Livro Bakhtin - Para Uma Filosofia Do Ato - Waldemir Miotello e Carlos Alberto Faraco

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    PARAUMAFILOSOFIADOATORESPONSVEL

    Pedro&JooEditores

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    MikhailM.Bakhtin

    PARAUMAFILOSOFIA

    DO

    ATO

    RESPONSVEL

    OrganizadoporAugustoPonzioeGrupodeEstudos

    dosGnerosdoDiscurso GEGE

    TraduoaoscuidadosdeValdemirMiotelloeCarlosAlbertoFaraco

    Pedro&JooEditores

    2010

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    CopyrightAugustoPonzioePedro&JooEditoreseGrupodeEstudosdosGnerosdoDiscursoGEGE/UFSCar

    TtuloOriginal:Kfilosofiipostupka,192024.PrimeiraedioemFilosofijaisociologianaukiitechniki,Ezegodnik198485,Moscou,Nauka1986.Edio revisada em Bakhtin, Sobranie socinenij [Raccoltadelle opere],vol I,Moscou,Russkieslovari,2003.A traduo italianaqueaqui foiutilizadaapartirdestaedio.TraduodorussodeLucianoPonzio2009PensaMultimedias,.r.l.Todososdireitos reservados.Qualquerpartedestaobrapode ser re

    produzidaou transmitidaouarquivada,desdeque levadosemcontaosdireitos.

    BAKHTIN,MikhailM.

    ParaumafilosofiadoAtoResponsvel.SoCarlos:Pedro&JooEditores,2010.140p.

    ISBN

    978

    85

    99803

    85

    7

    1.AtoResponsvel.2.Discursoetica.3.Filosofiamoral.4.Linguagemevida.5.Autor.I.Ttulo.

    CDD410

    Capa:MarcosAntonioBessaOliveiraEditores:PedroAmarodeMouraBrito&JooRodrigodeMouraBrito

    &ValdemirMiotello

    ConselhoCientfico:AugustoPonzio(Bari/Itlia);JooWanderleyGeraldi(Unicamp/Brasil);RobertoLeiserBaronas(UFSCar/Brasil);NairF.GurgeldoAmaral(UNIR/Brasil);MariaIsabeldeMoura(UFSCar/Brasil);DominiqueMaingueneau(UniversidadedeParisXII);MariadaPiedadeResendedaCosta(UFSCar/Brasil).

    Pedro&JooEditoresRuaTadoKamikado,296

    [email protected]

    13568878 SoCarlosSP2010

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    INTRODUO

    Aconcepobakhtinianadoatocomodarumpasso

    AugustoPonzio

    Kfilosofiipostupkao ttulodadoporSergeiBocarovaestetexto,do inciodosanosvinte,desprovidodettuloedasprimeirasoitopginas(dascomplexas cinquenta eduas, conforme a numeraodoautor),quandoopublicouem1986.

    Nas tradues italianas anteriores, por mimorganizadas (1994e1998),diferentementedaquelaem Mastroiani 1993 (Para uma filosofia do ato,pp. 103164), foidadoo ttulo Parauma filosofiadaaoresponsvel.Aonoumaboaescolha.Tratasedeum ato, comonas expresses noatode...,atode fala,ato falho.Bakhtin,nestetexto, falade atodepensamento,de sentimento,dedesejoedizquetudoumatomeu,tambmopensamentoeosentimento.

    No

    uso

    que

    foi

    feito

    na

    Itlia,

    filosofia

    do

    ato

    levaapensarna filosofiadeGiovanniGentile.NombitoanglfonoPhilosophyoftheactlevaapensarnaobradofilsofoamericanoGeorgeH.Mead,de1938,que tinhaesse ttulo.Todaviaa traduodaedioamericanaTowardaPhilosophyoftheAct

    (1993,2a.ed.1995;).Postupok,ato,contmaraizstupquesignifica passo, ato comoumpasso, como iniciativa,

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    movimento,aoarriscada,tomadadeposio.Osdados esto lanados, coup de ds. Na lngua

    francesareferirseaopassonanegao(oudenegao):ne...pas,pasdutout.Nasuarelaocomdarumpasso,postupok

    lembra uma outra expresso que Bakhtin usa, apartirdotextoOautoreoherinaatividadeesttica,(tambmdosanos20),equeassumeumaim

    portnciacentralparaadelineaodoseuconceitode extralocalizao, de exotopia, vnenakodimost,oacharse foraouocolocarse foradeumamaneiranica,absolutamenteoutra,noequiparvel, singular. Transgrediente, de fato, significatambmdarumpasso,umpassoforadequalquer

    alinhamento, combinao, sincronia, semelhana,identificao.Estetermovemdolatimtransgredo;eem ingls equivale a step across, step over, passaratravsde,passaralmde.

    Postupokumato,depensamento,desentimento,dedesejo,defala,deao,queintencio

    nal, eque caracteriza a singularidade, apeculiaridade,omonogramadecadaum,emsuaunicidade,emsua impossibilidadedesersubstitudo,emseudeverresponder,responsavelmente,apartirdolugar que ocupa, sem libi e sem exceo. Bakhtin,em relaoapostupok,utilizaoverbopostupat co

    moagir,no sentidodoqueacabamosdeapresentar,dedentroeemconsideraoao lugarprprio,nico,singular.

    Naedioqueaquiseapresenta,demosaotextoottulo:Paraumafilosofiadoatoresponsvel.Ato responsvel uma expresso recorrenteno

    textodeBakhtin.Elaindicaumconceitocentraldareflexobakhtiniana.Responsvel tambmnosentido de responsivo. Tambm em russo otvest

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    vennyi (responsvel) lembra otvetnyj, responsivo.NaobradeBakhtin seencontra frequentementeo

    conceitode compreenso responsivaque salientaa conexoentre compreensoeescuta,escutaquefala,queresponde,mesmoquenoimediataediretamente;pormeiodacompreensoe pensamentoparticipante ucastnoemyslenie, pensamentoparticipante.

    Paraumafilosofiadoatoresponsvel,semdvida, interessante, almdo seu intrnsecovalorterico,por abarcar a obra completadeBakhtin eteremsitodoosignificadocomplexodoseuitinerriodeinvestigaoquechegaataprimeirametadedosanos70.

    MikhailBakhtin (18951975)geralmenteconsideradoumcrtico literrioouum tericoda literatura, particularmente na Itlia, malgrado [ou,noobstante]quasetodasuaobra,aincludosostextosdoassimchamadoCrculodeBakhtin,tersidotraduzidaparaoitalianoporvoltadametade

    dosanos70(olivrosobreDostoivski,naediode1963,j tinhasido,contudo,publicadoem italianoem1968).Bakhtin,elemesmo,fazendoumbalano,nosltimosanosdesuavida,sobreseutrabalhodeestudo e investigao, definese filsofo, e estetextosobrefilosofiadoato,quesecolocano in

    ciodesuaproduo,oconfirmaplenamente.

    D:Masosenhornoeratambmumclassicista?..B:Eueraj...Eueraumfilsofo.Veja,eudiriaassim...D:OSr.eramaisfilsofoquefillogo?B:Filsofo,maisquefillogo.Filsofo.Eassimpermaneciathoje.Souumfilsofo.Souumpensador.

    Estedilogofazpartedaprimeiradeseisconversasrealizadasnoperodode22defevereiroa23

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    de maro de 1973, entre Bakhtin (B.) e Victor D.Duvakin(D),equeforampublicadasemrussoem

    primeiraedioem1996,eemsegundaedioem2002(trad.it.M.Bakhtin,InDialogo,2008:120.Traduo em portugus:Mikhail Bakhtin em dilogoconversasde1973comV.Duvakin.Pedro&JooEditores,2008:45).

    O tema deste texto est estreitamente ligado

    com o amplo trabalhodeBakhtin,mesmo com aqueledoinciodosanos20,publicadonacoletneadosescritosdeBakhtin,Estetikaslovesnogo tvorcestva,de1979,comottuloOautoreoherinaatividadeesttica,emespecialcomseuprimeirocaptulo.Esteprimeiro captuloque,por seu carter

    fragmentrio,foiexcludodaquelapublicaoedacorrespondente traduo italiana (1988), foipublicado, no original russo, tambm no volume de1986,organizadoporBocarov.Suaprimeiratraduoitalianaapareceunovolumede1993,organizadoporJachiaePonzio,Bacthine...Averincev,Benja

    min, Freud, Greimas, Marx, Peirce, Valry, Welby,Yourcenar,como ttuloOAutoreoHerinaatividadeesttica.Fragmentodoprimeirocaptulo(atraduo inglesa deste fragmento encontrase emBakhtin,Artandanswerability,pp.208231).

    Aassociaoentreestesdoistextos,Parauma

    filosofia do ato responsvel e o Fragmento doprimeirocaptulodeOautoreoheri,almdedecorrerdofatodeambospertenceremaummesmoprojetodepesquisa,noqualosegundoacontinuaododiscursodoprimeiro,imediatamentevisvelpelarepetiodealgunspassosepelaesco

    lhadomesmo texto literriocomoobjetodeanlises,ouseja,apoesiadePushkin,Razluka(Separao).

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    Paraumafilosofiadoatoresponsvel,quesomente o incio de um vasto projeto filosfico,

    consiste de dois amplos fragmentos: a introduo(privada de algumas pginas iniciais) provavelmente,aotalprojeto,queaquipareceespecificarsecomoarealizaodeumlivrodefilosofiamoral,euma outra seo intitulada pelo autor Primeiraparte.

    Istodeveserditoantesdetudo,atporqueaqui seapresentaum trabalhode traduo,ea linguagemdestetextobastantepeculiar.

    Emgrandeparteuma linguagemconstrudaporBakhtinsobreaspegadasdalinguagemfilosficacontempornea(etambmobviamente,dalin

    guagemclssicadeondeparte)daEuropaOcidental, particularmente a alem. Bakhtin constri emrussoa linguagem filosficaqueadotaneste texto,inventaoprprioidioma,fazendoelemesmoumtrabalho de traduo. Desse modo a traduo dostermoseexpressespresentesno texto russopara

    sertransposta,nonossocaso,paraoitaliano[eparaoportugus]deve,dequalquermaneira, fazer remisso aos termos e s expresses dos quais ostermoseexpressesdeBakhtin sojuma traduoumatentativadeajustedecontas.OtrabalhosolitriodeBakhtinnodizrespeitoapenasaope

    rodo do seu exlio, mas tambm a sua pesquisatoda,dadooseucarterpioneiro.

