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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
LÚDICO: UM ENFOQUE SÓCIO-EDUCACIONAL
AMANDA ALMEIDA DE SOUZA ARRAIS
ORIENTADORA: PROF. MARY SUE
JANEIRO/2006
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
LÚDICO: UM ENFOQUE SÓCIO-EDUCACIONAL
AMANDA ALMEIDA DE SOUZA ARRAIS
Monografia apresentada ao Curso de
Pós Graduação em Educação Inclusiva
Como requisito para a obtenção de
Título de pós graduado
ORIENTADORA: Prof. Mary Sue
Rio de Janeiro
2006
3
RESUMO
O brincar é uma atividade plena para o desenvolvimento infantil. Traz inúmeros
benefícios de ordem emocional, psicológica, afetiva e, principalmente, social. A
brincadeira é a melhor forma de socialização infantil. É através dela, que a
criança estabelece seus contatos sociais e aprende a se relacionar com o
outro. Por estes motivos o brincar precisa ser imediatamente absorvido pelas
escolas. É preciso romper definitivamente com visões tradicionais que
relacionam o lúdico a coisas pouco sérias e proporcionar brincadeiras em sala
de aula como alicerce para a aprendizagem. Neste contexto, vale ressaltar o
brincar como melhor alternativa para a inclusão social.
4
SUMÁRIO
Introdução ..................................................................................................... 5
Capítulo 1: O BRINCAR
1.1) Por que as crianças brincam................................................................... 8
1.2) A Importância e os benefícios do brincar.............................................. 10
1.3) Alguns Tipos de Jogos e Brincadeiras................................................. 14
1.4) O Lúdico e a Socialização infantil ........................................................ 17
Capítulo 2: BRINCADEIRAS NO ESPAÇO ESCOLAR
2.1) Investindo em educação: promovendo brincadeiras na escola................ 19
Capítulo 3: DESENVOLVENDO PROPOSTAS INCLUSIVAS ATRAVÉS DE
BRINCADEIRAS
3.1) Inclusão social no contexto escolar .......................................................... 27
3.2) O lúdico e sua proposta inclusiva............................................................ 29
Considerações finais ..................................................................................... 31
Referências Bibliográficas............................................................................. 33
Atividades Culturais ...................................................................................... 35
Folha de Avaliação ........................................................................................ 39
5
INTRODUÇÃO
Existem registros de brinquedos infantis provenientes de épocas pré-
históricas, demonstrando assim que a brincadeira sempre esteve presente na
vida do Homem, independentemente de seu tempo.
Todavia, apesar de ser uma atividade universal, por se manifestar em
diferentes etapas da vida humana, o brincar pode ser considerado uma
atividade essencialmente infantil.
Levando em consideração que o brincar é exercido em um contexto de
descontração e alegria e que, por este motivo, contagia as partes envolvidas,
podemos também admiti-lo e reconhecê-lo como uma atividade prazerosa.
As brincadeiras trazem inúmeros benefícios para o desenvolvimento
emocional, social, cognitivo e psíquico da criança. O brincar propicia a
descoberta do mundo, pois a criança entra no universo das aprendizagens
concretas e constrói o seu próprio conhecimento, explorando o meio, as
pessoas e os objetos que a rodeiam. Brincando a criança desenvolve sua
imaginação, passa a tomar decisões, e principalmente, aprende a se integrar à
um grupo.
Este trabalho compõe-se por três capítulos. Antes de iniciá-los, porém,
faremos um retrocesso na História para compreender como o brincar se
manifestava em épocas e sociedades antigas.
No primeiro capítulo, trataremos do tema brincar, através de diferentes
definições de psicólogos, teóricos e educadores. Faremos uma reflexão sobre
os motivos que levam uma criança a brincar e sobre os benefícios que tal
prática traz para a formação da criança, focando, sobretudo, os benefícios de
caráter social. Admitiremos a brincadeira como principal forma de socialização
infantil.
O segundo capítulo evidenciará a brincadeira como instrumento
indispensável para a aprendizagem infantil chamando atenção para a
necessidade de promover-se mais brincadeiras no contexto escolar.
6
O último capítulo apresentará algumas definições sobre inclusão social,
explicando como ela pode ser trabalhada na escola. Este capítulo defenderá,
fundamentalmente, o lúdico como alternativa perfeita para se promover a
inclusão.
Serão analisados, portanto, nesta pesquisa, através de uma revisão
bibliográfica de livros, artigos e revistas, os benefícios que o brincar traz para a
criança, principalmente, no nível social. O trabalho propõe reflexões à cerca do
lúdico enquanto agente de inclusão social.
7
CAPÍTULO 1: O BRINCAR
Desde tempos antigos, os jogos e as brincadeiras eram considerados
importantes para a espécie humana. Na Antiguidade, era comum observar a
participação de toda a comunidade em jogos e divertimentos como forma de
lazer. Mais adiante, na época do Renascimento, a brincadeira passa a ser
vista como uma possibilidade educativa. A partir daí, passam a ser elaboradas
várias propostas e métodos educativos baseados em jogos e brincadeiras.
No período romântico, o brincar assume um novo valor, associado
também a um novo conceito sobre a criança: ela começa a ser vista como um
ser ativo, que merece respeito. A brincadeira, então, é tida como um
comportamento essencialmente infantil e uma de suas formas de expressão e
manifestação. A partir deste período, a brincadeira assume um lugar
privilegiado quando se trata de focar a criança, o desenvolvimento infantil e a
educação.
No entanto, como se pode perceber, um tempo muito longo, mais
especificamente alguns séculos, foi necessário para que a brincadeira fosse
aceita como fator de suma relevância para o desenvolvimento infantil. O que
também permitiu um avanço neste sentido foram os estudos sobre a psicologia
da criança e sobre educação infantil. Com a evolução desses conhecimentos
foi se enfatizando cada vez mais a importância que a brincadeira, por si só, tem
para a criança.
8
1.1) Porque as crianças brincam
Várias são as razões que levam a criança a brincar. Se
compreendermos o brincar como uma atividade espontânea e prazerosa,
podemos dizer que a criança brinca porque sente vontade e necessidade e
porque, acima de tudo, se diverte e se sente feliz brincando.
