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Texto de revisão 1-Introdução 2-Avaliação Diagnóstica Pelo menos metade dos pacientes neutropênicos febris possuem infecção estabelecida ou oculta e cerca de 1/5 dos pacientes com menos de 100 neutrófilos têm bacteremia. O principal sítio de infecção é o trato alimentar, pois a quimioterapia leva a dano na mucosa, predispondo à invasão de organismos oportunistas. Locais de procedimentos invasivos, como acesso vascular, também são importantes sítios de infecção. São inúmeros os organismos que podem causar bacteremia. Definições Febre-É a temperatura axilar 38,3C, na ausência de causa ambiental. A persistência de temperatura 38C por 1hora também indica o estado febril. Neutropenia-É a contagem de neutrófilos menor de 1000/mm3, que aumenta a susceptibilidade à infecção, com a freqüência e severidade desta sendo inversamente proporcional à contagem de neutrófilos. A duração da neutropenia também é um importante fator de infecção, assim como anormalidades da função fagocitária ou outros déficits na resposta imune. A avaliação inicial deve constar do exame físico, hemograma completo, creatinina, uréia, transaminases e hemoculturas de veia periférica e/ou cateter. A radiografia de tórax deve ser feito para pacientes com sinais e sintomas respiratórios ou se o tratamento ambulatorial é planejado. a-Clínica-Todo sinal e sintoma de início recente deve ser investigado, porém, sinais e sintomas de inflamação podem ser mínimos ou ausentes no paciente severamente neutropênico, especialmente se tiver anemia. Pode cursar com infecção cutânea sem celulite clássica; infecção pulmonar sem infiltrado na radiografia; meningite sem alteração de células no líquor e infecção do trato urinário sem piúria. Procurar especificamente os sítios mais prováveis de infecção, ou seja, os dentes, a faringe, o esôfago inferior, o pulmão, o períneo incluindo o ânus, o fundo de olho, a pele, os sítios de cateteres e o tecido ao redor das unhas. Fatores de baixo risco para infecção severa 1-Contagem de neutrófilos maior que 100/mm3 2-Monócitos maior que 100/mm3 3-Radiografia de tórax normal 4-função renal e hepática normais 5-Neutropenia por menos de 7 dias 6-Resolução esperada da neutropenia em menos de 10 dias 7-Sem infecção por cateter 8-Evidência de recuperação precoce da medula óssea 9-Malignidade em remissão 10-Temperatura menor que 39C 11-Ausência de alteração neurológica ou aparência de doença ou dor abdominal ou comorbidade. b-Laboratorial-Hemograma, uréia e creatinina são necessários para cuidados de suporte e para monitorar toxicidade de drogas, devendo ser realizados pelo menos a cada 3 dias durante o uso de antibióticos. Algumas drogas, como Anfotericina B, necessitam de controle mais freqüente de creatinina e eletrólitos. Dosar transaminases é aconselhável em suspeita de lesão hepática ou de curso complicado. A análise do líquor não é recomendada como rotina, mas apenas se tiver suspeita de infecção do SNC e se a trombocitopenia for ausente ou controlável. c-Culturas-Devem ser realizadas imediatamente. Se existe cateter venoso central, recomenda-se colher mais de um set de hemocultura, sendo uma amostra do lúmen e pelo menos outra de veia periférica. Cultura quantitativa é útil na suspeita de infecção por cateter, para comparação com a hemocultura de veia periférica. Conduta em pacientes neutropênicos febris com Câncer. Avaliação e escolha do Antibiótico. Por: Ddo. Juan Felipe Neves Alvarez Dr. Haroldo C. da Silva e Dr. Luiz André V. Fernandes Texto baseado no Guideline da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas 1 CURSO PRÓ-R

Medicina Pror Medcurso Residencia NeutropFebrilCancer

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Page 1: Medicina Pror Medcurso Residencia NeutropFebrilCancer

Texto de revisão

1-Introdução

2-Avaliação Diagnóstica

Pelo menos metade dos pacientes neutropênicos febris possuem infecção estabelecida ou oculta e cerca de 1/5 dos pacientes com menos de 100 neutrófilos têm bacteremia.

O principal sítio de infecção é o trato alimentar, pois a quimioterapia leva a dano na mucosa, predispondo à invasão de organismos oportunistas. Locais de procedimentos invasivos, como acesso vascular, também são importantes sítios de infecção. São inúmeros os organismos que podem causar bacteremia.