    Apropsitodalinguagememsuarelaocomoato,nasuasingularidadedeatoresponsvel,Bakhtinobserva(estaeoutrascitaessemrefernciaso de Para uma filosofia do ato responsvel,

    presentenestelivro):

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    Historicamentealinguagemdesenvolveuseaserviodopensamentoparticipanteedoato,esomentenostemposrecentesdesuahistriacomeouaserviraopensamento

    abstrato.A expressodo atoapartirdo interior e a expressodo existireventoniconoqual sedo ato exigemainteiraplenitudedapalavra:isto,tantooseuaspectodecontedosentido(apalavraconceito),quantooemotivovolitivo(aentonaodapalavra),nasuaunidade.Eem todosessesmomentosapalavraplenaenicapode ser responsavelmente significativa:pode seraver

    dade(pravda),enosomentequalquercoisadesubjetivoefortuito.Nonecessrio,obviamente,supervalorizaropoderda linguagem:oexistirevento irrepetvelesingular eo atodequeparticipa so, fundamentalmente, exprimveis,masdefatosetratadeumatarefamuitodifcil,eumaplenaadequaoestforadoalcance,mesmoqueelapermaneasemprecomoumfim.

    Bakhtinusafrequentementeaexpressosobytiebytia(traduzimosbytiacomoexistirou,emcertoscasos,existncia:v.nota1),existirevento,existir como evento, eventono cursodo existir,do alemo Seinsgescheben, conceito fenomenolgi

    co. Coloca em campo palavras compostas, comobytiesobytie (o existirevento, o existir como evento); soderzhaniesmysl, contedosentido,contedo como sentido; aktdiatelnost ,uma atividade que se exprime em uma ao; introduz oconceito de venakodimost, exotopia, que ocupaum

    papelcentralemsuaconcepoestticaemoral.UmtermochavedetodoodiscursodeBakhtin

    Edinstvennji, singular, nico, irrepetvel, excepcional,incomparvel,suigeneris,correspondenteaoalemoeinzig.LembraottulodaobradeMaxStirner,DerEinzigeundseinEigentum (1844);masaqui,

    diferentemente do indivduo egosta de Stirner, arefernciaaumaunicidade,aumasingularidade,abertaaumarelaodealteridadeconsigoprpria

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    ecomosoutros,umasingularidadeemligaocomavidadouniverso inteiro,que incluiem sua fini

    tudeosentidodo infinito,eque,porcertosaspectos, lembra o singular de Soeren Kierkegaard,autorbemconhecidoporBakhtin(comoeleprpriodiz, em sua conversa comDuvakin, antesmesmoque fosse traduzido para o russo). Muito cedo...antesdesertraduzidoparaorusso,jconheciaSo

    erenKierkegaard.[...]Dostoivskiincrvel,aproblemticaeraquaseamesma,quasecomamesmaprofundidade(Bakhtinemdilogo,2008:401).

    Bakhtin faz uso da palavra russa obraz parasignificar o que em alemo Bild, Gebild, imagem,configurao.

    Usa znachimost , validade, para significar omesmo expresso em alemo por Geltung, Gelten;tsennstnaiaznacimost paraWertgeltung.

    Emprega dolzenstvovanie para referirse aodevernosentidodoSollenkantiano,oquemeobriga;masaqui,diferentedeKant,comoveremos,noem

    sentidouniversal,masaocontrrio,nosentido[de]queeusozinho,enenhumoutronomeulugar,devoresponsavelmentefazer,demaneiranoformal,nofarisaica,nocomoumaimpostura.

    RetomaoconceitohusserlianodeErlebnis,como experincia vivida orientada, e que est inti

    mamente ligada ao conceitodepostupok;usaustanovka,atitude,nosentidodeEinstellung.

    Introduz a expressoucastnoemyslenie,pensamento participante, no indiferente, em alemoteilnehemendesDenken;

    Distinguedannostezadanost,oquedado,

    eoquedadoparaserfeito,paraseralcanado,oquedadocomo tarefa,equivalente,em lnguaalem,aaufgegebenegegeben.

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    RetomaoconceitodeLebensphilosophie,filosofiadavida,mastomandooemumadireobemdife

    rentedovitalismocontemporneo, ttulode seuensaiopublicadoem1926,emumarevistadebiologia,sobonomedeseuamigobilogoKanaev,noqual, tambm com relao aBergson, tinha transformadoo emobjetode crtica,mas sempre apresentandoademaneiraconstrutiva.

    Confere a arquitetnica, tambm um termousadoporKant,eaestruturaouconstruo(stronie),quealgumasvezesoacompanha,umcarterdinmicoesuscetvelderenovao,almdesingulare irrepetvel, concebendoo como evento: estruturaarquitetnicadomundocomoevento.

    Kant, Hegel, Kierkegaard, Husserl, Rickert,Spengler,Bergson,Dilthey,Simmel,Schopenhauer,Nietzsche, Cohen, Cassirer, estes so alguns dosautoresderefernciadiretaouindireta,decujaleituraBakhtintraznososeupensamentooriginal,masa linguagemprprianecessriaparaconceb

    loemseuidioma,eparaapresentlo.Emsuaparteintrodutria,Bakhtinapresentao

    problemadapossibilidadedeapreenderocarterdoevento(sobytijnost)nico,singular,irrepetvel,quecaracterizaoato,aquelaunidadebasilardaexistnciadecadaum,noseuvalorenasuaunidade

    devivodeviredeautodeterminao.Nomomentoemque,apartirdeumpontodevistatericocientfico, filosfico,historiogrfico ou esttico, sedeterminaosentidodetalato,esteltimoperdeocarterdeeventonico,queoefetivamentecomoatovivido,eassumeumvalorgenrico,umsignifi

    cadoabstrato.Masaquestonosimplesmenteseposs

    veloconhecimentodasingularidade,sepossvel

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    umamathesis singularis, ou antes inevitavelmente,apenas umamathesis universalis. Questobastante

    inusitada, dado que resulta bvio que o conhecimentodeva sernecessariamente conhecimentodogeral,procedendoporconceitos,porclassificaes,pormontagem,sobreabasedeconjuntos,degneros,nosquaisosingular,deummodooudeoutro,reaparece sob a forma de indivduo identificado

    pelopertencimentoaesteouqueleconjunto,aesteouquelegnero.

    Tratase tambmdeumaquestoque tocadiretamenteavidadecadaumequeproduzumprofundo impacto sobre ela,deumaquesto emqueentraemjogoaqualidadedavida,oreconhecimen

    todadiferena singularde cadaum,pelo fatodequeaorganizaosocialmesma,amodelagemculturalmesmadavida,funcionasobreabasedeclassificaes, de fechamentos, de atribuies de pertencimento, recorre ao gnero, ao universal comocondioda identificao,dadiferenciao,da in

    dividuao.Em Para uma filosofia do ato responsvel,

    Bakhtin rejeita a concepobastante arraigada eaceita da verdade como composta de momentosgerais,universais,comoalgoreiterveleconstante,separadoe contrapostoao singulareao subjetivo.

    Elefazumadistinoentreaverdade,istina,comovalor abstrato, averacidade,overdadeiro, como ideal universalmente incontestvel, mas doqual no h no ato o reconhecimento efetivo, e averdade,pravda,comoentonaodoato,comoasua afirmao, ou seja, para o qual tende e pelo

    qualaferidaeoafere.A unidade da conscincia real, que age de

    maneira responsvel, diz Bakhtin, no deve ser

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    concebidacomopermannciaconteudsticadeumprincpio,dodireito,daleiemenosaindadoser:

    umaclara tomadadeposiocontraqualquer formade absolutizaodogmtica, a inclusa aontolgica. Nenhum princpio ou valor subsiste comoidnticoeautnomo,comoconstante,separadodoatovivodoseureconhecimentocomoprincpiovlidoouvalor.

    No o contedo da obrigao escrita que me obriga,masaminhaassinaturacolocadanofinal,ofatodeeuter,uma vez, reconhecido e subscrito tal obrigao. E, nomomentodaassinatura,noocontedodesteatoqueme obrigou a assinar,j que tal contedo sozinho nopoderiame foraraoatoaassinaturareconhecimento,

    maspodia somente em correlao com aminhadecisodeassumiraobrigaoexecutandooatodaassinaturareconhecimento;emesmonesteatooaspectoconteudsticonoeramaisqueummomento,eoquefoidecisivofoioreconhecimentoqueefetivamenteocorreu,aafirmaooatoresponsvel,etc.

    Adiferenaoficialmente reconhecidaaquelada identidade, da atribuio a um conjunto, umadiferena indiferentesingularidade,unidade,no intercambialidadede cadaum.Nestadiferena,quegeralmente funcionapor oposiobinria,as diferenas singulares so canceladas, e o que

    conta adiferenadognero, indiferentesdiferenassingularesqueenglobaequeestconstitutivamenteemcontraste,emoposio,comumaoutradiferenadegnero,comocondiomesmadasuaidentificabilidade.

    Asrelaessociais,asrelaesculturais,aque

    las reconhecidas,oficialmente,codificadas,as relaes que contamjuridicamente so relaes entreidentidadedognero,entrediferenasindiferentes

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    singularidade, relaes estruturalmente estveisporcontrastee,portanto,relaesopositivasecon

    flitantes,nasquaisaalteridadedecadaumapagada,enasquais,namelhordashipteses,vigoraatolernciadooutro,massemprecomotolernciadooutro quepertence aognero,do outro em geral,cujadiferenaadaidentidadedoconjuntoaquepertence.

    Criase assim a ciso entredoismundos reciprocamente impenetrveis e no comunicantes: omundonooficialdavidavivida,davivncia(comoestaexpressosoaemportugusevitandooparticpio passado), e o mundo oficial, da cultura, dosocial feito das relaes entre identidades, entre

    papis,entrepertencimentos,entrediferenasindiferentes,entre indivduosque,como tais,so individualizados por coordenadas que os assumemcomo representativos deste ou daquele conjunto.Deumlado,asingularidadedecadaum,asuaunicidade, a sua insubstituibilidade, a peculiaridade

    dassuasrelaes,dosseusvividos,dassuascoordenadasespaotemporaiseaxiolgicas,airrevogabilidadedasuaresponsabilidadesemlibieestasingularidade,estaunidade, insubstituibilidade,quecadaumtem,nosafetos,nasrelaesrelegadasaoprivado,nasrelaesdeamoredeamizade.Do

    outro lado, as relaes de troca entre indivduosquerepresentam identidades,e,portanto,emcadacaso entre conjuntos, gneros, pertenas, comunidades,classes,aglomerados,coletivos(aidentidadeindividual inevitavelmente coletiva). Aqui o reconhecimentodooutronomximoalcanaonvel

    da imparcialidade, da paridade, da igualdade, dajustia,do tratamento igualpor todososseusanlogos,pelosseussemelhantes,massempredema

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    neiranoparticipativa,indiferentesingularidade,diferenadecadaumouantes,comainterdio

    danoindiferenanosseusconfrontos.Masasingularidade,aunicidade,aalteridadede cadaum, com a suaparticipao eno indiferena singularidade dos outros, ao outro comonico e insubstituvel, a singularidade com a suaresponsabilidade sem libis, ficapor enquanto re

    legadaaoprivado,basedooficial,dopblico,doformal, do cultural, da identidade com a sua responsabilidadegarantidaedelimitadadelibis.

