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A ideologia em Althusser e Laclau: diálogos (im)pertinentes DOI: 10.1590/0104-447814225009 Luiz Eduardo Motta e Carlos Henrique Aguiar Serra RESUMO A teoria política de Ernesto Laclau é uma das principais referências no campo da Ciência Política ao debate sobre o populismo e a democracia contemporânea, além de sua contribuição ao conceito de ideologia e na análise de discurso. Contudo, os estudos sobre este autor não têm explorado a influência do marxismo, sobretudo de Louis Althusser, em sua obra. O objetivo deste trabalho é resgatar essa influência e apontar o diálogo entre esses dois autores, tendo como elo os conceitos (que possuem certa ligação com a psicanálise de Lacan) de ideologia e sobredeterminação, além da questão da contingência que se tornou um dos aspectos mais relevantes na obra de ambos os autores a partir da década de 1980. Para compreendermos a contribuição de Althusser e Laclau ao conceito de ideologia, analisamos dois eixos: (i) o primeiro trata da inovação que Althusser dá a esse conceito ao situá-lo no plano das relações imaginárias e na definição de sujeito descentrado; (ii) em seguida, a contribuição de Laclau a partir dos pressupostos althusserianos, dando uma nova definição à ideologia populista-nacionalista, e a redefinição de sua teoria ao privilegiar o conceito de discurso em substituição ao de ideologia. Na conclusão apontamos que o conceito de ideologia de Althusser demonstra ter mais precisão conceitual por ser definido como uma prática articulada a outras práticas distintamente da concepção discursiva (e redu- cionista) defendida posteriormente por Laclau. Percebemos, portanto, que a teoria da ideologia de Althusser mantém-se atual no campo do pensamento crítico, não somente no que concerne aos aspectos reprodutores, mas também transformadores das relações de poder. PALAVRAS-CHAVE: ideologia; sobredeterminação; discurso; Althusser; Laclau. Recebido em 21 de Agosto de 12. Aprovado em 05 de Maio de 13. I. Introdução 1 O conceito de ideologia no século XIX e no século XX desfrutou de um grande alcance no campo das Ciências Sociais, particularmente na Ciência Política e na Sociologia. Tendo como ponto de partida a obra de Destutt de Tracy, Eléments d'idéologie (1817-1818), esse conceito teve em Marx, e no pensamento marxista, um lugar central para o entendimento tanto da reprodução como das mudanças na sociedade e na política. O conceito de ideologia encontrou também fora do marxismo reflexões e análises sobre o seu significado sociopolítico, a exemplo dos trabalhos de Emile Durkheim, Karl Mannheim, Robert King Merton e Jürgen Habermas. Contudo, desde a guerra fria, o conceito de ideologia começou a ser questionado, sendo considerado "ultrapassado", em uma leitura em que o reduzia apenas a seu aspecto político e utópico, considerando que o seu "fim" já teria chegado. Exemplo disso são os trabalhos de Raymond Aron, O ópio dos intelectuais (1955), e o de Daniel Bell, O fim da ideologia (1960). O questionamento do conceito de ideologia agravou-se em meados dos anos 1980, e, sobretudo, a partir da queda do Muro de Berlim, com a emergên- cia do pós-modernismo e do pós-estruturalismo. Além disso, o artigo polêmico de Francis Fukuyama, "O fim da história", no qual afirmava que a história teria chegado a seu fim com a vitória do liberalismo sobre o socialismo, do predo- mínio do indivíduo sobre o coletivo, e do mercado sobre o planejamento. Não 1 Trabalho apresentado no 8° En- contro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), de 2012. Agradecemos aos parece- ristas anônimos da Revista de So- ciologia e Política pelos comen- tários tecidos ao nosso texto. artigo Rev. Sociol. Polit., v. 22, n. 50, p. 125-147, jun. 2014

MOTTA, L. E.; SERRA, C. H. a. a Ideologia Em Althusser e Laclau

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A teoria política de Ernesto Laclau é uma das principais referências no campo da Ciência Política ao debate sobre o populismo e ademocracia contemporânea, além de sua contribuição ao conceito de ideologia e na análise de discurso. Contudo, os estudos sobreeste autor não têm explorado a influência do marxismo, sobretudo de Louis Althusser, em sua obra. O objetivo deste trabalho éresgatar essa influência e apontar o diálogo entre esses dois autores, tendo como elo os conceitos (que possuem certa ligação com apsicanálise de Lacan) de ideologia e sobredeterminação, além da questão da contingência que se tornou um dos aspectos maisrelevantes na obra de ambos os autores a partir da década de 1980. Para compreendermos a contribuição de Althusser e Laclau aoconceito de ideologia, analisamos dois eixos: (i) o primeiro trata da inovação que Althusser dá a esse conceito ao situá-lo no planodas relações imaginárias e na definição de sujeito descentrado; (ii) em seguida, a contribuição de Laclau a partir dos pressupostosalthusserianos, dando uma nova definição à ideologia populista-nacionalista, e a redefinição de sua teoria ao privilegiar o conceitode discurso em substituição ao de ideologia. Na conclusão apontamos que o conceito de ideologia de Althusser demonstra ter maisprecisão conceitual por ser definido como uma prática articulada a outras práticas distintamente da concepção discursiva (e reducionista)defendida posteriormente por Laclau. Percebemos, portanto, que a teoria da ideologia de Althusser mantém-se atual nocampo do pensamento

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  • A ideologia em Althusser e Laclau:dilogos (im)pertinentes

    DOI: 10.1590/0104-447814225009

    Luiz Eduardo Motta e Carlos Henrique Aguiar Serra

    RESUMO

    A teoria poltica de Ernesto Laclau uma das principais referncias no campo da Cincia Poltica ao debate sobre o populismo e a

    democracia contempornea, alm de sua contribuio ao conceito de ideologia e na anlise de discurso. Contudo, os estudos sobre

    este autor no tm explorado a influncia do marxismo, sobretudo de Louis Althusser, em sua obra. O objetivo deste trabalho

    resgatar essa influncia e apontar o dilogo entre esses dois autores, tendo como elo os conceitos (que possuem certa ligao com a

    psicanlise de Lacan) de ideologia e sobredeterminao, alm da questo da contingncia que se tornou um dos aspectos mais

    relevantes na obra de ambos os autores a partir da dcada de 1980. Para compreendermos a contribuio de Althusser e Laclau ao

    conceito de ideologia, analisamos dois eixos: (i) o primeiro trata da inovao que Althusser d a esse conceito ao situ-lo no plano

    das relaes imaginrias e na definio de sujeito descentrado; (ii) em seguida, a contribuio de Laclau a partir dos pressupostos

    althusserianos, dando uma nova definio ideologia populista-nacionalista, e a redefinio de sua teoria ao privilegiar o conceito

    de discurso em substituio ao de ideologia. Na concluso apontamos que o conceito de ideologia de Althusser demonstra ter mais

    preciso conceitual por ser definido como uma prtica articulada a outras prticas distintamente da concepo discursiva (e redu-

    cionista) defendida posteriormente por Laclau. Percebemos, portanto, que a teoria da ideologia de Althusser mantm-se atual no

    campo do pensamento crtico, no somente no que concerne aos aspectos reprodutores, mas tambm transformadores das relaes

    de poder.

    PALAVRAS-CHAVE: ideologia; sobredeterminao; discurso; Althusser; Laclau.

    Recebido em 21 de Agosto de 12. Aprovado em 05 de Maio de 13.

    I. Introduo1

    Oconceito de ideologia no sculo XIX e no sculo XX desfrutou de umgrande alcance no campo das Cincias Sociais, particularmente naCincia Poltica e na Sociologia. Tendo como ponto de partida a obrade Destutt de Tracy, Elments d'idologie (1817-1818), esse conceito teve emMarx, e no pensamento marxista, um lugar central para o entendimento tantoda reproduo como das mudanas na sociedade e na poltica. O conceito deideologia encontrou tambm fora do marxismo reflexes e anlises sobre o seusignificado sociopoltico, a exemplo dos trabalhos de Emile Durkheim, KarlMannheim, Robert King Merton e Jrgen Habermas. Contudo, desde a guerrafria, o conceito de ideologia comeou a ser questionado, sendo considerado"ultrapassado", em uma leitura em que o reduzia apenas a seu aspecto polticoe utpico, considerando que o seu "fim" j teria chegado. Exemplo disso so ostrabalhos de Raymond Aron, O pio dos intelectuais (1955), e o de DanielBell, O fim da ideologia (1960).

    O questionamento do conceito de ideologia agravou-se em meados dosanos 1980, e, sobretudo, a partir da queda do Muro de Berlim, com a emergn-cia do ps-modernismo e do ps-estruturalismo. Alm disso, o artigo polmicode Francis Fukuyama, "O fim da histria", no qual afirmava que a histria teriachegado a seu fim com a vitria do liberalismo sobre o socialismo, do predo-mnio do indivduo sobre o coletivo, e do mercado sobre o planejamento. No

    1 Trabalho apresentado no 8 En-contro da Associao Brasileirade Cincia Poltica (ABCP), de2012. Agradecemos aos parece-ristas annimos da Revista de So-ciologia e Poltica pelos comen-trios tecidos ao nosso texto.

    artigo Rev. Sociol. Polit., v. 22, n. 50, p. 125-147, jun. 2014

  • haveria, assim, mais alternativa para alm do liberalismo. E nesse contextoem que comeou a prevalecer, no campo das Cincias Sociais, os conceitos desimblico e de discurso em detrimento ao de ideologia.

    Mas com o incio do esgotamento do modelo neoliberal na segunda metadedos anos 1990, o conceito de ideologia, tal como a fnix, ressurgiu das cinzas eretornou a despertar novas reflexes, alm da recuperao de obras clssicassobre esse conceito. Um dos principais responsveis por esse revival foi semdvida Slavoj Zizek, ao articular o conceito de ideologia marxista com a psica-nlise lacaniana e a filosofia hegeliana. E o livro que ele organizou, Um mapada ideologia, foi um marco para essa recuperao, no s do conceito de ide-ologia, mas tambm da contribuio de Louis Althusser para essa problemti-ca. Embora a obra desse filsofo tenha sido eclipsada nos anos 1980 quando omarxismo europeu e, sobretudo, o francs, entrou em crise, o seu resgate ini-ciou-se aos poucos nos anos 1990 com a publicao de sua autobiografia Ofuturo dura muito tempo,conjuntamenteaos seus textos inditos, e com a recu-perao dos seus trabalhos publicados nos anos 1960 e 1970. Dos seus textosinditos, um dos mais importantes foi escrito em 1969 sobre o tema em tela:trata-se do livro Sobre a reproduo, que vem a ser verso ampliada do artigo"Ideologia e aparelhos ideolgicos de Estado", publicado em 1970. Esse arti-go, como de notrio conhecimento, teve um grande impacto e repercussodesde a sua primeira publicao, alm de ter exercido uma influncia paradiversos autores, a exemplo da obra de Ernesto Laclau. Laclau, sem dvida, uma das principais expresses intelectuais vivas do campo da Cincia Polticae da Sociologia. Sua obra vem repercutindo em diversas formaes sociais etem sido objeto de discusso por diversos intelectuais, sobretudo do campo deesquerda, a exemplo de Zizek, Badiou e Boron. Seu livro de 1977, Poltica eideologia na teoria marxista, obteve uma forte repercusso (sobretudo na suaanlise sobre o conceito de ideologia, principalmente na sua forma nacional-popular, ou populista), e somou-se a outros importantes trabalhos influencia-dos, ou motivados, por Althusser na problemtica da ideologia naquele contex-to2.