A criança brinca porque assim ela adquire experiência. De acordo com
Winnicott, (1975) psicanalista inglês, estudioso do crescimento e
desenvolvimento infantil, da mesma forma que os adultos desenvolvem sua
personalidade através de suas experiências de vida, as crianças evoluem por
intermédio de suas próprias brincadeiras e das invenções de brincadeiras feitas
por outras crianças e adultos. Este mesmo autor define a brincadeira como
prova evidente e constante da capacidade criadora, que segundo ele, quer
dizer vivência.
Muitas vezes, a criança brinca para estabelecer contatos sociais, pois é
basicamente com as brincadeiras que ela consegue fazer amizades e
inimizades.
Para o autor, as crianças brincam para dominar emoções, controlar
idéias ou impulsos que conduzem à angústia se não forem dominados. À
brincadeira é atribuída uma função de auto-revelação. Neste caso, a criança
brinca por desejo e necessidade de revelar algo de seu íntimo. Brincando a
criança inconscientemente extravasa emoções e sentimentos recalcados, que
dificilmente conseguiria expor em outras circunstâncias. É na brincadeira que
ela encontra facilidade para se expressar, de forma descontraída e se
comunicar com mais facilidade, sem cerceios. Brincando a criança estabelece
um diálogo com as outras crianças e com o mundo adulto.
Vamos analisar como isso pode ocorrer na prática. Quando briga com a
boneca, por exemplo, e a coloca de castigo, a menina pode estar querendo
expressar mil coisas. Pode estar espelhando a forma como é tratada,
descarregando a raiva que sente da mãe, que brigou com ela, ou se vingando
do irmãozinho que lhe bateu. Durante a brincadeira, ela libera os sentimentos
9
negativos, raiva, medo, angústia, sem se sentir culpada, sem receios de ser
castigada ou mal interpretada.
Bettelhim afirma que através de uma brincadeira infantil podemos
compreender como a criança vê e constrói o mundo, como ela gostaria que ele
fosse, e podemos ainda reconhecer quais preocupações e problemas a estão
assediando. “Pela brincadeira a criança expressa o que teria dificuldades de
traduzir com palavras”.
10
1.2) A importância e os benefícios do brincar
O brincar é uma atividade exercida em um contexto de descontração,
diversão e prazer. É também uma atividade natural e essencialmente infantil,
embora possa se manifestar em alguns momentos da vida adulta. Sua
importância é considerável para a formação plena da criança, tendo em vista
que as brincadeiras trazem inúmeros benefícios para o crescimento e
desenvolvimento emocional, social, psíquico e cognitivo da criança.
Através das brincadeiras, a criança entra no mundo das aprendizagens
concretas e constrói o seu próprio conhecimento, explorando o meio, as
pessoas e os objetos que a rodeiam. Brincando e percebendo o mundo, a
criança consegue externar suas emoções e desenvolver um processo de
organização mental e de estrutura que servirá para prepará-la para a vida
adulta.
Renata Lima Carneiro (2000) em sua Monografia “Brincadeira É Coisa
Séria?”, considera importante, neste contexto, ressaltar a visão de Bettelhim
sobre o brincar. Ela explica que para o autor o brincar, numa perspectiva sócio-
cultural, é a maneira que a criança utiliza para interpretar e assimilar o mundo,
os objetos, a cultura, as relações e o afeto das pessoas. Por este motivo, o
brincar teria se transformado em um espaço característico da infância para que
a criança experimente o mundo adulto sem riscos, como participante
responsável.
Segundo Winnicott (1975) o brincar é o fazer em si; um fazer que requer
tempo e espaços próprios; um fazer universal que se constitui de experiências
culturais.
Huizinga (1971) diz que a atividade lúdica é desligada de “interesses” e
é praticada dentro de limites espaciais e temporais. Ele atribui à ela um poder
muito grande de fascinar aqueles que com ela se envolvem.
De acordo com a teoria piagetiana, a brincadeira não recebe uma
conceituação específica. Ela é compreendida como ação assimiladora e
aparece como forma de conduta, dotada de características metafóricas,
11
espontânea e prazerosa. Tizuko Kishimoto (1996) à respeito desta idéia de
Piaget menciona:
Ao colocar a brincadeira dentro do conteúdo da inteligência e não na estrutura cognitiva, Piaget distingue a construção de estruturas mentais da aquisição de conhecimentos. A brincadeira enquanto processo assimilativo participa do conteúdo da inteligência, à semelhança da aprendizagem (p.32).
No livro “Jogo, Brinquedo, Brincadeira e Educação”, organizado por
Tizuko Kishimoto (1996), a autora Edda Bontempo, citando Garbarino,
menciona que o ambiente é a condição para a brincadeira e, por conseqüência,
ele a condiciona. Para Garbarino, dentro de uma mesma cultura crianças
brincam com temas comuns: educação, relações familiares e vários papéis que
representam pessoas que integram sua cultura. Os temas, em geral,
representam o ambiente das crianças e aparecem no contexto da vida diária.
Quando o contexto muda, as brincadeiras mudam.
Segundo Vygotsky (1989) a brincadeira possui três características: a
imaginação, a imitação e a regra. Para ele, tais características estariam
presentes em todos os tipos de brincadeiras infantis.
Através do brincar, as crianças são capazes de lidar com complexas
dificuldades psicológicas, por isto procuram integrar às suas brincadeiras
experiências de dor, medo e perda.
Brincando a criança tem possibilidades de recriar experiências vividas,
construir hipóteses sobre o funcionamento da sociedade e buscar compreender
as ações humanas com as quais convive.
Segundo Rodrigues (1976), a função dos jogos e das brincadeiras não
se limita ao mundo das emoções e da sensibilidade, ela aparece ativa também
no domínio da inteligência e coopera decisivamente para a evolução do
pensamento e de todas as funções mentais superiores.
Piaget (1978) valoriza, sobretudo, a brincadeira do faz-de-conta, pois é
principalmente nela que a criança tem acesso ao símbolo. Um objeto ao
adquirir a função de signo e transformar-se em brinquedo ganha características
e histórias próprias. Ao brincar com o concreto, conseguindo simbolizá-lo, a
criança chega à representação mental, à abstração, ao pensamento
12
propriamente dito. A brincadeira é, então, uma atividade completa para o
desenvolvimento cognitivo da criança, pois possibilita espaço para ensaiar,
provar, explorar, experimentar e interagir.
