LEITURA LITERÁRIA DE CONTOS DE LYGIA FAGUNDES TELLES

Autora: Nelei Bosquê Contieri1

Orientador: Prof. Dr. Milton Hermes Rodrigues2

RESUMO

Conforme estabelecidos no projeto, o objetivo geral do trabalho era despertar e incentivar no aluno adolescente o interesse por leituras literárias visando melhorar seus conhecimentos e aperfeiçoar sua formação humanística. O trabalho se desenvolveu com base na teoria da Estética da Recepção, no chamado método recepcional. Segundo o cronograma, as atividades previstas (aferição do horizonte de expectativa, leitura literária livre, teoria sobre a estrutura do conto, pesquisa biográfica e estudo de dois contos de Lygia Fagundes Telles), a primeira foi a aplicação de um questionário para a aferição do horizonte de expectativa dos alunos. Com ele pudemos perceber quais eram os gostos e temas preferidos dos matriculados no 9.º ano do Ensino Fundamental, no que se refere à leitura literária. Observou-se que grande parte desses alunos não se dispõe a realizar leituras propostas pela escola. Por esse motivo, a segunda etapa, propiciou o contato direto com obras literárias, por meio da livre escolha de um livro para a leitura e posterior socialização. Mediante isso, verificou-se a preferência por textos mais breves e, na terceira etapa do projeto, em atendimento ao horizonte de expectativa desse aluno, foi proposto trabalharmos teoricamente com o conto e, em especial, com dois de Lygia Fagundes Telles, “Herbarium” e “Venha ver o pôr do sol”, que abordam questões, principalmente as interiores (a solidão, os conflitos emocionais, o aventuresco, etc), bastante do gosto das experiências (lúdicas, ao menos) da maioria dos adolescentes. Na quarta etapa, foram apresentadas aos alunos algumas noções teóricas sobre a estrutura do conto, e também foi exigida uma pesquisa biográfica sobre a autora dos contos. Os trabalhos resultaram bastante instrutivos e fazem reconhecer em boa parte dos alunos, depois do processo, bom crescimento cognitivo e uma visibilidade positiva, ou menos negativa, da leitura literária.

Palavras-chave: Leitura Literária; Lygia F. Telles; Conto; Método recepcional.

1 Introdução

O Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, criado pelo governo do

Estado do Paraná, passou a oferecer aos professores da rede estadual de educação

o curso de Formação Continuada, que é um movimento permanente e sistemático

de aperfeiçoamento dos professores dessa rede de ensino. Esse programa permite

ao professor selecionado desenvolver estudos em sua disciplina de atuação.

O período de duração do PDE é de dois anos. No primeiro ano o professor é

afastado integralmente do trabalho para dedicação exclusiva aos estudos.

1 Professora PDE, pós-graduada em psicopedagogia pela UNOPAR, graduada em Letras pela Universidade Estadual de Maringá.2 Professor Doutor em Teoria Literária, atua no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá.

Desenvolve o projeto de intervenção pedagógica e simultaneamente participa de

cursos de atualização teórica nas Instituições de Ensino Superior – IES. Em seguida,

elabora o material didático pedagógico, formalizando o projeto.

No segundo ano, retorna às suas funções, permanecendo afastado 25% de

sua carga horária, para participar de formação à distância – EAD e desenvolver

também um curso em ambiente virtual para professores da rede estadual,

denominado Grupo de Trabalho em Rede – GTR. Esta etapa é muito importante

para o participante do Programa, porque interage com outros professores, também

atuantes na rede pública, possibilitando a troca de experiências, bem como

comentários, análises e sugestões dos cursistas sobre o material didático

pedagógico que será executado na unidade de ensino.

Após a implementação do material na turma selecionada, munido dos

resultados das atividades sobre os temas abordados, elabora-se o artigo científico,

finalizando esse processo de formação. Tudo sob a orientação de um docente da

IES, que foi de fundamental importância para a aquisição do embasamento teórico

sobre o tema escolhido, proporcionando o suporte necessário para o

desenvolvimento das etapas desse Programa. Este proporcionou pesquisas, estudos

aprofundados, discussões, reflexões e construção do conhecimento, possibilitando-

nos repensar a prática pedagógica.

Nesse sentido, este artigo é o resultado da última parte desse programa,

realizado na área de Língua Portuguesa. O objeto de estudo foi o incentivo à leitura

literária por meio de contos, buscando despertar e/ou aprimorar o interesse do aluno

por esse gênero textual e pela linguagem literária. Visando à expansão de seus

conhecimentos e o aperfeiçoamento de sua formação humanística, quando

consegue identificar-se com as personagens, vivenciando desejos, alegrias,

sofrimentos e desilusões apresentados pelo enredo. Criando possibilidades para que

a ficção, a fantasia e o amor, apresentados pela leitura, possam fluir naturalmente,

despertando o aluno leitor. Porém, formar um leitor ativo não é uma tarefa tão

simples, e, segundo Solé,

(...) quem lê deve ser capaz de interrogar-se sobre sua compreensão, estabelecer relações entre o que lê e o que faz parte do seu acervo pessoal, questionar seu conhecimento e modificá-lo, estabelecer generalizações que

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permitam transferir o que foi aprendido para outros contextos diferentes (SOLÉ,1998, p.72).

Sabe-se que despertar o interesse do aluno pela leitura literária não é algo

fácil, pois nos dias de hoje estamos “disputando”, dividindo o espaço com muitos

outros atrativos, alguns deles para os adolescentes, neste momento, bem mais

interessantes. Por isso, buscamos uma turma de Ensino Fundamental, 9.º ano, para

implementar um projeto enfatizando a leitura de obras literárias, em especial alguns

contos de Lygia Fagundes Telles, com base na teoria da Estética da Recepção e no

Método Recepcional, sintetizados, entre outros, por Bordini e Aguiar(1993) e

sugerido nas DCEs do Estado do Paraná para o Ensino de Literatura.