    No entanto, apesar de Laclau ter dado uma significativa contribuio aoconceito de ideologia, foi tambm um dos principais "coveiros" desse conceitoao publicar, em parceria com Chantal Mouffe em 1985, o livro Hegemonia eestratgia socialista. Ao afirmar que o conceito de ideologia no respondiamais realidade contempornea, Laclau optou em priorizar o conceito de dis-curso que, a partir de ento, ser central na sua teoria sociopoltica, definidapor ele como "ps-marxista".

    Esse artigo tem como objetivo resgatar a importncia e o significado que oconceito de ideologia ainda tem nas Cincias Sociais, particularmente a contri-buio de Louis Althusser na "cincia da histria" (ou "materialismo histri-co"), e a influncia de sua teoria na obra de Ernesto Laclau. Ao tratarmos dessainfluncia, no nos limitaremos fase inicial de Laclau expressa em Poltica eideologia, mas tambm na sua obra de ruptura com a teoria marxista, Hegemo-nia e estratgia socialista, pois, como veremos, no deixou de ser influenciadapor Althusser, a exemplo do conceito de sobredeterminao e, principalmente,pelo uso do conceito de contingncia, pois, como veio lume nos anos 1990,foi um conceito central na teoria de Althusser quando este, em seus ltimostextos, enfatizou o materialismo do encontro (ou do acaso), mudando em v-rios aspectos da sua teoria dos anos 1960 e 1970.

    2 Veja Rancire (2011) [1974],Poulantzas (1978b) [1971], P-cheux (2009) [1975], Badiou eBalms (1976), Hall (1983)[1977], Therborn (1980). No Bra-sil destacam-se os trabalhos pio-neiros de Escobar (1975; 1978), acrtica de Cardoso (1977) e a res-posta crtica de Cardoso por Pi-res (1978), e o artigo ""introdut-rio" de Albuquerque (1983) ao li-vro Aparelhos ideolgicos deEstado. Em um amplo mapea-mento do tema, ver Konder(2002). As datas em colchete re-presentam o ano da edio origi-nal dos livros citados.

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  • Este trabalho divide-se em trs partes centrais: na primeira trataremos dainovadora definio que Althusser deu a esse conceito desde os seus primeirostrabalhos em Pour Marx e Ler o Capital e, principalmente, em sua derradeiraanlise contida no livro Sobre a reproduo, onde encontra-se as principaislinhas expostas no artigo Ideologia e aparelhos ideolgicos de Estado. Emseguida, mostraremos a contribuio de Laclau ao conceito de ideologia pri-vilegiando a sua anlise sobre os princpios articultorios da ideologia populis-ta-nacionalista e a reviravolta em sua teoria a partir do livro Hegemonia eestratgia socialista. Por fim, na concluso, onde apontamos que o conceitode ideologia de Althusser demonstra ter mais preciso conceitual por ser defi-nido como uma prtica articulada a outras prticas distintamente da concepodiscursiva (e reducionista) defendida posteriormente por Laclau.

    II. A ideologia como imaginrio das relaes com o mundo real: Louis Althusser

    A interveno de Althusser na teoria marxista sobre o conceito de ideolo-gia gerou um intenso debate que continua at os dias de hoje3. Como bemobserva Sampedro (2010), Althusser trabalhou o conceito de ideologia: (i) doponto de vista epistemolgico, no qual trata a relao entre cincia e ideologia,e em grande parte presente nos seus primeiros trabalhos, notadamente PourMarx e Ler o capital; (ii) no sentido prtico, onde tem inicio no artigo "Mar-xismo e humanismo" e amplamente desenvolvido no manuscrito Sobre areproduo, de onde foi extrado o seu mais famoso artigo, "Ideologia e apare-lhos ideolgicos de Estado".

    No aspecto epistemolgico, a ideologia definida como o outro da cincia,i.e, a cincia surge como uma ruptura, uma descontinuidade do senso comum,da ideologia. Para Althusser, h uma ruptura epistemolgica na obra de Marx apartir de 1845, quando se inicia um novo continente cientfico, a cincia dahistria (ou materialismo histrico) e, em estado prtico, uma nova filosofiaprodutora de conhecimento (materialismo dialtico).

    Tendo como suporte o texto de Marx Introduo crtica da economia pol-tica, distingue-se o real do pensamento, implicando duas teses fundamentais:(i) a tese materialista do primado do real sobre o pensamento, dado que o pen-samento do real pressupe a existncia do real independentemente do seu pen-samento, pois para Marx o sujeito real, como antes, continua a existir em suaautonomia fora da cabea (Marx 2011, p. 55); (ii) A tese materialista da espe-cificidade do pensamento e do processo de pensamento em relao ao real e aoprocesso real. O pensamento do real, a concepo do real, e todas as operaesde pensamento pelas quais o real pensado e concebido, pertencem ordemdo pensar, ao elemento do pensamento e do processo que no se pode se con-fundir, com o elemento do real. "O todo como um todo de pensamentos, talcomo aparece na cabea, um produto da cabea pensante" (ibidem). Do mes-mo modo, o concreto pensado pertence ao pensar e no ao real. O processo doconhecimento, o trabalho de elaborao pelo qual o pensamento transforma asintuies e as representaes do incio em conhecimentos, ou concreto de pen-samento, d-se inteiramente no pensamento.

    A partir dessa definio de Marx da separao do real em relao ao abs-trato, ou do concreto-do-pensamento e do concreto-realidade, como diz Alt-husser, o filsofo marxista franco-argelino comea a elaborar o seu conceitode prticas no artigo "Sobre a dialtica materialista" em Pour Marx. Por prti-ca, em geral, entende-se todo processo de transformao de uma determinada

    3 Vide os trabalhos de pola(2007), Gillot (2010), Sampedro(2010) e as coletneas organiza-das por Caletti e Rom (2011) eCaletti, Rom e Sosa (2011).

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  • matria-prima dada em um produto determinado, transformao efetuada porum determinado trabalho humano, utilizando meios ("de produo") determi-nados (Althusser 1986, p. 167). H, portanto, distintas prticas articuladas en-tre si (econmica, poltica, ideolgica e terica), havendo o predomnio de umasobre a outra, de acordo com a contradio dominante em uma conjunturadada.

    Segundo Althusser, a prtica terica no comporta somente a prtica teri-ca cientfica, mas tambm a prtica terica pr-cientfica, i.e, ideolgica. Paraele, a prtica terica de uma cincia diferencia-se sempre claramente da prticaterica ideolgica da sua pr-histria: essa distino toma a forma de uma des-continuidade "qualitativa" terica e histrica que ele designa, inspirado emBachelard de "corte epistemolgico" (idem). Isso significa, para Althusser,que as correntes filosficas do empirismo, da fenomenologia e do idealismo,seriam ideologias. O mesmo pode-se dizer sobre o funcionalismo, a etnometo-dologia e o neo-institucionalismo no campo das Cincias Sociais. A prticaterica seria estabelecida em trs momentos: o primeiro seria o da Generalida-de I constituda da matria-prima ideolgica que ser transformada em umconceito cientfico (Generalidade III) por meio dos conceitos j constitudos,que a Generalidade II (idem, pp. 187-189).

    A relao entre a ideologia e a cincia, embora conflituosa, interdepen-dente, j que a cincia emerge a partir das pr-noes cientficas, i.e, ideolgi-cas. Como observa Sampedro "se toda cincia nasce e se desenvolve excluindoa ideologia, tambm certo que as noes prprias da ideologia se descrevemcomo indicadores da cincia, no sentido de que a cincia produz o conheci-mento de um objeto cuja existncia est indicada na regio da ideologia. Issoimplica que a ideologia seja sempre ideologia para uma cincia" (Sampedro2010, p. 33).

    Se a cincia aberta, mas politicamente no flexvel (embora possa serinstrumentalizada), a ideologia para Althusser tem outra caracterstica. EmLer o capital, ele afirma que "se a ideologia no exprime a essncia objetivatotal do seu tempo (a essncia do presente histrico), pode, pelo menos, expri-mir muito bem, pelo efeito de leves deslocamentos internos de nfase, as trans-formaes atuais da situao histrica: diferentemente de uma cincia, umaideologia ao mesmo tempo teoricamente fechada e politicamente malevel eadaptvel. Ela se curva s necessidades da poca, mas sem movimento aparen-te, contentando-se com o refletir por alguma modificao imperceptvel desuas prprias relaes internas, as transformaes histricas que ela tem pormisso assimilar e dominar. [...] A ideologia muda, pois, mas imperceptivel-mente, conservando, a forma de ideologia; ela se move, mas com um movi-mento imvel, que a mantm no mesmo lugar, em seu lugar e funo deideologia" (Althusser 1980, p. 87; grifos no original).

    O sentido prtico da ideologia tem o seu primeiro esboo em Pour Marx,quando Althusser define que a ideologia uma instncia, uma regio, do todo-complexo-estruturado, i.e, um nvel do modo de produo, conjuntamente como econmico e o jurdico-poltico. Mas em Marxismo e humanismo ondeAlthusser constri o significado da ideologia como uma estrutura imanente doimaginrio na sociedade. No h, por parte de Althusser, uma definio nega-tiva da ideologia como uma falsidade do real, uma "falsa conscincia". A ide-ologia faz organicamente parte de toda uma totalidade social. Tudo se passacomo se as sociedades humanas no pudessem subsistir sem essas estruturasespecficas, esses sistemas de representaes que so as ideologias. Como ele

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  • afirma "as sociedades humanas segregam a ideologia como o elemento e aatmosfera mesma indispensvel sua respirao, sua vida histrica. S umaconcepo ideolgica do mundo pde imaginar sociedades sem ideologias, eadmitir a idia utpica de um mundo onde a ideologia (e no de uma de suasformas histricas) desapareceria sem deixar rastro, para ser substituda pelacincia" (Althusser 1986, p. 239). Isso significa, primeiramente, afirmar o quemudam so as ideologias histricas, mas a estrutura ideolgica permanece emqualquer forma de sociedade, inclusive na comunista. E, em segundo, a cinciano um substitutivo da ideologia, j que a relao entre a cincia e a ideolo-gia d-se no plano do conhecimento, na prtica terica.

