia simultaneamente nos três

lugares.

[...] A câmera era coreografada e, a cada segundo, o cameraman tinha um

ponto em que ele deveria estar. No segundo, Waht’s Wrong With the World?,

já experimentamos um outro formato: várias câmeras foram utilizadas, com

corte ao vivo para a transmissão da imagem. Com essas outras formas de

presenças, o ator podia estar simultaneamente aqui e em outra parte do

mundo. Poeticamente, nós construímos um palco no mundo. E, então, essa

relação nos fez começar a pensar numa reestruturação de como encarar essas

novas, digamos, realidades. Porque a gente não trabalha mais só na realidade

do senso comum, essa em que vivemos em tempo linear, que nos dá um chão

– na verdade, uma ilusão de chão. (VELLOSO, 2011, p.86).

Por tratar-se de um tipo de proposta relativamente nova no campo das artes cênicas, o

diretor tratou das dificuldades e necessidades de se desenvolver códigos e dramaturgia que se

adequassem a proposta; como também o trabalho de ator desenvolvido para tal execução; da

necessidade de se compreender a proposta que os obrigou a entender a questão da imagem e

da cena presencial de uma outra forma, para poder desenvolvê-la:

Começamos a desenvolver uma dramaturgia – não tem dramaturgia pra isto,

tivemos que desenvolver, precisávamos de novos códigos. O processo se

dava assim: cada grupo ensaiava isoladamente e, depois, fazíamos ensaios

online todo dia quatro horas,como se todos estivéssemos no mesmo lugar.

Imagine a percepção disto – a presença corporal ou imagética começvam a

ter o mesmo poder de representação, apareciam apenas com tensões

diferentes – com os atores o tempo todo tendo que sentir-se presentes em

igual potência, tanto na cena como na imagem. (VELLOSO, 201, p.82-83).

Para Velloso (2011), a experiência vivida com o espetáculo arremessou o grupo pra

um outro tipo de pensamento dentro da questão das artes e da tecnologia, os forçando a

desenvolver a questão de olhar o mundo contemporâneo hoje e tentar compreendê-lo através

das novas gerações que percebem essas questões relacionadas a presença de uma forma

diferente das gerações passadas, pois eles já nascem inseridos nessa dinâmica contemporânea

onde ―a presença pela imagem é uma presença, é sentido como uma presença, é percebido

como isso‖; e é a partir dessa percepção que o grupo acredita ser possível ampliar os

horizontes do teatro, como declarou Velloso (2011) ―não quebrar a quarta parede, quebrar

todas apesar de estar dentro delas‖. Porém, para ele não adianta ter apenas a percepção

intelectual, é preciso vivenciar essa contemporaneidade e estabelecer parâmetros éticos e

estéticos de uma forma absolutamente nova, dinâmica que o grupo passou a exercer por meio

Page 27: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

26

de experimentos estéticos e pesquisa, se apropriando de questões que são fundamentais em

pensadores como Derrida, Foucault, Deleuze, Agamben e Bauman.

Com What´s Wrong with the World? (2008) da série Play on Earth, espetáculo ao vivo

entre Brasil (Rio de Janeiro) e Inglaterra (Londres) linkado pela Internet em tempo real,

Velloso (2011) descreve que adotaram outra dinâmica, em que presença física e imagética

estavam no mesmo plano, e a dramaturgia se construía a partir desses dois eventos, os quais

se relacionavam e se construíam nessas duas realidades. Diferentemente do espetáculo

anterior da série Play on Earth, que era palco e tela por cima, criando uma circularidade entre

a presença física e a imagética, em What´s Wrong with the World?, a tela estava no palco.

A percepção e o amadurecimento da utilização de novas tecnologias em cena, levou,

segundo o diretor, o grupo a ―brincar‖ com a questão da presença do ator, considerando como

um problema químico, no qual o ator atua em estados diferentes, sendo um continuum de

carbono (presença física) e silício (presença imagética), o que significa flutuar em estados,

pois o ator é uma presença concreta, só que em estados diferentes.

Questões relacionadas à percepção de mundo hoje, que é fragmentada, caótica, sendo

possível se ter vários ―eus‖, gerando indagações a respeito de qual ética se está em jogo.

Foram esses questionamentos que permearam a encenação WeTudo DesEsperando Godot

(2009), espetáculo em que o grupo se apropria do texto Esperando Godot de Samuel Beckett,

como da teoria desenvolvida por Giorgio Aganbem (2007). Para Velloso (2011) WeTudo se

inicia exatamente no momento em que eles desistem da espera. Partir significa escolher,

determinar, procurar um caminho, tomar a vida nas mãos, abandonar ―a raiz‖ e buscar ―o

rizoma‖, as ligações infinitas, à procura de respostas que esperavam eternamente serem

respondidas por Godot. Entram nos fluxos, perdidos, desencontrados, mas na potência de

atuar. Tudo a fazer.

Na peça a plateia é convidada a trazer notebooks, celulares e interferir na peça através

de sugestão de texto, imagens e sons; pode também assistir via internet. Segundo Velloso

(2011, p.85):

Godot é o elemento paralisante, é a norma que segura, então eles saem. Só

que, quando eles saem, saem pro mundo contemporâneo. Então, eles

abandonam a árvore, que é a cultura arbórea e entram na cultura rizomática;

saem dali para descobrirem identidades novas e entrarem por todos os

sistemas que podem entrar, com a presença pela internet, por mensagens que

vem e vão. O público, no WeTudo DesEsperando Godot, pode trazer laptop,

pode trazer celular... Se tiver uma rede wifi, a gente projeta o que o público

propõe e interfere nas personagens. A peça é assistida pela internet num

Page 28: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

27

plano sequência, com uma linguagem própria, não um simples documento da

cena.

Já em Alice Através do Espelho – que tem no elenco atores do Núcleo Experimental de

Artes Cênicas do Serviço Social da Indústria (SESI), sob direção de Rubens Velloso com

criação e produção do GAG Phila7 – há uma apropriação do clássico Alice de Lewis Carroll.

Para Velloso (2011, p.85):

O tema de entrar através do espelho em um mundo imaginário, tornou-se

frequente na atualidade, principalmente nas novas mídias: vídeo-clipes,

filmes de ficção, universos virtuais da web, etc. Tais mídias são mais que

espelho e ferramentas do utilizador – são interfaces que permitem a

passagem para existências virtuais (como o outro lado do espelho de Alice).

Esse ponto de passagem é o que nos interessa, num contexto onde o limiar

entre o ―real‖ e ―virtual‖, animado e inanimado, o ―eu‖ unitário e o ―eu‖

múltiplo são difíceis de definir.

E foi durante esse bate-papo agradável que tratamos de processo de criação, teóricos

que fundamentam o trabalho do grupo, questões relacionadas ao presencial na cena teatral

contemporânea, como também, o encontro do ator com o espectador tendo a mídia que se

interpõe.

Em seu último experimento cênico – Profanações, ora analisado, definido por seu

idealizador Rubens Velloso, como uma superfície de eventos de construção coletiva, o Phila7

e parceiros discutem o conceito de profanação proposto por Giorgio Agamben. O referido

experimento será abordado detalhadamente no capítulo 3.

O grupo toma como base em suas composições cênicas as redes formadas pelas

Tecnologias da Informação e Comunicação, que estando arraigadas às novas dinâmicas

sociais contemporâneas, criam novas possibilidades estéticas, tencionando formas já

estabelecidas, impulsionando uma nova estética, essa não se associa ao belo, ao sublime como

a priori, mas leva em consideração questões que efetivam a experiência, novos modos de

sentir e ―induzem novas formas da subjetividade política‖ denominado por Ranciere (2009)

como ―partilha do sensível‖.

As encenações ocorrem em um espaço expandido, gerando ―novas arenas de

representação‖, que vão de telas de projeção a redes sociais, espaço esse trafegado por atores

e espectadores em tempo real por meio de streaming de vídeo. As encenações são apoiadas

em textos já consagrados ou escritos pela própria Companhia, levando em consideração a

interface com as demais mídias.

Page 29: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

28

No GAG Phila7, a proposta se efetiva pelo modo desestabilizador do trânsito entre

presença física e presença imagética do ator, em que espaços temporais heterogêneos são

conectados por meio da mediação tecnológica. Como também a interação da plateia, que se dá

de forma a intervir na encenação em tempo real. Em suas encenações o teatro imita, reflete e

profana as tecnologias digitais.

1.2 BREVE PANORAMA DO CAMPO: CENA CONTEMPORÂNEA E TECNOLOGIA

Propomos uma discussão acerca da intersecção cena contemporânea e tecnologias

digitais, inserindo-a em seu contexto de época, levando em conta a convergência das mídias –

desenvolvimento da multimídia que produziu a convergência de vários campos midiáticos

tradicionais em um único formato, o digital, realizável em diferentes tempos e espaços.

Fenômeno que abriu novas possibilidades, antes impensadas, e que vem pondo em xeque o

paradigma teatral – atuante, texto, público. A partir de tais possibilidades emergiram

Imagem 1 – Play on Earth Imagem 2 – What´s Wrong with the World?

Foto Marcelo Sousa Foto Ricardo Ferreira

Imagem 3 – WeTudo DesEsperando Godot Imagem 4 – Alice Através do Espelho

Foto Ricardo Ferreira Foto Divulgação

Page 30: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

29

discussões referentes ao teatro que incorpora ou se perfaz em eventos mediados

tecnologicamente.

Norteando este trabalho está a hipótese da arte como ponto de convergência para se

pensar as mutações em âmbito social e cultural. Partimos do pressuposto de que a arte no

ocidente sempre se utilizou de recursos, suportes e dispositivos referentes ao seu contexto de

época, sendo possível perceber a mesma dinâmica com as tecnologias digitais, que entraram

de forma imperativa em todas as relações da vida cotidiana, sendo desta forma, um dos fatores

impulsionadores do desejo por uma estética híbrida que prevê a interface cena/tecnologia,

gerando um deslocamento na lógica da composição teatral, movimento iniciado com as

vanguardas artísticas, que vem se intensificando gradativamente, abrindo possibilidades de

construções e hibridizações das mais diversas possíveis. Porém, se faz pertinente expor alguns

pressupostos conceituais postulados anteriormente.

Em seu livro Teatro pós-dramático, Hans-Thies Lehmann (2007) parte do pressuposto

de uma intensificação da ruptura com o modo de fazer e pensar teatro a partir da década de

1970, ruptura essa já anunciada pelas vanguardas modernistas do início do século XX e que, a

partir de então, ganha um maior destaque da autonomia da cena e a recusa do texto como

elemento central – o ―textocentrismo‖. A tendência pós-dramática questiona as razões formais

impostas secularmente ao teatro como também nega a estética dos padrões de percepção

dominantes da sociedade midiática.

Para o autor, o teatro pós-dramático seria o denominador comum de variadas formas

dramáticas que têm como similaridade a história do teatro dramático. Para chegar a tal

conceito, o autor parte da concepção de drama apresentada por Peter Szondi (2001),

retomando alguns conceitos explicitados por ele e indo além, ao analisar formas surgidas após

o recorte temporal analisado por Szondi (2001); partindo da premissa que após Brecht

surgiram outras formas teatrais que não podem ser compreendidas com o vocabulário ―épico‖.

Lehmann (2007) admite que no teatro pós-dramático, entre os elementos constituintes

também estão os conflitos, os caracteres, as ideias e seus confrontos. Porém, esses elementos

ocorrem de uma forma diferente das articuladas pelo drama. Neste sentido, é necessário

esclarecer que o drama está intrinsecamente relacionado com a noção de dialética, ou seja, é

apresentado um conflito que tem uma progressão e que vai mais à frente encaminha-se para

uma síntese. Já o teatro pós-dramático não se baseia na cosmovisão ficcional nem em

conflitos psicológicos de personagens identificáveis.

O conceito pós-dramático como resposta e reação a problemas de representação é

lançado em oposição a uma categoria epocal pós-moderna – prática teatral denominada pós-

Page 31: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

30

moderna que não atesta de modo algum um afastamento significativo da modernidade, mas

apenas da tradição da forma dramática.

O teatro naturalista, reivindicado por Émile Zola em crônicas (posteriormente reunidas

em Le Naturalisme au Théâtre, 18816), frente à ausência de novos autores e à forma de

representação então estabelecida, o coloca como um dos primeiros reformadores do teatro,

que buscava pô-lo em consonância com a literatura e que ―atendesse a todos os requisitos do

palco sem se apegar às leis obsoletas da tragédia clássica‖ (BERTHOLD, 2006, p.452),

superando assim a crise pela qual o teatro passava.

A era da máquina havia começado. A ciência empreendeu a tarefa de

interpretar o homem como produto de sua origem social. Fatores biológicos

foram reconhecidos como forças formativas da sociedade e da história.

Numa época que a sociologia começou a investigar a relação do individuo e

da comunidade e a derivar novas teorias estruturais das mudanças

observadas na vida coletiva, os historiadores da cultura claramente

precisavam também de novas categorias de classificação.

No entanto, Lehmann (2007) propõe que a função do teatro atualmente não é a de

rejeitar a modernidade e sim a de tentar subverter as heranças formais dominantes, sobretudo

a dramática, que foi incorporada de forma rebaixada pelos meios de comunicação de massa.

Ao ser assimilado pelos meios de comunicação de massa, o mundo em sua realidade

brutal representado anteriormente pelo teatro naturalista/realista é produzido de forma mais

eficaz.

A época do naturalismo foi também a das primeiras aventuras com o

―cinematógrafo‖. Os filmes de Charles Chaplin e Buster Keaton sobre a luta

do homem comum contra a traição das coisas infletiram a ênfase naturalista

ao mundo da coisa material para o grotesco e para o cômico. (BERTHOLD,

2006, p. 455).

Na contra corrente, porém paralelo ao Naturalismo, surgiu também na França o

movimento de reação intitulado simbolismo, que sentenciava o abandono do mimetismo

figurativo e preconizava que o signo teatral deveria sugerir, suscitar a participação imaginária

do espectador, estabelecendo um relacionamento entre espectador e espetáculo. Tendo como

pano de fundo o debate entre naturalismo e simbolismo e as interrogações advindas desses

debates, que buscavam responder questões pertinentes ao teatro moderno, nasce a figura do

6 Tradução brasileira: Romance Experimental e o Naturalismo no Teatro. São Paulo: Perspectiva,

1982.

Page 32: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

31

encenador. O surgimento de tal figura, associada à revolução tecnológica, que vinha sendo

incorporada de forma ainda tímida pelo teatro, abre frente para novas estéticas.

Porém, é a partir da década de 1970, como nos propõe Lehmann (2007), que surgiu

um modo profundamente novo de usar os signos teatrais, os tornando conteúdo e tema da

representação. O novo texto teatral, que reflete sua condição de estrutura linguística, se

configura não mais como dramático. Na medida em que alude ao gênero literário do drama, o

título teatro pós-dramático sinaliza a permanente inter-relação de teatro e texto, ainda que o

discurso do teatro esteja no centro dessa investigação, de modo que o texto será considerado

apenas como elemento, camada e ―material‖ da configuração cênica, e não como o regente

dessa configuração. Ocorrendo assim, uma autonomia da linguagem na medida em que há

figuras definíveis, mas com uma teatralidade autônoma. Ocorreriam superfícies linguísticas

ao invés de diálogos – de ilusão mimética.

Em um capítulo dedicado às mídias, Lehmann (2007) irá elencar traços estilísticos

existentes em sua proposta, como também apontará usos, levantará questionamentos acerca da

intersecção do teatro com as mídias e problematizará questões que perpassam a temática em

questão. O autor discorrerá sobre estéticas que fazem usos distintos da tecnologia, expondo a

partir de exemplos concretos traços estilísticos e usos da tecnologia em cena.

Ao tematizar questões como: assimilação das tecnologias da informação pelo teatro

associadas à utilização de novas e velhas mídias audiovisuais, tendo como suporte uma

tecnologia computacional avançada que impulsiona em direção a um teatro high-tech e uso de

suportes que ampliam as fronteiras da encenação, nos remete a encenações vistas

recentemente em âmbito nacional, internacional e local a exemplo de: Corte Seco, da Cia

Vértice de Teatro (Rio de Janeiro) dirigido por Christiane Jatahy. A narrativa é baseada em

relatos pessoais, processos jurídicos e matérias jornalísticas. A diretora, que se encontra em

cena, junto aos demais técnicos ―edita‖ a encenação no decorrer de suas ações ao fazer

intervenções alterando a ordem dos fragmentos. Monitores em estruturas móveis

presentificam espaços cênicos fora do alcance de visão da plateia, o fluxo de imagens chega

com o auxilio de câmeras de seguranças que captam as imagens em tempo real. As câmeras

são fixas, pré-instaladas, não sendo necessário a presença de cameraman.

Com o corte determinado pela diretora algumas cenas têm continuidade por meio do

fluxo de imagens que chega a plateia através do circuito interno, espectadores exercem a

função de voyeurs, na medida em que tem acesso a continuidade ou desfecho de ações

iniciadas anteriormente no espaço cênico visível, fazendo com que a plateia penetre na

intimidade, na crise de identidade e/ou nos problemas sentimentais da personagem.

Page 33: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

32

Podemos evocar também o grupo nova-iorquino The Wooster Group, fundado na

década de 1970 e que nos últimos anos vem trabalhando com novas mídias e tecnologia. Em

temporada recente na cidade de São Paulo, o grupo encenou o clássico de Shakespeare,

Hamlet. Na encenação o grupo reproduz com um número infindo de aparatos tecnológicos,

uma encenação feita em 1964 estrelada pelo britânico Richard Burt. Para atingir uma

aproximação quase fiel recorrem a um registro audiovisual feito à época com o auxilio de 17

câmeras. O vídeo é projetado em telões, criando um diálogo com os atores que o reproduzem.

No espetáculo Profanações, idealizado pelo GAG Phila7 em parceria com diversos

colaboradores, o grupo, que vem pesquisando desde 2005 o uso de recursos tecnológicos em

cena, discute presenças possíveis na contemporaneidade e também possibilidades de diálogos

entre atores em presença física e atores que chegam em fluxos de imagens e/ou sons por meio

do streaming de áudio e vídeo, além, da fragmentação do espaço cênico. Essa experiência será

abordada no capítulo 3 de forma mais detalhada.

Ao questionar se no teatro high-tech ocorre uma ―diluição do limite entre realidade e

virtualidade ou se é criada a disposição de encarar toda percepção como dúvida permanente‖

(LEHMANN, 2007, p. 368), Lehmann (2007) nos faz aludir a dúvida permanente que é criada

cotidianamente em outras atividades a exemplo de jogos de futebol ou matérias televisionadas

ao ―vivo‖. Em situações como estas se faz necessário que o espectador admita tal evento

como ocorrendo em tempo real, em outras palavras, que haja um pacto entre o espectador e o

evento, para que o primeiro o conceba como ocorrendo em tempo real.

O autor aborda ainda o uso do vídeo pré-gravado em que atores estabelecem com o

universo da imagem níveis de realidade diversos. Podemos citar como exemplo as primeiras

experiências com mídias audiovisuais no teatro, feitas por Meierhold em 1923 e Piscator que,

Imagem 5 – Corte Seco Imagem 6 – Hamlet

Foto Divulgação Foto Marcelo Lipiani

Page 34: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

33

em 1924, fez uso de projeções e, em 1925 de filmes. Recursos que permanecem ainda em

voga, complementando, ilustrando ou contrastando com a representação cênica.

Lehmann (2007) apresenta possíveis influências e assimilações da televisão e do vídeo

nas encenações contemporâneas como: sobreposição, interrupção abrupta de cenas e ações,

mínimo de continuidade e unidade, mudança no foco de atenção. A apropriação de uma

estética televisiva e/ou cinematográfica pelo teatro, a exemplo do TPA, surgido no final de

2008 tendo como proposta democratizar o acesso à cultura e levar espetáculos gratuitamente

para todos via internet, é um projeto da Cia Auto Mecânica – existente há mais de 10 anos –

idealizado por Renata Jesion e Nelson Kao, se apresentando como um exemplo significativo

das influências abordadas pelo autor.

O TPA exibe peças teatrais escritas e produzidas para a internet, contando com

parcerias, a exemplo do Núcleo de Dramaturgia do SESI-British Council, da cidade de São

Paulo, firmada desde 2009, e que visa a inserção e aproximação de novos dramaturgos no

mercado de trabalho. Outro exemplo é a parceria firmada com o Portal Cronópios, em que

poesias e textos literários foram adaptados para encenações com duração de um minuto e

meio, característica que nomeou o projeto: Teatro 1 ½. Podemos citar também, a parceria

junto ao escritor e quadrinista, Lourenço Mutarelli, que rendou junto ao TPA a série Corpo

estranho.

Tendo com elemento central em suas encenações a relativização do espectador, que se

encontra deslocado do espaço de apresentação, o grupo vem produzindo uma quantidade

substancial de encenações, já contabilizando um total de mais de 80 peças, muitas inéditas,

disponibilizadas no site http://www.teatroparaalguem.com.br/ após a apresentação online, em

Imagem 7 – Por Conta da Casa Imagem 8 – Nunca Feche o Cruzamento

Foto Divulgação Foto Nelson Kao

Page 35: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

34

plano sequência, sem cortes e sem edição. As peças produzidas pelo TPA têm uma duração

média entre dez e trinta minutos. O site do grupo recebe cerca de 30 mil acessos por mês que

partem do Brasil e de outros países. Foi construído sob a plataforma livre Wordpress, tem

licença Creative Commons (CC) e está traduzido nos idiomas inglês, espanhol e francês por

meio da ferramenta Google Translate. Algumas peças têm legenda em inglês, inseridas após a

estréia e disponibilizadas no site.

Na estética proposta pelo TPA é possível observar que existe uma direção de

fotografia, na qual, por meio do direcionamento dado pelo cinegrafista, verifica-se a poética

de uma câmera, ocorrendo a indução do olhar do espectador para determinada ação; recurso

comum no cinema/vídeo, que se utiliza de cortes e de close up, dentre outros recursos, para

evidenciar algo. Ao recorrer à estética do filme ou do vídeo, que irá manter-se em diálogo

constante com a estética teatral, ocorrerá uma assimilação e contaminação mútua dos

conceitos estéticos das diferentes mídias envolvidas, porém, em um novo contexto, gerando

um outro tipo de produto estético. É uma proposta mais ―simples‖, que não requer tantos

equipamentos, mas é de grande contribuição para a difusão e o acesso à cultura, já que suas

peças são transmitidas gratuitamente e depois disponibilizadas no site do grupo. Busca-se

também uma estética que dialogue com a proposta, na qual textos são criados especialmente

para a internet, levando em conta fatores como tempo de duração e limitação do espaço físico.

Apesar de ambos – TPA e Phila7 – fazerem uso de tecnologias digitais, é perceptível a

diferenciação das propostas. O TPA tende ao caráter cinematográfico, que é enfatizado por

encenações em um espaço mínimo – a sala da sede do grupo, a qual serve de espaço cênico

Imagem 9 – Desce! (amor de cão)

Print screen

Page 36: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

35

para suas produções, se valendo de cortes cinematográficos transposto para o teatro, como

também de Close Up, dentre outros recursos que, promovem uma desmontagem da vivência

do espaço e a ruptura da suposição de realidade do contínuo espacial, fazendo com que as

fronteiras que separam o teatro do cinema tornem-se fluidas por meio do tratamento

diferenciado dos signos teatrais. Outra característica que diferencia o trabalho desses dois

grupos é a interação: embora não permita um intervir na encenação durante suas

apresentações, o TPA propõe aos espectadores que participem ao final, de um diálogo com os

atores e diretores em um chat online.

Ao levantar questões relacionadas à interação, Lehmann (2007) propõe que o

problema entre teatro e mídia não se instala nas ilimitadas possibilidades de simulação da

realidade – estaria de fato unicamente o teatro tentando simular a realidade ao fazer uso das

tecnologias digitais em cena? O autor alega que o teatro não se constitui enquanto uma arte da

reprodução, aliás, discussão essa que acreditamos já tenha sido superada. O próprio Lehmann

(2007) nos evidencia ao dizer que após a apropriação pelos meios de comunicação de massa,

o teatro não precisa mais se ocupar em tentar reproduzir a realidade, pois a câmera faz isso

com mais êxito. Esse processo, pelo qual a pintura também passou, precisando reinventar-se

com o surgimento da fotografia apresenta-se nas últimas décadas ao teatro em uma nova

roupagem, em que a transição para uma interação mediada tecnologicamente suscita

questionamentos relativos à disputa que pode emergir do aperfeiçoamento dessa interação.

Propondo que o que deve inquietar o teatro é ―[...] a tendência de transição para uma

interação de parceiros afastados entre si mediante recursos tecnológicos. Será que essa

interação cada vez mais aperfeiçoada disputará o lugar com o domínio das artes ao vivo, cujo

princípio é a participação?‖ (LEHMANN, 2007, p. 370).

O autor faz uma diferenciação entre teatro e mídia afirmando que tal diferença se

estabelece pelo fato de o teatro não ter como elemento central o fluxo de informações,

estruturando-se a partir de um tipo de significação que compreende a morte. Já Pavis (2010),

concebe o teatro enquanto mídia, por considerar que ele cumpre as funções de comunicação,

conservação e reatualização. A essa discussão voltaremos oportunamente, mais a frente.

Para Lehmann (2007), o teatro consiste em um espaço-tempo comum de mortalidade,

em que atores e espectadores envelhecem juntos e, na tecnologia da comunicação midiática os

sujeitos estariam separados uns dos outros pelo hiato da computadorização. Descreve o uso de

suportes, recursos e dispositivos relacionados com seu contexto de época, afirmando:

Page 37: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

36

Desde a mechané antiga até o teatro high-tech contemporâneo, o prazer no

teatro sempre significou também prazer com uma mecânica, satisfação com

o que dá certo, com a precisão maquinal. Desde sempre houve um aparato

que simula a realidade com auxilio da técnica não só do ator, mas também

do maquinário teatral. (LEHMANN, 2007, p. 374).

Ao generalizar tal afirmação, Lehmann (2007) aponta uma dinâmica cada vez menos

usual e uma visão pessimista da apropriação feita pelo teatro das técnicas e tecnologias, a qual

destitui diretores e grupos que por vezes fizeram e fazem uso das tecnologias as questionando,

discutindo, problematizando e as inserindo em um contexto ético e estético, não apenas as

usando como simulação do real. No subtítulo Mídias no teatro pós-dramático, o autor inicia

apontando os possíveis usos das mídias no teatro pós-dramático:

Ou as mídias encontram um uso ocasional, que não define de modo

fundamental a concepção de teatro (mero aproveitamento da mídia); ou

servem como fonte da inspiração para o teatro, sua estética ou forma, sem

que a técnica midiática necessariamente desempenhe um grande papel nas

próprias montagens; ou constitutivas de certas formas de teatro.

(LEHMANN, 2007, p. 377).

E segue elucidando a utilização de mídias na cena, a exemplo da apropriação do uso

de uma estética cinematográfica, o close-up, em que por meio da captura de imagens em

determinados ângulos ocorre o direcionamento do olhar do espectador, criando-se a poética de

uma câmera. Outra possibilidade é a inspiração na estética das mídias, tendo como prioridade

não o uso de mídias em cena, mas a apropriação de elementos usuais das mídias de massa. Ou

ainda, as mídias como fator constitutivo, trazendo à tona suas possibilidades técnicas, sendo

muitas vezes exposto abertamente. Aponta também como característica, a utilização do vídeo

para integrar atores ausentes, apresentando sempre como uma forma de sanar um problema

pré-existente, e não como uma opção estética. Tal posicionamento é visível nos exemplos

dados:

―Michael Kirby não pôde estar aqui esta noite, mas nós o mostramos como

imagem de vídeo‖; ―Uma atriz é velha demais para participar da turnê, mas

nós a mostramos em vídeo‖ etc. Assim, são destacados de passagem os

ilusionismos do teatro, a usual e no entanto desconcertante equivalência de

presença em vídeo e presença ao vivo. (LEHMANN, 2007, p. 383-384).

