Mariotti Baruch Espinosa

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BARUCH DE ESPINOSA

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O CONHECIMENTO DO CONHECIMENTOA filosofia de Baruch de Espinosa e o pensamento complexo

Humberto Mariotti

Espinosa bem sabia que nem todo mundo pode fazer filosofia. (...) Fazer filosofia tem uma causa; no fazer, tambm. Uma das causas da no-filosofia que a regra, em uma sociedade, antes a superstio, a servido e a obedincia, em vez do conhecimento, da liberdade e da compreenso (Andr Scala)

Introduo O propsito deste ensaio mostrar que vrios dos insights que hoje fazem parte de teorias importantes da atualidade j se encontravam, no sculo 17, no pensamento de Espinosa. O pensamento complexo, em especial o concebido por Edgar Morin, uma dessas teorias. No entanto, desde j ressalvo que no pretendo de modo algum reduzir Espinosa ao pensamento complexo nem o contrrio. Busco apenas pontos comuns, os quais, como se ver ao longo do texto, existem e tm importncia, pois Espinosa influenciou em alguns casos profundamente muitos dos que viriam depois dele. No poderia deixar de ser assim, alis, se considerarmos a ousadia, a postura em muitos aspectos radical e o rigor conceitual com que ele desenvolveu suas idias. Por tudo isso, quase certo que quem tem interesse pelo pensamento complexo cedo ou tarde acabe por se interessar tambm por Espinosa.

HistriaA partir de 1492, ano da descoberta da Amrica, os judeus que viviam na Espanha viram-se no seguinte dilema: converter-se ao cristianismo ou ser expulsos do pas, no sem antes de ter seus bens confiscados. Diante dessas circunstncias, a famlia Espinosa emigrou para Portugal, sua terra de origem, imaginando que assim resolveria o problema. Mas sua tranqilidade no durou muito: poucos anos depois, viu-se na mesma situao. Por isso, os Espinosas decidem emigrar de novo. Vo primeiro para Nantes, na Frana, e depois para Amsterd, onde nasce Baruch, em 21 de novembro de 1623. Essa poca ficou conhecida como o Sculo de Ouro da Holanda. Entre outras figuras ilustres, l nasceram o pintor Rembrandt, em 1606 e, um ms antes de Espinosa, Johannes Vermeer, tambm pintor, e Anton van Leeuwenhoek, o inventor do microscpio. Baruch de Espinosa , com toda a justia, considerado um dos grandes da histria da filosofia o filsofo dos filsofos ou, como disse Bertrand Russell, o mais nobre e o mais amvel dos grandes filsofos. Ainda assim, suas idias foram amplamente rejeitadas em sua poca. Mesmo antes de escrever suas obras principais, ele foi excomungado pela comunidade judaica de Amsterd em julho de 1656. Tinha ento 24 anos de idade. Seus livros, quase todos publicados postumamente, foram proibidos e postos no ndex do Vaticano. O filsofo morreu em 1677, aos 44 anos.Importa lembrar que outros e igualmente ilustres contemporneos de Espinosa tambm tiveram seu pensamento execrado e suas obras proibidas. Foi o caso de Galileu, Descartes e Hobbes. Mais de trs sculos depois, quase nada mudou nesse aspecto: Edgar Morin, francs, tambm de origem judaica e com ascendentes latinos, foi recentemente processado por membros da comunidade israelita francesa, sob a acusao (absurda, alis) de ter publicado no jornal parisiense Le Monde um artigo supostamente antijudaico e incitador do terrorismo. Morin foi absolvido, claro. Como o foi tambm Espinosa, este no pela justia formal, mas pelo julgamento da histria, que o consagrou como um admirvel pensador. No sculo 19, por exemplo, Hegel j afirmava que a filosofia moderna comea com ele: Ser um seguidor de Espinosa o comeo de toda filosofia. Na mesma poca, Goethe desempenhou um papel importante no processo de difuso do pensamento espinosano.

