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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
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Luz no Fim do Túnel: Premiações Brasileiras e Reconhecimento Profissional das Mulheres no
Fotojornalismo1
Soraya Venegas FERREIRA
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Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, RJ
Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, RJ
Resumo:
Diferenças salariais, de oportunidades de emprego e de reconhecimento profissional entre homens e
mulheres não são novidade no mercado de trabalho. Não se restringem ao Brasil, ao Jornalismo e, muito
menos, ao Fotojornalismo. Hoje, as mulheres brasileiras já superaram os homens em anos de escolaridade e
aos poucos, ocupam cargos e exercem atividades antes consideradas apenas masculinas. Nos departamentos
de reportagem, já são maioria, mas no Fotojornalismo, a situação é inversa. Como consequência, são os
homens que se destacam numericamente nas premiações. Por exemplo, nos 55 anos de existência da
categoria de Fotografia do Prêmio Esso de Jornalismo, só duas mulheres foram vencedoras. O Prêmio
Petrobras de Jornalismo, no entanto, nos sinaliza que há “luz no fim do túnel”. Indo para sua quinta edição,
essa disputa entre fotojornalistas homens e mulheres permanece nacionalmente empatada.
Palavras-chave: Discriminação de Gênero, Mercado de Trabalho, Identidade Profissional, Reconhecimento,
Prêmios de Fotojornalismo.
I. Avanços e retrocessos: Desequilíbrio entre gêneros no mercado de trabalho
A relação entre homens e mulheres no mercado de trabalho é marcada por desigualdades históricas e
processos de avanços lentos, muita estagnação e até retrocessos. De acordo com o relatório Perspectivas
Sociais e de Emprego no Mundo: Tendências para Mulheres 2018 (OIT, 2018), publicado em março de
2018, às vésperas do Dia Internacional da Mulher, há pouco para se comemorar. As mulheres são menos
propensas a participar do mercado de trabalho do que os homens e têm mais chances de estarem
desempregadas na maior parte dos países. De acordo com o relatório, em 2018, a taxa global de participação
das mulheres na força de trabalho ficou em 48,5%, contra 75% para os homens e a taxa de desemprego
global feminino foi de 6% contra 5,2% do masculino. Isso quer dizer que, no total, para cada dez homens
empregados, há apenas seis mulheres na mesma condição.
As disparidades podem ser maiores ou menores dependendo da riqueza e da cultura de cada país. O
relatório mostra que as diferenças nas taxas de desemprego entre mulheres e homens nos países
desenvolvidos são relativamente pequenas e que no Leste Europeu e América do Norte, as mulheres chegam
até a registrar taxas de desemprego menores do que os homens. Já nos Estados árabes e no Norte da África,
as taxas de desemprego feminino são duas vezes maiores do que o masculino.
1 Trabalho apresentado no GP Teorias do Jornalismo, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2.Doutora em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ, com Pós-Doutorado em Teorias do Jornalismo pelo PPGCom-UFF. Avaliadora de
Cursos do MEC-INEP. Coordenadora dos Cursos de Jornalismo e de Fotografia na Universidade Estácio de Sá – Campus Niterói. Bolsista
pesquisadora do Programa Pesquisa Produtividade da Universidade Estácio de Sá. E-mail: [email protected]
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A participação no mercado de trabalho não se limita ao fato de estar ou não empregado. O relatório
da OIT de 2018 confirma os dados de pesquisas anteriores sobre desigualdades significativas de gênero em
relação a salários e proteção social, ou seja, em relação à qualidade do emprego feminino. Há mais mulheres
no trabalho informal, especialmente nos países em desenvolvimento. E, no que concerne às mulheres que
administram empresas, o estudo mostra que, em termos globais, há quatro vezes mais homens como
empregadores do que mulheres. Essas desigualdades também se refletem em cargos de gestão, para os quais
as mulheres continuam a enfrentar barreiras de acesso.
No Brasil, tivemos alguns avanços, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Em pesquisa
apresentada no Intercom Sudeste, Ferreira e Claassen (2018) mostraram que partir da década de 1970, houve
um significativo aumento da participação feminina no mercado de trabalho nacional e pontuaram que entre
1970 e 2011, aumentou em 31,5% o número de mulheres no mercado brasileiro enquanto a participação dos
homens reduziu aproximadamente 1,1% (apud CHAVES, 2014). Segundo os dados do último trimestre de
2017 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral, as mulheres ganham,
em média, 24,6% menos que os homens. Essa desigualdade está disseminada por todo país, sendo a maior
registrada em São Paulo, onde as mulheres recebem apenas 65,8% do valor dos salários dos homens. Já uma
pesquisa realizada em 2018, pela Catho entre quase 8000 profissionais, apontou que a disparidade salarial
pode atingir os 38% para o mesmo cargo. O pior é que as diferenças salariais entre os gêneros agravaram-se,
por exemplo, em grupos com maior nível de escolaridade. Os dados da Catho indicam que mulheres que têm
MBA, ganham pouco mais da metade do salário de homens com o mesmo nível de instrução.
