MATRIZ ÉTICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matríztica 2009

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    1/151

    MATRIZTICADOHABITARHUMANO

    Entrelaamento de sete mbitos de reflexo-aonuma matriz biolgico-cultural: Democracia,

    Pobreza, Educao, Biosfera, Economia, Cincia eEspiritualidade.

    Co-inspiradores e Colaboradores

    Ximena Dvila Y.Humberto Maturana R.

    Ignacio Muoz C.Leonardo MorenoDennis SandowGabriel Acosta-

    Mikulasek

    Sayra PintoRodrigo JordnAna Mara Bravo

    Christopher KindbladClaudio Yusta

    Luis FloresJane Cull

    Mauricio TolosaSebastian Gaggero

    Luis David GrajedaJuanita BrownOscar AzmitiaManfred Mack

    Alejandro MoralesJos Manuel Saavedra

    Cristin Moraga

    Rodrigo Da Rocha LouresMargarita BoschGuilherme Branco

    Gloria CanoAna Mara Estrada

    Robert HaningRajiv Meta

    Simn Ramirez

    Peter SengeMolly Baldwin de RocaRodolfo Paiz Andrade

    Hue ShueNick Zenuick

    Miguel MaliksiRiane Eisler

    Bradford KeeneyTamara WoodburyAnne Murray Allen

    Tania MuozVctor GarcaEdmundo RuzOmar Osss

    Edson Araujo CabralMauricio Rosenblth

    ndice

    1

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    2/151

    Introduo..............................................................................................................................

    03

    Sobre a Biologa-Cultural....................................................................................................

    06

    Sobre a Sustentabilidade e o que esta noooculta.......................................................

    09

    Sobre ocultural.....................................................................................................................

    14

    Bem-estar e

    evoluo............................................................................................................

    16

    tica emoral...........................................................................................................................

    18

    Fundamentos da unidade individual-social....................................................................

    19

    Nosso incioontognico......................................................................................................

    22

    O fenmeno daperiferizao..............................................................................

    ...............

    25

    A Reflexo-Ao-tica, o caminho dasada.....................................................................

    27

    A Arte deGovernar...............................................................................................................

    31

    Razo, emoo e espaopsquico.......................................................................................

    34

    Amar-Educar: O Educadorsocial.......................................................................................

    37

    A Mudana cultural, as Eras psquicas da humanidade e o fim da

    liderana na era da co-inspirao.....................................................................................................................

    43

    Por que o Fim daLiderana?...............................................................................................

    54

    A Gesto Co-inspirativa......................................................................................................

    60

    Os trs pilares da conduta social responsvelespontnea...........................................

    62

    A grande

    oportunidade........................................................................................................

    68

    Nossa tarefa, nossoconvite.................................................................................................

    76

    A unidade Biolgico-Cultural: pobreza, dano ambiental eecologia..........................

    80

    Cincia eespiritualidade.....................................................................................................

    96

    Nossa resposta o Caminho da Biologa doAmar........................................................

    101

    A Reviravolta Epistemolgico-Ontolgica da Biologa-Cultural................................ 104O onto de che ada o onto de 11

    2

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    3/151

    Introduo:

    Ns, seres humanos, somos seres biolgico-culturais quesurgimos desde o incio de nossa existncia no devirevolutivo de nossa linhagem, num entrelaamento

    recursivo indissocivel em nosso viver do biolgico e docultural, numa unidade que, enquanto observadores,destrumos num ato analtico que nos cega em suaarbitrariedade. E esta cegueira que nos aliena aointerferir com nosso atuar e reflexionar sobre asconsequncias de nosso viver e sentir, cegos unidadesistmica-sistmica de nosso viver e conviver, o que noslevou pelo caminho da autodestruio que nestemomento vivemos como humanidade, caminhar queconvidamos a deixar num ato consciente atravs destaproposta.

    Encontramo-nos, assim, num viver e conviver que pareceaprisionar-nos na aparente complexidade de tantosprocessos independentes que se entrecruzam, e nosdesanima sentir que no existe ao local que possaajudar-nos a sair dessa armadilha, porque todas as aeslocais parecem levar a mais do mesmo.

    Exemplo disso constitui, aos olhos de um observador, asombra conceitual-reflexiva que se mostra em nosso falarde sustentabilidade sem nos darmos conta de que comisso a sustentabilidade pode vir a ser parte de uma

    3

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    4/151

    dinmica conservadora de um suceder linear, que no sedissipar, a no ser que, conscientes do cartersistmico-sistmico de tudo o que fazemos, revelemos adinmica relacional-operacional do conviver humano que

    queremos conservar como geradora da harmonia denosso compartilhar a biosfera que vivemos e que sealinha com os desejos evocados pela distino desustentabilidade.

    Em nosso parecer, so muitas as pessoas que ao falar desustentabilidade tm iluminado esta reflexo e ao faz-lonos mostram nossa responsabilidade, com o desejoimplcito de conservar a harmonia sistmica-sistmica denosso bem-estar num conviver humano tico como

    componente central da biosfera que nos faz possveis enos sustenta. A sombra epistemolgica sobre o prpriofazer e a responsabilidade de ser geradores do mundo-realidade que se vive que traz o pensar linear que buscasomente causas objetivas independentes do ator(observador) para explicar tudo o que nos acontece emnosso viver, somente se pode dissipar na reflexosistmica-sistmica desde nossa conscincia de quesomos sempre geradores dos mundos-realidades que

    vivemos desde nosso existir como seres biolgico-culturais.

    Desta perspectiva, no o sustentvel o que nos deveriaocupar, mas antes, a dinmica relacional-operacional queevoca, quer dizer, a conservao da harmonia integral denosso conviver humano com o devir da antroposfera-biosfera em que se d o nosso viver, e cujo devirdepende agora totalmente de ns, embora,

    provavelmente, quisssemos que no fosse assim.

    Estes observadores preclaros que mencionvamos atrsesto nos convidando desde suas prprias reflexessobre sustentabilidade, se soubermos escut-los, ao ato

    4

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    5/151

    consciente de nos darmos conta de que, sendo o viverbiolgico-cultural humano sistmico- sistmico, nenhumaao local cega a este viver nos desviar do caminho queseguimos, ao conservar nossa cegueira sobre a natureza

    sistmica-sistmica dos mundos-realidades que geramosem nosso viver biolgico-cultural. provvel que noapaream nitidamente as respostas que sinalizem umfator crucial porque no h, porque se parecesse quehaveria no o veramos, porquanto seu valor estaria natrama ou matriz de aes sistmicas-sistmicas queevoca e no, no aparente ato de causalidade linear que adesencadeia.

    Entre as pessoas que nos interrogam sobre estaencruzilhada fundamental podemos encontrar Rodrigo daRocha Loures, Presidente da Federao das Indstrias doParan, Brasil, co-inspirador e colaborador neste projeto,que nos grita, de maneira mais ou menos consciente emnosso escutar, o seguinte: Senhoras e Senhoresempresrios, nada do que habitualmente queremosconservar servir por muito tempo mais; temos quemudar nosso olhar, temos que assumir que tudo o que

    fazemos tem efeitos sistmicos em nosso viver e no viverdas comunidades humanas que sustentam o que fazemose s quais servimos com nosso fazer. Seremos de maiorvalia para o bem-estar da humanidade, de nossos netos ebisnetos, se no nos deixarmos aprisionar pelas sutistentaes da arrogncia e da onipotncia, e aceitarmosque ns os seres humanos somos todos igualmenteinteligentes, e que todos os seres humanos merecemtanto como ns viver no bem-estar da co-participao de

    criar um conviver digno, respeitvel e desejvel.Depende de ns. Acaso nossa inteligncia e criatividadeno so suficientes para esta tarefa de co-inspirao?1

    1 Prefcio do livro Educar e Inovar na Sustentabilidade, de Rodrigo da Rocha Loures, FIEPR, 2008.

    5

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    6/151

    Peter Senge, criador da SOL (Society for OrganizationalLearning- Sociedade para Aprendizagem Organizacional),co-inspirador e colaborador deste projeto, tambmcompartilha desta preocupao: As pessoas esto

    conscientes de certo nvel de dor, mas continuamos nohbito de buscar explicaes em termos de uma causaexterna. Por isso, no contnuo perguntar-nos o quedesejamos conservar? tambm sutilmente recordamos ans mesmos que somos ns que estamos fazendo oconservar. Desde h muito tempo tenho sentido que isto uma caracterstica definitiva de todas as perspectivassistmicas: o foco endgeno do sistema como a causa,em lugar das causas externas. Mas a palavra sistema

    tambm esconde que somos ns que promulgamos estesistema atravs de nosso viver cotidiano. Os sistemassociais no esto predeterminados nem se comportamcom base nas leis da natureza. So antes os nossoshbitos de pensar e atuar que do forma aos padres ehbitos coletivos e s realidades institucionais queconstituem nossos sistemas maiores. E nisto, somenteatravs da reflexo de ver esses sistemas que podemoscomear a encontrar a liberao. Essa liberao que formada por nossas formas de viver e que pode sercriada de maneiras idferentes atravs de novos modosde viver. E somente atravs disso.2

    Sobre a Biologia-Cultural

    Nessa direo, e olhando como que podem surgir gritosreflexivos como este, ns pensamos que atualmente

    habitamos em nvel mundial uma cultura cujo substratoepistemolgico est fundado no ser em si de tudo o queexiste, na pergunta pelo ser das coisas e das entidades,resultando numa epistemologia basicamente dualista efragmentria, que em todos os mbitos separa o que2 Peter Senge em reflexo pessoal sobre consequncias do Curso Introdutrio em Biologia-Culturaldo Instituto Matrztico em Boston, Estados Unidos. Agosto 2008.

    6

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    7/151

    observa do que observado, e no considera asregularidades biolgico-culturais dos processos dedistino que trazem mo3 os mundos que nosaparecem, vivendo-os ento como existentes

    independentemente de nosso operar no observar, j queeste sempre um operar inconsciente.

    um transfundo epistemolgico o dapergunta pelo ser que gera olhares desde onde no se veem as dinmicasque constituem os sistemas, mas ao contrrio se atmlinearmente a supostas causas e efeitos, onde no seveem matrizes e sim, objetos. Uma das caractersticas

    prprias deste transfundo epistemolgico que desde elese geram princpios explicativos e definies queenquanto substantivos sempre ocultam as dinmicas quetrazem mo4 os fenmenos que se busca explicar, isto, os verbos se coisificam ao pretender descrever eexplicar as experincias que temos como observadores,ao no atender prpria operao com que trazemos mo5 o observado na operao de distino que oconstitui.