Vygotsky (1989) considera esta construção do pensamento infantil como
principal benefício trazido pelas brincadeiras. Ele acredita que a criança é
capaz de satisfazer suas necessidades e estruturar-se na medida em que
ocorrem transformações em sua consciência.
Edda Bontempo em seu texto presente no livro de Tizuko Kishimoto
(1996) menciona que Peller considera como grande benefício da brincadeira, a
sua capacidade de reduzir o efeito traumático de uma experiência angustiante
vivenciada pela criança. Isto porque, brincando, a criança tem a possibilidade
de extravasar o que lhe incomoda. Na brincadeira, a criança “revivencia” a
experiência por qual passou, na busca de soluções e na tentativa, inconsciente,
de lidar melhor com a situação, fato que, segundo Peller, contribuiria para
tornar a criança melhor preparada diante de futuras experiências angustiantes.
Imaginando situações, criando papéis e vivenciando emoções, a criança
realiza o processo de integrar o mundo externo com o seu mundo interno. A
fantasia lhe permite viver o real e o imaginário ao mesmo tempo, o que dá
margem à criança de agir de forma original, fonte da criatividade. De acordo
com Winnicott (1975) o brincar, e somente ele, possibilita que a criança seja
criativa e utilize sua personalidade integral; e somente sendo criativo o
indivíduo descobre o seu eu. Ele explica:
Ser criativo requer a capacidade de relacionar-se com a realidade externa, rompendo com o preestabelecido, com o esteriotipado, de maneira sadia, na busca de novos caminhos, alternativas e soluções do dia a dia. Parece que através das manifestações lúdicas a criança deixa fruir sua criatividade, sua capacidade de criar, recriar reiventar a realidade (p.79).
O adulto precisa compreender que a criança tem necessidade de
brincar, de jogar por jogar, pelo simples prazer. Cabe à ele estimular e
oportunizar a criança a se envolver em diferentes brincadeiras.
Segundo Piaget (1978) a criança é diferente do adulto, ela precisa
brincar para crescer e precisa do jogo como forma de equilíbrio com o mundo.
13
Isto porque através do jogo, a criança pode transformar seu meio, adaptando-
o às suas necessidades.
Disse Vygotsky (1989):
Nenhuma criança brinca para passar o tempo, como muitas vezes o adulto imagina, e justamente por não saber interpretar o brincar da criança e fazer uma leitura de suas manifestações lúdicas, o adulto perde a grande oportunidade de penetrar no seu mundo e compreender o verdadeiro sentido do brincar (p.117).
Tirar da criança a oportunidade de brincar pode acarretar graves
prejuízos, desde problemas no aparelho motor, até a dificuldade de se
expressar, criando deficiências de linguagem, raciocínio e comunicação. Além
do mais, pode transformá-la em um ser isolado, incapaz de agir coletivamente,
e inseguro, sem saber como lidar com as situações.
Pode-se ai nada afirmar que no desenvolvimento da criança, não é
possível separar o lúdico da criatividade e vice-versa. Uma criança com
dificuldades de brincar, provavelmente, terá dificuldade para criar. Sua
liberdade de criação estará comprometida à medida que as manifestações
lúdicas são bloqueadas. É fundamental propiciar à criança um brincar sem
castrações e imposições severas, favorecendo assim o rompimento com
padrões pré estabelecidos que abortam a criatividade.
14
1.3) Tipos de jogos e brincadeiras:
As brincadeiras e jogos vão se estruturando conforme o estágio
evolutivo da criança. Neste contexto, Piaget (1978) classifica os jogos em três
grupos distintos.
Os primeiros jogos a serem vivenciados pela criança são os jogos de
exercícios. Eles se manifestam durante o período sensório motor, que se
estende de zero a dois anos de idade. Surgem sob a forma de simples
exercícios motores, caracterizados pela repetição de gestos e movimentos, e
dependem, para a sua realização, apenas da maturação do aparelho motor.
Estes jogos consistem na descoberta por ensaio e erro e possuem caráter
manipulativo e exploratório. São jogos que permitem à criança colocar em ação
os esquemas simples e posteriormente coordená-los.
Nos primeiros meses de vida, o bebê estica e recolhe os braços, toca os
objetos e os sacode, produzindo sons. A criança faz isto para explorar e
exercitar os movimentos do próprio corpo ou para ver o efeito que sua ação vai
produzir. Daí a atribuição de valor exploratório aos jogos de exercícios.
Movimentando-se a criança descobre os próprios gestos e os repete em busca
de efeitos.
São exemplo de jogos de exercícios as atividades em que a criança
manipula objetos, tocando, deslocando, superpondo, montando e
desmontando. É o caso do brincar na areia; sentir o prazer de fazer a areia
escorrer pelas mãos, encher e esvaziar copinhos.
A partir dos dois anos de idade, a criança passa a brincar de faz-de-
conta. É a fase dos jogos simbólicos, caracterizada pela imaginação e fantasia.
A criança, então, percebe que ela pode transformar o real em qualquer outra
coisa que seja de seu desejo. Implica, portanto, a atribuição de novos
significados aos objetos, desenvolvendo a partir desta ação a função simbólica,
elemento que garante a racionalidade ao ser humano. Assim sendo, um
simples galho pode se transformar em uma espada com super poderes e um
cabo de vassoura em um cavalinho muito veloz. Através do jogo simbólico a
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criança consegue obter prazer, satisfazer o eu, além de se ajustar a um mundo
de incompreensão e temor.
É importante registrar que o conteúdo do imaginário provém de
experiências anteriores adquiridas pelas crianças em diferentes contextos.
Piaget (1971) explicita que, quando uma criança brinca, assimila o
mundo à sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua interação
com o objeto não depende da natureza deste objeto, mas sim da função que a
criança lhe atribui.
