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 CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011 1 Moedas Sociais – Mecanismo de Desenvolvimento e Desafio Multidisciplinar 1  ÍNDICE Narrat iva ...................................................................................................................... . 2 Apêndices: 1 - Entrevista - Emmanue l Roberto Girão Pinto (Promotor de Justiça) ................... 7 2 - Impacto na Sociologia ....................................................................................... 9 3 - Impactos na Economia ................................................................................... 12 4 - Referências Bibliográficas..................................................................... .......... 14 1  Caso produzido em 2011 para a Casoteca DIREITO GV, por Nicole Julie Fobe e Renato Vilela.

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    Moedas Sociais Mecanismo de Desenvolvimento e Desafio Multidisciplinar1

    NDICE

    Narrativa ....................................................................................................................... 2 Apndices:

    1 - Entrevista - Emmanuel Roberto Giro Pinto (Promotor de Justia) ................... 7 2 - Impacto na Sociologia ....................................................................................... 9 3 - Impactos na Economia ................................................................................... 12 4 - Referncias Bibliogrficas ............................................................................... 14

    1 Caso produzido em 2011 para a Casoteca DIREITO GV, por Nicole Julie Fobe e Renato Vilela.

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    NARRATIVA

    Tudo comeou em uma favela de 30.000 habitantes2, no interior do Cear, quando alguns lderes de uma comunidade extremamente carente deram incio ao primeiro caso de sucesso dos bancos comunitrios no Brasil. Deste empreendimento, surgiu um outro produto: as moedas sociais, instrumento poderoso e intimamente relacionado ao sucesso do esforo comunitrio. Elas chamam a ateno pela potencialidade e, ao mesmo tempo, pela desregulamentao absoluta. No h, no Brasil, marco regulatrio algum em se tratando de moedas complementares.3

    R$1.200.000,00 (um milho e duzentos mil Reais). Era essa a quantia gasta mensalmente por todos os moradores do Conjunto Palmeira. Com essa cifra em mente, os lderes da Associao de Moradores perguntaram-se como o bairro podia ser to pobre, e chegaram concluso de que o problema no estava na arrecadao, e sim na circulao do dinheiro: os moradores gastavam fora do Conjunto, ou seja, ganhava-se o dinheiro na comunidade, mas no se gastava nela: o desenvolvimento era tolhido pelos prprios habitantes. Surgiu ento uma proposta visando permanncia do meio circulante no prprio bairro. Como j havia sido experimentado com sucesso em outros lugares (como o WIR, na Sua e o LETS, no Canad e

    2 Os dados citados nesta narrativa tm por base, alm das fontes citadas, relatos do fundador

    do Banco Palmas, Joo Joaquim Melo Segundo, colhidos na conferncia Bancos Comunitrios e Finanas Inclusivas, realizada no dia 28 de maio de 2010 na Escola de Economia e Administrao da Fundao Getulio Vargas. 3 Muito embora a Constituio Federal de 1988 disponha que competncia exclusiva da

    Unio a emisso de moeda (art. 164), argumenta-se que as moedas sociais possuem natureza diversa da moeda nacional de curso forado, alm de no terem por objetivo - teoricamente - a substituio ou restrio ao uso do Real. Atualmente, o Banco Central e a SENAES (Secretaria Nacional de Economia Solidria) estudam uma possvel parceria para regular a moeda social. Tramita tambm no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar n 93/2007, apresentado pela deputada Luiza Erundina. O PL estabelece a regulamentao dos bancos comunitrios e das moedas sociais. Dispe o artigo 10:

    Art. 10 Os Bancos Populares de Desenvolvimento Solidrio esto autorizados a prestar os seguintes servios financeiros, nas condies e limites fixados pelo Conselho Nacional de Finanas Populares e Solidrias, e mediante expressa autorizao do mesmo:

    X - Operar moedas sociais de circulao adstrita sua rea de atuao;