    Nesta proposta-reflexiva e de ao que chamamosMatriz tica do Habitar Humano exploramos amultidimensional dinmica que fica oculta quandofalamos da sustentabilidade, e vemos que tal dinmica -que de fato a que constitui os processos que aposteriori chamamos sustentveis -, uma dinmicabiolgico-cultural.

    importante deixar claro que a biologia-cultural no uma teoria, mas ao contrrio a dinmica operacionalgeradora do nicho ou matriz relacional em que se d a

    3 fazem surgir4 produzem5 trazemos existncia

    7

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    8/151

    existncia humana. Assim, a noo matriz biolgico-cultural da existncia humana conota o entrelaamentobiolgico-cultural do viver humano em redes deconversaes.

    Por outro lado, as redes de conversaes que constituemo viver cultural humano modularam e modulam o cursodo fluir biolgico do viver humano e, por sua vez, o fluirbiolgico da realizao do viver do ser humano moduloue modula o curso do viver cultural do humano. Tudo isto um entrelaamento recursivo6 que surge com alinhagem humana na conservao transgeneracional do

    conversar, ao surgir este na famlia ancestral nas prpriasorigens do viver humano.

    A biologia-cultural o mbito relacional-operacional noqual ocorre este processo na histria evolutiva de nossalinhagem. A biologia-cultural , ento, o peculiar dalinhagem humana e nela que ocorre todo o humano.

    Tudo o que os seres humanos vivemos, vivemo-lo em edesde a biologia-cultural, seja arte, cincia, tecnologia,

    religio, filosofia, esporte, cio, ou simplesmente o viverdos fazeres prprios da conservao do viver. Dessemodo, o fluir do viver humano na biologia-cultural o queconstitui o viver humano na linguagem e no conversarcomo um viver gerador de mundos que surgem comoexpanses das matrizes operacionais e relacionais doviver humano cotidiano fundamental.

    O viver humano enquanto conviver cultural em redes deconversaes inicia um devir que d origem a distintosmodos de viver e conviver que constituem os distintos

    6 Recursividade, recurso: palavras que se referem ao ocorrer de um processo quando a repetiode seu ocorrer se aplica sobre o resultado de seu ocorrer anterior. Em economia o juro composto um caso de recurso no clculo dos juros de uma aplicao.

    8

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    9/151

    mundos biolgico-culturais que vivemos como distintasrealidades ou matrizes biolgico-culturais do viver.

    Sobre a Sustentabilidade e o que tal noo oculta7

    dessa maneira que no mundo que habitamos hoje emdia ganhou importncia a noo de sustentabilidade e asreflexes e aes respectivas, tanto no mbitoempresarial como no governamental, interestatal ecidado, e onde a atual compreenso do que se entendepor sustentabilidade vai alm do simplesmenteambiental. Fala-se de desafio da sustentabilidade, aoqual se reconhecem dimenses econmicas, sociais,culturais, poltico-institucionais, fsico-territoriais ecientfico-tecnolgicas.

    Grandes quantidades de recursos econmicos e humanostm sido empregadas para gerar instncias quepermitam implementar e difundir prticas que redundemna gerao de diversas dimenses de sustentabilidade,

    entre as quais as instncias para gerar uma sociedadeglobal ou mundial sustentvel aparentam ser as de maiorflego e profundidade.

    Mas, como surge a sustentabilidade? Qual a dinmicamultidimensional que traz mo8uma sociedade globalque um observador distingue como sustentvel? Numolhar biolgico-cultural podemos ver que o ser vivo surgenuma matriz de existncia que o contm e o faz possvel,o que implica que para a conservao do viver dos seres

    vivos a relao de congruncia entre o organismo e o

    7 Estas idias foram publicadas antes em Sustentabilidade ou harmonia biolgico-cultural dosprocessos? Todo substantivo oculta um verbo.Ximena Dvila, Humberto Maturana, Ignacio Muoze Patricio Garca. Publicado no livro eletrnicoEducar e inovar na sustentabilidade, de RochaLoures, Rodrigo. Brasil. Ed. UNINDUS. Curitiba: 20088 produz

    9

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    10/151

    meio uma constante, no uma varivel.9 Se no seconserva o acoplamento estrutural entre organismo emeio, o organismo morre. Quer dizer, se no se do ascondies de possibilidade para que o ser vivo gere,

    realize e conserve seu nicho no meio, se o meio no semostra estruturalmente acolhedor, o viver do ser vivotorna-se impossvel. Ora, todos os seres vivos,absolutamente todos, transformamos o entorno do meioque nos acolhe, e vice-versa, numa relao de mtuodesencadeamento de transformaes estruturaisrecprocas. E no caso dos insetos e animais sociais, osoutros organismos da mesma classe passam a fazerparte do meio em que realizam sua existncia. Assim

    tambm ocorre no nosso caso, como seres humanos, equando falarmos de antroposfera estaremos justamentesinalizando este mbito de relaes em que ascomunidades humanas so parte fundamental do meioem que os humanos existem e onde de fato sehumanizam na convivncia. A palavra antroposfera fazreferncia ao mbito relacional que surge como umadinmica ecolgica particular com o viver humano, ecomo tal parte integral da biofera. Ns, seres humanos,como seres vivos existimos na biosfera e, como sereshumanos, em tudo o que fazemos (empresas,organizaes, filosofias, polticas, etc.) existimos naantroposfera. Quer dizer, num sentido estrito biosfera eantroposfera somente so separveis na distino, no,porm, na dinmica do fluxo dos processos sistmicos-sistmicos10 que as constituem, e, como veremos, a

    9 Par ver os fundamentos dessa explicao remeter-se a Maturana, H.R. Autopoiese,Reproduo,Hereditaridade e Evoluo. In:Autopoiesis, dissipative structures and spontaneoussocial order, pp.48-80. Milan Zeleny (ed.) Westview Press, Boulder. 1981. E artigo Maturana, H.R.,

    Mpodozis, J.: Origen de las Especies por Medio de la Deriva Natural, Publicacin Ocasional n.46.Museo Nacional de Historia Natural. Santiago, Chile: 2000 (Rev. Chilena de Historia Natural 73:261-310).10 Ximena Dvila trouxe mo a distino do sistmico-sistmico para fazer notar a naturezarecursiva dos processos sistmicos e da linearizao em que caiu o assim chamado pensamentosistmico.

    10

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    11/151

    prpria referncia biologia-cultural busca evocar essaunidade inseparvel ao falar dos processos naturais ehumanos.

    O fato de ns, seres vivos, transformarmos o meio emque nos encontramos e que faz possvel nossa existncia parte das coerncias prprias do fluir do viver dossistemas ecolgicos, como tambm o so as extinesem massa. A mudana outra constante no fluir dosprocessos ecolgicos da biosfera; de fato, o fluir do viverdos seres vivos ocorre numa contnua deriva demudanas estruturais. O viver de um organismo ocorre

    como um contnuo fluir de mudana estrutural no qual seconservam ao mesmo tempo sua organizao(autopoiese) e sua adaptao ao seu mbito deinteraes. E de maneira sinttica chamamos de derivaestrutural natural o processo espontneo que ocorre como devir de todo sistema; deriva natural quando se refereao devir histrico dos seres vivos. A consequnciafundamental da deriva natural que vive o ser vivo quevive desde sua realizao num meio em conservaocontnua de sua relao de acoplamento estrutural com

    ele: se isto no ocorre, o ser vivo morre. Na derivanatural sobrevive o apto num devir no comparativo nemcompetitivo.

    11

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    12/151

    Cada vez que num conjunto de elementos comeam a seconservar certas relaes, abre-se espao para que tudo mudeem torno das relaes que se conservam.11

    Mas preciso compreender que a mudana no ocorre no

    vazio, como assinala a lei sistmica da mudana e daconservao12. Quer dizer, tudo muda em torno de algo que seconserva. E no caso da mudana estrutural dos seres vivos, aolongo da histria evolutiva e ao longo da ontogenia ou histriadas transformaes no curso do viver de um organismo, o quemuda o faz em torno da conservao de duas dinmicasentrelaadas: a da conservao da autopoiese123 e a d aconservao da relao de congruncia entre organismo emeio ou acoplamento estrutural que um observador chama de

    adaptao.

    Em tais circunstncias, torna-se mais fcil poder distinguir quea relao de acoplamento estrutural entre organismo e meio uma dinmica de transformao constante, no um processofixo, pelo que a harmonia que surge desta relao decongruncia entre um e outro est permanentemente aberta asua prpria desapario, j que na medida em que no sesatisfizerem as condies de possibilidade que doestabilidade relao de mtua congruncia, esta sedesintegra e o ser vivo morre.

    Poder ver e entender tudo isto central para olhar adinmica fundamental que se oculta atrs da palavrasustentabilidade. Por exemplo, para compreender que nodomnio ambiental o problema ecolgico que asempresas e comunidades humanas criam no est nadegradao que geram do ambiente em que se

    11Ver Maturana H. E Dvila X. Leis Sistmicas e Metassistmicas. Em Habitar Humano em SeisEnsaios de Biologia-Cultural. So Paulo: Palas Athena, 2009, p.127

    12 .Idem, ibidem123 A autopoiese a dinmica de autoproduo celular que constitui a organizao fundamental dossistemas vivos. Ver a respeito Maturana, H.R. The Organization of the living: A theory of the livingorganization. The Int. J. of Man-Machine Studies 7:313-332, 1975. E: Maturana, H.R., Varela, F.Autopoietic Systems. B.C.L. Report 9,4; 107 pp. Biological Computer Laboratory, Department ofElectrical Engineering,University of Illinois, 1975.

    12

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    13/151

    encontram ao retirar elementos e descartar resduos, istoo fazem todos os seres vivos; ao contrrio, o problemasurge na irresponsabilidade e inconscincia com que noscomportamos nesta relao com o meio. Ns seres

    humanos somos os animais que geramos maiortransformao da biosfera, e cada vez mais com maiorvelocidade.

    Se algum extrai os chamados recursos naturais maisrpido do que pode repor, gera pobreza; se lanaresduos em quantidades to enormes que a terra nopode absorv-los, ou resduos evidentemente

    inabsorvveis, gera destruio ambiental. O problema defundo o modo como transformamos nosso entorno, noa dinmica da transformao, posto que esta inevitvel.Faremos essa transformao conservando as condiespara a consevao a longo prazo da relao decongruncia entre a anroposfera e a biosfera? Ou apenasdo modo menos inadequado? Ou simplesmente do modomais barato possvel a curto prazo? Como vemos, esta,como todas as questes humanas, uma questo tica.