Optou-se por esse encaminhamento devido ao papel que se atribui ao leitor, uma vez que este é visto como um sujeito ativo no processo de leitura, tendo voz em seu contexto. Além disso, esse método proporciona momentos de debates, reflexões sobre a obra lida, possibilitando ao aluno a ampliação dos seus horizontes de expectativas. (DCEs, 2008, p.74)

O projeto proposto, por este Programa, previa várias etapas, que ocorreram

entre os meses de setembro e dezembro. A primeira visava à sondagem do

horizonte de expectativa dos alunos, para aferir suas preferências em relação à

leitura literária. Depois, sugeriu-se a escolha de livros, na biblioteca do Colégio, com

o objetivo de verificar se o aluno conseguia ler obras literárias de forma

descontraída, e se já despertava para uma compreensão menos simplista da leitura

literária. A etapa seguinte foi propiciar noções teóricas sobre conto, estudo de sua

estrutura e pesquisa biográfica sobre Lygia Fagundes Telles. Finalizando as

atividades, foi feita a leitura de dois contos “Herbarium” e “Venha ver o pôr do sol”,

aplicando atividades orais e escritas de análise desses textos.

O foco em trabalhar com o gênero conto se justifica pela sua brevidade, por

possuir poucos personagens e apenas um conflito, conforme tendência teórica de

Massaud Moisés:

O conto é, de ângulo dramático, unívoco, univalente. (...)Constitui uma unidade dramática, uma célula dramática. Portanto, gravita em torno de um só conflito, um só drama, uma só ação. (...)todos os ingredientes do conto

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levam a um mesmo objetivo, convergem para o mesmo ponto.(MOISÉS, 1970.p.20)

Optamos por Lygia Fagundes Telles pela contemporaneidade, pela

linguagem mais acessível, pela temática intimista, pois explora o homem e seus

conflitos, seus relacionamentos amorosos conturbados, comportamentos sociais

ligados à morte, à consciência, os sonhos, o cotidiano. Nesse sentido, o estudo

objetivou também formular um paradigma do horizonte de expectativa em termos de

preferências temáticas dos alunos leitores do 9° ano, considerando a faixa etária dos

mesmos, os gostos, preferências e a experiência da professora, por mais de quinze

anos em sala de aula. Para a aferição desse horizonte foi proposto um questionário,

com perguntas que abordavam seus conhecimentos gerais sobre arte e literatura,

bem como um levantamento das atividades desenvolvidas no âmbito social e

pessoal.

Após esta etapa, foi oportunizada a leitura literária livre relacionada ao

horizonte dos alunos leitores do 9° ano. Terminada esta atividade, os alunos

realizaram uma breve pesquisa biográfica sobre Lygia Fagundes Telles, com o

objetivo de despertar o interesse pela autora, por suas obras, por suas conquistas e

pelo momento histórico da produção desses contos. Na sequência, propôs-se a

leitura efetiva dos contos “Herbarium” e “Venha ver o pôr do sol”, explorando a

compreensão, a interpretação sobre a descoberta do amor, no primeiro conto e um

debate a respeito de crime passional e fato sobrenatural no segundo.

A exposição dos resultados é feita aqui, neste artigo, considerando o

entrecruzamento das informações obtidas e a verificação das atividades realizadas

em cada etapa: sondagem de aferição do horizonte de expectativas; leitura livre;

caracterização do gênero conto; pesquisa biográfica sobre Lygia Fagundes Telles e

a leitura efetiva dos contos “Herbarium” e “Venha ver o pôr do sol”.

2 Horizonte de expectativa e estratégias didático pedagógicas

A opção metodológica desse trabalho ancora-se em sugestões da Estética da

Recepção. Ela privilegia o leitor, considerando seus desejos, anseios e suas

preferências por meio de seu horizonte de expectativa que pode ser medido de

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vários modos. Um desses foi o questionário, realizado com essa turma por meio de

perguntas orais, com o intuito de verificar qual era o conhecimento que os alunos

tinham no que se referia à arte e a leitura de textos literários. Bem como a vivência

do professor com os alunos, além de experiências sociais e pessoais para a aferição

de um padrão de gosto.

Mediante o horizonte de expectativa, foram selecionados procedimentos

metodológicos para a escolha das estratégias didáticas tanto na explicação dos

textos como na escolha do material de apoio. O resultado das respostas às questões

sugestionou a escolha de textos mais adequados às expectativas do leitor do 9º ano.

Durante o desenvolvimento dessa atividade com os alunos, percebeu-se que

a mesma seria mais produtiva com o registro escrito resultante dos

questionamentos, pois só assim todos participariam e teriam menos interferência nas

respostas de seus amigos. Os alunos leram as questões, que naquele momento

foram escritas no quadro, e anotaram as suas respostas em um papel sulfite. Em

seguida, as mesmas foram socializadas, em plenário, para toda a classe. Com o

registro de todos os questionamentos, a atividade ficou mais enriquecedora, pois o

pensamento apresentou-se mais elaborado. Não foi criado nenhum gráfico, porque a

intenção não era a de estudar, em si, dados estatísticos, e sim verificar a noção que

os alunos apresentavam no que se referia à arte, à leitura literária, e sobre seu gosto

temático.

Em termos de resultados práticos, percebeu-se que a maioria dos alunos

apresentava uma noção muito superficial sobre o que é arte, definindo-a como uma

disciplina escolar, pela qual alguns demonstraram grande interesse e outros não. A

metade da classe pôde entender, durante as aulas de Arte, as suas várias funções,

e assim os alunos desse grupo a definiram como uma forma de expressar

sentimentos; também afirmaram que gostavam de arte.