FilosofiaEntre os que influenciaram a filosofia de Espinosa, importante destacar Aristteles, os esticos, Descartes e Giordano Bruno, este ltimo cosmlogo e poeta alm de filsofo. E tambm vtima da ortodoxia: em 1600, foi queimado numa das fogueiras da Santa Inquisio. Eis algumas de suas idias: a) a realidade una; b) Deus e a realidade so uma coisa s; c) a mente e a realidade tambm so unas; d) o propsito da filosofia perceber a unidade que existe na diversidade e buscar a sntese dos opostos.1 Espinosa um filsofo racional e revolucionrio. Seu pensamento imanentista. A seu ver, possvel compreender a totalidade do real por meio da razo. Para ele, a compreenso do todo no um simples exerccio intelectual: um exerccio de liberdade. Seu ponto de partida ousado: se Deus onipresente, no h como imagin-lo fora do mundo. O divino faz parte de tudo o que existe no mundo natural. No , pois, transcendente, mas sim imanente. Na verdade, Ele a prpria Natureza, o conjunto de todos os seres, vivos ou no, o que evidentemente inclui os humanos, suas mentes e seus corpos. Da a conhecida expresso espinosana: Deus sive Natura (Deus, isto , a Natureza). Trata-se, assim, de um pensamento monista e naturalista. Deus ou a Natureza uma substncia nica que tem atributos (qualidades essenciais, infinitas, que constituem o seu ser) dos quais ns, humanos, conhecemos dois: a extenso (que a essncia da concretude, da materialidade) e o pensamento (que a essncia da compreensibilidade, da inteligibilidade). Os atributos se manifestam por dois modos ou maneiras finitas de expresso. Em termos de ser humano, o atributo extenso se expressa por meio do corpo. Dizemos ento que nosso corpo um modo finito do atributo extenso da substncia nica (ou Deus, ou a Natureza). J nossa mente (alma) um modo finito do atributo pensamento dessa mesma substncia. Para tornar mais claro o conceito de modos, alguns comentadores costumam compar-los espuma que coroa as ondas quando o mar est agitado. A espuma efmera, finita: quando as guas se acalmam ela desaparece, porque volta a fazer parte do todo perene que massa ocenica. A substncia nica e seus atributos compem o que Espinosa chama de Natureza naturante. Os modos finitos e temporais constituem a Natureza naturada. Se examinarmos o conjunto da obra espinosana, veremos que a identidade Deus/Natureza/substncia nica particularmente ntida na tica. Dessa maneira, esto dadas as condies para que o homem alcance a liberdade por meio do conhecimento. No necessria a existncia de uma divindade transcendente como a dos monotesmos dualistas, para os quais Deus est fora do mundo que criou. A expresso Deus sive Natura inclui a idia de que Deus a causa de si mesmo, a causa imanente de tudo o que existe. Na filosofia espinosana, Deus a causa imanente eficiente, isto , a causa que produz seus efeitos mas no se separa deles. Os efeitos fazem parte das causas e vice-versa. As causas se manifestam em seus efeitos e estes se manifestam nelas. A ao de Deus uma manifestao necessria de sua essncia, sustenta o filsofo. Desse modo, Ele um ser que se causa a si mesmo, que se autoproduz. Se o efeito no separado da causa, no cabe a questo de quem criou o que. Aqui est, seguramente, o que trs sculos depois viria a ser chamado de autoproduo. Se o homem um modo de expresso divina e se Deus a Natureza, estamos diante de uma filosofia que nega a existncia de um Deus moral, criador e transcendente. Em conseqncia, tudo o que existe no mundo natural pode ser compreendido pela razo humana. Nada misterioso, hermtico ou oculto. Nada to incompreensvel que precise ser revelado. Tudo aquilo que escondido, reservado e envolto em enigmas e obscuridades, acaba servindo como um instrumento por meio do qual quem tem acesso a esses saberes pode exercer poder sobre quem no o tem. Cria-se assim uma casta de privilegiados, iniciados ou iluminados, a quem cabe intermediar o contato entre o homem comum e os poderes transcendentes.Os modos de expresso divina esto presentes no mundo natural. Eles se causam mutuamente. Como diz Deleuze2, a substncia nica se explica em seus atributos e estes a explicam. Dessa maneira, a relao entre as causas e os efeitos circular e no linear, e por isso o poder no est concentrado ou centralizado: difuso. Quanto mais intensas as interaes e os entendimentos entre as pessoas e destas com o mundo natural , mais livres elas se tornaro de poderes supostamente superiores, transcendentes, e de verdades a elas externas, muitas das quais incompreensveis para os homens ditos comuns, aqueles sobre os quais se exerce o poder e dos quais se exige obedincia.A heresia espinosana consistiu em afirmar que os humanos podem, por meio da razo, conhecer a realidade em seu todo. Com isso, podem alcanar a liberdade e construir um mundo melhor, livre de deuses autoritrios e legiferantes. Desse modo, possvel inferir que quanto mais intensos forem os entendimentos entre as pessoas, mais independentes as comunidades humanas se tornaro de diretivas vindas de cima ou de fora. Em termos de cultura organizacional (o modo como as coisas so feitas nos grupos, organizaes e instituies), pode-se dizer que quanto maior a horizontalidade (os entendimentos entre as pessoas sobre as quais so exercidos o poder e a autoridade) menor a verticalidade (o poder autoritrio, exercido de cima para baixo).Ao questionar os autoritarismos, Espinosa ps em xeque vrias das condies a eles costumeiramente associadas: regulamentos rgidos, rtulos, posturas dogmticas, questes fechadas, intolerncia, formalismos, ortodoxias. Acrescento que todo autoritarismo se nutre do raciocnio binrio a lgica do ou/ou, que vista pela chamada sabedoria convencional como a nica maneira aceitvel de pensar e determinar posturas e aes. Espinosa questiona os monotesmos dualistas, claramente baseados na lgica binria e dificilmente viveis sem ela, e, por extenso, seus excessos, entre os quais os fanatismos que se baseiam nessa mesma lgica. Pode-se dizer que se o Deus da teologia e da metafsica tradicionais est fora do mundo, essa condio precisa da lgica binria para ser compreendida: ou Deus ou o mundo. Trata-se de plos mutuamente excludentes. Para Espinosa, porm, essa dualidade no existe. Por isso, sua idia de Deus no pode ser entendida com facilidade pelo pensamento linear, segundo o qual a questo no como se cr, mas crer ou no crer.Ao contestar a crena num Deus controlador e transcendente, o filsofo descarta tambm o tradicional sistema de punies e recompensas a ela associado. Com tais negaes, ficam abaladas as bases da moral tradicional. De acordo com Espinosa, a filosofia o saber natural e racional dos homens livres. J a teologia se baseia em verdades acessveis s a poucos. No difcil, ento, compreender por que o filsofo foi to execrado em sua poca e at cerca de cem anos depois. Ele simplesmente props s pessoas que elas fizessem aquilo que mais temem: pensar, usar a razo para libertar-se de tutelas, doutrinas ou instituies. No ter medo da liberdade, enfim. Ao longo da histria, a filosofia espinosana tem merecido toda sorte de interpretaes, algumas delas contraditrias. Os comentadores costumam assinalar que o romantismo do sculo 19, por exemplo, o via como um espiritualista e no como um determinista, como queriam os iluministas do sculo 18. De seu lado, o idealismo alemo o considerava ateu, fatalista e materialista. Ao que tudo indica, essa definio de atesmo, a exemplo de outras, est ligada crena num Deus transcendente ao qual devemos no apenas amar, mas tambm temer e, sobretudo, obedecer. Nesse sentido, a expresso corriqueira temente a Deus bem sugestiva. Como muitos dos sistemas racionais de idias, a filosofia espinosana no oferece conforto ou consolao, mas sim vias para o autoconhecimento e a autodeterminao. Por isso, nem sempre facilmente aproprivel pelas correntes que hoje usam a filosofia como instrumento psicoteraputico. Na rea poltica, entretanto, a situao bem diversa: ela tem sido considerada um convite e um estmulo liberdade, em especial por aqueles que se dispem a pensar com suas prprias cabeas.

A superstio, o medo e a esperana Em seu Tratado teolgico-poltico, Espinosa prope a separao entre o Estado e a Igreja, a filosofia e o conhecimento revelado, a poltica e a religio. Mostra-se contra qualquer espcie de superstio, seja ela filosfica, poltica ou religiosa e os aspectos msticos da Cabala judaica no esto excludos desse rol. Nessa mesma obra, ele afirma que o medo gera e mantm a superstio, e que no existe nada mais eficaz do que ela para governar as massas. Da a preocupao que as instituies religiosas tm de cercar-se de ritos, cerimnias e aparatos, cuja finalidade manter os mistrios e os segredos fora do alcance de seus fiis. Com efeito, ponto pacfico que a superstio, sob todas as suas formas, tem sido e amplamente utilizada para conquistar e exercer o poder. Os que a usam para tais fins o fazem basicamente por meio do jogo entre o medo e a esperana: em doses cuidadosamente calculadas, atenuam o primeiro e realam a segunda. Nos tempos atuais, o marketing poltico-eleitoral e a manipulao das populaes por meio das mdias so instrumentos para alcanar esses objetivos. O slogan a esperana venceu o medo, por exemplo, foi muito usado por polticos no Brasil em tempos recentes. Com eficcia mas no com veracidade, como alis prprio dos ilusionismos. bvio que quanto mais ignorncia mais superstio e mais medo e, assim, mais pessoas manipulveis e obedientes. Essa concluso vale com as peculiaridades inerentes a cada caso para a filosofia, a poltica e a religio. Os poderes mgicos e saberes ocultos e o medo e a esperana que eles suscitam se baseiam num ponto central: a reserva de saber, que gera a reserva de poder. A primeira assume formas to variadas quanto bem conhecidas: os segredos, os arcanos, os mistrios, os esoterismos, os cdigos e os enigmas dos quais s uns poucos tm a chave. Tudo isso produz e mantm o medo que muitas vezes se apresenta disfarado em fervor, respeito e admirao , mas conserva tambm a esperana de que um dia ele desaparea. O objetivo dessa manipulao no fazer com que o medo tenha fim, mas sim atenu-lo, o que se consegue de muitos modos, em especial mediante promessas s moderadamente cumpridas. Pois se o fossem em excesso, o medo tambm diminuiria demais e a esperana teria um crescimento exagerado, o que comprometeria a eficcia da receita de poder.A superstio e o poder por ela produzido pressupem que todas as pessoas envolvidas no processo, estejam em que lado estiverem, sejam condicionadas pelas dicotomias do raciocnio binrio: dominadores e dominados; lderes e seguidores; sacerdotes e leigos; especialistas e no-especialistas; candidatos e eleitores; e assim por diante. Aqui, a essncia do poder se manifesta pelo clientelismo em suas mltiplas formas. Convm destacar, uma vez mais, que sem a prevalncia da lgica do ou/ou o jogo medo/esperana dificilmente poderia ser utilizado para produzir dominao. Em conseqncia, seria bem mais difcil construir e manter autoritarismos e despotismos. Eis por que para Espinosa a crena em deuses autoritrios e transcendentes est entre as supersties que necessrio denunciar.Ainda no Tratado teolgico-poltico, o filsofo examina as diferenas entre a lei de Moiss e a lei de Cristo.3 A lei mosaica prev a retaliao: olho por olho, dente por dente, posio alis tpica da lgica binria. A lei crist prev a polaridade oposta: a aceitao, a resignao. Em termos polticos, a lei mosaica se manifesta geralmente em Estados fortes e poderosos, e a lei crist tende a produzir Estados fracos e oprimidos. Com base nas idias de Max Weber, expostas em sua obra A tica protestante e o esprito do capitalismo4, h quem associe com o catolicismo a fraqueza do Estado nos pases subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento; valha o eufemismo), em especial na Amrica Latina. Alm disso, Espinosa observa que a relao de Moiss com Deus foi externa: o profeta ouviu a palavra divina. J Cristo teve com a divindade uma relao interna, in pectore. Por isso, o filsofo sustenta que a verdade do cristianismo est no Evangelho de So Joo, que diz que o homem est e em Deus: encarnao no significa que Deus veio para viver entre os homens, mas sim neles.5 Porm, ao adotar a interpretao de que Deus quando encarnado esteve entre os homens, a Igreja reafirma a transcendncia divina e define a humanidade como um imenso grupo sujeitado.