    Ento, olhando a dinmica subjacente pelo que sedistingue ou se quer distinguir ao falar desustentabilidade, ser preciso dizer que asustentabilidade no um processo que faz parte dasdinmicas ecolgicas da biosfera; no mundo natural noh nem sustentabilidade nem insustentabilidade; esta uma distino que, enquanto observadores, trazemos mo14 ao demarcar um certo mbito de processos que

    gostaramos de conservar por um certo lapso de tempo. Epara ver o domnio em que existe a distino desustentabilidade temos que saber olhar a cultura, que onicho que geramos como seres humanos ao habitarnosso meio social.

    14 criamos

    13

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    14/151

    Sobre o cultural

    O que , ento, que distinguimos ao falar de cultura? Ns,seres humanos, surgimos na histria da famla deprimatas bpedes a que pertencemos, quando olinguajear como uma maneira de conviver emcoordenaes de coordenaes condutuais consensuais,deixou de ser um fenmeno ocasional e, ao se conservarde gerao em gerao num grupo deles, tornou-separte central da maneira de viver que definiu, da emdiante, nossa linhagem. Ao surgir este viver no linguajear

    no fazer juntos as coisas do viver cotidiano no prazer daproximidade do conviver com o surgir da famliaancestral, surge por sua vez o conversar na intimidaderelacional recursiva que entrelaa as coordenaes decoordenaes de fazeres desde com o fluir do emocionardo convier que se vive.

    Isto , ao surgir a famlia ancestral com o surgir do viverno linguajear, surge o conversar como o modo deconviver cuja conservao de uma gerao a outra naaprendizagem e dos filhos e filhas constitui a linhagemhumana. Ao surgir assim, os seres humanos surgem numconviver em redes de conversaes que em seu devirhistrico se constituem nos distintos mundos quehabitam como diferentes mbitos de sentires e fazeres-sensoriais-emocionais que se realizam de modoespontneo no transfundo fundamental do conviver noamar. Aquilo que conotamos na vida cotidiana, quando

    falamos de cultura ou de assuntos culturais , ento, umarede fechada de conversaes que constitui e define umamaneira de conviver humano como uma rede decoordenaes de emoes e aes que se realiza comouma configurao particular de entrelaamento do atuare do emocionar das pessoas que vivem essa cultura.

    14

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    15/151

    Como tal, uma cultura constitutivamente um sistemaconservador fechado, que gera seus membros na medidaem que estes a realizam atravs de sua participao nasconversaes que a constituem e definem. Disto tambm

    se segue que nenhuma ao particular e nenhumaemoo particular definem uma cultura, porque umacultura, como rede de conversaes, uma configuraode coordenaes de aes e emoes. Do que foi ditoantes deduz-se que diferentes culturas so distintasredes fechadas de conversaes que realizam outrastantas maneiras distintas de viver humano como distntasconfiguraes de entrelaamento do linguajear e doemocionar. Tambm se deduz que uma mudana cultural

    uma mudana na configurao do atuar e do emocionardos membros de uma cultura, e que como tal tem lugarcomo uma mudana na rede fechada de conversaesque originalmente definia a cultura que muda.

    As bordas de uma cultura, como maneira de viver, sooperacionais e surgem com o estabelecimento desta; aomesmo tempo, a pertena a uma cultura uma condiooperacional, no uma condio constitutiva ou

    propriedade intrnseca dos seres humanos que arealizam, e qualquer ser humano pode pertencer adiferentes culturas em diferentes momentos de seu viver,segundo as conversaes de que ele ou ela participemnesses distintos momentos.

    Com isto em mente, podemos ver que o que se chamasustentabilidade consiste em uma rede fechada de

    conversaes que traz mo

    13

    recursivamente agerao, realizao e conservao das condies depossibilidade para a conservao do bem-estar daantroposfera e da biosfera. Quer dizer, em ltimainstncia a sustentabilidade uma cultura, cuja

    13 produz

    15

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    16/151

    orientao fundamental se acha na gerao de processosque permitem possibilitar a conservao de uma matrizbiolgico-cultural da existncia humana transcorrendo nobem-estar, e portanto de uma matriz biolgica da

    existncia dos seres vivos que tambm se conservatranscorrendo no bem-estar.

    O curso que seguem a histria dos seres vivos em gerale a histria dos seres humanos em particular, surgemomento a momento definido pelos desejos e pelas preferncias que momento a momento determinam oque o ser vivo ou o ser humano faz e conserva ou faz e

    despreza em seu viver relacional

    14

    Bem-estar e evoluo

    Desejamos enfatizar aqui que a noo de bem-estar no um princpio explicativo nem uma definio arbitrria,mas antes, uma abstrao de um aspecto fundamentaldo viver dos seres vivos em geral. Enquanto o que define

    o curso que segue a deriva evolutiva de uma linhagem dado pelas preferncias e gostos dos organismos, o cursoque segue o devir evolutivo surge momento a momentodefinido pela conservao do bem-estar dos indivduosque o realizam. Ou, o que d no mesmo: o que guia ocurso que segue o devir evolutivo de uma linhagem ocurso da conservao do viver dos organismos emcongruncia dinmica com o meio em que existem.

    No discurso evolutivo tradicional, que fala da adaptaoao meio como uma conquista que se faz possvel aoseguir o caminho competitivo das vantagens adaptativas,fica de fora toda a compreenso do fenmeno do bem-

    14Ver Maturana H. E Dvila X. Leis Sistmicas e Metassistmicas. Em Habitar Humano em SeisEnsaios de Biologia-Cultural. So Paulo: Palas Athena, 2009, p.148

    16

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    17/151

    estar do viver, e se tacha isto de algo subjetivo. Desde oque nos mostra a compreenso da deriva natural, vemosque os seres vivos nos deslizamos no viver e conviver naconservao do acoplamento estrutural na conservao

    do viver. Isto , na conservao do bem-estar natural ,onde o bem-estar ocorre momento a momento naconservao do viver, que o bem-estar natural dessemomento e que se no ocorrer o organismo morre.

    Ento, entendar que a sustentabilidade uma redefechada de conversaes nos possibilita tomarconscincia de que a responsabilidade fundamental por

    ela est em nossas mos, e fundamental j que abiosfera no far nada pela sustentabilidade, emborasem dvida os processos sistmicos- sistmicos que aconstituem nos revelaro, se soubermos olhar, a co-deriva de nossos diferentes modos de viver e o cursoresultante.

    E a sustentabilidade uma rede fechada deconversaes porque no meramente uma conversao

    e sim, um entrelaamento dinmico de mltiplasconversaes e mesmo de redes fechadas deconversaes nos mltiplos mbitos em que de fato tempresena a preocupao (ou ocupao) tica pelasustentabilidade, tanto no espao ambiental, como noeconmico, empresarial, governamental, interestatal,entre outros.

    tica e moral

    Isto posto, ao distinguir tica, novamente importantedestacar que no estamos nos referindo a uma definioou a um princpio filosfico ou explicativo; estamos

    17

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    18/151

    sinalizando uma dinmica relacional humana que todospodemos constatar no viver cotidiano ao abstrair assituaes nas quais falamos de condutas ticas. Umobservador diz que uma pessoa tem conduta tica

    quando v que ele ou ela se conduz escolhendo seusfazeres de modo a no causar dano a si mesmo, a outroou outros em seu mbito social e ecolgico, porque estapessoa se importa com o que possa acontecer a outroscom o que ele ou ela fizer ou deixar de fazer,simplesmente porque este outro ou outra importantepara ela. Quer dizer, no se move cuidando da relaocom os outros a partir do respeito a normas, e sim,porque as pessoas lhe interessam. Neste sentido cabe

    distinguir entre tica e moral. A tica tem umfundamento biolgico; dada nossa histria evolutivahumana de seres sociais, nos importa e comoveespontaneamente o que acontece a outros; na tica aspessoas me importam a partir de que as pessoas soimportantes para mim, sem justificativas racionais,enquanto na moral o que nos interessa so as normas;portanto, o fundamento da moral cultural e existemtantas morais distintas quantos critrios culturais,enquanto tica existe uma s. assim que podemosconduzir-nos de um modo tico, mas imoral, comoquando Jesus, por exemplo, salva a prostituta de morrerapedrejada, j que a moral judia da poca exigia estecastigo a partir do seu critrio de validez; ou podemosconduzir-nos de um modo moral, porm no tico, comoacontece cada vez que uma empresa lana determinadaquantidade de resduos txicos no ambiente sabendo quecausa um dano ecolgico, mas estando amparada por lei.E por hiptese tambm se pode ser tico e moral, e

    imoral e no tico. Isto posto, no se trata de relativizar atica, mas antes de mostrar a dinmica que a constitui.Se buscamos construir justificaes para nosso operartico estaremos nos conduzindo moralmente, e a ticano requer justificaes, precisamente porque umaconscincia, um sentir; algum sabe quando atua desde

    18

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    19/151

    o desejo de acolher o outro, a outra ou tudo o mais, equando no.

    O fato de que tenha adquirido importncia o desejoconsensual de gerar sustentabilidade para o mundohumano e o mundo natural tem a ver com estarmostomando conscincia do dano que temos estado a gerartanto para a biosfera como para a antroposfera, e que emltima instncia este dano sempre nos devolvido aosindivduos e s distintas comunidades que integramos,dada a natureza sistmica-sistmica dos processosbiolgico-culturais. De fato, hoje em dia nos encontramos

    numa encruzilhada entre duas eras psquicas diferentes eestamos s portas da possibilidade de uma novamudana cultural em que a preocupao tica pelaspessoas, pelas comunidades e pela biosfera inteira oponto cardeal em torno do qual tudo o mais pode mudar,se que temos o desejo e a conscincia adequada.

    Mas antes de ver isto, consideremos alguns aspectosfundamentais deste presente cultural.

    Fundamentos da unidade individual-social

    Vivemos um momento histrico no qual ns sereshumanos geramos dor e sofrimento em nossas vidas, nasvidas de outros e em nosso entorno. Como isto nosacontece? Ns seres humanos, enquanto seres quevivemos em comunidades, no estamos determinadosgeneticamente. Necessitamos viver com seres humanos

    para sermos seres humanos: necessitamos um viversocial para sermos seres sociais, e nos enfermamos decorpo e alma quando no temos esse viver social, que serealiza atravs da convivncia cultural, fazendo com quea categoria de convivncia social que realizamosdependa do modo cultural que vivamos e convivamos.