Definições Febre-É a temperatura axilar 38,3C, na ausência de causa ambiental. A persistência de temperatura 38C por

1hora também indica o estado febril. Neutropenia-É a contagem de neutrófilos menor de 1000/mm3, que aumenta a susceptibilidade à infecção,

com a freqüência e severidade desta sendo inversamente proporcional à contagem de neutrófilos. A duração da neutropenia também é um importante fator de infecção, assim como anormalidades da função fagocitária ou outros déficits na resposta imune.

A avaliação inicial deve constar do exame físico, hemograma completo, creatinina, uréia, transaminases e hemoculturas de veia periférica e/ou cateter. A radiografia de tórax deve ser feito para pacientes com sinais e sintomas respiratórios ou se o tratamento ambulatorial é planejado.

a-Clínica-Todo sinal e sintoma de início recente deve ser investigado, porém, sinais e sintomas de inflamação podem ser mínimos ou ausentes no paciente severamente neutropênico, especialmente se tiver anemia. Pode cursar com infecção cutânea sem celulite clássica; infecção pulmonar sem infiltrado na radiografia; meningite sem alteração de células no líquor e infecção do trato urinário sem piúria. Procurar especificamente os sítios mais prováveis de infecção, ou seja, os dentes, a faringe, o esôfago inferior, o pulmão, o períneo incluindo o ânus, o fundo de olho, a pele, os sítios de cateteres e o tecido ao redor das unhas.

Fatores de baixo risco para infecção severa 1-Contagem de neutrófilos maior que 100/mm32-Monócitos maior que 100/mm33-Radiografia de tórax normal4-função renal e hepática normais5-Neutropenia por menos de 7 dias6-Resolução esperada da neutropenia em menos de 10 dias7-Sem infecção por cateter8-Evidência de recuperação precoce da medula óssea9-Malignidade em remissão10-Temperatura menor que 39C11-Ausência de alteração neurológica ou aparência de doença ou dor abdominal ou comorbidade. b-Laboratorial-Hemograma, uréia e creatinina são necessários para cuidados de suporte e para monitorar

toxicidade de drogas, devendo ser realizados pelo menos a cada 3 dias durante o uso de antibióticos. Algumas drogas, como Anfotericina B, necessitam de controle mais freqüente de creatinina e eletrólitos.

Dosar transaminases é aconselhável em suspeita de lesão hepática ou de curso complicado. A análise do líquor não é recomendada como rotina, mas apenas se tiver suspeita de infecção do SNC e se a trombocitopenia for ausente ou controlável.

c-Culturas-Devem ser realizadas imediatamente. Se existe cateter venoso central, recomenda-se colher mais de um set de hemocultura, sendo uma amostra do lúmen e pelo menos outra de veia periférica. Cultura quantitativa é útil na suspeita de infecção por cateter, para comparação com a hemocultura de veia periférica.

Conduta em pacientes neutropênicos febris com Câncer. Avaliação e escolha do Antibiótico.

Por: Ddo. Juan Felipe Neves AlvarezDr. Haroldo C. da Silva e Dr. Luiz André V. FernandesTexto baseado no Guideline da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas

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Contagem de colônias maior de 500/ml está associada com maior morbi-mortalidade.Se a entrada do cateter está inflamada ou com secreção, ela deve ser analisada por gram e cultura para bactérias

e fungos. Se a lesão for persistente e crônica, adiciona-se pesquisa para micobacterioses atípicas. A Urinocultura é indicada se houver sinais ou sintomas de infecção urinária, uso de cateter vesical ou EAS

anormal.Infecções por Gram positivos correspondem a 60-70% das infecções documentadas, principalmente em

pacientes com cateter de longa permanência, incluindo as infecções mais indolentes (estafilococos coagulase-negativo, enterococo resistente à Vancomicina, Corynebacterium jeikeium) e as infecções complicadas se não tratadas rapidamente (S. aureus, estreptococo viridans e pneumococo). Dentre os bacilos gram negativos, E. coli, P. aeruginosa e Klebsiella permanecem como importantes causas de infecção. Cândida ou outros fungos também podem ser causas de infecção primária.

Na escolha do antibiótico inicial, devemos considerar o tipo, freqüência da ocorrência e a susceptibilidade a antibióticos das bactérias isoladas em outros pacientes no mesmo hospital.

d-Swab-O swab nasal é indicado apenas como proposta de controle de infecção hospitalar, podendo revelar colonização por MARSA, Pneumococo resistente à penicilina, Aspergillus. O swab retal pode evidenciar Pseudomonas aeruginosa, bacilos Gram negativos resistentes ou Enterococos resistentes à vancomicina.

e-Imagem-A radiografia de tórax deve ser solicitada quando o paciente apresentar sinais e sintomas de anormalidade no trato respiratório, mas certos especialistas recomendam para todo paciente que irá ser tratado ambulatorialmente mesmo sem manifestações pulmonares.