Quando questionados sobre o que eles faziam nos momentos em que não

tinham compromisso, a resposta não pôde ser outra, pois quase todos os alunos

disseram que nesses momentos gostavam de dormir e de ficar ao computador,

ocupação predileta dos adolescentes nessa faixa etária. Durante a socialização das

questões, foi possível constatar que a diversão acontecia quando eles podiam sair

em companhia dos amigos.

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Ao verificar quais eram as noções e algumas preferências dos alunos, no que

se referiam à leitura, lhes foi perguntado se costumavam ler fora da escola. Alguns

disseram que não, e outros, que sim, e cinquenta por cento da turma afirmou que só

lia de vez em quando. Em relação ao tipo de texto que eles liam com mais

frequência, a maioria afirmou que lia textos jornalísticos, reportagens e informativos;

outros manifestaram sua preferência por romances de aventura, ficção, revistas,

textos de rede social, entre outros.

Uma das questões abordou qual era a preferência da turma; ler livros

indicados pelo professor na escola ou a livre escolha. A leitura literária livre, feita em

casa foi mais aceita do que a proposta pela escola, porque lá eles poderiam ler o

que desejassem, em um ambiente de silêncio, mais à vontade e sobre o assunto que

quisessem. O tamanho da obra não era fator de influência para a escolha. Sabendo

que alguns textos literários, com linguagem mais elaborada são um obstáculo para a

realização da leitura, foi indagada qual era a atitude dos alunos frente a esses

textos. Alguns disseram que não desistiam, persistiam na leitura, enquanto outros

deixavam de ler algumas partes, realizando uma leitura superficial dos trechos mais

complexos.

Após os questionamentos, que destacaram os interesses pessoais de cada

aluno pela leitura em si, foram direcionadas questões que abordavam o quanto a

leitura literária estava presente em sua formação pessoal e acadêmica. Indagados

sobre o gostar ou não de literatura, a maioria disse que gostava e conseguiram dizer

qual foi o livro que leram e marcou a sua vida. Porém, pôde-se constatar que a

turma ficou bem dividida quanto ao que era uma atividade de leitura literária, uns

achando-a prazerosa, uma diversão, outros algo enfadonho, tudo isso dependendo

do enredo da obra.

Sugestionado pelas respostas às questões, optou-se pela escolha de

metodologias e estratégias didáticas com ações específicas na abordagem do texto

literário, centrando-se na discussão do tema e na livre escolha de suas leituras. Por

isso em atendimento ao horizonte de expectativa, propôs-se à ida a biblioteca para

a escolha de livros de literatura.

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3 Atividades de leitura livre

A segunda etapa do projeto previa a observação do comportamento dos

alunos na biblioteca durante a escolha das obras por eles selecionadas livremente.

Esta etapa se desenvolveu inicialmente, na sala de aula, com um direcionamento

para os alunos, instruindo-os a manusear, ler sinopses, alguns trechos, enfim, entrar

em contato com o livro. Os mesmos tiveram livre acesso à biblioteca durante uma

hora. Nesse tempo, o aluno pôde analisar a capa, o título, fazer leituras de alguns

fragmentos, manusear, trocar várias vezes de livro e manifestar algumas impressões

sobre a obra escolhida. Esse contato do aluno com a leitura de forma descontraída

e livre é defendida por Geraldi ao afirmar:

Creio que a saída prática do professor de língua portuguesa é criar este mesmo circuito entre seus alunos, deixando-os ler livremente, por indicação de colegas, pela curiosidade, pela capa, pelo título etc. (GERALDI,1997, p.87)

Depois de selecionadas as obras de preferência, passaram pela bibliotecária

para formalizar o empréstimo, retiraram-se e, em seguida iniciaram a leitura.

Essa atividade mostrou-se prazerosa para os alunos pelo fato de poderem

explorar o acervo e estarem livres para escolher. Nos dias seguintes, houve

comentários na sala de aula sobre a realização das leituras, alguns diziam que

estavam lendo, outros que desejavam trocar o livro porque não estavam gostando

do enredo, e assim o fizeram. O importante naquele momento era a realização da

leitura. Decorridos os dez dias, período determinado para a leitura em casa, os

alunos socializaram o enredo do livro lido com os demais colegas, na sala de aula.

Durante os relatos orais, constatou-se que alguns não gostaram da história lida, pois

fez a opção de escolha pelo tamanho do livro, pequeno, mas de difícil entendimento.

Alguns reclamaram da dificuldade vocabular e do tema abordado, o que dificultou a

leitura, por isso se sentiram desestimulados em realizá-la. Outros não efetivaram a

leitura e, em consequência disso não puderam partilhar suas emoções e seu

entendimento, sentindo-se assim excluídos por não terem nada a dizer naquele

momento.

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Observado esse contexto fica evidente a função importantíssima do professor

que, conhecendo o horizonte de expectativa de seus alunos propõe leituras que

possam atendê-los, bem como, possibilita algumas estratégias para o incentivo à

leitura literária. A sondagem do horizonte de expectativa dos alunos foi fundamental

na proposta de leitura de livre escolha dos livros de literatura na biblioteca e para a

continuidade deste trabalho.

4 O conto (noções teóricas), e contos de Lygia Fagundes Telles

Após a socialização na sala de aula da leitura livre, constatou-se a preferência

desses alunos por textos breves e que abordavam temas relacionados a sua faixa

etária, como solidão, conflitos emocionais, amor, violência, relacionamento familiar,

entre outros. Diante disso, a opção foi a escritora Lygia e o gênero conto.