    A ideologia no , portanto, uma aberrao ou uma excrescncia contin-gente da Histria: uma estrutura essencial vida histrica das sociedades.Tampouco pertence regio da conscincia. Ela profundamente inconscien-te. A ideologia, para Althusser, um sistema de representaes, mas essasrepresentaes na maior parte das vezes imagens, s vezes conceitos, mas antes de tudo como estruturas que elas se impem aos homens sem passarpara a sua "conscincia". A ideologia refere-se, ento, relao "vivida" doshomens no seu mundo. Essa relao no parece consciente" a no ser na con-dio de ser inconsciente, parece, da mesma maneira, no ser simples a no serna condio de ser complexa, de no ser uma relao simples, mas uma relaode relaes, uma relao de segundo grau. Na ideologia "os homens expres-sam, com efeito, no as suas relaes nas suas condies de existncia: o quesupe, ao mesmo tempo, relao real e relao 'vivida', 'imaginria' A ideolo-gia , ento, a expresso da relao dos homens com o seu 'mundo', isto , aunidade (sobredeterminada) da sua relao real e da sua relao imaginriacom as suas condies de existncia reais. [...] nessa sobredeterminao doreal pelo imaginrio e do imaginrio pelo real que a ideologia , em seu princ-pio, ativa, que ela refora ou modifica a relao dos homens com as suas con-dies de existncia, na sua prpria relao imaginria" (idem,pp. 240-241).

    Se a ideologia uma estrutura de um todo-complexo marcado por contra-dies e antagonismos, h desigualdades entre as ideologias particulares, jque h o confronto da ideologia da classe dominante com a da classe domina-da. A classe dominante no mantm uma relao de exterioridade com a ideo-logia, muito menos a instrumentaliza. De acordo com Althusser, a burguesiavive a sua ideologia, j que ela cr no seu mito (a liberdade, o homem, a razo,a igualdade perante a lei etc.), e o que ela vive na sua ideologia essa relaoimaginria com as suas condies de existncia reais, que lhe permite s vezesagir sobre si e sobre os outros a fim de assumir, de preencher e de suportar oseu papel histrico de classe dominante. Se toda a funo social da ideologiaresumisse-se ao cinismo de um mito e instrumentalizao da ideologia, que aclasse dominante fabricaria e manipularia de fora para enganar aqueles que elaexplora, a ideologia desapareceria com as classes. Em suma, e parafraseandoAristteles quando este afirmou em A poltica que o homem um "animalpoltico", para Althusser o homem um "animal ideolgico" (Althusser s/d, p.196).

    Entre o artigo "Marxismo e humanismo" e "Ideologia e aparelhos ideolgi-cos de Estado", foi publicado, em 1966, o texto Prtica terica e luta ideol-gica,no qual, alm de retomar a sua tese da ideologia como imaginrio ecomear a desenvolver o efeito do reconhecimento-desconhecimento da ideo-logia, e tambm de diferenciar a prtica ideolgica da prtica terica, Althus-ser aborda em diversas passagens o significado da ideologia como umainstncia do modo de produo a exemplo dessa citao "para compreender

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  • sua eficcia, necessrio situ-la na superestrutura, e dar-lhe uma relativa au-tonomia com respeito ao direito e ao Estado" (Althusser 1977, p. 49).

    Nesse artigo Althusser deixa bem claro que no plano da ideologia em geralh uma diferenciao entre as ideologias por serem representaes de diferen-tes classes (burguesia, pequena burguesia, proletria). Entretanto, como ele ob-serva, no modo de produo capitalista as ideologias pequeno burguesa eproletria so ideologias subordinadas, j que a ideologia burguesa a predo-minante; mesmo diante o protesto das ideologias subordinadas, ela quem asdomina (pensemos no caso das ideologias espontneas das classes exploradas)(idem, p. 55).

    Da a necessidade da transformao da ideologia da classe operria: deuma transformao que retire a ideologia da classe operria da influncia daclasse burguesa, para submet-la "a uma nova influncia, a da cincia marxistada sociedade. precisamente neste ponto onde est fundamentada e justificadaa interveno da cincia marxista no movimento operrio. E a natureza mes-ma da ideologia e de suas leis a que determina os meios apropriados para asse-gurar a transformao da ideologia 'espontnea' reformista do movimentooperrio numa nova ideologia, de carter cientfico e revolucionrio" (idem, p.3). A cincia marxista, para Althusser no tem um papel "neutro", pois, aocontrrio, ela tambm age no campo ideolgico para a formao de uma ideo-logia revolucionria e de ruptura.

    Althusser voltaria a abordar de modo sistemtico o conceito de ideologiaem 1969, no seu manuscrito, parcialmente indito, Sobre a reproduo,cujottulo original seria "Sobre a reproduo das relaes de produo", cujo cle-bre artigo "Ideologia e aparelhos ideolgicos de Estado"foi extrado e publica-do na revista La Pense, em 1970. No manuscrito (como no artigo), Althussermantm a definio da eternidade da ideologia (omni-histrica) e da relaoimaginria dos indivduos com as condies reais de existncia, i.e., no planodo inconsciente. Alm disso, assume explicitamente a influncia da psicanlisena sua teoria (Althusser 1999, pp. 196-198)4. No entanto, Althusser incorporanovas observaes sobre esse conceito ao introduzir a materialidade da ideolo-gia como prtica, sobretudo no que concerne a seu efeito interpelatrio da ide-ologia na constituio dos sujeitos, e na sujeio destes ao Sujeito.

    No manuscrito/artigo Althusser emite duas teses conjuntas: (i) toda prticaexiste por meio de e sob uma ideologia e (ii) toda ideologia existe pelo sujeitoe para o sujeito (idem, p. 209). O sujeito, para Althusser, tem uma clara influ-ncia da psicanlise lacaniana, em particular O estdio do espelho como for-mador da funo do eu5, como bem observa pola6. O sujeito na perspectivaalthusseriana tanto o sujeito da ao como tambm, ao mesmo tempo, o su-jeito sujeitado a outro Sujeito (com s maisculo) que vem a ser uma ideologia,i.e, as crenas polticas, culturais, religiosas, esportivas etc., que todos os su-jeitos individuais possuem. No h, para Althusser, indivduo, noo ideolgi-ca constituda pela modernidade capitalista, mas sim sujeitos: o indivduo sempre um sujeito desde o seu nascimento quando lhe conferido um signifi-cado (um nome), e no dotado de uma conscincia autnoma j que sempresujeitado a algo (um Sujeito) que o interpela cotidianamente, sem que percebaa existncia desse mecanismo de sujeio que, em ltima instncia, reproduzas relaes de poder. H sempre, de acordo com Althusser, o mecanismo dereconhecimento-desconhecimento na constituio dos sujeitos pelas interpela-es: o sujeito reconhece-se em um discurso, mas desconhece esses mecanis-

    4 Como observa Gillot ""A con-cepo freudiana do inconscientedesempenha, com efeito, o papelde referncia fundamental para aelaborao althusseriana do con-ceito de ideologia" (Gillot 2010,p. 79).

    5 "Basta compreender o estado doespelho como uma identificao,no sentido pleno que a anlise da esse termo, ou seja, a transfor-mao produzida no sujeito quan-do ele assume uma imagem cuja predestinao para esse efei-to de fase suficientemente indi-cada pelo uso, na teoria, do anti-go termo imago (Lacan 1998, p.97).

    6 "Para designar a estrutura de re-conhecimento que caracteriza aoefeito ideolgico, chama a 'rela-o especular dual', expresso

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  • mos interpelatrios dos quais reproduz (ou transforma) as relaes de poder dasociedade.

    H, portanto, uma dupla relao especular entre os sujeitos. Como afirmaAlthusser: "Isso significa que toda a ideologia tem um centro, que o SujeitoAbsoluto ocupa o lugar nico do centro e interpela sua volta, a infinidadedos indivduos como sujeitos, em uma dupla relao especular tal que ela sub-mete os sujeitos ao Sujeito, ao mesmo tempo em que lhes d, pelo Sujeito noqual todo sujeito pode contemplar sua prpria imagem (presente e futuro), agarantia de que se trata realmente deles e Dele e de que, passando-se tudo emfamlia (a Sagrada Famlia: a Famlia , por essncia, sagrada). [...] Portanto, aestrutura duplamente especular da ideologia garante simultaneamente: 1) a in-terpelao dos indivduos como sujeitos; 2) sua submisso ao Sujeito; 3) oreconhecimento mtuo entre os sujeitos e o Sujeito, e entre os prprios sujei-tos, e o reconhecimento do sujeito por si mesmo; 4) a garantia absoluta de quetudo est bem assim, e sob a condio de que tudo est bem assim, e sob acondio de que se os sujeitos reconhecerem o que so e se conduzirem deacordo tudo ir bem: 'assim seja'" (Althusser 1976, pp. 118-119)7.

    A definio de sujeito por Althusser completamente distinta da de Lu-kcs: enquanto para o filsofo hngaro permanece no sentido que lhe confereo pensamento moderno sobre o Sujeito centrado, Althusser, por seu turno, de-marca um novo sentido no pensamento marxista: o sujeito descentrado j ossujeitos so constitudos por vrios e diferentes Sujeitos. Cada sujeito est sub-metido a diversas (quando no, adversas) ideologias relativamente indepen-dentes. Cada sujeito vive, ento, simultaneamente, em e sob vrias ideologiascujos efeitos de submetimentos "combinam-se" em seus prprios atos, inscri-tos em prticas, regulamentados por rituais. As interpelaes discursivas cons-tituem em cada "indivduo" uma pluralidade de sujeitos, e se reconhece emdistintos Sujeitos.

    A despeito das semelhanas entre Lacan e Althusser sobre o sujeito des-centrado, em oposio ao sujeito central definido pela filosofia moderna, Pas-cale Gillot aponta as diferenas entre o sujeito definido por Lacan e o deAlthusser: "[...] uma divergncia crucial entre os enfoques althusseriano e la-caniano, no outro que a distino conceitual que convm estabelecer entre osujeito e o eu. Lacan mantm e incessantemente reafirma esta distino, emparticular atravs da concepo do sujeito como sujeito do inconsciente, e dadiferenciao da ordem simblica e imaginria que rege o eu. Em Althusser,pelo contrrio, esta distino conceitual no parece tematizada como tal. Osujeito interpelado s vezes parece reduzido a um eu, por certo que descentra-do, submetido e privado do seu carter esclarecedor da conscincia, mas cujasopacidades so precisamente as falsas evidncias da conscincia" (Gillot 2010,p. 121).

    Apesar da nfase que d, em seu texto, sobre o aspecto reprodutor da ide-ologia, Althusser reconhece que a ideologia poltica revolucionria, de cortemarxista-leninista como ele destaca, apresenta a particularidade, sem qualquerprecedente histrico, de ser uma ideologia fortemente "trabalhada", portantotransformada por uma cincia, a cincia marxista da Histria, das formaessociais, da luta de classes e da Revoluo, o que "deforma" a estrutura especu-lar da ideologia sem suprimi-la completamente. O paradoxo dessa afirmaode Althusser o fato de no reconhecer que a relao especular tambm pode-ria ocorrer em uma ideologia revolucionria com perspectiva de ruptura em

    inspirada em Lacan que remete asteses sobre o estdio do espelho"(pola 2007, p. 139).