    Tudoissoquegenricoadquiresentidoevalorapartirdolugarnicodosingular,doseureconhecimento,nabasedo seu nolibino existir.

    Nolibi significa sem desculpas, sem escapatrias, mas tambm impossibilidade de estaremoutrolugaremrelaoaolugarnicoesingularqueocuponoexistir,existindo,vivendo.

    Umvalor iguala simesmo, reconhecido comouniversalmentevlido,noexiste,poissuavalidade

    reconhecida e condicionada no pelo contedotomadoabstratamente,maspelasuacorrelaocomo lugarsingulardaquelequeparticipa,determinaereconhece.Porexemplo: falandogenericamente,cadahomemmortal,masissoadquiresentidoevalorsomenteapartirdolugarnicodeumapessoani

    ca,eosentidoeovalordaminhamorte,damortedooutro,domeuprximo,decadahomemreal,dahumanidade inteira, varia profundamente caso acaso,jquesotodosmomentosdiversosdoexistireventosingular.Somenteparaumsujeitodesencarnado,noparticipante, indiferente, todasasmortes

    podem ser indiferentemente iguais. Mas ningumvive,dizBakhtin,emummundoemquetodosso,emrelaoaovalor,igualmentemortais.

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    Tudoissoqueexistegenericamente,comoalgoabstratamentedeterminado,apagaadiferenasin

    gular, torna intil, indiferente,aleatrio,oatosingular,apeculiaridade suigeneris,e transformaemplausveis questes do tipo quem o outro?,quemomeuprximo?.Masnenhumavalidadedesentidoemsipodesercategricaeperemptriasemoreconhecimentoeaparticipaodosingular,

    nenhumapodeobrigarsemoseuconsentimento.Inevitavelmentenomundovividocomosin

    gularidade,nomundodavivncianica,que cadaumseencontraquandoconhece,pensa,atuaedecide;daquiqueparticipadomundoemqueavida transformada em objeto e situa a identidade

    sexual,tnica,nacional,profissional,destatussocial,emumsetordeterminadodotrabalho,dacultura,dageografiapoltica,etc.

    Por isso,oqueunificaosdoismundos o eventonicodoatosingular,participativo,noindiferente.

    Encontraseaquiamesmaproblemticaexposta naquele que o primeiro escrito publicado deBakhtin, em 1919, intitulado Arte e responsabilidade, onde a questo examinada a da relaoentre arte e vida, e onde a soluo apresentadanosmesmos termos.Acincia,aarteeavidaad

    quiremunidadesomentenapessoaqueasincorporanasuaunidade.Masestaligao,comoacontecemuitasvezes,pode se tornarmecnica,externa,jque faltaaunidadedeumadupla responsabilidade:aresponsabilidadeespecial, isto,a responsabilidadequedecorredapertenaaumtodo,rela

    tivaaumdeterminado setorda cultura,aumdeterminadocontedo,eaumcertopapelefuno,e,portanto,umaresponsabilidadedelimitada,defini

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    da, referida identidade reitervel do indivduoobjetivoeintercambivel;e,deoutraparte,ares

    ponsabilidade moral, uma responsabilidade absoluta, sem limite, sem libi, sem desculpa, quepor si s torna nico, irrepetvel o ato, enquantoresponsabilidadeno transferveldo indivduo.Oatopor isso,dizBakhtin,UmJanobifronte,orientadoemduasdireesdiferentes:asingularida

    deirrepetvel,eaunidadeobjetiva,abstrata.A ligaoentrevalidadeobjetiva,abstrata, in

    diferente e a unicidade irrepetvel da tomada deposio,daescolha,nopodeserexplicadaapartirdointeriordoconhecimentoterico,epelaaodeum sujeito terico, abstrato, de uma conscincia

    gnoseolgica, precisamente porque tudo isso temuma validade formal, terica, indiferente aoresponsvel do singular. So particularmente importantesasconsideraesdeBakhtinsobreasconsequncias da separao entre validade objetiva,abstrata, indiferente e a unicidade irrepetvel da

    tomadadeposio,daescolha;sobreasconsequnciasdaautonomiadoquetemumavalidadetcnica, que se desenvolve segundo suas prprias leisimanentes,adquirindoumvalorporsieumpodereumdomniosobreavidadosujeito,umavezquetenhaperdido suauniocomavivaunicidadedo

    ato. Tudo o que tem valor formal e tcnico, umavezseparadodaunidadesingulardaexistnciadecadaumeabandonadovontadeda lei imanentede seu desenvolvimento, pode tornarse qualquercoisadeterrveleirrompernestaunidadesingulardavidadecadaumcomoforairresponsvelede

    vastadora.Viverapartirdesimesmo,deseuprpriolu

    gar singular, asseveraBakhtin,no significaviver

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    parasi,porcontaprpria;antes,somentedeseuprpriolugarnicoquepossveloreconhecimen

    toda impossibilidadedanoindiferenapelooutro,a responsabilidadesemlibiemseusconfrontos,eporumoutroconcreto, tambmelesingulare,portanto,insubstituvel.Eunopossofazercomoseeunoestivessea;nopossoagir,pensar,desejar,sentircomoseeunofosseeu,ecada identifi

    caodesimesmofalhaemsuapretensodeidentificao comooutro.Mas,aomesmo tempo,noposso fazer como se o outrono estivesse a,noum outro genrico,mas o outrona sua singularidade que ocupa um lugar no espaotempo e namedidadosvaloresqueeunopossoocupar,pr

    priopelonolibidecadaumnoexistir.Cadaeuocupaocentrodeumaarquitetnicanaqualooutro entra inevitavelmente emjogo nas interaesdostrsmomentosessenciaisdetalarquitetnica,eportantodoeu,segundoaqualseconstituemesedispemtodososvalores,ossignificadoseasrela

    es espaootemporais. Esses so todos caracterizadosemtermosdealteridadeeso:euparamim,euparaooutro, o outroparamim. Os momentosde talarquitetnica sodeBakhtin.Esses so:euparamim,ooutroparamim,eeuparaooutro.

    A singularidade, a unicidade, a que se refere

    Bakhtin,deformaalguma temrelaocomo indivduo egosta, conforme expresso no nico deStirner,nemcomumindivduoassocial,reduzidoauma entidade puramentebiolgica, confinado naesfera das necessidades fisiolgicas, e no qual ocorpomesmotenhasidosuplantadopelaabstrao

    doorganismoeasuaunidadetenhasidosubstitudapeladivisoemrgos.

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    Aefetivaodestaconfuso,destasubstituio,destareduodependemesmodaseparaoentre

    omundonooficialdavidavivida,davivncia,dadiferenanoindiferente,eomundooficialfeitoderelaes entre identidades que expurgam, interditam,adiferenasingular,eportantodoabusodesteltimo sobre o primeiro. A unidade e, com ela, asingularidadedoato,no sedeixam sufocar,mas,

    em consequncia da separao entre estes doismundos,sereafirmamdeformaerrada,distorcida,degradada.

    Acrisecontempornea,dizBakhtin,nosomenteacrisedomundodacultura,deseusvalores:tambmacrisedoatocontemporneo.

    Todas as foras de uma realizao responsvel [otvetst

    vennoe svershenie] se retiram para o territrio autnomo

    da cultura e o ato separado delas degenera ao grau de

    motivao biolgica e econmica elementar, perdendo

    todasassuascomponentes ideais:estaprecisamentea

    situao atualda civilizao. Toda a riqueza da culturaestpostaaserviodoagirbiolgico.Ateoriadeixaoato

    mercdeumaexistnciaestpida,exaureodetodosos

    componentesideaiseosubmeteaseudomnioautnomo

    fechado,empobreceoato.

    Bakhtin caracteriza a crise contempornea comocrisedaaocontempornea tornadaao tcnica;identificaestacrisenaseparaoentreaao,comsuaconcretamotivao,eoseuproduto,que,dessemodo,perdeosentido.Estauma interpretao muito prxima daquela da fenomenologia

    husserliana, sobretudo aquela trabalhadaemCriseda cincia europeia (publicada postumamente em1954).Mas emBakhtino sentidono conferido,

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    comoemHusserl(noqualpermaneceumcertoteoricismo),pelaconscinciaintencional,porumsujei

    to transcendental, mas pela ao responsvel queexprime a unicidade do ser no mundo sem libi.ParaBakhtinafilosofiadavidasomentepodeserumafilosofiamoral.

    Almdisso,Bakhtincolocaemevidnciacomoaseparaoentreprodutoeaoresponsvel,entre

    aparatotcnicocientficoemotivaoconcreta,entreculturaevida,produznosomenteadeterioraodoproduto,aperdadesentidodomundocultural tornado domnio autnomo, o esvaziamentodesentidodossaberes,mas tambmadegradaoda prpria ao que, isolada dos significados da

    cultura,empobrecidadeseusmomentosideais,decaiparaopatamardemotivaesbiolgicaseeconmicaselementares;portanto,pareceque foradaculturaobjetivanohnadamaisqueaindividualidadebiolgicanua,o atonecessidade.Ao consideraresteaspecto,Bakhtinrefereseexplicitamente

    a Spengler, em quem nota a incapacidade de reconduzirateoriaeopensamentoaocomoseusmomentos,emvezdeoplosaela.Isto,aocontrrio, s possvel se a ao for assumida em todasua capacidade valorizante de ao responsvelunaenica,edistintadaaotcnicacomsuares

    ponsabilidadeespecial.ParaBakhtin,residenasingularidadedoatoa

    possibilidadedareligaoentreculturaevida,entre conscincia cultural e conscincia viva. Diversamente, os valores culturais, cognitivos, cientficos, estticos, polticos tornamse valores em si e

    perdem todapossibilidadede verificao,de funcionalidade,detransformao.Bakhtindeixaexplcito como estadiscusso se liga auma concepo

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    hobbesianaetemsuaclaraconsequnciapoltica:absolutizao dos valores culturais corresponde a

    concepo deque opovo escolheumanica vez,renunciandoprpria liberdade,entregandoseaoEstado e transformandose, daquele momento emdiante,emescravodesualivredeciso.

    delegao da responsabilidade, como delegao poltica, Bakhtin retorna em um ponto de

    Paraumafilosofiadoatoresponsvel,quandoserefererepresentaopoltica,que, frequentemente,sejaemquemaatribui,sejaemquemaassume,perde,na tentativadeum tipodealienamentodaresponsabilidadepoltica,osentidodoprprioenraizamentonaparticipaopessoalnica, semli

    bis, tornandovaziaa responsabilidadeespecialistaeformal,comtodooperigoquetaldesenraizamentoeaperdadesentidoemcadacasocomportam.