A escritora Lygia Fagundes Telles foi escolhida para ancorar o projeto porque

possui um discurso literário que aborda as experiências humanas, principalmente as

interiores, a solidão, os conflitos emocionais que a maioria de seus personagens

vivem, experiências de alguns adolescentes envolvidos nesse trabalho. Os contos

de Lygia buscam refletir sobre as ações do homem possibilitando uma profunda

reflexão por parte do leitor.

Quando falamos em Literatura, aqui pressupomos a ficção. Lygia, em seus

contos, deixa transparecer claramente esse enfoque, e por meio deles é possível

pensar sobre a vida e o mundo. Ricardo Azevedo, a esse respeito, afirma:

Sempre que entramos no plano da ficcionalidade, abdicamos da tentativa (válida) de ver o mundo do ponto de vista da objetividade (vê-lo pelo viés do “não-sujeito”), da lógica sistemática e do pensamento analítico – (...). Através da ficção, penetramos no patamar da subjetividade (a visão de mundo pessoal e singular), da analogia, do imaginário e da fantasia. (AZEVEDO,2004, p.40)

Após a leitura de um texto literário, a discussão pode surgir de forma

prazerosa quando sabemos que a história e as personagens nunca existiram, foram

inventadas para uma determinada obra. De acordo com Azevedo (2004), alguns

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temas e assuntos são de suma importância e complexidade na vida de todos os

seres humanos, pois vivemos constantemente num processo de aprendizado e

autoconhecimento. Dentre eles o autor destaca: as paixões e as emoções humanas;

a tentativa de compreender nossa identidade; a construção da voz pessoal; as

dificuldades em interpretar o outro; as utopias individuais e coletivas; a mortalidade;

a sexualidade; a temporalidade e a efemeridade. Temas e assuntos que vêm ao

encontro do horizonte de expectativa dos alunos, nessa faixa etária, e são

abordados nos contos de Lygia Fagundes Telles. Sendo esta uma exímia escritora,

figura entre os melhores ficcionistas brasileiros. Assim Candido se refere às suas

obras:

A obra de Lygia Fagundes Telles realiza a excelência dentro das maneiras estabelecidas de narrar. Mas ela sabe fecundá-las graças ao encanto com que compõe, à capacidade de apreender a realidade pelos aspectos mais inesperados, traduzindo-a de modo harmonioso. Tanto no conto quanto no romance, ela tem realizado um trabalho ainda em pleno desenvolvimento, sempre válido e caracterizado pela serena maestria. (CANDIDO, 1999, p.92)

Conhecer a escritora Lygia foi um dos objetivos desse trabalho. Na sala de

aula os alunos puderam ouvir alguns relatos com o intuito de despertar o interesse

para uma pesquisa biográfica mais aprofundada sobre a escritora. Foi proposto que

os mesmos pesquisassem sobre a vida e as obras da autora, ficando livres para

escolher o suporte que fosse mais viável, livros na biblioteca ou pesquisa na internet.

Em seguida, procuraram alguns vídeos de entrevistas com a mesma; no mínimo

assistiriam a dois, para selecionar e registrar no caderno duas falas que

considerassem as mais marcantes, aquelas que para eles trouxessem um

ensinamento e pudessem na data prevista, ser socializada com os demais colegas.

Na turma escolhida para a implementação do projeto, existiam alunos que

moravam na zona rural e não tinham acesso à internet, para eles foi sugerido um

horário no laboratório de informática do Colégio. Neste grupo, houve aqueles que

foram até o laboratório e desenvolveram sua atividade, outros não conseguiram e

seus amigos se encarregaram de destacar mais frases das entrevistas para que

pudessem cedê-las aos mesmos. Em posse do material selecionado por meio das

entrevistas, os alunos foram convidados a se dirigir para o pátio do Colégio, fazer um

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círculo e socializar as duas frases. Cada aluno leu as suas e em seguida fizeram

alguns comentários sobre as elas, tornando assim a atividade mais enriquecedora e

descontraída. Todos gostaram muito, o que ficou constatado durante o plenário, pois

somente dois ou três alunos não fizeram os registros, e naquele momento sentiram-

se constrangidos, até disseram que iriam fazê-la e apresentá-la em outro momento

oportuno.

Fazer uso da internet é uma das ações preferidas desses alunos, como

também demonstrou o questionário. Portanto, ficaram empolgados em realizar a

pesquisa sobre Lygia. Durante os relatos, percebeu-se o interesse de alguns alunos

demonstrando que haviam adquirido certo conhecimento a respeito da escritora,

podendo complementar as informações de seus colegas. A atividade foi individual,

porém suscitou certa solidariedade entre os alunos que dominavam o computador e

aqueles que não puderam acessar porque eram moradores da zona rural.

Após todas as contribuições por parte dos alunos e complementações da

professora, criou-se um clima de expectativas para a leitura dos contos de Lygia

Fagundes Telles. Foram instigados a apreciar suas obras literárias. Com o intuito de

terem uma boa receptividade do texto literário, foi proporcionada aos alunos uma

pequena fundamentação teórica sobre conto. Este foi o gênero escolhido, porque é

um relato em prosa de fatos fictícios, de leitura rápida que veio ao encontro das

expectativas dos alunos envolvidos neste projeto, principalmente pelo tamanho, pois

as leituras dos adolescentes tendem a ser pouco profundas por causa da

impaciência, da distração e de sua inexperiência enquanto leitor efetivo. É um leitor

que tem pressa, o que ficou bem claro nas respostas ao questionário proposto.

Assim sendo, esse gênero possibilita uma aplicação mais factível na avaliação do

projeto. Essa tipologia textual pode ser o início de experiências futuras na vida

desses alunos, possibilitando o encontro com as grandes obras da literatura.