Lehmann (2007) expõe como possibilidade a teatralização das mídias, na qual as

imagens dos atores são registradas com auxilio de câmeras e monitores e reproduzidas em

monitores, sendo, em muitas das vezes combinadas com material pré-filmado. ―Por um lado,

Page 38: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

37

o teatro ‗vivo‘ é posto em suspensão e passa a ser uma ilusão, um efeito de uma máquina de

efeitos. Por outro lado, experimenta-se na atmosfera intensa e vital do trabalho uma tendência

inversa: a tecnologia das mídias é teatralizada‖ (LEHMANN, 2007, p. 384).

A apropriação do teatro por tal recurso pode gerar no espectador a incerteza sobre as

imagens: quais são ―reais‖, captadas durante a apresentação? Quais são pré-filmadas?

Considerando tal evento como ―uma intensificação e uma desconstrução do teatro em vários

níveis‖ (LEHMANN, 2007, p. 384), o autor pontua ainda o uso de microfones, que se são

visíveis, evidenciam a não ilusão. Aponta também, dentro de sua proposta conceitual pós-

dramática, trabalhos em que:

A mídia não serve apenas à geração de efeitos espetaculares, mas se conecta

de tal maneira com a ação viva no palco que surgem novas modalidades da

dramaturgia visual. Trabalha-se com câmeras e monitores de vídeo móveis,

com telas que continuamente abrem novas janelas para outros espaços, com

procedimentos refinados pelos quais os atores parecem entrar e sair de

espaços em vídeo, como se a materialidade do corpo não importasse. O

espaço não é mais subordinado ao ordenamento da perspectiva e da

separação de interior exterior; ele se torna um espaço ―virtual‖ ou espiritual,

no qual as coordenadas temporais se tornam oscilantes junto com as

espaciais. (LEHMANN, 2007, p. 385).

O livro Teatro pós-dramático tematiza a presença virtual, não por via da associação

com as tecnologias digitais, mas por meio da supressão do corpo vivo do atuante, usando

como exemplo uma performance, que apesar de se ter como tema central a visão do corpo, o

mesmo não é exposto visivelmente aos espectadores.

Em sua tese, Lehmann (2007) irá inicialmente tratar do uso de recursos

técnicos/tecnológicos no teatro para posteriormente fazer uma correlação com sua proposição

pós-dramática a partir de vários exemplos. O modelo proposto pelo autor se apresenta

estanque em algumas categorias propositivas acerca da intersecção cena/tecnologias. Aponta

inúmeras possibilidades, porém não propõe uma base sólida para análise e discussão. No

entanto, Teatro pós-dramático serve como ponto de partida para gerar questionamentos e

inquietações advindas das hipóteses e exemplificações elencadas em seus escritos, já que

aponta uma infinidade de proposições.

No que tange à atual discussão referente à intersecção cena contemporânea/tecnologias

temos como referência a obra A encenação contemporânea: origens, tendências e

perspectivas, de Patrice Pavis (2010), que se propõe a discutir questões relativas à encenação,

abrangendo diversos pontos dessa temática: o itinerário da mise en scène, as tendências da

Page 39: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

38

cenografia na contemporaneidade, possibilidades e usos do texto na cena contemporânea,

problemáticas do ritual e da encenação no palco e suas imbricações, abordando também o uso

de mídias no processo de criação. Iremos nos deter nos escritos dedicados as mídias, o qual o

autor inicia sua exposição definindo o conceito de mídia do qual comunga e sob quais formas

aparecem na cena.

Pavis (2010) trabalha com uma abordagem metodológica da intermidialidade, que

prevê a integração dos conceitos estéticos das diferentes mídias em um novo contexto. A

intermidialidade se efetiva por meio da inter-relação e interação entre mídias. No nosso caso,

precisamos definir, mesmo que de forma genérica, o conceito de mídia mais adequado para

nossa discussão. Tomemos o conceito proposto por Barbiert e Lavenir (apud PAVIS, 2010, p.

173), para os quais mídia se trata de um sistema de comunicação capaz de permitir a uma

sociedade a realização, se não toda, ao menos em uma parte das ―três funções essenciais da

conservação, comunicação à distância de mensagens e conhecimentos e da reatualização de

práticas culturais e políticas‖.

Para Pavis (2010, p. 173) tanto a encenação quanto a escritura dramática contempla tais

pressupostos das mídias:

[...] a escritura permite a comunicação e conservação; o palco organiza a

reatualização de textos e práticas espetaculares. Nesta acepção geral do

termo mídia, o teatro faz muito, portanto, parte das mídias. Ele constitui uma

mídia por excelência e seus componentes os mais freqüentes são, eles

mesmos, constituídos por diversas mídias.

O verdadeiro desafio lançado ao teatro pós 1970 veio das mídias audiovisuais a partir

de 1980, em que:

[...] a presença no centro do espetáculo ao vivo tem conseqüências sobre

nossa percepção. Desse modo, a mudança de escala da imagem,

procedimento corrente da fotografia e do cinema, conduz, na imagem

apresentada no palco, a uma desorientação espacial e corporal do espectador.

Na concorrência entre a imagem fílmica e o corpo ―real‖ do ator, o

espectador não escolhe necessariamente o vivo contra o inanimado, muito ao

contrário! O seu olho é atraído por aquilo que é visível em maior escala,

visto que não cessa de evoluir e retém a atenção pela mudança constante de

planos e escalas. (PAVIS, 2010, p.175).

Na atual conjuntura, situada na década de 1980, encontrávamos na cultura das mídias,

era cultural definida por Santaella (2003) como a do ―disponível e transitório‖ em que novas

tecnologias e equipamentos encontravam-se no mercado, a exemplo de: fotocopiadoras,

Page 40: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

39

videocassetes, walkman, walktalk e câmeras portáteis. Paralelo ao lançamento desses

equipamentos criou-se um crescente mercado de videoclips e videogames visando produzir

novas linguagens para circularem junto aos equipamentos. Havia também uma crescente

indústria de produção e distribuição de filmes, chegando aos consumidores por meio das

videolocadoras, hoje praticamente extintas. Essa diversidade de novas tecnologias,

equipamentos e linguagens culminou com o surgimento da TV a cabo. Tiveram lugar novas

formas de percepção e fruição, assim como mudanças em relação ao consumo, que agora se

dava de forma mais individualizada, se diferenciando do consumo massivo.

Diante do exposto, Pavis (2010) afirma que ao teatro cabe a tarefa de renovar-se, com

o que comungamos. Em outras épocas e ocasiões, ao ver-se em crise, coube ao teatro a tarefa

de repensar-se. A inserção de imagens, sejam elas ―ao vivo‖ ou pré-gravadas, ocasiona uma

alteração na forma de percepção do espectador. Porém, o que garante que a imagem fílmica,

apenas por ser em maior escala, irá ganhar a concorrência? Não seria o caso de criar

mecanismos para que, ao fazer uso de tais recursos, ele consiga dialogar de forma igualitária

com a presença física do ator,?

Posto isso, Pavis (2010) adentra em questões relacionadas à presença do ator,

levantando questionamentos acerca da efetivação dessa presença estar relacionada apenas a

sua visibilidade física pela plateia, exemplificando tal fenômeno pela ideia de corpo visível,

ao qual a presença não está mais ligada; e espaço visível, a partir da presença do ator:

[...] seria, de antemão, recolocar em questão as oposições tradicionais e

decididas entre vivo e o maquinal (ou midiático), o presente e o ausente, o

humano e o inumano. A presença do ator significa que esse ator seja visível?

E se ele está invisível, situado nos bastidores, ou atuando sistematicamente

atrás de um painel servindo de tela – percebido ao vivo apenas pelo vídeo e

projetado numa parte do cenário –; e se ele está ao telefone ou é filmado pela

webcam num outro extremo do planeta? Nesse caso, ele faz, então, um ato

de presença, uma presença que podemos imaginar à falta de percebê-la

diretamente. (PAVIS, 2010, p. 175 - 176).

No espetáculo Prometheus – a tragédia do fogo, da Cia Teatro Balagan, da cidade de

São Paulo, com direção de Maria Thaís, em sinopse divulgada afirma que a encenação faz

uma arqueologia de um mito fundador da cultura ocidental e dos diversos eventos que

compõem o mito prometeico – a criação do homem, a separação dos deuses e dos homens, do

homem e da natureza, dos irmãos Prometeu/Epimeteu, o roubo do fogo, a condenação do titã

ao Cáucaso, entre outros, oferecendo fragmentos da narrativa, pistas do mito, que cabem ao

espectador organizar. Em um de seus fragmentos, valem-se de cantos em grego arcaico, feito

Page 41: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

40

por atores que não se encontravam visíveis à plateia, mas que se presentificavam por suas

vozes. Atestando que a presença não se associa apenas ao visível.

Nesse sentido, o autor aposta na contaminação da performance live e do espetáculo ao

vivo pelas mídias, porém, não de forma a reproduzi-las, mas pensando como esses elementos

são utilizados, combinados e confrontados tal quais os elementos constituintes da encenação,

afirmando que o teatro sempre fez apelo às tecnologias, às máquinas: a technê. Questiona

também, se a diferença entre as mídias e a technê é de grau ou de natureza.

Para adentrar no teatro multimídia, que Pavis (2010, p. 178) define como sendo ―o

encontro de tecnologias sem o espaçotempo (sic.) da representação‖, e no teatro cibernético –

cybertheatre, que se mescla com mídias digitais e tecnologias da informática e tem como

característica a utilização da Internet para produzir espaços virtuais – o autor evidencia que,

mais importante que descrever o conjunto de mídias utilizadas na cena contemporânea, é

pensar os efeitos delas no palco.

E inclui na discussão as tecnologias utilizadas na preparação e/ou representação, como

o som gravado, a luz, as legendas e o uso de microfones, percebendo como elas

redimensionam a percepção.

E para ilustrar as diversas tecnologias das quais os espetáculos tem feito uso,

evocamos mais três encenações vistas nos últimos dois anos para atestar a variedade e o

crescente uso das tecnologias em cena, podendo observar que seus usos não se filiam a uma

estética específica, se encontrando nas mais variadas propostas.

A encenação de Viúva, porém honesta do grupo recifense Magiluth, com direção

Pedro Vilela, vale-se do uso de microfones por vezes distorcendo as vozes dos atores, dando-

lhes uma outra tonalidade emocional.

Imagem 10 – Prometheus – a tragédia do fogo

Foto Mônica Cortez

Page 42: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

41

Imagem 13 – Viúva, porém honesta

Dona Flor e seus dois maridos, com direção de Irad Rubinstain, encenada em

hebraico, pela companhia israelense Yoram Loewenstein Acting School de Tel-Aviv, em sua

apresentação durante o 25º Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau –

FITUB, recorreu a projeção de legendas em português, essas se apresentavam, acreditamos

por julgarem ser um texto bastante conhecido nacionalmente, como rubricas.

Já o espetáculo Leonce e Lena, da companhia cearense Teatro Máquina, com direção

de Fran Teixeira, faz uso de aplicativos disponibilizados para sistemas operacionais ios e/ou

Android os usando para controlar e executar em tempo real a sonoplastia do espetáculo com

auxilio de um iPad.

Posteriormente Pavis (2010) traça alguns marcos históricos e aponta possibilidades de

uso do vídeo no palco, propondo possíveis efeitos das mídias na percepção. Por fim, levanta

questões para analise das mídias na encenação: são as mídias identificáveis ou dissimuladas?

São as mídias produtos ao vivo ou vídeos pré-gravados? Qual a relação das mídias entre si?

Em que momento histórico da evolução das mídias situa-se a obra?

Outra referência é a pesquisadora francesa Beatrice Picon-Vallin (2006) que, em A

arte do teatro: entre tradição e vanguarda: Meyerhold e a cena contemporânea, desenvolve

Imagem 11 – Leonce e Lena Imagem 12 – Dona Flor e seus dois maridos

Foto Daniel Zimmermann

Foto Divulgação Foto Davi Lazaro

Page 43: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

42

um profícuo trabalho sobre o conceito de encenação. A partir das proposições de Vsevolod

Meyerhold, mapeia as ideias constitutivas da encenação teatral contemporânea. No livro

supracitado, a autora aborda questões relacionadas ao uso da imagem no teatro, a apropriação

de elementos estéticos do cinema pelo teatro e as relações entre texto, imagem e tecnologia.

Podemos referenciar também o italiano Enrico Pitozzi (2011), que pesquisa diversos

níveis de intervenção das tecnologias sobre a cena contemporânea. Defendendo a tese de uma

mudança na lógica da composição cênica mediada tecnologicamente, levando em conta a

intervenção sobre a percepção e o corpo do atuante, como também as intervenções do

dispositivo na dimensão sensorial e perceptiva do espectador. Para ele, o que ocorre é:

[...] uma redefinição do conceito de ação em favor da noção de situação,

sugerindo a passagem de um paradigma de representação para um de

transformação. Neste sentido, a composição é um modo para tornar

perceptível uma tensão entre o visível e o invisível, o material e o imaterial,

o audível e o inaudível, o corpóreo e o incorpóreo que organiza a cena

contemporânea tecnologicamente mediada como um verdadeiro e próprio

campo magnético. (PITOZZI, 2011, p. 91).

E para atingir tal proposição, a cena contemporânea se vale dos mais variados

recursos, incluindo dentre outros as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC‘s), que

possibilitam diversos níveis de intervenção, resultando dessas relações composições

intermidiáticas, onde mídias digitais dialogam com a mídia teatro.

No Brasil, temos como expoente na pesquisa sobre mediações e o uso de novos

suportes na cena, o encenador, performer e pesquisador Renato Cohen (2002; 2003; 2004;

2006) que, em sua produção, tem como tema recorrente os eventos intermídia, as narrativas

hipertextuais, performances na rede, web arte, novas arenas de representação, telepresença e

as possibilidades abertas pelo duplo virtual (Web/internet).

Na cena brasileira temos ainda a produção da pesquisadora Marta Isaacsson (2008;

2009; 2010), professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, que vem investigando as novas configurações da cena teatral a partir dos

avanços tecnológicos. Seus artigos levantam questões relacionadas aos reflexos da interação

dos novos dispositivos técnicos no fazer dos atores, uso de filmagens realizas ao vivo como

elemento da encenação, desafios postos aos atores nesse contexto, novas possibilidades da

escrita cênica e presença para além dos limites da corporalidade do ator.

Pode ser citado também Leonardo Foletto (2011), que inicialmente traça um breve

panorama da intersecção teatro/tecnologia e trata das mídias e a cultura digital no teatro,

Page 44: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

43

fundamentando seu argumento prioritariamente na proposição pós-dramática de Lehmann

(2007) e no manifesto binário escrito pelo grupo catalão La Fura dels Baus. Em seguida,

diversos pesquisadores, diretores e coletivos brasileiros são entrevistados, relatando

experimentos em que trabalham diretamente com as tecnologias em cena ou tangenciam a

temática.

Em busca realizada em bancos de dados de teses e dissertações nos programas de Pós-

Graduação em Artes Cênicas do país, foram elencados alguns autores que trabalharam

especificamente com esse eixo temático ou de forma que os tangenciam, como os citados

abaixo: VELOSO, Verônica Gonçalves. Jogos do Olhar - procedimentos cinematográficos

para a composição da cena teatral. 2008. 224 f. Dissertação (mestrado) - Escola de

Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, que trabalha com a

apropriação da linguagem cinematográfica transposta para a cena contemporânea; MISI,

Mirella. “Navegar é preciso”... interdisciplinaridade e interatividade na arte da cena

contemporânea. 2010. 156 f. Tese (doutorado) - Escola de Teatro, Universidade Federal da

Bahia, Salvador, 2010, que trata de questões estéticas e políticas na contemporaneidade,

partindo de uma revisão bibliográfica, para afirmar que os mecanismos tradicionais não são

mais pertinentes para uma crítica a arte; BARONE, Luciana Paula Castilho. O uso da imagem

tecnológica na narrativa cênica contemporânea. 2002. 213 f. Dissertação (mestrado) -

Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002, em que a ênfase

recai no uso de imagens de forma a ilustrar, complementar e auxiliar na narrativa cênica;

RAYMUNDO, Jaqueline Rodrigues de Souza. Teatro e software: entre processos de criação.

Dissertação de mestrado defendida no âmbito do PPGAC UNIRIO, dezembro de 2010, a qual,

até o presente momento não tive acesso. ARAÚJO, Rodolfo Gonçalves. Panorama da

teatralidade remidiada: uma reflexão a partir de Play on Earth. 2010. 199 f. Dissertação

(mestrado) - Mestrado em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, São Paulo, 2010, o autor traça um panorama das produções cênicas contemporâneas

que fazem uso das tecnologias da informação e da comunicação, tomando como base a série

Play on Earth e pautando-se no conceito de remidiação de Jay Bolter e Richard Grusin;

BARBOSA, Larissa Ferreira Regis. AMC: afecção mediada por computador em coletivos

performáticos desterritorializados. 2010. 161 f., Dissertação (Mestrado) - Pós-Graduação em

Artes, Universidade de Brasília, Brasília, 2010. Trabalho que aborda a constituição dos

coletivos performáticos em performação em telepresença em espaços desterritorializados;

SENRA, Fernando. Limites da imagem digital: estudo de obras. 2011. 129 f., Dissertação

(Mestrado) - Escola de Belas Artes da UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo

Page 45: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

44

Horizonte, 2011. Discutindo novas práticas artísticas que expandem conceitos e linguagem,

geradas pela tecnologia computacional e digital, a partir da análise de obras que constroem

sistemas interativos, de natureza fluida, em que passam a coexistir criador, obra e observador

em atuações complementares e sem determinação fixa; ROAT, Leonardo Amorim. As artes

cênicas em um mundo de carbono e silício: perspectivas de (re)significação dos elementos

cênicos constituintes na cena contemporânea a partir da incorporação da linguagem

audiovisual e da hipermídia. 2011. 101 f., Dissertação (mestrado) - Pós-Graduação em

Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2011. Estudo que

apresenta algumas considerações acerca de produtos estéticos nas artes cênicas

contemporânea, originados a partir da incorporação da linguagem audiovisual e da

hipermídia, buscando compreender as perspectivas de (re)significação de seus elementos

constituintes.

Contamos ainda com o Dossiê Cena e Tecnologia, publicado na revista Moringa -

Artes do Espetáculo, Vol. 2, No. 1, jan-jun/2011, do Departamento de Artes Cênicas da

UFPB, disponível no link: <http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/moringa/index>, que

conta com a publicação de pesquisadores e artistas convidados para o Conexão XXI Festival

Cênico e Simpósio Cena e Tecnologia, coletânea de artigos referentes a cena teatral e suas

diversas possibilidades de associações com as tecnologias. Recorremos também a autores que

propõe discussões que se relacionam com a proposta em questão.

Explorado alguns pressupostos e questões pertinentes à temática proposta, adentramos

no próximo capítulo em questões diretamente ligadas a composições cênicas mediadas

tecnologicamente.

Page 46: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

45

CAPÍTULO 2

CENA CONTEMPORÂNEA E TECNOLOGIAS DIGITAIS: NOTAS

PRELIMINARES

Antes, o futuro era apenas a continuação do presente e

avistavam-se transformações no horizonte. Mas agora o

futuro e o presente se fundiram.

(Andrei Tarkovsky)

2.1 O CONTÁGIO DA CENA CONTEMPORÂNEA PELAS TECNOLOGIAS DIGITAIS

O teatro, como as demais artes no Ocidente, se caracteriza pelo uso de recursos,

suportes e dispositivos pertencentes ao contexto da época à qual se encontra inserido.

Podemos observar esse fato pelo uso de recursos técnicos desde o teatro grego do séc. IV aC.,

quando os espetáculos faziam uso do expediente dramático conhecido como ―deus ex-

machina”, maquinismo teatral utilizado para introduzir personagens míticas ou divinas

subitamente nas encenações, dando-lhes um desfecho divino sobre as limitações humanas.

Na Idade Média, com os autos e milagres, observava-se, também, a recorrência à

ilusão cênica baseada em dispositivos como efeitos pirotécnicos e monstros cenográficos que

simulavam o inferno e o purgatório, estratégias criadas pela Igreja para evidenciar suas

características ideológicas nas peças pedagógicas cristãs. Já no Renascimento, com o

surgimento do palco à italiana, cuja arquitetura se pauta pela ocultação da maquinaria e

dispositivos cênicos, o projeto estético teatral de manutenção do ilusionismo cênico acentua o

ambiente de imersão, recorrendo à tecnologia da época para a manutenção dessa proposição

artística.

No século XIX surgiu a iluminação elétrica, inicialmente utilizada para acentuar o

ilusionismo das montagens naturalistas, possibilitando mais tarde experimentações que

revolucionariam o uso mimético da luz, como fez a dançarina americana Loïe Fuller, que

introduziu o uso de cores nas artes cênicas, redimensionando com seu uso o espaço cênico e

dando papel de protagonista à iluminação. A partir de 1890, as proposições cenográficas

simbolistas investiram na ruptura com o modelo de representação naturalista. Encontrando no

recurso técnico da iluminação possibilidades para novas experimentações, eles desligaram-se

Page 47: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

46

da preocupação com a ilusão e imitação naturalistas, buscando representações simbólicas do

inconsciente humano.

Sob forte influência de artistas como o suíço Adolphe Appia e o inglês Gordon Craig,

o simbolismo teatral na virada do século XIX para o século XX, buscou conceitos inovadores

e modificações estéticas a partir da iluminação. O teatro, a essa altura, já havia passado por

alguns fatores históricos que contribuíram para o advento do teatro de encenadores – que

considera a cena uma somatória dos elementos que a compõem – abrindo caminho para uma

visão menos hierarquizada dos elementos constituintes da cena, que ganhavam autonomia em

oposição ao legado de submissão ao texto que, por séculos, ocupou lugar de destaque no

teatro. Com a expansão ocidental dos meios de produção introduzidos pela revolução

industrial, iniciada pelos ingleses e reformatada pela criação das linhas de produção em série

de Henry Ford, nos EUA, surgiram novas estruturas sociais, que alteraram a dinâmica de

trabalho, interpessoal e consequentemente artística. Tais mecanismos impulsionaram a ruptura

e a emergência de paradigmas nas artes.

Para se produzir arte, sempre houve a utilização da técnica, pois essa se define como

um saber fazer, a destreza, a habilidade para se executar ou fazer algo, procedimentos que

podem ser aprendidos, desenvolvidos e criados. Até a revolução industrial, as técnicas

artísticas dominantes eram artesanais e só a partir de tal evento, com a criação da máquina

fotográfica, é que se tem o nascimento das artes tecnológicas, acabando-se dessa forma o

exclusivismo das técnicas artesanais. Segundo Santaella (2008, p. 152 - 153):

Enquanto a técnica é um saber fazer, cuja natureza intelectual se caracteriza

por habilidades que são introjetadas por um indivíduo, a tecnologia inclui a

técnica, mas avança além dela. Há tecnologia onde quer que um dispositivo,

aparelho ou máquina for capaz de encarnar, fora do corpo humano, um saber

técnico, um conhecimento científico acerca de habilidades técnicas

especificas. Nessa medida, a arte tecnológica se dá quando o artista produz

sua obra através da mediação de dispositivos maquínicos, dispositivos estes

que materializam um conhecimento cientifico, isto é, que já tem uma certa

inteligência corporificada neles mesmos.

Alguns conceitos são primordiais para o prosseguimento e compreensão da discussão

em questão e, partindo desse pressuposto, se faz necessário compreender o que se define por

virtual. Tomemos como base o conceito de virtual proposto por Pierre Lévy (1998), em que

aborda a virtualização sob três aspectos – filosófico, antropológico e sócio-político –,

afirmando que o virtual não se opõe ao real, mas ao atual. Considera que virtualidade e

Page 48: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

47

atualidade são apenas duas maneiras diferentes de ser. Sob a perspectiva do autor, o virtual

deve ser considerado como algo que existe em potência e não em ato:

Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o

complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha

uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que

chama um processo de resolução: a atualização (LÉVY, 1998, p. 16).

A atualização surgirá como a solução que não estava contida previamente no

enunciado do problema, e gera ―uma produção de qualidades novas, uma transformação de

ideias, um verdadeiro devir que alimenta de volta o virtual‖ (LÉVY, 1998, p. 17). Essa

transformação é a invenção de uma solução exigida por um ―complexo problemático‖. O atual

objetiva o virtual, situando-se no pólo do manifesto. O virtual, enquanto algo que existe em

potência, anuncia o devir e insere-se no domínio do latente.

É através do que denomina quatro modos de ser – possível/real e virtual/atual – que o

autor se propõe a desmistificar a oposição entre real e virtual, esses quatro conceitos existem

nos domínios do latente e do manifesto, o que remete para as noções de subjetividade e de

objetividade. O latente anuncia o devir, o manifesto situa-se na esfera da objetivação, da

concretização. Segundo Lévy (1998), o possível se caracteriza por ser um conjunto de

possibilidades pré-determinadas, a que falta existência. O processo de realização remete ao

conceito de possível, que se situa no âmbito do latente, já o real se apresenta como algo

concreto (a concretização) no polo do manifesto.

A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade

num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um

deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em

vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma ―solução‖), a

entidade passa a encontrar sua consistência essencial num campo

problemático. Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma

questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a

essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma

questão particular. (LÉVY, 1998, p. 17-18).

Para o autor a virtualização não é um fenômeno contemporâneo, pois considera que

antes do surgimento das novas tecnologias e dos dispositivos tecnológicos, já existiam vetores

de virtualização como a memória, a imaginação, a religião e o conhecimento.

As relações entre o Potencial, o Real, o Virtual e o Atual são explicitadas segundo o

quadro abaixo:

Page 49: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

48

Posto isso, é possível observar que o virtual não está associado apenas às tecnologias

digitais, sendo possível elencar exemplos relativos à virtualização no teatro mesmo antes do

surgimentos das mesmas, como: placas indicativas de lugares e/ou épocas remotas ou futuras;

a utilização de um coro ou narrador que nos transporte para um acontecimento ou local

deslocado do qual nos encontramos; a utilização de um rádio, telefone ou gravador, que irá

presentificar um individuo que se encontra deslocado do espaço cênico visível por meio do

fluxo sonoro que chega.

O teatro é per si uma arte híbrida, plurimidiática. Na atualidade, ocorre uma explosão

por meio de inúmeras experiências estéticas, em que a assimilação ou recusa de outras mídias

dá-se a partir de propostas diversificadas de encenação e, dessa forma, observa-se que com as

mídias digitais ocorre a mesma dinâmica, no qual alguns diretores, companhias e grupos se

apropriam de tais elementos tornando-os parte constituinte de suas encenações, agregando

e/ou ―profanando‖ (AGAMBEN, 2007) as possibilidades oferecidas pelas tecnologias

digitais.

Para tratar do contágio das artes pelas tecnologias digitais, utilizamos da divisão das

eras culturais proposta pela autora Lucia Santaella (2008) em seu livro Culturas e artes do

pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura, em seis tipos de formação não lineares,

nas quais na contemporaneidade todas coexistem e dialogam entre si, a saber: Cultura Oral,

Cultura Escrita, Cultura Impressa, Cultura de Massa, Cultura das Mídias, Cultura Digital ou

Cibercultura. Detivemo-nos nas duas últimas formações culturais.