A TC de alta resolução irá mostrar pneumonia em mais da metade dos neutropênicos febris com radiografia de tórax normal e sintomas respiratórios.

O tratamento antibiótico deve ser iniciado em todo paciente neutropênico no início da febre, devido à dificuldade de distinguir o paciente infectado do não-infectado e à rápida progressão da infecção nesses pacientes. Pacientes afebris com neutropenia mas com sinais e sintomas compatíveis com infecção devem ser tratados como neutropênicos febris.

Cateter venosoNão deve ser retirado durante a antibioticoterapia na maioria dos pacientes, mesmo com infecção relacionada

ao cateter. Nesses casos, o S. aureus e estafilococos coagulase-negativos são os germes mais comuns, e geralmente respondem à antibioticoterapia mesmo com a manutenção do cateter. A remoção do cateter pode ser necessária para cura, independente da etiologia, se a infecção for recorrente ou não ocorrer resposta aparente ao antibiótico em 2-3 dias, assim como evidências de abscesso, embolo séptico, infecção do túnel sub-cutâneo, hipotensão associada com uso de cateter ou um cateter não pérvio. A combinação de desbridamento do tecido infectado com a remoção do cateter é feita na infecção por micobactérias atípicas.

Só deve ser feito em pacientes classificados como baixo risco de complicações, em neutropênicos febris sem foco de infecção ou sinais e sintomas sugerindo infecção sistêmica. Pode-se tratar o paciente por via oral, com o paciente internado ou não. Se a opção for pelo regime ambulatorial, o paciente deve ter possibilidade de acesso imediato ao hospital 24 horas por dia.

Os fatores que reduzem a chance de infecção severa são úteis para escolher o paciente que pode ser tratado ambulatorialmente. Com base nesses dados, foi criado um escore de risco:

Características ScoreSem sintomas, ou 5 ouSintomas leves, ou 5 ouSintomas moderados 3Sem hipotensão 5Sem DPOC 4Tumor sólido ou sem infecção fúngica 4Sem desidratação 3Início da febre fora do hospital 3Idade menor de 60 anos 2Índice 21 demonstra risco reduzido para complicações e morbidade.Em nosso meio, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde e o baixo nível cultural de boa parte da

população, tornam o regime de tratamento ambulatorial pouco recomendado.Como alternativa ao regime ambulatorial inicialmente, podemos fazer uma breve admissão hospitalar, com

antibioticoterapia venosa, exclusão de infecção fulminante, e posterior alta hospitalar com maior segurança, frequentemente para terminar o tempo de antibiótico via oral em casa.

3-Antibioticoterapia inicial

4-Uso de antibióticos orais e tratamento ambulatorial

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5-Tratamento com antibióticos orais

6-Tratamento com antibiótico venoso

São usados em neutropênicos febris de baixo risco para infecção bacteriana. Tem como vantagens o custo reduzido, facilidade de controle ambulatorial, evitar o uso de cateter e reduzir a infecção hospitalar.

Os regimes que têm sido mais avaliados são Ofloxacina, Ciprofloxacina e Ciprofloxacina com Amoxilina-clavulanato, dando preferência para o último, pela cobertura a gram positivos.

Quinolonas não são usadas em crianças. Mas crianças de baixo risco podem fazer uso de drogas venosas por 48h, e depois seguir regime ambulatorial.

O primeiro passo é decidir se o paciente é candidato à internação ou tratamento ambulatorial com drogas orais ou venosas (figura 1). Os esquemas venosos possíveis são:

a-Monoterapiab-Terapia com 2 drogas sem um glicopeptídeo (Vancomicina)c-Terapia com glicopeptídeo (Vancomicina) com 1 ou 2 drogas.

a-MonoterapiaTem a mesma eficácia da terapia com múltiplas drogas, em casos não complicados. As Cefalosporinas de terceira ou quarta geração (Ceftazidima ou Cefepime) ou Carbapenêmicos (Imipenem-

cilastina ou Meropenem) podem ser usadas como monoterapia. O uso de Vancomicina pode ser necessário em conjunto à Ceftazidime, pois essa não tem ação contra

Estreptococos Viridans e Pneumococo. O paciente deve ser monitorado para avaliar a não resposta, infecções secundárias, efeitos adversos e

desenvolvimento de resistência a drogas, sendo necessária associação de outros antibióticos. O uso de quinolonas como profilaxia em neutropênicos febris limita seu uso, não sendo recomendada como

droga inicial para monoterapia venosa.

b-Terapia com duas drogas, sem um glicopeptídeo (Vancomicina)O regime mais comum inclui um aminoglicosídeo (Gentamicina, Tobramicina, Amicacina) com uma

penicilina anti-Pseudomonas (Ticarcilina-ácido clavulânico ou Piperacilina-tazobactam); um aminoglicosídeo com uma cefalosporina anti-pseudomonas (Cefepime ou Ceftazidime); e um aminoglicosídeo com um carbapenem. Todas com eficácia similar.