Segundo Aguiar, é na adolescência que acontecem as descobertas do mundo

interior, formação de juízos de valores e a percepção dos valores estéticos. É a fase

denominada por ela de leitura crítica pois,

Os interesses de leitura nesse período orientam-se para os conflitos psicológicos e sociais, os temas relativos a profissões, história, biografias, ficção científica. O interesse diminui e uma nova alternativa de leitura surge – o texto curto/conto/crônica. Os livros devem conter aventuras mais

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intelectuais, temas sociais e psicológicos, narrativas de viagens, biografias, História do Brasil, abrindo-se o espaço para a literatura adulta (poesias, contos, crônicas, romance) que venha a interessar o jovem leitor. ( AGUIAR, 1993, P.104).

Antes do contato com os contos selecionados, na sala de aula, a professora

fez uma breve explanação sobre o discurso ficcional e o discurso referencial, para

que pudessem entender um pouco mais sobre o fazer literário. Após salientar os

pontos essenciais de cada um, propiciou aos alunos um momento de contato com

alguns exemplares de revistas, jornais, artigos científicos, livros de poesias, de

contos, de crônicas, de romances e de história em quadrinhos. Em seguida foi

sugerido que eles fizessem uma leitura rápida e superficial, a fim de perceber a

função desses discursos nos textos veiculados em alguns suportes.

Os alunos, em posse dos materiais apresentados, não tiveram grandes

dificuldades em diferenciar texto literário de não literário. Verificou-se que o

reconhecimento deu-se por meio da observação da forma, da estrutura e do meio de

divulgação.

O trabalho com o enredo (forma) e o conteúdo dos contos selecionados

foram feitos concomitantemente, apesar de serem, apresentados teoricamente, em

separado. Conforme previa o projeto, o próximo objetivo foi discorrer sobre o gênero

conto, por isso teorizou-se sobre o mesmo de forma simples por meio da oralidade e

da escrita.

Partindo do horizonte de expectativa, desse aluno leitor, foram escolhidos os

contos ”Herbarium” e “Venha ver o pôr do sol”. Pois seu enredo é um relato em

prosa de fatos fictícios e apresenta três momentos distintos: um estado de equilíbrio,

um conflito que vem desencadear alguns episódios e a resolução do conflito ou

retomada do equilíbrio. Contos com essa sequência: equilíbrio, conflito e retomada

do equilíbrio atende ao horizonte de expectativa desses alunos que não aceitam

algo mais complexo nessa faixa etária.

Na interação oral entre professor e aluno, revisitando a todo o momento teoria

e conto, os alunos identificaram a estrutura do conto “Herbarium”. Delimitaram como

equilíbrio a chegada do primo doente à casa de parentes com o intuito de se

reestabelecer de uma crise de saúde, e em virtude de ser botânico, aproveitou para

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coletar folhas para o seu herbário. “Um vago primo botânico convalescendo de uma

vaga doença. Que doença era essa que o fazia cambalear, esverdeado e úmido...”

(Herbarium, p.39,40). O conflito ficou evidente, todos perceberam com facilidade a

paixão da menina pelo primo. Para agradá-lo, se embrenhava no bosque a procura

de folhas raras, além de se preocupar com o corpo e a aparência, antes

insignificantes. A resolução do conflito foi à partida do primo com a moça que veio

buscá-lo.

Em “Venha ver o pôr do sol”, os alunos demarcaram facilmente a situação de

equilíbrio, o encontro entre os dois jovens ex-namorados, quando Ricardo tenta

pressionar Raquel a namorá-lo novamente. Também reconheceram o conflito,

quando Ricardo a prende no jazigo “de sua família”, porém se surpreenderam

quando constataram que não ocorreu o retorno ao equilíbrio, despertando o

entendimento de que a obra literária possibilita várias leituras, dentre elas o reforço

ao efeito de terror, de estranho e de fantástico. Esse final inesperado suscitou

indignação, surgiram várias ideias para finalizar o conto, porém muitas delas

descartadas mediante as pistas deixadas pelo texto.

Após esta atividade nota-se que esses dois contos, atendem ao horizonte de

expectativa desses alunos, que não aceitam algo mais complexo. Ao ser

encaminhado à teoria sobre a estrutura do conto, de forma oral e escrita, o aluno em

contato com os textos conseguiu observar facilmente esses elementos estruturais.

Isso ficou claro mediante a socialização das atividades propostas com esse objetivo.

5 Lygia Fagundes Telles: dois contos. Aplicação e análise.

Durante o reconhecimento, pelos alunos, de textos literários e não literários,

ocorridos na etapa anterior, observou-se que eles pouco se atentaram para a

linguagem usada nos mesmos, focando na maioria das vezes, a estrutura e o

suporte. Ficou evidente que esse aluno pouco se utilizou da linguagem como meio

de classificação. Pois apresentou algumas dificuldades em reconhecer textos que

usavam a palavra como arte e que não tinham estrutura definida, por isso a

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importância do trabalho com literatura. Esta é arte, está intrinsicamente ligada à vida

social e tem o poder de transformar, humanizar o homem e consequentemente a

sociedade. A leitura literária propicia possibilidades para que o aluno leitor possa

interagir com o texto, criando suas próprias imagens e desenvolvendo-se. Pensar

em literatura é pensar na função psicológica que ela exerce em cada leitor. O

homem, conforme afirma Candido (1972), tem necessidade de ficção e fantasia, que

aparecem em nossa vida invariavelmente como indivíduo ou grupo, sendo uma das

necessidades mais elementares. A literatura nos auxilia nas respostas a essa

necessidade, por meio das mais diversas obras literárias.