Imagem 14 – As relações entre o Potencial, o Real, o Virtual e o Atual

LÉVY, 1998, p. 145

Page 50: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

49

Na era da cultura das mídias que se deu na década de 1980 com o surgimento de novas

máquinas, equipamentos e produtos midiáticos como fotocopiadoras, Walkman e

videocassete, que apresentam uma lógica distinta dos meios de massa característicos da era

industrial, pois geram um uso individualizado, no qual o sujeito opta pela programação

(música, filme, canal, etc.), desenvolveram-se novos processos comunicacionais.

Procedimento que a autora considera como ―cultura do disponível e do transitório‖.

Já a cultura digital ou cibercultura dá-se com a possibilidade aberta pelo computador

de converter as mais variadas informações – texto, som, imagem, vídeo – em uma linguagem

universal. Tal linguagem foi possível a partir da convergência das mídias, desenvolvimento da

multimídia que possibilitou converter vários campos midiáticos tradicionais, antes

incompatíveis por utilizarem suportes distintos, em um único formato, o digital, ―realizável

em qualquer tempo e espaço‖. Desde então, todos podem ser produtor, criador, compositor,

apresentador e difusor de seus trabalhos, tornando a cibercultura a cultura do acesso.

Através da digitalização e da compreensão de dados que ela permite, todas

as mídias podem ser traduzidas, manipuladas, armazenadas, reproduzidas e

distribuídas digitalmente produzindo o fenômeno que vem sendo chamado

convergência das mídias. Fenômeno ainda mais impressionante surge da

explosão no processo de distribuição e difusão da informação impulsionada

pela ligação da informática com as telecomunicações que redundou nas

redes de transmissão, acesso e troca de informações que hoje conectam todo

o globo na constituição de novas formas de socialização e de cultura que

vem sendo chamada de cultura digital ou cibercultura. (SANTAELLA, 2008,

p. 60).

Tais possibilidades impulsionaram o desenvolvimento das hiper-redes multimídias de

comunicação interpessoal as quais, por sua vez, por meio das misturas de meios tecnológicos,

como a informática e a teleinformática, junto à convergência das mídias, favoreceram a

hibridização das mais diversas ordens no campo artístico, no que se convencionou chamar

ciberarte.

Posto isso, propomos refletir como as tecnologias contribuem e alteram o modo de se

fazer arte e também a nossa percepção, vivência e relações com os outros e conosco, já que

com o advento das tecnologias surgem também novas possibilidades que irão pôr em xeque

conceitos relativos à presença, tempo, espaço, corpo. Isso, para alguns autores, gera a

realidade expandida que por consequência gera o que Cohen (2002) denominou nas artes

cênicas ―novas arenas de representação‖. Segundo o autor:

Page 51: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

50

A criação de novas arenas de representação com a entrada, onipresente, do

duplo virtual das redes telemáticas (WEB-Internet), amplifica o espectro da

performação e da investigação cênica com novas circuitações, navegação de

presenças e consciências na rede e criação de interiscrituras e textos

colaborativos. Com uma imersão em novos paradigmas de simulação e

conectividade, em detrimento da representação, a nova cena das redes, dos

lofts, dos espaços conectados, desconstrói os axiomas da linguagem teatro:

atuante, texto, público - ao vivo, num único espaço, instaurando o campo do

Pós-Teatro. A relação axiomática da cena: corpo-texto-audiência, enquanto

rito, totalização, implicando interações ao vivo é deslocada para eventos

intermediáticos onde a telepresença (on line) espacializa a recepção.

(COHEN, 2002, p. 01).

O teatro sempre se valeu de tais recursos, o que ocorre na contemporaneidade, dentro

desse atual contexto em que um turbilhão de informações e tecnologias digitais se atualiza em

uma velocidade vertiginosa, é uma ampliação dessas possibilidades, possibilidades essas que

irão questionar fatores determinantes na constituição normativa do ―elemento‖ teatro, a saber:

texto, atuante, espectador.

2.2 O FIO DE ARIADNE

A encenação, no sentido ao qual atribuímos o termo contemporaneamente, existe há

mais de cem anos e mudou de forma radical a nossa concepção do teatro, apresentando-se

como componente da história e evolução da peça, de seu sentido e apresentando-se como uma

via de compreensão.

[...] a encenação, pelo menos aquela consciente de si mesma, surgiu quando

parecia ser necessário mostrar no palco de que maneira o encenador poderia

indicar a forma de ler uma obra dramática, que se tornou muito complexa

para ser decifrada de maneira única, por um público homogêneo. A

encenação dizia respeito, nessa circunstancia, a uma obra literária, e não

importa a qual espetáculo visual. Ela surgiu num momento de crise da

linguagem e da representação, uma crise como tantas outras que o teatro

conheceu. (PAVIS, 2010, p. 45).

Na esteira das reivindicações feitas por Zola e paralelamente aos pressupostos

simbolistas situados no polo oposto ao naturalismo no teatro, como discutimos brevemente

antes, por se tratar de um assunto com vasta bibliografia, ocorreram dois fenômenos,

derivados da revolução tecnológica, como nos aponta Roubine (1998), que foram de suma

importância para o surgimento do encenador, a saber: o apagamento da noção de fronteiras e

distâncias; e a descoberta dos recursos da iluminação elétrica.

Page 52: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

51

Apesar dos precedentes históricos ligados ao próprio exercício da cena, seria

o caso de reservar o termo encenação, e mais ainda o encenador, para as

experiências cênicas a partir dos anos de 1880, visto que a era dos

encenadores não começou antes da crítica radical ao teatro feita por Zola ou

Antoine, da mesma maneira que não começou ―nem antes‖ da contra-

proposta do simbolismo [...]. (PAVIS, 2010, p. 02).

A junção do desejo de mudança, apontado pelos intelectuais do teatro, à revolução

tecnológica, que disponibilizava ferramentas técnicas para alavancar tal desejo, tornaram

viável a evolução do espetáculo teatral.

[...] pode-se constatar que a condenação das práticas dominantes da época

por alguns intelectuais do teatro não teria sido por si só suficiente, por mais

veemente que fosse, para fazer surgirem as transformações que viriam a

caracterizar o teatro moderno. Seria mais exato, sem dúvida, dizer que essas

transformações se concretizaram [...] graças a coexistência de um desejo de

ruptura e de uma possibilidade de mudança. Em outras palavras, as

condições para uma transformação da arte cênica achavam-se reunidas,

porque estavam reunidos, por um lado o instrumento intelectual (a recusa

das teorias e formulas superadas, bem como propostas concretas que

levavam a realização de outra coisa) e a ferramenta técnica que tornava

viável uma revolução desse alcance: a descoberta dos recursos da iluminação

elétrica. (ROUBINE, 1998, p. 21-22).

Se traçarmos tendências as quais o teatro se vinculou depois do surgimento da

encenação, observamos que tal evolução, percebida não como uma supressão de formas

antigas por novas, mas sim como um constante diálogo de influências recíprocas associadas

às possibilidades trazidas pela evolução tecnológica e a expansão de suportes, recursos e

dispositivos, constatamos que foram gestadas propostas estéticas que enfatizam elementos

diversos, a exemplo da iluminação, do espaço cênico, da emancipação da prática cênica em

relação ao texto e seu autor, a formação sistemática do ator, a autonomia da cena, o teatro

enquanto arma histórica e política, o teatro antropológico, o minimalismo, etc., proposições

que coexistem na contemporaneidade, dialogam e se aplicam de acordo com as propostas

estéticas e/ou políticas almejadas, e muitas vezes integram de forma híbrida um mesmo

espetáculo.

A encenação é, assim, uma representação feita sob a perspectiva de um

sistema de sentido, controlado por um encenador ou por um coletivo. É uma

noção abstrata e teórica, não concreta e empírica. É a regulagem do teatro

para as necessidades do teatro e do público. A encenação coloca o teatro em

prática, porém de acordo com um sistema implícito de organização de

sentido. (PAVIS, 2010, p. 03).

Page 53: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

52

Na contemporaneidade, as linhas que demarcam e rotulam as artes tornam-se cada vez

mais tênues, sendo difícil distinguir e enquadrar alguns fenômenos artísticos em rótulos pré-

existentes e bem definidos, as linguagens cada vez mais hibridas dialogam com áreas outras, a

exemplo das neurociências, ciências humanas, da robótica, da informática, dentre outras.

Muitas vezes ao sairmos de um espetáculo somos surpreendidos pela dúvida. O que acabamos

de assistir se tratava de um espetáculo de dança? De teatro? De uma performance? Por um

determinado momento nos sentimos participantes de uma instalação, seria isso? Enfim,

acreditamos não caber mais aos espectadores e aos críticos indagar-se sobre determinados

aspectos tentando enquadrá-los em ―caixinhas‖, precisamos conceber e fruir em uma

perspectiva que extrapola as noções de limite do teatro, dando lugar a uma ideia de polifonia.

O que é teatro? Como conceituá-lo? Existe uma única resposta ou, como o

concebemos e o percebemos, associa-se às nossas referências, aos nossos pré-conceitos? O

conhecimento teatral espirala dentro e fora do universo do fenômeno teatral, reconstituindo

tanto este universo como a si mesmo como uma parte integral deste processo. O discurso

teatral e os conceitos, teorias e descobertas das outras áreas de conhecimento continuamente

circulam dentro e fora daquilo de que tratam. Assim fazendo, eles reestruturam

reflexivamente7 seu objeto.

Pavis (2010, p. 54) ventila uma convergência epistemológica de encenação e

performance: ―A partir do último decênio do século XX, a tendência à aproximação de

encenação e performance aproximou-se‖.

O termo performance assume na contemporaneidade uma gama diversificada de

significações utilizadas para designar fenômenos variados na literatura, nas artes e nas

ciências sociais. Com a crescente utilização do termo em áreas distintas, surge também uma

riqueza conceitual, que gera nuances semânticas por meio de uma dialética/dialógica acerca

da conceituação do termo performance. Carlson (2009) aponta que, na contemporaneidade as

manifestações performáticas se apresentam, tanto na teoria quanto na prática, de formas

variadas e em grande quantidade, sendo praticamente impossível um completo mapeamento

delas. Distinguindo dois conceitos possíveis de performance:

[...] um envolvendo a exibição de habilidades, e outro também abrangendo

exibição, mas menos de habilidades do que de modelo de comportamento

7 ―[...] consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de

informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter‖.

(GIDDENS, 1991, p. 45).

Page 54: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

53

reconhecido e codificado culturalmente8. Um terceiro conjunto de usos do

termo nos leva a uma direção diferente [...] a ênfase não está na exibição de

habilidades (embora isso possa estar presente) ou na execução de um

determinado modelo de comportamento, mas no sucesso da atividade, tendo

em vista algum padrão de realização que não precisa estar articulado com

precisão. Talvez seja mais significativo que a tarefa de julgar o sucesso do

performer (ou mesmo de julgar se é uma performance), nesses caos, não é de

responsabilidade do performer, mas do observador. (CARLSON, 2009, p.

15).

Como nos apresentam, respectivamente, Glusberg (1987) e Carlson (2009) vários

eventos ligados a acontecimentos vanguardistas influenciaram e foram importantes para a

consolidação da arte de performance, como: Dadaísmo, Surrealismo, Futurismo, happening,

body art, Fluxus.

É inquestionavelmente correto traçar uma relação entre a arte de

performance muito mais moderna e a tradição de vanguarda da arte e do

teatro do século 20, já que muito da arte de performance tem sido criada e

continua a operar dentro daquele contexto. Mas, concentrar-se ampla e

exclusivamente no aspecto vanguardista da arte de performance moderna,

como muitos escritores o fizeram, pode limitar a compreensão tanto do

funcionamento social dessa arte hoje como do modo como ela se relaciona a

outra atividade performativa do passado. (CARLSON, 2009, p. 94).

Apesar disso, Carlson (2009) nos alerta para a necessidade de relacionarmos a

performance moderna com atividades de performance mais antigas, fenômenos esses que não

estão dissociadas de ações performativas, mas que levam em conta não ―as limitações de

formas artísticas existentes‖ (CARLSON, 2009, p. 95) ou ainda como muitas propostas da

performance ―a presença física‖, mas sim uma ―[...] presença para o artista na sociedade, uma

presença que pode ser esotérica, xamanística, instrutiva, provocativa ou de entretenimento‖.

Apontando assim, outra forma de apreender a evolução da arte performática, levando em

conta atividades de entretenimento ou arte, produzidas conscientemente para uma audiência

em contextos históricos distintos, a exemplo de músicos, mímicos, acrobatas no período

clássico; ou, trovadores, poetas, menestréis, charlatões e os jograis da Idade Média; como

8 Esse tipo de performance constitui o que Richard Schechner define como ―comportamento

restaurado‖. Segundo Carlson (2009, p. 14), ―[...] título sob o qual ele agrupa ações conscientemente

separadas da pessoa que as executa – teatro ou outros ‗papeis lúdicos‘, transes, xamanismo, rituais. O

conceito utilitário de ‗comportamento restaurado‘ de Schechner aponta para uma qualidade da

performance não envolvida com a exibição de habilidade, mas sim com uma certa distância entre o

self e o comportamento, análogo àquele que existe entre um ator e o papel que ele encena no palco.

Mesmo se uma ação é idêntica à outra na vida real, no palco, ela é considerada ‗performada‘ e, fora do

palco, apenas ‗realizada‘‖.

Page 55: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

54

também os músicos ambulantes das feiras medievais e renascentistas; e ainda, o circo, o

vaudeville, os shows de variedades, os music halls e os cabarés ao longo do século XIX,

dentre outros.

É importante evidenciar, como nos aponta Glusberg (1987, p. 42-43), que a

performance surge como um gênero mais amplo que agrupa diversas propostas que tinham

como denominador comum ―[...] desfetichizar o corpo humano – eliminando toda exaltação à

beleza a que ele foi elevado durante séculos pela literatura, pintura e escultura – para trazê-lo

à sua verdadeira função: a de instrumento do homem, do qual, por sua vez, depende o

homem.‖ Porém, vai além, pois apresenta-se como uma prática que:

[...] Apesar de utilizar o corpo como matéria-prima, não se reduz somente à

exploração de suas capacidades, incorporando também outros aspectos, tanto

individuais quanto sociais, vinculados com o princípio básico de transformar

o artista na sua própria obra, ou, melhor ainda, em sujeito e obra de sua arte.

(GLUSBERG, 1987, p. 43).

A encenação contemporânea trabalha com elementos que tangenciam o panorama

epistemológico da performance – sua trajetória evolutiva, seus paradigmas estruturais, suas

variações semânticas e suas relações com a sociedade – promovendo um diálogo e uma

contaminação mútua entre objetos estéticos instáveis, fluídos, que retratam e refletem o

momento social ao qual nos encontramos inseridos. Tal fenômeno é descrito por Bauman

(2001) através da metáfora da fluidez9, que é a qualidade dos líquidos e gases, que sofrem

mudanças constantes ao serem submetidos a tensões.

[...] a performance theory e a renovação da prática teatral revelam-nos as

noções outrora incompatíveis de performance e encenação. Esta

aproximação é tão marcada que seria preciso quase que criar palavras

híbridas, como, mise-en-perf ou performise. O diagnóstico desta

contaminação é simples: não saberíamos, no momento, criar uma encenação

sem a reflexão da performance theory, nem uma performance sem a

9 ―O que todas essas características dos fluidos mostram, em linguagem simples, é que os líquidos,

diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não

fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas

neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu

fluxo ou o tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente

prontos (e propensos) a mudá-las; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que

lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas ―por um momento‖. Em certo sentido, os

sólidos suprimem o tempo; para o líquidos, ao contrário, o tempo é o que importa. Ao descrever os

sólidos, podemos ignorar inteiramente o tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria

um grave erro. Descrições de líquidos são fotos instantâneas, que precisam ser datadas‖. (BAUMAN,

2001, p. 08).

Page 56: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

55

possibilidade de se fazer uma análise semiológica e fenomenológica.

(PAVIS, 2010, p. 60).

A Encenação, outrora fechada em seus mecanismos de regulagem voltados para

transposição e ilustração do texto, flerta atualmente com traços estilísticos atribuídos

inicialmente à performance, buscando dessa forma não uma substituição do termo, mas uma

complementação. Na contemporaneidade, devido ao hibridismo e confluência das diversas

artes, a noção de encenação se expande enriquecendo-a e diversificando-a, o que nos obriga,

como propõe Pavis (2010, p. 390) ―a repensar o mecanismo de regulagem que preside a

criação estética desse objeto chamado encenação‖.

Retomando a hipótese da arte como ponto de convergência para se pensar as mutações

em âmbito social e cultural, sugerimos que essas possibilidades preconizadas pela encenação,

sua evolução contínua, seu diálogo com as demais áreas artísticas e do conhecimento,

possibilitaram as experiências relativamente recentes do teatro com as tecnologias digitais.

2.3 INTERSECÇÃO TEATRO TECNOLOGIAS DIGITAIS: (RE)CONFIGURAÇÃO DE

ELEMENTOS NARRATIVOS

Ao partirmos do pressuposto de que os elementos que compõem a cena, a saber: o

ator, a voz, a música, o ritmo, o espaço, o tempo, a ação, o figurino, a maquiagem, o objeto, a

iluminação, o olfato, o tato, o paladar e o texto; são regulados e organizados na perspectiva da

construção de uma narrativa que pode se apresentar de forma multissequencial e multiforme10

ou não-sequencial. Pretende-se uma discussão que leva em conta a convergência das mídias

associada ao surgimento da internet e da Word Wide Web, e suas possibilidades na

construção de narrativas mediadas tecnologicamente. Segundo Murray (2003, p. 09):

[...] A narrativa é um de nossos mecanismos cognitivos primários para a

compreensão do mundo. É também um dos modos fundamentais pelos quais

construímos comunidades, desde a tribo agrupada em volta da fogueira até a

10

Termo utilizado por Murray (2003, p.10) em substituição ao termo não-linear como forma de

compreensão dos novos formatos narrativos. Segundo a autora, ―[...] histórias multissequenciais

proporcionam ao interator a habilidade de navegar por um arranjo fixo de eventos de diferentes

maneiras, todas elas bem definidas e significativas. O sentido mais profundo da obra emerge da

compreensão desses caminhos entrecruzados, como na narrativa de um caso amoroso contado a partir

de dois pontos de vista que se encontram. Uma história multiforme é aquela na qual múltiplas versões

podem ser geradas a partir da mesma representação fundamental, como num jogo que pode ser

repetido de modos diversos, [...]. Histórias multiformes podem ajudar-nos a perceber causas

complexas de acontecimentos complexos, assim como a imaginar diferentes desfechos para uma

mesma situação‖.

Page 57: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

56

comunidade global reunida diante do aparelho de televisão. Nós contamos

uns aos outros histórias de heroísmo, traição, amor, ódio, perda, triunfo. Nós

nos compreendemos mutuamente através dessas histórias, e muitas vezes

vivemos ou morremos pela força que elas possuem.

Diante desse caleidoscópio de possibilidades, das quais a arte em suas variadas

linguagens vem se apropriando, surgem trabalhos produzidos em um meio fluido que

atravessa um turbilhão de mudanças técnicas/tecnológicas rapidamente. Tendo suas raízes no

século XX, o questionamento as tradições artísticas, como também a natureza experimental,

ganha um novo impulso com os novos meios tecnológicos, que irão expressar novas

possibilidades de significação e percepção de tempo e espaço, explorando-o ou subvertendo-

o, movimento iniciado por invenções não artísticas, a exemplo da fotografia e posteriormente

do filme, que serviram de subsídio para experimentações artísticas, sendo o embrião da arte e

tecnologia.

Na atualidade, a diversificação e multiplicação de meios tecnológicos de produção e

difusão – outrora representados por meios com mídias incompatíveis entre si, a exemplo da

fotografia, do cinema, do telefone, do rádio, da TV, do vídeo e do som – alia-se, devido a

convergência das mídias, as possibilidades abertas pelas ―[...] atuais interfaces

computacionais com seus fluxos ininterruptos de linguagem hipermídia, junto com a realidade

virtual, aumentada, mista e a transmídia‖. (SANTAELLA, 2012, p. 61).

O computador ligado em rede atua como um telefone, ao oferecer a

comunicação pessoa-a-pessoa em tempo real; como uma televisão, ao

transmitir filmes; um auditório, ao reunir grupos para palestras e discussões;

uma biblioteca, ao oferecer grande número de textos de referência; um

museu, em sua ordenada apresentação de informações visuais; como um

quadro de avisos, um aparelho de rádio, um tabuleiro de jogos e, até mesmo,

como um manuscrito, ao reinventar os rolos de textos dos pergaminhos.

Todas as principais formas de representação dos primeiros 5 mil anos da

história humana já foram traduzidos para o formato digital. Não há nada

criado pelo homem que não possa ser representado nesse ambiente

multiforme: das pinturas no interior das cavernas de Lascaux às fotografias

de Júpiter feitas em tempo real; dos pergaminhos do Mar Morto ao primeiro

exemplar de Shakespeare; das maquetes de templos gregos pelas quais se

pode passear aos primeiros filmes de Edison. E o reino digital assimila, o

tempo todo, mais capacidades de representação, à medida que pesquisadores

tentam construir dentro dele uma realidade virtual tão densa e tão rica quanto

a própria realidade. (MURRAY, 2003, p. 41).

Após essa breve contextualização, exploramos nos subitens abaixo possibilidades de

conceituação e percepção na contemporaneidade acerca do ator, do espaço cênico e do

espectador.

Page 58: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

57

2.3.1 Ator (corpo/presenças)

Nesta sessão discutimos as relações do corpo na era pós-biológica e possíveis

presenças. É possível observar como desdobramentos de pesquisas desenvolvidas em outras

áreas do conhecimento acabam influenciando e instigando novos processos artísticos,

podendo citar como exemplo o teatro que faz uso das mídias, as artes performáticas, a arte

cibernética, dentre outras, que se utilizam dos avanços tecnológicos nas áreas da

biotecnologia, da robótica, engenharia molecular, nanotecnologia e tecnologias

computacionais, pautando e se valendo da ciência em seus experimentos e criações artísticas

que, se relacionam e tangenciam discussões contemporâneas referentes ao pós-humano;

propondo reflexões e questionando que corpo é esse? Como se porta esse corpo alterado,

reconfigurado, esquadrinhado, remodelado, plugado?

Na contemporaneidade quais as perspectivas em relação ao corpo? Como se porta o

corpo do ator tendo a mídia que se interpõe? De que forma se apresenta esse corpo na cena

contemporânea? Essas e outras questões têm se tornado uma constante em vários trabalhos

artísticos, já que o corpo sempre foi requisitado nas artes, em determinados momentos com

maior ou menor intensidade.

Com o advento das ―novas tecnologias‖ tem-se tornado corriqueiro discussões acerca

do futuro do humano, discussões essas antes abordadas apenas pela ficção científica, que

especulava de que forma o humano se configuraria no futuro. Esse gênero literário

considerado por muitos como inferior, tem adquirido na contemporaneidade a expressão de

uma realidade potencial que transita como ficção da ciência e ciência da ficção. Estudiosos

acreditam que essa projeção no futuro está presente dentro e fora dos seres humanos,

tornando-se parte da nossa realidade e auxiliando a reconfigurá-la em relação à sua percepção.

Laymert Garcia dos Santos (2008, p. 45) ao citar Bracolly, nos propõe que ―a projeção

no futuro, outrora o território do escritor de ficção científica, se transformou na modalidade

dominante de pensamento. Esta é a influência da ficção científica no pensamento moderno‖.

Para buscar compreender melhor de que forma os avanços tecnológicos proporcionam

a maquinação do homem e a humanização da máquina, provocando transformações no fazer

artístico, traçamos um breve panorama acerca da mutação em relação ao futuro do humano

para, em um segundo momento, adentrarmos na questão teatral em si.

Para que pudéssemos tratar do pós-humano, utilizamos dois filmes do gênero

supracitado, das décadas de 1980 e 1990, nos quais o futuro do humano é abordado por vias

distintas. O primeiro é Blade Runner, o caçador de andróides, de 1982, dirigido por Ridley

Page 59: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

58

Scott. O filme apresenta uma visão do pós-humano por via da singularidade tecnológica –

teoria que defende que um evento histórico previsto para o futuro forçará a humanidade a

atravessar um vertiginoso avanço tecnológico em um curtíssimo espaço de tempo. Seus

defensores argumentam que a aceleração das descobertas científicas ocorridas em diversas

áreas do pensamento, como a informática, astronomia, nanotecnologia e biotecnologia, irá nos

forçar a vivenciar esse momento num possível futuro imediato. Essa via é mais radical, pois

entende o pós-humano como uma superação do humano pela máquina, tornando o humano

como o concebemos atualmente obsoleto.

O segundo filme é Gattaca, A Experiência Genética, de 1997, dirigido por Andrew

Niccol. O filme apresenta uma visão do pós-humano por via da transformação biotecnológica

ou biogenética – que prevê o aperfeiçoamento da espécie humana via seleção genética e

controle da reprodução, criando-se a possibilidade da abertura de uma segunda linha de

evolução do humano por meio de sua transformação genética. Os teóricos consideram essa

segunda via menos radical que a primeira, pois não ocorreria a obsolescência do humano, e

sim o aperfeiçoamento da espécie.

Para tal proposição precisamos definir, mesmo que grosso modo, o conceito de

humano mais adequado para nossa discussão. Tomamos o conceito proposto por Nietzsche, o

humano não mais atrelado ao ir além na relação com o transcendente sobrenatural, ou seja,

com Deus. Segundo Tugendhat (2002, p. 48):

O conceito do transcender humano, do ir além, adquire um sentido mais

amplo. O conceito básico é agora o de estar dirigido a um sentido da vida e o

fato de que este sentido consista em algo supra-sensível é só um conteúdo

entre outros. Nietzsche estava convencido de que o homem necessita para

viver de um sentido da vida e, por isso, viu a sua tarefa numa reavaliação dos

valores, segundo a qual os homens deveriam ver o sentido da vida na própria

vida. Ao invés de obedecer aos valores dados (valores supra-sensíveis), o

homem cria seus valores. Isso significa que a transcendência para o sentido

da vida voltar-se-ia para o interior do próprio homem. Poder-se-ia, então,

falar de uma transcendência imanente, quer dizer, de um ir além que

precisamente não seria um ir a algo além do natural, mas um ir além do ser

do homem.

A palavra singularidade é utilizada na astrofísica para designar o espaço interno dos

buracos negros, local esse onde todas as leis que regem a matéria entram em colapso. Já o

termo singularidade tecnológica foi cunhado pelo escritor de ficção científica Venor Vinge,

que se inspirou no sentido dado por John Von Neumann, na década de 1950, para designar o

ponto de mutação criado pela aceleração tecnológica e as transformações radicais decorrentes

Page 60: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

59

desse processo, fazendo-se necessário que nossos velhos modelos fossem descartados. Essa

corrente ganhou visibilidade em 1993, quando Venor Vinge publicou um artigo acadêmico

intitulado The Technological Singularity, no qual argumentava: ―estamos no limiar de uma

mudança comparável ao surgimento da vida humana na terra. A causa precisa dessa mudança

é a iminente criação pela tecnologia de entidades com inteligência superior à humana‖

(VINGE apud SANTOS, 2008, p. 50).