Em relação à igualdade de gêneros, segundo o Global Gender Gap Report 2017, lançado pelo Fórum
Econômico Mundial, o Brasil está em momento de retrocesso: caiu 11 posições em relação ao ano anterior e
agora ocupa a 90.ª posição, dentre 144 nações avaliadas. Em 2016, estimava-se que seriam necessários 83
anos para alcançar a paridade geral entre gêneros. Agora, são 100 anos, na média. Se o enfoque se limitar ao
mercado de trabalho, a estimativa subiu para 217 anos.
II. Uma história de desigualdades no Jornalismo e no Fotojornalismo
Os dados globais quanto à participação feminina no mercado de trabalho nem sempre se refletem de
modo linear no Jornalismo em geral e no Fotojornalismo em particular. Segundo Eliza Casadei (2011), o
mercado de trabalho jornalístico começou como exclusivamente masculino e a inserção feminina se deu via
imprensa alternativa. A situação foi se alterando lentamente e, em 1986, as mulheres já ocupavam 36% dos
quadros profissionais do país. Vinte anos mais tarde, elas já eram maioria. Segundo os dados do Ministério
do Trabalho, em 2006, 52% das vagas de jornalistas eram ocupadas por mulheres, mostrando uma tendência
de uma maioria feminina no mercado. A tendência se mantém em pesquisa recente coordenada por Jacques
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Mick, que mostrou que 64% dos jornalistas eram mulheres. O perfil do jornalista brasileiro foi apresentado
como “majoritariamente mulheres brancas, solteiras, com até 30 anos” (MICK, 2013).
As pesquisas sobre o perfil dos jornalistas brasileiros são relativamente recentes e o quadro se agrava
quando a busca é por recortes de gênero ou de função desempenhada. A Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo (ABRAJI) buscou contribuir para os estudos de gênero, ao publicar, em abril de 2018, a
pesquisa Mulheres no Jornalismo Brasileiro, na qual ouviu 477 profissionais, após uma fase inicial de
levantamento quantitativo. Segundo a ABRAJI (2018), 40,8% das entrevistadas apontavam equilíbrio
quantitativo entre homens e mulheres na empresa em que trabalhavam, o que, para 53,4% das entrevistadas
não se refletia igualdade de oportunidades. Quanto aos cargos de poder, 65% eram ocupados por homens.
Isso pode justificar o fato de 83,6% das jornalistas afirmarem terem sofrido alguma situação de violência
psicológica por serem mulheres e de 73% já terem convivido com comentários ou piadas machistas no
ambiente de trabalho. Para mais de 30% das entrevistadas, sua condição feminina dificulta tanto a inserção
quanto a obtenção de maiores salários no mercado de trabalho.
No Fotojornalismo, a carência de pesquisas parece ser ainda maior. Nathália Silva (2017) aponta não
apenas a falta de pesquisas no Brasil, como indica que as fotojornalistas têm diferentes percepções quanto
aos seus colegas homens e, com base em nove entrevistas, mostrou que há dificuldade para que essas
fotojornalistas optem por não seguir o caminho de expectativas estereotipadas quanto ao gênero feminino.
Para autora, a ocupação do jornalismo pelas mulheres ocorreu, principalmente, a partir da década de 1970,
com um crescimento das questões feministas e sua inserção feminina no mercado de trabalho, o que se
intensificou nos anos 80 e 90, devido a uma maior qualificação profissional das mulheres, na medida em
que, no Brasil, em 1980, havia apenas 51 cursos de Jornalismo, número que cresceu para 317 em 2010. Mas,
essa situação não se refletiu no Fotojornalismo, que continua a se configurar como um campo
eminentemente masculino. (SILVA, 2017).
A carência de estudos não é exclusividade brasileira, tanto que, em 2015, por iniciativa da Reuters
em parceria com a World Press Photo, foi realizada uma pesquisa com 1556 fotojornalistas de mais de 100
países. Os dados da pesquisa, feita por Hadland, Campbell e Lambert, mostram que o mercado da fotografia
de imprensa é masculino. Do total de respondentes 85% de homens, 40% se identificavam como
fotojornalistas, 30% como fotógrafos documentais e 14% como fotógrafos de imprensa. Sendo que entre as
mulheres, elas tendiam a se identificar mais como fotodocumentaristas, contadoras de histórias visuais ou
jornalistas multimídia. No geral, os respondentes tiveram acesso à educação formal, sendo que mais de mais
de 67% tem nível universitário, dado que é ainda mais significativo com relação às mulheres no
fotojornalismo: 82% de mulheres, contra 69% de homens.
Para esse estudo, participaram 236 mulheres fotojornalistas, das quais 72% eram autônomas,
enquanto apenas 46,6% dos homens não eram registrados. Além disso, apenas 17% das fotojornalistas
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tinham contratos de longo prazo, enquanto cerca de 36% dos homens declaram o mesmo. Quanto à
remuneração, elas também ficaram em desvantagem. Com relação aos baixos salários, 42% das mulheres
ganharam menos de US$ 9.999 por ano em comparação a 34% dos homens. A relação menos desequilibrada
ocorre na faixa salarial mediana: 75% das mulheres contra 70% ganham menos de US$ 29.999 anuais. Já na
faixa dos US$80.000 ou mais de rendimento anual, os homens ocupam 5% do mercado, enquanto as
mulheres apenas 1,5%. De acordo com a mesma pesquisa, isso pode ser parcialmente justificado pelo fato de
as mulheres tenderem a trabalhar em tempo parcial, atuar em apenas um emprego e de a maioria ser
freelancer, o que diminui sua atuação nas pautas. Mais de 40% dos entrevistados indicam que realizam mais
de vinte tarefas por mês e 22% afirmam fazer 30 ou mais. Na categoria de volume mais alto, há mais
homens (23%) do que mulheres (16%). Os contratados produzem mais que os freelancers: 48% dos
contratados realizam mais de 30 trabalhos mensais enquanto apenas 21% dos trabalhadores independentes
atingem a mesma marca. Se há mais mulheres trabalhando de modo independente, esses números reforçam
sua menor possibilidade de submissão também nas premiações destinadas ao Fotojornalismo.