Vygotsky (1989) explica que a criança cria situações imaginárias para
que consiga realizar com facilidade aqueles desejos impossíveis de serem
realizados na vida real. Neste sentido, seria atribuída ao faz-de-conta a função
de reduzir a tensão e de constituir uma maneira de acomodação a conflitos e
frustrações da vida real. Para ele: “o jogo simbólico é um mecanismo
comportamental que possibilita a transição de coisas como objetos de ação
para coisas como objetos do pensamento” (p.122).
Inicialmente o faz-de-conta se apresenta solitário, mas aos poucos vai
evoluindo para o estágio de jogo sociodemocrático, isto é, para a
representação de papéis como o brincar de médico e de casinha.
Para Tizuko Kishimoto (1996) o jogo simbólico individual pode também,
de acordo com a ocasião, transformar-se em coletivo com a presença de vários
participantes. Ela explica: “a maior parte dos jogos simbólicos implica
movimentos de atos complexos, que podem ter sido, anteriormente objeto de
jogos de exercícios sensório-motor isolados” (p.59).
Edda Bontempo, citando Singer, no livro “Jogo, Brinquedo, Brincadeira e
Educação” (1996) reconhece que a maior parte dos jogos de faz-de-conta tem
qualidade social no sentido simbólico. Isto porque o faz-de-conta, normalmente,
envolve transações interpessoais e se desenvolve com pares ou grupos de
crianças que introduzem objetos inanimados, pessoas e animais na
brincadeira, sem que estes estejam presentes no momento.
Ao chegar aos sete anos de idade, a criança passa a se dedicar aos
jogos de de regras. O interesse agora está centrado em jogos que envolvam
16
regras para a solução de problemas, como por exemplo, os jogos lógicos e em
jogos cujas regras surgem de relações sociais.
Os jogos de regras normalmente instigam a competição, como é o caso
do jogo de cartas e de tabuleiro, e por este motivo, possibilitam à criança
aprender a lidar com frustrações, uma vez que os resultados dos jogos nem
sempre são aqueles esperados por ela. A criança também aprende a ceder, a
negociar, a discutir e solucionar problemas; aprende que existem regras e
limites a serem cumpridos.
Segundo Anália Rodrigues de Faria (1989), os jogos de exercícios e os
jogos simbólicos podem evoluir e se transformarem em jogos de regras, desde
que, para isso, se tornem coletivos.
Nesta fase, iniciada por volta dos sete anos, há também grande
interesse pelos jogos de construção, em que a criança pode construir cidades e
bairros, de acordo com sua imaginação.
Para Tizuko Kishimoto (1996) o jogo de construção tem uma estreita
relação com o de faz-de-conta. “Não se trata de manipular livremente tijolinhos
de construção, mas de construir casas, móveis ou cenários para as
brincadeiras simbólicas” (p.40). As construções evoluem em complexidade
conforme o desenvolvimento da criança.
Os jogos de construção são considerados de grande importância por
enriquecer a experiência sensorial, estimular a criatividade e desenvolver
habilidades da criança.
17
1.4) As brincadeiras como instrumento para a socialização infantil
Huizinga (1971) considera a brincadeira uma atividade universal.
Segundo ele, o jogo está presente em todas as formas de organização social,
das mais primitivas às mais sofisticadas. O jogo seria, portanto, uma atividade
inerente a qualquer civilização.
Winnicott (1975) também compartilha desta teoria. Dentro da perspectiva
infantil, o autor admite que o brincar facilita o crescimento da criança e,
portanto a saúde, conduz a relacionamentos grupais, além de ser a forma de
comunicação consigo mesmo e com os outros.
A criança que brinca abre seu canal de possibilidades e potencialidades
através das relações que estabelece durante esta atividade. Com isso vai
construindo as normas sociais que regem o comportamento humano, vai
adquirindo valores e crenças da sua cultura e vai aperfeiçoando sua linguagem.
Nas brincadeiras, a criança aprende a assimilar papéis sociais, a tomar
decisões, a desenvolver sua capacidade de liderança, a fazer parte de um
grupo, além de trabalhar seus conflitos de forma lúdica. Brincando, portanto, a
criança coloca-se num papel de poder, em que ela pode dominar vilões ou
situações que provocariam medo ou que a fariam sentir-se insegura.
A brincadeira seria, portanto, a melhor forma da criança estabelecer
seus contatos sociais. É através dela que a criança começa a descobrir com
quem se identifica, com quem se diverte, com quem sente dificuldade de se
relacionar. Aos poucos, a criança vai então definindo suas amizades e
inimizades.
Muitas das brincadeiras, por sua própria essência, exigem a presença de
um grupo e a necessidade da troca entre as crianças. Reciprocamente, maior
parte das crianças manifesta o seu desejo por ter com quem brincar, mesmo
que tal prática possa resultar em brigas e insatisfações.
Entretanto, há algumas crianças que dão preferência às brincadeiras
mais individualizadas, o que é também muito importante e tem seu valor. O
único problema é quando esta criança se recusa a participar de brincadeiras
com outras crianças, muitas vezes por timidez ou receio, e se fecha para o
18
mundo à sua volta. É preciso que pais e educadores detectem este fato, para
estimular a criança a se inserir no grupo, mostrando como pode ser divertido e
prazeroso para ela brincar com outros colegas e mesmo mostrando a
importância de se relacionar com as pessoas. Ao contrário, no futuro, esta
criança pode se tornar cada vez mais isolada, incapaz de agir coletivamente e
insegura, sem saber como lidar com as situações.
19
CAPÍTULO 2: BRINCADEIRAS NO ESPAÇO ESCOLAR
2.1) Investindo em Educação: promovendo brincadeiras na escola
Já vimos que inúmeros são os benefícios trazidos pelos brinquedos e
brincadeiras para o desenvolvimento pleno da criança. Todavia, a questão do
lúdico não tem sido bem entendida pela sociedade, que parece ainda estar
presa a uma visão ultrapassada, simplista e ingênua da mesma, vendo-a como
algo desnecessário e inútil.
De acordo com Santa Marli Pires (2000) as atividades lúdicas durante
muitos séculos foram vistas como atividades sem importância, com conotação
pejorativa.