Pertence a via da singularidade tecnológica, a aposta que é feita na inteligência

artificial e no desenvolvimento tecnológico que acarretaria a abertura de um outro tipo de

evolução, que viria com os robôs. Para Santos (2008, p. 51), ao apropriar-se da expressão,

Vinge a vincula à inteligência sobre-humana, que para ele, é a essência da singularidade:

E foi ainda Vinge quem estabeleceu uma analogia entre esse acontecimento

e o surgimento do homem na perspectiva da evolução das espécies, ao

afirmar que estávamos entrando num regime tão radicalmente diferente de

nosso passado humano quanto foi o dos homens com relação aos animais

inferiores. Assim, tal analogia, ao mesmo tempo em que anunciava a

―superação‖ da espécie, consagrava o advento da era pós-humana.

Venor Vinge (apud SANTOS, 2008, p. 51) considera que a singularidade tecnológica

será inevitável, porém, argumenta que ela poderá se efetivar de uma forma não tão radical

como aquela que prevê ―a superação da espécie superior por uma outra ainda mais superior,

porque mais inteligente, que aconteceria por meio da Inteligência Artificial‖; o caminho por

ele apontado prevê a ampliação da inteligência por meio da intensificação da relação homem-

computador, ―de tal modo que a ênfase não recaísse nas máquinas, mas no acoplamento‖

(SANTOS, 2008, p. 51-52).

Por terem tornado-se recorrentes, os estudos e especulações acerca do futuro do

humano levaram diversos autores a retomarem ideias e argumentos já existentes no campo das

―novas tecnologias‖, como é o caso do inventor Ray Kurzweil, autor do livro A era das

máquinas espirituais, para ele:

O termo singularidade adquire uma nova inflexão no sentido de naturalizar

uma estratégia de aceleração que é sociotecnopolítica, isto é, de transformá-

la numa lei da natureza. Com efeito, assim como Vinge modificara o sentido

de Singularidade de Von Neumann, estabelecendo uma analogia entre o que

estava por vir e o surgimento da espécie humana, agora Kurzweil se apropria

da expressão de Vinge para explicar, retrospectivamente, toda a cosmologia

e toda a teoria da evolução. Assim, toda a evolução do universo é lida sob a

ótica de uma aceleração que vai desembocar na criação, por seres

inteligentes, de seres mais inteligentes do que eles. (SANTOS, 2008, p. 52).

Page 61: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

60

Kurzweil (apud SANTOS, 2008, p. 52) especula que a emergência de uma inteligência

que possa competir e/ou vir a superar a inteligência que a criou será ―[...] um

desenvolvimento de maior importância do que a criação da inteligência que a criou, e terá

profundas implicações em todos os aspectos do esforço humano, incluindo a natureza do

trabalho, o aprendizado humano, os governos, a guerra, as artes e nosso conceito de nós

mesmos‖. O autor aposta na aceleração tecnológica como fator de superação do humano,

pautando sua hipótese na convergência de três revoluções tecnológicas, a saber: a

biotecnologia, nanotecnologia e robótica, todas essas ―[...] baseadas na cibernetização da

ciência e nas tecnologias da informação digital e/ou genética.‖ (SANTOS, 2008, p. 53).

Vinge identificou a singularidade tecnológica como sendo o ponto fulcral das

mudanças culturais decorrentes do avanço exponencial da tecnologia. Já Kurzweil amplia o

conceito de singularidade tecnológica quando o identifica como o ponto de fusão total entre

matéria e inteligência híbrida. Segundo Lemos (2008, p. 03):

Originalmente, o conceito de Singularidade tecnológica evoca o efeito de

percepção que brota no homem a partir da tecnologia, não se referindo a uma

mudança na realidade em si mesma, mas apenas na percepção humana da

realidade. Kurzweil foi o responsável pela expansão do conceito de

Singularidade tecnológica para abarcar mudanças que se efetuam não apenas

na relação entre percepção humana e realidade, mas, fundamentalmente, na

própria estrutura da realidade física e social.

[...] assim como um buraco negro no espaço sideral altera dramaticamente os

padrões de matéria e energia que se aceleram em direção ao seu horizonte de

eventos, a Singularidade tecnológica que se aproxima futuramente está

progressivamente transformando cada instituição e aspecto da vida humana.

Retomando a ideia de ilustrar essa perspectiva do pós-humano e da singularidade

tecnológica, gostariamos de apontar que esse é o tema central do filme Blade Runner, que já

na tela de abertura traz uma apresentação da problemática que norteia a trama: ―No início do

século XXI a Tyrel Corporation criou os robôs da série Nexus, virtualmente idênticos aos

seres humanos. Eram chamados de replicantes. Os replicantes Nexus 6 eram mais ágeis e

fortes e no mínimo tão inteligentes quanto os engenheiros genéticos que os criaram. Eles eram

usados fora da terra como escravos em tarefas perigosas da colonização planetária. Após

motim sangrento de um grupo de Nexus 6, os replicantes foram declarados ilegais, sob pena

de morte. Policiais especiais, os blade runners, tinham ordens de atirar para matar qualquer

replicante. Isto não era chamado execução, mas sim ‗aposentadoria‘.‖ Em seguida é indicado

o ano (2019) e local (Los Angeles – EUA), onde se passa a trama.

Page 62: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

61

É nítido no filme que, com os avanços tecnológicos, tornou-se possível a criação de

máquinas humanizadas (na ficção, fabricadas pela Tyrell Corporation sob a alcunha de serem

"mais humanos que os humanos"). Os modelos Nexus-6, apesar de serem mais ágeis, fortes e

inteligentes que qualquer ser humano, possuem apenas quatro anos de vida, o que os leva a

buscar o seu criador para prolongar este tempo de vida e memória.

Em Blade Runner, os replicantes, embora não sejam do gênero humano, mas sim

objetos técnicos complexos, produtos do trabalho humano, da evolução tecnológica, da

engenharia genética e de seus avanços fantásticos, reivindicam um atributo elementar da

hominidade: tempo de vida. É claro que a oposição entre potencialidades de desenvolvimento

e tempo de vida é dilacerante. A busca por mais tempo fomenta uma estranha obsessão. Tyrel

(dono da corporação que fabrica os andróides Nexus-6) reconhece tal dilema dos replicantes

quando diz a Deckard (um caçador de andróides): ―[...] eles são emocionalmente

inexperientes, têm poucos anos para coletar experiências que nós achamos corriqueiras.

Fornecendo a eles um passado criamos um amortecedor para sua emoção e os controlamos

melhor.‖

Para o sociólogo português e professor do St. Antony‘s College, de Oxford, Hermínio

Martins (apud SANTOS, 2008, p. 55), o conhecimento científico pretende realizar o desejo

secreto de romper definitivamente com o passado animal do humano e promover a superação

de seus limites, tidos como limitações, por meio da tecnociência, que permitirá ―a um ser

desanimalizado e desumanizado assumir inteiramente a condução da seleção natural e

substituí-la por uma não-natural‖. Segundo Giovanni Alves11

: ―Blade Runner é uma pequena

odisséia de homens e mulheres, humanos e pós-humanos, em busca da sua identidade

perdida‖.

No filme se efetiva a superação do humano pela máquina, que ocorre na perspectiva

da singularidade tecnológica, que ―postula que a criação de uma inteligência que supere a

humana é possível e desejável; mais ainda, defende que esse tipo de super-inteligência

poderia possuir qualidades morais, sendo mais constante na sua atitude moral do que o ser

humano. Tudo dependeria da programação‖ (ALVES, 2008, p. 59).

Em entrevista concedida ao grupo de pesquisa Conhecimento, Tecnologia e Mercado

(CteMe) em 2005, Laymert Garcia dos Santos afirma que:

11

Coordenador-geral do projeto de extensão Tela Crítica - Trabalho, Técnica e Estranhamento - da

UNESP Universidade Estadual Paulista - Campus de Marília. Disponível em:

<http://www.telacritica.org/BladeRunner.htm>. Último acesso em: 09 fev. 2010.

Page 63: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

62

Essa é uma via radical e otimista, pois acha que, se seu corpo é um hardware

falho e ultrapassado, você pode fazer um download de sua mente num corpo

que seja melhor. Mas a obsolescência do corpo estaria se dando aos poucos,

e não de uma só vez. Ela ocorre, por um lado, através de uma necessidade

aparentemente crescente de modificar o organismo mediante a incorporação

de próteses para lidar com a velocidade da transformação; e, por outro,

através da formulação de uma ―exigência‖ cada vez maior de que o homem

precisa poder viver em ambientes que não são o seu habitat natural — como

as viagens espaciais. Alguns cosmólogos, por exemplo, chegam a pensar que

a vida inteligente precisa continuar no espaço, caso uma catástrofe elimine

todas as condições de sobrevivência da espécie humana na terra, tentando

antecipar este fim. (SANTOS, 2005, p. 164).

Já no filme Gattaca, A Experiência Genética, de 1997, dirigido por Andrew Niccol, é

apresentada uma visão do pós-humano por via da transformação biotecnológica ou

biogenética, que inaugura aquilo que alguns estão chamando de um novo tipo de eugenia.

Esse aperfeiçoamento da espécie via seleção genética pode se dar de forma negativa e

positiva. Na eugenia negativa ocorreria a eliminação dos considerados ―humanos com

deficiências‖ para purificação da raça, como entre os espartanos. Já na eugenia positiva o

patrimônio genético é melhorado através de transformações nas células germinativas que, no

decorrer de muitas gerações, dariam origem a uma segunda linha de evolução do humano. Tal

alternativa é considerada, por muitos críticos, como um problema tanto ético quanto político,

que necessita de discussão e limites, pois preconiza a desconstrução da natureza humana.

Gattaca conta a história de dois irmãos, um concebido da maneira natural (taxado

oficialmente de inválido) e o outro manipulado geneticamente. O inválido possui várias

doenças genéticas e, ao ter seu DNA examinado quando nasce já tem uma data prevista para

sua morte. Contudo, o garoto sonha em viajar ao espaço – função impensável para alguém

com seus problemas – e vai buscar todas as maneiras possíveis para superar suas limitações,

ao mesmo tempo em que tem que esconder de todos a sua condição. Vincent Freeman, o

protagonista da trama, nasceu do amor de seus pais sem preparos genéticos. Tem, desde

pequeno, o desejo de ser um astronauta, mas tem em seu código genético predisposições a

doenças que não lhe permitem nada melhor em vida que o emprego de faxineiro no

laboratório espacial. Consegue, porém, um lugar de destaque em uma corporação (Gattaca),

escondendo sua identidade genética verdadeira. Tudo segue perfeitamente, com muito

esforço, até que um assassinato em seu emprego põe sua verdadeira identidade em risco,

podendo expor seu passado.

No futuro seria gritante a dicotomia entre os que evoluem de acordo com a

transformação genética e a seleção natural. Essa grande diferença é o fio condutor da trama de

Page 64: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

63

Gattaca, que se passa em um futuro não muito distante, em que a manipulação genética

fomenta uma nova espécie de (pré)conceito e hierarquia racial, estando a sociedade dividida

em duas ―classes sociais‖: os válidos, ―filhos da Ciência‖, produtos da engenharia genética e

da eugenia social, e os inválidos, ―filhos de Deus, filhos do amor‖, submetidos ao acaso da

natureza e às impurezas genéticas. Para Hermínio Martins (apud SANTOS, 2008, p. 55) é

possível perceber:

[...] com clareza a existência no interior da tecnociência de dois programas

distintos, que vêm se desenvolvendo paralelamente: o projeto de aceleração-

para-a-Singularidade e o projeto da reprogenética, ancorado na engenharia

genética e na genômica – o primeiro como a expressão de uma vontade de

superar o humano, o segundo, de uma vontade de ampliar ilimitadamente os

poderes naturais do homem.

Há ainda uma terceira vertente para a configuração do futuro do humano. Essa linha

de pensamento ―considera que essas duas linhas constroem, ao lado da aceleração

tecnocientífica e econômica, uma espécie de grande narrativa da obsolescência do humano e

do futuro pós-humano. O capitalismo e a tecnociência estão apresentando a obsolescência e a

passagem para o pós-humano dessa maneira‖ (SANTOS, 2005, p.165).

Santos (2005) nos propõe pensar em outros termos; levando em consideração não a

técnica, mas sim as máquinas, ou seja, as maquinações. Diante dessa proposta em que ocorre

uma interação do humano com as máquinas, e não apenas sua superação, levanta questões

como:

Em que medida os humanos são maquinados também, em que medida eles

pertencem ao mesmo terreno do pré-individual, quais relações existem entre

o humano e o não-humano, no sentido do animal, no sentido da máquina?

Que tipo de transformações ainda poderiam ser atualizadas no humano?

Partimos, portanto, do pressuposto de que não há obsolescência do humano.

Existe muita virtualidade, nem se sabe quanta, e nem é o caso de quantificar.

Supor que o humano está obsoleto é fechar uma possibilidade aberta para

construir a via que a tecnociência e o capital querem colocar para nós. Então

esse é um problema político. Essa linha — representada por Ansell Pearson,

Brian Massumi, gente inspirada em Deleuze e Guattari, o pessoal que pensa

a biopolítica em termos foucaultianos — até usa uma outra palavra para se

referir à questão do pós-humano. Eles falam em ―transumano‖, porque

pensam essa questão tomando como referência o ―para além do humano‖ de

Nietzsche, que não significa a morte do ―homem‖, mas a morte do

―Homem‖ consagrado pelo humanismo e pelo Iluminismo. (SANTOS, 2005,

p. 165).

Page 65: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

64

Com a virada cibernética e a aceleração tecnocientífica em curso, o humano se

reconfigura, não só em relação ao eu, mas também em relação ao coletivo, o social,

provocando reajustamentos e refuncionalizações como forma de tentativas em relação ao vir a

ser tecnológico do mundo, que culmina com o pressuposto de que o ser humano já está

inserido em uma era pós-biológica, pós-humana. Essas inquietações, geradas a partir da

aceleração tecnocientífica desencadeiam questionamentos e perspectivas relativas ao ser

humano na contemporaneidade, onde ocorre a fusão entre matéria (biológica) e inteligência

híbrida (artificial). Temos que pensar em que medida a maquinação faz parte do humano,

pois:

Apesar das diferenças, existem pontos de contato ou níveis de

correspondência grandes entre nossa maneira de individuar e o processo de

individuação das máquinas. Por exemplo: a máquina é, digamos,

pensamento congelado, matéria concretizada. Ela já tem o humano

embutido. E nós, por outro lado, também temos muito de maquínico, pelo

tipo de agenciamento que fazemos em nossa relação com o lado de fora. Por

esse motivo, pensar a questão em termos de oposição é muito ruim: ou se

antropomorfiza a máquina, ou se mecaniza o humano. [...] Em outros

termos: de que maneira, ao nos individuarmos, atualizamos uma potência

virtual com as máquinas, que então também atualizam virtualidades que

pertenciam ao terreno do pré-individual. [...] A maquinação faz parte do

humano. Maquinação é agenciamento, ou agenciamentos moleculares a

partir desse terreno pré-individual onde nos encontramos com as máquinas,

assim como com os animais e o inanimado. (SANTOS, 2005, p. 166).

Definido, então, a que conceito de pós-humano nos referimos – o humano relacionado

com o ir além do próprio homem –, como também a vertente do pós-humano adotada, a saber,

a terceira via – que prevê um híbrido entre a singularidade tecnológica e a transformação

biotecnológica ou biogenética, como nos propõe Santos (2008), por meio das maquinações,

onde ocorre uma interação do humano com as máquinas, e não apenas sua superação,

adentraremos nas questões relativas a intersecção corpo do ator/tecnologia e as mutações

possíveis nesse corpo.

A aceleração tecnológica tem promovido na contemporaneidade uma ruptura gradativa

em relação a conceitos como: tempo, presença, espaço e corpo. Tal aceleração altera modelos

e dinâmicas sociais, culturais, morais e éticas. Para Diana Domingues (2003, p. 59):

A dinâmica da cultura midiática se revela assim como uma dinâmica de

aceleração do tráfego, das trocas e das misturas entre as múltiplas formas,

estratos, tempos e espaços da cultura. Por isso mesmo, a cultura midiática é

muitas vezes tomada como figura exemplar da cultura pós-moderna.

Page 66: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

65

A inserção das tecnologias mais moderas já estava presente em várias correntes das

artes ao longo da década de 1960, em suas diversas manifestações. Correntes que

―enfatizavam presença física, efeitos e ações, constantemente testaram os limites da arte e da

vida, e rejeitaram a unidade e a coerência da arte tradicional tanto quanto da narrativa, do

psicologismo e da referencialidade do teatro tradicional‖ (CARLSON, 2009, p. 114) e que

serviram de trampolim para a performance e a arte de performance que emergiram durante as

décadas de 1970 e 1980. Como aponta Rush (2006, p. 30), ―[...] a fertilização mútua entre

teatro, dança, filme, vídeo e arte visual foi essencial para o nascimento da arte performática.

[...]‖.

Com os avanços tecnológicos ocorre uma ampliação das possibilidades processuais em

decorrência destas novas descobertas, como nos propõe Cohen (2004, p. 158):

A presença de novos suportes telemáticos, no contemporâneo, viabiliza

demandas que se anunciam desde os anos 60: no âmbito da contracultura –

as expressões da body art, da videoarte, da videoperformance buscavam

transições e experimentações no corpo (como mídia primária) e em seus

amplificadores e extensores nos mídia eletrônicos. Trabalhos inaugurais do

grupo Fluxus, entre outros, permeiam as passagens entre o corpo orgânico e

o vídeo, na via da arte conceitual. A partir dos anos 80, os novos mídia

tecnológicos (net-art, web-art, arte-satélite) com dispositivos de

mediatização, virtualização e telecinagem da presença passam a impor outras

direções às experiências radicais da performance.

Traçado esse panorama, propomos uma reflexão acerca das múltiplas realidades do

corpo na contemporaneidade, proposto por Santaella (2003), que explicita, não ter ambições

epistemológicas nem taxonômicas, mas sim, de estabelecer um panorama possível na arte

atualmente, levando em conta a volatilidade de um campo em constante devir em decorrência

da aceleração tecnológica.

Santaella (2003; 2004) nos propõe uma classificação em sete tipos e cinco subtipos

desse corpo inserido nesse vir a ser tecnológico do mundo. Uma classificação de

possibilidades da imbricação das culturas e artes do pós-humano. São eles:

1. O corpo remodelado – manipulado esteticamente, por meio de técnicas de

aprimoramento físico;

2. O corpo protético – ciborgue, híbrido, corrigido e expandido com o auxílio de

próteses, construções artificiais, que substituem ou amplificam as funções

orgânicas;

3. O corpo esquadrinhado – colocado sob a vigilância das máquinas para

diagnóstico médico;

Page 67: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

66

4. O corpo plugado – interfacetados no ciberespaço. São os usuários que se

movem no ciberespaço enquanto seus corpos ficam plugados no computador

para entrada e saída de fluxos de informação;

a. Imersão por conexão – dá-se, através do acionamento dos sentidos,

visão e tato especialmente. A mente navega através de conexões

hipertextuais e hipermidiáticas, tanto nos interiores dos CD-Roms

quanto nas redes;

b. Imersão através de avatares – seleção e incorporação pelo cibernauta de

um avatar em ambiente virtual, para mover-se em ambientes bi ou

tridimensionais, encontrar-se com outros avatares, comunicar-se com

eles;

c. Imersão híbrida – possibilitada pela mistura de paisagens geográficas

ou corpos carnais com paisagens e corpos ciber, através de sistemas

interativos, designs de interface, visualizações em 3D;

d. Telepresença – exploração da ubiquidade e simultaneidade de

experiências de presença e ação à distância por meio de programas

computacionais e robóticos;

e. Ambientes virtuais – sinônimo para realidade virtual. Tecnologia que

simula um espaço virtual e transmite informações aos órgãos sensórias

por meio de processo controlado por um conjunto de dispositivos

físicos, a exemplo de computadores e softwares;

5. O corpo simulado – feito de algoritmos, de números, um corpo completamente

desencarnado;

6. O corpo digitalizado – representações tridimensionais completas,

anatomicamente detalhadas de corpos humanos;

7. O corpo molecular – manipulado geneticamente através de técnicas da

bioengenharia e engenharia genética.

O corpo passa por uma nova lógica, capaz de reconhecer que o corpo e seus ambientes

internos e externos estão mais que mediados pelas máquinas, que incorpora a esse corpo

orgânico novas possibilidades de ser no ambiente crescentemente tecnologizado em que

vivemos, adquirindo uma nova dimensão multiplicada. O corpo, assim como a presença,

encontra-se sob interrogação.

Page 68: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

67

2.3.2 Espaço cênico (desterritorializado/fragmentado)

Pavis (2007, p. 133) em seu Dicionário de teatro define o espaço cênico como sendo:

O espaço concretamente perceptível pelo público na ou nas cenas, ou ainda

os fragmentos de cenas de todas as cenografias imagináveis [...]. O espaço

cênico nos é dado aqui e agora pelo espetáculo, graças aos atores cujas

evoluções circunscrevem este espaço cênico.

Desta forma, o espaço cênico, impreterivelmente delimitado pela atuação é o local

onde evoluem os atores e cria-se a espacialidade para o desenvolvimento das interações entre

as personagens, estabelecendo uma relação com o público.

O espaço cênico se organiza de acordo com a proposta estética, mantendo conexão

com o espaço teatral – definido como o local, o edifício, a sala, a praça, a escola, o mercado, a

fábrica, etc. Pode-se constatar por sua evolução, que o espaço cênico vincula-se ao universo

sociocultural, se constituindo enquanto objeto de percepção para o público a parir da relação

com os atores e sua abordagem.

Ao inserirmos tal discussão, que admite a presença mediada como uma forma possível

de presença, como também uma possibilidade de conectar espaços distantes geograficamente

e promover diálogos e encontros, propomos pensar o espaço cênico não apenas como uma

representação mimética de um lugar concreto, mas sim, como espaço que reflete e dialoga

com as características dos espaços sociais percebidos e vivenciados por uma parcela

significativa da sociedade.

Para tanto, nos valeremos das discussões de Giddens (1991), que evidencia que todas

as sociedades pré-modernas calculavam o tempo, porém, esse cálculo, que constituía a base

da vida cotidiana majoritária da população, vinculava-se sempre a tempo e lugar,

caracterizando-se como impreciso e variável.

Ninguém podia dizer a hora do dia sem referência a outros marcadores

sócioespaciais (sic.): ―quando‖ era quase, universalmente, ou conectado a

―onde‖ ou identificado por ocorrências naturais regulares. A invenção do

relógio mecânico e sua difusão entre virtualmente todos os membros da

população (um fenômeno que data em seus primórdios do final do século

XVIII) foram de significação-chave na separação entre o tempo e o espaço.

O relógio expressava uma dimensão uniforme de tempo ―vazio‖ quantificado

de uma maneira que permitisse a designação precisa de ―zonas‖ do dia (a

―jornada de trabalho‖, por exemplo). (GIDDENS, 1991, p. 25-26).

Page 69: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

68

Na esteira da uniformidade de mensuração do tempo pelo relógio mecânico, advêm à

uniformidade na organização social do tempo. Fenômeno que acarreta a configuração por

meio da padronização em escala mundial dos calendários, apesar de diferentes calendários

continuarem a coexistir, incluem-se em uma datação, que como observa Giddens (1991)

tornou-se universal, a exemplo da chegada do ano 2.000. Outro aspecto é a padronização do

tempo através das regiões. Anteriormente, quando o tempo estava sempre associado ao

espaço, áreas distintas de uma mesma região possuía ―tempos‖ diferentes, devido às

necessidades de associação ao onde e as ocorrências naturais regulares.

Com as possibilidades abertas pelo relógio mecânico, que irá dissociar o tempo do

espaço, Giddens (1991, p. 26) nos proporá que:

O ―esvaziamento do tempo‖ é em grande parte a pré-condição para o

―esvaziamento do espaço‖ e tem assim prioridade causal sobre ele. Pois, [...]

a coordenação através do tempo é a base do controle do espaço. O

desenvolvimento de ―espaço vazio‖ pode ser compreendido em termos de

separação entre espaço e lugar.

O autor nos alerta para a distinção entre espaço e lugar, muitas vezes utilizados como

sinônimos. Lugar está associado à ideia de localidade, a um cenário físico situado

geograficamente.

O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo

fomentando relações entre outros ―ausentes‖, localmente distantes de

qualquer situação dada ou interação face a face. Em condições de

modernidade, o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico: isto é, os

locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências

sociais bem distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente o

que esta presente na cena; a ―forma visível‖ do local oculta as relações

distanciadas que determinam sua natureza. (GIDDENS, 1991, p. 27).

O desenvolvimento de meios capazes de subdividir o espaço de forma fidedigna

sempre foi mais disponível do que meios de produzir formas de mensuração de tempo

uniformes. Posto isso, é importante ressaltar que o deslocamento do espaço do lugar não está

associado à emergência de meios de mensurar uniformemente o tempo, mas, como nos

evidencia Giddens (1991, p. 27) o desenvolvimento do espaço vazio estaria ligado a dois

fatores:

Aqueles que concedem a representação do espaço sem referencia a um local

privilegiado que forma um ponto favorável específico; e aqueles que tornam

Page 70: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

69

possível a substituição de diferentes unidades espaciais. A ―descoberta‖ de

regiões ―remotas‖ do mundo por viajantes e exploradores ocidentais foi a

base necessária para ambos. O mapeamento progressivo do globo que levou

à criação de mapas universais, [...], estabeleceu o espaço como

―independente‖ de qualquer lugar ou região.

Precisamos perceber a separação entre tempo e espaço como uma via de mão dupla

que possui traços dialéticos e é suscetível a reversão. Todavia, tal rompimento fornece uma

base recombinável em diversas atividades sociais. Tomemos como exemplo a criação de uma

tabela com os horários de apresentações de diversos grupos participantes de um festival de

teatro. À primeira vista, a criação de uma tabela que determine os horários e as datas das

apresentações dos grupos que integram o festival estaria associada a um mapa temporal,

porém, é na verdade um dispositivo de ordenação tempo-espaço, visto que irá indicar quando

e onde será as apresentações, permitindo a complexa coordenação de atores, cenários,

produtores e espectadores por meio de extensões de tempo-espaço.

Todas estas considerações visam objetivar a importância da separação tempo / espaço

para nossas discussões vindouras, se valendo do que Giddens (1991) denomina processo de

desencaixe e seus mecanismos, a saber: fichas simbólicas e sistemas peritos; e confiança.

Para o autor, a separação entre tempo e espaço é a condição principal do processo de

desencaixe, pois, ―sua formulação em dimensões padronizadas, ‗vazias‘, penetram as

conexões entre a atividade social e seus ‗encaixes‘ nas particularidades dos contextos de

presença.‖ (GIDDENS, 1991, p. 28). As instituições desencaixadas expandem as

possibilidades de distanciamento tempo/espaço, criando mecanismos de conectar o global e o

local de formas impensadas anteriormente, dinâmica essa que afeta rotineiramente a vida de

milhões de pessoas. O autor define o desencaixe como sendo o ―deslocamento das relações

sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas

de tempo-espaço‖ (GIDDENS, 1991, p. 29).

Os mecanismos de desencaixe retiram as atividades sociais de contextos localizados e

as reorganiza por meio de grandes distâncias tempo-espaciais. Por um longo período, a

formação da comunidade pautou-se no sentimento de pertencimento atrelado a um convívio

próximo. A partir da possibilidade de desencaixar-se da localização geográfica e temporal,

ampliam-se as possibilidades de experiências comunitárias, pois, o referido fenômeno não

estaria mais associado ao pré-requisito anterior, derivando daí outras possibilidades de

relações, que irão coexistir e se efetivarão por meio das relações interpessoais.