O fotojornalismo esportivo continua a ser um campo pouco afeito às mulheres. Dos respondentes da
pesquisa internacional, 16% das mulheres se dedicavam ao fotojornalismo esportivo contra 29% dos
homens. Talvez pelo fato de atuarem de modo mais independente as mulheres se destacaram no quesito
controle da edição, produção e publicação de imagens após a submissão: 51% das mulheres fotojornalistas
sentiram que tinham controle desses aspectos em comparação com os 39% dos homens. As desigualdades no
mercado de trabalho têm fundamentos históricos, embora as mulheres tenham estado presentes desde cedo
na fotografia. Julia Margaret Cameron (1815-1879), por exemplo, é uma das referências clássicas da
fotografia mundial. A artista começou a fotografar unicamente por prazer com quase 50 anos. Seu trabalho
se divide entre retratos fechados e encenações temáticas em forma de alegorias, cenas históricas ou bíblicas,
características do movimento conhecido como Pictorialismo. A atividade fotojornalística, no entanto, em
nada combinava com essa estética ou com o estereótipo feminino de fragilidade.
Como visto, mesmo no século XX e ainda no XXI, a divisão sexual do trabalho no Fotojornalismo
mantem-se marcante. Mulheres como Jessie Tarbox Beals, conhecida como a primeira fotojornalista a
publicar nos Estados Unidos, Margaret Bourke-White, autora da fotografia de capa da primeira edição da
Revista Life ou Dorothea Lange, que fotografou a Grande Depressão Norte-Americana para Farm Security
Administration (FSA) são “pontos fora da curva” (CHAPNICK, 1994). A quase inexistência de ícones
femininos na atividade em comparação com o número de homens pode desestimular ainda mais a inserção
de mulheres na atividade. Para piorar muitas das contribuições femininas para o fotojornalismo foram
diminuídas ao longo da história. Entre os exemplos mais clássicos está o da fotojornalista de guerra Gerda
Taro, cuja fama foi silenciada em prol do companheiro Robert Capa, que se tornou conhecido como um dos
maiores (senão, o maior) fotojornalista de guerra de todos os tempos. Ainda hoje, muitas mulheres se sentem
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na obrigação de trabalhar mais para compensar sua condição de gênero. E, apesar de salários menores,
precisam lutar por visibilidade e provar que podem ter o mesmo valor que os homens.
Em termos de Brasil, a história da inserção feminina na Fotografia ainda precisa ser pesquisada. É
possível perceber que a quantidade homens e mulheres nas empresas jornalísticas é especialmente desigual
nos Departamentos Fotográficos. Contudo, nesse cenário, algumas ações recentes indicam “luz no fim do
túnel”. Esse é o caso, por exemplo, dos movimentos Fotógrafas Brasileiras e o YVY Mulheres da Imagem
que, no entanto, não se restringem ao Fotojornalismo.
O Movimento Fotógrafas Brasileiras nasceu em novembro de 2016, a partir do desejo de Wania
Corredo, uma das mulheres mais premiadas no fotojornalismo brasileiro, de reencontrar suas colegas de
profissão. O que poderia ser apenas “um encontro entre amigas” acabou gerando uma foto, que foi
transformada em marco histórico para o surgimento de ações que buscam unir talentos, firmar posições,
aumentar a visibilidade profissional e resgatar memórias e histórias de mulheres que produzem imagens.
Essa foto reuniu 138 mulheres ligadas à imagem em frente ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O click
oficial coube ao fotojornalista Júlio César Guimarães, escolhido pelas organizadoras do evento. Na ocasião,
outros profissionais vieram prestigiar o encontro e vários outros registros foram feitos. A presença
masculina foi bem-vinda por algumas integrantes da foto oficial e criticada por outras, assim como o fato do
registro ter sido feito por um homem.
As discussões e as parcerias que começaram no encontro migraram para as redes sociais digitais e
incentivaram iniciativas parecidas em todo o país, assim como dissidências e posicionamentos mais ou
menos radicais em relação às definições de gênero e aos objetivos das ações futuras. O Movimento
Fotógrafas Brasileiras declara como missão em seu site unir as fotógrafas brasileiras e promover o resgate
da história delas, em busca de maior visibilidade para as imagens que produziram. Sua visão é “ser
referência nacional e internacional como movimento fotográfico, histórico e cultural formado por mulheres”.