“culturalmente somos programados para não sermos lúdicos. Basta lembrarmos quantas vezes em nossas vidas já ouvimos frases como estas : Chega de brincar, agora é hora de estudar; Brincadeira tem hora; Fale a verdade, não brinque; A vida não é uma brincadeira. Assim, fomos construindo nossas idéias sobre o lúdico” (p.57).
Hoje a falta de seriedade atribuída ao lúdico se explica, sobretudo, pelo
fato dele estar sendo negado em nome da produtividade da sociedade, em
nome da necessidade de preparação para o futuro, como se o brincar não
trouxesse benefícios para a vida adulta.
Segundo Luise Weiss (1997) a criança aprende brincando
continuamente. Entretanto, a autora acredita que esta integração aprender-
brincar é rompida à medida que se impõe à criança a hora do brincar e a hora
do aprender, situação que pode ser claramente percebida em muitos espaços
voltados para o ensino.
O que ocorre em nossa sociedade, é que se tornou comum atribuir às
escolas duas funções, o brincar como sendo o momento da bagunça, e o
aprender, o momento destinado aos trabalhos, estudos e livros. Nesta
perspectiva, o brincar e o aprender se colocam em lados opostos e, ao invés
de serem compreendidos como atividades que se completam e que estão
20
integradas, surgem como atividades distintas e desvinculadas uma da outra.
Assim sendo, o aluno ou brinca ou aprende, como se não pudesse aprender
brincando.
O brincar, no contexto escolar, passa então a ser associado a coisas
pouco sérias ou sem nenhuma importância para a aprendizagem do aluno.
Compartilhando desta idéia, muitos pais, ignorando a essência do brincar,
vêem com muito receio, às vezes com preconceito, escolas que inserem o
lúdico no planejamento escolar e educadores que introduzem jogos e
brincadeiras em sala de aula, acreditando ser esta uma grande oportunidade
para ensinar determinados conteúdos.
À respeito desta dicotomia que se estabeleceu entre brincar/estudar e
também entre lazer/trabalho, Luise Weiss (1997) explica:
Brincar è prazeroso. Trabalhar, numa sociedade competitiva, é uma atividade superior. Brincar não rende dinheiro, não é lucrativo, enquanto que trabalhar significa competir, “sobreviver”. Geralmente, o ato de brincar é mostrado como uma recompensa após o estudo, após o trabalho. Em nossa sociedade, o lazer não existe sem trabalho, e vice-versa. Esse fato é de tal maneira introjetado culturalmente, que a maioria dos adultos têm dificuldade em aceitar o lado do prazer no próprio trabalho e manifestam sentimentos de culpa em relação ao ócio (...) (p.27).
Huizinga (1971) aponta como uma das características do jogo e das
brincadeiras o caráter “não sério”. Todavia, ao contrário do que possa parecer,
ele não desconsidera a importância das brincadeiras infantis. A pouca
seriedade a que faz referência está relacionada ao clima de descontração, que
acompanha, na maioria das vezes, o ato lúdico.
Para o autor, segundo esta visão, poderia se dizer que o lúdico se
contrapõe ao trabalho. Não porque o trabalho seja mais importante ou
benéfico do que o brincar, como muitos pensam, mas sim porque enquanto o
brincar se desenvolve num contexto de diversão e prazer e desperta sorrisos, o
trabalho normalmente se caracteriza por um ambiente pouco divertido, onde as
pessoas envolvidas se encontram com fisionomias preocupadas e centradas.
21
Segundo Oliveira (1984) uma das vantagens do jogo é a sua “condição
de brincadeira” que remete à “não seriedade”, à diversão, que permite que a
imaginação e a fantasia fluam. Ele diz: “Justamente por não ser sério, ele se
torna importante. É a não seriedade que dá sociedade ao jogo” (p.10)
A grande maioria dos educadores interessados na utilização de
brincadeiras na educação, e também muitos psicólogos, defendem a
brincadeira livre, na qual a criança tem absoluta liberdade para escolher do que
e como vai brincar. Esta escolha deve ser totalmente espontânea e sem
influência de qualquer outro motivo, como agradar a mãe ou a professora.
Piaget (1978 ) se enquadra nesta tendência e acredita que os
professores devem guiar as crianças, proporcionando-lhes os materiais
apropriados para a prática do brincar. Para ele a criança só aprende com as
brincadeiras quando ela mesma constrói ou reinventa. “Cada vez mais que
ensinamos algo a uma criança estamos impedindo que ela descubra por si
mesma”.
Kishimoto (1996) citando Christie em seu livro “Jogo, Brinquedo,
Brincadeira e Educação” explica que, segundo este autor, enquanto a criança
brinca, sua atenção está concentrada na atividade em si e não em seus
resultados ou efeitos. Em contrapartida, os jogos educativos e pedagógicos
propostos em sala de aula, na maioria dos casos, estariam priorizando o
produto final, a aprendizagem de noções e habilidades. Para Christie, se a
atividade lúdica não for de livre escolha e seu desenvolvimento não depender
da própria criança não se terá jogo e sim trabalho.
Stallibrass (1992) também defende o brincar espontâneo e livre, por
acreditar que a brincadeira é algo que a criança faz para si mesma, e não algo
que faz sob uma ordem, para evitar censura ou por desejar honra e
reconhecimento. Por este motivo, ele não enquadra na categoria de
brincadeiras os jogos obrigatórios propostos nas escolas. Ele ressalta:
Se houver um adulto supervisionando a brincadeira das crianças com uma idéia preconcebida de o que as crianças deveriam estar fazendo, ou que as guie ou dirija em algum sentido, mesmo de forma gentil, pouco se descobrirá (p.28).
22
Em oposição à esta tendência, desde o Renascimento, muitos
educadores reconhecem o jogo e a brincadeira como possibilidades para o
ensino de determinados conteúdos e resolvem adotá-los numa tentativa de
tornar a aprendizagem mais divertida e prazerosa.
O Renascimento vê a brincadeira como conduta livre que favorece o
desenvolvimento da inteligência e facilita o estudo. Ao atender necessidades
infantis, o jogo infantil torna-se forma adequada para a aprendizagem dos
conteúdos escolares. Contrapondo-se aos processos de ensino verbalistas em
vigor e à palmatória vigente, o pedagogo deveria introduzir os conteúdos de
forma lúdica.