Vantagens da terapia combinada-Efeito sinérgico contra bacilos gram negativos e mínima resistência microbiana às drogas.

Desvantagens-Falta de atividade contra bactérias gram positivas (se usar ceftazidime e aminoglicosídeo) e a nefrotoxicidade, ototoxicidade e hipocalemia associadas com aminoglicosídeo e carboxipenicilinas.

Associações de quinolonas com beta-lactâmicos ou glicopeptídeos são uma opção para terapia inicial em pacientes que não faziam uso de profilaxia com essas drogas. Qualquer regime de antibiótico inicial deve incluir drogas com atividade anti-pseudomonas.

c-Terapia com Vancomicina associado com uma ou duas drogasPela crescente resistência à Vancomicina, como o que ocorre nas infecções por Enterococos, o uso desta droga

tem sido limitada apenas para situações específicas. É uma droga que deve não ser utilizada até que as culturas indicarem a sua necessidade, em pacientes não críticos.

Algumas infecções por gram positivos podem ser susceptíveis somente à Vancomicina e podem ser sérias, levando à morte em menos de 24h, se não tratadas prontamente. Vancomicina não costuma reduzir a mortalidade da infecção pelos gram positivos em geral, mas reduz a mortalidade por Estreptococos Viridans resistentes a Penicilina.

Em instituições com alto índice de infecção por gram positivos, a Vancomicina deve fazer parte da terapêutica inicial em pacientes de alto risco, mas deve-se suspender seu uso 24 a 48h após, se nenhuma infecção por germe gram positivo for identificada. Espécies de Bacillus e C. jeikeium são susceptíveis somente à Vancomicina, mas essas infecções não costumam ser graves.

A associação de Vancomicina na terapia inicial deverá ser indicada quando a suspeita de infecção por cateter for grande ou que tenha colonização conhecida com MARSA ou pneumococo resistente à penicilina e cefalosporina ou resultados positivos de hemocultura para bactérias gram-positivas antes da sensibilidade a antibióticos ou hipotensão ou colapso cardiovascular ou uso de profilaxia primária com quinolona.

Linezolida e quinupristina-dalfopristina oferecem boa opção para tratamento de infecções gram positivas resistentes, incluindo Enterococos resistentes à Vancomicina, embora a Linezolida leve à mielossupressão. Lembrar que a Teicoplamina ainda não foi aprovada pelo FDA, até porque o seu uso é muito maior na Europa.

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7-Conclusão

Determinar o risco do paciente é fundamental. Se for paciente de alto risco, devem ser prescritas drogas venosas. Se o risco for baixo, o paciente pode ser tratado por via venosa ou oral.

Decidir se há necessidade de uso de Vancomicina. Se for necessário, começar tratamento com 2 a 3 drogas combinando Vancomicina com Cefepime, Ceftazidima ou um Carbapenem, com ou sem um Aminoglicosídeo.

Se a Vancomicina não for indicada, começar monoterapia com uma cefalosporina (Cefepime ou Ceftazidima) ou um carbapenêmico (Meropenem ou Imipenem-cilastina) para casos não-complicados. A terapia com duas drogas pode ser usada para casos complicados ou com resistência antimicrobiana.

Adultos selecionados cuidadosamente para terapia oral podem receber ciprofloxacina com Amoxilina-clavulanato. A terapia ambulatorial não é recomendada para crianças.

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3Febre (Temperatura >= 38.3ºC) + Neutropenia (< 500 neutrófilos/mm )

Baixo risco

Oral IV

Alto risco

Vancomicina não indicada

Vancomicina indicada

Ciprofloxacino

+

Amoxicilina-clavulanato

(somente em adultos)

Monoterapia

Cefepime, Ceftazidime ou Carbapenem

Duas Drogas

Aminoglicosídeo

+

Penicilina Antipseudomonas

Cefepime

Ceftazidime ou Carbapenem

Vancomicina

Vancomicina

+

Cefepime, Ceftazidime ou Carbapenem

+/- Aminoglicosídeo

Reavaliar após 3-5 dias

Fig. 1. Escolha do esquema de Antibiótico inicial