O conhecimento e o mtodoComo vimos, Espinosa diz que Deus a causa de si mesmo causa sui e de tudo o que existe, e que essa condio pode ser conhecida pela razo humana. No Tratado da correo do intelecto6, ele afirma que a razo e a imaginao devem ser separadas e que a razo pode conhecer a totalidade do mundo real, desde que para tanto siga um mtodo adequado. No entanto, a razo espinosana no exclui o que ele chama de paixes positivas a alegria e o amor. Ao contrrio, ela uma via para chegar a essas paixes e viv-las. A idia de que as emoes podem e devem ser controladas por emoes mais fortes e orientadas pela razo um dos pontos centrais do pensamento do filsofo. Espinosa distingue trs espcies de conhecimento. A primeira o conhecimento sensvel, que se caracteriza pela subjetividade e pela imaginao. No um conhecimento adequado, porque v tudo em termos de absolutos que esto sempre em antagonismo e produz idias imprecisas, opinies. O conhecimento sensvel gera paixes que escravizam as pessoas a tudo o que externo. prprio dos indivduos passivos. O conhecimento racional v as coisas de modo abrangente. Com isso, elas passam a ser entendidas sem levar em conta as dimenses em que usualmente dividimos o tempo: passado, presente e futuro. Pois para Espinosa o tempo irreal: como est logo no incio da tica, o que se costuma chamar de eternidade no uma temporalidade interminvel, mas sim a ausncia de tempo. Tendo compreendido isso, o homem racional pode ver o mundo como Deus o v: sub specie aeternitatis, isto , em termos de eternidade no sentido espinosano da palavra. O conhecimento racional corresponde ao proporcionado pela cincia. Por meio dele, o homem se pe num estado contemplativo da ordem do Universo. O conhecimento intuitivo, ou intuio intelectual, o mais importante dos trs. Por meio dele, chegamos s idias adequadas e alcanamos a condio de indivduos ativos, que conhecem as idias, suas causas e efeitos e suas ligaes (Espinosa sustenta que uma idia isolada nada significa: preciso conhecer tambm os modos pelos quais ela se liga a outras idias). Esse conhecimento permite, enfim, que descubramos a origem das essncias infinitas, o que se consegue mediante a compreenso da ordem necessria e imutvel da substncia nica. o que o filsofo chama de amor intelectual a Deus a alegria que resulta de conhecer as coisas pelas causas.Embora inacabado, o Tratado um texto importante, pois prepara o caminho para a tica, que a obra maior do filsofo. A idia bsica do mtodo espinosano consiste em examinar o pensamento no apenas depois de estruturado, mas investigar o processo de sua formao. Ele procura formas de melhorar e esclarecer o intelecto: preciso descobrir como o conhecimento produzido, descobrir a gnese do que se quer conhecer, conhecer pelas causas. A verdade no est fora do processo do conhecimento, faz parte dele. No importa tanto o que uma pessoa disse a outra, isto , a concluso o resultado, o efeito a que ela chegou. Importa, isso sim, saber como ela chegou a essa concluso, a esse conhecimento: descobrir o caminho, o processo, o passo-a-passo de seu pensamento. O mtodo espinosano reflexivo: prope que lidemos com a idia da idia. A correo do intelecto se faz basicamente pelo auto-exame, como hoje diz Morin.7 Por meio dele, o pensamento retrocede sobre si mesmo e se auto-investiga. Trata-se de pensar o pensamento: ele deve se auto-examinar para descobrir como alcana o conhecimento. , sem dvida, aquilo que Morin denomina de conhecimento do conhecimento, expresso que alis d ttulo a este ensaio. O propsito examinar o pensamento e o conhecimento, descobrir seus processos, sua mecnica e sua complexidade com o fim de melhor-los. Construmos o mundo em que vivemos por meio de nossa interao com ele. Essa noo, hoje assente em algumas escolas importantes de cincia cognitiva, j estava presente nos textos espinosanos: A idia o prprio ato de conhecer.8 Trs sculos depois, o poeta espanhol Antonio Machado escreveria em seu livro Provrbios y cantares: O caminho se faz ao andar. Mais ainda: o filsofo abre o Tratado da correo do intelecto dizendo que a experincia lhe ensinou que tudo o que acontecia no cotidiano era vo e ftil; que todas as coisas que ele temia no eram nem boas nem ms em si, a mente que as construa, ora de uma forma, ora da outra.9 O empenho de Espinosa na reforma do intelecto exprime uma tendncia proeminente em sua poca. A partir de ento, pouco se falou sobre esse assunto. Nos ltimos tempos, porm, autores como Morin falam em reformar o sistema de pensamento atualmente hegemnico o modelo linear-cartesiano, que freqentemente chamo tambm de raciocnio binrio ou lgica do ou/ou. As propostas atuais para tal reforma podem parecer diferentes da espinosana, mas em essncia no o so. Por isso, importa reconhecer no pensamento complexo da escola moriniana as mesmas orientaes bsicas da filosofia de Espinosa: a imanncia e o dilogo incessante entre pensamento e sentimento, objetividade e subjetividade, a razo e as paixes. Embora a mais de trs sculos de distncia, o objetivo do pensamento complexo revela ressonncias espinosanas: corrigir o intelecto, para que isso nos leve a mudar nosso modo de ver a ns mesmos, os outros e o mundo. Isto : conhecer a totalidade sem perder de vista as partes que a integram nem deixar de perceber o modo como elas interagem. O mtodo de Morin visa a examinar o intelecto com o propsito de corrigi-lo, de torn-lo mais abrangente sem perder de vista os detalhes, torn-lo mais amplo sem perda da profundidade. No por acaso, so esses tambm os pontos fundamentais do Tratado da reforma do intelecto, de Espinosa: - Para o ser humano, no existem verdades a no ser as criadas por seu intelecto.- As verdades assim construdas no precisam de validao transcendente, pois fazem parte do prprio processo dessa construo.- O objetivo do conhecimento correto fazer com que o homem saiba que parte de uma totalidade, e que por isso sua mente est unida Natureza. Porm, para entender essa ligao e viv-la, ele precisa agir na condio de parte e usar os recursos que essa condio lhe proporciona. (Nos dias atuais, diramos: pensar global e agir local). - Conhecer e respeitar a Natureza esto entre as atitudes que resultam da reforma do intelecto. Do mesmo modo que hoje examinamos as duas formas bsicas de pensar o modelo linear-cartesiano e o pensamento sistmico , o Tratado investiga os tipos de conhecimento h pouco descritos. No o faz, porm, com o intuito de excluir esse ou aquele, mas sim para identificar e aperfeioar o mais adequado. De acordo com Espinosa, quando a razo se fecha em si mesma ela se auto-aprisiona num universo abstrato, do qual s pode se libertar por meio do conhecimento da totalidade. A razo possibilita que intuamos a totalidade. Esta, por sua vez, retroage sobre a razo e permite que ela a compreenda melhor e que entenda tambm o papel de outros modos de conhecimento, como a opinio e a imaginao. Em suma, os modos de conhecimento devem ser conhecidos por um modo mais adequado do que eles: a intuio intelectual.