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    Estados Unidos)4, deu-se incio implantao de um mecanismo alternativo moeda oficial: o Palma.5 Os lderes comunitrios uniram-se a comerciantes da regio, a algumas ONGs6, a parceiros estrangeiros7 e a instituies financeiras8 e deram incio emisso da primeira moeda social brasileira. A integrao entre todos os grupos econmicos da regio foi vital para o sucesso do empreendimento, j que a relao de confiana fundamental ao prprio conceito de moeda social e ao conceito de moeda, no sentido econmico, como um todo. Embora a emisso de uma moeda paralela ao Real (R$) meio circulante oficial do Brasil e, juridicamente, nico admitido dentro das fronteiras nacionais tenha sido questionada inclusive em sede judicial, sendo instaurado para tanto um Termo

    4 O WIR, Wirtschaftsring-Genossenschaft, tambm conhecido como Crculo Econmico Suo,

    foi criado em 1934 e , at hoje, uma das experincias mais bem-sucedidas em se tratando de moedas paralelas. Considerado um dos responsveis por retirar a Sua da recesso europeia, o sistema foi assimilado pelo Estado e hoje convive lado a lado com o Franco Suo. Estima-se que, atualmente, a comunidade que utiliza o WIR ultrapassa as 62.000 pessoas e o volume de trocas supera 1 bilho de Euros. J o LETS (Local Exchange Trading System) que funciona em diversos pases, dentre eles Austrlia, Canad, Estados Unidos e Coreia do Sul, no possui uma moeda fsica alternativa. O sistema funciona na base prestao de servio/crdito correspondente. Os indivduos interessados cadastram-se no sistema e ganham crditos a partir de servios realizados, como cortar a grama do vizinho, consertar um eletrodomstico, cuidar de crianas, fornecer assistncia tcnica ou jurdica, etc. Esses crditos so debitados em contas nos supermercados locais, e podem ser utilizados na compra de produtos ou na contratao de servios no fornecidos pela rede LETS. O crdito obtido no sistema tem o seu valor equiparado moeda oficial, e todas as transaes so realizadas eletronicamente. 5 Cumpre salientar que a moeda Palma no se assemelha a nenhum outro mecanismo j

    criado no sistema de meios de pagamento alternativos. O Palma tem a sua paridade atrelada moeda oficial; tem o claro objetivo de retirar de circulao o Real, fazendo com que a economia da comunidade seja isolada do sistema econmico que transaciona com a moeda oficial; tem estratgias diferentes para consumidores e empreendedores; , em suma, um passo alm mera concesso do crdito, instituindo um ttulo paralelo ao Real, que utilizado para adimplir contratos, saldar dvidas e realizar transaes simples. 6 As ONGs que colaboraram com a implantao do Banco Palmas foram (i) a Cearah Periferia,

    que emprestou os primeiros R$ 2.000,00 necessrios ao funcionamento do banco e (ii) a Sitawi, que tambm contribuiu com recursos. 7 O InStroDI (Instituto Strohalm de Desenvolvimento Integral) uma Organizao da Sociedade

    Civil de Interesse Pblico (OSCIP) que existe no Brasil desde 2002. O Instituto parte da Fundao holandesa STRO (Social Trade Organisation), que desde 1970 fornece know-how, treinamento e recursos a iniciativas locais de desenvolvimento. 8 O Banco do Brasil, por meio do Banco Popular do Brasil (BPB), disponibiliza uma carteira de

    crdito para o Instituto Palmas no valor de 1,5 milho de Reais, e atua como correspondente bancrio em outras comunidades, aceitando o Palmas para o pagamento de contas e demais aes bancrias. Alm disso, em 2009 o Banco Central assinou um termo de parceria com o Ministrio do Trabalho (SENAES) para criar um marco regulatrio que tenha por objeto os bancos comunitrios e as moedas sociais.

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    Circunstanciado para apurar a questo, o promotor do caso admitiu que a potencial ilegalidade do instrumento era diminuda pelos ganhos sociais que ele trazia. Assim, embora tanto a emisso quanto a circulao da moeda Palma sejam questionveis juridicamente, fato que hoje em dia ela alcanou uma dimenso econmica e social bastante significativa.