    7 Essa citao do artigo publicadoem 1970 ligeiramente diferenteda verso do manuscrito: em vezde quatro itens, Althusser citaapenas trs (no h o item 2) e oquarto (3 no manuscrito) contmoutro texto que vem a ser este:"3) a garantia absoluta de quetudo est bem assim: Deus real-mente Deus, Pedro realmentePedro e, se o submetimento dossujeitos ao Sujeito for realmenterespeitada, tudo decorrer da me-lhor forma para eles: sero 're-compensados'" (Althusser 1999,p. 219).

    A ideologia em Althusser e Laclau: dilogos (im)pertinentes 131

  • relao s estruturas de poder que reproduzem as relaes de produo, comobem observa Laclau (1979, p. 107). Veremos isso na seo seguinte.

    Ainda sobre os aparelhos ideolgicos de Estado, interessante notar que hum desnvel no que tratado sobre esse conceito no manuscrito em relao aoartigo. De fato, Althusser tece inmeras observaes e anlises sobre os apare-lhos de Estado na verso original que foram completamente suprimidas noartigo. A anlise de Althusser sobre os aparelhos no artigo sempre foi tidacomo inferior quando comparada da ideologia, vista como uma releitura dasobservaes prvias de Gramsci sobre o papel da sociedade civil e da socieda-de poltica na superestrutura. O que de fato ocorre que Althusser redefineconceitualmente o Estado moderno (capitalista) ao alarg-lo, no se restringin-do a esfera pblica e as funes jurdicas e repressoras, tampouco restrito tripartio de poderes. Como observa Antonio Negri o alargamento das fun-es do Estado por Althusser representa uma ruptura conceitual com o Estadomoderno, embora Negri o defina de modo impreciso como "ps-moderno".Esta impreciso deve-se pela nfase da luta de classes por Althusser nos apare-lhos de Estado, o que inexiste na perspectiva ps-modernista (Negri 1993, p.82)8.

    Uma das crticas mais frequentes a acusao de que a teoria dos AIE seriade teor funcionalista e formalista, sobretudo pela pouca nfase dada sobre aluta de classes. Isso fica ntido nas anlises de Rancire (2011), Poulantzas(1978), Badiou e Balms (1976), Cardoso (1977) e Albuquerque9 (1983). Pou-lantzas e Rancire10 disputam diretamente com Althusser a "paternidade" dosconceitos de Aparelho Ideolgico e Aparelho Repressivo de Estado. Poulant-zas comeou a empregar esses conceitos em 1969 no artigo "O problema doEstado capitalista". O prprio Althusser cita, em alguns trechos do manuscri-to,a contribuio de Poulantzas teoria do Estado (embora no cite o conceitode aparelho ideolgico de Estado), e que foram omitidos na verso do artigo.Em Fascismo e ditadura, Poulantzas ao empregar os conceitos de AIE e ARE,delimita suas diferenas com Althusser: "Penso que este texto de Althusserpeca, em certa medida, pela sua abstrao e pelo seu formalismo: a luta declasses no ocupa nele o lugar que de direito lhe cabe. [...] esta anlise abs-trata e formal, na medida em que no toma (concretamente) em considerao aluta de classes: [...] no toma em considerao o fato da existncia, numa for-mao social, de vrias ideologias de classe contraditrias e antagnicas"(Poulantzas 1978a, p. 323, p. 327).

    Rancire, por sua vez, faz uma intensa crtica Althusser na questo rela-cionada oposio cincia x ideologia, o que para ele constitui uma ausnciado papel da luta de classes, como tambm das contradies. Articulando umaposio poltica maosta11 com preceitos foucaultianos, Rancire demarca, aolongo do texto, a cincia como um campo do poder/saber: "fala-se da ideologiade uma sociedade de classes, no da ideologia de classes. [...] O carter cien-tfico do saber em nada afeta o contedo de classe do ensino. A cincia nosurge face ideologia como o seu outro: surge no interior das instituies e nasformas de transmisso do saber em que se manifesta a dominao ideolgicada burguesia. [...] Os conhecimentos cientficos so transmitidos por meio deum sistema de discursos, de tradies e de instituies que constituem a pr-pria existncia da ideologia burguesa. [...] No existe uma cincia burguesa euma cincia proletria: existe sim um saber burgus e um saber proletrio"(Rancire 2011, pp. 223-234; p. 237).

    8 Isabelle Garo, equivoca-sequando afirma que Althusser re-toma de Foucault a politizaodas estruturas e descentrando apoltica. Na verdade o inverso,pois o enfoque de Foucault sobreo poder das instituies foi bemexplorado na sua obra Vigiar epunir que posterior ao artigo deAlthusser (Garo 2008, p. 47).

    9 No se tratar diretamente dotexto de Albuquerque porque emgrande parte ele reproduz os cha-ves de funcionalismo na obra deAlthusser, extrados de Poulant-zas. Sobre os limites de Foucault(de quem Albuquerque calca-seem grande parte na sua "crtica")diante de Althusser sobre os con-ceitos de ideologia e de topolo-gia, ver Zizek (1996, p. 19).

    10 Em 1969, Rancire escreveuque ""a anlise da Universidadeensinou-nos que a ideologia deuma classe existe tambm, oumelhor, existe principalmente eminstituies, naquilo a que pode-mos chamar os aparelhos ideol-gicos (no sentido em que a teoriamarxista fala de aparelho de Es-tado)" (Rancire 2011, p. 250)

    11 Como o prprio Rancire res-salta no novo prefcio da ediode 2011 (Rancire 2011, p. 13).

    132 Luiz Eduardo Motta, Carlos Henrique Aguiar Serra

  • J Badiou (em colaborao de Franois Balms), no auge da sua militnciamaosta, tambm teceu duras crticas (tal qual Rancire) ao "revisionismo" deAlthusser, j que a sua concepo de ideologia, alm de no ser dialtica, trataa ideologia no plano imaginrio e do inconsciente. Badiou ratifica, ao longodesse livro, que a ideologia pertence ao plano consciente dos sujeitos decerta inspirao sartreana nesta fase no qual as classes revolucionrias cons-tituem-se para um projeto de ruptura: "os explorados forjam sua conscincia nacotidianidade da prpria explorao, e no nos meandros do imaginrio. [...]Mas justamente, nos tericos da ideologia como 'lugar imaginrio' e 'interpela-o do Sujeito' so aqueles mesmos que recusam a clareza dessa luta [...]. Averdade que os maostas e a vanguarda do movimento estudantil tm acusadoAlthusser de teoricismo durante todo o curso de ruptura de maio de 68; que porteoricismo entendamos ento, mais precisamente, a impossibilidade onde seencontrava em Althusser de articular corretamente as questes da cincia e daideologia sobre aquelas da luta de classes. [...] a doutrina althusseriana da ide-ologia que a reduziu a um mecanismo de iluso, sem que seja tomado em contao contedo de classe real cuja toda formao ideolgica no mais do que aexpresso contraditria" (Badiou & Balms 1976, p. 16; p. 20; p. 23; p. 27).

    Althusser rebate essas crticas em um artigo de 1976 (particularmente Pou-lantzas e Badiou) ao negar o funcionalismo do seu artigo (embora reconhea otom formalista, j destacado por ele mesmo no incio do artigo) devido nfa-se em que d primazia da luta de classes sobre as funes e o funcionamentodos aparatos estatais. Ademais, tambm admite que, se os aparelhos ideolgi-cos de Estado tm a funo de inculcar a ideologia dominante, isso significaque existe resistncia, e se h resistncia que h luta como resultado direto ouindireto da luta de classes; significa, portanto, que a ideologia proletria umaideologia de massas, capaz de unificar a vanguarda da classe operria em suasorganizaes de luta de classe.

    Como o prprio Althusser adverte: "a ideologia dominante nunca um fatoconsumado da luta de classes que tivesse escapado luta de classes. Efetiva-mente, a ideologia dominante, que existe no complexo sistema dos AparelhosIdeolgicos de Estado, em si mesma o resultado de uma dura e muito longaluta de classes, atravs da qual a burguesia no chega a atingir seus objetivos ano ser com a dupla condio de lutar, simultaneamente, contra a antiga ideo-logia dominante que sobrevive nos antigos Aparelhos e contra a ideologia danova classe explorada que procura suas formas de organizao e de luta. [...] areproduo da ideologia dominante no a simples repetio, no uma sim-ples reproduo, nem tampouco uma reproduo ampliada, automtica, mec-nica de determinadas instituies, definidas, de uma vez para sempre, por suasfunes, mas o combate pela reunificao e a renovao de elementos ideol-gicos anteriores, desconexos e contraditrios, em uma unidade conquistada nae pela luta de classes, contra as formas anteriores e as novas tendncias anta-gnicas. A luta pela reproduo da ideologia dominante um combate inaca-bado que deve ser sempre retomado e est sempre submetido lei da luta declasses" (Althusser 1999, pp. 239-240).

    O partido revolucionrio tambm efetivamente est permeado de ideologia,mas de uma ideologia revolucionria, na qual a sua forma interpelatria cons-titui sujeitos de ao de ruptura contra o sistema capitalista, e no de sujeios instituies modernas burguesas. Conforme observa Althusser "para existircomo classe consciente de sua unidade e ativa em sua organizao de luta, oproletariado tem necessidades no s da experincia, mas tambm de conheci-mentos objetivos, cujos princpios lhe so fornecidos pela teoria marxista. a

    A ideologia em Althusser e Laclau: dilogos (im)pertinentes 133

  • partir da dupla base dessas experincias, iluminadas pela teoria marxista, quese constitui a ideologia proletria, a ideologia das massas, capaz de unificar avanguarda da classe operria em suas organizaes de luta de classe. Trata-se,portanto, de uma ideologia muito particular: ideologia, uma vez que a nveldas massas funciona como qualquer ideologia (interpelando os indivduoscomo sujeitos), mas impregnada de experincias histricas, iluminadas porprincpios de anlise cientfica" (Althusser 1999, pp. 248-249; grifos no origi-nal).

    De fato, se Althusser tivesse publicado na ntegra a verso original, muitasdas crticas sobre a fragilidade da teoria dos aparelhos ideolgicos, e da ausn-cia da luta de classes, teriam cado por terra (pelo menos em grande maioria).A maior parte do manuscrito que ficou indita tratava diretamente dos apare-lhos ideolgicos de Estado, abordando no somente o papel das escolas, mastambm do Direito (dois captulos tratavam dessa problemtica), dos aparelhosideolgicos poltico e sindical (incluindo um captulo especfico sobre eles naformao social francesa), dos aparelhos ideolgicos na fase de transio revo-lucionria (onde ilustra como exemplos a Revoluo Francesa de 1789 e aRevoluo Russa de 1917), alm de diversas passagens em que trata da luta declasses nos aparelhos ideolgicos12.