    19

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    20/151

    Porm, mesmo nesse viver social, necessitamos de nossoviver individual, que o que d forma a nosso viver, e

    cuja conservao guia o curso de nosso vevir emqualquer fazer que nos caiba viver na comunidade a quepertencemos. O sentido do viver individual se adquiredesde a concepo na convivncia com os adultos comos quais nos cabe conviver no processo de fazer-nospessoas no conviver social. O sentido individual do viver um sentido individual-social. No h contradio entreo individual e o social para alm das teorias que desdemais de 200 anos colocaram discursiva eoperacionalmente estes mbitos em oposio a partir de

    um substrato epistemolgico dualista e linear. De fato,num sentido estrito, em termos dos processos que asconstituem, tampouco h separao entre empresaspblicas e privadas; a dinmica que as sustenta e astorna possveis se d unitariamente entrelaada. Sem oespao pblico que os cidados em sua convivnciatrazem mo15, no poderiam surgir empresas privadas;estas captam desse espao tudo o de que necessitampara subsistir e entregam a esse espao o que a

    sociedade requer para sua subsistncia ou exisnciacultural.

    E tem mais; neste sentido que podemos dizer que emltima anlise, toda empresa pblica j que o seu fazersempre tem consequncias no espao pblico;obviamente no pblica no mbito da propriedade dosacionistas, e sim, na dinmica que possibilita, gera,realiza e conserva sua existncia na matriz mais ampla

    na qual existe e onde fazem ou no fazem sentido seusprodutos e servios.

    15 criam

    20

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    21/151

    Ento, algum indivduo num mbito social, e o socialsurge do conviver de indivduos. Por isso umacomunidade humana harmnica, sem discriminaes,sem abusos, aberta colaborao no mtuo respeito;

    no existe contradio entre o individual e o social.

    Assim sendo, no mundo em geral estamos vivendo nanegao sistemtica das condies relacionais que fazempossvel que o crescimento dos meninos, meninas, jovense adultos possa transcorrer como um processo em que setransformam em pessoas adultas com um sentido deviver individual-social capaz de gerar e conservar uma

    convivncia social de colaborao na gerao de umconviver na honestidade, no mtuo respeito e bem-estar,fundamentos da convivncia democrtica. E estanegao ns a fazemos principalmente de maneirainconsciente, mas tambm consciente, no lar, na rua, nasescolas, no trabalho, nos meios de comunicao, nosespaos de recreao, entre outros. Ao desacreditar,negar e invalidar a possibilidade de que a preocupao ea conduta tica esteja de fato no centro de nosso atuarindividual e social espontneo.

    Dizemos, proclamamos e argumentamos que o futuro incerto, que nada seguro, que em poucos anos osconhecimentos se tornaro obsoletos e que temos queconquistar o sucesso a qualquer preo. E o dizemos,proclamamos e argumentamos na famlia, na rua, nasuniversidades, na vida pblica, nos programas deteleviso.

    Mas, ao mesmo tempo, causa-nos surpresa que hajadrogadico juvenil, delinquncia juvenil, violnciaescolar, violncia familiar, abusos trabalhistas,gravidezes juvenis, ou desonestidade. Como poderiam osmeninos, as meninas, os jovens e os idosos aprender

    21

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    22/151

    outro viver se este o viver e conviver que as pessoasmais velhas parecemos validar com nossas condutas,com nossa falta de tica em nossas atividadesprodutivas, materiais e intelectuais, com nossas

    promessas no cumpridas, com a violao de nossosacordos, com nossa falta de reflexo e com nossa nodisposio a reflexionar, ver e corrigir nossos erros?

    Todo encontro entre seres humanos onde no h agressoopera na confiana implcita da biologa da amar.16

    Nosso incio ontognico

    Olhemos nosso incio: como bebs todos nascemos natotal confiana, estrutural, implcita, de que haver ummundo adulto que nos acolher, conter e amar. Vimosao mundo na mesma confiana implcita que tem aborboleta ao sair da crislida, na confiana de que haverali um mundo de nctares e flores. Quer dizer, nossofeitio biolgico surge em total coerncia e ntima relao

    com o feitio biolgico do meio que nos conter e emrelao ao qual podemos conservar nosso acoplamentoestrutural se forem dadas as condies para que isto sejapossvel.

    Ns seres humanos somos criadores de mundos. O bebhumano, o menino, a menina surgem numa dinmica

    16 Ley Metasistmica del Bien-estar y la armona del vivir, por Ximena Dvila y Humberto

    Maturana, Manuscrito Indito, Pichidangui, Chile, 2008.

    22

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    23/151

    operacional-relacional que criar o mundo que viver, naalegria ou na dor, com ou sem respeito por si mesmo, nahonestidade ou na mentira, no bem-estar ou no mal-estar, no amar ou no ressentimento, mas sempre ser

    com outros ou contra outros seres humanos, num desejobem sucedido ou frustrado de pertencer a um mbitosocial que o acolha, que o respeite, onde o seu serpessoa faz sentido. Mas como ocorre isto?

    As formas juvenis de todos os mamferos se transformamna convivncia com os adultos e outros jovens com osquais convivem, incorporando-se num mbito social ou

    outro conforme sintam que tm presena e que sua vidafaz sentido individual-social, e segundo a inspirao quesurja neles nesse conviver.

    Ento, qual a dinmica constitutiva da aprendizagem?Aprender sempre um resultado da prpria deriva detransformaes na convivncia; aprendemos com ou semeducao, aprendemos com ou sem ensino. E conformefor a convivncia ser o que aprendemos.

    Os bebs nascem na confiana implcita de que haveruma mame, um papai ou adulto que os receber comternura, e que criar com outros adultos um mbito deconvivncia acolhedor no qual pode confiar de fato comoo mais natural do fluir de seu viver. Todos os seres vivossociais vivem assim, no mbito social a que pertencem. Aconfiana mtua o fundamento da covivncia humana.Quando essa confiana se quebra, porque aparece atraio, que pode ter muitas formas. E quando um ser

    humano vive a traio, surge a dor, o desencanto, oresentimento, a depresso, o estresse, o desejo de irembora, de buscar outro mbito humano em que possarecuperar essa confiana perdida no desejo de viver econviver na tranquilidade psquica e corporal que emergedessa confiana fundamental.

    23

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    24/151

    E esta confiana fundamental se perde quando hpromessas explcitas ou implcitas no cumpridas,

    traies a consensos que se vivem como legitimamenteesperveis, em qualquer momento da vida. S que osmeninos, meninas e jovens no tm muitos recursos pararecuperar essa confiana como podem ter as pessoasmaiores que tem algum grau de autonomia no espaosocial, seja ela econmica ou de tomada de decises.Onde falhamos, ento, em nossas aes ou em nossocompromisso com o que dizemos que queremos de nossaconvivnca social?

    Falamos de pessoas idosas para fazer uma diferena deuma pessoas adulta. Uma pessoa pode ser idosa e nonecessariamente viver e conviver como uma pessoaadulta que respeita a si mesma e que se encontra em seuviver e conviver nesse eixo fundamental do centro de simesmo desde o qual pode dizer sim ou no desde si. No pelo fato de ser maior de idade, de ter um trabalho, outer filhos que uma pessoa se torna adulta; a pessoa

    adulta surge se vive e convive desde o centro ticofundamental da convivncia social na confiana.

    O fenmeno da periferizao

    Tambm fundamental entender que a violao daconfiana fundamental da convivncia social o incio daperiferizao tanto juvenil como das pessoas idosas,

    tanto em situao de pobreza como de riquezaeconmica. Esta periferizao humana aparece naspessoas como rebeldia, agresso, depresso,delinquncia, no participao, desconfiana, drogadio,doena, morte, entre outros, cada vez que no criamos oespao social para viver e conviver no bem-estar psquico

    24

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    25/151

    e material que lhes prometemos de maneira explcita ouimplcita.

    E se falamos da dinmica subjacente insustentabilidadesocial global, em seu ncleo encontraremos a dinmicamultidimensional da periferizao humana, j que esta que desintegra as condies de possibilidade para arealizao e conservao das relaes de congruncia ouacoplamento estrutural no plano relacional humano daantroposfera.

    O doloroso que somos ns mesmos, quando no noscomportamos como pessoas adultas responsveis, quecultivamos a periferizao humana ao fazer promessasociais que no vamos cumprir, reduzindo assim aspossibilidades dos meninos, meninas e jovens de crescerno bem-estar que traz consigo um conviver com sentidoe confiana social.

    A periferizao humana ocorre como qualquer modo de

    viver e conviver cuja consequncia seja a alienao queproduz uma convivncia que esteja longe do respeito porsi mesmo e pelos outros. No s a periferizao humanatem presena como modo de coexistncia onde hpobreza material; tambm existe periferizao humanaonde no h problemas de ndole econmica; bastariaolhar como a violncia intrafamiliar e a drogadio, entreoutras, so dinmicas muito presentes em comunidadeseconomicamente remediadas. E o que nos mostra isto?

    Que a periferizao humana ocorre quando vivemos econvivemos fora de nossa condio biolgicafundamental de seres sociais que o amar. O amarocorre como o domnio das condutas relacionais atravsdas quais algum, o outro, a outra ou tudo o mais surge

    25

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    26/151

    como legtimo outro em convivncia com esse algum.Na medida em que o amar um ocorrer, um suceder, oque um observador distingue como conduta amorosa uma dinmica relacional de convivncia, de co-existncia

    centrada no respeito por si mesmo, pelos outros e outras,no espao social a que se pertence. Amar ver, ver amar. Quer dizer, no estamos falando de sentimentos,no falamos de valores, de ser carinhoso ou compassivo,e sim, da dinmica operacional da mtua aceitao quedeu origem ao mbito social desde os primeiros insetossociais.

    E quando, e onde e como temos sido to cegos quetemos gerado espaos em que possvel que nossosmeninos, meninas e jovens se tornem perifricos? Deonde se possa dizer, por exemplo, que as pessoas nonascem delinquentes, se fazem, de acordo com o modode conviver que lhes tenha tocado viver.

    Qual , ento, nossa possibilidade de sair destaencruzilhada dolorosa? Encruzilhada que continuamos a

    gerar, realizar e conservar em nosso modo de nosrelacionarmos nesta cultura que vivemos. Ns pensamosque nossa grande possibilidade nos transformarmos em pessoas adultas amorosas, srias e responsveis. Osmeninos, meninas e jovens desejam pessoas adultas nasquais confiem e que respeitem.