A mente, a natureza e corpoNo Tratado teolgico-poltico, Espinosa diz que o bem maior o conhecimento da unio da mente com a Natureza. Se a mente (alma, esprito, mens) no separada da Natureza, o homem tambm no o . O imanentismo espinosano influenciou pensadores como Marx, Nietzsche, Freud e Erich Fromm, e cientistas como Francisco Varela, Gregory Bateson e Antnio Damsio. Bateson tirou dessa influncia no s a inspirao para vrias de suas posies tericas, como o ttulo de um de seus livros mais conhecidos: Mente e natureza: uma unidade necessria.10 Certa vez, perguntado se acreditava em Deus, Albert Einstein respondeu: Acredito no Deus de Espinosa.A mente, assegura o filsofo, est unida Natureza. No entanto, como ela quase sempre est distrada, no se d conta disso. Ao buscar o entendimento dessa unio, damos os passos corretos para sair da alienao. Portanto, a compreenso da ligao mente-natureza promove o autoconhecimento e a autonomia das pessoas. Ou, como escreveu Bertrand Russell comentando a obra de Espinosa, as paixes nos tornam distrados. Por isso, dificultam nossa viso racional da totalidade, isto , a descoberta do que existe em ns que nos liga ao todo, e daquilo que nos afasta dele e mantm a aparncia de separao.11 Descartes deixou duas questes sem soluo filosfica: a) a relao entre Deus e o mundo; b) a relao entre o corpo e a alma. Espinosa no conseguiu solucionar totalmente o segundo problema, mas resolveu o primeiro com o conceito de substncia nica. O conceito de substncia j existia em Aristteles. Descartes retomou-o e concebeu a dualidade da substncias (res cogitans, a coisa pensante, e res extensa, a coisa extensa). Espinosa estabeleceu a unificao radical das duas substncias cartesianas. A alma o modo pensamento da substncia nica. O corpo o modo extenso dessa mesma substncia. Na tica, o filsofo diz que a mente a idia do corpo. Tudo o que existe ao mesmo tempo corpo e idia ou, como se diz em termos de pensamento complexo, opostos ao mesmo tempo antagnicos e complementares. A alma e o corpo so manifestaes (ou atributos paralelos) da mesma substncia, isto , Espinosa v a relao entre corpo e mente como um paralelismo psicofsico. Essa idia certamente influenciou Varela, que: a) definiu a mente como o crebro em funcionamento; b) cunhou o seguinte raciocnio: a mente faz parte do crebro; o crebro faz parte do corpo; o corpo faz parte do mundo; logo, a mente faz parte do mundo (isto , da Natureza). Assim diz Espinosa , tudo o que ocorre no pensamento tem seu equivalente na extenso e vice-versa. Eis o que Morin chama de dualidade na unidade a unidualidade. Aristteles, grande inspirador de Espinosa, dizia que o ente uno e mltiplo ao mesmo tempo. a teoria da analogia: passagem de um modo de ser a outro; do uno ao mltiplo e vice-versa, numa dinmica circular. Eis o que Morin chama de unitas multiplex, a unidade na multiplicidade. Se pensarmos assim, as coisas vo pouco a pouco se tornando mais claras, o que no acontece quando se pensa em termos de ou isso ou aquilo.De acordo com Espinosa, o corpo uma mquina complexa, que opera por meio de estados de movimento e repouso (ou de velocidades e lentides, como prefere dizer Deleuze). composto de partculas menores, que funcionam da mesma maneira. Por isso, o organismo no pode ser visto como um simples conjunto de rgos. Seu equilbrio interno alcanado por meio de mudanas constantes, que interagem e se harmonizam com modificaes tambm incessantes do ambiente. Em outros termos, o que acontece no corpo repercute no ambiente (onde esto, claro, outros corpos) e vice-versa.12 No sculo 19, o fisiologista francs Claude Bernard escreveu que as condies da vida no esto nem no organismo nem no meio exterior, mas nos dois ao mesmo tempo. Esse lado espinosano antecipador da biologia tem sido notado por vrios comentadores. Como acabamos de ver, o filsofo encara o corpo como um sistema composto de sub-sistemas e situado dentro de um sistema maior. Ao se expressar dessa maneira, ele antecipa tambm a etologia o estudo do comportamento dos animais e do modo como eles se adaptam ao ambiente. No entender de Deleuze13, a etologia se aplica tambm aos seres humanos, pois nenhum ser vivo pode ser compreendido sem que se levem em considerao suas relaes com o ambiente. Nesse sentido, para esse filsofo francs a tica no uma moral, mas sim uma etologia. Chamo a ateno para o fato de que tudo isso muito semelhante quilo que hoje se denomina de acoplamento estrutural.

A autoproduoO corpo se regenera constantemente, isto , produz seus prprios elementos constitutivos (autoproduz-se) mediante suas relaes com o ambiente. Como assinala Marilena Chau, Espinosa sustenta que o corpo uma individualidade dinmica e intercorprea.14 Hoje, essa uma das idias bsicas do pensamento complexo.Num livro sobre o assunto,15 tambm falo do conceito de intercorporeidade. No existimos sozinhos: estamos em interao constante com os outros e com o mundo, isto , inter-existimos. Na condio de seres vivos, somos modos finitos da substncia nica espinosana. Quando pensamos na finitude como um fato da vida, e no apenas como o fim de tudo, percebemos que somos vulnerveis e frgeis e o mundo tambm o . Eis o que chamo de interfragilidade. um conceito nitidamente influenciado por Espinosa.Como j foi dito, Deus isto , a Natureza a causa de si prprio, produz a si mesmo. autoprodutor. Portanto, lcito dizer que a realidade se autoproduz. Nessa linha de raciocnio, produtor e produto se identificam. Como diz Morin, revelando com isso seu lado espinosista, o produtor produz o produto, que por sua vez o produz. Na linguagem cotidiana, quando falamos em circularidade dizemos que os efeitos retroagem sobre as causas e as realimentam. Se Deus ou a Natureza a causa de si mesmo e de tudo o que existe, no h criao e sim autoproduo. Os efeitos no so finalidades, objetivos ou possibilidades das causas, no so o que vem depois: fazem parte delas. Na terminologia do pensamento complexo, dizemos que causa e efeito esto numa relao de circularidade. Se usarmos a expresso pensamento integrador como sinnimo de pensamento complexo, diremos que as causas e os efeitos esto integrados.A idia espinosana de autoproduo reapareceu no fim do sculo 18 num texto de Kant Crtica da faculdade do juzo , no qual o filsofo alemo diz que os organismos vivos so totalidades autoprodutoras: cada parte deles existe por meio de sua relao com as demais e assim composto o todo, o qual por sua vez existe em funo das partes e por meio destas. A relao todo-partes circular, recursiva: Quando um rgo produz as outras partes (por conseqncia cada uma produzindo reciprocamente as outras), no pode ser instrumento da arte, mas somente da natureza, a qual fornece toda a matria aos instrumentos (mesmo aos da arte). O ser vivo, afirma Kant, um todo organizado que se organiza a si mesmo.16, 17 Contudo, mesmo antes de Kant e Espinosa j existia a idia de autoproduo divina, esboada em Aristteles e sugerida nos esticos e em Sneca. Mas nenhum deles falou explicitamente em causa de si (causa sui). Somente Plotino, expoente do neoplatonismo (perodo que alis encerrou a filosofia grega antiga), falaria em autocausalidade no sentido de autoproduo.18 Para esse pensador, o Princpio a causa de si mesmo, o seu prprio ato: Nele, a poisis pura energia.19No cotidiano, observamos que os efeitos ou produtos podem ser (e freqentemente so) exteriormente diversos das causas ou produtores. Mas as diferenas se limitam aos modos: em termos de atributos, da essncia dos efeitos fazer parte das causas, pois sua substncia fundamental nica. o que assegura Chau: Separar o produtor do produto aceitar a incompreensibilidade divina, o mistrio da criao e o mistrio da Natureza. ser vtima da superstio.20 Dessa forma, conhecer algo sempre por meio de seus efeitos seria admitir que estes so separados das causas. Seria pensar em termos de causalidade linear e, assim, negar a complexidade do mundo natural. Conhecer, afirma Espinosa, conhecer pelas causas. Conhecer pelas causas compreender a autoproduo. Deus a Natureza no acausal, como queria Descartes: Ele(a) a causa de si mesmo(a), o que equivale a dizer que a natureza autoprodutora. Eis uma das teses essenciais do pensamento complexo.