    O meu nolibi no ser comporta a minhaunicidadeeinsubstituibilidade,transformaapossibilidadevaziaemaoresponsvelreal,confere

    efetivavalidadeesentidoacadasignificadoevalorde outra forma abstrato, dum rostopara o eventodeoutramaneiraannimo,fazdemodoqueno exista a razo objetiva nem a subjetiva, masquecadaum tenha razonoseuprprio lugar,etenha razono subjetivamente,mas responsavel

    mente, sem que isso possa ser entendido comooposio ano ser por alguma terceira conscincia,noencarnada,noparticipanteenaperspectiva de uma dialtica abstrata, no dialgica,queBakhtin explicitamente colocar emdiscussonosApontamentosde197071.

    O nolibi no ser coloca o eu em relaocomooutro,nosegundoumarelao indiferentecomooutrogenricoeenquantoambosexempla

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    resdohomememgeral,masenquantocoenvolvimentoconcreto,relaonoindiferente,comavida

    do prprio vizinho, do prprio contemporneo,com o passado e o futuro de pessoas reais. Umaverdadeabstratareferidaaohomememgeralcomoohomem mortal, adquire sentido evalor,dizBakhtin,sdomeulugarnico,comomorte,nestecaso, do meu prximo, como minha morte, como

    mortedeumacomunidade inteira,oucomopossibilidadedeaniquilaodahumanidadeinteirahistoricamente real. E, naturalmente, o sentido dovalor emotivovolitivo da minha morte, da mortedooutro,domeuprximo,dofatodamortedecada ser humano real, varia profundamente caso a

    caso,jquesotodosmomentosdiferentesdoexistirevento singular.Paraum sujeitodesencarnado,noparticipante,todasasmortespodemserindiferentementeiguais.Masnenhumviveemummundonoqualtodosso emrelaoaovalor igualmentemortais.

    Desta responsabilidade sem libi sepode certamente tentar fugir, masmesmo as tentativasdealienarse desta responsabilidade testemunham oseu peso e a sua presena inevitvel. Cada papeldeterminado,comasuaresponsabilidadedeterminada, especial, no elimina, diz Bakhtin, mas

    simplesmente especializa minha responsabilidadepessoal,ouseja,aresponsabilidademoralsemdelimitao e garantias, sem libi. Separada dessaresponsabilidade absoluta, a responsabilidade especial perde o sentido, tornase casual, uma responsabilidadetcnica,etornasesimplesrepresen

    taodeumpapel, simples execuo tcnica, a ao, como atividade tcnica se desrealiza ou setornaimpostura.

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    A filosofiamoral,queBakhtinqualifica comofilosofiaprimeira,devedescreveraarquitetni

    ca concreta em que a indiferena do indivduoabstrato, genrico, intercambivel, substituvel nasua responsabilidade estabelecida e circunscrita suapertenaaumtodo,aumgnero,suaadjudicaoaumadeterminadatipologiasubstituianoindiferenadoindivduotornadonicoapenaspor

    serabsolutamenteinsubstituvelnasuaresponsabilidadediantedaqualoacontecimentodasuaexistncia,semlibi,ope.

    A filosofia moral, como filosofia primeira,deveriaseocupardedescreveroexistireventocomooconheceaaoresponsvelenopodeseva

    lerdaconcepokantianaedaretomadaneokantiana(BakhtinfazrefernciaexplcitaaHermanCohen),quetambmdeuaoproblemadamoralrelevnciaparticular.

    Bakhtinacusade teoricismo,ou seja,deabstraodomeueusingularaticaformaldeKante

    dosneokantianos:

    Assim,oteoricismofatalaabstraodomeueusingularocorretambmnaticaformal:aqui,omundodarazo prtica em realidade um mundo terico, e no omundonoqualoatorealmenteexecutado.[...]Aquinoexistenenhumaaproximaopossvelcomoatovivono

    mundoreal.Oprimadodarazoprtica,narealidade,oprimadodeumdomnio tericosobre todososoutros,eistosedsomenteporqueodomniodaformamaisvaziaeimprodutivadoqueuniversal.Aleidaconformidadeleiumafrmulavaziadopuroteoricismo.Nuncaumarazoprticasemelhantepodefundarumafilosofiaprimeira.Oprincpiodaticaformalnodefatoum

    princpiodoato,masoprincpiodageneralizaopossveldosatosjdadosnasuatranscrioterica.

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    AticaformaldeKantedosneokantianosnoconseguiu libertarse do defeito da tica material,

    que consiste na concepo da universalidade dodeverser.Acategoriadodever,precisamenteconsiderada categoriada conscincia, entendida comocategoriadaconscinciaterica,comocategoriauniversal,portantoteorecizada;oimperativoconcebidocomouniversal,e,comoconsequncia,a fi

    losofiakantianaeneokantiananosocapazesdedarcontadoatosingular.

    EmKantenosneokantianos,observaBakhtin,o imperativocategricosubordinadosuacapacidadedeseruniversal;oatosingularjustificadoporsuacapacidadedetornarsenormadecompor

    tamentogeral;avontadecriativamenteativanoatocriauma leiaquesesubmetealienandosenoseuproduto.Omundodarazoprticadaticaformalkantianaeneokantiananoomundoconcretodoato responsvel, mas o mundo da sua transcrioterica.

    Bakhtinseopeticakantiananoporqueelapretendeserumaticaformal,umafilosofiadoprimadodarazoprtica,nemporqueelaseapresenta comobaseada no mtodo transcendental, masporqueelanoconsegueestarefetivamentealturadesteprograma,alturadasuaprpriadenomina

    o.Demodoqueuma filosofiamoraldogneropodeedevesercriada,mascertamentesepodeesedevecriarumaoutra,quemereamaisaindaquenoexclusivamentetalnome.

    Na seo que, em Para uma filosofia do atoresponsvel, vem depois da introduo e que

    indicada como Primeira Parte, Bakhtin afrontaconcretamente a questo de como seria possvelconsiderar e descrever a arquitetnica segundo a

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    qualseconstrieorganizaaunicidadeeaunidadedeummundonoabstratamente sistemtico,mas

    concretamentearquitetnicosobreumplanoavaliativoeespaotemporal,apartirdolugarnicoquecada um ocupade modo insubstituvel, enquantocentro participativo e no indiferente, na sua responsabilidadesemlibi.

    A compreenso de tal arquitetnica no seria

    possvel se efetuadapelomesmo sujeito em tornodoqualestaseorganiza,sedesdobradapelomesmo eu e, consequentemente,emumdiscursopertencenteaogneroconfessionalouaumgneroqualquer do discurso direto, como tal incapaz deterdelaumaviso total.Nem a sua compreenso

    podeserfeitaapartirdeumpontodevistacognitivo, no emotiva e avaliativamente participativo,de um ponto de vista objetivo, indiferente, que incapazdecompreenderoquedescreveeterminaria,por isso, por empobreclo, e com isso perder devista os detalhes que o deixam vivo e inacabado.

    Mas tambm no podebasearse na identificaodesimesmo,queseriatambmesta,sefossepossvel,umempobrecimentoenquantoreduoaumasvisodo relacionamentodeduasposies reciprocamenteexternasenointercambiveis.

    Para Bakhtin a interpretaocompreenso da

    arquitetnicapressupeque ela se realize apartirdeumaposioexterna,extralocalizada,exotpica,outra,diferenteeaomesmotemponoindiferente,masparticipativa.Postamseassimdoiscentrosdevalor,aqueledoeueaqueledooutro,quesoosdois centros de valor da prpria vida, em torno

    dos quais se constitui a arquitetnica do ato responsvel.Eprecisoqueestesdoiscentrosdevalor permaneam reciprocamente outros, que se

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    mantenham como o relacionamento arquitetnicodedoisoutros,poraquiloquedizrespeitoaoponto

    devistaespaotemporaleaxiolgico.Ento,Bakhtin,emParauma filosofiadoatoresponsvel, identificacomoexemplodeumavisodestetipoaquelaqueserealizanaarte,especificamentena arteverbal,na literatura,que tambmumavisoarquitetnicaorganizadaem torno

    daquelecentrodevalorqueoserhumanosingularemsuaunicidade,insubstituibilidade,precariedade, mortalidade, em relao qual expressescomoantes,depois,ainda,quando,nunca,tarde,nofim,j, necessrio, obrigatrio, alm,perto, longe perdem,dizBakhtin, todosos seus significadosabstratose

    seenchemacadavezemrelaosituaoemotivovolitivadestecentroparticipativodeumsentidoconcreto.

    Portanto,naescrita literria,Bakhtinencontrarealizadaa compreensodaarquitetnicaque suafilosofiamoral,oufilosofiaprimeira,seprope:es

    tainstauraumarelaoquepermiteamanutenodaalteridadedocentrodevalordetalarquitetnica,queconsideradodeumpontodevista transgrediente, extralocalizado, exotpico, por sua veznico e outro. Tratase exatamente do relacionamentoautoreherinombitodotextoliterrio.

    Paramelhorclarearadisposioarquitetnicada viso da escrita literria,Bakhtin a analisa emuma obra determinada, a poesia de Pushkin Razluka(Separao).

    ApartirdaquiiniciaseopercursosucessivodapesquisadeBakhtinque,tendoencontradonopon

    to de vista da escrita literria a possibilidade dadescrio da arquitetnica assim como pretendiaapresentla, se dedicar a estudar este ponto de

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    vista,de talmaneiraqueaquiloqueaquieraparaserapenasumexemplo,acabarporocuplopelo

    restodesuavida.importantetambmnotarqueBakhtindinciosuaaproximaocomaviso literriaapartirdognerolricoereencontraoriginariamentenelearelaodealteridadedialgicaentrepontosdevistadiferentes.Istopeporterraaerrneainterpretao

    quevBakhtincomosendopoucoatentoaognerolricoequelheatribuiacontraposioentregnerosqueseriammonolgicos,comoemespecialognerolrico, e gneros dialgicos, como em particular oromance.

    luzdo textosobrea filosofiadoatorespon

    svel tornase,almdomais,plenamentecompreensvelopercursoqueconduziuBakhtinsuamonografia,publicadaem1929,sobreDostoivski,emquefilosofia,constituda,evidentemente,porBakhtin,noapartirdedeterminadasconcepes,deposiesdeterminadasdos heris de seus roman

    ces, de certos contedos das suas obras, mas nomovimentoabrangentedereorientaoapartirdoprincpiodialgicocomoefetivaestruturadaobra,Bakhtinreencontraaarquitetnicapropostaemseuescrito sobrea filosofiamoral.OromancepolifnicodeDostoivskiobtmumadescriodaper

    sonagemnomaiscomopoderiadescrevlaumeuque a assuma como objeto, mas enquanto centrooutro,segundooqualseorganizaoseumundo.