Segundo Giddens (1991), os mecanismos de desencaixe se subdividem em:

Page 71: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

70

Fichas simbólicas – ―meios de intercâmbio que podem ser ―circulados‖ sem ter em

vista as características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles em qualquer

conjuntura particular‖ (GIDDENS, 1991, p. 30). Existem vários tipos de fichas simbólicas, a

exemplo do dinheiro. O dinheiro propicia a realização de transações entre indivíduos que se

encontram separados no tempo e no espaço, funcionando ―como um meio de vincular tempo-

espaço associando instantaneidade e adiamento, presença e ausência‖. (GIDDENS, 1991, p.

33).

Sistemas peritos – ―sistemas de excelência técnica ou competência profissional que

organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje.‖ (GIDDENS,

1991, p. 35).

A internet, mecanismo de desencaixe por excelência, por possibilitar a manipulação,

realização de dados, como também, a interação entre pessoas amplamente separadas no tempo

e no espaço, teve seu desenvolvimento a partir de tentativas não satisfatórias desde o final da

década de 1960, que visavam o surgimento de serviços públicos de informação. Porém, seu

aprimoramento nas décadas seguintes serviu para demonstrar o interesse público e privado

por serviços interativos de informação on-line. Todavia, é na década de 1980 que ocorre a

viabilidade em escala mundial, que irá possibilitar a conexão com computadores pessoais pelo

modelo da internet, tendo como idioma o protocolo TCP/IP12

; tal modelo tem seu uso

ampliado a partir de 1993.

Tendo em vista que os mecanismos de desencaixe se subdividem em fichas

simbólicas e sistemas peritos, devido as suas características a internet configura-se enquanto

um sistema perito.

Os sistemas peritos são mecanismos de desencaixe porque, em comum com

as fichas simbólicas, eles removem as relações sociais das imediações do

contexto. Ambos os tipos de mecanismos de desencaixe pressupõem, embora

também promovam, a separação entre tempo e espaço como condição do

distanciamento tempo-espaço que eles realizam. Um sistema perito

desencaixa da mesma forma que uma ficha simbólica, fornecendo

―garantias‖ de expectativas através de tempo-espaço distanciados. Este

―alongamento‖ de sistemas sociais é conseguido por meio da natureza

impessoal de testes aplicados para avaliar o conhecimento técnico e pela

12

Transmission Control Protocol/Internet Protocol é o idioma dos computadores na rede internet. Ele

permite a divisão, endereçamento e re-direcionamento dos pacotes. É a linguagem de comunicação de

base da rede. Graças a essa linguagem, todos os computadores – pequenos ou grandes – falam entre si

e se compreendem, seja qual for o ponto do planeta. Com isso, além de comunicar, os computadores

puderam também codificar e decodificar pacotes de dados que viajam em alta velocidade pela rede.

(SANTAELLA, 2003, p. 87).

Page 72: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

71

crítica pública (sobre a qual se baseia a produção do conhecimento técnico),

usado para controlar sua forma. (GIDDENS, 1991, p. 36).

Ambos necessitam da confiança, que se apresenta como uma ―forma de fé na qual a

segurança adquirida em resultados prováveis expressa mais um compromisso com algo do

que apenas uma compreensão cognitiva‖ (GIDDENS, 1991, p. 35). Confiança requer atitude

de crédito ou crença e pressupõe consciência das circunstâncias de risco. A noção de risco é

recente, tendo o termo surgido na modernidade, atrelado a compreensão da imprevisibilidade

de determinados eventos e ações associados à atividade humana serem socialmente criadas, e

não mais advindas da natureza ou de ações da deidade.

Dessa forma, segundo Giddens (1991, p. 41), ―a confiança está basicamente vinculada,

não ao risco, mas à contingência. A confiança sempre leva à conotação de credibilidade em

face de resultados contingentes, digam estes respeito a ações de indivíduos ou à operação de

sistemas‖.

Retomando a discussão inicial, referenciamos Ubersfeld (2007, p. 107) ao cogitar que

o espaço cênico ―pode ser a transposição de uma poética textual‖. Propomos pensar que na

contemporaneidade, com a gradativa desierarquização dos elementos constituintes da cena e

com a desvinculação entre tempo e espaço, o inverso também pode ser afirmado. A partir de

uma discussão de espaços cênicos possíveis, pode-se criar uma poética textual para

operacionalização de tal proposta estética, a exemplo das proposições do GAG Phila7, que

temos como objeto de estudo. Em entrevista,13

Rubens Velloso (2011), um de seus co-

fundadores, admite ser necessário criar poéticas textuais para operacionalizar e conectar os

espaços cênicos desterritorializados e os atores separados geograficamente; ambos chegam até

a plateia por mediação tecnológica, fazendo-se necessário criar estratégias para efetivação

desta proposta de construção da narrativa. Dessa forma, comungamos com a proposição de

que: ―[...] no teatro, o que sempre se reproduz são as estruturas espaciais, que definem não

tanto um mundo concreto, mas a imagem que os homens têm das relações espaciais na

sociedade em que vivem, e dos conflitos que sustentam essas relações‖. (UBERSFELD, 2005,

p. 94).

Não seria o espaço cênico criador, portador e reconfigurador da narrativa? A

possibilidade de se pensar em espaços remotos e vazios, não amplia também as possibilidades

de criação de outros espaços cênicos admissíveis? Não estaria o teatro se apropriando, como

13

Ver anexos. Entrevista concedida a Larissa Hobi e publicada na revista Moringa – Artes do

Espetáculo, João Pessoa, Vol. 2, n. 1, 81-89, Jan./Jun. de 2011.

Page 73: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

72

sempre o fez, das características do espaço social como é vivido e percebido na

contemporaneidade?

2.3.3 Espectador (virtual/presencial)

Estendendo as discussões apresentadas anteriormente no capítulo, propomos que o

espectador – elemento indispensável para a efetivação do fenômeno teatral, que por muito

tempo foi relegado a segundo plano, encontra-se atualmente no centro das discussões, tendo

como pano de fundo a crítica e a teoria que se deslocam com frequência para a recepção –

também encontra-se sob interrogação. Se relativizarmos a presença do espectador, ainda

podemos considerar o referido fenômeno enquanto teatral? Uma presença mediada

tecnologicamente pode ser percebida como audiência para um espetáculo? Poderíamos aludir

a quarta parede para designar esse espectador que se encontra deslocado do espaço cênico

imediato e interfacetado? Esses questionamentos e diversos outros emergem do avanço

tecnológico e das incertezas e possibilidades advindas dele, nos fazendo rever conceitos e

teorias a muito engessados.

Page 74: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

73

CAPÍTULO 3

PROFANAÇÕES_ SUPERFÍCIE DE EVENTOS DE CONSTRUÇÃO COLETIVA

Tente outra vez. Erre outra vez. Erre melhor.

(Samuel Beckett)

3.1 EXPERIMENTO PROFANAÇÕES

A encenação Profanações _ superfície de eventos de construção coletiva, visou discutir

e operacionalizar o conceito de profanação desenvolvido por Giorgio Agamben (2007),

filósofo italiano contemporâneo que, ao se apropriar do termo, versa-o fazendo uma leitura do

pensamento político contemporâneo e suas implicações, tendo como pano de fundo o

entrecruzamento de discursos advindos de diversos campos de saberes.

Agamben (2007) busca, através da etimologia, resgatar o significado da palavra

profanar para, em um segundo momento, operacionalizá-la em uma esfera política, mantendo-

o em um diálogo permanente com o direito, a teologia, a linguística, a gramática histórica, a

antropologia, a sociologia, a ciência política, a iconografia, a psicanálise e as artes. Para tal

empreitada, vale-se de autores antigos, medievais, modernos e contemporâneos.

Em seu livro Profanações, o autor evidencia que os juristas romanos tinham

conhecimento do significado da palavra profanar e de sua existência para designar coisas

pertencentes aos deuses, definidas como sagradas ou religiosas. Coisas essas que, por

pertencerem de algum modo apenas aos deuses, ―eram subtraídas ao livre uso e ao comércio

dos homens, não podiam ser vendidas nem dadas como confiança, nem cedidas em usufruto

ou gravadas de servidão‖ (AGAMBEN, 2007, p. 65).

Dessa forma, todo ato que violasse ou transgredisse algo pertencente à esfera do

sagrado era tido como sacrílego. Em linhas gerais, ―[...] consagrar (sacrare) era o termo que

designava a saída das coisas da esfera do direito humano, profanar, por sua vez, significava

restituí-las ao livre uso dos homens‖ (AGAMBEN, 2007, p. 65). O autor argumenta que a

religião é a promotora dessa subtração e transferência para outra esfera, tendo o sacrifício

como dispositivo que regula e realiza a separação.

Page 75: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

74

O termo religio, segundo uma etimologia ao mesmo tempo insípida e

inexata, não deriva de religare (o que liga e une o humano e o divino), mas

de relegere, que indica a atitude de escrúpulo e de atenção que deve

caracterizar as relações com os deuses, a inquieta hesitação (o ―reler‖)

perante as formas – e as fórmulas – que se devem observar a fim de respeitar

a separação entre o sagrado e o profano. Religio não é o que une homens e

deuses, mas aquilo que cuida para que se mantenham distintos. Por isso, à

religião não se opõem a incredulidade e a indiferença com relação ao divino,

mas a ―negligência‖, uma atitude livre e ―distraída‖ – ou seja, desvinculada

da religio das normas – diante das coisas e do seu uso, diante das formas da

separação e do seu significado. Profanar significa abrir a possibilidade de

uma forma especial de negligência, que ignora a separação, ou melhor, faz

dela um uso particular. (AGAMBEN, 2007, p. 66).

Já o processo inverso, dá-se pelo jogo, é ele que promove a passagem do sagrado ao

profano por meio de um reuso do que foi consagrado. Agamben (2007, p. 66) alega que as

esferas do sagrado e do jogo possuem vínculos estreitos, tendo os jogos, em sua maioria,

derivado de ―antigas cerimônias sacras, de rituais e de práticas divinatórias que outrora

pertenciam à esfera religiosa em sentido amplo‖. O jogo quebra a unidade entre o mito e o

rito, desarticulando a potência do ato sagrado, que se efetiva a partir da junção do mito que

narra a história com o rito que a reproduz e a representa.

[...] o jogo libera e desvia a humanidade da esfera do sagrado, mas sem a

abolir simplesmente. O uso a que o sagrado é devolvido é um uso especial,

que não coincide com o consumo utilitarista. Assim, a ‗profanação‘ do jogo

não tem a ver apenas com a esfera religiosa. As crianças, que brincam com

qualquer bugiganga que lhes cai nas mãos, transformam em brinquedo

também o que pertence à esfera da economia, da guerra, do direito e das

outras atividades que estamos acostumados a considerar sérias.

(AGAMBEN, 2007, p. 67).

Segundo Agamben (2007, p. 69) o duplo e contraditório significado que o verbo

profanare admite em latim: tornar profano e, em alguns casos, sacrificar, atesta que:

[...] sagrado e profano representam, pois, na máquina do sacrifício, um

sistema de dois pólos, no qual um significante flutuante transita de um

âmbito para outro sem deixar de se referir ao mesmo objeto. Mas é

precisamente desse modo que a máquina pode assegurar a partilha do uso

entre os humanos e os divinos e pode devolver eventualmente aos homens o

que havia sido consagrado aos deuses.

Gadamer (2010) também se vale do jogo para argumentar sua hermenêutica da obra de

arte. Sua noção de jogo possui papel central nas discussões e se encontra atrelada a fusão de

horizontes, que se dá a partir do diálogo que, por sua vez, requisita de seus participantes uma

Page 76: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

75

abertura para as possibilidades de transformação advindas do diálogo. O jogo possui um

potencial libertador, como também, encontra-se associado ao prazer. Outra característica

levada em consideração é o fato de o jogo não se estabelecer sem as regras, que todavia se

apresentam justamente em função de seu desenvolvimento pleno. É dentro dessa concepção

de jogo que Gadamer (2010) irá pensar a obra de arte.

Casanova (GADAMER, 2010, p. XVI), em sua apresentação à edição brasileira do

livro Hermenêutica da obra de arte, descreve de forma magistral a acepção gadameriana de

jogo em relação à obra de arte:

[...] Ao nos colocarmos diante da obra de arte de um modo compatível com o

caráter de jogo da arte, nós nos deixamos guiar inicialmente por uma

estrutura hermenêutica. Deixamo-nos guiar aqui incessantemente pela

expectativa de sentido e pelo esboço de totalidade, de tal modo que

acolhemos o aceno da arte para que perguntemos por seu significado. No

momento em que seguimos tal aceno, adentramos o campo de jogo do

acontecimento da hermenêutica da obra de arte. Nesse campo, há regras que

precisam ser incessantemente seguidas. É preciso seguir as orientações

fornecidas pelo próprio horizonte de mostração da obra e escapar

incessantemente da tendência de se lançar para além desse horizonte.

Quando fazemos isso, o jogo da arte se revela como diálogo com a obra.

Descobrimos uma série de coisas, na medida em que deixamos a obra falar e

em que lhe emprestamos nossa voz. Nesse mesmo movimento, o jogo vai

abrindo o espaço de suas finalidades e potencializando o

aprofundamento/enriquecimento da compreensão. Dar voz à arte não

significa outra coisa senão abrir novas possibilidades compreensivas que não

põem um fim ao jogo, mas o mobilizam cada vez mais.

O GAG Phila7 que desde 2005 tem trabalhado com poéticas possíveis a partir do

imbricamento da cena com as tecnologias digitais, desenvolveu o projeto intitulado

Profanações de maneira interinstitucional. Participaram três universidades de regiões distintas

do Brasil, a saber: UFPB (Núcleo Cena e Contágio e Laboratório de Aplicações do Vídeo

Digital – LAVID); UnB (Laboratório de Pesquisa em Arte e Realidade Virtual – MídiaLab) e

UNIRIO (Grupo de Pesquisa Dramaturgia e Cena, Gêneros e Linguagens); além do Coletivo

Bijari e apoio da Rede Nacional de Apoio a Pesquisa – RNP. O experimento cênico

Profanações foi definido por seu idealizador Rubens Velloso como sendo uma superfície de

eventos de construção coletiva.

Page 77: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

76

Concebido em 2012 e com temporada simultânea no Rio de Janeiro e João Pessoa, no

período de 14 de Agosto a 02 de Setembro, o experimento contou com uma grande equipe e

parcerias para desenvolvimento e operacionalização da proposta que conta com a utilização

de sistemas peritos, como também, com equipes de trabalho localizadas geograficamente

distantes. Definidas no programa como enlaces, as equipes foram assim formadas:

Concepção e direção artística _ Rubens Velloso

EQUIPE RIO DE JANEIRO

Atores _ Beto Matos e Marcos Azevedo

Livres singularidades desejantes _ Angela B Morelli, Bruno Kury, Carolina Carelli, Carolla

Ramos, Filipe Espindola, Jardel Augusto Lemos, Jéssica Fellipe, Raíssa Vitral, Raquel Gaio,

Sara Panamby e Vanessa Soares

Direção de produção _ Marisa Riccitelli Sant‘ana

Produção executiva _ Isabel Ferreira

Assistência de direção artística _ Paloma Oliveira

Concepção e execução videográfica e cenográfica _ BijaRi

Coordenação de execução de projeto videográfico _ Moana Mayall

Imagem 15 – Programa Profanações

Foto Divulgação

Page 78: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

77

Execução e operação projeto videográfico _ Daniel Ribeiro, Maicon Brasil e Rafael Galo

Designer de luz _ Mirella Brandi

Operador de luz _ Luiz Sartomen

Técnico de luz _ Juca Baracho

Concepção sonora _ Bruno Queiroz, Cainã Bomilear, Joaquim Pedro e Juliana Frontin

Assistente de produção & Operador de som _ Lucas Hungria

Técnico de som _ Ricardo Santos

Projeto de figurino _ Carolina Semiathz e Beatriz Rivatto (Casa de Costumes)

Programação visual _ Icaro dos Santos

Intervenções redes sociais _ Icaro dos Santos e LaMosca comunicação

Cameraman _ Maria Burgos

Fotógrafo _ Pedro Muniz

Coordenação administrativa _ Eduardo Bonito (Bonito e Compri)

Assistente produção São Paulo _ Paula Malfatti

Secretária _ Kelly Cristina Cordeiro

Montagem _ Novamídia

Cenotécnico _ Celso de Paiva

TRAMATURGIA

Texto original _ Phila7

Fragmentos _ Derrida, Lacan, Agamben, Deleuze, Foucault, Borges, Guimarães Rosa,

Gregory Corso, Mallarmé, Beckett, Carlito Maia, Antônio Damásio e Nietzsche.

COORDENAÇÃO SEMINÁRIO

Prof. Dr

a Ana Maria de Bulhões-Carvalho (UNIRIO)

Grupo de Pesquisa Dramaturgia e Cena, Gêneros e Linguagens

Departamento de Teoria do Teatro

EQUIPE JOÃO PESSOA

Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital _ LAVID

Coordenadores _ Guido Lemos de Souza Filho e Tatiana Aires Tavares

Coordenação Geral do Projeto Tecnológico _ Erick Augusto Gomes de Melo

Apoio projeto tecnológico _ Bruno Santos, Glauco Sousa, Hugo Neves e Yuri Gil

Page 79: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

78

Núcleo Cena e Contágio _ Grupo de Pesquisa Teatro: Tradição e Contemporaneidade

Departamento de Artes Cênicas _ DECEN

Centro de Comunicação, Turismo e Artes _ CCTA

Direção Geral _ Prof. Dr. José Tonezzi

Coordenação e Assistência de Direção _ Larissa Hobi

Consultoria _ Maíra Spanghero

Atores _ Flávio Lira, Kassandra Brandão, Nilton Santos, Nyka Barros e Sávio Farias

Performer _ Angélica Lemos

Cameraman _ Diógenes Ferraz e Tony Ferreiro Neto14

Iluminador _ Tiago Dion

Figurinista _ Angélica Lemos

Sonoplastia _ O grupo

Tramaturgia Colaborativa _ GAG Phila7, José Tonezzi, Larissa Hobi, Nilton Santos, Nyka

Barros e Sávio Farias

Fragmentos _ Agamben, Andrei Tarkovsky Antônio Damásio, Augusto dos Anjos, Beckett,

Borges, Camus, Carlito Maia, Deleuze, Derrida, Fausto Wolf, Foucault, Gregory Corso,

Guimarães Rosa, Heiner Müller, Lacan, Mallarmé, Nietzsche, Rimbaud, Schopenhauer e

Sófocles.

EQUIPE BRASÍLIA

MidiaLab Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional

Departamento de Artes Visuais

Instituto de Artes

Universidade de Brasília

Coordenação _ Prof. Dra Suzete Venturelli

Amanda Moreira, Ana Lemos, Breno Rocha, Bruno Braga, Cláudia Loch, Camille Venturelli,

Clarisse Guimarães, Francisco Barreto, Hudson Bonfim, Johnny Souza, Juliana Hilário,

Leandro Trindade, Leonardo Freitas, Marcelo Rios, Sidney Medeiros, Ricardo Nunes, Roni

Ribeiro, Thiago Vieira, Tiago Barros, Victor Valentim

Para operacionalizar e dar sustentação ao projeto, seu idealizador desenvolveu o que

denomina como Nominações Profanatórias,15 a exemplo de:

14

Seu nome não consta no programa, pois entrou posteriormente para a equipe.

Page 80: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

79

Superfície de eventos: plano das ideias formado por diferentes fluxos conceituais e artísticos

(a palavra, o corpo, a imagem, as redes, as artes digitais, artes computacionais, etc., etc., etc.)

que vão constituindo de forma rizomática essa superfície estética/ética/reflexiva. Substitui a

palavra espetáculo, montagem e etc.

MC de fluxos da superfície: receptor/interprete/antecipador/emissor dos fluxos que emergem

na superfície de eventos. Estão sempre transmutando de estado e se apropriando de todas as

formas corporais, mentais de que possam se utilizar para o enredamento do plano das ideias.

Substitui a palavra ator.

Tramaturgia: o código desenvolvido, que é específico, para cada trabalho para que os MCs

possam enredar reflexivamente nos eventos da superfície. A tramaturgia não é só constituída

pela palavra.

Extensões corpoespaço ou digineurais: se constitui de todo aparato tecnológico usado para

ligar espaços e corpos e também para articular as relações que emergem na superfície de

eventos.

Espaços heterotópicos: lugares constituídos de singularidades, um espaço com muitos

espaços. E aqui compreendemos espaço, não só no seu sentido arquitetônico, mas em um

sentido mais amplo, por exemplo: uma tela de computador ou uma tela de projeção também

podem ser espaços heterotópicos. A ligação entre esses espaços, de forma rizomática, é onde

se torna visível a superfície de eventos.

Estrutura química das personas: o MC deve considerar para o seu tráfego pelos espaços

heterotópicos uma transmutação entre dois estados da matéria – o carbônico (corpo) e o

silícico (imagem). Ele deve entender esses dois estados sempre como uma forma de presença,

para poder estabelecer neste tráfego o continuun das personas.

Estar: substitui as palavras atuar e representar. O MC ―está‖. Pode então mudar de registro

para interferir da melhor maneira nos vários espaços. Eis o que realmente nos interessa: a

potência do encontro teatral intermediado pelas novas interfaces que compreendemos como

expansões de percepção, transfigurando em grande velocidade o que chamamos de Eu-

subjetivo e Eu-social. Mergulhados nesse mar de novas possibilidades percebemos que nas

artes (e para nós, especificamente, no teatro) nada deve ser descartado para que uma nova

linguagem possa se estabelecer. Porque talvez nada tenha mudado nas necessidades do

humano, mas sim na forma como ele as percebe.

15

Disponíveis em: http://profana.art.br

Page 81: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

80

Em reunião, durante o processo, o questionamos se o fato de apenas mudar a

nomenclatura, mantendo-se a forma e o conteúdo já codificados e pré-estabelecidos tal ato se

efetivaria como uma desarticulação da norma. Respondeu-nos prontamente que eram formas

de ativar e articular o pensamento para desarticular a norma. A partir da resposta, tornou-se

evidente para nós que estas nomenclaturas buscam criar novas designações linguísticas para

tratar de conteúdos relativamente novos com os quais o teatro vem se deparando e

assimilando.

O experimento trabalha com outros espaços/tempos possíveis a partir do surgimento

da web/internet. A proposta não visa forjar uma presença, mas sim apontar e problematizar

essas novas presenças que surgem na contemporaneidade e que, se efetivam por sua potência

e dinâmica adotada por grupos que a concebem como tal. Não se trata mais de relativizar, mas

de percebê-la como uma presença possível.

Entre os jovens, tratados na literatura como nativos digitais, que são os indivíduos que

já nasceram em contato com todos os tipos de aparatos tecnológicos possíveis e imagináveis,

essa presença é tão real como outras possíveis presenças. É comum, como presenciamos outro

dia com a filha de 15 anos de uma amiga. A adolescente alegava precisar voltar para casa,

pois, havia marcado um encontro com as amigas as 20:30 h. Estava aflita na negociação,

argumentava que não poderia se atrasar. Com o desenrolar das negociações entre mãe e filha

percebemos que o encontro se daria na internet, por um instante pasmamos, mas

posteriormente percebemos o quanto fazia sentido, pois, a partir do momento que a

percebemos, a introjetamos e a vivenciamos como uma presença possível, essa potência se

efetiva como tal.

Não seria o jogo entre atores em presença física que contracenam com atores em

presença imagética, buscando uma nova dimensão do uso da tecnologia em cena, um ato

profanatório, que propõe a desarticulação da norma? Não seria a encenação em si um ato

profanatório, pois, ao encenarmos um texto, não estaríamos profanando a ideia do autor, que

por si só já é uma proposta profana, estruturada a partir de um jogo conscientemente entre o

dizível e o indizível?

3.2 SUPERFÍCIES: NOTAS SOBRE O PROCESSO

Em um primeiro momento foram discutidos os conceitos teóricos e estéticos que

seriam trabalhados no experimento. A parceria firmada junto ao Núcleo Cena e Contágio se

deu como consequência de contatos iniciados ainda no Conexão XXI – Festival Cênico, em

Page 82: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

81

2010, quando do convite de Rubens Velloso ao Professor José Tonezzi, coordenador do

núcleo, para desenvolverem um projeto juntos.

As reuniões relativas ao projeto Profanações tiveram início no dia 07 de maio de 2012,

como também encontros mediados e, em um dado momento, os integrantes do Núcleo Cena e

Contágio receberam a visita de Rubens Velloso. O encontro se deu em 16 de maio de 2012,

seu idealizador explicou detalhadamente a proposta, promovendo um diálogo. Na mesma

semana foi agendada uma reunião com a equipe do Lavid e representantes da RNP, parceiros

do projeto, que dariam suporte para efetivação e um bom desenvolvimento do mesmo.

Criamos um cronograma de ensaios, que contemplava inicialmente três dias da

semana, três horas por dia. O processo se deu simultaneamente em João Pessoa e São Paulo.

Nesse primeiro momento, com os grupos em suas respectivas sedes, a saber: Phila7 no espaço

de arte transdiciplinar GAG, na cidade de São Paulo, e Cena e contágio na UFPB, mais

precisamente nas imediações do Lavid, devido às necessidades técnicas. Os encontros eram

mediados tecnologicamente, ficando a cargo dos integrantes do Lavid sob coordenação do

perito Erick Melo, instalar, configurar e monitorar o uso da ferramenta Arthron.

Com a proximidade da estréia passamos a nos encontrar diariamente, e o Phila7 rumou

em direção ao Rio de Janeiro, encontrando-se agora no Oi Futuro Flamengo, onde ocorreria a

temporada em solo carioca. Apesar de se tratar da mesma encenação, o projeto contou com

processos de criação distintos. Ambos trabalharam em conjunto e dentro de uma mesma

temática, o conceito de profanação proposto por Agamben (2007) e discutindo possíveis

presenças, como também a desterritorialização do espaço cênico e as possibilidades advindas

das tecnologias digitais no corpo cênico; produzindo, porém, produtos estéticos diferentes.

O espetáculo envolveu duas capitais brasileiras, a saber, Rio de Janeiro e João Pessoa

que, com o auxilio da ferramenta Arthron, desenvolvida para performances artístico-

midiáticas distribuídas, possibilitava a conexão desses espaços distantes geograficamente,

fazendo com que atores presenciais dialogassem com atores deslocados do espaço cênico

visível à plateia. A presentificação dos atores deslocados geograficamente se dava através da

projeção de seu duplo imagético, que estava sendo captado em tempo real e distribuído com o

auxilio da ferramenta referenciada.

A ferramenta é composta por quatro componentes principais: Articulador

(Manager), agente codificador (Encoder), agente decodificador (Decoder) e

Refletor (distribuidor de fluxo), Servidor de Vídeo (VideoServer), Mapa

(MapManager), Cenário (ScenarioMaker). Esses fluxos podem ser gerados

em localizações geograficamente distribuídas e são manipulados pela

ferramenta Arthron que é responsável por capturar, controlar, transcodificar,

Page 83: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

82

transmitir e decodificar as mídias capturadas em tempo real ou de arquivo.

Essas mídias podem ser enviadas em alta, média e baixa definição,

simultaneamente, tanto para decodificadores específicos na rede quanto para

a Internet. (TAVARES et. al., 2009, p. 03).

Neste mesmo manual (TAVARES et. al., 2009, p. 11), os componentes e suas

respectivas funções são apresentadas de forma mais detalhada, como segue abaixo:

• Codificador (Encoder): Esse componente é responsável por codificar e enviar um

fluxo de vídeo, gerado a partir da leitura de um arquivo ou da captura de vídeo

externo como uma câmera ou placa de captura.