    Para manter a moeda circulando apenas no bairro, e coibir a fuga de capital, a implantao do sistema teve por base duas frentes distintas: os comerciantes e os consumidores. Comecemos a anlise pelos comerciantes. Os comerciantes que desejassem expandir seus negcios podiam fazer um emprstimo do Banco Palmas em Reais, mas s podiam saldar sua dvida em Palmas. Se, posteriormente, o comerciante precisasse efetuar uma compra de um fornecedor externo comunidade, ele poderia trocar os Palmas que tivesse por Reais. Isso foraria o comrcio local a aceitar a moeda local em vez do Real. Alm disso, convencionou-se, para o bem da comunidade, que os empreendedores deveriam dar um desconto de 5 a 10% aos clientes que realizassem seus pagamentos em moeda social. Essa estratgia tinha por objetivo no apenas popularizar o uso dessa moeda, mas tambm aumentar a confiabilidade da populao e, como benefcio ao comerciante, haveria ainda a fidelizao do consumidor. Em 2009, 240 empreendimentos, entre produo, comrcio e servios, aceitavam a moeda local.9 Os consumidores, por sua vez, poderiam adquirir Palmas de duas maneiras: trocando a moeda nacional pela moeda local, a partir de transaes econmicas simples, ou atravs de um emprstimo sem juros. Incentivados pelos descontos no comrcio local e sensibilizados pelo ideal de ajuda comunidade, lentamente o Real passou a ser retirado de circulao. H moradores, inclusive, que alegam no possuir mais nota oficial alguma.10

    9 Conforme o Informativo do Banco Palmas do ano de 2009. Dados mais detalhados podem ser

    encontrados no Relatrio Avaliao de Impactos e de Imagem: Banco Palmas - 10 anos, na p. 20. 10

    Entrevista realizada com moradores no programa da Rede Globo Pequenas Empresas & Grandes Negcios.

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    O dinheiro novo, por ser aceito apenas localmente, no pode ser gasto em outras cidades. Isso faz com que no ocorra a fuga de capital, que terminava por tolher o desenvolvimento e o enriquecimento do bairro. Dispondo de recursos, a Associao dos Moradores conseguiu transformar o que antes era apenas uma favela, sem saneamento bsico e com poucas iniciativas particulares, em um bairro reformado e empreendedor, cujo conceito de banco comunitrio hoje exportado para diversas cidades do Brasil. O modelo do Banco Palmas tem ainda outras peculiaridades. Ele atua em um setor no qual o sistema bancrio nacional no consegue penetrar, devido ao excesso de burocracia e exigncia de que as instituies financeiras sigam os parmetros do Sistema Financeiro Nacional. Os moradores, por exemplo, no conseguem ter acesso a emprstimos da rede oficial devido aos juros elevados e exigncia de diversos comprovantes e documentos que a grande maioria no sabe como obter. Semelhantemente ao ganhador do Nobel de economia11, Muhammad Yunus, criador do Grameen Bank,12 a iniciativa brasileira visava concesso de microcrdito queles excludos do sistema de crdito bancrio oficial.

    O avano em relao ao empreendimento de Bangladesh consiste em manter o dinheiro circulando apenas localmente. Com um espao delimitado, alm de conceder emprstimos a pessoas carentes e incentivar novas iniciativas comerciais, consegue-se multiplicar o desenvolvimento dentro da comunidade, sem eventuais

    11 Com o livro: Banker To The Poor: Micro-Lending and the Battle Against World Poverty, de

    2003. 12

    O Grameen Bank (Bangladesh) foi a primeira iniciativa do mundo a atuar no ramo do microcrdito, tendo o seu foco principalmente na concesso de crdito a mulheres pobres. Atualmente, conta com 2.185 agncias, j emprestou dinheiro para 6,61 milhes de pessoas (97% das quais so mulheres) e sua taxa de inadimplncia de 1,15%. (Informaes retiradas de http://www.grameen-info.org/. Acesso em 20/05/2010). Cabe salientar que h uma iniciativa semelhante no Brasil, do Banco do Nordeste, chamada CrediAmigo, Considerado por Paul Singer a maior entidade de microcrdito da Amrica Latina, o programa possui cerca de 400 mil clientes ativos. (Revista online Faces do Brasil, 20/10/2009).