Orlandi (2003) nos lembra de que o sujeito se constrói também em lugares

fora do âmbito escolar, causando assim o efeito dentro e fora dos muros escolares.

Ele possui um corpo social discursivo que lhe forma uma memória discursiva, isto é,

a memória da leitura que possibilita na prática a formação dos sentidos.

Por meio dos contos de Lygia Fagundes Telles o aluno pôde construir

imagens e interagir na exploração de “Herbarium” e de “Venha ver o pôr do sol”,

este possibilitando o arquétipo aventuresco. Tudo é condizente com a idade dos

adolescentes, pois é forte neste período a temática relacionada ao amor, às

aventuras, à sexualidade, à fama e às conquistas. Lygia aborda a complexidade do

amor e nos mostra por meio do discurso literário que, a partir dele, temos muito a

nos humanizar. Faz-se revolucionária na medida em que explora o tema amoroso e

deixa transparecer os nossos sentimentos no momento da leitura.

A seleção dos contos mencionados se fez por apresentarem uma temática

interessante e instigadora ao universo juvenil, por estarem de acordo com a história

vivenciada, ainda que às vezes na imaginação, pelos adolescentes nessa fase de

escolaridade, o que ficou claro na aferição do horizonte de expectativa. É o momento

em que ocorrem as mudanças físicas, psíquicas e sociais ligadas a consolidação da

própria identidade no contexto em que vivem.

Para conhecerem os textos selecionados, primeiramente foram mostrados os

livros: Seminário dos ratos (1977) e Antes do baile verde (1970), coletâneas de

contos da escritora Lygia, que abordam os seguintes temas: paixão, compaixão e

denúncia. Uma das vertentes de suas obras é o aparecimento de crianças

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personagens que se apaixonam por um adulto, fato ocorrido no conto “Herbarium”,

que consta no primeiro livro citado.

Antes do baile verde é considerado um dos livros mais importantes de Lygia

Fagundes Telles por apresentar temáticas diversificadas com profundidade na

abordagem de dramas existenciais. São contos que trazem à tona situações

conflituosas e reflexões sobre a solidão, o fantástico e o realismo.

Com intuito de estimular a prática da leitura literária propôs-se um trabalho

efetivo com os contos selecionados. A estratégia foi iniciar pelo nome, “Herbarium”.

Os alunos o analisaram fazendo algumas suposições, levantando campos

semânticos e imaginando o enredo. Várias histórias foram surgindo a partir do título,

mas entre elas nenhuma se assemelhou ao conteúdo. Na sala de aula salientaram

quais eram as suas expectativas ao ler um texto assim nomeado, cada um registrou

no caderno algumas sugestões, para que fossem posteriormente comparadas após

uma leitura efetiva. Terminados os registros, todos os alunos receberam uma cópia

do conto “Herbarium” para que pudessem levá-lo para casa e fazer a leitura. Ao

término dessa etapa, cada aluno relatou suas primeiras impressões sobre o texto,

alguns de forma mais acanhada, porém logo se soltaram, assim que perceberam

que também podiam contribuir.

Durante as respostas referentes às questões de compreensão e

interpretação, elaboradas pela professora, verificou-se que o entendimento foi

superficial. As ideias foram colocadas por alguns alunos, mas contatou-se que os

mesmos ainda não conseguiam fazer uma leitura mais abrangente, percebiam

apenas o que era evidente, e às vezes nem isso. Em virtude desse fato, foram

propostas algumas questões para que fossem respondidas em duplas, na sala de

aula. Questões que abordavam: personagens, tempo, espaço, clímax, foco narrativo,

desfecho, enfim, a parte estrutural do conto, a qual os alunos não tiveram

dificuldades em executá-la. Em seguida, as respostas foram compartilhadas com os

colegas, com a intenção de verificar o entendimento do conto sobre esse aspecto.

Depois, em mãos as questões que refletiam sobre a linguagem conotativa,

característica das obras literárias, individualmente os mesmos passaram a fazer a

sua interpretação, relacionando os fatos presentes no texto com atitudes e

sentimentos que possivelmente fizeram, fazem ou farão parte de sua vida,

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compondo assim a tríade obra/autor/leitor, sugestionada nas DCEs para trabalhar

com a literatura.

Finalizadas as atividades com o conto “Herbarium”, o professor convidou

oralmente os alunos a adentrarem no mundo da imaginação. Ficaram livres para

pensar em algo fantástico, maravilhoso, sombrio, amoroso... Em seguida foram

estimulados a “verem” mentalmente um belo pôr do sol, imaginando as

personagens, o enredo, o tempo e o espaço. Envolvidos nesse ambiente de

imaginação e fantasia, foi-lhes entregue uma cópia do conto e o convite: “Venha ver

o pôr do sol”.

A maioria dos alunos ficou empolgada, aceitaram o convite e imediatamente

começaram a leitura, queriam saber o que iria acontecer com “aquele pôr do sol”.

Encerrado o tempo destinado a essa atividade, levaram o texto para casa e

terminaram a leitura. Posteriormente, foram orientados para que fizessem uma

releitura mais atenta para perceberem os detalhes.

Nesse conto, Lygia traz a história de um casal de ex-namorados, que por

incessantes pedidos dele encontram-se pela última vez. A personagem Raquel

acaba aceitando o convite para o encontro e quando chegam ao local marcado toma

conhecimento que estão em um cemitério abandoando imenso, isolado e cercado

por terrenos baldios. Ele disse que conhecia muito bem aquele lugar e a convida a

entrar para que possam ver “o pôr do sol mais lindo do mundo” (TELLES,1998,

p.124). É uma narrativa que envolve o amor, a vingança e a tragédia, esta

constatada somente no desfecho, porém no decorrer da narrativa há pistas que são

dadas pelo narrador, mas não muito perceptíveis durante a leitura. Somente ao

término da leitura do conto, nota-se a importância dessas pistas para conseguir fazer

a relação com a história narrada.

