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2.1 C´ alculo variacional 2.2 O Princ´ ıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conserva¸c˜ ao Mecˆ anica Anal´ ıtica Cap´ ıtulo 2: Princ´ ıpio de Hamilton H.Ter¸cas Instituto Superior T´ ecnico (Departamento de F´ ısica)

Mecânica Analítica Capítulo 2: Princípio de Hamilton

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Page 1: Mecânica Analítica Capítulo 2: Princípio de Hamilton

2.1 Calculo variacional 2.2 O Princıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conservacao

Mecanica AnalıticaCapıtulo 2: Princıpio de Hamilton

H. Tercas

Instituto Superior Tecnico(Departamento de Fısica)

Page 2: Mecânica Analítica Capítulo 2: Princípio de Hamilton

2.1 Calculo variacional 2.2 O Princıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conservacao

2.1 Calculo variacional

2.2 O Princıpio de Hamilton

2.3 Multiplicadores de Lagrange

2.4 Simetria e conservacao

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2.1 Calculo variacional 2.2 O Princıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conservacao

2.1 Calculo variacional

Neste capıtulo, procedemos a uma nova formulacao (mais abstracta eelegante) da mecanica Lagrangeana. E baseada nos metodos do calculodas variacoes, que passamos a apresentar.

Seja F = F [y(x), y′(x), x] um funcional (i.e. uma funcao diferenciavel queadmite como variaveis funcoes - tambem estas diferenciaveis). Definamoso seu integral na forma

I =

∫ b

a

F [y(x), y′(x), x]dx.

A quantidade I representa uma determinada grandeza fısica (exemplo: aenergia, o preco, a tensao superficial, a temperatura, a humidade...) quepretendemos que seja extrema (maximo ou mınimo). Por outras palavras,pretendemos determinar as funcoes y(x) e y′(x) tornam I estacionaria.

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a

by(x)

yα1(x)

yα2(x)

Designe-se por yα(x) uma famılia de funcoesde parametro α construıda a partir da funcaode interesse y(x),

yα(x) = y(x) + αη(x)

que satisfazem a condicao de extremosfixos, η(a) = η(b) = 0. A condicao de esta-cionariedade e, entao, aquela que correspondem a variacoes nulas de I soba accao da variacao de α, i.e. se a derivada variacional for nula

δI ≡ dI

∣∣∣∣α=0

= 0.

Usando a definicao1, e notando que δy =dyαdα

∣∣∣∣α=0

, δy′ =dy′αdα

∣∣∣∣α=0

0 =

∫ b

a

(∂f

∂yδy +

∂f

∂y′δy′)dx (1)

1Nota: Neste processo, x e um parametro

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2.1 Calculo variacional 2.2 O Princıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conservacao

Integrando por partes o segundo membro da Eq. (1), temos∫ b

a

∂F

∂y′δy′ dx =

����∂F

∂y′δy

∣∣∣∣ba

−∫ b

a

d

dx

(∂F

∂y′

)δy dx,

onde o primeiro termo se anula pela condicao de extremo fixo δy(a) =δy(b) = 0. Assim,

∫ b

a

[∂F

∂y− d

dx

(∂F

∂y′

)]δy dx =

∫ b

a

[∂F

∂y− d

dx

(∂F

∂y′

)]dyαdα

∣∣∣∣α=0

dx = 0.

Embora a variacao δy seja nula nos extremos, ela e arbitraria no intervalo]a, b[. O integral e nulo, portanto, se

∂F

∂y− d

dx

∂F

∂y′= 0.

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A equacao anterior expressa a condicao de mınimo de I atraves de umaequacao diferencial para as suas variaveis y(x) e y′(x).

Tal condicao e uma das ferramentas fundamentais do calculo variacional,permitindo investigar uma serie de problemas de optimizacao.

Para uma discussao interessante deste tema com problemas que podem in-teressar a um/a jovem fısico/a, eu aconselho as notas publicas de RiccardoCristoferi, da Universidade de Radboud (Holanda).