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    perdas para comrcios ou fornecedores de outras localidades. Alm disso, a criao de um instrumento monetrio traz uma integrao ainda maior entre os moradores da comunidade, o que, nas palavras de Joo Joaquim de Melo Segundo, um dos fundadores do Banco Palmas, imprescindvel ao sucesso de um banco comunitrio. Ou seja, para alm do fornecimento de emprstimos sem juros a uma comunidade carente, o banco cearense esmerou-se por promover a solidarizao entre os moradores e a reteno do dinheiro no local, o que teve por consequncia o desenvolvimento da comunidade como um todo, e no apenas de iniciativas individuais. Hoje, o volume de compras na regio gira em torno de R$ 6 milhes13: quatro vezes superior ao perodo anterior moeda social.14

    13 ValorOnline, 04/02/2010.

    14 Banco Palmas tem sido a expresso comumente utilizada para referir-se a uma experincia de organizao popular e solidria que muito extrapola as aes de microcrdito. Trata-se, na verdade, da iniciativa da Associao dos Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCONP), um bairro situado na periferia da cidade de Fortaleza. A ASMOCONP surgiu, no incio dos anos 80, com um claro objetivo de insero poltica de luta dos moradores em torno da construo do seu prprio bairro. Muito alm de uma dinmica puramente reivindicatria, a associao empreende uma srie de aes, sobretudo na forma de atividades econmicas muito variadas visando potencializar as capacidades scio-produtivas locais. So inmeros os projetos fomentados: de grupos produtivos nas reas de artesanato, confeces e limpeza, passando por iniciativas de clubes de troca e de consumo solidrio. As aes acabam por gerar um circuito econmico bastante particular no bairro, uma outra economia, que oferece as bases de um modo de desenvolvimento local sustentvel extremamente singular, pois assumindo a forma de uma cadeia scio-produtiva local. In: Avaliao de Impactos e de Imagem: Banco Palmas - 10 Anos

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    APNDICES

    1 - Entrevista - Emmanuel Roberto Giro Pinto (Promotor de Justia)

    Entrevistadora FGV: Eu no sei se o senhor lembra exatamente todas as peculiaridades do caso, mas trata-se de um Termo Circunstanciado impetrado pelo BACEN contra o Banco Palmas.

    Promotor de Justia: Exato.

    Entrevistadora FGV: Como o senhor interpretou essa reao do Banco Central?

    Promotor de Justia: Voc tem uma cpia do parecer?

    Entrevistadora FGV: Tenho.

    Promotor de Justia: Eu acho que o Banco Central s atuou a partir do momento em que comearam a sair matrias sobre o assunto nos jornais e, principalmente, na revista Isto. Quando saiu aquela matria15 eles se preocuparam e foram atrs, fizeram a provocao e foi instaurado o TCO. S que, naquela poca, o juiz16 e eu (trabalhvamos na vigsima unidade, juizado especial) fomos at o Banco Palmas, conhec-lo, e j sabamos as peculiaridades da regio: o Conjunto Palmeiras fica em

    15 Revista Isto, matria: Aceita Palmas? Caderno Economia e Negcios. Edio 1737 de 15

    de janeiro de 2003. 16

    Juiz Alusio Gurgel do Amaral Jnior (Juiz aposentado da 20 Vara do JECC).

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    uma regio extremamente pobre aqui de Fortaleza. A maioria das comunidades composta por favelas e ocupaes irregulares.

    Ns fomos ao banco e logo observamos que um trabalho da comunidade. A pessoa que est frente no tem o intuito de enriquecer, ou seja, existe realmente uma realidade social, no h fins eleitoreiros (nenhuma ligao com polticos), uma iniciativa que trouxe benefcios comunidade. Conclumos que se houvesse uma ao penal, s haveria resultados negativos. Como voc vai considerar uma conduta tpica se a prpria comunidade aprova? Alm disso, eu no vislumbrei como presentes os elementos do crime que o Banco Central entendeu que estava caracterizado...

    Entrevistadora FGV: Que era a falsificao de moeda...

    Promotor de Justia: Exatamente. Eu entendi que no havia aqueles elementos e pedi o arquivamento do TCO.

    Entrevistadora FGV: O Banco Palmas tambm emite uma moeda, uma moeda social, o Palma. Como o senhor identifica o impacto dessa moeda nessa comunidade?