    NoporacasoqueDostoivskiobrigaMakrDivuchkinalerOCapotedeGgoleencarlocomonovelasobresimesmo,comoumpasquimdesimesmo.(...)Dostoiskirealizouumapequenarevoluocopernicana,fazendodoqueeraumaestvelecompletadeterminao

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    do autor um momento da autoderterminao da personagem.().()NafiguradapersonagemdoCapote,Devuskinsev,

    porassimdizer,avaliado,medidoedefinidoemprofundidade:vocesttodoaqui,eemvocnohmaisnada,edevocnohoutracoisaparadizer.Elesesenteirremediavelmentepredeterminadoeacabado,comojmorto antesdemorrer, e aomesmo tempo sente tambm afalsidadedeumatalatitude.()Osentidosrio,profundodestarevoltapodeseexprimir

    assim:nosepodetransformarohomemvivoemobjetomudodeumconhecimentoexteriorcompletamentedefinidor.Nohomemhsemprealgumacoisaqueselepodedescobrirnoato livredaautoconscinciaedapalavra,quenosesujeitadeterminaoexternaeexteriorizante.()Averdadeiravidadapessoaacessvelapenasaumenfoquedialgicodiantedoqualelaserevelalivremente

    emresposta(Bakhtin,1963,trad.It:66eseg.)

    esteentooitinerriodeBakhtinqueseconfiguradesdeoseuprimeirotrabalhoatapublicaoem1929damonografia sobreDostoivski:elepartedeumarefundaodafilosofiaepercebeque

    asexignciasestabelecidasnosseusprolegmenosparaumafilosofiadoatoresponsveltmaefetivapossibilidadede realizaona escrita literria, enquantoestamaisoumenoscapaz,segundoosgnerosesubgneros literrios,decolocarse foradadimensode identidadeedadiferenaindiferena

    edelinear,deumpontodevistaparticipativoenoindiferente, uma arquitetnica da alteridade. Umitinerrioquepassa tambmpelo trabalhodoCrculoBakhtiniano (como aparecenos escritos recolhidos em Bakhtin, Kanaev, Medvedev, Voloshinov,1995,enaquelespublicadosporVoloshinovna

    segunda metade dos anos 20); e que,baseado nointeresse inicialporuma filosofiadoatoresponsvel, alcana, coerentemente, o interesse por uma

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    filosofiadaescritaliterria,ondedaescritaliterriagenitivo subjetivo:noumaviso filosficaqual

    submetertalescrita,masumaperspectivafilosficaqueaarteverbaltornapossvel.

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    Bakhtin,Toronto,Legas.

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    trad.it.diL.PonzioinM.M.Bakhtin,Linguaggioescrit

    tura,acuradiA.Ponzio,Roma,Meltemi,20031927 Frejdizm,MoscaLeningrad,Gosizdat;trad.it.diL.Pon

    zio,2005,M.M.Bakhtin,Freudeilfreudismo,acuradiA.Ponzio,Milano,Mimesis.

    1929 Marksizm ifilosofijajazyka,Leningrad,Priboj;trad. it.diM.DeMichiel,1999.M.m.Bakhtin,V.N.Voloshinov,Marxismoefilosofiadel

    linguaggio,acuradiA.Ponzio,Lecce,Manni

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    Paraumafilosofiadoatoresponsvel

    Tambmaatividadeestticanoconsegueligarseaestacaractersticadoexistir1queconsistenasuacontingnciaenoseucarterdeevento2aberto;eoprodutodaatividadeesttica,nosentidoquelheprprio,nooexistiremseuefetivode

    vir,e,noqueconcernesuaexistncia,eleseintegranoexistirmedianteoatohistricodeumaativapercepoesttica.Apercepoestticanoconse

    1 Bytie:existir.Significatambmser,masaquiarefernciaao

    existir.Astraduesespanholaefrancesausamser(ser,tre);mas,aquieali,usam tambm,respectivamente,existnciaeexistence.Natraduoinglesa,Being,Ser,commaiscula.A sombradeHeidegger!Almdisso, existeumapassagemdotextodeBakhtinemquehumatomadadeposioavantla lettrecontraaontologiadetipoheideggeriano.Bytie,existir,esobitye,evento.Sobytijnost,carcterdeevento,aoqualpreferimosaeventicidade.Estaeoutrasnotassodocura

    doremcolaboraocomotradutoritaliano,levandoemcontaasnotasderodapdotextoemrussodeBakhtin,Sobraniesocinenij[Coletneadasobras],vol.I,edastraduesprecedentesitalianaseestrangeiras.Asrefernciasstraduesinglesa, espanhola e francesadizem respeito, respectivamente, edioamericana,1993(2ed.1995),castelhanade1997efrancesade2003:v.,tambmparaasrefernciasstradues

    italianasprecedentesde1994ede1998,abibliografiadaIntroduonestelivro.)2 Sobytijnost: eventicidade; trad. Inglesa: eventness; francesa:venemntialit;espanhola:carcterdeacontecer.

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    gue tambmapreenderaunicidadedoeventosingular,porqueas imagensqueconfigurasoobjeti

    vadas,ou seja, so retiradas,em seucontedo,dodevir efetivo e singular3, e no participam dele(participamsomentecomomomentodaconscinciavivaeviventedocontemplador).

    A caracterstica que comum aopensamentotericodiscursivo4(nascinciasnaturaisenafiloso

    fia),representaodescriohistricaepercepoestticaequeparticularmenteimportanteparaanossaanlise,esta:todasessasatividadesestabelecemumaseparaodeprincpioentreocontedosentidodeumdeterminadoato5atividadeearealidadehistricadeseuexistir,suavivnciare

    almente irrepetvel; como consequncia, este atoperdeprecisamenteo seuvalor,a suaunidadedevivovirasereautodeterminao.Somentenasuatotalidade tal ato verdadeiramente real, participadoexistirevento6;sassimvivo,plenoeirredutivelmente,existe,vema ser, se realiza.umcom

    ponentereal,vivo,doexistirevento:incorporadonaunidadesingulardoexistirquesevairealizando,masesta incorporaonopenetraem seuaspectode contedosentido7,que reivindicaa com

    3 Edinstvennji,singular,nico, irrepetvel,excepcional, incom

    parvel,suigeneriscorrespondeaoalemoeinzig.4 Terico:especulativo(dogregotheoretiks).Discursivo:adje

    tivoquecorrespondeaosentidodapalavragregadianoia,edesigna o proceder, no raciocnio, derivando concluses apartirdepremissase tendoavercomcausaseprincpios(Aristteles,Metafisica,v,1,1025b25).

    5 Aqui,comologoadiante,akt,nopostupok.6 Bytiesobytie.Tambmexistircomoevento.

    7 Soderzaniesmysl:Contedosentido.Sentidocomosignificadocontextual.EmVoloshinov,1929(Marxismoefilosofia

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    pletaedefinitivaautodeterminaonaunidadedeumdeterminadodomniode sentido da cincia,

    daarte,dahistria:embora, comomostramos,essesdomniosobjetivos,foradoatoqueosenvolve,noso,emsi,reais.Comoresultado,doismundosse confrontam, dois mundos absolutamente incomunicveisemutuamenteimpenetrveis:omundodaculturaeomundodavida(esteonicomun

    doemquecadaumdenscria,conhece,contemplaviveemorre)omundonoqualseobjetivaoatodaatividadedecadaumeomundoemquetalatorealmente, irrepetivelmente, ocorre, tem lugar. Oato da atividade de cada um, da experincia quecada um vive8, olha, como umJanobifronte, em

    duasdireesopostas:paraaunidadeobjetivadeumdomniodaculturaeparaasingularidadeirrepetveldavidaquesevive,masnohumplanounitrioenicoemqueasduas faces sedeterminemreciprocamenteemrelaoaumaunidadenica. Somente o evento singulardo existirno seu

    efetuarsepodeconstituirestaunidadenica;tudoo que terico ou esttico deve ser determinadocomomomentodoevento singulardoexistir,emboranomais,claro,emtermostericoseestticos.Oatodeveencontrarumnicoplanounitriopararefletirseemambasasdirees,noseusenti

    do e em seu existir; deve encontrar a unidade deumaresponsabilidadebidirecional,sejaemrelaoao seu contedo (responsabilidade especial), sejaemrelaoaoseuexistir(responsabilidademoral),

    da linguagem), encontramos a diferena Znacenie e smysl,

    significadoabstratoesentidoatual.8 Experinciavivida:emespanholeemportugusexistevivncia,palavrapeculiaresemserparticpiopassado:oErlebnisdeEdmundHusserl.

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    demodoquearesponsabilidadeespecialdeveserummomentoincorporadodeumanicaeunitria

    responsabilidade moral. Somente assim se podesuperaraperniciosaseparaoeamtua impenetrabilidadeentreculturaevida.

    Cada um de meus pensamentos, com o seucontedo, um ato singular9 responsvel meu; umdosatosdequesecompeaminhavidasingu

    lar inteira como agir ininterrupto, porque a vidainteirana sua totalidadepode ser considerada comoumaespciedeatocomplexo:euajocomtodaaminhavida,ecadaatosingularecadaexperinciaquevivosoummomentodomeuviveragir.Talpensamento,enquantoato,formaumtodointegral:

    tantooseucontedosentidoquantoo fatodesuapresenaemminhaconscinciarealdeumserhumano singular, precisamente determinado e emcondiesdeterminadasouseja, todaahistoricidade concreta de sua realizao estes dois momentos,portanto,sejaodosentido,sejaohistrico

    individual(factual),sodoismomentosunitrioseinseparveisnavaloraodestepensamentocomomeuatoresponsvel.Massepoderetirardele,porabstrao,omomentodecontedosentido,isto,opensamentocomojuzodevalidadeuniversal.Paraesteaspectoabstratodo sentido,oaspectohistri

    coindividualoautor,otempo,ascircunstnciaseaunidademoraldesuavidatotalmenteindiferente: taljuzodevalidadeuniversalserefereunidade tericadodomnio tericocorrespondente,eolugarqueocupanestaunidadedefineasuavalidadedemodo totalmenteexaustivo.Avalorao

    dopensamentocomoatoindividuallevaemconsi9 Aquipostupok,comotambmnasocorrnciasqueseguem.

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    deraoecontmemsi,deformaplena,omomentodavalidadetericadopensamentojuzo;avalo

    raodosignificadodojuzoconstituiummomento necessrio na efetivao do ato, apesar de noexaustivo.Paraavalidadetericadojuzo,poroutrolado,totalmenteindiferenteomomentohistricoindividual,momentodatransformaodojuzoemato responsvelde seuautor.Eu,que real

    mente penso e sou responsvel pelo ato [akt] domeupensar,notenholugarnojuzoteoricamentevlido.Ojuzo teoricamentevalido,em todososseus momentos, impenetrvel para a minha atividade [aktivnost] individualmente responsvel. Sejamquaisforemosmomentosquedistinguimosno

    juzo teoricamentevlido a forma (as categoriasdasntese)eocontedo(oassunto,osdadosexperimentais e sensoriais), o objeto e o contedo avalidade [Znacimost]de todosestesmomentosexclui, de maneira totalmente impenetrvel, o momentodoatoindividual,oatodequempensa.