Para os amantes da matematica e dos seus formalismo, uma boa referenciae o livro An Introduction To The Calculus Of Variations, de Charles Fox.De resto, google is your best friend...

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• Exemplo 1: Distancia mınima no plano. Para a determinar,comecemos pelo elemento infinitesimal de distancia no plano,

ds2 = dx2 + dy2 = dx2

(1 +

dy2

dx2

)⇒ ds = ±

[1 +

(dy

dx

)2]1/2

dx.

Escolhendo o sinal positivo por razoes obvias, podemos escrever

S =

∫ b

a

ds =

∫ b

a

F [y(x),y′(x),x]︷ ︸︸ ︷√1 + y′(x)2 dx.

Assim, temos que

∂F

∂y− d

dx

∂F

∂y′= 0⇔ d

dx

(y′(x)√

1 + y′(x)2

)= 0⇒ y′(x)√

1 + y′(x)2= m,

onde m e uma constante. Tomando o quadrado e integrando,obtemos facilmente a equacao da recta, y(x) = mx+ b. -

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• Exemplo 2: A geodesica. Qual a distancia mınima entre dois pontosnum espaco curvo? A questao e em tudo semelhante ao exemploanterior, com a unica diferenca (importante) de que o intervaloinfinitesimal agora envolve da metrica,

ds2 = gµνdxµdxν = gµν

dxµ

dxν

dτdτ2 ⇒ ds =

√gµν

dxµ

dxν

dτdτ,

onde τ e um parametro da curva xµ(τ). Repetindo o processo,

S =

∫ b

a

ds =

∫ b

a

F [x(τ),x′(τ),τ ]︷ ︸︸ ︷√gµνx′µ(τ)x′ν(τ) dτ.

∂F

∂xα− d

∂F

∂x′α= 0⇔ ∂gµν

∂xαx′µx′ν− d

dτ[gµν (x′νδµα + x′µδνα)] = 0

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⇔ ∂gµν∂xα

x′µx′ν − d

dτ(gανx

′ν + gµαx′µ) = 0,

onde usamos o facto de que gµν depende de xα mas nao das velocidadesx′α. Temos de trabalhar o segundo termo

d

dτ(gανx

′ν + gµαx′µ) =

∂gαν∂xβ

x′βx′ν + gανx′′ν +

∂gαµ∂xβ

x′βx′µ + gαµx′′µ.

Os termos proporcionais a x′′ sao iguais (os dois ındices mudos estaocontraıdos), podendo escrever-se como 2gανx

′′ν . Assim, temos

∂gµν∂xα

x′µx′ν − ∂gαν∂xβ

x′βx′ν − ∂gαµ∂xβ

x′βx′µ − 2gανx′′ν = 0.

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Trocando os ındices mudos ν ↔ β, µ↔ ν e µ↔ β no primeiro, segundo eterceiro termos, respectivamente, e colocando x′βx′µ em evidencia, temos

1

2

(−∂gµβ∂xα

+∂gαµ∂xβ

+∂gαβ∂xµ

)︸ ︷︷ ︸

Γαβµ

x′βx′µ + gανx′′ν = 0.

Finalmente, multiplicando tudo por gνα = gνα, temos a equacao dageodesica

x′′ν + Γνµβx′µx′β = 0,

onde Γνµβ e o sımbolo de Christofel2

Γνµβ = gναΓαβµ =1

2gνα

(∂gαµ∂xβ

+∂gαβ∂xµ

− ∂gµβ∂xα

).

2Chama-se “sımbolo” Christofel pois nao se transforma como um tensor.

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2.2 O Princıpio de Hamilton

Como pudemos perceber, o metodo variacional resultam em equacoesque sao formalmente equivalentes as equacoes de Euler-Lagrange, de-terminadas no Capıtulo 1 atraves do Princıpio dos trabalhos virtuais deD’Alembert.