Apetites, desejos e paixesEspinosa faz uma distino perspicaz entre apetites e desejos. Os apetites so pulses originalmente corporais, como a fome, a sede e as relacionadas sexualidade. Os desejos correspondem conscincia dos apetites so os apetites percebidos no plano consciente. A difererena que Espinosa estabelece entre apetites e desejos semelhante que o neurocientista Antnio Damsio faz, respectivamente, entre emoes e sentimentos.21 Para Espinosa, o desejo a essncia do ser humano. No desejamos as coisas porque as consideramos boas: ao contrrio, ns as consideramos boas porque as desejamos.22 A idia espinosana de desejo mais tarde encontraria ressonncia no que Schopenhauer, no sculo 19, chamaria de vontade de viver, e Nietzsche, no mesmo sculo, denominaria de vontade de poder. O desejo, portanto, a conscincia dos apetites do corpo. Quando estamos alienados, os apetites so levados a extremos. Eles tm a ver com o que o filsofo, no livro III, proposies VI,VII e VII da tica, apresenta e demonstra com o nome de conatus o esforo que cada coisa faz para continuar a existir, seja em termos de extenso, seja em termos de pensamento. Esse esforo corresponde prpria essncia das coisas e no envolve nenhum tempo finito, mas um tempo indefinido. A alegria (laetitia), a felicidade e o amor aumentam nossa potncia para agir; a tristeza (tristitia) e o dio fazem o contrrio. A relao entre a tristeza e a falta de energia para desejar e agir hoje um critrio importante para o diagnstico dos estados depressivos, embora estes no devam ser reduzidos tristeza. Com efeito, eis uma das definies psiquitricas clssicas da depresso: a diminuio ou perda das apetncias. O conatus inclui o nosso esforo para aumentar a potncia de agir, a fora de existir. aquilo que nos impele a buscar as paixes alegres e evitar as paixes tristes, como o apego s aparncias e superficialidade, os maniquesmos, a autodepreciao e o sentimento de culpa. Voltarei a falar sobre ele nas consideraes finais.As paixes so naturais e Espinosa no as rechaa: s condena as que fazem com que caiamos sob a influncia e o poder de foras externas. Como sair da paixo exacerbada e entrar na ao? Isto , como controlar as paixes e entrar em contato com sentimentos, pensamentos e atitudes sobre os quais podemos atuar, seja como autores seja como agentes? Ainda na tica, o filsofo responde: Uma afeco [mudana, transformao], que uma paixo, deixa de ser paixo no momento em que dela formamos uma idia clara e distinta.23 Essa posio espinosana, somada a outras semelhantes (ele estudou tambm o que hoje chamamos de atos falhos, como o lapsus linguae e outros), fizeram com que muitos vissem nele um dos precursores da psicanlise.

A natureza humana Ao comentar obras polticas de pensadores de destaque, Espinosa observa que seus autores muitas vezes tendem a se referir a seres humanos fictcios. Seguindo a binariedade tradicional, os homens so apresentados como puros e angelicais ou como impuros, demonacos e perversos. J o filsofo se refere aos homens como eles so na realidade: duros, frios, voltados para o auto-interesse mas tambm altrustas, generosos e compassivos. Somos ao mesmo tempo razo e emoo, raciocnio e paixo. Essas condies contraditrias coexistem dentro de ns como opostos ao mesmo tempo antagnicos e complementares. Esse aspecto do pensamento espinosano foi retomado por Edgar Morin, que desenvolveu o conceito de que o homem real no um Homo sapiens sapiens, mas sim um Homo sapiens demens.24 Na concepo de Espinosa, s atingimos a potncia para agir mediante um esforo racional. por meio da razo que as idias se tornam claras e nos tornamos capazes de compreender nossas paixes, e, em conseqncia, podemos buscar a alegria e evitar as paixes tristes. nesse sentido que os comentadores dizem que a tica uma teoria da potncia, que se ope lei moral, que uma teoria do dever.Liberdade no significa livrar-se de todo das paixes o que seria impossvel , mas aceitar apenas as paixes positivas, alegres, convenientes, e no ceder diante das paixes tristes. Nessa ordem de idias, o filsofo afirma que se a natureza humana no permite que nos livremos totalmente das paixes, possibilita, no entanto, que as paixes mais fortes (as positivas) superem as mais fracas (as tristes ou negativas). O que determina a fora ou a fraqueza de uma paixo sua realidade ou irrealidade, sua presena ou ausncia em termos de espao e tempo e sua necessidade ou contingncia. Para a Natureza, no h nada possvel ou contingente: tudo o que existe, existe porque necessrio: O necessrio a nica modalidade daquilo que .25