    Como de amplo conhecimento, Althusser distingue os AIE dos AREdevido aos primeiros alm de haver o predomnio da prtica ideolgica sobrea repressiva (que tambm est presente nos AIE), h uma multiplicidade ediversidade dos AIE em relao aos ARE. No se trata, portanto, da diferen-ciao jurdica entre eles (se os AIE so "privados" e os ARE "pblicos"). Essa uma distino de carter jurdico, mas no das prticas. Para Althusser, o quefaz um AIE um sistema complexo que compreende e combina vrias institui-es e organizaes, e respectivas prticas. Como ele afirma "que sejam todaspblicas ou todas privadas, ou que umas sejam pblicas e outras privadas, tra-ta-se de um detalhe subordinado, j que o que nos interessa o sistema queconstituem. Ora, esse sistema, sua existncia e sua natureza no devem nadaao Direito, mas a uma realidade completamente diferente que designamos porIdeologia de Estado" (idem, p. 108). Em uma posio bem distinta (e adversa)da corrente funcionalista, Althusser afirma que no so as instituies que"produzem" as ideologias correspondentes; pelo contrrio, so determinadoselementos de uma Ideologia (a Ideologia de Estado) que se "realizam" ou"existem" em instituies correspondentes, e suas prticas (Althusser 1999).

    A ideologia no existe nas idias. A ideologia pode existir sob a forma dediscursos escritos ou falados que, supostamente, veiculam "idias". Mas justa-mente a "idia" que se faz das "idias" comanda o que se passa nesses discur-sos. As "idias" no tm de modo algum uma existncia ideal, mas umaexistncia material. A ideologia no existe no "mundo das idias", concebidocomo "mundo espiritual", mas em instituies e nas prticas prprias dessasmesmas instituies. A ideologia existe em aparelhos e nas prticas prpriasdesses mesmos aparelhos. nesse sentido que os AIE concretizam, no dispo-sitivo material de cada um deles e nas suas prticas, uma ideologia que lhes exterior, denominada por Althusser por ideologia primria e pode ser chamadapelo nome de ideologia de Estado, unidade dos temas ideolgicos essenciaisda classe dominante ou das classes dominantes (idem, pp. 178-179).

    Se a escola foi o principal foco do texto publicado em 1970, o Direito, quepraticamente no foi abordado, tem um grande destaque no texto original pu-blicado postumamente. O Direito definido por Althusser como um espao

    12 Em um rpido mapeamentodesse livro, Althusser fala da lutade classes (incluindo a questo daRevoluo e da ditadura do pro-letariado) nas seguintes pginasda edio brasileira: 29, 54, 65-69, 74, 97, 100-102, 107, 110,112-113, 115-117, 119, 121-131,133, 135-142, 144-152, 154-163,166, 173-174, 176, 178-179, 180-185, 193, 220, 231 e 233.

    134 Luiz Eduardo Motta, Carlos Henrique Aguiar Serra

  • intermedirio entre a represso e a ideologia. Althusser entende por direito aGrundnorm positivista de Kelsen, na medida em que o Direito forma um siste-ma no contraditrio e saturado, caracterizado pelo seu aspecto formal e nomoral. Como afirma Althusser, "o formalismo do direito no tem sentido a noser enquanto se aplica a contedos definidos que esto necessariamente ausen-tes do prprio direito. Esses contedos so as relaes de produo e seusefeitos"(idem, p. 85). Isto significa dizer que o Direito exprime as relaes deproduo, embora, no sistema de suas regras, no faa qualquer meno scitadas relaes de produo; ao contrrio, escamoteia-as. Nesse aspecto, Alt-husser segue de perto as afirmaes e Marx em Crtica do Programa de Got-ha, em que aponta os efeitos da universalizao da igualdade formal em umasociedade desigual no tocante ao trabalho: "Esse igual direito direito desigualpara trabalho desigual. Ele no reconhece nenhuma distino de classes. [...]Segundo seu contedo, portanto, ele , como todo direito um direito da desi-gualdade" (Marx 2012, p. 31).

    O Direito, por expressar a coero por meio do Cdigo Penal, atua direta-mente no ARE, a exemplo da polcia, tribunais, multas e prises. Contudo, oDireito como coao no se confunde com a ideologia jurdica. A ideologiajurdica retoma realmente as noes de liberdade, igualdade e obrigaes, einscreve-as fora do Direito, i.e., fora do sistema de regras do Direito e de seuslimites, em um discurso ideolgico que estruturado por noes completa-mente diferentes. Enquanto o Direito diz: os indivduos so pessoas jurdicasjuridicamente livres, iguais e com obrigaes como pessoas jurdicas, a ideo-logia jurdica faz um discurso aparentemente semelhante, mas de fato comple-tamente diferente. Ela diz: os homens so livres e iguais por natureza. Naideologia jurdica , portanto, a "natureza", e no o Direito, que "fundamenta"a liberdade e igualdade dos "homens" (Althusser 1999, pp. 93-94). De qual-quer maneira, Althusser no consegue definir claramente o aspecto ideolgicodo Direito quando atua de modo preventivo. Seria ou no condicionado pelaideologia jurdica? No captulo XI do manuscrito ele tenta, de certa forma,resolver esse problema.

    Em duas passagens Althusser elucida essa concepo abstrusa do Direito:"vimos que o direito era necessariamente repressor e inscrevia a sano dodireito no prprio direito, sob a forma do Cdigo Penal. Por esse motivo, pare-ceu-nos que o direito s poderia funcionar realmente sob a condio da exis-tncia real de um Aparelho repressor de Estado que executasse as sanesformalmente inscritas no direito penal e pronunciadas pelos juzes dos tribu-nais [...]. Mas, ao mesmo tempo, pareceu-nos que, na imensa maioria dos ca-sos, o direito era 'respeitado' pelo simples jogo combinado da ideologiapoltica + um suplemento de ideologia moral, portanto, sem interveno diretado destacamento do ARE especializado [...] se retivermos o fato de que o di-reito 'funciona' de maneira prevalecente por meio da ideologia jurdico-moral,apoiada por intervenes repressoras intermitentes; se, enfim, nos lembrarmosque defendemos a tese de que, em seu funcionamento, todo aparelho de Estadocombina, simultaneamente, a represso com a ideologia, temos fortes razespara considerara o 'direito'(ou antes, o sistema real que essa denominao de-signa, dissimulando-a, j que faz abstrao da mesma, a saber: os Cdigos + aideologia jurdico-moral + a polcia + os tribunais e seus magistrados + asprises, etc.) merece ser pensado sob o conceito de Aparelho Ideolgico deEstado" (idem, p. 189; p. 192).

    Embora Althusser permanea com a afirmao de que a luta econmicaseja a determinante em ltima instncia, e a luta poltica seja central na estra-

    A ideologia em Althusser e Laclau: dilogos (im)pertinentes 135

  • tgia derradeira para o combate pelo poder de Estado, a luta ideolgica, i.e., aluta de classes nos aparelhos de informao (luta pela liberdade de pensamen-to, de expresso, de difuso das idias progressistas e revolucionrias) precede,em geral, as formas declaradas da luta poltica (idem, p. 180).

    Interessante notar que as partes ausentes do artigo so marcadamente pol-ticas, e acentuam em grande grau a posio leninista de Althusser, como bemobserva Bidet na introduo da edio do manuscrito (Bidet 1999, p. 8). Deve-se tambm ressaltar que, a despeito de sua publicao desde os anos 1990, boaparte dos estudiosos de Althusser ainda prefiram apoiar-se teoricamente naverso do artigo13. A verso do manuscrito, com efeito, um prembulo dasua chamada "fase de autocrtica", que tem como marco inicial o texto "Res-posta a John Lewis" de 1973, e dos textos da fase que podemos denominar a"crise do marxismo", que tem como ponto de partida o artigo "Enfim, a crisedo marxismo", de 1977, e que abarca os textos de forte teor leninista-maostacomo Marxismo como teoria finita", O "22 congresso" e "O que no podedurar no partido comunista", publicados entre 1977 e 1978. Althusser demarcano captulo X, "Reproduo das relaes de produo e revoluo" (totalmenteexcludo na verso de 1970), em vrios momentos, a sua crtica ao partido-Estado e a defesa da ditadura do proletariado, e define o significado da revolu-o. Revolues no sentido fraco so as que no afetam as relaes de produ-o, portanto, o poder de Estado e o conjunto dos aparelhos de Estado, massomente o aparelho ideolgico de Estado poltico, a exemplo das revoluesde 1830 e 1848 na Frana. So simples modificaes no aparelho ideolgicopoltico (como a formao da repblica parlamentar), acompanhadas por mo-dificaes em outros aparelhos ideolgicos de Estado, a exemplo da escola.Revoluo no sentido forte consiste, portanto, em desapossar a classe domi-nante no poder de Estado, i.e, da utilizao de seus aparelhos de Estado quegarantem a reproduo das relaes de produo existentes, para estabelecernovas relaes de produo cuja reproduo garantida pela destruio dosantigos aparelhos de Estado e a edificao de novos aparelhos de Estado. Osexemplos citados por Althusser nesse caso o da Revoluo francesa de 1789,a Revoluo socialista russa de 1917 e a Revoluo chinesa de 1949 (Althusser1999, p. 173).

    Apesar de Althusser no ter mais escrito nenhum trabalho especfico sobreo conceito de ideologia depois da resposta aos seus crticos em 1976, ele man-teve suas posies tericas e polticas como pode-se perceber na sua derradeiraentrevista dada a Fernanda Navarro, publicada em 1988. No obstante, no con-texto dessa entrevista, tenha mudado algumas de suas posies tericas pret-ritas, devido a sua nfase no materialismo aleatrio (ou do acaso) em relaos determinaes das estruturas que caracterizaram os seus escritos iniciais,sua atitude diante ao conceito de ideologia manteve-se inaltervel. Conformenota-se na entrevista, Althusser ainda define a ideologia como uma prtica naqual, por meio das interpelaes, constituem sujeitos em uma relao imagin-ria com as suas condies reais de existncia. "O homem sempre tem vividosobre relaes sociais ideolgicas" e "os indivduos so desde sempre, sujeitos,quer dizer, sujeitos-j-sujeitados por uma ideologia" (Althusser 1988, p. 65).Alm disso, Althusser mantm o papel dos aparelhos ideolgicos haja vistaque a existncia social das ideologias inseparvel das instituies por meiodas quais se manifestam, com seu cdigo, sua lngua, seus costumes, rituais ecerimnias.

    Como dissemos no incio do artigo, a influncia de Althusser foi decisivana elaborao do conceito de ideologia, e sua influncia perceptvel no deba-

    13 o caso das duas coletneasorganizadas por Caletti e Rom,onde em mais de dez artigos queabordam a problemtica da ideo-logia em Althusser e dialogandocom vrios pensadores (Adorno,Badiou, Wittgenstein, Laclau,Voloshinov, Butler) no h ne-nhuma meno bibliogrfica verso do manuscrito.

    136 Luiz Eduardo Motta, Carlos Henrique Aguiar Serra

  • te sobre o tema desde o fim dos anos 1960. E Ernesto Laclau uma das princi-pais expresses da influncia de Althusser como veremos na seo seguinte.