• Decodificador (Decoder): Esse componente é responsável por receber vídeos ou

animações e exibi-las ao público do evento.

• Refletor (ArthronProxy): Esse componente é responsável por otimizar a distribuição

dos fluxos de mídias.

• Articulador (Manager): Esse componente é responsável pelo controle dos fluxos de

mídias e o que será exibido em cada Decodificador, além de monitorar o sistema.

• Servidor de Vídeo (VideoServer): Esse componente recebe um determinado fluxo

de vídeo, faz a transcodificação especificada e depois faz a transmissão via http para

a internet.

• Mapa (MapManager): Componente desenvolvido para que se permitisse visualizar

em um mapa-múndi a localização (Latitude e Longitude) de cada componente que

faz parte da Arthron. Basicamente, o MapManager é um servidor que guarda a

informação que cada componente o passa, como nome, latitude, longitude, tipo etc.

No momento que um determinado componente se conecta a ele, ele retorna para o

respectivo componente uma lista contendo todos os componentes que estão

conectados ao servidor. Assim, é possível inserir os marcadores que irão representar

cada componente no mapa.

• Cenário (ScenarioMaker): Permite ao usuário especificar de forma prévia para qual

Decodificar vai o fluxo de um determinado Codificador e em que momento.

• Monitoramento: Faz o monitoramento de bytes enviados e recebidos, pacotes In e

Out descartados, RAM usada e uso da CPU depois salva as informações em um

arquivo para cada host com o IP, a data e a hora que iniciou o monitoramento.

Pela descrição da Arthron em seu manual, que explicita tratar-se de uma ferramenta

que tem como ―principal funcionalidade oferecer ao usuário uma interface simples para

Page 84: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

83

manipulação de diferentes fontes/fluxos de mídia simultâneos‖ (TAVARES et. al., 2009, p.

03), fica evidente que a mesma necessita de um conhecimento perito. Por ser um sistema de

excelência técnica que exige um domínio de conhecimentos básicos de seu funcionamento e

execução, contamos com a equipe de peritos do LAVID.

Em ambas as cidades o experimento contou com plateia presencial, tendo na cidade de

João Pessoa duração de 1 hora. Já na cidade do Rio de Janeiro, o experimento teve duração de

1hora e 10 minutos. Em um dado momento, os atores que se encontravam em cidades

distintas, por meio da ferramenta Arthron, contracenavam complementando a dramaturgia –

ou tramaturgia, como definido por seu idealizador –, por se tratar da construção da narrativa

valendo-se dos diversos elementos constituintes da encenação como exposto anteriormente.

Tendo acompanhado todo o processo de criação junto ao Núcleo Cena e Contágio

presencialmente, e mantendo contato diariamente com o Phila7 via ferramenta Arthron,

Skype, email ou telefonia móvel, foi possível mantermos um diálogo constante para

estabelecimento da estética proposta como também para partilharmos dúvidas e

questionamentos que surgiam quase que diariamente, buscando soluções cênicas e/ou

soluções técnicas para os mesmos.

A partir do experimento vivenciado tornou-se possível apontarmos alguns desafios,

dúvidas e dificuldades inerentes ao nosso processo. Percebidos no decorrer da

operacionalização da proposta estética em discussão, são pontos para serem refletidos por

quem pretende trilhar por esse caminho permeado por incertezas:

Pensar as relações que se estabelecem entre cena e tecnologia;

Pensar na encenação como uma terceira via que engloba a realidade + a realidade

virtual;

Pensar no jogo e na simulação / dissimulação com a mediação;

Pensar no espectador que é convidado a integrar o experimento. Como conduzi-

lo? Como torná-lo parte desse processo?;

Ao trabalhar com presença mediada ter definido se o que se pretende é forjar essa

presença, ou discutir possibilidades de presenças possíveis;

Levar em conta o imprevisto e performático da tecnologia, ou tentar minimizá-lo e

adequar-se?

Page 85: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

84

Durante a temporada acompanhamos a encenação em João Pessoa, no período de 14 a

26 de Agosto. Na última semana da temporada, de 27 de Agosto a 02 de Setembro, foi-nos

possível permanecer no Rio de Janeiro, onde acompanhamos diariamente as apresentações,

para verificar como se dava a encenação assistida por um outro viés. Acompanhamos

também, por uma vez, a encenação transmitida em tempo real pelo site <profana.art.br>.

A plataforma de transmissão ainda estava passando por adequações. Era perceptível as

adversidades advindas da tecnologia, precisando contar-se com a ―sorte‖, pois, as quedas na

internet eram constantes, dificultando a fruição, assim como o áudio, que não chegava a

contento, nos fazendo retomar a temática do risco, discutida por Giddens (1991), como

também a ideia de se trabalhar o imprevisto da tecnologia.

A oportunidade de assistirmos a encenação tanto no Rio de Janeiro como em João

Pessoa foi de extrema importância para traçarmos um paralelo tanto estrutural como estético,

já que as condições e espaços das encenações eram distintos, assim como os recursos e as

equipes, precisando cada grupo solucionar suas demandas e contratempos em tempo hábil e

da melhor maneira possível, pois, apesar de priorizarmos o processo experimental e construir

nosso produto estético dentro de uma mesma temática, admitindo e prevendo o erro como

impulsionador do processo, precisávamos na data definida estrearmos com o produto final.

Mesmo se tratando da mesma proposta cênica e trabalhando com o mesmo tema, os

processos criativos foram tomando seus rumos. Descrevemos e abordamos mais

detalhadamente as superfícies linguísticas, performáticas, profanatórias e de interconexão no

desenvolvimento do experimento que se constituíram no Rio de Janeiro e em João Pessoa nos

subitens abaixo.

3.2.1 GAG Phila7

Inicia-se com dois atores sentados em cadeiras de praia, isolados por uma fita zebrada

em uma praça movimentada na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se do Largo do Machado,

local que possui um grande fluxo de transeuntes, que ora passam indiferentes, ora se mostram

intrigados com a intervenção; e outros tantos que param para verificar o que está acontecendo,

juntando-se aos espectadores que já se encontram posicionados. No entorno, não muito

próximo encontram-se ―pessoas‖ e faixas esticadas no chão. Os atores estão descontraídos,

conversam e bebem, até que se inicia um diálogo. As pessoas normalmente se aproximam

para escutar e tentar entender o que é dito.

Page 86: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

85

Em um dado momento ocorre uma interação com a plateia, um espectador é convidado

a auxiliar na cena e acaba virando um cone, dando sustentação a faixa zebrada que os isola,

pois, um dos cones foi retirado para ser usado como megafone, amplificando o discurso de

uma das personagens que, apesar de aparentemente acalorado, mantém a personagem na

inação e na impotência frente às perplexidades do mundo hoje, retratando características

recorrentes na dramaturgia de seu autor, Samuel Beckett, do qual o texto inicial é composto

por fragmentos.

Após discursarem, inicia-se uma ―manifestação‖. Performers seguram faixas e cartazes

diversos com frases, a exemplo de:

―Tenho muito o que fazer. Preparo o meu próximo erro‖. (Bertolt Brecht)

―Evite acidentes, faça tudo de propósito‖. (Carlito Maia)

"Tente outra vez. Erre outra vez. Erre melhor". (Beckett)

―O ‗Eu‘ é um produto globalizado que luta de maneira insana para atingir o maior

valor de mercado‖. (Tema da palestra proferida pelo Prof. Dr. Plus Vallya em

Wall Street)

"Eu aguardo. Mas não espero nada". (Lacan)

―Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo‖.

(Foucault)

Ocorre um grande burburinho com falatório, gritos, palavras de ordem, megafones,

apitos...

Imagem 16 – Profanações GAG Phila7 Imagem 17 – Profanações GAG Phila7

Foto Pedro Muniz Foto Larissa Hobi

Page 87: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

86

O cortejo segue em direção ao prédio da Oi Futuro Flamengo, onde se desenrola as

demais cenas, ou superfícies do evento, como proposto. É previsto uma ocupação do prédio

da Oi Futuro e de seus diversos pavimentos, propondo um diálogo com as exposições que

estão em cartaz durante o mês de agosto nas salas do prédio.

Ao chegarem próximo à entrada, ainda na área externa, ocorre a ocupação do térreo do

prédio. Trata-se de uma projeção da cena do discurso de Domenico no filme Nostalghia

(1983) de Andrei Tarkovsky, em que a personagem fala eloquentemente sobre angustias,

medos, incertezas e possíveis soluções para o contexto de época ao qual vivem, vendo de

forma pessimista os avanços da ciência e da tecnologia.

A cena projetada está no idioma original, a saber: italiano. O ator 1 – representado por

Marcos Azevedo – faz a tradução simultânea com o auxílio do discurso impresso em papel

que encontra-se em suas mãos. Disputando a atenção dos espectadores encontram-se os

performers que se vestem e fazem movimentos lentos e por vezes repetitivos, posteriormente

mantendo-se estáticos, assim como os transeuntes que presenciam o discurso de Domenico no

filme.

O ator 1 segue com sua tradução simultânea, enquanto o segundo ator encontra-se

sentado, com um som a pilhas nas mãos. Na cena em que o personagem Domenico solicita

música, o ator 1 solicita música também, sendo atendido prontamente pelo ator 2 –

representado por Beto Matos. Cria-se um ambiente fantasmagórico, ressuscitando

personagens de outrora, porém, a proposta não tenta recriar um tempo que já se foi, mas sim,

promover um diálogo em torno de questões que ciclicamente emergem, sendo possível

identificá-las em épocas distintas.

Como o personagem no filme, o ator 1 joga papéis ao vento, mas em vez de atear fogo

ao corpo como seu duplo o faz no filme, sobe em um tablado, toma um ramalhete nas mãos,

põe uma mascara preta em seu rosto e posiciona-se reproduzindo a imagem tão conhecida de

Banksy, grafiteiro que trabalha com intervenções urbanas, partindo por vezes de clássicos

para fazer releituras impregnadas de criticidade acerca de questões sociais. Permanece parado

por alguns instantes, desfaz a imagem e segue por entre a plateia. Adentra no prédio.

Page 88: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

87

Passam pela recepção, a essa altura alguns performers já se direcionaram para dentro

do prédio, o ator 2 segue convidando a plateia a acompanhá-lo. No espaço definido no

processo como a superfície_ rumo a uma inteligência coletiva, o ator 2 senta-se em uma

grande mesa, destinada originalmente a leituras e aborda questões da neurociência e da física.

A sua frente está projetada a janela do Google.

A plateia se dispõe pelo espaço de forma aleatória, o que pode vir a fazer com que a

cena se desenrole com os atores e/ou performers posicionados em outros locais, havendo uma

flexibilidade na cena. O que chegamos a presenciar durante a semana que acompanhamos,

assistindo todos os dias. Porém, foi possível verificar que a marcação do ator 2 na mesa era

fixa.

A ocupação foi feita de tal forma que por vezes nos questionamos se determinados

elementos estavam ali por terem sido concebidos pelo Phila7 ou se faziam parte das

exposições, o que buscamos certificar, comprovando por vezes se tratar de um diálogo com as

exposições em cartaz. Avaliamos positivamente as ocupações, percebendo que utilizaram os

espaços de forma concisa, agregando e se valendo dos materiais ali presentes, os tornando

parte do processo.

Imagem 19 – Profanações GAG Phila7

Foto Larissa Hobi

Imagem 18 – Grafite Flower Chucker

Banksy

Page 89: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

88

Atores e performers seguem ocupando todos os sete andares, diversos espaços e salas

do prédio. Nessa ocupação pudemos observar que ao longo da semana, os integrantes da

plateia comportam-se de formas variadas, normalmente tendendo a ficar ou buscar um

posicionamento frontal, até irem percebendo que a proposta não se limita a isso, expandindo

as possibilidades de recepção e posicionamento. Pudemos observar, que em determinadas

plateias, existiram casos de pessoas que participaram efetivamente das superfícies propostas,

dialogando, interagindo, buscando possibilidades de ver por diferentes ângulos os atores e

performers.

No momento, veio-nos à mente ocasiões que presenciamos e achamos oportuno citar,

a exemplo de um espectador que deitou-se nas escadas e permitiu-se fruir por um outro

ângulo; como também, espectadores que participaram ativamente da manifestação inicial,

segurando faixas, apitando e criando gritos de ordem. Aceitando o convite proposto pelo

experimento e se tornando parte constituinte de sua construção.

Ainda na superfície nomeada rumo a uma inteligência coletiva, é feita uma ocupação

em uma sala ―vazia‖, escura e com projeções de mãos que colam ininterruptamente adesivos

formando X. Repetem continuamente uma pequena variação de frases curtas, tendo também

ao chão vários X adesivados. A plateia se dispõe pelo espaço, os atores conversam sobre

questões existenciais, ocorre também um trânsito de performers. A cena inicia-se,

independentemente da plateia se dispor no espaço.

Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi

Imagem 20 – Profanações GAG Phila7

Imagem 21 – Profanações GAG Phila7

Page 90: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

89

Foi possível perceber durante a semana em que acompanhamos as apresentações que,

por tratar-se de uma proposta itinerante, imprime um ritmo próprio e individual a cada

espectador. O tempo de chegada e deslocamento dos espectadores foi bem diversificado, com

as plateias prontamente seguindo ou não os atores. Já outras, distraiam-se com a super

abundância de focos possíveis de atenção empregando sua audiência aos performers e/ou às

exposições ali instaladas.

O trânsito de performers, técnicos, plateia e pessoas envolvidas direta ou

indiretamente na encenação é frenético. A atenção dos espectadores é disputada

constantemente pela superabundância de signos, de ruídos, de imagens, luzes, enfim, um

caleidoscópio de sensações. Podemos associá-la à dinâmica contemporânea da efemeridade e

superficialidade de eventos. Apesar dessa superabundância, o experimento tem como suporte

um texto denso de cunho reflexivo e filosófico conduzindo-o.

Segue-se para o próximo pavimento, onde ocorre a superfície_ seres cardio-

digineurais. A ocupação se dá em uma sala que aloja uma exposição de fotografias. Os atores

promovem um jogo do ―onde estou?‖, por momentos saindo da vista da plateia, trabalhando

questões relacionadas à presença. Um jogo da presença a partir do visível/invisível.

Seguem para o próximo pavimento, superfície_ as redes, o cordão umbilical da

humanidade. Apesar das cenas serem itinerantes e sequencialmente nos pavimentos, não se

tornam previsíveis por ocuparem espaços distintos e dialogarem com exposições também

distintas, gerando uma variedade de possibilidades a partir do que já estava posto. Seguem

para o pavimento que antecede a entrada ao teatro. Observa-se ao olhar para cima que, as

imagens projetadas na parte superior a entrada do teatro e que chegam em tempo real são da

Imagem 22 – Profanações GAG Phila7 Imagem 23 – Profanações GAG Phila7

Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi

Page 91: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

90

superfície desenvolvida na Paraíba. Os atores dialogam e convidam a plateia a entrar. Ao

entrarem, ocorre a cena de interação entre os atores do Phila7 e Cena e Contágio.

3.2.2 Cena e Contágio

A plateia ao chegar depara-se com uma fita zebrada que delimita um espaço, o qual

possuía uma fogueira acesa, uma instalação em uma árvore com arames e restos de concreto

armado – em que foi trabalhada a metáfora de que tudo que é sólido se desmancha no ar.16 Em

meio a essa estrutura de concreto e arame, já gasta, em decomposição, encontrava-se uma

televisão onde era possível ver fragmentos de filmes, desenhos, propagandas, enfim, uma

bricolagem de imagens ícones de várias gerações.

A plateia aguardava o ―início‖ da encenação, e repentinamente, caminhando a passos

lentos surgia uma persona toda de preto, com o rosto coberto. Possuía um espelho fixado na

altura de seu estômago. A ideia do estômago nos remete a metáforas diversas. Sendo o

estômago responsável pela digestão e absorção, não estaria nas entrelinhas nos sugerindo que

o uso e assimilação das tecnologias digitais no teatro se encontram em processo digestivo? Ou

ainda, o apetite por inovações no teatro? Seria um convite a degustar e posteriormente digerir

o experimento ali proposto? Uma alegoria? Enfim, as leituras são as mais diversificadas,

ficando a cargo do espectador valer-se de suas referencias e a partir daí iniciar um jogo de

diálogo com a obra.

Efetuou um lento transitar por entre a plateia, ora se posicionando frente a frente com

alguns espectadores e permanecendo imóvel por algum tempo. As reações eram as mais

16

Ver Berman (2007) e Bauman (1998; 2001).

Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi

Imagem 24 – Profanações GAG Phila7 Imagem 25 – Profanações GAG Phila7

Page 92: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

91

variadas. Após esse transitar, retirou-se assim como chegou, sem fazer alarde. Seguiu sua

lenta caminhada a céu aberto, rumo ao infinito sombrio, delimitado por árvores, concreto e

arames.

Surgiu então uma espécie de narrador, que após proferir seu texto, convidou a todos

para adentrar no local delimitado pela fita zebrada dizendo: ―estamos todos nisso, e cada vez

mais vamos estar nisso17

‖. A plateia nessa ocasião portava-se diversificadamente, uns

atendiam ao chamado prontamente, outros hesitavam; todos porém, acabavam cedendo e se

acomodando no espaço, quase sempre de forma frontal, o que nos faz levantar

questionamentos acerca dessa conduta. Trataria-se de um condicionamento, ou a encenação

não criou mecanismos que explicitassem ou sugerissem outras ocupações e posicionamentos

perante a cena?

Surgem então atores trabalhando seus enunciados de formas variadas, utilizando por

vezes recursos mais comuns a uma estética do filme ou do vídeo, a exemplo: repetição, tanto

do texto como de uma sequência de movimentos; simultaneidade; fragmentação do gesto;

aceleração e desaceleração; elipse narrativa. A cena se dá em torno de uma fogueira, a qual

ilumina o espaço com suas chamas. A concepção da iluminação nessa cena resume-se a essa

17

Fragmento do texto Estado de Sítio de Albert Camus.

Imagem 26 – Profanações Cena e Contágio

Imagem 27 – Profanações Cena e Contágio

Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi

Page 93: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

92

recurso. Os textos são densos e tratam de angústias, incertezas e questionamentos acerca do

humano e do futuro do humano.

Diante da eloquência dos atores surge uma personagem com um cajado na mão,

tornando-se o foco de atenção e conduzindo a plateia para um espaço adiante. Atua como

porta voz do grupo e retoma a temática das angústias, medos, incertezas e possíveis soluções

para o contexto de época ao qual vivem. Vê de forma pessimista os avanços da ciência e da

tecnologia como apontado anteriormente.

Fala de forma acalorada e os demais permanecem estáticos, deslocando-se, vez por

outra vagarosamente para visualizá-lo melhor. Tal personagem foi descrito no processo como

―Domedipoenico‖ por trazer em seu discurso fragmentos de Édipo Rei, de Sófocles,

mesclados ao discurso da personagem Domenico do filme Nostalghia (1983) de Andrei

Tarkovsky, texto que também integrou a superfície apresentada no Rio de Janeiro, porém de

outra forma, como descrito anteriormente.

Não seria algo antagônico, mas algo que num crescente mescla teatro ritualístico a

teatro contemporâneo, se utilizando de tecnologias digitais, não as hierarquizando, mas

demonstrando que são recursos que estão postos, podendo ser usados associadamente ou

simultaneamente a outros recursos cênicos, efetivando dessa forma um diálogo e auxiliando

no processo criador. Ao mesclar recursos de épocas distintas propõe-se uma discussão acerca

do uso e dos avanços da tecnologia, não as vendo apenas de forma otimista e tampouco

pessimista, mas tentando perceber e problematizar questões éticas, estéticas e políticas que

estão em torno de seus usos.

Ao fim de seu discurso, reaparece o narrador, e por um sinal já codificado pela plateia

– o tilintar de um sino –, a conduz para um espaço que ladeia uma sala e que dá acesso a uma

Imagem 29 – Profanações Cena e Contágio Imagem 28 – Profanações Cena e Contágio

Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi

Page 94: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

93

cerca de arame farpado que circunda uma reserva de mata atlântica. A plateia se mescla aos

atores, esses, trabalham a enunciação ora intercaladamente, ora em coro.

Os fragmentos de textos são do escritor e dramaturgo alemão Heiner Müller (1993), que

se caracteriza pela produção de textos para o teatro, não se restringindo ao universo da

dramaturgia. Fernando Peixoto (MÜLLER, 1993, p. 09) na apresentação do livro

Medeamaterial e outros textos define sua obra como possuidora de ―[...] extraordinária

riqueza temática estruturada mediante uma postura revolucionária em todos os seus aspectos.

São narrativas que, muitas vezes, se apoiam, inesperadamente e deliberadamente, na noção de

desestrutura [...]‖.

Com narrativas que por sua linguagem fragmentada, descontinuada, interrompidas,

incompletas, muitas vezes associadas às temáticas do pós-guerra, evidenciam questões muito

próximas ao contexto de época ao qual estamos vivendo, como o medo, a incerteza, a solidão,

a paciência ou sua falta e as angústias do homem contemporâneo.

A partir dos fragmentos que compõem a dramaturgia podemos fazer analogia à

metáfora da fina casca de gelo da qual Bauman (1998; 2001) se apropriou18 para ilustrar na

pós-modernidade a ―correria‖ à qual nos submetemos sem saber bem por que. Segundo o

autor, sabemos apenas que é necessário corrermos pois, caso paremos, a casca de gelo se

rompe e nós morreremos afogados. Para o autor, esse período retrata o despertar da

consciência pós-moderna a partir da tomada de consciência do fracasso em relação à

modernidade. Argumenta que a modernidade fracassou nas utopias que nos prometeu – da

construção de um mundo simétrico, organizado e racional –, evidenciando que esse foi um

longo processo. Definindo a pós-modernidade como um despertar maldito de um sonho

colorido, o autor a apresenta, porém, como um momento de esperança que irá suplantar os

problemas da modernidade.

Num rompante surge uma personagem que corre entre a mata como um fugitivo de

guerra. A locação de fato nos remete a um campo de concentração, com arames farpados que

o delimita; ouve-se um estrondo, um estampido e, o homem cai ao chão. Levanta-se

lentamente e profere um texto. Os demais personagens, exceto o narrador, juntam-se a ele e

correm em sentido contrário mata adentro. A plateia permanece e é conduzida pelo narrador

até uma sala. Trata-se de uma sala de aula localizada no campus I da UFPB, situada no Centro

de Informática – CCEN ao lado do LAVID.

18

Desenvolvida originalmente pelo filósofo Ralph Waldo Emerson.

Page 95: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

94

Durante a temporada a universidade encontrava-se em greve, e a exigência, devido a

questões técnicas de apresentarmos nosso experimento nessa localização acabou prejudicando

nossa audiência, já que as atividades cotidianas da instituição encontravam-se suspensas,

reduzindo assim a movimentação de possíveis espectadores. Pode-se apontar também como

complicador, o difícil acesso ao local do experimento.

Ao se entrar na sala, estão visivelmente dispostas algumas cadeiras em forma de U,

assim como cartazes com frases como as referenciadas anteriormente. Frases que refletem a

proposta cênica, o processo, as inquietações dos integrantes, bem como, questões postas para

reflexão dos espectadores. Ainda nessa sala, vê-se uma mesa caoticamente coberta por objetos

e todo um aparato tecnológico que não faz a mínima questão de se esconder; ao contrário,

muitas vezes evidenciados com faixa zebrada alertando ao público a sua existência, evitando

assim acidentes. A plateia acomoda-se enquanto os atores chegam.

Diante da plateia os atores, que agora se encontram vestidos apenas com bases pretas,

vestem seus figurinos que estão dispostos em uma arara no canto da sala. Tratam-se de roupas

cotidianas como jeans, camiseta, casaco, etc. A partir da entrada na sala é possível observar

uma mudança brusca em relação aos figurinos e a concepção estética. Na fase que antecede

tal entrada, os figurinos são elaborados com lixo, resto, sobra de aparatos tecnológicos que já

se tornaram obsoletos, construindo uma narrativa da aceleração tecnológica, tendo a

Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi

Imagem 30 – Profanações Cena e Contágio Imagem 31 – Profanações Cena e Contágio

Page 96: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

95

encenação um ar ritualístico; já as cenas que se desenrolam na sala, são mediadas

tecnologicamente.

O diálogo permanente entre o analógico e tecnológico na mesma encenação reafirma

que o teatro pode se valer de recursos, dispositivos e suportes variados em suas proposições

estéticas, abrindo novas frentes e possibilidades, enriquecendo o fazer teatral e suscitando

reflexões e experimentações.

Blackout. Chega até a sala uma voz amplificada, a qual podemos identificar como

sendo a de uma atriz que se encontra deslocada do espaço cênico visível. Sua imagem é

captada em tempo real e projetada nas paredes da sala, assim como sua voz, também captada

em tempo real com auxílio de microfone e direcionada para a sala com uso de caixa

amplificadora portátil. Pavis (2010, p. 179) aponta que o uso de microfones confere ao ator

outra tonalidade emocional na medida em que ―não apenas aumentam o volume de sua voz,

mas que também lhe retrabalham, reverberando ou distorcendo, a voz, mixando-a no conjunto

da paisagem sonora‖.

A referida personagem, definida no processo como ―oráculo‖ faz previsões, profere

textos instrutivos, interage com os demais atores e, após sua reaparição repentina some da

mesma forma, assim como no início da encenação, porém, dessa vez com o rosto à mostra.

Acendem-se as luzes e inicia-se a cena que antecede a interação (via web) com o Phila7, na

qual a personagem ―Domedipoenico‖ morre de forma simbólica e poética.

Imagem 32 – Profanações Cena e Contágio Imagem 33 – Profanações Cena e Contágio

Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi

Page 97: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

96

Nesse momento já havia um feedback via bate-papo, que é um sistema que possibilita

a comunicação entre os controladores do Articulador, Codificador e Decodificador previsto na

Arthron e/ou telefonia móvel do ponto em que se encontravam os atores do Rio de Janeiro,

sendo por vezes necessário aos atores de João Pessoa improvisarem cenas de interação com a

plateia até o momento exato em que atores do Rio de Janeiro e João Pessoa contracenassem.

Abre-se a conexão. Os atores dirigem-se à mesa citada anteriormente. Projetado na

parede ao fundo uma mesa que se encontra deslocada espacialmente e é complementada com

a imagem captada da mesa que compõe a cenografia. As projeções unem-se e formam a partir

de um jogo de câmera, uma única mesa.

3.2.3 Jogo de presenças: interação Phila7 (Rio de Janeiro/RJ) / Cena e Contágio

(João Pessoa/PB)

Dispostos na mesa, encontram-se os atores das superfícies do Rio de Janeiro e de João

Pessoa. O diálogo é estabelecido. Cria-se uma terceira via que mescla realidade com realidade

virtual, estabelecendo o compartilhamento do espaço cênico ao espectador. Tal recurso vale-

se da ferramenta Arthron e de uma rede de alta velocidade exclusiva para sua execução.

Utilizada para transmissão dos pacotes por meio de streaming de áudio e vídeo, minimiza

dessa forma falhas na transmissão do audiovisual e constitui um diálogo em tempo real entre

os espaços cênicos distantes geograficamente.

Na proposta ora apresentada, a mídia abandona uma função ilustrativa, propondo

novos olhares. O vídeo live não se apresentava indispensável, porém, o seu uso se apresenta

como forma de discutir desdobramentos e possíveis usos das tecnologias digitais na cena

contemporânea, tematizando um dos elementos centrais de discussão na encenação – a

presença do ator.

Durante o processo foram experimentadas possibilidades cênicas com mediação, em

se trabalhando estados de presenças do ator e ―brincando‖ com os equipamentos disponíveis.