Para isso, o grupo estimula o protagonismo feminino, que dialogue com todos os gêneros desde que apoiem
a causa. O movimento planeja e divulga suas ações em grupos e páginas em redes sociais. No Facebook,
para entrar no grupo fechado, é preciso aceitar as regras claramente documentadas: o grupo destina-se
unicamente a mulheres de imagem (amadoras ou profissionais), não é permitido expor os membros ou vazar
comentários, sendo proibido qualquer discurso de ódio ou intolerância. Além do grupo fechado, que em
julho de 2018 contava com mais de 2600 integrantes, na mesma rede há ainda uma página pública do
movimento, com mais de 5200 seguidores, de ambos os sexos. O movimento possui ainda um perfil no
Instagram, que em meados de 2018, contava com pouco mais de 220 publicações e cerca de 1800
seguidores. Toda administração das redes é feita voluntariamente por menos de 20 fotógrafas.
Em seu site institucional http://fotografasbrasileiras.com.br,/ o Movimento Fotógrafas Brasileiras
capitaneia uma pesquisa sobre as mulheres no fotojornalismo brasileiro, que mesmo em fase de coleta de
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dados, já traz algumas informações: “No jornal O Globo, por exemplo, as mulheres são 14,7%. Nos Jogos
Olímpicos de 2016, as fotojornalistas eram 6%. Na Associação dos Repórteres Fotográficos do Rio de
Janeiro (Arfoc), elas são 10,6%” e apresenta suas ações de convocatórias para exposições e projeções e
participações em debates realizados em festivais, universidades e até conferências internacionais.
Figura 1: Foto das Fotógrafas Brasileiras feita por Júlio Cesar Guimarães
Logo após a realização da foto acima, a fotojornalista Marizilda Cruppe, que por muitos anos atuou em
O Globo e integrou o júri do World Press Photo, a mais importante premiação mundial dedicada
exclusivamente ao Fotojornalismo, propunha o início das reuniões da ABMI (Associação Brasileiras de
Mulheres da Imagem), que depois transformou-se em YVY Mulheres da Imagem. Desde 2011, Marizilda
Cruppe atua de modo independente e como mentora de oficinas de fotojornalismo focadas em temas de
Saúde e Direitos Humanos, em parceria com a World Press Photo Foundation, Tufts University e Open
Society Foundations. Segundo reportagem da Revista Trip, o grupo YVY reúne duas mil integrantes e se
define como “um movimento em busca da valorização de vozes femininas, para assim fortalecer e proteger
quem se identifica com o gênero feminino”. Seu objetivo, além de reunir fotógrafas, é discutir causas
feministas e humanitárias. Na reportagem, Cruppe conta que logo nas primeiras reuniões da YVY percebeu
que o projeto não poderia se limitar a fotografia, visto que suas integrantes transitam entre múltiplas
plataformas de linguagem: colagem, ilustração, vídeo, algo que não costuma ser contemplado pelas
premiações do campo do fotojornalismo.
III. Identidade profissional e as premiações como forma de reconhecimento
Em seu livro Ser Jornalista no Brasil, a professora Fernanda Lopes (2013) alerta que o conceito de
identidade não pode ser tomado como fixo ou imutável e que a identidade jornalística não pode ser vista
unicamente como resultado de uma prática, mas que engloba valores, mitos, crenças, saberes, representações
sociais, história, memória relações de poder entre outros aspectos, que são constantemente negociados no
espaço social. Faccin e Ferreira (2013) complementam que “em qualquer sociedade, a prática jornalística é
depositária de um conjunto de técnicas, práticas e normas que orientam a competência do profissional de
informar a sociedade sobre assuntos de relevância pública”. O relato verbal ou imagético deve ser baseado
em fatos e ter o maior senso de objetividade possível. Nelson Traquina (2008) teoriza que os jornalistas têm
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um “modo de ver, de falar e de agir” e que se empenham em executar suas atividades baseadas em
parâmetros que o próprio campo, no sentido bourdieano do termo, oferece a partir de um ethos
coletivamente construído e que se concretizam no habitus da profissão. A prática profissional é marcada
pela concorrência e, essa competição, em alguns casos, visa à conquista de prêmios oferecidos àqueles que
se destacam na atividade. Para quem resolve competir há a exigência implícita de adequação do trabalho às
normas da premiação cobiçada.
Do ponto de vista simbólico, o reconhecimento pela conquista é a melhor medalha que um jornalista
pode receber dos seus pares e os prêmios concedidos passam a funcionar como matrizes de referência,
geradoras e/ou mesmo reforçadoras de determinadas práticas que são gradativamente incorporadas ao
habitus do campo social (Bourdieu) e funcionam como paradigmas da comunidade interpretativa do
jornalismo (Traquina). Diante desta percepção, tem-se a hipótese de que algumas premiações tornam-se tão
relevantes que viram referência de bom exercício da profissão e evidenciam novos paradigmas da prática
jornalística. Ao mesmo tempo em que oferecem o coroamento de uma prática junto aos pares, também
sinalizam como deve ser a conduta dos profissionais em suas práticas cotidianas de seleção, coleta,
apuração, processamento e distribuição da informação noticiosa, que gradativamente são incorporadas
àquilo que Pierre Bourdieu denominou habitus de um campo social.