    A Reflexo-Ao tica, o caminho de sada

    Nesse caminhar de transformao reflexiva, h um scaminho de sada, e que um fato de nossa constituiobiolgica: a Biologia do Amar. E o procedimento de aosocial nas comunidades humanas gerar a Reflexo-

    Ao tica em todo o fazer, tendo a biologia do amar

    26

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    27/151

    como o referente de reflexo e ao em todo momentodesde a concepo autonomia adulta.

    Temos dito que o beb nasce amoroso, quer dizer, quetodos os que compartilhamos esta cultura nascemosamorosos, mas com no pouca fequncia temos sidotraidos com a negligncia, o castigo, o abandono, aviolao corporal e psquica. E desde essa traio que omenino, a menina, o jovem, os adultos se afastam,tornam-se perifricos, e em seu ressentimento buscamoutro mbito social que os acolha, ainda que sejamediante a delinquncia, as drogas, as teorias que

    justificam a discriminao e a agresso. Enfim, este umcaminhar que os leva irremediavelmente a doenas dapsique, do corpo e da alma que se expressam atravs defanatismos, autoritarismos, transtornos psquicos efisiolgicos como bulimias, anorexias, automutilao,alcoolismo, entre outros.

    Os seres humanos jovens na potncia de seucrescimento ineludvel buscam um sentido para seu viver

    individual que lhes d pertena social legtima, mas seno encontram, tornam-se perifricos na raiva, naagresso social, e na rebeldia que evolui para oressentimento. Os jovens querem com desesperopessoas adultas a quem respeitar, pessoas adultas queos acolham, que os respeitem; pessoas adultas quemostrem o caminho a um mundo amoroso desejvel;pessoas adultas que estejam dispostas a reflexionar, adar-se conta de seus erros e a corrigi-los. Os jovens

    querem sentir que tm presena, querem sentir que soparte legtima do viver num ambito social em que seuviver tem um sentido individual-social.

    E quando os jovens sentem que esse mbito social noemerge, ou sentem que quando parece estar a os trai,

    27

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    28/151

    rejeita e invalida, na tentativa de obter ou de recuperar apresena que querem, desde a insegurana sobre seuprprio valer que esta situao gera, podem entrar nocaminho do briguento que oprime o mais fraco, ou podem

    entrar no caminho do cinismo que pretende umaautonomia que sabem que no tm. Os jovens vivem nador e no sofrimento de no serem vistos, de no teremsentido individual-social, e desde o ressentimento queisso gera buscam pertena em alguma comunidadediferente, alheia, transgressora, aceitandoocasionalmente convites que promtem dar-lhes presenae sentido individual-social na audcia de seremnegadores do mesmo mbito humano a que anseiam

    pertencer.

    A sada da negao individual-social sistmica-sistmica, multidimensional, e redunda naturalmente naco-inspirao de um projeto comum na famlia, na escola,na comunidade local, nas organizaes pblicas eprivadas, no prprio pas e tambm num projeto comumco-inspirador planetrio, entendido como um propsito deconvivncia que cultive de maneira cotidiana a

    espontaneidade do mtuo respeito num mbito deconvivncia em que todas as pessoas so cidadolegtimos participantes de sua criao e conservao.

    Alguns elelmentos fundamentais da co-inspirao dessediferentes projetos comuns na confiana social17

    A) Que se ocupe da dinmica cotidiana da transformaodos meninos, meninas, jovens e idosos em pessoasadultas, em cidados que se respeitam a si mesmos, com

    17 Reflexes tiradas do texto indito: Projeto Pas, do Institiuto Matrztico. APresentado PresidenteMichelle Bachelet no ano 2006. De Ximena Dvila, Humberto Maturana, Cristval Gaggero, IgnacioMuoz e Patricio Garca.

    28

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    29/151

    sentido tico, e com autonomia de reflexo e ao, nocurso ineludvel de seu crescimento espontneo;

    B) Que se ocupe da contnua criao e conservao

    cotidiana de um espao de confiana e convivncia socialde pessoas adultas que facilitam e conservam o fato deque estes escolham espontaneamente a conduta tica eresponsvel em seus distintos fazeres, sejam eles quaisforem;

    C) Que se ocupem de que se abram espaos para que oscidados possam e desejem orientar e guiar suacriatividade e seus conhecimentos desde sua conscinciatica e social, de modo que seu viver e seu fazer,

    quaisquer que sejam, contribuam para a gerao de umaantroposfera criadora de bem-estar para todos os seusmembros na conservao da biosfera que os fazpossveis.

    mbitos:

    a) A famlia como ncleo fundamental do processotransformador de seus membros deve serconvidada e incorporada a uma participao queamplie a conscincia do central que so as pessoasadultas com as quais os meninos, as meninas e os

    jovens compartilham desde o nascimento acotidianidade do viver. J que responsabilidadedos pais, mes, avs, pessoas adultas em geral,pelo simples fato de viver e conviver com eles, ode ser o primeiro referente tico e amoroso na vidados mais jovens. A famlia no somente aprovedora de um lugar onde viver, de alimento, de

    procurar um ninho, tambm procuradora de umnicho psquico formado por pessoas adultas que serespeitam a si mesmas como sers autnomos. Seisto acontece, os meninos, as meninas e os jovenssurgiro em seu viver de maneira espontnea numespao psquico e relacional onde no se fala de

    29

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    30/151

    respeito, mas se vive e convive no respeito comomodo natural de conviver. A grande tarefa dosadultos com os quais os meninos, as meninas e os

    jovens compartilham grande parte do percurso

    fundamental de sua histria de vida, procurargerar todos os espaos para que estes, por suavez, se transformem em pessoas adultas que serespeitam a si mesmas.

    b) Os colgios podem ter mbitos para atividadesesportivas, artsticas, tcnicas, cientficas,literrias, econmicas, ecolgicas e sociais quepossam captar a energia vital, a imaginaocriativa e a ao efetiva de todos os jovens,

    guiados e acompanhados por mestres acolhedorese inspiradores, num conviver que pelo simples fatode ser vivido no amar-educar resultar ampliadordo respeito por si mesmo e da autonomia reflexivae de ao dos meninos, meninas e jovens queconvivem ali. Alm disso fundamental que oscolgios considereme mbitos de acolllhida para asfamlias e comunidades locais com as quais serelacionam.

    c) Tambm se requer uma profunda participaoconsciente e responsvel dos outros atores sociaisque so parte da antroposfera em que os meninos,as meninas, os jovens e os adultos crescem, taiscomo as empresas e consrcios, os meios decomunicao, polticos, instituies educativas,organizaes sociais e organismos internacionais,em geral, de todas as pessoas adultas que dealguma forma ou outra so um referente

    transformador para a cidadania. neste mbitoque governos, empresas, setor acadmico,organizaes da sociedade civil e redes cidadstm uma oportuniddade e uma relevnciafundamental na hora de abrir espaos deconversao, colaborao e interlocuo entre

    30

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    31/151

    comunidades e instituies para a consolidao daconvivncia democrtica.

    A arte de governar

    A expanso da criatividade tecnolgica e nossodeslumbramento pelo que se pode fazer a partir dela, noslevaram a pensar, em nosso presente histrico, quetalvez todos os problemas humanos podem ou poderiamser resolvidos a partir dela. Tudo parece to simples. Semdvida h engenho, dedicao e vontade de ao parafazer tudo o que atualmene se pode fazer emengenharia, comunicao, medicina e robtica. De modosemelhante se pensava quando, nos sculos XVIII e XIX,comea a grande expanso do pensamento racional e oexplicar cientfico a partir do sentir ntimo que a razoderrotaria os abusos, as injustias e os fanatismos, nacrena de que governantes ilustrados levariam ahumanidade pelo caminho da justia e do bem-estar.Como sabemos a estas alturas, no tem sido assim; noentanto, agora depositamos nossas esperanas na

    suposta onipotncia tecnolgica.

    Hoje em dia, ns, seres humanos, queremos algo mais doque o mero encanto do conhecimento das leis gerais docosmos, que nos permitiu desenvolver nossos avanostecnolgicos. Queremos certeza em nosso manejo domundo que vivemos. E queremos essa certeza mediantea aplicao das leis gerais do cosmos, pensando que suaaplicao no somente nos d poder de ao, mastambm nos livra alm disso de responsabilidade pornosso fazer, porque supostamente estaramos usandoprocessos naturais. Queremos que tudo acontea comoqueremos que acontea em qualquer domnio humano eno humano. E para conseguir este duplo propsitotemos inventado muitas teorias sobre a conduta e o bem-

    31

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    32/151

    estar humanos, buscando leis gerais do cosmos quejustifiquem o que fazemos, com o propsito de obter osresultados que queremos a qualquer custo, e portanto,de validez universal e transcendente a ns mesmos.

    Neste sentir queremos tambm governar: queremos sergovernantes racionais, justos pela razo. Mas o mbitohumano no como o mbito no humano: as molculas,as clulas, os metais, os plsticos no se queixam, nemtm desejos; os seres humanos, sim. Estudamos as leisdo mercado, as leis da mente humana, como opera osistema nervoso, como operam as emoes, tudo paraassegurarmos, atravs delas, que as condutas dosconsumidores, do pblico, dos cidados sejam como

    queremos que sejam. Mas, no fundo, ns seres humanosno queremos isto, no queremos ser manipulados, noqueremos que outros determinem nosso fazer e nossopensar; o que queremos ser responsveis de nossofazer atravs do entendiimento. No queremos serinduzidos, queremos escolher; no queremos sersubmetidos ao artbrio de outros, queremos serautnomos, ticos e com isso ser responsveis econscientes de nossos atos. Nenhum ser vivo est bem,submetido ao arbtrio de outros. O que nos peculiar arespeito disso que ns seres humanos podemosreflexinar e escolher nossos desejos, podemos escolher oque queremos viver, e mais ainda, escolher o quequeremos querer viver.

    Nestas circunstncias, qual ser a arte de governar?Naturalmente, como tudo o que humano, depender doque queiramos conservar em nosso viver, e do mundo de

    convivncia que queiramos contribuir para gerar quandonos tocar a tarefa de governar. Uma das leis gerais docosmos que no podemos determinar o que acontecenum arbtrio absoluto, nem no mundo natural nem nomundo humano. No dispomos de uma varinha mgica.Por isso, a arte de governar a arte de coordenar

    32

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    33/151

    vontades, desejos, ganas de fazer o que se sabe fazer nomomento oportuno e no lugar adequado, quer dizer, aarte de governar a arte de coordenar emoes. Como?Desde a exigncia e a manipulao que nega o outro, ou

    desde o mtuo respeito que acolhe e possibilita?