Os alunos, após lerem o conto mais uma vez em casa, retornaram para a sala

de aula e responderam algumas questões, individualmente ou em dupla, analisando

com mais detalhes o conto. As respostas foram colocadas para o grupo

possibilitando a troca de conhecimentos sobre o tema, os argumentos utilizados por

Ricardo para convencer Raquel, as marcas do tempo e do espaço no

desenvolvimento dos fatos ocorridos. Também fizeram uma atividade destacando no

texto os indíces de que tudo foi planejado minuciosamente pelo rapaz, criando um

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clima de mistério comprovado pelo cenário. Diante de todos os fatos, surgiu a

discussão, pois ficou a dúvida no leitor se Raquel morreu, se Ricardo a matou, visto

que a premeditação e a crueldade da vingança são elementos marcantes do conto.

“Assim que atingiu o portão ele lançou um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum

ouvido humano escutaria agora qualquer chamado.” (idem, p.131). No final dessa

narrativa não acontece à resolução do problema, há possibilidades para que o leitor

intervenha, pois o equilíbrio não é retomado.

Durante a análise mais detalhada, na sala, com a interação da professora e

dos alunos, estes constataram que foi uma vingança a maldade existente em

Ricardo que premeditou tudo, um crime aparentemente perfeito. Mas, há também

alguns trechos que possibilitam “brechas” ligadas ao sobrenatural. “E aos poucos,

inúmeras rugazinhas foram-se formando em redor de seus olhos ligeiramente

apertados. Os leques de rugas aprofundaram numa expressão astuta. Não era tão

jovem como aparentava.” (idem, p.124-125). Criando a expectativa de ser alguém

reencarnado, em busca de seu amor.

Realmente não se sabe o que aconteceu no conto, por isso a sala foi dividida

em equipes, o tema foi sorteado para que preparassem o debate, uns enfocaram e

argumentaram sobre o crime passional e outros o sobrenatural. Para o debate sobre

o crime passional, as equipes leram várias reportagens em jornais, revistas e

suportes tecnológicos em busca de argumentos para refletir sobre o crime passional,

uns se posicionando a favor e outros contra. Sobre fatos sobrenaturais, pesquisaram

em alguns livros além dos suportes tecnológicos. Na data definida ocorreu o debate,

alguns com mais argumentos, outros só com informações superficiais, porém foi um

aprendizado para todos, visto que, traços do fantástico, do extraordinário e do

maravilhoso estão presentes em várias narrativas de Lygia Fagundes Telles. O

universo de suas obras abordam temas do abandono e da solidão, estes são o

ponto de partida para uma reflexão sobre a morte, sobre os sentimentos reprimidos

e as relações humanas sempre permeadas de angústia e sofrimento, características

estas evidenciadas no conto “Venha ver o pôr do sol”.

Fazer uma leitura mais profunda, nas entrelinhas é algo complexo para o

aluno que tem pouco contato com o texto literário, por isso precisa ser direcionada

pelo professor na sala de aula, este participando como um leitor especial, por sua

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experiência e não por uma presença autoritária que venha impor sua interpretação.

É nesse momento que o mesmo deve dar abertura à participação dos alunos e

ensiná-los a interpretar criticamente os contos citados, assim como qualquer outro.

bO aluno passa a perceber que os livros o convidam a um diálogo, a uma troca de

ideias, a um reencontro com suas inquietações. Quando o aluno-leitor se apropria

das informações contidas nas leituras, ele não só as compreende como também

pode mudar seu comportamento, seu saber. Seu horizonte amplia-se por meio

dessa compreensão.

6 Desdobramentos temáticos e horizonte de expectativa

A leitura dos contos “Venha ver o pôr do sol” e “Herbarium” proporcionaram

uma compreensão mais ampla da linguagem literária enfatizando algumas

descobertas, além das questionadas ao horizonte de expectativa, que são possíveis

quando o aluno lê atentamente e tem a mediação do professor. Alguns alunos

demonstraram um grande interesse em participar das atividades, o que resultou a

interpretação mais detalhada, principalmente no conto “Herbarium”, o qual é cheio

de revelações que só são possíveis com uma grande percepção do que acontece

nas entrelinhas.

Além disso, propiciou-se a ampliação de seu universo cultural e sua formação

enquanto leitor crítico, pois ele pôde sentir e expressar seus sentimentos indo além

das impressões superficiais. O enfoque da temática desses contos de Lygia

possibilitou a identificação de alguns problemas e conflitos pelos quais os

adolescentes passam. A descoberta do amor e outros problemas que envolvem os

adolescentes na concretização desse sentimento, foram claramente evidenciados no

conto “Herbarium”. A profunda relação dos elementos da natureza; alguns insetos e

elementos da botânica mostram que em nossa vida tudo é natural, também são as

descobertas, as mudanças corporais e sentimentais. Nesse conto, há exploração

dos sentidos, o apelo natural do amor como força da natureza, tudo é perfeito,

acontece naturalmente, porém o aluno não percebe a função cromática quando

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algumas vezes a contista evidencia a cor vermelha, (formiga vermelha, nódoas

vermelhas) sugestionando metaforicamente a perda da virgindade da menina. O uso

da linguagem metafórica mencionando a foice, folha neste formato, representa

simbolicamente a morte da paixão da menina pelo primo mais velho, estes, entre

outros, são alguns detalhes que não foram entendidos pelos alunos, pois não tinham

a sensibilidade, a maturidade necessária para entender essas sutilezas. A menina é

colocada na condição de elemento da natureza, tudo acontece com naturalidade.