A liberdade e a felicidadeNo Tratado teolgico-filosfico, o filsofo examina a irracionalidade do povo, o fato de ele parecer se orgulhar de seu estado de servido e, paradoxalmente, lutar para manter-se nele e no em liberdade. As pessoas invocam um Deus transcendente, criador e moral como autoridade porque sua propenso para a obedincia as leva a tanto.Para Espinosa, permanecer passivo diante das paixes um estado de servido. Em termos literrios, essa condio extremamente bem apresentada pelo escritor ingls Somerset Maugham em Servido humana, romance que a sua obra-prima. No enredo, o personagem principal, Philip, se apaixona de tal modo por uma mulher, Mildred, que acaba perdendo a liberdade.J sabemos que Espinosa no ope binariamente razo e paixo, bem e mal, egosmo e altrusmo e outras condies. V os seres humanos como eles so: passionais e racionais, bondosos e perversos. Se a razo e a emoo esto sempre em confronto em nossa natureza, isso no entanto no nos deve servir de pretexto para renunciar racionalidade. O grande remdio contra as paixes consiste em compreend-las e perceber suas relaes com causas externas Vimos que, no entender do filsofo, Deus a Natureza atua de acordo com a necessidade inerente sua essncia. Isso quer dizer que Ele livre, pois age segundo essa necessidade. Assim, necessidade e liberdade no se opem, complementam-se. Do mesmo modo, o homem livre aquele que tem capacidade para agir segundo as necessidades da sua essncia, e no premido por diretivas externas. Nunca somos livres em virtude da nossa vontade, mas em virtude da nossa essncia e daquilo que dela decorre.26 O homem livre quando tem potncia para agir, e isso acontece quando ele encontra as idias e as paixes adequadas sua essncia. A liberdade est ligada ao conhecimento, pois este amplia nossa potncia para agir. Liberdade de conhecimento implica liberdade de pensamento. J a felicidade, escreve Espinosa, no o prmio da virtude, mas a prpria virtude; e no gozamos dela por refrear as paixes, mas, ao contrrio, gozamos dela por poder refrear as paixes.27 Para ele, o Bem e o Mal no existem como categorias absolutas. O que h o bom e o mau, tal como os experienciamos. O bom e o mau so dois modos de existir, modos qualitativos e subjetivos. No so polarizados: entre eles h nuanas, gradaes. Aquilo que experienciado por um dado indivduo como bom pode ser menos bom para outro, muito menos bom para um terceiro e assim sucessivamente, at que se chega ao que experienciado como mau. E vice-versa.O indivduo livre (razovel, forte) aquele que tem potncia para agir e escolher os encontros que lhe convm os bons encontros. O indivduo fraco (servil) o que busca a escravido, que no tem suficiente fora de existir para escolher os bons encontros e por isso os vivencia de maneira aleatria. Nesse caso, ao contrrio do indivduo livre, ele ter mais maus encontros do que bons e, em conseqncia, tender a ser queixoso e a atribuir a culpa de seus infortnios a fatores externos. Com isso, sua potncia para agir diminuir at chegar ao virtual desaparecimento. Nos dois ltimos livros da tica, Espinosa sustenta que: a) se aquilo que nos acontece determinado a partir de fora, somos escravos, estamos em servido; b) se o que nos ocorre vem de nossa autodeterminao, somos livres. Em termos atuais, diramos que no primeiro caso ele fala de grupos sujeitados. No segundo, de grupos-sujeito. Nessa linha de raciocnio, conclui que a essncia das sociedades humanas a obedincia. Esta, por sua vez, se liga s noes de culpabilidade e polaridade Bem/Mal. Podemos dizer, ento, que a obedincia tem muito a ver com nosso condicionamento pela lgica linear/binria. Sem ele, seria muito mais difcil construir e manter comunidades humanas em termos de mando-obedincia.

A lei tica e a lei moral Chau assegura que a filosofia da Espinosa se liberta de duas tradies: a) a da transcendncia teolgico-religiosa, baseada na idia de pecado e culpa originais; b) a das imposies morais vindas de fora, que se baseiam em valores que no foram criados por aqueles a quem so impostos. Essas so as principais condies para a imposio da lei moral, que o filsofo contesta na tica. Bertrand Russell28 pondera que a metafsica espinosana questionvel em vrios de seus aspectos, em especial porque alguns deles se chocam com a lgica moderna e o mtodo cientfico. No entanto, convm levar em conta que muita coisa mudou nessas duas reas, desde a poca (1946) em que esse filsofo publicou esses comentrios. Por outro lado, ele ressalva que tais restries no se aplicam s posies ticas de Espinosa, que reputa da maior importncia. A tica se compe de cinco partes ou livros: I. De Deus; II. Da Natureza e da origem da alma; III. Da origem e da natureza das afeces; IV. Da servido humana ou das foras das afeces; V. Da potncia, da inteligncia ou da liberdade humana. Como consta do ttulo por extenso, a obra demonstrada maneira dos gemetras. Cada livro ou parte consiste de proposies, seguidas de demonstraes (s vezes de corolrios) e, por fim, de esclios (comentrios, interpretaes). Como sugesto de leitura, Russell nota que os contedos mais importantes no esto nas demonstraes, mas sim nas proposies e nos esclios. J Deleuze diz que o contedo dos esclios muitas vezes esconde aquilo que o filsofo no quis deixar claro, ou preferiu no dizer nas proposies e nas demonstraes. Haveria, assim, a tica das proposies e a tica dos esclios.Espinosa assegura que a lei moral se refere a valores transcendentes, vindos de cima. Nela vigora a binariedade Bem/Mal, mandamentos/obedincia. Ao comentar o apndice do Livro I da tica, Deleuze observa que a vida est envenenada pelas categorias de Bem e Mal, o que uma forma de dizer que estamos condicionados pela lgica do ou/ou. Se na lei moral prevalece o raciocnio binrio, na tica a proposta , como vimos, perceber a diferena qualitativa dos modos de existncia: o bom e o mau.29 No primeiro caso, fala-se em divises e afastamentos. No segundo, de relaes, conexes. justamente a no-compreenso e a no-valorizao das relaes que leva as pessoas aos moralismos, os quais se nutrem do raciocnio ou/ou. Espinosa d tica um carter relacional, no redutor, no-binrio. No se expressa em termos de pode/no-pode, deve/no-deve. A esse respeito, Deleuze30 nota que a lei moral impe um dever, cujo nico resultado a obedincia. Com ela pouco ou nada se aprende. Obedecer passa a ser confundido com conhecer: tomar conhecimento de um mandamento e obedec-lo confundido com aprender, adquirir conhecimento. Para Espinosa, h trs espcies de homem: a) o das paixes tristes, ou emoes que nascem de idias inadequadas (o escravo); b) o que se aproveita dessas paixes para exercer poder (o tirano); c) o que se comove com as paixes humanas, e tanto pode indignar-se como zombar delas.31 O tirano precisa da tristeza das pessoas para domin-las. Por seu turno, as pessoas tristes precisam de quem as tiranize. O resultado disso tudo, como diz Deleuze32, o dio vida, a averso felicidade e alegria e o culto morte. Com efeito, no apndice do Livro I da tica, Espinosa nota que os homens se convenceram de que os deuses determinaram que tudo o que existe para o uso humano. Da o nimo predatrio e extrativista que s tem aumentado com o passar do tempo, com as respectivas conseqncias desastrosas para o meio ambiente. Ao que tudo indica, somos prisioneiros desse padro de pensamento e ao, o que deveria fazer-nos lembrar uma passagem muito citada do filsofo, que afirma que o homem livre aquele que se preocupa o tempo todo com a vida, no com a morte.

A poltica, o Estado e o poderO Tratado teolgico-poltico, escrito por Espinosa aos 30 anos, alia a crtica bblica teoria poltica. O pensamento poltico espinosano essencialmente inspirado por Hobbes, e nele se destacam os seguintes pontos: a) a Igreja deve estar subordinada ao Estado; b) a democracia a mais natural das formas de governo; c) os sditos no devem abdicar de todos os seus direitos em benefcio do soberano; d) a liberdade de opinio fundamental. Referindo-se necessidade que os poderosos e dominadores inclusive no plano religioso tm da ortodoxia e da manuteno da reserva de saber, o filsofo escreve: Tais indivduos sabem que removida a ignorncia desaparece o espanto, isto , o nico meio de que dispem para se valer de argumentos e manter a autoridade.33 Contudo argumenta ele , o poder poltico emerge naturalmente das interaes das coletividades humanas, que so portanto suas detentoras, e esse fato deveria dispens-las de submeter-se tanto a instituies religiosas, teolgicas ou equivalentes. Quanto mais atemorizadas se mantm as pessoas, melhor para o poder religioso institucionalizado e para o poder poltico autoritrio. Para eles, quanto mais medo e irracionalismos, melhor. O mesmo vale, como vimos, para a ignorncia. No custa lembrar, mais uma vez, que para Espinosa o uso da razo permite que o homem se liberte da ignorncia e, com isso, que diminuam as condies para que ele continue em servido. Portanto, a razo liberta. Ao possvel comentrio de que tudo isso bvio, cabe a resposta: talvez seja; mas no tanto assim, pois a experincia do dia-a-dia mostra que essas supostas obviedades continuam amplamente ignoradas pela maioria das pessoas. Por essa razo, as divergncias entre a tradio teolgico-metafsica e a filosofia de Espinosa podem ser entendidas tambm como uma questo de poder, controle e dominao. Se Deus transcendente, como quer essa tradio, Seu poder inquestionvel, no-compartilhvel e est fora de quaisquer tentativas de compreenso. Se Ele imanente, como prope o filsofo, Seu poder inteligvel e compartilhvel. Para que isso seja compreendido, porm, preciso corrigir o intelecto, isto , diminuir a ignorncia e aumentar a inteligncia o que constitui uma ameaa ao poder autoritrio. Voltamos, pois, necessidade de mudar de modo da pensar, tal como hoje prope o pensamento complexo.