Assim, foi se descobrindo possibilidades de dialogar com o performático e o imprevisto das

tecnologias. A busca se deu na perspectiva de solucionar cenicamente esses jogos de

presenças possíveis entre atores deslocados geograficamente, possibilitados a partir da

interface cena/tecnologia, visando uma potência no ver e no dizer em relação a esses atores.

Como representar essa interação dando-lhe a potência necessária para que seja

percebida como em tempo real? Quais recursos buscar para que o pacto entre encenação/vídeo

live e espectadores se estabeleça? Perguntas que não possuem uma única resposta e que se

Page 98: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

97

apresentam como impulsionadoras de outros processos. Questões que podem aparecer de

formas variadas de acordo com as proposições estéticas e políticas abordadas por quem as

discute, inseridas em um terreno permeado por incertezas e possibilidades infindas.

Durante nosso processo, a partir das interações entre os grupos envolvidos, surgiu a

ideia de solucionar cenicamente a cena mediada tecnologicamente promovendo um banquete.

Ora, os banquetes eram por excelência lugares de encontro. Na Grécia antiga eram destinados

a discussões filosóficas e se apresentavam como instrumento de formação dos indivíduos e

das relações afetivas, se caracterizando também como lugar de divertimento, solidariedade e

fortalecimento de relações de amizade; regado a vinho, música e dança, transitando do

sagrado ao profano.

Outra temática possível de se abordar junto ao banquete é a do processo civilizador,

como ele nos condiciona e nos regra. Como nos portamos ao ingerir algo, mesmo que de

forma simbólica? Em nosso banquete optamos por ―servir‖ aos olhos e a imaginação

taxonomias e enumerações (im)possíveis de objetos que representam o mundo valendo-se de

uma liberdade poética em referência as obras do artista brasileiro Arthur bispo do Rosário e a

ópera 100 Objetos para Representar o Mundo do britânico Peter Greenaway.

A ―degustação‖ inicia-se com um diálogo entre os atores do Cena e Contágio

localizados em João Pessoa/PB e os atores do Phila7 localizados no Rio de Janeiro/RJ, ou

seja, dos atores que se encontram em presença física com os atores que chegam em fluxos de

imagens, processo que possibilita o tráfego dos atores de um lugar ao outro criando um não

território.

Imagem 35 – Profanações Cena e Contágio

Foto Larissa Hobi Foto Maíra Spanghero

Imagem 34 – Profanações GAG Phila7

Page 99: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

98

Por meio de uma ―Catalogação dos objetos do mundo‖, fez-se uma alegoria visando

representar a sintaxe do mundo, que se apresenta de forma fragmentada em alusão ao contexto

de época no qual estamos inseridos. A partir dos objetos selecionados e expostos nas mesas,

busca-se por meio da subjetividade aliada ao jogo de cena, transfigurar em metáforas

renovadas do mundo os objetos. Dessa forma, os atores criavam sucessivamente, a partir de

improvisações, ―legendas‖ para os objetos selecionados, a exemplo de: gaiola – condomínio

privê do homem contemporâneo; sutiã – uma revolução; penico – chapéu dos pseudo-

intelectuais.

Essa dinâmica abria margem para que a presença no tráfego digital fosse percebida e

sentida como presença, porém, observamos que nem sempre ocorria essa efetivação da

potência. É preciso ter em mente, e isso se apresenta como um desafio para o ator, que nesse

tipo de proposta ele precisa trabalhar enquanto elemento de encenação no espaço cênico

visível, como também no fragmento mediado, tendo consciência de que apesar de não estar

exclusivamente a serviço da câmera, trabalha em espaços conectados e precisa se adequar a

algumas especificidades exigidas pela estética adotada.

Após a catalogação, inicia-se um diálogo a respeito de questões filosóficas, éticas,

estéticas e políticas. A cena composta por um grande banquete fica aberta para os

espectadores, que nem sempre percebem essa possibilidade ou se sentem à vontade para

participar. Os objetos são comidos simbolicamente após sua catalogação, sendo

posteriormente degustados/digeridos e utilizados para construir imagens. Construídas no

decorrer da cena, essas imagens por vezes buscam recuperar o que foi dado como lixo, como

obsoleto, por meio de sua reutilização na construção de uma narrativa visual.

As presenças mediadas tecnologicamente, que é um dos pontos centrais na proposta,

não é forjada, ficando evidente a partir de elementos que constituem a cena como a

iluminação e a cenografia, que não são idênticas, buscando admitir essas presenças que

coexistem na atualidade ao invés de tentar falseá-las. Essa possibilidade de presença mediada

tecnologicamente, trabalhada no experimento, ora se efetiva ora não.

Aos atores que ousam trabalhar com essa metamorfose corporal, em que a presença

física transpõe o espaço imediato, chegando em tempo real a outros espaços, cabe criar

técnicas e mecanismos para comandar esse corpo que está presente e em fluxos, gerando uma

ampliação do diálogo e buscando uma outra concepção de corpo. ―A esse estágio do saber e

da tecnologia corresponde um desejo de corpo renovado, fantasiado de modo diverso, fonte de

gestos e de emoções rejuvenescidos, não é impossível que um outro corpo nasça da espuma

dos números‖. (COUCHOT; TRAMUS apud PAVIS, 2003, p. 42)

Page 100: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

99

Durante um bom tempo é projetada a imagem da mesa, os atores na maioria do tempo

pareciam atuar sem estar conscientes da câmera, ficando a cargo da mesma captar seu objeto,

criando uma ambiência naturalista ou documentária. Porém, apesar de aparentemente ignorar

a captação, os atores estão conscientes da existência das câmeras e esforçam-se para cumprir

suas exigências técnicas.

Em um dado momento, essa câmera se torna fluida, se desmancha a imagem inicial da

mesa e o cameraman capta algumas imagens sem pretensão a exaustividade, o que podemos

descrever valendo-nos de Pavis (2010) como ocorrendo ―uma intrusão planejada na

intimidade cênica, ali onde normalmente se pode olhar, mas nunca de tão perto‖ (PAVIS,

2010, p. 197). Abre-se espaço para a poética da câmera, que aos olhos da plateia ―brinca‖

captando imagens diversificadas, utilizando conceitos estéticos de mídias diferentes, a

exemplo do vídeo e do cinema em um novo contexto.

Em João Pessoa, após a interação os atores saem da sala. As imagens advindas do

espaço cênico expandido permanecem sendo projetadas, os atores aguardam na parte externa

até a plateia perceber que a encenação chegou ao fim. Na medida em que saem, eles são

aplaudidos. No Rio de Janeiro, o final assemelha-se ao de João Pessoa, porém, os atores não

aguardam a plateia sair da sala e, por vezes, permanecem no ambiente vários dos performers.

Outras superfícies foram desenvolvidas conjuntamente com os processos descritos.

Tão importantes e necessárias para o desenvolvimento, concepção e realização do projeto

proposto. Descreveremos de forma sucinta, por não serem o fulcro das discussões propostas

nesta dissertação.

Imagem 37 – Profanações GAG Phila7 Imagem 36 – Profanações Cena e Contágio

Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi

Page 101: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

100

3.2.4 Lavid

Criado em 2003, o LAVID está vinculado ao Departamento de Informática (DI) da

UFPB. Sua criação se deu visando o desenvolvimento de projetos de pesquisa em hardware e

software voltados às áreas de Vídeo Digital, Redes de Computadores, TV Digital e Interativa

e Middleware.

Tido como referência nacional e internacional em desenvolvimento de tecnologia para

TV Digital, o laboratório conta com a colaboração de mais de 40 jovens pesquisadores, dentre

eles doutores, mestres e graduandos. As pesquisas desenvolvidas são realizadas em parceria

com outras universidades, institutos de pesquisa e empresas da iniciativa privada. O

laboratório conta também com financiamento de instituições parceiras para a área de

desenvolvimento, a exemplo da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Financiadora de

Estudos e Projetos (FINEP) e CNPq.

A equipe composta por pesquisadores do LAVID teve como coordenador geral do

projeto Tecnológico Erick Augusto Gomes de Melo, ficando a cargo da equipe por ele

coordenada a assistência e execução do projeto tecnológico. Junto ao Núcleo Cena e

Contágio, fez o acompanhamento diário durante os ensaios e temporada, prestando ainda

consultoria junto à equipe do Rio de Janeiro.

Na fase inicial do processo, dois peritos na ferramenta Arthron deslocaram-se para a

cidade do Rio de Janeiro para dar suporte, instalar e apresentar a ferramenta, capacitando

dessa forma o técnico responsável por sua utilização junto ao Phila7. Para quem já possui

conhecimentos prévios exigidos para utilização da ferramenta, a capacitação irá lhe tornar

apto para inicializar a ferramenta, assim como controlar os fluxos distribuídos por meio de

suas funcionalidades, sendo a mesma de fácil manipulação. Após capacitação in loco, a

consultório deu-se por meio de mediações tecnológicas.

Em seu manual, a ferramenta encontra-se assim descrita:

A Arthron é uma ferramenta para facilitar a execução de performances

artísticas que utilizam representações midiáticas e o compartilhamento de

espaços reais e virtuais em tempo-real. Para tanto, apresentam-se

experiências no âmbito de pesquisa e desenvolvimento em Arte e

Tecnologia, bem como a experiência dos autores na realização dos

espetáculos Versus, InToque e e-Pormundos Afeto. A Arthron tem por

principal funcionalidade oferecer ao usuário uma interface simples para

manipulação de diferentes fontes/fluxos de mídia simultâneos. Dessa forma,

o usuário pode, remotamente, adicionar, remover, configurar o formato de

apresentação e programar a exibição no tempo (quando apresentar?) e no

Page 102: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

101

espaço (onde apresentar?) dos fluxos de mídia de um espetáculo.

(TAVARES et. al., 2009, p. 03).

Desenvolvida para performances artísticas mediadas, a Arthron teve suas primeiras

experiências junto a espetáculos do grupo coordenado pela professora Dra. Ivani santa, o qual,

em parceria com o LAVID e por meio de apoio da RNP desenvolveram a ferramenta Arthron.

Termos junto ao projeto a equipe do LAVID foi de extrema importância, já que são

peritos, e deram o suporte necessário para que a proposição estética que se valia de

transmissão de audiovisual em tempo real em alta resolução se desse da melhor maneira

possível.

3.2.4 MidiaLab

Criado em 1986, o Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional (MídiaLab), é um

espaço destinado a arte e pesquisa. Em seus 27 anos de existência, já passou por mudanças na

nomenclatura. Intitulado inicialmente de Laboratório de Imagem e Som (1986), passou

posteriormente a se chamar Laboratório de Pesquisa em Arte e realidade Virtual (2000),

sendo atualmente intitulado de Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional em função da

abrangência das pesquisas realizadas.

Coordenado pela professora Dr. Suzete Venturelli, o laboratório conta com a

participação de bolsistas de Iniciação Científica, estagiários e estudantes da graduação e pós-

graduação em Arte, vinculados a linha de pesquisa arte e tecnologia. Os trabalhos

desenvolvidos apresentam propostas diversificadas, a saber: criação de animação, vídeos, arte

computacional, dispositivos não convencionais de interação, ciberintervenções urbanas,

realidade aumentada urbana (RUA), entre outros; projetos esses, desenvolvidos em

colaboração com outras áreas de pesquisa, envolvendo questões sócio-políticas e políticas no

contexto da arte, ciência e tecnologia.

Junto ao projeto Profanações, o MidiaLab foi responsável pela concepção,

desenvolvimento e manutenção do site < http://profana.art.br/>. Além do site principal,

desenvolveu também uma página web para upload de imagens chamada Fluxo de Imanência.

Como informado no site do MidiaLab, a web podia ser alimentada por qualquer visitante

interessado, sem qualquer cadastro, concedendo anonimato e livre expressão, por se

apresentar como uma proposta colaborativa junto ao espetáculo, sugere que o conteúdo seja

atualizado durante a apresentação revelando múltiplos olhares. Entretanto, a possibilidade de

Page 103: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

102

fazer o upload a qualquer hora, de qualquer imagem, rompe com a linearidade dos

acontecimentos e temáticas, fomentando associações que extrapolam o próprio experimento.

Dessa forma, o público pode interagir de duas formas: na primeira, on line,

colaborando com a construção do espetáculo com o envio de textos, sons e imagens durante

as transmissões ao vivo através de um programa construído especificamente para isto; na

segunda, por meio de TIC‘s off line, podendo interagir em momentos diferentes ao das

apresentações através de redes sociais e de um site criado para que participe enviando

arquivos e links que podem ser usados posteriormente nas apresentações. O Site serve ainda

como registro do processo de criação.

3.2.5 Dramaturgia e cena: gêneros e linguagens

O grupo de Pesquisa Dramaturgia e Cena: gêneros e linguagens surgiu em 1999 tendo

como uma de suas coordenadoras a professora Dra. Ana Maria de Bulhões-Carvalho,

responsável pela Coordenação e mediação do seminário ocorrido no dia 22 de agosto de 2012

nas instalações da Oi Futuro Flamengo. O seminário, que integrou o projeto Profanações,

visou discutir temas pertinentes a temática abordada no experimento, contando com as

participações da performer e professora Dra. Tânia Alice e do professor Dr. Charles Feitosa

no debate.

Imagem 38 – Interface gráfica

Imagem 39 – Interface gráfica

Site profana.art.br Site profana.art.br

Page 104: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

103

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assumir as rupturas não equivale a suportá-las

inconscientemente ou indiferentemente, mas sim a

integrá-las numa concepção estética e numa totalidade

orgânica.

(Jean-Jacques Roubine)

Considerando a arte como ponto de convergência para se pensar as mutações em

âmbito social e cultural é possível perceber que tais avanços tecnológicos e as artes se

contaminam mutuamente, gerando um deslocamento na lógica da composição teatral.

Movimento esse, iniciado com as vanguardas artísticas e que vem se intensificando

gradativamente, abrindo possibilidades de construções e hibridizações das mais diversas

possíveis.

Por meio do entrecruzamento e das contaminações emergem propostas estéticas que

tecem relações entre mídias distintas que, através do diálogo desses entrelaçamentos,

proporcionam um tencionamento paradigmático. É nesse lugar limítrofe em que as mídias

confluem que, ocorre entre as artes/tecnologias uma apreensão mútua de recursos e formas de

estruturação.

As possibilidades abertas pelo duplo virtual (internet/web) gerou um outro tipo de

teatro, com outra base material e novas formas de organização e estruturação, atestando ―a

maneira pela qual as mídias (exteriores à obra cênica) se integram a materiais da

representação utilizando propriedades historicamente atestadas dessas mídias de origem e

tomando então, nesse novo contexto, uma dimensão bem diferente‖ (PAVIS, 2005, p. 43),

caracterizando os desdobramentos das novas formas de intermidialidade trazidas com os

avanços tecnológicos. Porém, tais mudanças levantam questões se tais produções seriam um

gênero teatral ou se configurariam como uma ―submídia‖ da mídia teatro.

Por se tratar de uma discussão relativamente recente e de composições intermidiáticas,

gera dúvidas e questionamentos acerca do que se produz. Uma variedade de termos tem sido

sugerida para designar tal fenômeno, como: ciberteatro, teatro digital, teatro tecnológico,

teatro high-tech, dentre outros. Junto com os rótulos, diversos debates tem emergido, uns

pautados na utilização das tecnologias de forma ilustrativa ou como suporte, outros,

apontando as transformações advindas por estas propostas, como também, possíveis usos de

tais tecnologias.

Page 105: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

104

Dessa forma, esse tipo de estética, assim como outras as quais o teatro se vinculou

após a década de 1970 trazem consigo uma dificuldade de nomeação, leitura e análise,

suscitando vários conceitos e nomenclaturas para as designar:

[...] uma série de nomeações que, há pelo menos três décadas, tenta dar conta

da pluralidade fragmentaria da cena contemporânea, especialmente dessas

espécies estranhadas de teatro total que, ao contrário da gesamtkustwerk

wagneriana, rejeitam a totalização, e cujo traço mais evidente talvez seja a

frequência com que se situam em territórios bastardos, miscigenados de artes

plásticas, música, dança, cinema, vídeo, performance e novas mídias, além

da opção por processos criativos descentrados, avessos à ascendência do

drama para a constituição de sua teatralidade e seu sentido. (FERNANDES,

2010, p. 43).

Em relação à criação de termos para mencionar as diversificadas formas de teatro que

se apropria das tecnologias digitas – trazendo para o nosso recorte –, os teóricos e/ou pessoas

do teatro visam evitar com essas novas designações termos que se situam dentro da tradição,

pretendendo com isso expandir o fazer teatral. Situamos nessa perspectiva o diretor de

Profanações, ao criar novas nomenclaturas para designar modos renovados de fazeres já

consagrados. Cauquelin (2008, p.137) nos propõe que: ―entramos nas ideias pelas palavras.

Entramos em um espaço ‗outro‘ pela linguagem‖.

O teatro sempre se valeu de tecnologias cênicas referentes ao seu contexto de época,

porém, é a partir do surgimento da encenação e as possibilidades advindas com ela, admitindo

a regulagem dos diversos elementos pertencentes à cena que, o teatro passa a se estruturar

seguindo outra dinâmica de composição. Essa abertura permite ao teatro solicitar o uso das

mídias não apenas como técnica e forma, mas sim, abrangendo todo o sentido global da

encenação.

O uso das tecnologias no teatro, por muito tempo, limitadas a episódios irrealizáveis

pelos homens, a exemplo de voar, deslocar-se e desaparecer, eram utilizadas em

circunstâncias excepcionais, visando a não desvinculação das ações a explicações

verossímeis. Na atualidade, expande-se e admitem-se possibilidades infindas de seus usos que

irão se filiar a proposições estéticas. Ora, pode-se fazer uso das tecnologias para criar ou

evidenciar a ilusão, como também, optar por subverter a ilusão e escancarar de forma brutal a

teatralidade do teatro.

[...] As imagens de vídeo, de formato maior ou menor, segundo o suporte de

transmissão, ampliam para um contexto totalizante a ação que se desenrola

no palco. Mas, ligadas a uma lógica de fragmentação, de atomização, elas

têm, sobretudo, funções espetaculares, narcísicas, mnemônicas,

Page 106: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

105

introspectivas, intimistas, lúdicas, elas dão a ver o ―não mostrável‖ na cena

ou perturbam a visão do espectador. Escavando a imagem cênica pelo modo

pelo qual elas aí se incrustam, como corpos estranhos, elas manipulam,

desconcentram, desestabilizam o público, pondo em abismo o real e o teatro,

introduzindo múltiplas possibilidades de variações sobre a distância e a

aproximação entre a cena e a plateia. (PICON-VALLIN, 2006, p. 100).

Na atualidade, vivemos sob o domínio da velocidade, da superficialidade. Vivemos

hoje on e off line o tempo todo, podendo recorrer ao uso da telefonia móvel 3G que nos

permite estar constantemente entre redes, para ilustrar tal fenômeno. Como se porta o teatro

diante das dificuldades com as quais ciclicamente é confrontado? Ao teatro cabe refletir-se,

criar estratégias que dialoguem com suas plateias habituadas as imagens em movimento, na

qual a percepção se pauta na simultaneidade. Enfatizamos que o surgimento de novas

possibilidades, a exemplo das advindas das tecnologias digitais, não anula formas e estéticas

já consagradas, surgem para somar, dialogar.

Não se trata de postular um ―novo teatro‖, colocado acima ou significando a superação

das formas tradicionais de expressão cênica. Trata-se, isso sim, de um debruçar-se sobre um

meio de manifestação que encontrou no espaço cênico um fértil terreno para sua evolução e

que, de maneira intensa e crescente, está a abrir novas frentes de discussão sobre o papel e o

alcance das formas dramáticas estabelecidas.

Devido à revolução tecnológica, iniciada no século XIX, vivenciamos hoje, de forma

concreta, real o encurtamento de distancias e a ideia de fronteiras atenuadas. Como também,

as discussões de temáticas tradicionais ao fazer teatral, buscando estabelecer novos

parâmetros para solucionar questões oriundas das dicotomias – presente/ausente; ao vivo/

midiático; material/irreal; humano/inumano – as quais o teatro por muito se inseriu.

A revolução potencial, que as tecnologias digitais trazem consigo, enriquecem as

teorias do espetáculo com um novo pólo de reflexão e de experimentação, abrindo novas

frentes e possibilidades estéticas, afinal, movimentos isolados surgem em espaços distintos

simultaneamente. Esse é o legado da convergência das mídias, do disponível e transitório, dos

suportes compatíveis e acessíveis a praticamente todas as pessoas.

A tomada de consciência pode ser lenta, as resistências tenazes. Porém, o teatro

precisará se redefinir, não apenas em uma perspectiva estética, mas em relação a sua própria

identidade e finalidade, ao ser colocado em confronto com as tecnologias digitais; como já lhe

foi solicitado em outras circunstâncias.

Page 107: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

106

Podemos estimar que o confronto cotidiano com as mídias – do telefone à

televisão passando pelo cinema, o vídeo, a fotografia, o computador ou... a

escrita – influencia a nossa maneira de perceber e conceitualizar a realidade

e que nós percebemos também a realidade espetacular de modo diverso do

que há vinte, cinquenta ou cem anos. O impacto dessas mutações não é tanto

fisiológico quanto neurocultural: nossos hábitos de percepção mudaram,

ainda mais que nossa maneira de produzir e receber teatro evoluiu. (PAVIS,

2005, p. 41).

As propostas cênicas do GAG Phila7 se apresentam em consonância com encenações

produzidas nos últimos anos, sob uma perspectiva de tensões em relação aos modelos

tradicionais, chamando a atenção para os diversos modos que se apresentam e coexistem as

composições cênicas na atualidade. Isso reafirma que ao teatro cabe, a partir das mudanças da

constituição de seus públicos, renovar-se.

A presente proposta do GAG Phila7, ora analisada, se efetiva pelo modo

desestabilizador do trânsito entre presença física e presença imagética do ator, em que espaços

temporais heterogêneos são conectados por meio da mediação tecnológica. Como também, a

interação da plateia que se dá de forma a intervir na encenação em tempo real. Em suas

encenações o teatro imita, reflete e profana as tecnologias.

Em algumas cenas, a exemplo do banquete, tende ao caráter cinematográfico, se

valendo de recursos usuais nessa arte transpostos para o teatro, como também de truques de

câmera, que promove uma desmontagem da vivência do espaço e a ruptura da suposição de

realidade do contínuo espacial, fazendo com que as fronteiras que separam o teatro do cinema

se tornem fluidas por meio do tratamento diferenciado dos signos teatrais. Outra característica

é a interação. É previsto pelo Phila7 durante as apresentações que haja uma interação da

plateia por meio de aparatos tecnológicos de forma a intervir na encenação, todavia, não

presenciamos a efetivação de tal proposta.

Percebemos que, para tais proposições, é preciso definir a que se propõe a encenação

e como será concebida esteticamente. Como conduzir o processo dos atores para atingir o que

se propõe no campo das ideias. Como trabalhar a interação entre presença física e presença

imagética para que essa presença se efetive? Quais mecanismos criar para que seja sentida e

percebida como presença? Esses são alguns fatores-chave que permeiam tais proposições.

Precisamos criar estratégias que evidenciem o live das imagens que dialogam com os

atores presenciais, para não cair na armadilha de se criar um ambiente fantasmagórico, um

diálogo com ausentes, pensando ou propondo que uma imagem pré-gravada expõe ali

ausentes, diferenciando-se do live, que trabalha com outras presenças possíveis. Já o vídeo

Page 108: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

107

pré-gravado, a fotografia, o filme, no ato de sua exposição trabalha com a vinculação de

ausentes.

Ao traçarmos um paralelo com a ideia de confiança proposta por Giddens (1991),

propusemos pensar o espectador enquanto passível de fé no evento, depositando confiança em

relação à interação entre atores em presença física que, dialogam com atores que se

presentificam por meio de mediação tecnológica em um fluxo de imagens e sons chegando

em tempo real, pois, ao crer e creditar fé que as imagens chegam em tempo real, o espectador

faria uma espécie de pacto com o evento que ocorre, creditando confiança ao sistema perito

empregado para que tal evento seja possível e plausível de acontecer.

Ao propomos uma análise por via da hermenêutica, levamos em conta que o uso das

tecnologias nos processos cênicos podem se apresentar de formas distintas, inclusive opostas,

fazendo-se necessário uma analise com base no referencial teórico que explore o sentido

proposto. Dessa forma, o conhecimento teatral espirala dentro e fora do universo do fenômeno

teatral, reconstituindo tanto este universo como a si mesmo como uma parte integral deste

processo. O discurso teatral e os conceitos, teorias e descobertas das outras áreas de

conhecimento continuamente ―circulam dentro e fora‖ daquilo de que tratam. Assim fazendo,

eles reestruturam reflexivamente seu objeto.

O espaço-tempo cotidiano é percebido de outra forma, não estando mais associado ao

lugar para regulá-lo. Nossa descrição pauta-se nesse espaço tempo fragmentado para tratar do

espaço cênico, que difere do espaço/tempo/ação da narrativa teatral, que pode representar e/ou

fazer referência ao espaço-tempo fragmentado que vivenciamos, como também, pautar-se, nas

unidades de tempo e espaço, propostas em estéticas e tratados diferentes.

É indiscutível pela incontestabilidade, a necessidade nesses tipos de propostas de se

trabalhar com equipes multidisciplinares. Por abordar questões de áreas distintas e que

envolvem sistemas peritos, faz-se necessário para o bom andamento e efetivação do que se

propõe no plano das ideias, o suporte de peritos em suas respectivas áreas.

É possível verificar que ocorre uma reconfiguração nos processos composicionais do

Phila7, como evidencia seu diretor em entrevista à Larissa Hobi. Corrobora também, para tal

diagnóstico, o processo ao qual vivenciamos junto ao Profanações.

As dificuldades enfrentadas diante das incertezas de como se operacionalizar o que já

se compreende e se busca tecnicamente e esteticamente apresenta-se como um desafio

constante. A busca por soluções que efetivem a potência desses atores que trafegam entre

redes e espaços; o trabalho do ator que solicita uma atenção redobrada, diante do desafio de

atuar para uma plateia presencial e, simultaneamente, contracenar com um ator deslocado

Page 109: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

108

geograficamente. Diante dessas e outras dificuldades surge à necessidade de se criar novos

códigos durante os processos.

Nos fragmentos abaixo, Velloso (2011) relata algumas dificuldades, assim como

angústias e reivindicações, confirmando nossa hipótese de que ao se apropriar dos recursos,

suportes e dispositivos da era digital, ocorre um deslocamento na lógica da composição

teatral, assim como, um deslocamento das certezas de possibilidades da dupla

teatro/tecnologia. Esses novos modelos solicitam novos códigos em relação a antigas

categorias que, encontram-se saturadas, buscando soluções.

[...] Nós começamos a desenvolver uma dramaturgia – não tem dramaturgia

para isto, tivemos que desenvolver, precisávamos de novos códigos.

(VELLOSO, 2011, p. 82).

[...] Eles (os atores) tinham que trabalhar e entender essa presença (mediada

tecnologicamente) e isso foi uma luta, levou muito tempo para ser

compreendido como poderia ser feito. Precisamos desenvolver códigos

narrativos, imagéticos, cênicos e de atuação que dessem conta de estabelecer

uma linguagem comum para as três companhias. (VELLOSO, 2011, p. 83).