Neste momento, estamos em condicoes de construir as bases da Mecanicade uma forma mais abstracta e sofisticada, com recurso a um princıpiovariacional: o Princıpio de Hamilton. De acordo com este, a trajectoriade um determinado sistema fısico (descrita pelas coordenadas generalizadasqi(t)) e tal que a accao e mınima. Matematicamente, o princıpio deHamilton estabelece que a condicao de extremo,

δS = δ

∫ b

a

L(qi, qi, t)dt = 0,

implica, por hipotese, uma condicao de mınimo. Por esta razao, e tambemconhecido como Princıpio da Accao Mınima.

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Seguindo a derivacao feita no ponto 2.1, calculamos a derivada variacionalde S para a famılia de trajectorias qi,α = qi + αηi (e, portanto, δqi =dqidα

∣∣∣∣α=0

= ηi) na forma

δS =

∫ b

a

(∂L

∂qiδqi +

∂L

∂qiδqi

)dt = 0.

Integrando por partes e usando a condicao de extremos fixos, δqi(a) =δqi(b), juntamente com o facto de que as coordenadas generalizadas qisao independentes, obtemos as equacoes de Euler-Lagrange

d

dt

∂L

∂qi− ∂L

∂qi= 0.

O interessante em relacao a esta formulacao e dupla

• O princıpio de Hamilton e compatıvel com o princıpio de d’Alembert

• E automaticamente valido para Lagrangeano generalizados,L 6= T + V .

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Podemos recuperar, de forma imediata, a invariancia para a adicao dederivadas totais

L′ = L+dF

dt.

Usando a definicao de accao,

δS′ = δS + δ

∫ b

a

dF

dtdt = δS + δ [F (b)− F (a)] = δS.

∴ A adicao de uma derivada total ao Lagrangeano adiciona uma constanteespuria a accao (as equacoes de E-L ficam invariantes).

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2.3 Multiplicadores de Lagrange

Ate a este ponto, assumimos que as n coordenadas generalizadas qi(t)sao todas independentes entre si. E este facto que nos permite isolarcada um dos pre-factores que multiplicam δqi na derivada variacional deS (resultando em cada uma das n eqs. do movimento).

Em algumas situacoes, podemos estar interessados em generalizar o princıpiode Hamilton para coordenadas ligadas, i.e. que se relacionam atraves deuma equacao de ligacao.

A estrategia e, entao, a seguinte:

• Promover as coordenadas ligadas qk a grau de liberdade

• Adicionar os constrangimentos fk(qi) ao Lagrangeano recorrendo amultiplicadores indeterminados (multiplicadores de Lagrange).

• Determinar as equacoes do movimento e concretizar a ligacao (i.e.tomar fk(qi) = 0) e determinar os respectivos multiplicadores.

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Consideremos, entao n+m coordenadas, tais que as primeiras i = (1, ..., n)sao independentes (e, portanto, graus de liberdade) e as ultimas k =(n+ 1, ...,m) sao ligadas de acordo com as ligacoes holonomas do tipo

fk(qi, qi, t) = 0.

Promovamos as m coordenadas ligadas a grau de liberdade, por um mo-mento. Nesse caso, a funcao de ligacao pode tomar qualquer valor nao-nulo (por outras palavras: podemos entender graus de liberdade comocoordenadas ligadas para as quais nao conhecemos as ligacoes fk). Assim,definamos o seguinte Lagrangeano constrangido

Lλ(qi, qi, t)︸ ︷︷ ︸n+m

= L(qi, qi, t) +

m∑k=n+1

λkfk(qi, qi, t).

Continuamos a invocar o princıpio da accao mınima,

δSλ =

∫ b

a

(δL+ δ

m∑k=n+1

λkfk

)dt = 0.

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O primeiro termo e o habitual (voltamos a introduzir o sımbolo de somapara clareza)

∫ b

a

δL dt =

∫ b

a

n∑i=1

(∂L

∂qiδqi +

∂L

∂qiδqi

)dt

=

∫ b

a

n∑i=1

(∂L

∂qi− d

dt

∂L

∂qi

)δqi dt.