Consideraes finaisPoderamos ir bem mais longe, mostrando os pontos de contato entre a filosofia espinosana e o pensamento complexo e, em ambos os casos, a insistncia na necessidade de mudar o modo de pensar (corrigir o intelecto) para compreender de outro modo a realidade. A chamada idia de progresso um exemplo dessa necessidade. Entre vrios outros autores, Jean-Pierre Vernant34 observa que essa idia, tal como foi e ainda entendida no Ocidente, nos convenceu de que vir um futuro que trar solues para todos os nossos problemas e, mais ainda, acabar com os egosmos nacionais e injustias sociais. Sob esse ponto de vista, a idia de progresso uma impostura que pretende nos fazer crer na possibilidade de no habitual estilo ou/ou substituir homens s egostas por outros s altrustas. O que nos pedem , nada mais nada menos, que acreditemos na existncia de seres humanos que so uma coisa ou outra: s justos ou s pecadores; s competitivos ou s cooperativos; s racionais ou s emocionais. O que nos pedem que continuemos a nos auto-enganar com essa fantasia, para cuja criao e manuteno indispensvel a lgica binria. Ainda no aprendemos, com Espinosa e muitos outros, que o ser humano por natureza passional e racional, sapiens e demens.A idia de progresso (boa parte da qual alimentada pelas mdias, pela sociologia, psicologia e cincia poltica convencionais) nos fez acreditar piamente que a cincia e a tecnologia so capazes de produzir seres humanos idealizados e unilateralizados. Vrios modelos j foram propostos: o Homo sovieticus, o Homo economicus, o Homem da companhia e assim por diante. Volta e meia, um ou mais deles so declarados extintos e logo substitudos sempre no tradicional estilo ou/ou por outros, que s diferem dos anteriores em seus aspectos superficiais.A origem da idia de progresso remonta Grcia antiga. Naquela poca, porm, ela era diferente da atual. Para os gregos, como assinala Vernant, progresso significava sair da barbrie. Quanto a ns, em muitos casos tudo indica que estamos no caminho inverso. o que mostram vrios dos efeitos colaterais da tecnocincia ou a ela ligados, dos quais convm lembrar alguns: a devastao do meio ambiente; o economicismo tecnocrtico; o desemprego e a excluso social; a fome no mundo; os autoritarismos disfarados em democracia, cujos governantes so eleitos por populaes alienadas e manipuladas pelo marketing eleitoral. E assim por diante. Nada disso, claro, implica negar os benefcios da tecnocincia. Meu objetivo alertar para os desastres da utilizao da lgica binria como pensamento nico o que, entre outras coisas, a transformou num instrumento de auto-engano. A prevalncia dessa lgica nos levou a uma mentalidade predatria e a um comportamento socioptico, gerador de injustias sociais e, no limite, incompatvel com a preservao do mundo natural. Trata-se de um iderio (ou melhor, de uma ideologia) insustentvel, apesar de toda a retrica que proclama o inverso. Como se sabe, as expresses sustentabilidade, desenvolvimento sustentvel e suas variantes (auto-sustentabilidade, crescimento sustentvel e assim por diante), de tanto serem usadas por indivduos que desconhecem o seu significado principalmente o seu significado poltico transformaram-se em chaves, em meros slogans. E no poderia deixar de ser assim, porque, como tambm sabido, a grande maioria dos que usam essas expresses ignora que as idias a que elas se referem so incompatveis com a prevalncia do pensamento linear-cartesiano como modelo de pensamento quase nico em nossa cultura. Por outro lado, preciso no esquecer que a retrica ecolgica alternativa, tambm radical, apocalptica e polarizadora, freqentemente leva ao equvoco oposto. Esses e outros unilateralismos tm levado pessoas de boa f a cair na armadilha do ou/ou, e a imaginar, por exemplo, que possvel substituir tout court a competio pela cooperao. Isso equivale a retirar da sociedade todos os pecadores e substitui-los pelos justos; descartar todos os egostas e deixar s os altrustas; eliminar os maus Samaritanos substitui-los por bons Samaritanos; afastar todos os falces e pr em seu lugar somente pombas remover uma fico e substitui-la por outra, enfim. Ao cair nesse tipo de cilada, alguns dos bem intencionados propositores da cultura de paz, por exemplo, tm adotado o mesmo maniquesmo cultivado pelos que apiam a cultura da guerra. (Nos EUA, na poca da Segunda Guerra Mundial, pacifista era e ainda hoje , em certas reas, uma expresso pejorativa, que significava e significa algo entre covarde e traidor). Essa espcie de maniquesmo j havia sido denunciada por Espinosa.Posturas assim revelam o desconhecimento daquilo que realmente preciso questionar: a distoro da idia de conatus. Em nossa cultura, a idia espinosana de que todos os seres do Universo tendem naturalmente para autoconservao e a continuar a existir foi substituda pela mentalidade de salve-se quem puder. O conatus nos impulsiona a um modo de existir que, na prtica, significa viver orientados pelo dilogo razo-paixes; viver em competio (o que no implica necessariamente guerras e violncia generalizada), mas tambm em colaborao (o que no implica necessariamente ingenuidades e utopismos); viver, enfim, como seres humanos reais, na condio de Homo sapiens demens, e no alienados e deslumbrados com unilateralismos e idealizaes.Mas existe a possibilidade de que nosso condicionamento pelo pensamento linear-cartesiano j tenha se tornado irreversvel. Talvez ele j tenha se entranhado irremediavelmente em nossa natureza. Essa hiptese mais do que nunca exige que saiamos da passividade e adotemos uma atitude como a que Espinosa aconselha em relao ao determinismo da Natureza: a contradio entre a liberdade (no caso, livrar-nos do pensamento linear) e a necessidade (no caso, o fato de estarmos condicionados por ele) s pode ser resolvida pela razo, que nos levar compreenso de que se trata de opostos ao mesmo tempo antagnicos e complementares. Se necessrio pensar linearmente, tambm preciso saber quando essa postura desnecessria e, em tais circunstncias, evitar o exagero da unilateralizao por meio de um modo de pensar abrangente o pensamento sistmico. Trata-se, por conseguinte, de combinar os modelos linear e sistmico e utilizar cada um de acordo com as necessidades do viver. exatamente o que prope o pensamento complexo/integrador que, apesar disso, no cai nas iluses do relativismo absoluto. Precisamos, como aconselha Espinosa, conceber os seres humanos como realmente so, no como gostaramos que fossem. Como ele mostrou em vrios pontos de sua obra embora, claro, no com essa terminologia , os opostos simultaneamente antagnicos e complementares so parte integrante da nossa natureza. O homem prtico e o homem potico so antagnicos, mas inseparveis: convivem dentro de ns, e determinar qual o mais manifesto ou mais latente uma questo de estruturas cognitivas, momentos, contextos e interaes. Dentro e fora de ns, a convivncia mais ou menos pacfica entre o prtico e o potico algo que ainda no aprendemos a aceitar e pr em prtica, pelo menos com a intensidade e amplitude necessrias. Ainda no temos competncia suficiente para tanto, e o preo que pagamos por essa deficincia alto demais. Surge, por fim, a questo: por que Espinosa to difcil, j no digo de entender, mas principalmente de aceitar? Basicamente, pelo mesmo motivo pelo qual difcil entender e aceitar o pensamento complexo: por causa do nosso condicionamento pelo modelo mental linear, segundo o qual a causa imediatamente anterior ao efeito ou est muito prxima dele a causalidade simples. Esse condicionamento nos leva a atribuir uma autoria a tudo o que existe ou acontece. o nosso nimo criacionista, digamos assim. A compulso de determinar quem fez o que, quem produziu o que e separar o produtor do produto nos induz a ver o mundo de um modo simplista e rudimentar: se o produtor for bem sucedido, ser premiado; se fracassar ou errar, ser punido. Ou/ou. Essa mentalidade de vitria/derrota, lucros/perdas, virtude/pecado permeia toda a nossa cultura, e os avaliadores desses mritos ou demritos esto sempre fora do processo. So instncias transcendentes (os deuses, os governos, o mercado), que vigiam, fiscalizam e julgam sem participar diretamente. Convm acrescentar que a idia de criao no existe no pensamento grego. O Deus de Aristteles, por exemplo, no criador. J o Deus do cristianismo criador e separado de suas criaturas: ou o Criador ou as criaturas. Estas, por sua vez, tambm tm suas criaes e, como vimos, podem ser punidas ou recompensadas por elas, sempre a critrio da instncia transcendente. Portanto, o poder reside no poder de julgar, e quem julga precisa estar de fora. Ou seja, conveniente para o observador no fazer parte do processo que observa. Mesmo que pudesse ser julgado por suas criaes, o Deus do cristianismo no poderia ser punido nem recompensado, pois onipotente. Guardadas as propores devidas, esse raciocnio tambm vale para as instituies humanas poderosas, das quais algumas j foram citadas: os governos em especial as ditaduras e as pseudodemocracias, o que quase a mesma coisa e o mercado. claro que uma estrutura de poder como essa s possvel mediante a hegemonia de uma lgica fragmentadora e polarizadora como o pensamento linear/binrio.Conhecer e julgar separando sempre os efeitos das causas equivale, em muitos casos, a acreditar que os fins justificam os meios, pois o que interessa so os resultados, a bottom line. Porm, como mostra Espinosa, o produtor responsvel pelo produto sim mas no na qualidade de algum que fabrica algo alienado, separado dele. responsvel porque no se separa do produto, e por isso mantm com ele uma relao ampla e profunda de ateno, participao e cuidado. Esse o sentido espinosano do que chamamos de responsabilidade. Nessa ordem de idias, os fins (os resultados, os produtos) nem sempre justificam os meios. Costumamos legitimar algumas de nossas aes com o argumento de que a causa nobre. No entanto, a nobreza de uma causa surge ao longo do processo, no no resultado do mesmo modo que a verdade surge ao longo do processo do conhecimento, no em seu trmino: O caminho se faz ao andar. Espinosa e o pensamento complexo so difceis de entender porque propem a compreenso da totalidade e suas relaes com as partes. Para entend-las, preciso compreender que o produtor produz o produto, que por sua vez produz o produtor, isto , que a Natureza autoprodutora. Ela no produz o que possvel, mas o que necessrio sua essncia, e assim que tambm se auto-regula. No h suprfluos, acidentais ou possveis: h o necessrio.Infelizmente, porm, estamos condicionados a desconhecer a circularidade e a proclamar nossa suposta condio de indivduos lgicos, racionais, realistas e pragmticos. Entretanto, como resultado do unilateralismo dessa lgica, dessa racionalidade e desse pragmatismo, tornamo-nos cada vez mais incapazes de entender o que dilogo, cidadania, cultura de paz, responsabilidade scio-ambiental, economia solidria e, por ltimo porm nunca menos importante, o que democracia realmente participativa.