[…] tudo isso (o tráfego do ator entre presença física e presença imagética)

muda a posição do ator. Por exemplo, não trabalhávamos mais com o ator

atuando ou representando, mas com estados: o ator está naquele lugar,

naquela forma e com aquela percepção de corpo e de sentidos, que podem se

alterar o tempo todo. Então, é preciso construir novas terminologias pra o

que acontece, porque quando um ator vai fazer esse tráfego – e ele está

fazendo isso o tempo todo, pois está atuando aqui, ao vivo, mas está atuando

também na Inglaterra, com o ator de lá, através da imagem, e é uma presença

concreta, pois ele esta lá –, então, você não pode nem usar de uma

teatralidade excessiva e nem de uma postura de cinematografia excessiva.

(VELLOSO, 2011, p. 84).

[...] este continuum, essas formas de presença, começam a ser entendidos

como resultado de uma contemporaneidade que precisa ser apreendida

cenicamente, imageticamente, através de uma nova estética/ética.

(VELLOSO, 2011, p. 85).

O divisor de águas dentro dessa leitura toda foi o Play on Earth, porque o

que acontecia com ele nos obrigou a entender a questão da imagem e da cena

presencial de uma outra forma, pois era feito ao vivo nos três lugares,

linkados. (VELLOSO, 2011, p. 86).

[...] Houve uma evolução das questões ali colocadas (do espetáculo What’s

Wrong with the World? em relação ao Play on Earth), pois elas se

construíam nessas duas realidades que, pra nós, eram concretas. Este ―pra

nós‖é que é o problema, porque estes conceitos foram desenvolvidos durante

muitos anos de trabalho e, quando eles nascem para o outro, não

necessariamente este olhar está lá. (VELLOSO, 2011, p. 87).

[...] Vou aproveitar [...] pra te falar do problema que é, para os

entendimentos novos, usar terminologias que foram durante centenas de

anos se desenvolvendo para podermos nos comunicar quando falamos nos

formatos já estabelecidos. (VELLOSO, 2011, p. 88).

Page 110: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

109

É evidente o processo de adequações mútuas as quais o teatro, assim, como as

tecnologias precisam passar a partir do diálogo estabelecido. Essas mídias distintas irão

resultar em um outro produto, hibrido de suas linguagens, que irão refluir e contaminar-se. As

dificuldades apresentadas a quem pretende aventurar-se por este campo também são muitas,

assim como as possibilidades.

Como também, a consciência dos riscos aos quais nos sujeitamos ao optar por

trabalhar com tecnologias digitais em um processo cênico, pois, mesmo não possuindo

conhecimento dos códigos utilizados pelo perito em informática, temos consciência do risco

eminente de falha, queda de rede, queda de energia ou bug durante as apresentações. Porém,

ao escolher fazer uso das tecnologias em cena, aceitamos este risco, mas confiando na perícia

dos membros envolvidos, no caso do Profanações, dos integrantes do LAVID, para nos

garantir que ele será minimizado ao máximo.

Segundo Giddens (1991), o risco pressupõe o perigo. Ao arriscar-se o individuo se põe

em situação de galanteio junto ao perigo, o perigo se define como uma ameaça aos resultados

almejados. Então, ao se assumir um risco eminente, tem-se a consciência das ameaças que

estão em jogo. Uma das características do risco é que, ele normalmente é conscientemente

calculável. Esse tipo de risco, tido como aceitável, pode ser minimizado.

Essa discussão não visa validar se é ou não teatro, mas sim refletir e problematizar

sobre novas práticas que estão postas. Concluindo não ser possível se propor uma teoria

definitiva do imbricamento do teatro/ tecnologias, porém, é possível diagnosticar que ocorre

uma reformulação recíproca, em que a encenação se vale de tecnologias e se adéqua a

algumas singularidades, da mesma forma que, tecnologias passam por algumas adequações

nesse processo, ocorrendo uma fusão de horizontes.

Page 111: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

110

REFERÊNCIAS

LIVROS E PRODUÇÕES CIENTÍFICAS

AGANBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.

ALVES, Artur. Notas sobre o conceito de singularidade tecnológica. Argumentos de Razón

Técnica, n. 11, 2008. Disponível em: <http://institucional.us.es/revistas/revistas/argumentos

/pdf/numeros/11/3alves.pdf.>. Acesso em: 12 fev. 2010.

ARANTES, Priscila. @rte e mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: Senac, 2005.

ARAÚJO, Denize Correa (Org.). Imagem (ir)realidade: comunicação e cibernética. Porto

Alegre: Sulina, 2006.

ARAÚJO, J. Sávio. O. A Cena Ensina: uma proposta pedagógica para formação de

professores de teatro. 2005. 177 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, Natal, 2005.

ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual. São Paulo: Pioneira, 1995.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e

documentação: referências: elaboração. Rio de Janeiro, 2002.

___. NBR 10520: informação e documentação: citação em documentos: apresentação. Rio de

Janeiro, 2002.

___. NBR 6024: informação e documentação: numeração progressiva das seções de um

documento escrito: apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2003a.

___. NBR 6027: informação e documentação: sumário: apresentação. Rio de Janeiro, 2003b.

___. NBR 6028: informação e documentação: resumo: apresentação. Rio de Janeiro, 2003c.

___. NBR 14724: informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de

Janeiro, 2011.

AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1993.

BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d'água, 1991.

BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

___. Modernidade Líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001.

Page 112: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

111

BEIGUELMAN, Giselle. Link-se - arte, mídia, política, cibercultura. São Paulo: Petrópolis,

2005.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas - magia e técnica, arte e política. 7. ed. São Paulo:

Brasiliense, 1994.

BERMAN, Marshall. Tudo que sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São

Paulo: Companhia da Letras, 2007.

BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.

CAMUS, Albert. Estádo de Sítio; O Estrangeiro. São Paulo: Abril cultural, 1979.

CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.

4. ed. São Paulo: EDUSP, 2011.

CAVALCANTI, Helenilda. O pesquisador como hermeneuta. Recife: Fundaj/Inpso, 2002.

(Trabalhos para discussão, 138).

CARLSON, Marvin. Teorias do teatro: estudo histórico-crítico, dos gregos à atualidade. São

Paulo: UNESP, 1997.

___. Performance: uma introdução crítica. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

CARREIRA, André et al (Org.). Metodologia da pesquisa em artes cênicas. Rio de Janeiro: 7

Letras, ABRACE, 2006.

CARREIRA, André Luiz Antunes Netto; BIÃO, Armindo Jorge de Carvalho; TORRES

NETO, Walter Lima (Org.). Da cena contemporânea. Porto Alegre: ABRACE, 2012.

CARVALHO, Ana Maria Bulhões. Longe é um lugar que não existe: discussão de portas

abertas entre (novo) teatro e (novas) tecnologias. Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa,

v. 02, n.1, 2011. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/moringa/ index>.

Acesso em: 05 maio 2011.

CAUQUELIN, Anne. Teorias da arte. São Paulo: Martins, 2005.

___. Freqüentar os incorporais. São Paulo: Martins, 2008.

CLUVER, Claus. Intermidialidade. Pós: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes,

Belo Horizonte, v. 01, n. 01, 2008, p. 08-23.

___. Inter Textus / Inter Artes / Inter Media. In: AletriA. Belo Horizonte, v. 14, 2006.

Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_pgs/publicacao

002113.html>. Acesso em: 02 junho 2011.

COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1989.

Page 113: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

112

___. Work in progress na cena comtemporânea. São Paulo: Perspectiva, 2006.

___. Pós-teatro: performance, tecnologia e novas arenas de representação. Disponível em:

<www.itaucultural.org.br/proximoato/Papers/Texto%20PORT%20renato% 20cohen.doc>.

Acesso em: 13 abr. 2009.

DENZIN, Norman K. et al. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens.

Trad. Sandra Regina Netz. Porto Alegre: Artmed, 2006.

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 2010.

DOMINGUES, Diana; VENTURELLI, Suzete (Orgs.). Criação de poéticas digitais. Caxias

do Sul: EDUCS, 2005.

DOMINGUES, Diana (Org.). A Arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São

Paulo: UNESP, 1997.

___. Arte e vida no século XXI: tecnologia, ciência e criatividade. São Paulo: UNESP, 2003.

ECO, Umberto. Obra aberta. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.

ÉSQUILO; SÓFOCLES; EURÍPEDES. Prometeu Acorrentado; Édipo Rei; Medéia. São

Paulo: Abril cultural, 1980.

FERNANDES, Silvia. Teatralidades contemporâneas. São Paulo: Perspactiva: FAPESP,

2010.

GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica da obra de arte. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

GALIZIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. São Paulo: Perspectiva,

1986.

GIANNETTI, Claudia. Estética digital: sintopia da arte, a ciência e a tecnologia. Belo

Horizonte: C/Arte, 2006.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. São Paulo: Perspectiva, 1987.

GOMBRICH, E. H. Arte experimental: a primeira metade do século XX. In: ___. A História

da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Epifania/presentificação/dêixis: futuros para as humanidades e

as artes. In: ___. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de

Janeiro: Contratempo/ PUC Rio, 2010.

GUINSBURG, J.; FARIA, João Roberto; LIMA, Mariângela Alves de (Orgs.). Dicionário do

Teatro Brasileiro. São Paulo: Perspectiva/Sesc, 2006.

Page 114: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

113

GUINSBURG, J.; FERNANDES, Silvia (Orgs.). O pós-dramático: um conceito operativo?.

São Paulo: Perspectiva, 2008.

HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime. São Paulo: Perspectiva/FAPESP: 2010.

ISAACSSON, Marta. A presença como movimento da cena. Disponível em:

<http://www.portalabrace.org/vicongresso/processos/Marta%20Isaacsson%20-

%20A%20Presen%E7a%20como%20Movimento%20da%20Cena.pdf>. Acesso em: 19 Out.

2011.

___. Fluxos de imagens videográficas e seu modo operatório sobre a cena. Disponível em:

<http://www.portalabrace.org/vreuniao/textos/processos/Marta%20Isaacsson

%20%20Fluxos%20de%20imagens%20videogr%E1ficas%20e%20seu%20modo%20operat%

F3rio%20sobre%20a%20cena.pdf>. Acesso em: 19 Out. 2011.

___. Diálogos do ator com a tecnologia. Disponível em: <http://territorioteatral.org.ar/html.2/

articulos/pdf/n3_02.pdf>. Acesso em: 19 Out. 2011.

ITAULAB (Org.). Emoção art.ficial 3.0: interface cibernética. São Paulo: Itaú Cultural, 2007.

JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de

criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorze Zahar, 2001.

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

LEMOS, Renata. Singularidade e convergência. 2008. Disponível em:

<http://www.cencib.org/simposioabciber/PDFs/CC/Renata%20Lemos.pdf >. Acesso em: 09

fev. 2010.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual?. São Paulo: 34, 1996.

___. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999.

MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. 2.. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

MELO, Erick Augusto Gomes de. Arthron: uma ferramenta para gerenciamento e transmissão

de mídia sem performances artístico-tecnológicas. 2010. 95 f. Dissertação (Mestrado em

Informática) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010. Disponível em:

<http://www.radarciencia.org/Record/oai-bdtd-biblioteca-ufpb-br-1023> Acesso em: 28 de

Jun. 2013.

MOSER, Walter. As relações entre as artes: por uma arqueologia da intermidialidade.

Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_txt/ale_14/ale14_wm.pdf>.

Acesso em: 22 jul. 2011.

MÜLLER, Heiner. Medeamaterial e outros textos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo:

Itaú Cultural: Unesp, 2003.

Page 115: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

114

NERO, Cyro Del. Máquina para os deuses: anotações de um cenógrafo e o discurso da

cenografia. São Paulo: Senac/SESC, 2009.

NOVAES, Adauto (Org.). Mutações: ensaios sobre as novas configurações do mundo. São

Paulo: Sesc/Agir, 2008.

OLIVEIRA, Maria Cláudia. Hiperdrama: comunicação e cultura nas mídias digitais. 2005,

Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) - Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro, 2005.

PARENTE, André (Org.). Imagem – Máquina. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

___. A Encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas. São Paulo: Perspectiva,

2010.

___. A análise dos espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2005.

PICON-VALLIN, Beatrice. A arte do teatro:entre tradição e vanguarda: Meyerhold e a cena

contemporânea. Rio de Janeiro: Teatro do pequeno gesto/Letra e imagem, 2006.

PITOZZI, Enrico. Lógica da Composição: notas sobre a cena tecnológica. Moringa - Artes do

Espetáculo, João Pessoa, v.2, n.1, 2011. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/

ojs2/index.php/moringa/index>. Acesso em: 05 maio 2011.

PRADO, Gilbertto. Arte telemática: dos intercâmbios pontuais aos ambientes virtuais

multiusuário. São Paulo: Itaú Cultural, 2003.

RAMOS, Luiz Fernando (Org.). Arte e ciência: abismo de rosas. São Paulo: ABRACE, 2012.

RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. 2. ed. São Paulo: 34, 2009.

RATTO, Gianni. Antitratado de cenografia: variações sobre o mesmo tema. 2. ed. São Paulo:

SENAC São Paulo, 2001.

ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral, 1880 - 1980. 2. ed. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

RUSH, Michael. Meios de comunicação de massa e performance. In:___. Novas Mídias na

arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paullus, 2004.

___. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paullus, 2004.

___. Culturas e artes do pós-humano. 3. ed. São Paulo: Paullus, 2008.

Page 116: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

115

___. A relevância da arte-ciência na contemporaneidade. In: RAMOS, Luiz F. (org.). Arte e

ciência: abismo de rosas. São Paulo: Abrace, 2012.

SANTAELLA, Lucia; ARANTES, Priscila (Orgs.). Estéticas tecnológicas: novos modos de

sentir. São Paulo: EDUC, 2008.

SANTANA, Ivani. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias. São Paulo: Educ,

2002.

___. A imagem do corpo através das metáforas ocultas na dança-tecnologia. In:

CONGRESSO ANUAL EM CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO, 27., 2003, Belo Horizonte.

Anais... Belo Horizonte: INTERCOM, 2003.

SANTOS, Laymert Garcia dos. Humano, pós-humano, transumano - implicações da

desconstrução da natureza humana. In: NOVAES, Adauto (Org). Mutações: ensaios sobre as

novas configurações do mundo. São Paulo: Sesc/Agir, 2008.

___. Demasiadamente pós- humano - entrevista com Laymert Garcia dos Santos. Novos

Estudos, n. 72, 2005. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/nec/n72/a09n72.pdf>. Acesso

em 12 fev. 2010.

SARRAZAC, Jean-Pierre (Org.). Léxico do drama moderno e contemporâneo. São Paulo:

Cosac Naify, 2012.

SCHULRICHTER, Victor. A criação cenográfica: organização arquitetônica do espaço

teatral. Espaço Cenográfico News, n. 33, São Paulo: jun/2004.

SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno (1880-1950). São Paulo: Cosac Naif, 2001.

TAVARES, Tatiana; Santana, Ivani; Lemos, Guido; Melo, Erick (et. al.). Arthron: Uma

Ferramenta para Performances Artístico-Midiáticas Distribuídas. (Manual). Disponível em:

< Manual Arthron. Disponível em: http://www.lavid.ufpb.br/gtmda/Manual.pdf>. Acesso em 14 jun.

2012.

TONEZZI, José; SCHULZE, Guilherme. Cena, Tecnologia e Inovação: desafios para a

formação e a pesquisa em artes do espetáculo. Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa,

v.2, n.1, 2011. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ moringa/index>.

Acesso em: 05 maio 2011.

TUGENDHAT, Ernst. Nietzsche e o problema da transcendência imanente. 2002. Disponível

em: <http://www.cfh.ufsc.br/ethic@/ETHIC1~4.PRN.pdf>. Acesso em 09 fev. 2010.

UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.

VELLOSO, Rubens. Entrevista Cena Contemporânea e Tecnologia. Moringa – Artes do

Espetáculo. V. 2, n. 1, p. 81-89, jan./jun. 2011. Disponível:

<http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/moringa/article/view/9986/5466> Acesso em 12 set.

2011.

Page 117: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

116

VENTURELLI, Suzete. Arte: espaço_tempo_imagem. Brasília: Universidade de Brasília,

2004.

PÁGINAS E SITES ELETRÔNICOS

http://www.gag.art.br/cia_phila_7/

http://www.teatroparaalguem.com.br/

http://itaucultural.org.br/

http://www.robertwilson.com/

http://youtube.com.br/

http://www.cenaecontagio.blogspot.com/

http://www.arede.inf.br/

http://olats.org/

http://www.lavid.ufpb.br /

http://profana.art.br/

http://midialab.unb.br/

http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/moringa

http://www.dicweb.com/

http://culturadigital.br/arteemrede/2011/11/19/entrevista_ivani-santana/

http://www.festivalcenico.com.br/

http://www.revista.agulha.nom.br/

http://vimeo.com/user5016102/

FILMES

BLADE Runner. Direção: Ridley Scott. Produção: Michael Deeley. Intérpretes: Harrison

Ford; Rutger Hauer; Sean Young; Edward James Olmos e outros. Roteiro: Hampton Fancher

e David Peoples. Música: Vangelis. Los Angeles: Warner Brothers, c1991. 1 DVD (117 min),

widescreen, color. Produzido por Warner Video Home. Baseado na novela ―Do androids

dream of electric sheep?‖ de Philip K. Dick.

Page 118: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

117

GATTACA. Direção: Andrew Niccol. Roteiro: Andrew Niccol. Música: Michael Nyman.

Estados Unidos: Columbia Pictures Corporation, 1997. 1 DVD,widescreen, color. Produzido

por Columbia Pictures Corporation.

NOSTALGHIA. Direção: Andrei Tarkovsky. Roteiro: Andrei Tarkovsky; Tonino Guerra.

Rússia / França / Italia, 1983. 1 DVD,widescreen, color.

REFERÊNCIAS ICONOGRÁFICAS

ALICE Através do Espelho. 2010. 1 fotografia, color., digital. Disponível em:

<http://www.gag.art.br/cia_phila_7/>. Acesso em: 08 maio 2012.

BANKSY. Grafite Flower Chucker. s/d. 1 fotografia, color., digital. Disponível em: <

http://www.banksy.co.uk/>. Acesso em: 10 dez 2012.

CORTEZ, Mônica. Prometheus – a tragédia do fogo. s/d. 1 fotografia, color., digital.

Disponível em: < http://www.ciateatrobalagan.com.br>. Acesso em: 08 maio 2012.

DESCE! (amor de cão). s/d. 1 print screen, color., digital. Disponível em: <

http://www.teatroparaalguem.com.br/>. Acesso em: 08 maio 2012.

FERREIRA, Ricardo. WeTudo DesEsperando Godot. 2009. Coleção particular. 1 fotografia,

color., digital.

___. What´s Wrong with the World?. 2008. Coleção particular. 1 fotografia, color., digital.

HAMLET. s/d. 1 fotografia, color., digital. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br>.

Acesso em: 08 maio 2012.

HOBI, Larissa. Profanações Cena e Contágio. 2012. Coleção particular. 1 fotografia, color.,

digital.

___. Profanações GAG Phila7. 2012. Coleção particular. 1 fotografia, color., digital.

INTERFACE gráfica site profana.art. s/d. 1 print screen, color., digital. Disponível em: <

http://profana.art./>. Acesso em: Acesso em: 10 dez 2012.

KAO, Nelson. Nunca Feche o Cruzamento. s/d. 1 fotografia, color., digital. Disponível em: <

http://www.teatroparaalguem.com.br/>. Acesso em: 08 maio 2012.

LAZARO, Davi. Leonce e Lena. s/d. 1 fotografia, color., digital. Disponível em: <

http://maquinablog.wordpress.com>. Acesso em: 08 maio 2012.

LIPIANI, Marcelo. Corte Seco. s/d. 1 fotografia, color., digital. Disponível em:

<http://colunapersonalidades.blogspot.com.br/>. Acesso em: 08 maio 2012.

MUNIZ, Pedro. Profanações GAG Phila7. 2012. Coleção particular. 1 fotografia, color.,

digital.

Page 119: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

118

POR CONTA da Casa. s/d. 1 fotografia, color., digital. Disponível em: <

http://www.teatroparaalguem.com.br/>. Acesso em: 08 maio 2012.

PROGRAMA profanações. 2012. 1 digitalização, color. Disponível em: <

http://profana.art.br/>. Acesso em: 10 dez 2012.

SOUSA, Marcelo. Play on Earth. 2006. Coleção particular. 1 fotografia, color., digital.

SPANGHERO, Maíra. Profanações Cena e Contágio. 2012. Coleção particular. 1 fotografia,

color., digital.

VIÚVA, porém honesta. s/d. 1 fotografia, color., digital. Disponível em: <

http://www.satisfeitayolanda.com.br>. Acesso em: 08 maio 2012.

ZIMMERMANN, Daniel. Dona Flor e seus dois maridos. s/d. 1 fotografia, color., digital.

Disponível em: < http://saraunofitub.blogspot.com.br>. Acesso em: 08 maio 2012.

Page 120: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

119

APÊNDICES

APÊNDICE A – ENTREVISTA COM RUBENS VELLOSO

Em decorrência dos contatos e da visita feita aos grupos pesquisados, na cidade de São

Paulo, como também a participação dos mesmos no Conexão XXI Festival cênico, foi

oportuno a realização de entrevista com integrantes dos grupos. Uma das entrevistas, feita

com Rubens Velloso, co-fundador do GAG Phila7, após transcrição e revisão foi publicada na

revista Moringa – Artes do Espetáculo.

A entrevista trata de processo de criação, de teóricos que fundamentam o trabalho do

grupo Phila7, de questões relacionadas ao presencial na cena teatral contemporânea e também

o encontro do ator com o espectador tendo a interposição da mídia.

Page 121: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

120

Page 122: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

121

Page 123: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

122

Page 124: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

123

Page 125: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

124

Page 126: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

125

Page 127: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

126

Page 128: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

127

Page 129: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

128

Page 130: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

129

APÊNDICE B – GLOSSÁRIO DE NOÇÕES

Arthron – ferramenta para facilitar a execução de performances artísticas que utilizam

representações midiáticas e o compartilhamento de espaços reais e virtuais em tempo-real.

Broadcast (difusão) – transmissão simultânea de informação de uma fonte, um local, para

vários receptores.

Browser (navegador) – programa que serve de interface para navegação do usuário em um

ambiente de rede ou hipermídia.

Cibernética – é a disciplina oficialmente criada pelo matemático Norbert Wiener nos anos

1940 (a palavra vem do grego kybernetes, que significa ―timoneiro‖) para designar as

possíveis formas de comunicação e controle no mundo dos organismos vivos e das máquinas.

Ciberespaço – termo cunhado por William Gibson, significando o espaço virtual da memória

e da rede de computadores, da mídia digital e das telecomunicações.

Digital – uso de sinais discretos (descontínuos) para representar uma informação; dígitos

binários (0 e 1) são agrupados de modo a formar a representação de numerais ou letras do

alfabeto. A vantagem do sistema digital sobre o analógico é sua maior possibilidade de

impedir interferências na informação.

Delay – palavra inglesa que significa atraso. O termo é utilizado para designar o retardo na

transmissão de fluxos de áudio e/ou vídeo na internet ou em sistemas eletrônicos.

Frame – de forma mais geral, pode ser colocado como um quadro individual de rolo de filme,

ou, também, dois campos entrelaçados, ou ainda, um campo singular de uma imagem de

vídeo. A definição de frame depende da área computacional a que se refere, adquirindo

sentidos como estrutura, configuração, quadro ou célula.

Frame rate – velocidade de projeção na qual as imagens de uma tela inteira são transmitidas

ao monitor de varredura e apresentadas por ele no vídeo; a taxa de transmissão é calculada

como o número de vezes por segundo que o feixe de elétrons varre a tela; ela é medida em

hertz e fica em torno de 60 vezes por segundo. Na televisão, o sistema NTSC, utilizado no

Brasil e nos EUA, apresenta 30 frames por segundo; o sistema europeu Pal utiliza a taxa de 25

frames por segundo; no cinema são utilizados 24 frames por segundo.

Hiperlink – conexão programada da hipermídia que faz a ligação entre itens de informação

em diferentes seções de um programa ou em diferentes localidades da rede.

Hipermídia – termo cunhado por Ted Nelson para descrever um sistema de hipertexto que

inclui varias mídias (texto, imagem, som, animação e vídeo); mídia criada pela convergência

da tecnologia do vídeo com o computador.

Hipertexto – descreve um programa que provê múltiplas passagens através do texto,

permitindo o usuário seguir os hiperlinks existentes, ligar itens do texto ou, ainda, recuperar

ligações de referências cruzadas.

Page 131: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

130

Input – termo genérico utilizado para descrever o ato ou processo de entrada de informações

de uma fonte, um local de origem, para um sistema, dispositivo ou procedimento

computacional.

Interação – processo de controle e feedback (resposta) entre o usuário e o computador, ou

entre o sistema de hipermídia e o programa. Em cibernética, ―uma ação entre‖, ou seja, uma

troca de ação entre elementos ativos, ou entre um elemento ativo e o meio exterior, o que é

possível quando há um acoplamento e as entradas e as saídas dos elementos que integram

estão de alguma forma relacionadas.

Interativo – descrição de qualquer sistema fundamentado no computador no qual os inputs do

usuário afetam diretamente o comportamento desse aparato; esse último responde com um

output diretamente ao primeiro. Pelo constante uso deste termo, seu significado acabou

perdendo o sentido original.

Interface – em termos gerais, interfaces sao superfícies que separam dois sistemas. Por meio

delas sistemas diferentes (como pessoas e máquinas) comunicam-se e interagem. Porém, não

apenas separam dois sistemas, mas permitem também que haja entre eles uma forma de

comunicação ou de conversação, favorecendo assim o comércio de informação entre dois ou

mais sistemas diferentes.

Link – elo de conexão que permite associar itens de informação de diferentes partes de um

programa, colocando-os de forma relacionada.

output – saída de informação para qualquer meio fora do computador, para armazenamento

externo ou secundário, ou, ainda, para um aparato, como um monitor ou uma impressora.

Realidade virtual – simulação da realidade, das sensações táteis, visuais e sonoras, através de

modelagem tridimensional e de técnicas de audio e vídeo em tempo real.

Streaming – o termo que significa fluxo contínuo, é usado para designar a distribuição, o

envio de pacotes de dados multimídia através da internet, permitindo ao usuário ver e ouvir o

conteúdo, à medida que o arquivo é transferido. Possibilitando, dentre outras coisas, a

transmissão ao vivo.

Telecomunicações – qualquer transmissão, emissão ou recepção de informação à distância,

ponto-a-ponto, utilizando-se quaisquer dos meios disponíveis, telefone, radiodifusão, satélites

etc.

Teleconferência – discussão, encontro ou debate conduzido através da rede de computador em

que os participantes se encontram em locais diferentes e distintos.

Teleinformática – consiste na utilização de todos os recursos de informática através das redes

de telecomunicação, permitindo o processamento distribuído e a permuta de informações para

qualquer usuário em qualquer localidade.

Telemática – utilização de recursos de telecomunicações para aplicações de automatização em

geral (industriais e de produção, controle de processos, telemetria e sensoriamento remoto);

hoje, o termo tem sido empregado como sinônimo de teleinformática, que se refere mais

Page 132: LARISSA HOBI INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: … · Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes, Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio,

131

diretamente ao tratamento de informações em seu sentido social, científico, comercial e

cultural.

Telepresença – termo cunhado por Marvin Minsky em 1979 ; passou a sinificar a experiência

psicológica de imersão de usuário em um sistema de realidade virtual ou, a sensação de ―estar

em dois lugares ao mesmo tempo‖.

Tempo real – sistema que não exibe atraso perceptível entre input e output, entre a ação do

usuário e a resposta do sistema.

Pacote de dados – subconjunto ordenado de sinais de dados transmitidos por uma rede.