    A tentativa de compreender o dever [Dolzhenstvovanie]10comoamaisaltacategoriaformal(aafirmaonegao de Rickert11)baseiase num equvoco.O deverpode fundar apresena real deumdadojuzoemminhaconscinciaemdadascircunstncias, isto , a concretude histrica de um

    fato individual, mas no a veracidade [istinnost]terica em sidojuzo.Omomentodaveracidadetericanecessrioparaqueojuzosejaumimperativo para mim, mas no suficiente; umjuzo

    10No textoemrusso [emBakhtin,Sobranie socinenij (Coletnea

    dasobras),vol1]estenoumpargrafo,comoestaqui;paraagilizaraleitura,decidimosorganizardestaforma.11BejahungVerneinung. A referncia ao livro de Heinrich

    Rickert(18631936)DerGegestandderErkenntnis(1882).

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    verdadeirono j,por issomesmo, tambmumato [postupok] imperativo do pensamento. Permi

    tammeumaanalogiaumpoucogrosseira:airretocvel correo tcnica do ato no resolve ainda aquestodeseuvalormoral.Emrelaoaodeveraveracidade tericaexatamentedeordem tcnica.Seodeverfosseummomentoformaldojuzo,nohaveriarupturaentrevidaecriaocultural,entre

    aocomoato[actpotupok]momentodaunidadedocontextodaminhavidasingulareocontedosentidodojuzo,partedeumaunidadetericaobjetivadacincia:eissosignificariaqueexistiriaumsenicocontextodecognioevida,deculturaevida,oque,naturalmente,noocaso.Afirmaro

    juzo como verdadeiro relacionlo a uma certaunidade terica, unidade que no , de modo algum,aunidadehistricasingulardeminhavida.

    Nohsentidoemfalardealgumdevertericoespecial,dotipo:postoquepenso,devopensarverdadeiramente [istinno]; averacidade [istinnost]o

    deverdopensamento.Mas,sermesmoocasoqueodever momento inerentedaverdademesma?Defato,odeverserevelaapenasnacorrelaodaverdade(vlidaemsimesma)comaaocognitivarealdecadaumdens,e talmomentodecorrelaohistoricamenteummomentonico,sempreumato

    individual,quenoafetaemnadaavalidadetericaobjetivadojuzoumatoqueavaliveleimputvelnocontextonicodavidarealnicadeumsujeito.Paraodevernosuficienteapenasaveracidade,oatoderespostadosujeito,queprovmdoseuinterior,aaodereconhecimentoda

    veracidadedodever,etambmestaaonopenetra,demodoalgum,nacomposiotericaenosignificado dojuzo. Por que, enquanto penso, devo

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    pensar veridicamente? Da definio tericognoseolgicadaveracidadenoresultatotalmenteo

    dever;talmomentonoestcontidoemsuadefinio edelanodedutvel: ele spode serdado efixadodesdeoexterior (Husserl).Emgeral,nenhuma definio e nenhuma proposio terica podeincluiremsiomomentododever,nemeledelasdedutvel.Noexisteumdeveresttico,cientficoe,

    aoladodeles,umdevertico:hapenasoqueesttica,tericaesocialmentevlidoeaoqualsepodeagregarumdeverarespeitodoqualtodasestasvalidades so de carter tcnico, instrumentais. Taisposiesadquiremsuavalidadeno interiordeumaunidade esttica, cientfica, sociolgica; enquanto

    adquiremodevernaunidadedeminhavidasingulareresponsvel.Emgeral,comoveremosdetalhadamentemaisadiante,nosepode falardenenhumanormamoral,tica,denenhumdevercomotendoumdeterminado contedo.Odevernopossuium contedodefinido e especificamente terico.O

    deverpodeestenderse sobre tudooque conteudisticamentevlido,masnenhumaproposiotericaconter,emseucontedo,omomentododever,nem se fundanele.Noexisteumdever cientfico,estticoetc.,nemtampoucoexisteumdeverespecificamentetico,entendidocomoconjuntodenormas

    comumcontedodeterminado.Tudooquevlidod fundamento relativamente sua validade a diversas disciplinas especficas, e nada sobra para atica (asditasnormas ticas so geralmente regrassociaise,quandoascorrespondentescinciassociaisforem fundamentadas,elasserodesuacompetn

    cia). O dever uma categoria original do agirato[postupleniepostupok](etudoumatomeu,inclusiveopensamentoeo sentimento),uma certaatitude

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    [ustanovka] da conscincia, cuja estrutura nos propomos desvendar fenomenologicamente. No exis

    tem normas morais determinadas e vlidas em si,mas existe o sujeito moral com uma determinadaestrutura (no, obviamente, uma estruturapsicolgica ou fsica), e sobre ele que necessitamos nosapoiar: ele saber em que consiste e quando devecumpriroseudevermoralou,maisprecisamente,o

    dever (porquenoexisteumdeverespecificamentemoral).

    O fato de que a minha atividade responsvelnopenetranoaspectodecontedosentidodojuzoparecesercontraditadopelofatodequeaformadojuzo,omomentotranscendentenaformaodo

    juzo, tambm momento da atividade da nossarazo,pelofatodequecadaumdensqueproduz as categorias da sntese. Esquecemonos daempreitada copernicana de Kant12. Todavia, a atividade transcendente deveras atividade historicamente individual da minha ao, pela qual sou

    individualmenteresponsvel?Ningum,certamente,afirmartalcoisa.Adescobertadeumelementotranscendenteaprioriemnossaconscincianocriou uma sada desde o interior do conhecimento,isto,desde seuaspectode contedosentido,emdireo ao efetivo ato cognitivo histrico

    individual; no superou a sua separao e mtuaimpenetrabilidade,epara essaatividade transcendente foi preciso inventar um sujeito puramenteterico,historicamenteinexistente,umaconscincia

    12[...]conhecimuitocedoKant,comeceimuitocedoalerasua

    Crticadarazopura[]emalemo.Noemrusso.Emrussoeu liOsProlegmenos (Bakhtin,M.&Duvakin,V.MikhailBakhtinemdilogos.Conversasde1973comV.Duvakin.p.40.

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    em geral, uma conscincia cientfica, um sujeitognosiolgico. Mas, certamente, este sujeito terico

    deveriaacadavezencarnarseemumserhumanoreal, efetivo, pensante para incorporarse, com omundotododoexistirquelheinerenteenquantoobjeto de seu conhecimento, no existir do eventohistricoreal,simplesmentecomoseumomento.

    E,assim,enquanto separamosumjuzodau

    nidadedaaoatohistoricamenterealdesuaatuaoeo relacionamosaumaunidade tericaqualquer,do interiorde seu contedosentido,nohsadaqueconduzaaodevernoeventorealsingulardoexistir.Qualquerquesejaatentativadesuperaro dualismo entre conscincia e vida, entre o pen

    samentoearealidadeconcretasingular,do interior do conhecimento terico, absolutamente semesperana.Umavezseparadooaspectodocontedosentidodoconhecimentodoatohistricodesuarealizao podemos sair em direo ao dever somente por meio de um salto; procurar a aoato

    cognitivorealnocontedodesentidoseparadodelecomotentarlevantarsepuxandosepeloscabelos.Do contedo separadodo ato cognitivo apropriamse suas prprias leis imanentes, combasenas quais ele se desenvolve sozinho, autonomamente. Inseridos neste contedo, consumado um

    ato de abstrao, estaremos merc de suas leisautnomas;maisexatamente,cadaumdensnoestmaispresentenelecomoativonosentidoindividualeresponsvel.Dse,ento,oqueocorrenomundoda tecnologia,que conhece suaprpria leiimanenteaquesesubmeteemseuimpetuosoeir

    restritodesenvolvimento,noobstantejhtempotenha se furtado tarefade compreendera finalidadeculturaldessedesenvolvimento,eacabecon

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    tribuindo para piorar notavelmente as coisas emvezdemelhorlas; assim, combasenas suas leis

    internas, aperfeioamse instrumentos que, comoresultado,setransformamdemeiodedefesaracionalemuma fora terrificante, letaledestrutiva.aterrorizantetudooquetecnolgico,quandoabstradodaunidadesingulardoexistirdecadaumedeixadoentreguevontadedaleiimanentedeseu

    desenvolvimento; ele pode repentinamente irrompernestaunidadesingulardavidadecadaumcomoforairresponsvel,deletriaedevastante.

    Enquantoomundoautnomoterico,abstrato,alheiopor princpio historicidade viva singular,permanece fechado em suasprprias fronteiras, a

    suaautonomiajustificadae inviolvel;so igualmentejustificadas disciplinas filosficas especiaiscomoalgica,ateoriadoconhecimento,apsicologiadoconhecimento,abiologiafilosfica,queobjetivam descobrir teoricamente, isto , segundo oconhecimentoabstratoaestruturadomundoteo

    ricamente cognoscvel e seus princpios. Mas omundo comoobjetode conhecimento tericoprocurasefazerpassarcomoomundocomotal,isto,no scomounidadeabstrata,mas tambmcomoconcretamentenicoemsuapossvel totalidade;oconhecimento terico visa, assim, construir uma

    filosofia primeira (primaphilosophia) na forma degnoseologiaoude

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    cos,demodo conscienteeexplcito (emparticularno perodo medieval), ou inconsciente e latente

    (nossistemasdosculoXIXeXX).Podemosnotarhoje um particular abrandamento dos prpriostermosexistirerealidade.Oexemplo clssicodeKantcontraaprovaontolgicadequecemtleres[moedaalem]reaisnoequivalemacemtleressomentepensadosdeixoudeserconvincen

    te;defato,oquerealmenteexistentenoplanohistricoequeirrepetvel,narealidadedeterminadapor mim de uma maneira nica, incomparavelmente mais pesado; mas, se medido com pesostericos,aindaquecomoacrscimodo reconhecimentotericodesuaexistnciaemprica,abstrao

    feita de seu valor histrico nico, dificilmente resultar mais pesado do que aquilo que apenaspensado. Istoqueexistecomosingularehistoricamentereal temvolumeepesomaiordoquequalquerunidadedeordemtericaecientfica,masesta diferena de peso, evidente para a conscincia

    viva que a experimenta, no pode ser entendidapormeiodecategoriastericas.