A noção de campo social de Bourdieu é fundamental para o entendimento de como os profissionais são
introduzidos na comunidade interpretativa jornalística e, paulatinamente, incorporam o seu habitus. Ele
identifica um campo social enquanto um “espaço onde se travam relações objetivas”, em que agentes (que
são os sujeitos investidos de um habitus), lutam para determinar quem tem legitimidade para falar e o que é
legítimo ser falado. O campo social é visto como um “microcosmo”, com leis próprias que determinam o
direito de entrada, o valor dos troféus em disputa, e os limites da subversão, através de um “acordo tácito”
das regras do jogo entre seus participantes. (BOURDIEU, 1997:14). Faccin e Ferreira (2013) lembram que
os esses participantes da “comunidade interpretativa jornalística formam um contingente que organiza sua
atividade pautada em uma rotina não apenas que gira em função da produção da notícia, mas por esquemas
de percepções dos seus participantes, próprios do habitus profissional”.
Outros dois aspectos lembrados pelos autores são: 1)A lógica produtiva do campo jornalístico é criada
pela luta concorrencial, que ocorre em uma situação institucionalizada, na qual os seus agentes desenvolvem
suas ações como sendo atividades regidas por regras válidas, especificamente o campo. 2) As premiações
concedidas para os jornalistas fariam parte do “capital simbólico”, que, no entendimento de Bourdieu, inclui
os méritos acumulados, prestígio e reconhecimento associado à pessoa ou posição e o desdobramento deste
capital simbólico seria a credibilidade. Bourdieu diz ainda que a concorrência, longe de ser automaticamente
geradora de originalidade e de diversidade, tende, muitas vezes, a favorecer a uma uniformidade da oferta.
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Faccin e Ferreira (2013) pontuam que as premiações jornalísticas teriam caráter de acúmulo de capital
simbólico mais pelo viés do reconhecimento do quepelo da recompensa. Enquanto no primeiro caso, temos a
ideia do valor, no segundo a da valia. Recompensa está associada ao cumprimento de uma dada tarefa e seu
oposto seria a punição. A busca pelo reconhecimento, ao contrário, faz parte da natureza do ser humano.
Embora os certames destinados aos jornalistas sejam, muitas vezes, acompanhados de prêmios em dinheiro,
não é incomum que os profissionais desejem ter seu trabalho reconhecido, independente do valor financeiro
dos prêmios.
A partir do estudo das categorias destinadas à imagem fotográfica em diversas premiações para
jornalistas, constatou-se que as fotografias de atos violentos costumam ser os destacadas pelas comissões
julgadoras. Nota-se ainda que os repórteres-fotográficos vêm se colocando em situações cada vez mais
desafiadoras e perigosas. Poucas fotografias que conquitaram premiações são advindas da editoria de
Cultura, considerada “leve” pelos profissionais. As imagens vencedoras são geralmente flagrantes que se
referem às editorias Política, Esportes, Cotidiano e, principalmente, Polícia. (FERREIRA, 2009)
Nos anos 60 e 70, o modelo de cobertura fotográfica que imperava na imprensa era o modelo
testemunhal (FERREIRA, 2008), que se caracteriza pela tentativa de invisibilidade do fotojornalista e
baseia-se na não intervenção do profissional no acontecimento. Na década de 80, na imprensa, esse modelo
foi perdendo força e dando espaço a um fotojornalismo produzido, mais direcionado às revistas. A década de
90 se caracteriza pela inserção dos recursos digitais na fotografia. Boa parte dos certames, contudo, não
acompanhou essa história e se mantém destacando imagens registradas conforme o modelo testemunhal.
Recentemente foi possível perceber que cresce o número de sequências fotográficas premiadas, o que abre a
possibilidade, ainda numericamente pouco expressiva, de valorização de ensaios fotográficos e narrativas
esteticamente mais autorais e inovadoras. Mais um sinal “luz no fim do túnel”, visto que em pesquisa citada
anteriormente, as mulheres que atuam no fotojornalismo mundial se identificaram mais como
fotodocumentaristas e contadoras de histórias visuais.
IV. A quase-invisibilidade feminina nas categorias de Fotografia das premiações brasileiras
Em estudos anteriores, já foi apontada a dificuldade de estudar as premiações brasileiras destinadas a
jornalistas, especialmente se o foco for avaliar séries históricas. Observa-se severa irregularidade na
frequência das premiações. Muitas surgem com estardalhaço e acabam, sem aviso, poucas edições depois.
Outras, em função de dificuldades financeiras, sem mantém com frequência irregular. A partir dessa
constatação, optou-se nesse artigo por observar a série histórica de duas premiações paradigmáticas no
campo que, no entanto, por ora estão interrompidas: o Prêmio Esso de Jornalismo e o Prêmio Imprensa
Embratel. Essa opção busca demonstrar como as mulheres são praticamente invisíveis nas categorias que
contemplam a imagem fotográfica.
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Essas duas premiações têm muitos pontos em comum, apesar das diferenças históricas, de constituição
das empresas promotoras e de concepções do fazer jornalístico, por exemplo. Como reforço de marketing,
ambas carregam a marca da empresa promotora no nome e, justamente por isso, tiveram que ser renomeadas
como Prêmio Exxon Mobil de Jornalismo e Prêmio Imprensa Embratel-Claro. Logo após a mudança de
constituição das empresas promotoras, em ambos os casos, as premiações foram interrompidas.