Os jogos então passam a ser vistos como instrumentos de ensino, que
servem para divulgar princípios de moral, ética e conteúdos de história,
geografia, matemática e outros.
Um dos pedagogos que adotou esta prática foi Rabelais, que valorizava
o jogo como instrumento de educação não só para o ensino de conteúdos, mas
para gerar conversas, ilustrar valores e práticas do passado e até para
recuperar brincadeiras de tempos passados.
Montaigne também divulga o caráter educativo do jogo. Para ele, o jogo
é um instrumento de desenvolvimento da linguagem e do imaginário. Ele
prioriza os jogos que valorizam a escrita.
Embora as brincadeiras e jogos com fins educativos datem dos tempos
do Renascimento, foi especialmente a partir do século XX, com a expansão da
educação infantil, que eles ganharam mais força.
Entendido como recurso que ensina, desenvolve e educa de forma
prazerosa, o jogo se materializa no quebra-cabeça, destinado a ensinar cores e
formas, nos brinquedos de tabuleiro que exigem a compreensão de números e
operações matemáticas, nos brinquedos de encaixe, que trabalham noções de
seqüência, de forma e tamanho e em inúmeros outros tipos de brinquedos e
brincadeiras.
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Por permitir a construção de representações mentais, a manipulação de
objetos, o desempenho de ações sensório-motoras, as trocas nas interações
sociais e inúmeros outros benefícios, o brincar torna-se essencial para a
aprendizagem e para o desenvolvimento infantil, como já fora visto nos
capítulos anteriores desta pesquisa. Por estes motivos, jogos e brincadeiras
são vistos em alguns espaços escolares como alternativas significativas para o
processo ensino-aprendizagem.
Em seu livro “Brinquedoteca: A Criança, O Adulto e O Lúdico” a autora
Santa Marli Pires (2000) apresenta algumas questões levantadas durante o IV
Encontro Sul-Brasileiro sobre Brinquedoteca. Em uma das palestras realizadas
neste Encontro, o educador Celso Antunes expõe a sua visão de jogo como
estratégia de trabalho do professor em sala de aula. O educador considera o
jogo uma ferramenta ideal da aprendizagem e reconhece assim os benefícios
que a adoção de tal prática pode trazer:
(...) propõe estímulo ao interesse do aluno, desenvolve níveis diferentes de sua experiência pessoal e social, ajuda-o a construir suas novas descobertas, desenvolve e enriquece sua personalidade e simboliza um instrumento pedagógico que leva ao professor a condição de condutor, estimulador e avaliador da aprendizagem (pp. 37-38).
Celso Antunes também menciona que é essencial o professor utilizar o
jogo como ferramenta de combate à apatia, como instrumento de inserção e
ainda como desafio a ser vivenciado em grupo.
No Brasil, os estudos sobre a influência dos jogos e brincadeiras na
educação e no desenvolvimento infantil, foram intensificados a partir da década
de 80 e uma das professoras que pesquisou o tema com mais profundidade foi
Tizuko Kishimoto.
Tizuko foi uma das responsáveis pelo laboratório de brinquedos e
materiais pedagógicos chamado Labrimp, criado em 1985, com o objetivo de
estimular a produção científica sobre a brincadeira e a educação, além de
formar educadores para estabelecer um vínculo entre teoria e prática que
possa garantir melhor compreensão do papel do brinquedo e da brincadeira na
educação da criança.
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Para a professora, a dimensão educativa do jogo surge quando as
situações lúdicas são intencionalmente criadas pelo adulto visando estimular
certos tipos de aprendizagens e atender objetivos específicos.
De acordo com Tizuko Kishimoto (1996), desde que sejam mantidas as
condições para a expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança
para brincar, o educador está potencializando as situações de aprendizagem.
Utilizar o jogo na educação infantil significa propiciar ao processo ensino-
aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento.
Kishimoto explica:
Ao usar a quadrilha para a apreensão de noções de conjunto, de pares, ímpares ou o boliche, para a construção de números, estão presentes propriedades metafóricas do jogo, que possibilitam à criança o acesso a vários tipos de conhecimentos e habilidades (1996, p.37).
No entanto, Kishimoto (1996) ressalta que embora as brincadeiras
propiciem uma riqueza de situações de aprendizagens, nunca se tem a certeza
de que a construção do conhecimento efetuado pela criança será exatamente a
mesma desejada pelo professor.
Normalmente, os espaços escolares que resistem à adoção do lúdico
como alternativa para o ensino, justificam sua escolha reforçando o brincar
como momento destinado à bagunça. Isto porque, alguns professores por
acreditarem na crença equivocada de que o jogo traz “elementos perturbadores
de ordem”, consideram muitas brincadeiras como atitudes de indisciplina.
Renata Lima Carneiro (2000) citando Huizinga em sua monografia
explica que o autor diverge totalmente desta crença. Segundo ela, Huizinga
afirma: “O verdadeiro jogo em si cria ordem e é ordem. Uma ordem muito mais
eficaz porque é aceita pelo grupo e elaborada conjuntamente”.
O que muitas vezes pode se verificar em sala de aula é a imposição de
jogos e a determinação de regras de forma arbitrária. Algumas vezes a
exigência do seu cumprimento é baseada em punições e ameaças, podendo
provocar reações conformistas ou de resistência, variando desde a fuga,
seguida por conversas paralelas, até a inquietação.
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Alguns professores assumem uma atitude autoritária e impositiva e
estabelecem regras muito rígidas para serem seguidas pelos alunos durante a
brincadeira. Sem participar da elaboração das regras, muitas vezes os alunos
se sentem no direito de ignorá-las ou desafiá-las. Dentro desta perspectiva, a
indisciplina pode ser considerada uma reação ao jogo imposto.
É preciso que o educador entenda que no processo pedagógico, não há
“donos” exclusivos do saber e que o educador também se educa. O professor
deve ser um bom observador para detectar quando suas regras não agradam
à turma e estar apto a ouvir sugestões dos próprios alunos para o desenrolar
da brincadeira. O professor deve ser capaz de adaptar, modificar e reiventar,
respeitando gostos e idéias dos alunos.