Em “Venha ver o pôr do sol”, o crime passional, a possessividade, a violência

e a tênue limitação do que é certo e errado quando se faz tudo por amor. A

exploração da confiança, a burla, a maldade, tudo isso define a complexidade da

psicologia humana.

Os contos ganham outro sentido, quando realizada essa leitura mais profunda

e detalhada, porém isso não ocorreu espontaneamente, o professor teve que

selecionar alguns trechos desses para que o aluno percebesse a leitura que ocorre

além do texto.

Após a condução desse novo olhar no texto, o aluno sentiu-se motivado a

expressar o que pensava sobre os temas abordados retornando ao texto várias

vezes à procura de elementos que comprovassem a sua argumentação.

Nessas idas e vindas ele percebeu o caráter aberto do texto literário e

compreendeu que a obra tem diferentes leituras mediante o conhecimento prévio de

cada leitor e que a cada revisitação ao texto ele terá novas descobertas, alcançará

uma expansão de seus conhecimentos, de seu horizonte.

No decorrer de cada etapa foi muito gratificante a participação efetiva da

maioria dos alunos, principalmente quando os mesmos conseguiram perceber a

importância da leitura literária por meio dos contos analisados.

7 Considerações finais

Nesse trabalho busquei refletir sobre a importância da leitura de contos para

incentivar o contato dos alunos com textos literários. O intuito foi o de minimizar, nas

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aulas de literatura, as dificuldades que nós, professores de língua portuguesa,

observamos no contato do aluno com a literatura. O projeto também tinha como

objetivo propor, e propôs, um exercício de leitura literária que considerasse, na

escolha dos contos e nos procedimentos didático-pedagógicos, o horizonte de

expectativa do aluno. Para isso foram estabelecidas algumas etapas de execução e

um cronograma de atividades que melhor contribuíssem para que os alunos

desenvolvessem, a partir de suas preferências e de seus gostos, uma leitura mais

prazerosa e mais proveitosa de dois contos de Lygia Fagundes Telles, “Herbarium” e

“Venha ver o pôr do sol”. As etapas e as atividades previstas, depois executadas,

foram as seguintes: aferição do horizonte de expectativa por meio de questionário;

leitura livre; noções teóricas do conto; pesquisa biográfica sobre Lygia Fagundes

Telles e a leitura efetiva dos contos selecionados.

Nas etapas propostas, foram encontrados alguns percalços, como a

resistência de alguns alunos ante a participação em atividades sem que as mesmas

valessem nota. Também senti a falta de um atendente de biblioteca preparado para

orientar o aluno na escolha de suas leituras, motivando-os a frequentar esse espaço.

Alguns alunos, poucos, chegaram a reclamar do tamanho dos textos selecionados,

mesmo que a opção tenha sido pela escolha de contos pouco extensos.

Esses acontecimentos, não impediram, contudo, que os alunos, no geral,

desenvolvessem a contento as atividades elencadas, o que fez constatar e reforçar a

noção de que o professor possui o papel de mediador, não devendo desistir frente a

algumas resistências, pois recai sobre ele, principalmente, a função de incentivar a

aquisição e o desenvolvimento do gosto pela literatura. O que também mostrou a

execução do projeto, de que houve bons resultados para todos.

Ao final das atividades, foi possível verificar que os alunos perceberam

algumas peculiaridades da linguagem literária, atentando para seu caráter

metafórico, para a utilidade dos aspectos ficcional e “fantasioso” da literatura, que

funciona como veículo de reflexão sobre as ações humanas e bem pode responder

aos anseios dos jovens para além do enfrentamento no vestibular. Os estudantes se

tornaram mais receptíveis a este estilo literário do texto, valorizando-o e entendendo

que essas leituras possibilitam melhorar seu conhecimento e sua vocação

humanística, aceitando, inclusive, ou compreendendo, a indicação de algumas obras

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literárias pelos professores. Houve, assim, uma espécie de mudança de opinião, se

considerarmos que essas obras, as “canônicas”, não foram bem aceitas por ocasião

da aplicação do questionário, no início dos trabalhos, quando procurei avaliar o

horizonte de expectativa desses alunos.

Apesar da indagação quanto ao tamanho dos contos, constatou-se que esse

gênero é um tipo de texto recomendável a essa faixa etária, pois, em função da

estrutura normalmente simples, possibilitou o fácil reconhecimento de seus

elementos composicionais, criando certa confiança no trabalho com o texto,

tornando a leitura, assim, mais prazerosa. Para isso contribuiu bastante, também, as

orientações temáticas do conto, bastante próximas das preferências dos jovens,

segundo o horizonte referido.

Todo esse refletir e toda essa ação didático-pedagógica embasados também

em alguma teoria, tudo voltado para o desenvolvimento dos alunos, em especial da

escola pública, só foi possível mediante o Programa de Desenvolvimento

Educacional – PDE, idealizado e gerenciado pelo governo do Estado do Paraná. Ele

nos possibilitou dedicação exclusiva aos estudos, com a oportunidade de

realizarmos leituras, participarmos de seminários, palestras, cursos gerais, cursos

específicos e encontros de áreas conduzidos pelas IES. Também viabilizou a

atualização e a ampliação de conhecimentos que serão utilizados, com certeza, nas

práticas de sala de aula. Esse propósito, e outros tantos, do Programa, são

fundamentais para a melhoria, e mesmo para a excelência da educação pública

paranaense. Faz-se necessário que o professor contemplado continue incentivado

na busca contínua de seu aperfeiçoamento, contagiando e compartilhando com

todos os conhecimentos adquiridos neste período de estudos.

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