    III. Laclau: da teoria da ideologia marxista ao ps-marxismo discursivo

    A interveno de Laclau ao debate sobre o conceito de ideologia foi marca-da por sua contribuio nova definio que ele deu ideologia nacionalista-populista, de corte de esquerda, bastante presente na realidade latino-america-na dos anos 1960-1970 a exemplo do governo peruano de Velasco Alvarado,da esquerda peronista (Montoneros), da esquerda varguista (brizolismo), dosSandinistas etc., sem falar das experincias pan-arabistas que ocorriam no Ori-ente Mdio e no norte da frica (sobretudo na Arglia). Sua contribuio aesse tema fez de Laclau um dos intelectuais mais criativos da corrente marxistaalthusseriana.

    A obra de Laclau pode ser dividida em quatro fases, como aponta MariaMartina Sosa: (i) uma primeira aproximao profundamente marcada pela in-fluncia althusseriana e, sobretudo, pelos conceitos de sobredeterminao einterpelao apresentados no livro Poltica e ideologia na teoria marxista, de1977; (ii) a nfase na lgica do significante e as posies do sujeito em Hege-monia e estratgia socialista, de 1985; (iii) a importncia do Real e a vincula-o entre a categoria de sujeito e o espao poltico nos artigos escritos nos anos1990, e reunidos nos livros como Emancipao e diferena,de 1996, e Misti-cismo, retrica e poltica, de 2002; (iii) a preocupao pelo investimento afeti-vo na constituio dos sujeitos polticos e sua relao tanto com a noo deidentificao como a lgica do objeto em A razo populista, de 2005 (Sosa2011, pp. 168-169).

    Em sua primeira fase, na qual teve como base terica o marxismo althusse-riano e a psicanlise lacaniana, Laclau fez acrscimos definio que Althus-ser deu ao conceito de ideologia. Tendo como eixo central os conceitos desobredeterminao e interpelao de Althusser, Laclau constri sua anlise so-bre o populismo nacionalista em uma concepo anti-reducionista, e anti-es-sencialista, em clara oposio concepo luksciana. Como o prprio Laclauobserva, no podemos conceber a superestrutura (a ideologia, como tambm oEstado) de forma reducionista s classes sociais, j que no podemos pensar aexistncia das classes aos nveis polticos e ideolgicos sob a forma de redu-o. Isso significa afirmar que o carter de classe de uma ideologia dado pelasua forma, e no pelo seu contedo (Laclau 1979).

    O exemplo que Laclau nos d a ideologia nacionalista. Para determinadossetores de esquerda, e pensamos nesse caso o trotskismo, o nacionalismo sem-pre foi rotulado de ideologia burguesa na qual impedia a formao da consci-ncia da classe proletria. A mesma interpretao foi evocada por "liberais deesquerda" como Weffort (1978), que, alm disso, afirmava ser o nacionalismouma expresso de uma ideologia pequeno burguesa que consagrava o Estado.O que podemos perceber, a partir de Laclau, que o nacionalismo (como o po-pulismo), enquanto ideologia, foi articulada por diferentes classes sociais. Onacionalismo pode ter uma conotao expansionista e agressiva, como no casoda Alemanha de Bismarck e no contexto nazista, como tambm de teor antiim-perialista, a exemplo do maosmo na China, do castrismo em Cuba, e de diver-sas faces da esquerda peronista armada, como tambm de intelectuaismilitantes no campo do peronismo, como podemos ver nas obras de John Wil-liam Cooke, Hernandez Arrgui, Abelardo Ramos e Norberto Galasso. Tam-

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  • bm podemos classificar de nacionalismo antiimperialista o nasserismo dosanos 1950 de forte influncia no somente na frica e Oriente Mdio, mastambm em militares da Amrica Latina, como o j citado Velasco Alvaradodo Peru, mas tambm Omar Torrijos do Panam.

    O que importa salientar aqui a contribuio de Laclau ao conceito deideologia althusseriano com a incorporao do principio articulatrio nas inter-pelaes. Isso significa afirmar que, enquanto, na infraestrutura, a contradioprincipal entre as relaes de produo e as foras produtivas, e as classesesto em forma de reduo, na superestrutura as classes so amplas e esto soba forma de articulaes, e a contradio principal entre o povo e o bloco nopoder, contradio esta sobredeterminada pela contradio fundamental, i.e,entre as relaes de produo e as foras produtivas. Se na infraestrutura (ouno modo de produo) h luta de classes, na superestrutura (pensando em umaformao social especfica) h classes em luta (Laclau 1979, pp. 107-108).

    Segundo Laclau "se a contradio de classe a contradio dominante aonvel abstrato do modo de produo, a contradio povo/bloco no poder acontradio dominante ao nvel da formao social. [...] se nem toda contra-dio pode ser reduzida a uma contradio de classes, toda contradio so-bredeterminada pela luta de classes. [...] A luta de classes a nvel ideolgicoconsiste, em grande parte, no esforo em articular as interpelaes popular-democrticas aos discursos ideolgicos das classes antagnicas" (idem, p.114).

    O princpio articulatrio, como define Laclau, visa condensao de dife-rentes ideologias de classes (e no classistas como o nacionalismo e o populis-mo) antagnicas entre si, mas que so unificadas por uma contradioantagnica, e sobredeterminante na formao social, que a contradio povoem oposio ao bloco no poder. a partir dessa condensao desses elementosdispersos em diversas ideologias que Laclau considera a possibilidade da for-mao de uma hegemonia. Para Laclau, seguindo as teses de Althusser, umaclasse dominante interpela no somente os seus membros dessa classe, mastambm os membros das classes dominadas. A interpelao dessas ltimasconsiste na absoro parcial e neutralizao dos contedos ideolgicos atravsdos quais se expressa a resistncia e dominao. No caso contrrio, vindo dossetores dominados, a acentuao desses elementos para aguar o antagonis-mo com o bloco no poder. Uma classe hegemnica no porque capaz deimpor uma concepo uniforme de mundo ao resto da sociedade, mas que con-siga articular diferentes vises de mundo de forma tal que seu antagonismopotencial seja neutralizado, ou potencializado quando visa uma ruptura. Por-tanto, a classe hegemnica exerce sua hegemonia de duas maneiras: (i) atravsda articulao, ao seu discurso de classe, das contradies e interpelaes noclassistas; (ii) atravs da absoro de contedos que fazem parte do discursopoltico e ideolgico das classes dominadas (idem, p. 113; p. 171; p. 172).

    Um dos aspectos mais significativos nessa anlise de Laclau o papel dastradies populares como um dos elementos ideolgicos dessa articulao.Como ele diz, "se aceitamos a universalidade do critrio de classe e, ao mesmotempo, falamos em luta secular do povo contra a opresso, a ideologia em queesta luta secular se cristaliza s pode ser a de uma classe diferente da classeoperria uma vez que essa ltima surge somente com o industrialismo mo-derno. [...] As 'tradies populares' constituem o conjunto de interpelaes queexpressam a contradio povo/bloco de poder como distinta de uma contradi-o de classe. [...] Em primeiro lugar, na medida em que as 'tradies popula-

    138 Luiz Eduardo Motta, Carlos Henrique Aguiar Serra

  • res' representam a cristalizao ideolgica da resistncia opresso em geral,isto , prpria forma do Estado, devero ter maior durao do que as ideolo-gias de classe e constituiro um marco estrutural de referncia mais estvel doque estas ltimas. Entretanto, em segundo lugar, as tradies populares noconstituem coerentes e organizados mas, puramente, elementos que s existemarticulados a discursos de classe (idem, p. 173; grifos no original).

    H, ento, nos discursos ideolgicos de resistncia e de mudana ao blocono poder, elementos de tradies de luta popular que so incorporados emmovimentos revolucionrios, como podemos citar os exemplos dos Tupama-ros, dos Sandinistas, dos Montoneros e dos Zapatistas. So elementos invari-veis, e que so sempre evocados como forma de mobilizao contra o poderhegemnico das classes e dos grupos hegemnicos. O ponto de partida paraLaclau, nessa questo, o estudo sobre o conceito de ideologia feito por Ba-diou e Balms (1976), no qual analisam os elementos invariantes das ideologi-as revolucionrias denominados por eles de invariantes comunistas.

    Badiou e Balms designam como invariantes comunistas a existncia detoda revolta revolucionria das massas, qualquer que seja a poca consideradade aspiraes igualitrias, antiproprietrias e antiestatais. Esse interessante es-tudo de Badiou e Balms tem como principal fonte o livro de Engels, A guerrados camponeses na Alemanha,no qual o autor apresenta um intenso estudosobre as revoltas camponesas do sculo XVI sob inspirao da teologia revo-lucionria de Thomas Mnzer (Engels 2010). Laclau inspira-se em duas obser-vaes feitas por Badiou e Balms (1976): a primeira diz respeito ao fato deque a ideologia dominante, para organizar as massas, no pode ignorar suaexperincia cotidiana de opresso de classe. Todo seu esforo tende, portanto,a reabsorver, no a contradio, mas seu antagonismo. Apresentar a contradi-o antagnica, que regula o movimento da histria como simples diferenanatural estruturante da identidade "eterna", o que na verdade um momentoda histria. Para fazer de modo correto a inelutvel exigncia espontnea dareduo das diferenas, toda ideologia dominante garante que, para alm dasdiferenas concretas perdura, seja a ttulo de promessa, uma igualdade abstra-ta.

    A segunda corresponde s invariantes comunistas que de acordo com Ba-diou e Balms "no tm um carter de classe definido: elas sintetizam a aspira-o universal dos explorados em oposio a todo princpio de explorao e deopresso. Elas nascem sobre o terreno da contradio entre as massas e o Esta-do. [...] Um certo tipo de comunismo coletivista surgiu inelutavelmente sobre abase das revoltas de massa, mesmo no proletrias. Na esfera ideolgica, pen-sada com esfera contraditria, se desenvolve uma contradio relativamenteinvariante que ope as idias de tipo igualitrio s idias hierrquicas e desigu-ais" (idem, pp. 67-68).

    De acordo com Badiou e Balms (idem), as invariantes comunistas sosempre portadoras na histria da revolta das classes exploradas, i.e., pela re-volta dos produtores diretos: escravos, servos e proletrios. As invariantes co-munistas esto no curso da resistncia ideolgica contra a explorao em gerale s idias que as servem. Elas refletem o movimento real pelo qual os explo-rados no se insurgem somente contra a forma especfica de explorao doqual so vtimas, mas contra a idia mesma de explorao (idem, p. 91). Auniversalidade das invariantes comunista d-se sempre na especificidade dascontradies de classe historicamente determinadas. Ento, mesmo que ela de-senvolva-se no elemento doutrinal da "profecia comunista", a revolta, com ex-

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  • perincia real, toma posio sobre o carter especfico das contradies declasse (idem, p. 97).

    A diferena entre Laclau e Badiou e Balms que, enquanto para estes ocomunismo o elemento invariante, para o primeiro o comunismo uma dasarticulaes possveis dos elementos popular-democrticos. a articulaoque permite o desenvolvimento de todo antagonismo potencial da ideologiapopular-democrtica. E para Laclau a ideologia popular-democrtica significaprimeiramente que "o sujeito interpelado como 'povo' deve s-lo em termos deuma relao antagnica face ao bloco de poder. E em segundo lugar, por de-mocracia no entendemos nada que tenha uma relao necessria com as insti-tuies parlamentares liberais. [...] Pelo contrrio, em nossa concepo, aextenso real do exerccio de democracia e a produo de sujeitos popularescada vez mais hegemnicos, so dois aspectos de mesmo processo" (Laclau1979, p. 113).