O segundo termo, apesar de diferente, e do mesmo tipo (condicao deextremos fixos, δqk(a) = δqk(b) = 0)

∫ b

a

δ

m∑k=n+1

λkfk dt =

∫ b

a

m∑k=n+1

m∑j=1

(∂(λkfk)

∂qjδqj +

∂(λkfk)

∂qjδqj

)dt

=

∫ b

a

m∑k=n+1

m∑j=1

(∂(λkfk)

∂qj− d

dt

∂(λkfk)

∂qj

)δqj dt

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E de notar que agora temos duas somas que percorrem os ındices i = (1, ..., n)e j = (1, ..., n, n+ 1, ...,m) = ({i}, ...,m). E aqui que entra, de facto, a

promocao a grau de liberdade das coordenadas ligadas:n∑i=1

→m∑j=1

, e a

informacao da ligacao estara exclusivamente estabelecida assim que voltar-mos a fixar fk = 0. Podemos, entao, colocar δqj em evidencia

δSλ = 0 =

∫ b

a

m∑j=1

[∂L

∂qi− d

dt

∂L

∂qi+

m∑k=n+1

(∂(λkfk)

∂qj− d

dt

∂(λkfk)

∂qj

)]δqj .

Apos esta “promocao” a grau de liberdade das m coordenadas ligadas,podemos entao invocar a independencia dos δqj , tal que

d

dt

∂L

∂qj− ∂L

∂qj= Qλj ,

Onde definimos a forca generalizada de ligacao

Qλj =m∑

k=n+1

(∂(λkfk)

∂qj− d

dt

∂(λkfk)

∂qj

).

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Aqui fica claro que λk gera a informacao sobre as forcas de ligacao nosistema, que aparecem como consequencia da restricao das coordenadas(como veremos, λk tem muitas vezes unidades fısicas de forca).

Na maioria dos casos de interesse, λk = λk(t) (quando muito; na verdadeassistido quase sempre ao caso λk = const. A dependencia no tempo sovem se for produzida externamente)

Qλj =∑k

λk∂fk∂qj− d

dt

∂(λkfk)

∂qj.

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• Exemplo 1: A conta no aro. Consideremos uma conta de massa mnum aro de raio R. Qual e a forca que mantem a conta a umadistancia fixa r = R?

A ligacao que temos de usar e, neste caso, f(r) = r −R.Promovemos r a grau de liberdade,

Lλ(r, r, θ, θ) =1

2m(r2 + r2θ2

)+mgr cos θ + λf(r).

Da equacao de Euler-Lagrange para a coordenada radial,

d

dt

∂L

∂r− ∂L

∂r= λ⇐⇒ mr −mrθ2 −mg cos θ = λ.

O valor de λ e agora fixado fazendo uso da equacao de ligacao,r = R, r = 0, o que resulta em

Qλr = λ∂f

∂r= −

(mgR cos θ +mRθ2

).

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• Exemplo 2: O disco que rola sem deslizar. Consideremos um discode raio R que rola, sem deslizar, por uma rampa de inclinacao ϕ.

g(X, θ) = Rθ − X = 0 =⇒ f(X, θ) = Rθ −X + c = 0

Promovendo X e θ a graus de liberdade,

Lλ(X, X, θ, θ) =1

2m(X2 +R2θ2

)+mgX sinϕ+ λf(r).

Das equacao de Euler-Lagrange,

d

dt

∂L

∂θ− ∂L

∂θ= λR⇐⇒ mRθ = λ

d

dt

∂L

∂X− ∂L

∂X= −λ⇐⇒ mX −mg sinϕ = −λ

Usando agora que Rθ = X, vem 2λ = mg sinϕ, pelo que

Qλθ = λ∂f

∂θ=

1

2mgR sinϕ, QλX = λ

∂f

∂X= −1

2mg sinϕ

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2.4 Simetria e conservacao

No capıtulo anterior, deparamo-nos com algumas invariancias contidas nasequacoes do movimento. Estamos em condicoes de poder estabelecer, deforma generica, a relacao entre simetria e leis de conservacao.