    O governar se move entre duas emoes extremas: aobedincia e a colaborao. A obedincia surge danegao de si mesmo no medo ante a ameaa, e acolaborao surge do respeito por si mesmo no prazer defazer o que se faz com outros. Na obedincia se exigerigidez e se restringem as condutas inteligentes, no se

    tem presena e no se podem corrigir os erros, pois senega o fato de v-los, j que sua descoberta ameaa oviver porque se duvida da honestidade e os castiga, coisaque se torna um convite mentira. Na colaborao, aocontrrio, amplia-se a conduta inteligente e criativa,podem corrigir-se os erros, porque nunca se ameaa oviver e h respeito para v-los, porque no se duvida dahonestidade. Mas acima de tudo, o caminho emocionalque quisermos seguir no governar depende do mundoque quisermos viver. Queremos um mundo de pessoas

    ntegras, ou um mundo de seres ressentidos? Um mundoaberto a corrigir os erros ou um mundo encerrado nasaparncias?

    Somente na convivncia democrtica gerada dia a dia nacolaborao, vive-se no respeito por si mesmo e pelosoutros, de modo que os meninos e meninas aprendemesse viver como seu conviver espontaneamente

    desejvel. Somente num governo que se fundamenta norespeito mtuo desde a honestidade e a confiana nahonestidade, cabe a democracia como mbito deconvivncia no projeto comum que gera dia a dia essemodo de conviver, como um mbito de colaborao paraa conservao desse conviver. Isto sem dvida parece

    33

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    34/151

    razovel, mas o que ainda mais importante - desejvel?

    Razo, emoo e espao psquico

    O espao psquico a fonte inconsciente de toda aoconsciente e inconsciente, e como tal define em cadainstante o carter relacional de tudo o que ns os seresvivos e os seres humanos fazemos. No suceder de nossoviver humano fluimos no habitar sucessivo ouentrelado de muitos espaos psquicos que definem emcada instante o carter de nosso fazer nesse instante.Cada vez que evocamos um espao psquico, evocamosum mbito de fazeres relacionais no viver e conviver.

    Como todos os seres vivos, ns seres humanos somosseres emocionais cujo fazer e sentir, em todas asdimenses de seu viver, guiado momento a momentopelo fluir emocional. O que peculiar a ns que, entreos seres vivos, ns seres humanos existimos no

    linguajeare desde este linguajearou fluir recursivo decoordenaes consensuais de fazeres que somos seresracionais quando atuamos de maneira congruente comas coerncias operacionais de nossas experincias. E quepode ser desde nosso viver cultural que usemos a razopara justificar ou negar nossas emoes, sem ver queembora digamos que atuamos com a razo, so de fatoas emoes, os desejos, as preferncias ou o quequisermos ou no quisermos fazer algo, o que determinaos argumentos racionais que usamos para fazer ou nofazer alguma coisa.

    pelo que foi dito que um projeto comum co-inspirativoplanetrio no um conjunto de fazeres possveis, no um conjunto de argumentos racionais que justificariam

    34

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    35/151

    esses fazeres e negariam outros, e sim, um espaoemocional, uma configurao de desejos, um espaopsquico-relacional que determina em cada instante quefazeres e que argumentos racionais aceitamos ou

    rejeitamos como operaes que nos permitiro realizarnossos desejos, assim como o fato de que tenhamos ouno a energia emocional (as ganas) para faz-lo.

    Desde esta compreenso, vemos que no queremosquerer que tal projeto conserve a falta de equidade quevivemos. E a falta de equidade para um observador adistino de um espao psquico-relacinal sistmico e

    recursivo em que consciente ou inconscientemente seconserva e se quer conservar a dinmica relacionalsistmica- sistmica em que se vive a discriminao e acompetio, que redunda na insustentabilidade dascomunidades humanas. Uma conservao do viver noqual os meninos, as meninas, os jovens e os idososcrescem num viver e convier sem sentido individual-social em sua realizao pessoal, ou o perdem nocaminho relacional que deveria gui-los para a vidaadulta de uma convivncia democrtica, ocorre no

    espao psquico da falta de equidade.

    A agresso, o abuso, o engano, a desonestidade, aexplorao, tudo isso so aspectos de um viver econviver no espao psquico da falta de equidade. Ocaminho de sada da psique da falta de equidade abiologia do amar: o operar espontaneamente no domniodas condutas relacionais atravs das quais algum, o

    outro, a outra ou tudo o mais surge como legtimo outrona convivncia com esse algum. E isto possvelprecisamente porque ns seres humanos, emborapossamos cultivar a agresso, a negao do outro, somosem nossa condio fundamental, seres amorosos, seresque adoecem de corpo e alma no desamar.

    35

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    36/151

    Ao falar de espao psquico cabe dizer que comoobservadores estamos conotando a dinmica

    operacional-relacional que como o presente histrico daarquitetura dinmica da unidade cambiante organismo-nicho, constitui em cada instante a trama relacional-operacional que um organismo pode viver. Em ns sereshumanos, o linguajear parte central do nicho na relaodinmica organismo-nicho, e o que fazemos e evocamosem nosso conversar e nosso reflexionar ao longo denosso viver e conviver contribui para configurar osespaos psquicos que vivemos em nosso viver relacional.Porisso, se queremos sair do espao psquico da falta de

    equidade devemos mudar nosso dizer e nosso pensartanto como o fundamento da mudana de nosso fazer. Orespeito se vive respeitando, a honestidade se vive naconduta honesta; o respeito gera mtuo respeito, ahonestidade gera mtua confiana, e o mtuo respeito ea confiana mtua geram colaborao; o mtuo respeito,a confiana mtua e a colaborao abrem o espao paraa co-inspirao na criatividade geradora de bem-estarindividual-social-ecolgico num viver e conviver que

    redunda naturalmente na harmonia da relaoantroposfera-biosfera.

    Amar-educar, o educador social

    Quando se sabe que se sabe no se pode pretender queno se sabe. O saber que se sabe na biologia do amar ofundamento do viver e conviver individual na Reflexo-

    Ao-Etica. A reflexo-ao-tica o acontecer de umprocesso de transformao reflexiva na convivncia quenormalmente evocamos com a palavra educao.

    36

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    37/151

    No momento histrico que vivemos a mudana deorientao que desejamos em nosso conviver noocorrer espontaneamente; requer compromisso, aconscincia de um ato intencional, requer que queiramos

    faz-lo, requer uma mudana desde a reflexo que abre oespao para a ao desejada a partir das ganas de faz-lo. Toda conduta humana surge num mbito emocionalntimo insconsciente que constitui o espao relacional-operacional que especifica instante a instante no sentirde uma pessoa o que lhe possvel e o que no lhe possvel, o que desejvel e o que no desejvel emseu viver relacional.

    Ainda mais, todo ser humano aprende desde seunascimento na companhia das pessoas mais velhas comas quais convive a matriz emocional-operacional em querealiza seu viver como membro particular participante ouperifrico da cultura da comunidade que o acolhe ou orejeita. Se um beb, um menino, menina ou jovem crescenum mbito amoroso e terno que o acolhe e respeitacomo um membro legtimo da comunidade social em quevive, cresce como um ser social e tico capaz de

    colaborar e co-inspirar num projeto comum sem temor dedesaparecer ao faz-lo. Como se conseguiria isso agora?

    Procurando que este beb, este menino, menina, jovemse encontre no curso de sua transformao em pessoaadulta com pessoas adultas prximas no lar, na rua, naescola e na universidade, que o vejam, que o escutem,que no lhe mintam, que no o atraiem; e aos quais

    possa respeitar. Isto o que todos os meninos, meninas e jovens desejam, pessoas adultas que sejam em seuconviver com eles educadores sociais, seres cujo viver econviver desejam consciente ou inconsciemtementerepetir.

    37

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    38/151

    Nosso olhar recursivamente sistmico desde oentendimento da biologia-cultural, percebe estefenmeno que est ocorrendo no presente que se vive deforma dinmica, e de maneira consciente ou inconsciente

    enquanto estamos vivos, que a educao que desejamos uma transformao reflexiva na convivncia.

    Portanto, ser a tarefa educativa prpria somente demestre e mestras? De pais e mes? De comunicadores ecomunicadoras?

    Agora algum pode perguntar-se: O que acontece com aeducao nesta transformao na convivncia? Trata-sede que os meninos, meninas e jovens cheguem aconstituir-se como pessoas adultas. Se olharmos o mundoanimal, podemos ver que os adultos no so adultos nomomento da sexualidade, e simn, quando deixam de serdependentes de outros num sentido bsico parasobreviver. Sempre esto relacionados com outros, mash um momento em que o animalzinho tem um manejodo mundo que lhe permite atuar coom autonomia e esse

    o momento da adultcia. Nosso verdadeiro problema, daperspectiva da educao, que isso vai acontecer dequalquer maneira. Pode ser que alguns meninos no oconsigam e neste caso se diz deles que so adultosdependentes; mas a verdade que no so pessoasadultas, no tm autonomia, no decidem por si, para obem ou para o mal, constituem-se como pessoas maioresde idade, mas com sua autonomia reflexiva e de aorestringida.

    O que importa que os meninos, meninas, jovens emaiores de idade vivam um espao experiencial detransformao na convivncia que comea no tero -,no qual se vo transformando, de modo que esse espaogere as possibilidades de autonomia na interao, de

    38

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    39/151

    forma que chegue um momento em que sejam pessoasadultas.

    Um espao de convivncia onde ele ou ela setransformam em pessoas adultas, como um ser que serespeita a si mesmo, que respeita os outros, que podecolaborar, que autnomo, que responsvel.

    A educao uma transformao reflexiva naconvivncia. Os meninos, meninas, jovens e maiores deidade se transformam com as pessoas adultas com osquais convivem. Em termos do espao psquico,mergulham nas conversaes da vida das pessoasadultas. Ento eles e elas vo depender do que aconteana educao da psique da pessoa adulta. Se quisermosconvivncia democrtica, teremos que conviver de umamaneira que implique essa psique, e os meninos,meninas, jovens e maiores de idade cresceram fazendoas coisas, fazendo as conversaes e vivendo oemocionar desse tipo de convivncia.

    O que nos acontece que ao estamos falando deeducao escutamos em ocasies que o que queremos preparar os meninos de um ponto de vista tcnico paraoperar no espao do mercado, para operar no mbito dabusca de sucesso na competio. E isto alienante,porque cego em relao ao mundo humano no amar desua deriva natural.

    uma educao que nega a si mesma, que no v osmeninos, meninas, jovens educandos e educandas, queno v as pessoas mais velhas que a realizam ou serelacionam com ela. No os v porque tem a atenoposta no futuro, no que os meninos devem ser no futuro.Mas o central que a passagem para a vida adulta uma

    39

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    40/151

    passagem de uma vida dependente para uma vidaautnoma. Ser autnomo significa que vai atuar a partirde si. Vai dizer sim ou no desde si e assumir asconsequncias. E isso o essencial da educao, no as

    tcnicas, no as prticas nem as teorias.