    Promotor de Justia: Hoje em dia a moeda Palmas umas das pioneiras nessa iniciativa, na questo de microcrditos e bancos comunitrios, e at o prprio governo est incentivando. Se eu no me engano, o banco do Nordeste tem um programa17 para incentivar essa questo da movimentao da economia na prpria comunidade. Eu acho que esse pblico no interessa aos bancos comerciais: um pblico que no tem como dar garantia, que no tem renda oficial. Tem que ser um trabalho da prpria comunidade.

    Entrevistadora FGV: O senhor v impactos jurdicos nessa iniciativa? Positivos ou negativos? Por exemplo: as pessoas acabam pegando emprstimos, celebram contratos com a moeda social e chegam at a pagar salrios com ela. O senhor acha que isso possvel, que desejvel?

    17 Trata-se do Crediamigo, Programa de Microcrdito Produtivo Orientado do Banco do

    Nordeste que facilita o acesso ao crdito de empreendedores pertencentes aos setores informal ou formal da economia.

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    Promotor de Justia: Essa j uma questo mais delicada: no TCO no foram trazidos esses elementos. A partir disso j temos uma realidade mais complexa. No incio, tratava-se apenas de fornecer crdito para quem no tinha acesso rede comercial e oficial de bancos para incentivar a economia da comunidade. Esses outros desdobramentos merecem uma anlise mais cuidadosa.

    Entrevistadora FGV: verdade. O senhor sabe que o prprio Banco Central tem um movimento para regulamentar as moedas sociais. O senhor entende que essa regulao necessria ou no?

    Promotor de Justia: Acho que sim. poca, em 2003, as iniciativas eram muito incipientes, o movimento estava apenas no comeo, e havia poucas. Hoje, como voc mesma est me dizendo, j est ganhando uma complexidade maior, ento interessante regulamentar.

    Entrevistadora FGV: O senhor tem ainda mais algum comentrio a fazer sobre a prpria regulamentao desenvolvida pelo Banco Central nesse TCO? O senhor lembra de algum elemento que chamou sua ateno?

    Promotor de Justia: Eu acho que o Banco Central foi provocado por uma matria jornalstica, e teve que fazer a sua parte. A matria denotava uma certa omisso do Banco Central, e eles fizeram o que tinha que ser feito. Nessa ocasio, ns intervimos e vimos que no havia crime que merecesse ser punido.

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    2 - Impacto na Sociologia

    O fenmeno monetrio pode ser analisado sob trs aspectos: (i) o aspecto jurdico, que compreende o estudo da moeda como um fenmeno regulado pelo Estado, em que se considera moeda aquilo que o Estado estipula como o sendo; (ii) o aspecto econmico, no qual a moeda o meio de troca necessrio para que sejam realizadas transaes envolvendo bens e servios, alm de assumir tambm o papel de reserva de valor; e (iii) o aspecto sociolgico, em que moeda definida como o instrumento devidamente reconhecido por determinada comunidade apto a promover trocas. Aqui, analisar-se- detidamente o aspecto sociolgico.

    Afinal, o que efetivamente constitui uma moeda? O que define um instrumento como sendo suficiente para carregar, em si, um valor reconhecido por determinada sociedade? A proposta que se defende que, alm de uma mera imposio estatal, a moeda , antes de tudo, um fenmeno social. o reconhecimento por uma comunidade que faz com que certo meio circulante tenha valor e seja amplamente aceito para intermediar trocas simples e transaes mais complexas. Essa afirmao tem consequncias tericas e prticas, sendo as prticas aquelas que tm maior importncia em se tratando do caso Palmas.

    A moedas Palmas reconhecida como moeda social, ou moeda alternativa. Raramente se faz referncia e ela como sendo moeda paralela, o que efetivamente . Isso porque, embora no seja reconhecida pelo Estado brasileiro como meio circulante vlido no mbito nacional, fato que o Palma aceito e reconhecido no

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    Conjunto Palmeira como dinheiro, alm de ser utilizado para saldar dvidas, comprar alimentos e outros bens, bem como na realizao de emprstimos pelo banco comunitrio homnimo. Difcil afirmar que o Palma no moeda. Difcil afirmar que no reconhecido como tal pela comunidade que o utiliza.