Comecemos pela mais obvia. Seja qi uma coordenada da qual o La-grangeano nao depende explicitamente, i.e. L = L(qi, t) apenas. Nestecaso, qi diz-se coordenada cıclica e satisfaz

∂L

∂qi= 0⇒ d

dt

∂L

∂qi= 0.

∴ O momento canonico pi e conservado

pi ≡∂L

∂qi= constante.

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• Exemplo 1: Conservacao do momento linear. Seja x a coordenadaque descreve o movimento unidimensional de uma partıcula livre

L(x) =1

2mx2.

Neste caso, x e uma variavel cıclica (o Lagrangeano e simetrico paratranslacoes). Assim,

p =∂L

∂x= mx = const.

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• Exemplo 2: Conservacao do momento angular. Sejam (r, θ) ascoordenadas que descrevem o movimento de uma partıcula no plano,sob a accao de um potencial V (r)

L(r, r, θ) =1

2m(r2 + r2θ2

)− V (r).

Neste caso, θ e uma variavel cıclica (o Lagrangeano e simetrico pararotacoes). Assim,

pθ =∂L

∂θ= mr2θ = m (~r × ~v)z = const.

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Conservacao da energia

A conservacao da energia mecanica esta associada a simetria temporal.Contudo, o tempo nao entra no formalismo como uma coordenada, massim como parametro. Ainda assim, dizemos que o Lagrangeano e simetricopara translacoes no tempo sse

∂L

∂t= 0.

Comecemos por determinar, portanto, a derivada total do Lagrangeano

dL

dt=∂L

∂t+∂L

∂qiqi +

∂L

∂qiqi.

=∂L

∂t+d

dt

(∂L

∂qi

)qi +

∂L

∂qiqi

=∂L

∂t+d

dt

(∂L

∂qiqi

),

onde usamos a eq. de Euler-Lagrange no segundo passo.

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Separando os termos nas derivadas totais e parciais, a ultima equacao vem

d

dt

(∂L

∂qiqi − L

)= −∂L

∂t.

Se o Lagrangeano for simetrico para o tempo, entao

Identidade de Beltrami

d

dt

(∂L

∂qiqi − L

)= 0.

∴ A quantidade

h(qi, qi) ≡∂L

∂qiqi − L

e conservada. Para Lagrangeanos do tipo L = T (q2i )−V (qi), h representa

a energia mecanica do sistema

h(qi, qi) = T (q2i ) + V (qi).

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2.1 Calculo variacional 2.2 O Princıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conservacao

E importante notar que o funcional de energia

h(qi, qi) =∂L

∂qiqi − L

nem sempre corresponde a energia mecanica do sistema. Embora a iden-tidade de Beltrami assegure a sua conservacao sempre que o Lagrangeanonao dependa explicitamente do tempo, h so correspondera a energia mecanica(h = T +V ) para algumas situacoes. Na pratica, para a maioria dos casosem que L = T −V ; quase nunca para problemas parametricos, i.e. parasistemas que sao actuados externamente atraves, onde ha controle de umou varios parametros da teoria.

A analise do significado fısico de h requer algum cuidado e devemos faze-lasempre no contexto especıfico de cada problema. Nao conheco - confesso- nenhum criterio geral para garantir a correspondencia unıvoca entre h ea energia mecanica de um sistema. Vejamos exemplos.

Page 27: Mecânica Analítica Capítulo 2: Princípio de Hamilton

2.1 Calculo variacional 2.2 O Princıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conservacao

• Exemplo 1.1: A conta no aro que gira rigidamente. Considere uma contade massa m no aro de raio R. Suponhamos que o aro e colocado agirar a uma velocidade constante ϕ = ω.

L(θ, θ) =1

2m(R2θ2 +R2ω2 sin2 θ

)+mgR cos θ.