    Ocontedosentidoque foiabstradodaaoatopode ser integrado aum certo existir abertoenico,mas,naturalmente,noaqueleexistirnicoemque cadaumdensvive emorre, emque se

    desenrolaoatoresponsveldecadaum:talexistir,porprincpio, estranho vivahistoricidade.Eunoposso incluiromeueuefetivoeaminhavidacomo um aspecto do mundo das construes daconscinciaterica,mundoobtidoporabstraodoatohistricoresponsvelindividual;oqueneces

    srio,sesepartedopressupostodequeestemundoomundotodo,oexistirtotal(totalemprincpioouemconsideraosuafinalidade,isto,sis

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    tematicamente, tambm sepode,por certo,deixarabertooprpriosistemadoexistirterico).Emum

    talmundo apareceramosdeterminados,predeterminados, prontos e acabados, fundamentalmentenoviventes;nsnos retiraramosdavida,concebidacomodeviratoresponsvel,arriscado,aberto,para um existir terico indiferente, por princpioconclusoecompleto(nonosentidodequecon

    cludoedeterminadoapenasnoprocessocognitivo,mas como um existirj determinadojustamenteenquantodado). claroque isso s possvel fazendoabstraodoquenoatoabsolutamentearbitrrio (responsavelmentearbitrrio), absolutamentenovo,quevemsendocriado,que temaver

    comaao, isto,fazendoabstraoprecisamentedetudoaquilodequeviveaao.Nenhumaorientao prtica da minha vida no mundo terico possvel:neleno possvel viver, agir responsavelmente,nelenosounecessrio,nele,porprincpio, no tenho lugar. O mundo terico se obtm

    porumaabstraoquenolevaemcontaofatodaminhaexistnciasingularedosentidomoraldestefato, que se comporta como se eu no existisse[kakeslibymenjanebylo];etalconceitodeser,queindiferenteaofato,paramimcentral,daminhaencarnao concreta e singular no existir (a estou

    tambm eu), no pode, por princpio, acrescentarnadaaele,nemtirarnadadele,jqueestemundotericopermanece igual e idntico a simesmonoprpriosentidoesignificado,existaeuouno;eleno pode oferecer nenhum critrio para a minhavidacomoagir [postuplenie]responsvel,nopode

    fornecernenhumcritrioparaavidadaprxis,paraavidadoato,porqueneleeunovivo:esefossetalmundoonico,eunoexistiria.

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    Todavia13,aissoqueconduzoconfinamentodesiedaprpriavidaemumexistircientificamen

    te cognoscvel congelado; mas ns fazemos issosomente teoricamentee sem refletiratasltimasconsequncias,deoutra formansnosbloquearamosnanossavida;oquenossalvaqueoprprioatohistoricamentesingulardesteconfinamentonofazpartedesteexistirque se congela,masperma

    necenaunidade singulardenossavida responsvel,oquesignificaqueomundonoqualseefetuarealmente este pensamentoato no corresponde,apesar de tudo, ao produto abstrato deste pensamento,ouaomundoterico;nomomentodoato,omundosereestruturaemuminstante,asuaverda

    deiraarquiteturaserestabelece,naqualtudooque teoricamente concebvel no mais que um aspecto.Estaduplicidadese tornaparanscoisa familiar,ens somos realistasa talpontono ingnuos,queanossaconscincianosepreocupacomestamentirainterior:ouseja,situar,localizarami

    nhavidasingularreal,efetiva,emummundoindiferentequesconcebvelteoricamente,eomundoreal,vividodemaneirasingular,emummundonovivido,mas somente concebvelenquanto seucomponente.Mascertamente,navidareal,prtica,noemrelaoa issoquepodeorientarseoato

    decadaumdens.Orealismoingnuoprximodaverdade,namedidaemqueelenoconstriteorias, e a suaprticapoderia ser assim formulada:vivemoseagimosnomundoreal,masomundode

    13Estepargrafointeiro,apartirdoinciodestalinha,noestincludonas traduesprecedentescitadas, comexceodafrancesa,e correspondeao textooriginaldeObras completas(volI,pp.1314).

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    nosso pensamento o seu reflexo, dotado de umvalortcnico.Omundorealserefletesomentepor

    meiodopensamento,masele,porseuturno,nosepensano seu existir, isto , cadaumdens, comtodosseusprpriospensamentoseseuscontedos,somosnele,enelequensvivemosemorremos.Umtalrelacionamentorecprocoentrepensamentoerealidademuitoprximodaverdade.

    Mas,obviamente,danodecorre,emabsoluto,avalidadedequalquerrelativismoquenegueaautonomia da verdade e que procure fazer delaqualquer coisa de relativo e condicionado, ummomentodavidaprticaououtraalheioaessaverdadeprecisamentenasuaveracidadeeimportn

    cia.Donossopontodevista,ocarterautnomodaverdade,asuapurezametodolgicaeasuaautodeterminao so totalmente preservados; por contadacondiodesuapureza,averdadepodeparticipar responsavelmente do existirevento: uma verdade intrinsecamente relativa no necessria

    vidaevento.Avalidadedaverdadeumasuacaractersticaautnoma,absolutaeeterna,eaaoresponsvel da cognio leva em conta esta suaparticularidade,estaasuaessncia.Avalidadedeuma assero terica no depende absolutamentedofatodeserounoconhecidaporalgum.Asleis

    deNewtoneramvlidasemsiantesmesmodeseremdescobertasporNewtoneno foiestadescobertaqueastornouvlidaspelaprimeiravez;mastaisverdadesnoexistiamcomomomentosconhecidos,incorporadosaoexistireventonico,oquedeessencial importncia,porque issoqueconsti

    tuiosentidodoatoqueasconhece.Seriaumerrogrosseiropensarque estasverdades eternas em siexistissem primeiro, antes de serem descobertas

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    porNewton,domesmomodo comoaAmricaexistiaantesdeserdescobertaporColombo;ocar

    ter eternodaverdadenopode ser contraposto nossatemporalidade[dandoorigemaumaparenteparadoxo]14comoduraoinfinitaparaaqualtodonosso tempo no mais que um momento, umsegmento.

    Atemporalidadedahistoricidaderealdoexistir

    no mais que um momento da historicidade conhecida de maneira abstrata. O momento abstratodavalidadeextratemporaldaverdadepodetambmsercontrapostoaomomentoabstratoda temporalidade do objeto da cognio histrica: mas toda acontraposionosaidosconfinsdomundoterico,

    esnestetemsentidoevalidade.Avalidadeextratemporalde todoomundo tericodaverdade,porsuavez,entraporcompletonahistoricidaderealdoexistirevento. Evidentemente, no entra a temporalmenteouespacialmente(todosestessomomentosabstratos),mascomomomentoqueenriqueceo

    existirevento.Somenteaquiloquedacogniopertence a categorias cientficoabstratas , por princpio, teoricamente alheio ao sentido conhecido abstratamente.Oatorealdecognionodointeriordeseuprodutotericoabstrato(isto,desdeointeriordeumjuzouniversalmentevlido)mas como

    ato responsvel incorpora cada significado extratemporalnoexistireventosingular.Todavia,acontraposiohabitualentreaverdadeeternaeanossatemporalidade imperfeita possui um sentido noterico;talasseroincluiemsicertosaboraxiolgi

    14Tratase,nesteenooutrosegmentoentreparntesesquadrados,deanotaesqueaparecemnamargemdomanuscritodeBakhtin.

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    coeassumeumcarteremotivovolitivo:eisaquiaverdadeeterna(eissobom),eeisaquianossaim

    perfeitavidatemporal,transitria,efmera(eissomau). Mas temos aqui o caso de um pensamentoparticipativo,sustentadoemumtompenitente,quebusca superaroprprio carterdado,em favordoquesecolocacomoalgoqueestparaseralcanado;mas tal pensamento participativo se desenvolve

    propriamente dentro da arquitetnica do existirevento do qual estamos falando. Tal tambm aconcepodePlato.

    Teoricismo ainda mais grosseiro a tentativade incluir omundoda cognio tericano existirnico,assumindoocomoentidadepsquica.Ops

    quicoumprodutoabstratodopensamentoterico, e inaceitvel conceber a aoato do pensamentovivocomoprocessopsquico,queestsituadonomundoteoricamenteconcebidojuntoatudooqueestacontido.Opsquicoumprodutoabstrato como o qualquer validade transcendente.

    Nestecaso, incorremosemumabsurdoconsidervel,destavezsobreoplanopuramenteterico:tornamos o mundo terico grande (o mundo comoobjetodoconjuntodascincias,detodaacognioterica)ummomentodomundotericopequeno(arealidadepsquica comoobjetoda cogniopsico

    lgica).Apsicologiasejustificaquando,permanecendo dentro das suas fronteiras, considera o conhecimentoscomoprocessopsquico,etraduznalnguadopsquico, seja omomentodo contedosentido do ato cognitivo, seja a responsabilidadeindividual da realizao do ato; quando, em vez

    disso,pretendeserconhecimento filosficoeapresenta sua transcriopsicolgicaparaoexistir comosefosserealidadesingular,noadmitindojunto

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    de si a possibilidade de uma igualmente legtimatranscrio segundouma lgica transcendente,co

    meteumerrogrosseiro,sejadopontodevistaterico,sejadopontodevistadofilosofarconcreto15.Emminhavidacomoatonadaabsolutamente

    tenhoavercomopsquico(anoserquandoatuocomo psiclogoterico). Em matemtica, quandose realiza um ato responsvel e produtivo ocu

    pandose,porexemplo,comum teorema,concebvel,mastotalmenteirrealizvel,apossibilidadedeoperarcomumconceitomatemticocomosesetratassedeumainstnciadaordempsquica.Nestecaso,certamente,otrabalhodoatonoserealizar:oatosedesenvolveeviveemummundoqueno

    um mundo psquico. Quando me ocupo com umteorema,concentromeemseusentido,queresponsavelmentecolocoemrelaocomosconhecimentos adquiridos (que o objetivo real da cincia),semsaberesemterquesabernadasobreapossveltranscriopsicolgicadestemeuatorealerespon

    svel,emboraesta transcrio sejaparaumpsiclogo,dopontodevistadeseusobjetivos,correta16.

    Formasanlogasdeteoricismoso tambmasvriastentativasdereuniroconhecimentotericoeavidaemsuairrepetibilidade,concebendoestaltima segundo categorias biolgicas, econmicas

    etc.: ou seja, todas as vrias tentativas de tipopragmatista. Nestes casos, uma teoria se converte

    15 critica da funo fundante da psicologia, com refernciadiretasobretudoaWilhelmDilthey,dedicadoocaptuloIIIinteirodeMarxismoefilosofiadalinguagem,olivrodeBakhtin

    emcolaboraocomV.N.Voloshinovpublicadoem1929sobonomedesteltimo.16Estas consideraes esto em consonncia com a crtica do

    psicologismodeEdmundHusserl.

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    emumaspectodeumaoutra teoriaemvezdeserum momento do existirevento real. necessrio

    reconduzir a teoria em direo no a construestericasevidapensadapormeiodestas,masaoexistircomoeventomoral,emseucumprirsereal razo prtica o que, responsavelmente, fazquemquerque conhea, aceitando a responsabilidadedecadaumdosatosdesuacognioemsua

    integralidade,isto,namedidaemqueoatocognitivocomomeuato faaparte,com todooseucontedo,daunidadedaminha responsabilidade,naqual epelaqual eu realmentevivo e realizo atos.Todasas tentativasdealcanaraexistnciaeventorealapartirdo interiordomundo tericososem

    esperana; no possvel do interior da cognioemsiabrirumcaminhonomundoconhecidoteoricamenteparaalcanaromundorealemsuasingularidadee irrepetibilidade.Mas,partindodaaoatoenodesuatranscrioterica,humaaberturavoltadapara seu contedosentido,que intei

    ramenteadmitidoeincludodesdeointeriordetalato,jqueoatosedesenvolverealmentenoexistir.