    O fato de uma moeda social ser, no sentido jurdico do termo, moeda, traz consequncias negativas ao conceito de Estado, vez que a soberania componente da conceituao implica tambm a emisso, em carter de exclusividade, de moeda prpria. Ou seja, em ltima anlise, estar-se-ia colocando em cheque o prprio conceito de soberania.

    Uma argumentao possvel, defendida por este trabalho, que as moedas sociais comportam-se como ttulos de crdito, no se constituindo como moeda no sentido jurdico. Ascarelli, em sua Teoria Geral18, ao tratar da diferenciao entre ttulo de crdito e dinheiro, apresenta a seguinte afirmao:

    nesse caso que surge o problema da concorrncia econmica ao papel-moeda. Isso, alis, natural, atendendo-se a que o papel-moeda, nas suas origens, no passava de um ttulo ao portador, ttulo abstrato, para o pagamento vista de certa quantia de dinheiro; dinheiro, ento, era o ouro.

    A qualidade de ttulo de crdito no incompatvel com a de moeda. Com efeito, para decidir o que constitui moeda (conceito mais amplo que o de moeda legal) necessrio considerar o que de fato correntemente dado e aceito como instrumento de troca; da a possibilidade de determinado ttulo de crdito acabar sendo considerado como moeda.

    Esta colocao, por si s, j explica o que se pretende defender aqui. possvel que as moedas sociais sejam consideradas moeda no sentido econmico e moeda no sentido sociolgico, j que para tanto, basta que sejam reconhecidas enquanto unidade de valor pela comunidade que as utiliza. Como forma de evitar o potencial conflito que existe quanto ao conceito jurdico de moeda, no entanto, possvel afirmar que o instrumento constitui ttulo de crdito, vez que o prprio dinheiro, antes do seu reconhecimento oficial pelo Estado, tambm pode ser caracterizado como tal.

    18 ASCARELLI, Tulio, p. 307.

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    O Brasil convive hoje, portanto, com uma realidade na qual existem diversos meios circulantes, paralelos ao Real moeda oficial promovendo a circulao da economia. Pode-se adotar uma atitude defensiva, proibindo a emisso de instrumentos semelhantes, ou controlando a sua emisso, ou mesmo regulando e restringindo a sua circulao. Mas preciso levar em conta o impacto social positivo que as moedas sociais tm trazido, como o incentivo circulao da riqueza, o desenvolvimento exponencial experienciado pela populao, o investimento em setores deficitrios da economia da regio, bem como a criao de mecanismos internos de resoluo de disputas e promoo do desenvolvimento humano e econmico. Alm disso, nota-se tambm o alto grau de coeso interna assumido pelas comunidades que adotam moedas sociais. Em suma, diante da inrcia do Estado em promover determinados servios essenciais, a comunidade tomou as rdeas da situao e implantou um mecanismo no oficial que permite o seu desenvolvimento. Interessante seria se o Estado entendesse por bem restringir agora o que surgiu justamente como resposta sua inao. Mas isso tarefa a ser problematizada, no?

    3 - Impactos na Economia

    1- Inflao Uma das principais preocupaes relacionadas utilizao das moedas sociais diz

    respeito inflao. Isso porque, em teoria, a insero de mais dinheiro na economia se desvinculada de um aumento correspondente na produo de bens levaria ao descompasso temido a que chamamos inflao. O fato de tais moedas paralelas no serem reguladas por um rgo central leva a uma propenso a que ocorra um aumento desenfreado de moedas em circulao, o que poderia levar a um processo inflacionrio. A defesa do movimento consiste em alegar que o propsito das moedas sociais promover a circulao da riqueza, e no a sua acumulao19, o que, teoricamente, no contribuiria, por si s, para o aumento ou diminuio da inflao.