Como L 6= L(t), entao, pela identidade de Beltrami,

h(θ, θ) =∂L

∂θθ − L

=1

2m(R2θ2 −R2ω2 sin2 θ

)−mgR cos θ

=1

2m(R2θ2 +R2ω2 sin2 θ

)−mgR cos θ −mR2ω2 sin2 θ.

Neste caso, h = T + V −mR2ω2 sin2 θ = const. 6= T + V . Tal aconteceporque ϕ = ω esconde uma ligacao holonoma reonoma, f(t, ϕ) = ϕ−ωt.

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• Exemplo 1.2: A conta no aro que gira livremente. Permitamos, agora,que o aro gire livremente sobre o seu eixo. Como costumamos dizer,promovamos ϕ a grau de liberdade.

L(θ, θ, ϕ, ϕ) =1

2m(R2θ2 +R2ϕ2 sin2 θ

)+mgR cos θ.

Mais uma vez, como ∂tL = 0,

h(θ, θ, ϕ, ϕ) =∂L

∂θθ +

∂L

∂ϕϕ− L

=1

2m(R2θ2 +R2ϕ2 sin2 θ

)−mgR cos θ.

Neste caso, h = T + V = const.

A diferenca importante e que, no caso da rotacao livre, a ligacaoholonoma reonoma equivale a transformar o problema num referen-cial em rotacao (que, como sabemos, e nao inercial, nao gozando,portanto, das mesmas propriedades de conservacao).

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Vejamos, agora, como a questao das transformacoes de coordenadas afec-tam a nossa percepcao da conservacao da energia mecanica.

• Exemplo 2.1: Atrito sem Rayleigh. Em alguns casos, e possıvel de-screver atrito sem recorrer aos potenciais de Rayleigh. Consideremoso seguinte Lagrangeano:

L(q, q, t) = eγt(

1

2mq2 − k

2q2

).

A equacao do movimento produz

d

dt

∂L

∂q− ∂L

∂q= 0⇐⇒ q + γq + ω2

0q = 0, (ω0 =√k/m),

que reconhecemos como a equacao do oscilador harmonico amorte-cido.

dh

dt= −∂L

∂t= −γeγt

(1

2mq2 − k

2q2

)= −γL,

onde h =∂L

∂qq − L = eγt(T + V ) 6= T + V . Nao ha conservacao de

h (e h nao e a energia mecanica do sistema).

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2.1 Calculo variacional 2.2 O Princıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conservacao

• Exemplo 2.2: Atrito sem Rayleigh + transformacao. Revisitemos o

exemplo anterior com a transformacao s = eγ/2tq.

L(s, s) =1

2m

(s2 +

γ2s2

4− γss

)− 1

2ks2 =

1

2m(s− γ

2s)2

− 1

2ks2.

Neste referencial, a equacao do movimento e

s+

(ω2

0 −γ2

4

)s = 0,

onde identificamos a frequencia de Re q(t), ω =√ω2

0 − γ2/4. Ja a

energia vem, desta vez, conservada

h(s, s) =∂L

∂ss− L =

1

2ms2 +

1

2ω2s2 = T (s2) + V (s).

,,,

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2.1 Calculo variacional 2.2 O Princıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conservacao

Teorema de Nother

Fechamos este capıtulo com um resultado geral sobre as simetrias e as leisde conservacao. E um dos triunfos do Princıpio de Hamilton (e, portanto,do calculo variacional) que tem tanto de abstracto como de poderoso.

Para isso, comecemos por distinguir transformacoes discretas de trans-formacoes contınuas. As ultimas sao caracterizadas pela existencia deum parametro ε que as torna diferenciaveis. Em oposicao, as primeiras saotodas aquelas que nao verificam esta propriedade.

O Teorema de Noether diz-nos, em suma, que “para cada simetriacontınua do Lagrangeano, existe uma quantidade conservada associada”.Vejamos como o formulamos matematicamente e como e que podemosextrair as leis de conservacao a partir da identificacao das simetrias.