    Contudo, Laclau deu uma guinada na sua teoria poltica e sociolgica aoescrever em parceria com Chantal Mouffe, em 1985, o livro Hegemonia e es-tratgia socialista. Nesse livro h uma forte influncia do contexto da criseque atingiu o pensamento marxista, o malogro das experincias socialistas doLeste europeu, o declnio da social-democracia e do eurocomunismo, e a emer-gncia do neoliberalismo e da ascenso dos novos movimentos sociais. Laclaumuda de paradigma e de enfoque. Paradigma por romper com a teoria marxistae adotar o que ele denomina de "ps-marxismo". Enfoque por deixar de lado oconceito de ideologia (intensamente identificado com a teoria marxista) e ado-tar a categoria de discurso. H a emergncia de novos conceitos na sua teoriacomo sutura, lgica da equivalncia e lgica da diferena, contingncia, pontosnodais e significante vazio. Laclau, com efeito, a partir desse trabalho, aproxi-mou-se de forma cada vez mais estreita com as correntes ps-modernista eps-estruturalista (Foucault e Derrida, sobretudo), e cada vez mais abandonan-do as referncias marxistas (Althusser e Gramsci, especialmente) que ainda sefaziam presentes em 1985.

    O ponto de partida para compreendermos essa nova posio terica de La-clau a crtica que ele estabelece s leituras topolgicas da sociedade, na qualrefuta qualquer possibilidade de determinao, mesmo sendo em ltima instn-cia como ele afirmava anteriormente. O prprio conceito de sociedade apon-tado por ele como uma impossibilidade epistemolgica j que seria umequvoco "suturar" algo que no haja uma "essncia" ou determinao devidoa sua intensa fragmentao, e, alm disso, Laclau demarca em sua anlise deque o contingente (o acaso) sobrepe-se necessidade (as determinaes).Como ele mesmo afirma, "no existe um espao suturado que possamos con-ceber como uma 'sociedade', j que o social carece de essncia" (Laclau &Mouffe 2010, p. 132).

    Para a constituio e organizao das relaes sociais fragmentadas em umdeterminado contexto sociopoltico, necessria uma prtica articulatria (es-trutura discursiva). Por articulao Laclau denomina a toda prtica que estabe-lece uma relao entre elementos, que a identidade destes resulta modificadacomo resultado dessa prtica. A totalidade estruturada resultante da prticaarticulatria denominada de discurso. Por momento Laclau chama as posi-es diferenciais como aparecem articuladas no interior do discurso. E, pelocontrrio, por elemento a toda diferena que no se articula discursivamente(idem, p. 143).

    140 Luiz Eduardo Motta, Carlos Henrique Aguiar Serra

  • Inspirado em Foucault, a formao discursiva para Laclau caracteriza-sepela "regularidade na disperso". Segundo Laclau "uma disperso governadapor regras pode ser vista de duas perspectivas opostas. Em primeiro lugar,enquanto disperso; isto exige determinar o ponto de referencia a respeito doqual os elementos podem ser pensados como dispersos. Mas a formao dis-cursiva pode ser vista tambm da perspectiva da regularidade na disperso epensar em tal sentido como conjunto de posies diferenciais. Este conjunto deposies diferenciais no a expresso de nenhum princpio subjacente exteri-or a si mesmo [...], mas constitui uma configurao, que em certos contextosde exterioridade pode ser significada como totalidade. Dado que nosso interes-se primrio nas prticas articulatrias, neste segundo aspecto que devemosnos concentrar especialmente" (idem, pp. 143-144).

    Laclau, ento, observa que, com essa regularidade na disperso, a contin-gncia e a articulao so possveis, visto que nenhuma formao discursiva uma totalidade suturada, e porque a fixao dos elementos nos momentos nun-ca completa. O que se segue a seguinte afirmativa de Laclau e Mouffe:"nossa anlise rechaa a distino entre prticas discursivas e no discursivase afirma: a) que todo objeto se constitui como objeto de discurso, na medidaem que nenhum objeto se d a margem de toda a superfcie discursiva deemergncia; b) que toda distino entre os que usualmente se denominam as-pectos lingsticos e prticos (de ao) de uma prtica social, ou bem devemter lugar como diferenciaes internas a produo social de sentido, que seestrutura sob a forma de totalidades discursivas" (idem, pp. 144-145).

    A materialidade do discurso de Laclau e Mouffe pouco diferencia-se damaterialidade ideolgica althusseriana. Tal qual a ideologia, o discurso noprovm da experincia, nem da subjetividade, mas tem uma existncia objetivahaja vista que as diversas posies de sujeito aparecem dispersas no interior deuma formao discursiva. A segunda conseqncia que a prtica da articula-o como fixao-deslocao de um sistema de diferenas tampouco podeconsistir em meros fenmenos lingsticos, mas sim que deve atravessar todaa espessura material de instituies, rituais, prticas de diferente ordem, atra-vs das quais uma formao se estrutura.

    A diferena devida ao carter absoluto que encontra o discurso em La-clau, j que em Althusser a prtica discursiva (ideolgica) articulada com asoutras prticas que atuam no todo complexo desigual e estruturado, correspon-dente ao modo de produo abstrato e a formao social concreta. De acordocom Laclau, o discurso que contribui para moldar e constituir as relaessociais. Para ele, a principal conseqncia dessa definio romper com adicotomia discursiva/extradiscursiva abandonar tambm a oposio pensa-mento/realidade e, consequentemente, ampliar imensamente o campo das cate-gorias que podem dar conta das relaes sociais. Essa afirmativa s se impese a lgica relacional o discurso realiza-se at suas ltimas consequncias eno limitada por nenhuma exterioridade. Se uma totalidade discursiva nuncaexiste sob a forma de uma positividade simplesmente dada e delimitada, nessecaso a lgica relacional uma lgica incompleta e penetrada pela contingn-cia. A transio dos "elementos" aos "momentos" nunca se realiza totalmente.Cria-se assim uma terra do nada que faz possvel a prtica articulatria. Nessecaso no h identidade social que aparea plenamente protegida de um exteriordiscursivo que a deforma e a impede de suturar-se completamente. Perdem seucarter necessrio tanto as relaes como as identidades.

    A ideologia em Althusser e Laclau: dilogos (im)pertinentes 141

  • O que se conclui com essa perspectiva discursiva de Laclau que "a socie-dade" no um objeto legtimo de discurso. No h como observam Laclau eMouffe "princpio subjacente nico que fixe e assim constitua o conjuntodo campo das diferenas. A tenso irresolvel interioridade/exterioridade acondio de toda prtica social: a necessidade s existe como limitao parcialdo campo da contingncia. no terreno desta impossibilidade tanto da interio-ridade como de uma exterioridade totais, que o social se constitui" (idem, p.151). A hegemonia, distintamente da de Gramsci (1980) em que h um sujeito(o partido revolucionrio que constri a hegemonia da classe fundamental nasociedade civil), e que articula um projeto societal em direo conquista dopoder de Estado, em Laclau e Mouffe a hegemonia tem um carter incompletoe aberto e s pode ser constituda em um campo geral das prticas articulatri-as. Essa articulao de diferentes identidades e discursos efetivada por um"ponto nodal", i.e, um ponto centralizador que articula esses elementos atento dispersos, mas articulados devido a seu antagonismo em comum a outro,este sendo definido como algo que impede a formao de uma lgica de equi-valncia identitria.

    A hegemonia s pode resultar de uma dialtica (ainda que peculiar) entre algica de equivalncia e a lgica de diferena. Segundo Laclau e Mouffe, "osatores sociais ocupam posies diferenciais no interior daqueles discursos queconstituem o servio social. Em tal sentido elas so particularidades. Por outrolado, h antagonismos sociais que criam fronteiras internas a sociedade. ocaso das foras opressivas, por exemplo, um conjunto de particularidades esta-belece entre si relaes de equivalncia. Resulta necessrio, sem embargo, re-presentar a totalidade desta cadeia mais alm do particularismo diferencial doslaos equivalentes. Quais so os meios de representao? Como afirmamos,esses meios de representao s podem consistir numa particularidade cujocorpo se divide, dado que, sem cessar de ser particular, ela transforma o seucorpo na representao de uma universalidade que os transcende a cadeiaequivalencial. Esta relao, pelo que uma certa particularidade assume a repre-sentao de uma universalidade inteiramente incomensurvel com a particula-ridade em questo, o que chamamos de relao hegemnica. Comoresultado, a universalidade uma universalidade contaminada: (i) ela nopode escapar a esta tenso irresolvel entre universalidade e particularidade;(ii) sua funo de universalidade hegemnica no est nunca definitivamenteadquirida, seno que , pelo contrrio, sempre reversvel" (Laclau e Mouffe2010, pp. 13-14; grifos no original). Esse carter flutuante e contingencial dahegemonia acaba em resultar no conceito de significante vazio, o que significaque os grupos que disputam, em uma arena poltica, transformar a sua particu-laridade em um universal temporrio, j que o universal no tem corpo e con-tedo necessrio (Laclau 2011, p. 50, p. 78).

    Antes de terminar esta seo importante fazer uma anlise do que Laclaue Mouffe (2010) definem o que seja marxismo, e sobre os limites da influnciade Althusser nessa nova tomada de posio terica. Primeiramente, impor-tante destacar que o marxismo abordado por Laclau e Mouffe em nada asseme-lha-se ao marxismo de Althusser, visto que o enfoque dado ao marxismoessencialista de corte luksciano, de teor humanista e historicista, antagnicoao defendido por Althusser e seus seguidores. Contudo, Laclau e Mouffe emnenhum momento estabelecem essa diferena. Ao contrrio, tratam de formahomognea, isso sem falar em um marxismo de corte mecanicista e determi-nista que eles citam ao longo da obra. O resultado disso uma m compreen-so do marxismo por parte de seus intrpretes no Brasil, que, diferentemente

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  • da Argentina14, onde se busca essa influncia de Althusser na teoria de Laclau,aqui associam mais a sua teoria com o ps-estruturalismo (Deleuze, Derrida eFoucault).

    Laclau, com efeito, o maior responsvel por essa confuso. Alm de clas-sificar a teoria marxista de forma reducionista, emprega de modo impreciso osconceitos althusserianos como os de interpelao e sobredeterminao dosquais ele recorreu na sua fase inicial, e ainda reivindicava essa influencia noseu livro de 1985. Se a interpelao para Althusser o mecanismo que mate-rializa a ideologia nos sujeitos a partir dos aparelhos ideolgicos, Laclau noaborda profundamente essa questo j que nem trata do papel dos aparelhosideolgicos, no obstante ainda que venha a reconhecer que a materialidadedos discursos advenha de rituais e prticas (embora ele no explicite sobreesses rituais e instituies no texto). Em relao ao conceito de sobredetermi-nao o equvoco bem maior. Apesar de ter recorrido de modo preciso a esseconceito em sua anlise inicial sobre o nacionalismo-populista, em Hegemoniae estratgia socialista, a sobredeterminao empregada pelo vis psicanalti-co (do qual se origina) na sua manifestao simblica nas relaes sociais (La-clau & Mouffe 2010, p. 134). Althusser no aplica esse conceito no camposimblico ou imaginrio, mas sim no real. A sobredeterminao para Althussermanifesta-se pelo acmulo de contradies oriundas das mais diferentes ins-tncias e, ao serem condensadas por uma contradio sobredeterminante, oantagonismo manifesta-se na forma de ruptura, como indica uma conjunturarevolucionria. , para todos os efeitos, uma manifestao das estruturas e dasprticas que esto articuladas de forma desigual no todo complexo estruturado(distinta da totalidade hegelo-lukasciana) definido por Althusser (1986)15.