Quando o brincar proposto em sala não agrada os alunos e torna-se
uma obrigação que precisa ser cumprida, perde sua função lúdica, pois não
gera prazer nem diversão. Além disso, perde sua função educativa, pois o
aluno só assimila conceitos e conteúdos quando está entretido na brincadeira,
ou seja, quando ele está envolvido na ação do brincar.
Como podemos perceber, no âmbito escolar, há uma corrente de
educadores que defende a brincadeira livre, e outra corrente que acredita na
brincadeira como instrumento para o ensino de determinados conteúdos. Mas
porque a escola precisa optar por esta ou aquela forma de brincadeira? Por
que ela não pode aceitar as duas, reconhecendo-as como possibilidades para
a formação plena da criança?
Precisamos evitar idéias radicais que “limitem nosso horizonte”. Até
porque se formos radicais nos depararemos com alguns paradoxos. Por
exemplo, a brincadeira livre é totalmente livre? E se na sala de aula o professor
propuser um momento destinado ao brincar livre e for desejo de um aluno
brincar de luta com certa violência ou brincar de correr por toda a escola? Será
que o professor não vai precisar intervir e mesmo castrar esta “total” liberdade
do aluno?
Apesar de ser uma atividade que precisa ser cumprida e para alguns até
mesmo obrigatória, será que a brincadeira proposta pelo professor é sempre
impositiva, como alguns acreditam? E se o professor quiser trabalhar os
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números e apresentar uma série de sugestões de brincadeiras aos alunos para
que eles tenham a liberdade de escolher aquela que mais agrada à turma? E
se o professor der a liberdade aos alunos de participar da elaboração das
regras do jogo?
É evidente que tanto a brincadeira livre quanto a brincadeira
“comandada” pelo professor são importantes. A brincadeira livre pode trazer
conhecimentos que a brincadeira “dirigida” não traz e vice-versa, mas ambas
podem se complementar. Associando as duas e dando ao aluno a
oportunidade de usufruir destas duas práticas, a escola estará contribuindo
mais profundamente para o desenvolvimento da criança. Esta escola será
aquela que acredita e investe verdadeiramente no brincar. Uma escola que
trabalha os conteúdos de forma lúdica e que oferece um espaço onde a criança
pode se dedicar à brincar do que ela tem vontade naquele momento; um
espaço que disponibilize materiais para que a criança possa produzir seus
próprios brinquedos artesanais; um espaço em que ela possa levar o seu
brinquedo industrializado favorito e compartilhá-lo com os outros colegas. Por
que não contemplar todas estas viabilidades?
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Capítulo 3: DESENVOLVENDO PROPOSTAS INCLUSIVAS ATRAVÉS DE
BRINCADEIRAS
3.1) A inclusão social no contexto escolar
Quando pensamos em inclusão logo nos vem à mente a idéia de
aceitação. Incluir é acolher um indivíduo, introduzindo-o num grupo e tornando-
o ser participativo dentro deste mesmo grupo. Num processo inclusivo, todos
têm mesmos direitos e deveres, todos são vistos de forma igualitária.
Segundo Mazzota, a inclusão é a base da vida social onde duas ou
mais pessoas se propõem a conviver ou têm de conviver, já que muitas vezes
o convívio não depende apenas da vontade individual.
A idéia de inclusão social proliferou-se após a conferência Mundial
sobre Educação Para Todos, na Tailândia, em 1990. Neste encontro
conferencial, o governo brasileiro assumiu o compromisso de construir um
sistema educacional inclusivo. A partir da Declaração de Salamanca (1994),
intensificaram as discussões em torno do tema. Acredita-se que o processo
inclusivo deva estar ligado a todos os segmentos da sociedade, porém, na área
educacional este processo aconteceu de forma mais efetiva, por meio de leis,
decretos e diretrizes nacionais. O que não poderia deixa de ser, pois a
Educação é a área que mais possibilidades tem de provocar mudanças no
comportamento da sociedade, devido a sua função formadora e socializadora
do conhecimento.
A inclusão implica uma reforma radical nas escolas em termos de
currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas
atividades de sala de aula. Ela é baseada em um sistema de valores que faz
com que todos se sintam bem-vindos, celebrando assim a diversidade.
Uma escola renovada implica no entendimento de que: o direito à
educação é para todos; que a riqueza das relações sociais está na
heterogeneidade do grupo; que todos os profissionais da educação devem
estar preparados para lidar com as diferenças individuais e, sobretudo, que a
escola deve adequar-se para receber o alunado.
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Mais do que a sua simples adaptação, o processo inclusivo hoje tem
valor formativo, educacional e espera-se da escola que ela atenda as
expectativas da nova sociedade emergente: que contribua de fato para a
aprendizagem dos alunos e não mais secundarize as deficiências,
responsabilizando-se, apenas pelo desenvolvimento das funções elementares.
Para Correia, a educação inclusiva pretende que todos os alunos ,
com as mais diversas capacidades, interesses, características e necessidades,
possam aprender juntos, que seja dada atenção ao seu desenvolvimento global
(acadêmico, socioemocional e pessoal), que se crie um verdadeiro sentido de
igualdade de oportunidades , que vise o sucesso escolar
De acordo com Andrade (2003) uma escola inclusiva contribui para a
qualidade de vida da sua comunidade, fornecendo-lhes o acesso ao
conhecimento útil, aplicável ao seu cotidiano e promotor de variadas formas de
produção.
Para Aranha (2001), a inclusão escolar prevê intervenções decisivas e
incisivas nos processos de desenvolvimento do sujeito e de reajuste da
realidade social. Assim, além de se investir no processo de desenvolvimento do
indivíduo, busca-se a criação imediata de condições que garantam o acesso e
a participação da pessoa na vida comunitária, através da provisão de suportes
físicos, psicológicos e sociais.
Este autor defende a tese de que, para que a inclusão social e escolar
sejam construídas, é preciso adotar como objetivo primordial, a intervenção
junto às diferentes instâncias que contextualizem a vida desse sujeito na
comunidade , promovendo os ajustes que se mostrem necessários para que a
pessoa com deficiência possa imediatamente adquirir condições de acesso ao
espaço comum da vida na sociedade.