NOTAS Will Durant, A histria da filosofia. So Paulo: Nova Cultural, 1991, pp. 156-157. Gilles Deleuze, Espinosa: filosofia prtica. So Paulo: Escuta, 2002, p. 81. Marilena Chau, Espinosa, vida e obra. Em Os pensadores. Espinosa. So Paulo: Abril Cultural, 1983, p. xiii. Max Weber, The protestant ethic and the spirit of capitalism. Nova York: Charles Scribners Sons, 1958. Chau, Espinosa, vida e obra, op. cit., p. xiii.Consultei duas tradues dessa obra para o portugus. Uma, de Carlos Lopes de Mattos, faz parte do volume Espinosa (Os pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1983, pp.41-68). Outra, de Lvio Teixeira, est disponvel em volume separado e tem o ttulo de Tratado da reforma da inteligncia. Para manter a proximidade com o original (Tractatus de intellectus emendatione), adoto neste ensaio o ttulo que est em Os pensadores, mas uso como referncias essa traduo e a de Teixeira.Edgar Morin, Para sair do sculo XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, pp. 161-166 e 244-245.

tica, livro III, proposio XLIII, esclio.

Tratado da correo do intelecto, [1].Gregory Bateson, Mind and nature: a necessary unity. Nova York: Avon Books, 1980. Bertrand Russell, Historia de la filosofia occidental. Madrid: Espasa Calpe, 1995, p. 190, vol. II. Marilena Chau, Espinosa: uma filosofia da liberdade. So Paulo: Moderna, 1995, p. 54.Deleuze, op. cit., p. 130.Chau, Espinosa: uma filosofia da liberdade, op. cit., p. 55. Humberto Mariotti, As paixes do ego: complexidade, poltica e solidariedade. So Paulo: Palas Athena, 2000, p.316. Emmanuel Kant, Crtica da faculdade do juzo, 292.Stuart Kauffman, At home in the universe: the search for the laws of self-organization and complexity. Nova York e Oxford: Oxford University Press, 1995, p. 274.Marilena Chau, A nervura do real: imanncia e liberdade em Espinosa. So Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 763.Chau, A nervura do real, op. cit., p. 766.Chau, Espinosa, vida e obra, op cit., p. xiv. Antnio Damsio, Em busca de Espinosa: prazer e dor na cincia dos sentimentos. So Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 41.

tica, livro IV, proposio IX, esclio.

tica, livro V, proposio III.Morin, La mthode 5. Lhumanit de lhumanit: lidentit humaine. Paris: Seuil, 2001, pp. 116-117. Deleuze, op. cit., p. 95.Deleuze, op. cit., p. 89.

tica, livro V, proposio XLII. Bertrand Russell. op. cit., pp. 195-196. Deleuze, op. cit., pp. 29-30.Deleuze, op. cit., p. 30. Deleuze, op. cit., p. 31. Deleuze, op. cit., p. 31.

tica, livro I, apndice.Jean-Pierre Vernant. A sociedade total. Folha de S. Paulo 08.08.2004.

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Mariotti, H., outubro, 2004

HUMBERTO MARIOTTI. Mdico, psicoterapeuta e ensasta. Coordenador do Grupo de Estudos Contemporneos (Complexidade, Pensamento Sistmico e Cultura) da Associao Palas Athena (So Paulo). Professor da Business School So Paulo (So Paulo).

E-mail: [email protected]: www.geocities.com/pluriversu