    Vivemos uma confuso enorme de pensar que os temasda convivncia, que os problemas humanos em geral seresolvem com a tecnologia ou com a cincia. Nem acincia nem a tecnologia resolvem os problemashumanos; os problemas humanos so todos de relao.Pertencam emoo.

    Os problemas tecnolgicos, os problemas cientficos, soabsolutamente simples. Tm que ver com habilidades demanipulao seja para estudar algo ou para consturiralgo. Mas a convivncia no dessa natureza. Aconvivncia tem a ver com as emoes, tem a ver com orespeito, com o amar, com a possibilidade de escutar, derespeitar-nos nas discrepncias. Tema ver com fazer ummundo de convivncia no qual seja grato ou no seja

    grato viver.

    A tarefa central da educao e da democracia que estapassagem para a vida adulta seja na configurao de ummundo que seja grato para o menino, para a menina epara os jovens, no qual se possa colaborar e se possaaprender tudo porque no se tem medo de desaparecerna colaborao e no se tem vergonha de no saber.

    Se os meninos, meninas, jovens e maiores de idadeconvivem com pessoas adultas amorosas, srias eresponsveis e estas disfrutam do seu fazer, ou seja,amam o que fazem, seja o que for, e o ensinam norespeito e ateno s dificuldades que em algum

    40

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    41/151

    momento possam ter os meninos, meninas, jovens emaiores de idade com os quais convivem, esses meninos,meninas e jovens, incorporaro em seu viver de maneiraespontnea o olhar matemtico, o olhar biolgico, o olhar

    da mecnica ou da gastronomia. O olhar cidado, entreoutros, e essas disciplinas ou ofcios vo ser, por assimdizer, o instrumento de convivncia atravs do qual essemenino, menina, jovem ou maior de idade, vaitransformar-se numa pessoa adulta socialmenteintegrada com confiana em si mesma, com capacidadede colaborar e aprender qualquer coisa sem perder suaconscincia social e, portanto, tica.

    Nestas circunstncias, quem um educador social?Qualquer pessoa adulta que escolhe viver na psique deum criador de espaos de convivncia reflexiva nos quaisos meninos, meninas, jovens e maiores de idade podemcrescer desejando chegar a ser pessoas adultasautnomas, srias, alegres e responsveis, comconscincia tica e social num cosmos humanocambiante que eles geram como um mbito desejvelpara viver e conviver nele, no mtuo respeito desde o

    respeitar-se a si mesmos como seres primariamenteamorosos.

    possvel isto? Sem dvida possvel. De fato, todas aspessoas maiores de idade vivero assim se noestiverem aprisionadas em teorias educacionais,filosficas ou polticas que os negam no desejoconsciente ou inconsciente de conservar um conviver em

    relaes de autoridade e submisso, de competio,sucesso e adio ao poder e ao lucro.

    A mame, o papai, o mestre, os polticos, enfim todas aspessoas maiores de idade desde o momento que emnosso viver nos tivermos transformado em pessoas

    41

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    42/151

    adultas, autnomas, reflexivas, que vivem e convivemdesde o centro de si mesmas, configuramos com nossoviver o melhor espao de boa terra para o crescimentodos meninos, meninas, jovans e outras pessoas mais

    velhas.

    Ao viver assim, nos transformamos num educador social,sem esforo, somente no desejo de viver e conviver comos meninos, meninas, jovens e maiores de idade numespao onde eles no so uma impertinncia, onde todasas suas perguntas so legtimas, onde no se castiga oerro, e onde no se tem medo de desparecer, porque se

    pensa diferente e se pode reflexionar. E, ao mesmotempo, geramos em e desde nosso viver individual-social,um modo de viver que redunda numa mudana cultural.

    A mudana cultural, as Eras psquicas dahumanidade e o fim da liderana na era da co-inspirao

    Consideremos a dinmica envolvida na mudana cultural.Na medida em que uma cultura, como maneira de viverhumana, se apresenta a nossa observao como umarede fechada particular de conversaes, podemos verque sua dinmica constitutiva uma configuraoparticular de coordenaes de coordenaes de aes eemoes (como entrelaamento particular do linguajearedo emocionar). E podemos ver, ento, que uma culturasurge quando uma comunidade humana comea aconservar, gerao aps gerao, uma nova rede decoordenaes de coordenaes de aes e emoescomo sua maneira prpria de viver, e desaparece oumuda quando a rede de conversaes que a constituideixa de se conservar. Portanto, para entender amudana cultural, devemos ser capazes tanto decaracterizar a rede fechada de conversaes que como

    42

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    43/151

    prtica cotidiana de coordenaes de aes e emoesentre os membros de uma comunidade particularconstituem a cultura que essa comunidade vive, como dereconhecer as condies de mudana emocional sob as

    quais as coordenaes de aes de uma comunidadepodem mudar de modo que surja nela uma nova cultura.

    Para isso indispensvel compreender o fundamentoemocional do fazer cultural; medida que crescemoscomo membros de uma cultura, crescemos numa rede deconversaes participando com os outros membros delanuma contnua transformao consensual que nos

    submerge numa maneira de viver que nos faz, e se fazpara ns espontaneamente natural. Ali, na medida emque adquirimos nossa identidade e conscinciaindividual-social, seguimos como algo natural oemocionar de nossas mes e dos mais velhos com osquais convivemos, aprendendo a viver o fluxo emocionalde nossa cultura que faz de todas nossas aes aesprprias dela. Nossas mes nos ensinam, sem saber queo fazem, e ns aprendemos delas, na inocncia de umacoexistncia no reflexionada, o emocionar de sua

    cultura, simplesmente vivendo com elas. O resultado que, uma vez tendo crescido como membros de umacultura particular, tudo nela se torna para ns adequadoe evidente, e, sem nos darmos conta, o fluir de nossoemocionar (de nossos desejos, preferncias, rejeies,aspiraes, intenes, escolhas...) guia nosso atuar nascircunstncias cambiantes de nosso viver, de maneiraque todas as nossas aes so aes que pertencem aessa cultura.

    desde a reflexo realizada at aqui que ns propomosconsiderar a evoluo do humano abstraindo, do que suahistria biolgico-cultural nos mostra, as sensorialidadese emoes fundamentais que a guiaram. Contudo,

    43

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    44/151

    focalizaremos fundamentalmente a ltima era pelanatureza deste documento.18

    Assim falaremos de eras psquicas mostrando asconfiguraes do emocionar do viver cotidiano que emnosso parecer caracterizaram distintos momentos dahistria humana como distintos espaos psquicos oudistintos modos de habitar nos quais se deram, e desdeonde se deram, todas as dimenses do conviverrelacional-operacional.

    O conviver relacional-operacional viveu-se em cadainstante de cada era psquica num presente em contnuamudana no qual o fluir do emocionearsurgia momento amomento do transfundo histrico-operacional e filosfico-epistemolgico imperante. O que dizemos com estaafirmao que em cada momento da epignesehistrica-operacional que configuram as distintas eraspsquicas da humanidade, o ser humano tem conservadode maneira central distintos desejos, tem tido distintosgostos e preferncias cujo fundamento tem sido

    determinado momento a momento pelo habitar dopresente que se vive.

    As distintas eras psquicas da humanidade tmsemelhana, segundo nosso pensar, com a dinmicahistrica de transformao integral da psique humana,desde sua concepo, passando pela infncia, a

    juventude, a condio adulta e a maturidade reflexiva,que configura nela, em cada instante, como se vive, paraonde se orienta e como se entende a natureza e osentido do humano em sua pertena biosfera.

    Na viso mtica, este transcorrer da vida humana desde aconcepo at o seu termo na maturidade ocorre como18 Para aprofundar o tema ver: Dvila, X. e Maturana, H. Eras psquicas da Humanidade. Em:Habitar Humano Em seis ensaios de biologia-cultural. So Paulo, Palas Athena: 2009

    44

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    45/151

    que uma dinmica recursiva em que a sabedoria damaturidade leva ao incio de uma nova histria psquicana gerao seguinte que pode ser mais desejvel porqueimplica a possibilidade da repetio do ciclo, porm com

    um deslocameno ampliado da conscincia numa maiorcoerncia com o mundo natural. O suceder das eraspsquicas da humanidade de que falamos aqui realiza umciclo mtico, e possibilita um espao reflexivo que nofundo conhecido e re-conhecido desde o prprio viverno conviver. Este suceder de eras psquicas dahumanidade vai desde a Era arcaica, na origem dohumano, Era ps-ps-moderna, j citada antes, como aera em que se recupera a conscincia e as aes efetivas

    perdidas no transcorrer histrico da pertena humana biosfera que o transfundo de existncia em que possvel e ocorre o humano. Recuperar esta conscinciaem coerncias sistmicas-sistmicas faz possvel abrir eampliar o olhar sistmico-sistmico que constitutivo dohumano como um ser vivo que pode reflexionar sobreseu prprio viver e os mundos que gera nesse viver.

    Era psquica arcaica

    Dinmica emocional fundamental: o amar como umsuceder espontneo.

    Esta era nos fala da origem do humano na origem dafamlia como um modo permanente de conviver naintimidade do prazer e do bem-estar, psquico-corporal-relacional. Surge assim o linguajear e o conversar comoum modo de conviver na intimidade relacional nascoordenaes de fazeres e emoes.

    Homo sapiens-amans: Presena espontnea do amar.

    45

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    46/151

    Surgimento da linhagem humana na conservao doconversar de uma gerao a outra na aprendizagem dascrianas.

    Homo sapiens-amans-amans: Presena da conservaodo amar.

    Nesta Era vivemos a histria evolutiva da linhagem Homosapiens-amans e suas ramificaes possveis em trslinhagens: Homo sapiens-amans mans, Homo sapiens-amans agressans, e Homo sapiens-amans arrogans. Estastrs linhagens teriam surgido como linhagens culturaisdas quais a nica atual como linhagem biolgico-culturalque se conserva a linhagem Homo sapiens-amansamans. Se no se tivesse conservado em nossa derivaevolutiva o amar como uma linhagem biolgico-cultural,no se teria conservado o Homo sapiens-amans amans, eteramos desaparecido. Somente conservando o bem-estar psquico-corporal que se conserva no amar, osseres humanos do presente conservaremos o viver.