Pensar em inclusão é, sobretudo, pensar na idéia de grupo
heterogêneo e coeso, é pensar em respeito mútuo, em diversidade.
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3.2) O Lúdico e Sua Proposta Inclusiva
O brincar é, sem dúvida, uma atividade plena para o desenvolvimento
infantil. Vimos anteriormente, a necessidade definitiva e imediata de se
introduzir brincadeiras no contexto escolar, combatendo a resistência
tradicional de grande parte dos educadores. Admitimos o brincar como principal
forma de socialização infantil e, neste item, defenderemos o brincar também
como melhor alternativa para a inclusão social nas escolas.
A inclusão admite num mesmo espaço pessoas com diferentes
tradições, hábitos, cultura, raça, opção sexual, nível social. É, um espaço de
diversidades, onde portadores de necessidades especiais convivem com os
ditos”normais” harmonicamente e todos são vistos igualitariamente. Neste
contexto, vale ressaltar que o momento do brincar seria então um momento
propício para a inclusão. Mas por quê?
Na maior parte das brincadeiras faz-se necessária a presença do
grupo. A criança, ao brincar, sente a falta do outro para compartilhar suas
idéias, para se divertir, para interagir e mesmo para competir. A brincadeira
abre espaço para que as crianças se reúnam em um clima de descontração e
vão, aos poucos, se socializando.
Porém, o brincar seria sempre um processo de inclusão social?
Obviamente, não. Vimos, anteriormente, que através das brincadeiras a criança
estabelece suas amizades e também suas inimizades. É natural, portanto,
que a criança escolha para brincar apenas as crianças com quem já tem
contato e afinidade. Também é natural que ela apresente resistência em
brincar com o outro, por não conhecê-lo, considerá-lo “diferente” ou mais fraco.
Entretanto, apesar de natural, é importante que, neste momento, o educador
entre em ação.
O brincar não é sempre um processo inclusivo, muito pelo ao
contrário, pode por vezes causar uma certa segregação quando a criança
apresenta recusa pelo outro. É o educador quem deve desenvolver a proposta
inclusiva no momento do brincar. Ele deve criar um clima de aceitação,
estimulando brincadeiras em que a criança veja a importância de se relacionar
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com o outro, independente de suas diferenças e limitações. Deve combater os
grupinhos já formados e pré-fixados, fechados aos outros, convidando todos a
se integrarem. Deve fazer do brincar um espaço para romper com os
preconceitos.
Nas escolas que promovem a inclusão, nas turmas que reúnem
portadores de necessidades educacionais especiais e os ditos “normais”, é
interessante que o educador convide um a viver o comprometimento ou
limitação do outro. Por exemplo, numa turma em que haja um aluno cego o
professor pode vendar todos os outros alunos e propor uma brincadeira “no
escuro”, assim todos irão estar participando em igual condição. Vivenciando
situações como esta é mais fácil ser receptivo ao outro.
Além disso, como vimos no capítulo anterior, o professor pode
trabalhar vários conteúdos de forma lúdica, o que até facilita a aprendizagem.
Assim sendo, o educador pode criar brincadeiras que promovam a reflexão de
seus alunos em torno de conceitos de inclusão, diversidade e solidariedade.
Em vários segmentos da educação, esta “estratégia” é utilizada. Mesmo em
cursos universitários a brincadeira é vista como possível metodologia para
trabalhar determinados conceitos e conteúdos.
Por que então o brincar seria a melhor alternativa para a inclusão
social no contexto escolar?
Porque a brincadeira permite um envolvimento pleno; brincando a
criança se entrega de corpo e alma, em um clima de alegria e descontração.
Neste contexto, se fazer a inclusão propriamente dita torna-se muito mais fácil
e plausível que qualquer outra alternativa. Porém, o sucesso de tal ação
depende da atuação freqüente do educador.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Investigando o universo dos brinquedos e brincadeiras, podemos
concluir que é fundamental que a criança brinque. O brincar traz uma série de
benefícios para a criança e por este motivo precisa ser reconhecido como
elemento indispensável para seu pleno desenvolvimento.
O brincar pode ser considerado uma atividade completa, pois permite à
criança desenvolver-se afetivamente, emocionalmente, socialmente e
cognitivamente. Vimos que inúmeros são os benefícios de cunho social
trazidos pelas brincadeiras, o que nos permite admitir o brincar como principal
forma de socialização infantil.
No entanto, mesmo perante à tantos benefícios trazidos pelos
brinquedos e brincadeiras para a vida infantil, em nossa sociedade, quando
fala-se à respeito deste assunto é comum vê-lo associado à coisas pouco
sérias, sem importância para a aprendizagem da criança.
Até mesmo em alguns espaços escolares, o brincar não é muito bem
visto e encontra resistência por parte de educadores que ainda não
aprenderam a reconhecer a real importância do lúdico.
É justamente este panorama que precisa ser mudado. Pais e
educadores, em parceria, precisam envolver a criança em diferentes
brincadeiras e estimular cada vez mais a prática do brincar.
Nas escolas, é de suma importância que professores e educadores
introduzam brincadeiras em seu planejamento e adotem o brincar como
recurso positivo para o processo ensino-aprendizagem. Através do lúdico, o
professor trabalha conteúdos de forma mais prazerosa, conseguindo que eles
sejam mais facilmente assimilados e absorvidos por seus alunos.
Além disso, pudemos concluir que o brincar, quando introduzido no
espaço escolar, pode ser a melhor alternativa para promover-se a inclusão
social. Brincando, a criança se socializa, sente a necessidade do outro e, por
vezes, se torna mais receptiva. O professor pode também optar por introduzir
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brincadeiras em sala de aula na tentativa de integrar seus alunos, tornando
assim a turma mais coesa.
Neste trabalho, analisamos, sobretudo o brincar enfocando os
aspectos social e educacional.
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FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
Instituto de Pesquisas Sócio-Pedagógicas
Pós-Graduação “Lato Sensu”
Título da Monografia: “Lúdico: Um Enfoque Sócio-Educacional”
Data de Entrega: 28/01/2006
Avaliado por: ______________________________ Grau: ______________
Rio de Janeiro, _______ de _______________________ de 2006.
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Coordenador do Curso