    19 [...] no um sistema alternativo e sim complementar economia. Ela produzida,

    distribuda e controlada pelos seus usurios. Por isso, o valor dela no est nela prpria, mas no trabalho que vamos fazer para produzir bens, servios, saberes e depois trocar com o resultado do trabalho dos outros. A moeda enquanto tal no tem valor, at que comecemos a trocar trabalho com trabalho. A ento, ela vai servir de mediadora dessas trocas. Ela diferente tambm porque a ela no est ligada nenhuma taxa de juros. Por isso no interessa a ningum guard-la, entesour-la. Interessa, sim troc-la continuamente por bens e servios que venham responder s nossas necessidades Esta moeda ser sempre um meio, nunca um

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    2- A Teoria dos Juros Invertidos A teoria dos juros invertidos foi criada pelo economista Silvio Gesell, e tem por

    objetivo maximizar a circulao do dinheiro por meio de trocas e comrcio, ocorrendo uma desvalorizao da moeda caso se faa a opo por guard-la. Na ideia protagonizada por Gesell, a posse do dinheiro taxada uma espcie de taxa liquidez. Ao fim de cada ms, por exemplo, o dinheiro detido pela pessoa sofreria uma desvalorizao proporcional quantidade acumulada, o que, em tese, incentivaria a circulao e coibiria a acumulao, alm de disponibilizar um aporte de dinheiro para investimentos. A ideia culminaria em um fortalecimento dos investimentos realizados no setor produtivo, ao passo que enfraqueceria o fluxo de capital direcionado ao mercado especulativo. Com isso, a economia do pas fortalecer-se-ia de baixo para cima, por meio de um mecanismo bastante simples. O maior problema envolvido seria como realizar o controle dessa desvalorizao.

    3- A Restrio Circulao A grande lgica inerente s moedas sociais est ligada ao fechamento da

    comunidade promovido pela circulao de uma moeda local. Em sntese, a moeda oficial pode ser gasta fora da regio, o que contribui para um escoamento da riqueza gerada na comunidade. A partir da emisso de uma moeda social, consegue-se inverter este processo, j que a moeda s aceita localmente. Assegura-se, assim, que o dinheiro circule na e enriquea apenas a prpria comunidade.

    A ideia de circulao permeia sempre as medidas relacionadas s moedas sociais e , no fundo, o principal objetivo da sua emisso. A possibilidade de controle do destino da riqueza produzida internamente sendo possvel direcion-la somada restrio circulao da moeda oficial, geram um interessante fenmeno econmico, qual seja, a existncia de duas realidades monetrias distintas: uma que oferece incentivos acumulao, por meio de juros e investimentos no mercado especulativo, e outra que preza apenas pela circulao, pelas trocas, pela movimentao do dinheiro.

    fim. No ser inflacionria nem jamais poder ser usada como especulao (REDE DE TROCAS SOLIDRIAS - MUTIRO ABOPURU, Manifesto, 2000).

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    4 - Referncias Bibliogrficas

    ASCARELLI, Tulio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito - 2 ed. So Paulo: Saraiva, 1969.

    FACES DO BRASIL. Paul Singer: economia solidria explodiu nos ltimos 6 anos (Revista do Brasil). So Paulo: 19 de Outubro de 2010. Disponvel em: http://www.facesdobrasil.org.br/component/content/article/6-comercio-justo--economia-solidaria/491-paul-singer-economia-solidaria-explodiu-nos-ultimos-6-anos-revista-do-brasil.html, acesso em: 25/07/2011

    REDE DE TROCAS SOLIDRIAS - MUTIRO ABAPORU. Manifesto. 25 de Novembro de 2000. Disponvel em: http://br.dir.groups.yahoo.com/group/redesolidaria/message/307, acesso em: 25/07/2011

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    REVISTA ISTO. Aceita Palmas? Caderno Economia e Negcios. Edio 1737 de 15 de janeiro de 2003. Disponvel em: http://www.istoe.com.br/reportagens/15183_ACEITA+PALMAS+?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage, acesso em: 25/07/2011

    SILVA, Jeov T. Jr. (coord.). Avaliao de Impactos e de Imagem: Banco Palmas - 10 Anos. Liegs-UFC. Juazeiro do Norte, Fevereiro de 2008

    VALOR ONLINE. Sampaios e 50 moedas circulam na periferia. So Paulo, 03 de Fevereiro de 2010. Disponvel em: http://www.valoronline.com.br/impresso/financas/104/109393/sampaios-e-50-moedas-circulam-na-periferia, acesso em: 25/07/2011

    YUNUS, Muhammad. Banker To The Poor: Micro-Lending and the Battle Against World Poverty. PublicAffair, Rev. and Updated for the Pbk. Ed edition, Outubro de 2003