    Omundocomocontedodopensamentocientficoummundoparticular,autnomo,masnoseparado,esimintegradonoeventosingularenicodoexistiratravsdeumaconscinciarespons

    vel em um atoao real. Porm, tal existir comoeventosingularnoalgopensado:talexistir,elese cumpre realmente e irremediavelmente atravsdemim edos outros e, certamente, tambmnoatodeminhaaoconhecimento;elevivenciado,asseveradodemodoemotivovolitivo,eoconhecer

    nosenoummomentodestevivenciarasseverarglobal.A singularidadenicanopode serpensada, mas somente vividademodoparticipativo.A

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    razo terica em sua totalidade no seno ummomentoda razoprtica, isto,da razodecor

    rentedadireomoraldeum sujeitonicono eventodoexistirsingular.Esteexistirnodefinvelpelas categorias de uma conscincia terica noparticipante,massomentepelascategoriasdaparticipaoreal,isto,doato,pelascategoriasdoefetivoexperimentaroperativoeparticipativodasin

    gularidadeconcretadomundo.O trao caractersticoda filosofia contempor

    neadavida,quebusca incluiromundo tericonaunidadedavidaemdevir,umacertaestetizaodavidaquedealgumaformamascaraumpoucoainadequaobastanteevidentedo teoricismopuro

    (ainclusodomundotericograndeemummundopequeno,aindaqueterico).Frequentemente,oselementos tericos e estticos se fundem nestasconcepesdavida.Assimocorrenatentativamaissignificativa de construir uma filosofia da vida aquela de Henry Bergson. O principal defeito de

    suasconstruesfilosficas,vriasvezesdestacadopelaliteraturaqueseocupadelas,afaltadejustificativametodolgicadosmomentosheterogneosdesuaconcepo.Metodologicamente,noclaratambmsuadefiniodaintuiofilosfica,queelecontrape ao conhecimento racional e analtico.

    Nohdvida,todavia,queoconhecimentoracional reaparece como elemento necessrio (teoricismo)naintuio,damaneiracomoestanooefetivamenteempregadaporBergson.Issofoimostrado comexaustiva clarezaporLosskyno seuexcelenteestudo sobreBergson17.Se taiselementos ra

    17NikolajO.Lossky,IntuitivnaiafilosofiiaBergsona(AfilosofiadaintuiodeBergson,Moscou,Put,1922).

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    cionaissoextradosdaintuio,oquepermanecenelaapuracontemplaoesttica,comumaden

    do insignificante,umadosehomeoptica,depensamentoefetivamenteparticipante.Mas tambmoproduto da contemplao esttica abstrado doatoefetivodacontemplaoenoessencialmentenecessrioaele:ento, tambmparaacontemplaoestticarestainapreensveloexistireventoni

    coemsuasingularidade.Omundodavisoesttica,queseobtm fazendoabstraodosujeito realdestaviso,no omundo realnoqual euvivo,aindaqueseuladoconteudsticopertenaaumsujeitovivo.Masentreosujeitoeasuavida,objetodavisoesttica,eosujeitoportadordoatodetalvi

    so,h a mesma incomunicabilidade deprincpioquenoconhecimentoterico.

    Nocontedodavisoestticanoencontraremosaaoatodaquelequev.O reflexobilateralnicodeum atonico,que ilumina e traz aumanicaresponsabilidade,sejaocontedo,sejaoexis

    tirrealizao da aoato em sua indivisibilidade,nopenetranoladoconteudsticodavisoesttica:do interiordestavisonoh sada emdireo vida.Oquenoestabsolutamenteemcontradiocomo fatodequeeumesmoeaminhavidapossamosnostornarcontedodeminhacontemplao

    esttica;oatoaomesmodestavisonopenetranocontedo,avisoestticanosetransformaemconfisso ou, se chega a isso, deixa de ser umaviso esttica.E, com efeito, existem obrasque sesituamna fronteiradaestticaedaconfisso (orientaomoralnoexistirsingular).

    Momentoessencial (masnoonico)dacontemplaoestticaaempatia[vizivanie]comoobjeto individual da viso, a viso deste ltimo do

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    interior de sua prpria essncia.Ao momento daempatia segue sempreodaobjetivao,ou seja,o

    desituarforadesimesmoaindividualidadecompreendida atravsdaempatia separandoade simesmo, e retornando a si mesmo. Somente talconscinciaque retornaa simesma confere formaesttica, do seu prprio lugar, individualidadeapreendida desde o interior mediante a empatia,

    como individualidade unitria, ntegra, qualitativamenteoriginal.Etodosestesmomentosestticos singularidade, integridade, autossuficincia, originalidade so transgredientes18 em relao mesma individualidadequeestsendodeterminada:dointeriordesimesma,eparasimesma,estes

    momentos em sua vidano existem, elanovivepara esses momentos mas vive para si. Essesmomentos tm sentidoe so realizadosporquemse identifica,situadoforada individualidade,dandoformaeobjetivandoamatriacegadaempatia.Emoutraspalavras,oreflexoestticodavidaviva

    noporprincpioautorreflexodavidaemmovimento,davida em sua real vitalidade: tal reflexopressupeumoutro sujeitodaempatia,que extralocalizado19. Naturalmente, no h necessidadedepensarqueaopuromomentodaempatiaseguecronologicamente o momento da objetivao, da

    formao;ambosso,narealidade, inseparveis:apuraempatiaummomentoabstratodoatounitriodaatividadeesttica,quenodeveserpensadocomoperodotemporal:osmomentosdaempatiae

    18TermoempregadonasprimeirasobrasdeBakhtin;indicaumexceder,umtranscender,umacapacidadedeextravasar.

    19Extracolocado,exotpico.Exotopiaumdosconceitosprincipaisdafilosofiabakhtiniana.

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    daobjetivaoseinterpenetram.Euvivoativamenteaempatiacomuma individualidade,e,porconse

    guinte,nemporum instantesequerpercocompletamenteamimmesmo,nempercoomeu lugarnico fora dela. No o objeto que se apodera demim,enquantoserpassivo:soueuqueativamenteovivo empaticamente; a empatia um ato meu, esomentenissoconsisteaprodutividadeeanovida

    de do ato (Schopenhauer e amsica20). Mediante aempatiaserealizaalgoquenoexistianemnoobjetodaempatia,nememmimantesdoatodaempatia,eoexistireventoseenriquecedestealgoquerealizado,nopermanecendo igual a simesmo.Eesta ao como ato,que cria algodenovo,jno

    podemaisserumreflexoestticoemsuaessncia,porqueissoatornariaexterioraosujeitoqueage,e sua responsabilidade.A empatia pura, a coincidnciacomooutro,aperdademeulugarniconasingularidade do existir pressupem o reconhecimentodequeaminhasingularidadeeaunicidade

    do meu lugar no so um componente essencial,no influem no carter essencial da existncia domundo.Mastalreconhecimentodairrelevnciadaprpria singularidade para a concepodo existirno mundo comporta inevitavelmente tambm aperdada singularidadedoexistir,eassimnsob

    temos a ideia do existir somente como possvel e

    20BakhtinsereferesreflexesdeArthurSchopenhauersobreamsicanoterceirolivrodeOmundocomovontadeecomorepresentao(1818),traduoitalianaaoscuidadosdeA.Vigliani,introduodeG.Vattimo,Milo,Mondodari,2000,eao

    captulo39domesmo livroSobreametafsicadamsica(traduo italiana cit. pp. 13221336). O livro foi traduzidoparaoportugusporJairBarboza,epublicadopelaEditoradaUNESP,2005,695p.

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    no essencial, real, singular, irredutivelmente real.Masumtalexistirnopodeviraser,nopodevi

    ver.Osentidodeumexistirparaoqualomeu lugarniconavidareconhecidocomonoessencialnopodernuncaconferiramimumsentido;noesseosentidodoexistirevento.

    Deoutrolado,emgeral,umaempatiapuranopossvel.Seeumeperdesseverdadeiramenteno

    outro (neste caso, no lugar de dois participantes,haveriaumscomoconsequenteempobrecimentodo existir), ou seja, se eu cessassede existirnaminhasingularidade,entoestemomentodomeuno existirnopoderianunca se tornarmomentodeminhaconscincia;omeunoexistirnopode

    voltaraentrarnoexistirdaminhaconscinciacomoseumomentodeexistnciasimplesmentenoexistiriaparamim;isto,oexistir,nestedadomomento,noserealizariaatravsdemim.Umaempatiapassiva,oserpossudo,aperdadesi,notmnadaemcomumcomaaoato responsveldo re

    nunciarasimesmooudaabnegao:naabnegaoeusoumaximamenteativoerealizocompletamenteasingularidadedomeulugarnoexistir.Omundonoqualeu,domeulugar,noqualsouinsubstituvel, renuncio de maneira responsvel a mimmesmonosetornaummundonoqualeunoes

    tou,ummundoindiferente,noquedizrespeitoaoseusentido,minhaexistncia:aabnegaoumarealizaoque abraao existirevento.Umgrandesmbolo de ativa abnegao, Cristo21 que nos deixou,sofrendonaeucaristia,nadoaodeseucorpo

    21O que segue daqui at o ponto no se acha nas traduesprecedentescitadas,comexceodafrancesa,ecorrespondeaotextooriginaldasObrasCompletas(v.I,p.19).

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    edoseusangue,umamortepermanente,permanece vivo e ativo no mundo dos eventos, mesmo

    quando deixou o mundo; prprio de sua noexistncia no mundo que ns vivamos reforadosemcomunhocomele.OmundoqueCristodeixounopodermais seromesmo, como seelenuncativesse existido: , fundamentalmente, um outromundo.

    Este mundo, o mundo em que se completou,enquantofatoesentido,oeventodavidaedamortedeCristo, ,porprincpio, indeterminvel, sejamedianteascategoriastericas,sejaatravsdascategorias do conhecimento histrico, seja por meiodeumaintuioesttica.Noprimeirocaso,defato,

    conhecemos o sentido abstrato, mas perdemos ofato singulardoefetivo cumprirsehistricodo evento; no segundo, conhecemos o fato histrico,masperdemososentido;noterceiro,temostantoaexistnciado fatoquantoo seu sentido comomomento de sua individualizao, mas perdemos a

    nossaposio em relao a ele,perdemos anossaparticipao respondente quilo aque somos chamados. Em nenhum caso temos a completude darealizao,naunidadeenainterpenetraodofatorealizaosentidosignificadonicoedanossaparticipao(jqueumenicoomundodetalreali

    zao).Tentarencontrarasimesmonoprodutodoato

    da viso esttica significa querer se lanar dentrodonoexistente, tentarrenunciaratividadeprpria do prprio lugar nico, extralocalizado comrelaoacadaseresttico,prpriarealizaople

    nanoexistirevento.Aaoatodavisoestticaseelevaacimadecadaserestticoseuprodutoeentraemumoutromundo, isto,nauni