As comissões julgadoras dos dois certames são formadas por jornalistas paradigmáticos do campo e, em
algumas edições, contam com profissionais em comum. O julgamento é feito em fases que envolvem uma
comissão de pré-seleção diferente da comissão de premiação e, recentemente fazem parte do julgamento via
Internet. Nos dois certames, as comissões julgadoras são majoritariamente masculinas. Embora a categoria
de Fotografia tenha tido 55 edições no Prêmio Esso e 14 no Prêmio Embratel, as mulheres foram
vencedoras em apenas duas edições de cada um, sendo que a sequência de três fotos um assassinato numa
rua em Benfica, da fotojornalista Wania Corredo, foi vencedora em ambos. As duas premiações começaram
sem contemplar o fotojornalismo como categoria, sendo incluída na sexta edição do Prêmio Esso de
Jornalismo e na segunda do Prêmio Imprensa Embratel. Mas, há também diferenças.
A mentora do Prêmio Esso aporta no país como multinacional. A Standard Oil Company chegou ao
Brasil em 1912 e tornou-se mais conhecida a partir de 1940, quando, como Esso, diversificou suas
atividades, e investiu em comunicação, a partir de três ações principais: a criação do Repórter Esso, aumento
da verba destinada a anúncios em jornais e revistas, e posteriormente, a criação do Prêmio Esso de
Jornalismo, em 1956. (CASTILHO, 2008). Para legitimar o prêmio frente aos profissionais, a Esso buscou
parceria com a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e participação de jornalistas no júri. Em 1956, foi
lançada a primeira edição do Prêmio Esso de Reportagem, que depois veio a se chamar Prêmio Esso de
Jornalismo e, ao completar 60 anos, em 2016, mudou seu nome para Prêmio Exxon Mobil de Jornalismo,
encerrando as suas edições desde então.
O Prêmio Imprensa Embratel está ligado a uma empresa de telecomunicações presente em todas as
regiões do país e que ainda carrega certo traço da brasilidade, apesar das profundas transformações. A
Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações), fundada em 1965, no Rio de Janeiro, constituiu-se
como empresa de capital aberto, sendo o braço estatal de longa distância da Telebras. Privatizada em 1998,
passou por vários grupos estrangeiros, até ser incorporada em 2011 pelo América Movil, detentor também
da Claro Telecom Participações. A partir de dezembro de 2014, os acionistas de Claro, Embratel
Participações (Embrapar), NET Serviços de Comunicação e Embratel aprovaram a incorporação das três
últimas pela Claro, para consolidar as estruturas e atividades das empresas em uma única sociedade.
Levando em conta essa história, não é se estranhar que a primeira edição do da premiação, em 1999, tenha
contemplado como categoria única a de reportagem de telecomunicações.
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Quanto ao funcionamento das comissões julgadoras, as diferenças ficam por conta de sistemáticas
específicas com relação às categorias de Fotografia, como é grafada no Esso e Reportagem Fotográfica, no
Embratel. No Prêmio Esso de Jornalismo, a Comissão de Seleção indica, dentre os inscritos, os cinco que
exibem melhores condições continuar na competição. Na categoria de Fotografia, contudo devem ser
indicados dez trabalhos finalistas, que serão avaliados via Internet, por uma Comissão Especial, composta
por 50 experientes profissionais, dentre os quais boa parte fotojornalistas e, muitos ex-editores de fotografia.
Ao observar os dados referentes a essas comissões entre 2000 e 2005, publicadas nominalmente no livro
comemorativo dos 50 anos do prêmio, a porcentagem de participação feminina no júri oscilou entre 8% e
25%.
No Prêmio Imprensa Embratel, tanto a comissão de pré-seleção quanto a de premiação avaliam
todas as categorias. Não há comissão especial para a Reportagem Fotográfica. O encontro da comissão de
premiação é presencial. Nesse momento é instaurado um presidente, função já ocupada diversas vezes por
uma mulher, que tem o voto de Minerva em caso de empate. A jornalista Janice Caetano, presidente do Júri
em 2007, foi responsável pelo desempate que reconheceu – interrompedo uma sequência de vencedores que
tem a violência urbana como tema - como vencedor o ensaio fotográfico O começo do fim – efeitos do
aquecimento global, no qual fotojornalista Marcos Michael mostra aspectos da seca em Pernambuco. A
comissão de premiação define ainda o vencedor do Grande Prêmio Imprensa Embratel, que por duas vezes
foi atribuido à imagem: a reportagem cinematográfica Fuga da Vila Cruzeiro, de Francisco de Assis e a
sequência fotográfica Crime à Liberdade de Imprensa, de Domingos Peixoto. Imagens jamais venceram o
premio principal do Esso. Com relação à interrupção das premiações, a atitude das promotoras também foi
diferente. Enquanto em 2016, após comemorar 60 anos, o Prêmio Esso (já renomeado Prêmio Exxon Mobil
de Jornalismo), foi suspenso oficialmente pela companhia com a explicação de que durante a pausa iria
reavaliar seu formato, o Embratel-Claro não emitiu qualquer comunicado em relação a 16° edição, sendo
que a 15° ocorreu em 2014. Até julho de 2018, nenhuma das duas premiações havia retornado à ativa e, os
sites oficiais não estavam mais no ar.