    As outras linhagens, se tivessem evoludo comolinhagens biolgico-culturais, se teriam extinguido,embora ainda surjam com certa frequncia comolinhagens culturais transitrias.

    A linhagem Homo sapiens-amans agressans ocorre numconviver que conserva as cegueiras da agresso.

    A linhagem Homo sapiens-amans arrogans ocorre numconviver que conserva as cegueiras da arrogncia.

    46

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    47/151

    Era Psquica Matrstica

    Dinmica emocional fundamental: o amar como umconviver desejado.

    Esta a Era do devir do Homo sapiens-amans amans.A forma fundamental de convivncia a de grupospequenos que colaboram nos fazeres de compartilhar oviver cotidiano unidos na sensualidade, na ternura e na

    sexualidade como um mbito de bem-estar. Este bem-estar psquico-corporal surge de maneira espontnea;no surge da reflexo e sim, de um modo de viver econviver em coerncia com o mundo natural. A atitudecotidiana a da colaborao no viver cotidiano, embusca do alimento, do cuidado das crianas, uso deinstrumentos, enfim, num modo de viver cultural queabre o espao para a co-inspirao, e que no d cabida conservao da dominao e subjugao, e onde a

    agresso um acontecimento ocasional que no guia oconviver.

    Nesta Era vivemos a gerao de mundos culturais e oconhecimento dos mundos que se vivem.

    Sugem culturas matrsticas, centrads em relaes decolaborao e co-inspirao. Amplia-se a conscincia daunidade do existir.

    A extino das linhagens agressans e arrogans se produzpela restrio da conscincia da unidade do existir queresulta das cegueiras relacionais que geram os mbitosemocionais de agresso e arrogncia. As linhagens quesurgem na expanso da agresso e da onipotncia comoum viver cotidiano cultural correm para sua prpriaextino porque destroem a si mesmas e ao entornobiolgico que as faz possveis. Isto teria acontecido com

    47

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    48/151

    as fomas de viver Homo sapiens-amans agressans eHomo sapiens-amans arrogans como linhagens biolgico-culturais auto-destrutivas quando a partir da agresso eda arrogncia entraram na dinmica da expanso

    hegemnica. Estes modos de viver tm aparecido muitasvezes em eras posteriores durante nossa histriapatriarcal (Era do apoderamento) sob a forma defanatismos e imprios que geraram sua prpria extinocom a dor humana e/ou o dano ambiental queproduziram num viver desde as cegueiras que produzema agresso e a arrogncia.

    Era Psquica do Apoderamento

    Dinmica emocional fundamental: venerao daautoridade.

    a Era do despertar da conscincia manipulativa naexpanso da habilidade manual e explicativa no fazer eno viver que abrem o sentir a se apoderar dele e dosmundos que vo surgindo no conviver. Perda daconfiana nas coerncias espontneas do mundo que sevive e expanso do desejo de controle. Ao surgir oapoderamento, vo aparecendo alguns modos deconviver na apropriao e na discriminao, e com adiscriminao surgem as culturas centradas em relaesde dominao, subjugao, hierarquia, e negao de simesmo e do outro na autoridade e na obedincia.Linhagens culturais de Homo sapiens-amans agressans earrogans. No momento em que se perde a confana nascoerncias espontneas do mundo, aparece o medo e a

    insegurana e a emoo guia nesta era a desconfiana,o controle e o poder, que buscam o domnio sore ascoisas e sobre Deus. Crendo recuperar atravs docontrole e do poder, a confiana nas coerncias domundo que se vive.

    48

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    49/151

    Era Psquica Moderna

    Dinmica emocional fundamental: domnio da autoridadee alienao no poder.

    a Era da expanso do saber da cincia e da tecnologia:conhecimento, apropriao e domnio do mundo que sevive porque se pensa e sente que o domina.

    Vivemos na confiana de que podemos conhecer diretaou indiretmente o em si dos mundos que vivemos, econfiana de que o conhecimento do mundo ou dos

    mundos que vivemos dar validez universal a nossosargumentos e afirmaes cognitivas. Atua-se na crenade que o conhecimento gerar bem-estar nahumanidade.

    Era Psquica Ps-moderna

    Dinmica emocional fundamental: Domnio do

    Conhecimento. a era da dominao da cincia e da tecnologia:podemos fazer tudo o que iimaginamos, se operarmoscom as coerncias operacionais do domnio em que oimaginamos. Somos onipotentes, somos deuses no fazer,os seres humanos so instrumentos para a realizao denossos desgnios.

    Vivemos na hegemonia da liderana: apropriao daverdade, fanatismo, alienaes ideolgicas, na inovao,

    na manipulao, na desonestidade.Vivemos a gerao de dor e sofrimento na antropostera ena biosfera. Tambm nos movemos em nosso viver nabusca da eternidade e na priso da solido psquica daalienao da onipotncia.

    49

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    50/151

    Era Psquica Ps-ps-moderna

    Dinmica emocional fundamental: Surgimento dareflexo e da ao tica conscientes

    a Era da dor e do sofrimento na antroposfera e nabiosfera que a alienao na onipotncia gera; abre oespao para a reflexo e o surgimento da conscincia dasalienaes ideolgicas e tecnolgicas, e da dor esofrimento que geram.

    a Era em que surge a responsabilidade tica na

    antroposfera e na biosfera desde a ampliao daconscincia de que somos ns mesmos que geramos asdores e sofrimentos que vivemos na antroposfera e nabiosfera. Comeamos a viver o fim da liderana: abre-seo caminho reflexo-ao tica, ao resurgimento dahonestidade e ao desejo de colaborar e co-inspirar.

    Surge a conscincia e o entendimento da matrizbiolgico-cultural da existncia humana que gera, realizae conserva o humano como gerador do cosmos que

    vivemos como o mbito relacional e operacional em quese d o presente de nosso viver.

    Vivemos as seguintes dimenses psquicas: i) Conscinciae desejo da reflexo-ao tica; ii) Conscincia dapertena antroposfera e biosfera; iii) conscincia decuidado e responsabilidade pela biosfera e pelaantroposfera.

    Desta maneira, ento, a era moderna a era do fazer doconhecer, a era em que se fazem aparentes ascapacidades humanas nos mbitos do fazer e do explicarcientfico; a era em que ns seres humanos nosencontramos com capacidades tecnolgicas que nosabrem portas de ao antes somente imaginadas. A eraps- moderna a era do entendimento; a era em que

    50

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    51/151

    tomamos conscincia de que podemos fazer qualquercoisa que imaginarmos, se operarmos com as coernciasoperacionais do mbito relacional em que o imaginarmos;a era em que tomamos conscincia das consequncias do

    que fazemos, porm no nos comprometemos a atuar deacordo com essa conscincia. Contudo, as consequnciasdo que fazemos esto a, podemos v-las, ouvi-las, toc-las, senti-las. O fato de nos comprometermos a atuar deacordo com a conscincia que temos, por apego a nossascertezas, porque desejamos conservar de maneiraconsciente e inconsciente a onipotncia de crer quepodemos fazer qualquer coisa que nos ocorraconservando as coerncias operacionais no domnio em

    que nos ocorra, ou seja, no apego ao poder e onipotncia, nos leva ao caminho do mal-estar.

    E desde este espao psquico que comea a era ps-ps-moderna. E comea quando nos damos conta de quesabemos o que sabemos que sabemos e de queentendemos o que entendemos que entendemos, e aomesmo tempo nos damos conta de que esse saber quesabemos que sabemos, e esse entender que entendemos

    que entendemos, nos compromete com a ao; a era emque somos conscientes de que se no atuamos de acordocom o que sabemos que sabemos mentimos a nsmesmos e mentimos a outros, inclusive a nossos filhos:quande se sabe que se sabe no se pode pretender queno se sabe sem estar mentindo. A era ps-ps-modernasurge como a era da conscincia tica em nosso viver econviver, j que sabemos o que sabemos, queentendemos o que entendemos, o que nos compromete

    com a ao. No entanto, no nos compromete comqualquer ao; nos compromete com uma aoconsciente e responsvel de que as consequncias denossos atos no causem dano a outros, a era em que noqueremos continuar enganando. Tambm gostaramos dedizer que a era ps-ps-moderna ou a era da tica no

    51

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    52/151

    viver e conviver a era que gera um espao operacional-relacional em que ns como seres vivos e seres humanosem particular nos sentimos mais vontade, mais emcasa, dado que nossa ontologia constitutiva se orienta a

    viver e conviver como seres alegres, harmoniosos naconservao do bem-estar. esta a era em quequeremos viver em maior coerncia com o mundonatural, a era que nos coloca no centro de nosso serseres amorosos.

    Na medida em que agora sabemos que sabemos dasconsequncias que nosso fazer tem no mbito humano e

    ecolgico que surge com nosso fazer, e atuamos deacordo com esse saber que sabemos, estamos tansitandopara a era ps-ps-moderna. Na era ps-ps-modernaestamos sendo mais conscientes do que teramos quefazer na conservao da antroposfera e da biosfera demodo que se gere e conserve nelas o viver humano nobem-estar e na harmonia psquica e operacional comoutros seres vivos desde o respeito legitimdade de suaexistncia. Passamos era ps-ps-moderna quando nosdamos conta de que a seriedade, a eficincia, e a

    criatividade socialmente responsvel em qualquer fazerse expandem numa comunidade em que se vive nomtuo respeito e na autonomia na colaborao. Aopassar era ps-ps-moderna, nos damos conta de queisto ocorre numa comunidade humana quando seusmembros sentem que o que fazem tem sentido porqueeles do sentido com o seu viver isso; esta comunidade uma comunidade tica.

    Mas, como atuar? Qual a conduta adequada para geraresse conviver na espontaneidade de nosso sentir? Qual a conduta adequada para realizar a passagem para a eraps-ps-moderna e conservar a espontaneidade daresponsabilidade social cotidiana? O que deve ocorrer na

    52

  • 8/9/2019 MATRIZ TICA DO HABITAR HUMANO. Proyecto do Matrztica 2009

    53/151

    alma do fazer das atividades produtivas ou de servio? Oque deve ocorrer na alma do fazer econmico-polticoque abriu a possibilidade para esta mudana de era comtanta dor e sofrimento na antroposfera e na biosfera,

    para que esta mudana se d de fato?

    Sabemos que tem que acontecer e sabemos tambmque, em geral, se no temos de maneira imediata umproceder adequado mo para fazer o que desejamosfazer, sempre poderemos conceber e realizar umproceder adequado, se o quisermos.

    Isto , sabemos ao passar era ps-ps-moderna queno falta de imaginao ou de