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Alguns exemplos de transformacoes discretas sao

• Paridade, P: P[f ] = −f• Conjugacao de carga, C: C[f ]→ f∗ (para variaveis complexas!)

• Inversao do tempo, T : T [f(t)] = f(−t)As combinacoes das simetrias CP e CPT sao pilares fundamentais da fısicamoderna (por exemplo, controlam ou nao a adicao de novas partıculas aoModelo Standard).

Alguns exemplos de transformacoes contınuas (infinitesimais) sao

• Translacao: f(x)→ f(x+ ε) = f(x) + εx

• Rotacao: f(~x)→ f(~x+ εR(θ)~x) = f(~x) + εR(θ)~x

• Dilatacao: f(x)→ f(εx).

Estas ultimas transformacoes dizem-se homogeneas se f(εx) = εαf(x),onde α designa o grau da homogeneidade (so por curiosidade...)

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Consideremos, para ja, uma classe de transformacoes contınuas para ascoordenadas generalizadas,

qi(t)→ qi(t, ε) = qi(t) + εηi(t).

A sua derivada variacional e, portanto, definida da forma usual

δqi =dqidε

∣∣∣∣ε=0

= ηi.

Assumamos que o Lagrangeano e invariante para a transformacao acima

L(qi) = L(qi + εηi) =⇒ δL =dL

∣∣∣∣ε=0

= 0.

Neste caso, temos

0 = δL =∂L

∂qiδqi +

∂L

∂qiδqi

=d

dt

(∂L

∂qi

)δqi +

∂L

∂qiδqi =

d

dt

(∂L

∂qiδqi

).

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Para a classe de transformacoes acima definida, temos entao o resultadodo Teorema de Noether na sua forma fraca

Teorema de NoetherSe δL = 0, entao

I(qi, qi) =∂L

∂qiηi = constante

A forma forte deste teorema e obtido definindo simetrias espacio-temporais,para as quais a seguinte famılia de transformacoes contınuas se deve usar

qi(t, ε) = qi(t) + εηi(t), τ(t, ε) = t+ εψ(t).

Neste caso, como t e um parametro do Lagrangeano (e nao uma coor-denada generalizada), as derivadas variacionais devem ser tomadas paraa accao S, e nao para o Lagrangeano (fica aqui o desafio de pensarmosnesta formulacao...)

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2.1 Calculo variacional 2.2 O Princıpio de Hamilton 2.3 Multiplicadores de Lagrange 2.4 Simetria e conservacao

• Exemplo 1. Conservacao do momento linear. Seja

L(x, x) =1

2mx2

. Como sabemos, L e invariante para translacoes. Na linguagem doteorema de Noether, a teoria e simetrica para a transformacao

x(t)→ x(t, ε) = x(t) + ε.

Identificando ηx = 1 na classe de transformacoes contınua de quefaz parte, temos

I(x) =∂L

∂xηx = mx.

E um exemplo trivial, assumamos. Mas o importante e agora estarmos naposse de uma ferramenta que nos permite calcular de forma sistematicaquantidades conservadas nos nossos problemas fısicos, sem que para issonecessitemos de integrar as equacoes do movimento.

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• Exemplo 2. Conservacao do momento angular. Seja

L(x, x, y, y) =1

2m(x2 + y2) + V (

√x2 + y2).

Como sabemos, L e invariante para rotacoes, i.e. para atransformacao3

xi(t)→ xi(t, ε) = xi(t) + εRijxj(t), Rij =

[0 −11 0

]Identificando ηi = Rijxj na classe de transformacoes contınua deque faz parte, temos

I =∂L

∂xiηi = mxiRijxj = m (−x1x2 + x2x1) = m (xy − xy) ,

onde facilmente identificamos I = m(~r × ~v)z = `θ, i.e. a conservacao domomento angular segundo z.

3Nota: (x1, x2) = (x, y), bem entendido...