A cada premiação criada, é comum que novas diretrizes implícitas para a prática jornalística sejam
definidas, e que apontem para identidades profissionais diferentes. Isso pode ser percebido a partir da
concepção do Prêmio Imprensa Embratel, em contraponto ao Prêmio Esso de Jornalismo. Na época da sua
criação, o concurso tinha como objetivo ser um projeto mais abrangente, de âmbito nacional e capaz de
mobilizar todas as mídias do país. Definiu-se em seu site institucional como “atual e dinâmico”,
contemplando trabalhos jornalísticos que se adequassem à “nova realidade sócio, econômica e cultural do
povo brasileiro”, ao mesmo tempo em que tivesse a “capacidade de estimular e disseminar o debate coletivo
sobre temas de relevância, tais como inclusão social, consciência ambiental e o resgate dos nossos valores
culturais”. No âmbito da imagem, por exemplo, era uma das únicas premiações a contemplar a categoria
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Reportagem Cinematográfica, separada das de Reportagem Fotográfica e de Reportagem de Televisão. Na
15° edição, contudo, as duas primeiras foram unificadas em Reportagem Foto-Cinematográfica.
Mesmo com essas diferenças, houve edições em que a mesma sequência fotográfica obteve
reconhecimento nas duas premiações. Esse foi o caso de Wania Corredo que registrou em três fotos um
assassinato em Benfica. A fotógrafa foi capaz de capturar o momento do tiro e o criminoso na garupa de
uma motocicleta.
Figura 2: Sequência de Wania Corredo – Prêmio Esso de Fotografia e Prêmio Embratel de
Reportagem Fotográfica
As outras duas outras fotojornalistas premiadas foram Isa Nigri, pelo Esso (1997) e Mônica
Zarattini, pelo Embratel (2001). Isa Nigri retrata os momentos seguintes do tiro que atingiu o Cabo Valério
dos Santos durante uma rebelião na Polícia Militar de Minas Gerais. A proximidade da fotojornalista
permitiu que registrasse o socorro ao cabo.
Figura 3: Fotografia de Isa Nigri - Prêmio Esso de Fotografia de 1997
O estilo de fotojornalismo premiado pelo Esso também se reflete nessas imagens a partir do “Instante
Decisivo”, termo associado à Cartier-Bresson, que está atrelado à ideia de que há um momento fugidio de
curta duração que o clique fotográfico deve capturar e que, caso não seja capturado, se perde no tempo.
Mônica Zarattini faz uma imagem aérea da Penitenciária do Estado no Complexo do Carandiru, na zona
norte da capital paulista, durante a ocorrência de uma série de rebeliões em diversos presídios do Estado de
São Paulo, numa ação organizada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital), que deixou vários mortos em
fevereiro de 2001.
Além da composição harmônica, o principal interesse da foto reside no momento registrado em
termos de critérios de noticiabilidade (Traquina). Muitas vezes, como já pontuado em pesquisas anteriores, a
escolha das imagens vencedoras nas premiações parece ser norteada pela relevância do fato retratado, mais
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do por critérios ligados especificamente à linguagem fotográfica. A imagem de Zarattini recebeu ainda no
mesmo ano o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
Figura 4: Fotografia de Mônica Zarattini - Prêmio Embratel de Reportagem Fotográfica de 2001
Com base na observação de que a maior parte das fotografias premiadas nos certames de
Fotojornalismo desde os anos 80-90 retrata a violência e exige o flagrante como estética é possível inferir
que o estereótipo de “sexo frágil” faz com que alguns editores de fotografia evitem escalar mulheres para
esse tipo de pauta, o que dificulta que cheguem a condição de finalistas. Como há menos mulheres em
atividade no Fotojornalismo, há também menor número de submissões de suas imagens para premiações,
concursos, exposições coletivas, etc. Contudo, será que esse fato justifica um número tão pequeno de
vencedoras?
IV. Luz no fim do túnel: De olho no Prêmio Petrobras de Jornalismo
A terceira premiação observada parece indicar um cenário mais equilibrado entre homens e mulheres
nesses novos tempos de movimentos de conscientização e de busca pela visibilidade profissional do gênero
feminino. O Prêmio Petrobras de Jornalismo nasceu já na segunda década do século XXI, em 2013, como
parte das comemorações dos 60 anos da empresa promotora. Quando foi criado, Esso e Embratel ainda
estavam ativos. Como visto anteriormente, cada nova premiação deve propor uma perspectiva diferenciada
quanto à identidade profissional esperada. Nesse sentido, conforme o site oficial da premiação
http://www.premiopetrobras.com.br, ele visa a “reconhecer o esforço diário de repórteres, radialistas,
fotógrafos, cinegrafistas, editores e tantos outros profissionais envolvidos nessa busca pela informação.
Contempla assim as grandes reportagens, que refletem as pautas que movimentam o país”. A partir desse
objetivo, e da assertiva de que “a informação tem poder transformador, é propulsora de mudanças”, declara
que ao estimular o jornalismo contribui para o fortalecimento do regime democrático.
Além de ter uma empresa estatal como promotora, o prêmio, assim como os anteriores, conta ainda
com apoio de entidades de classe. Sua concepção inicial de categorias também buscava a diferenciação ao
contemplar separadamente para os mesmos temas - Reportagem Responsabilidade Socioambiental,
Reportagem Esportiva, Reportagem Petróleo, Gás e Energia e Reportagem Cultural, trabalhos regionais e
nacionais. Mas, a exemplo do Prêmio Imprensa Embratel, essa estrutura vem sofrendo alterações a cada
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edição. A categoria Fotojornalismo se manteve por três edições com dupla premiação: uma regional e outra
nacional. Nas duas últimas, optou-se apenas pela premiação nacional. As comissões julgadoras, que também
atuam em duas fases, continuam a ser majoritariamente masculinas.
Ao contemplarmos os vencedores das quatro edições da categoria Fotojornalismo Nacional
identificamos o que parece ser “luz no fim do túnel”: há empate entre homens e mulheres. As vencedoras
foram Mirian Fichtner (2013), com Religião afro-gaúcha: saudação a Iemanjá e Marcia Foletto (2017), com
Chernobyl Brasileira. Em ambos os casos a premiação optou por destacar ensaios fotográficos, cujos temas
não se relacionam à violência urbana, como era a tendência anterior.
Figura 5: Algumas imagens do ensaio de Miriam Fichtner – Prêmio Petrobras de Fotojornalismo (2013)
O ensaio de Fichtner foi publicado na revista Amanhã, encartada em O Globo, e mostra o culto a
Iemanjá e outros rituais de religiões afro-brasileiras no Rio Grande do Sul, onde 1,6% da população se
declara ser adepta dessas religiões. Apesar de parecer pouco, em termos proporcionais, é o estado com maior
número de adeptos. As imagens buscam mostrar as manifestações afro-religiosas dos que cultuam os orixás
(Candomblé), reverenciam os pretos-velhos e caboclos (Umbanda) e homenageiam os exus, pombagiras e
ciganos(Quimbanda).
Figura 6: Algumas imagens do ensaio de Márcia Foletto – Prêmio Petrobras de Fotojornalismo (2017)
Já a premiação de Marcia Foletto chegou através de um ensaio fotográfico realizado em Mariana
(MG) cerca de 20 dias após o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Bento
Rodrigues. Segundo a descrição do projeto disponível no site oficial do Prêmio Petrobras “o local foi
tragado pela tsunami de lama e rejeitos de minério de ferro, no maior desastre ambiental da história do
Brasil”. Assim como o primeiro trabalho, demonstra uma narrativa com forte componente autoral, distante
dos flagrantes e dos modelos tradicionais de cobertura noticiosa diária.
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V. Considerações Finais
Embora os dados numéricos referentes à participação feminina no mercado de trabalho geral, no
Jornalismo e, especialmente no Fotojornalismo sejam desanimadores, algumas ações recentes indicam “luz
no fim do túnel”. Os movimentos Fotógrafas Brasileiras e YVY Mulheres da Imagem comprovaram as
profissionais dedicadas à produção fotográfica não são tão poucas como o que as premiações anteriormente
indicavam. Contudo, sabe-se que há muito a ser feito para diminuir a invisibilidade profissional feminina e
trazer a tona relatos há muito silenciados, num cenário onde o Fotojornalismo continua a ser considerado
uma atividade masculina, e onde o reconhecimento da excelência no registro fotográfico cabe
principalmente aos homens. Não por acaso a convocatória de 2017-2018 do Movimento Fotógrafas
Brasileiras chama-se Transformar os Silêncios e parte da constatação que “nas últimas décadas, é crescente
a tomada de consciência das mulheres e de questionamento à cultura machista. São muitas as que saem às
ruas reivindicando o fim da violência sexista, equidade de gênero e o direito de decidir sobre suas próprias
vidas”.
Outro sinal positivo para as fotojornalistas é que se apenas duas foram vencedoras em 55 edições da
categoria de Fotografia do Prêmio Esso de Jornalismo, foram necessárias apenas 14 edições do Prêmio
Embratel e quatro do Prêmio Petrobras de Jornalismo para alcançar a mesma marca. Se as fotos destacadas
pelos prêmios Esso e Embratel são registros do Brasil violento e, muitas vezes, sem policiamento e o que
expõe os profissionais de imagem ao risco para captar o momento exato da ação, atendendo a máxima de
“estar no lugar certo na hora certa”, isso já não ocorre no Prêmio Petrobras de Jornalismo, que privilegia
narrativas autorais sobre temas relevantes jornalisticamente, mas não diretamente relacionados à cobertura
diária ou aos critérios de noticiabilidade dominantes. Essa mudança de foco numa premiação importante
pode levar luz à discussão sobre a identidade profissional do fotojornalista, na medida em que, como foi
visto, esse conceito não é fixo e precisa ser constantemente negociado no espaço social. Mas é preciso estar
sempre atento, pois a inserção crescente das mulheres no mercado jornalístico brasileiro foi acompanhada de
precarização das condições de trabalho e de diminuição relativa dos salários. E, mesmo no Prêmio
Petrobras de Jornalismo, se forem observadas as três edições da categoria Fotojornalismo Regional, não
houve qualquer mulher entre os vencedores. Espera-se, portanto, que a “luz no fim do túnel”, não seja uma
locomotiva em direção contrária.
VI. Referências
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