    Um aspecto no mnimo curioso une Althusser a Laclau nesse livro, emborano tenha sido abordado, ou analisado, possivelmente por falta de informaopor parte de Laclau: ao empregar o conceito de contingncia, Laclau vai aoencontro do "ltimo Althusser". A fase final de Althusser foi marcada por suanfase no aleatrio, no contingencial, no acaso, o que ele veio a definir comouma tradio subterrnea da filosofia que ele denomina de "materialismo doencontro", tradio essa que engloba diferentes autores como Maquiavel, Hob-bes, Spinoza, Rousseau, Marx, Heidegger e Derrida. De fato, como observapola (2007), desde seus trabalhos publicados em Pour Marx, Althusser j per-cebia essa tenso entre o acaso e a necessidade. Isso fica ntido no anexo doartigo "Contradio e sobredeterminao", quando Althusser analisa, a partirda carta de Engels a Bloch, a relao do acaso com a necessidade (a determi-nao)16. Em um texto indito escrito na primeira metade dos anos 1960, So-bre a gnese, Althusser (2012) tambm se reporta a relao das estruturas como acaso. Alm disso, Althusser, ao afirmar que o processo sem sujeito e semfim, d clara margem para que o acaso seja um dos elementos desse processono teleolgico. Com a descoberta de vrios textos inditos de Althusser, polaafirma que paralelamente ao projeto declarado de Althusser (que constitudopelos textos publicados em vida, definidos como "althusserianos"), existe umprojeto subterrneo no qual a questo do aleatrio estava presente17.

    Althusser delimita claramente essa posio do acaso nessa passagem emseu texto pstumo: "Diremos que o materialismo do encontro se sustenta tam-bm por inteiro na negao do fim, de qualquer teologia, seja racional, munda-na, moral, poltica ou esttica. Diremos, enfim, que o materialismo doencontro no o de um sujeito (seja Deus ou o proletariado), mas o de umprocesso sem sujeito, que impe aos sujeitos (indivduos ou outros) aos quaisdomina a ordem de seu desenvolvimento sem fim definido" (Althusser 1994,

    14 Vide os artigos de Barciela(2011), Sosa (2011) e Burdman(2011).

    15 Concordamos plenamente comas observaes de Lewis sobreessa questo em relao ao con-ceito de Althusser: "Sobredeter-minao [em Althusser], ao con-trrio da definio Laclau eMouffe, sempre ligada ao real,e ser conhecida atravs dos fe-nmenos que o real ou econmi-co produz. Ao remov-lo de suabase uma m compreenso dotermo e uma perda do seu signifi-cado" (Lewis 2005, p. 11).

    16 Escobar, ao analisar a crticade Althusser a Engels nesse arti-go, diz que "Althusser parece re-sistir ousadia de Engels e tentade alguma forma reabilitar o con-trole de uma dialtica que se as-pira um saber sem acasos. Ao di-zer isso no estamos esquecendoque cabe a Althusser mais doque a ningum o mrito de teraproximado a dialtica tanto deuma problematizao aberta (aum materialismo dialtico noplatonicamente dialtico) quantoa do acaso na categoria de sobre-determinao" (Escobar 1996,pp. 35-36).

    A ideologia em Althusser e Laclau: dilogos (im)pertinentes 143

  • p. 577). Apesar dessa aproximao de Althusser ao ps-estruturalismo, ele nonegou o papel da luta de classes como Laclau. Em sua entrevista a FernandaNavarro, Althusser afirmava "Se justamente a lngua alem dispe de umapalavra precisa para design-la: Geschichte que se refere j no a histria con-sumada, mas sim a histria no presente, sem dvida determinada em grandeparte pelo seu passado j acontecido, mas s em parte, porque a histria pre-sente, viva, est aberta tambm a um futuro incerto, imprevisto, ainda no con-sumado e portanto aleatrio. A histria viva que no obedece mais que a umaconstante (no uma lei): a constante da luta de classes. [...] dizer que umatendncia no possui a forma ou figura de uma lei linear, mas que pode bifur-car-se sob o efeito de um encontro com outra tendncia e assim at o infinito.Em cada cruzamento de caminhos, a tendncia pode tomar uma via imprevis-vel, aleatria" (Althusser 1988, p. 36).

    Para finalizar, as teses de Laclau e Mouffe geraram intervenes, positivase negativas, sobre a formao discursiva e o "ps-marxismo"18. Eagleton, porexemplo, critica Laclau e Mouffe (2010) pela aproximao da fluidez tpica dops-estruturalismo onde os conflitos (e a posio de dominante e dominado)tornam-se completamente relativos. Como observa Eagleton, "o princpio uni-ficado no mais a' economia' mas a prpria fora homogeneizadora, quemantm uma relao quase transcendental com os 'elementos' sociais que tra-balha" (Eagleton 1997, p. 189). Essa volatilidade dos grupos faz com que nohaja nenhum ponto situacional das classes e grupos, visto que o prprio confli-to disperso e contingente. O exemplo crtico de Eagleton esclarecedor nes-se aspecto: se os capitalistas monopolistas no tm interesses independentes damaneira como so politicamente articulados, ento parece no haver nenhummotivo para que a esquerda poltica no deva despender enormes recursos deenergia procurando conquist-los para seu programa. O fato de que no o faze-mos porque consideramos que os interesses sociais dados dessa classe fazemque seja bem menos provvel tornarem-se socialistas do que, digamos, os de-sempregados" (idem, p. 190).

    Boron tambm tece severas crticas a Laclau e Mouffe na medida em quetentam criticar o "reducionismo econmico" do marxismo acabam por teceruma perspectiva terica do "reducionismo discursivo". Nessa concepo que,segundo Boron, retoma o idealismo transcendental em uma roupagem sociol-gica, o mundo exterior e objetivo de um discurso lgico que lhe infunde umsopro vital e que, de quebra, devora e dissolve a conflitividade do real. A ex-plorao capitalista j no resultado da lei do valor e da extrao da mais-valia, mas s se configura se o operrio pode represent-la discursivamente.Em outra passagem, Boron afirma que "Laclau e Mouffe esto corretos aopronunciar, assim como numerosos tericos marxistas, uma radical revaloriza-o do crucial papel que ideologia e cultura assuntos pelos quais o marxis-mo vulgar demonstrou um injustificvel desprezo. Entretanto, sua tentativanaufraga nos arrecifes de um 'novo reducionismo' quando a sua crtica ao es-sencialismo classista e ao economicismo do marxismo da Segunda e da Tercei-ra Internacionais resulta na exaltao do discursivo, como um novo ehegeliano ex machina da histria. Para a sua desgraa, no existe reducionismo'bom' e outro 'mau'; no existe reducionismo virtuoso no essencialista, noeconomicista capaz de consertar os males ocasionados por seu irmo gmeorebelde" (Boron 2001, p. 150).

    Como dissemos no incio desta seo, a teoria de Laclau foi bastante abala-da pela crise de conjuntura pelo qual passou os movimentos e organizaes deesquerda, e principalmente o pensamento marxista, nos anos 1980. No ca-

    17 "Importa, sem embargo, preci-sar que o projeto declarado e o'projeto' subterrneo no sosempre forosamente contradit-rios, nem sequer foram concebi-dos como instncias antagnicas.Por certo a irrupo inopinada deenunciados 'fora de lugar' em ple-na elaborao de tal ou qual as-pecto do projeto declarado geraum tipo de tenso, de inimizadeinclusive, entre o pensamentoelaborado e o enunciado 'trans-gressor' surgido abruptamente donada; mas h tambm zonas naobra de Althusser em que as posi-es de um e outro se justapemsem hostilidade" (pola 2007, pp.40-41).

    18 Uma anlise bem positiva aolivro de Laclau e Mouffe encon-tra-se em Barret (1996).

    144 Luiz Eduardo Motta, Carlos Henrique Aguiar Serra

  • sual que ele e Mouffe afirmassem a predominncia das bandeiras da liberdadesobre a igualdade, i.e, das demandas de carter liberal em relao s de teorcoletivo que sempre fizeram parte dos projetos da esquerda (Laclau & Mouffe2010, p. 208). No entanto, a obra de Laclau sofreu algumas mudanas recentesde enfoque, j que a problemtica do populismo vem ocupando um espaocentral nos seus ltimos trabalhos. Ainda que a questo do populismo estejasendo analisada a partir do prisma dos conceitos de lgica de equivalncia ede diferena, de significante vazio, e de afetividade (Laclau 2005; 2009) huma perceptvel guinada para a esquerda, possivelmente motivado pelo avanorecente da esquerda (particularmente na Amrica Latina) diante da crise doprojeto neoliberal. Isso tambm fica ntido na sua aliana com Badiou e Ran-cire na defesa do conceito de povo (que constitui um discurso igualitrio) emrelao ao de "multido" (que afirma as diferenas) apregoado por AntonioNegri, como tambm a sua justa crtica noo de Imprio de Negri e Hardt, ena defesa do conceito de imperialismo (Laclau 2008, p. 134). Ademais, Laclauretomou ao conceito de ideologia em obra recente (Laclau 2002), embora esseconceito no ocupe mais um lugar central em sua teoria tal como foi na faseinicial de sua obra. E ao que parece, alguns elementos "contingenciais" queainda esto por vir possam mudar e fixar uma posio mais radical, de novo,na teoria poltica de Laclau.

    IV. Concluses

    Como foi visto ao longo deste artigo, Althusser redefiniu o significado doconceito de ideologia no somente no pensamento marxista (ao refutar o signi-ficado da ideologia enquanto falsa conscincia, ou mera expresso de um con-texto histrico) mas tambm nas Cincias Sociais em geral, ao aproximar-seda psicanlise freudo-lacaniana e definir a ideologia como uma prtica que temcomo efeito materializar a representao da relao imaginria dos sujeitosindividuais com suas condies reais de existncia. Isso deu um novo signifi-cado a esse conceito que em muitas de suas leituras no marxismo conferiam-lhe um sentido negativo. E ao trat-lo como uma estrutura no o limitou acircunstncias histricas, ou a ideologias particulares.

    Essa definio de ideologia por Althusser foi fundamental na obra inicialde Laclau quando este deu um novo significado ao conceito de populismo (ede nacionalismo), a partir do princpio articulatrio por meio das interpelaes.Todavia, com a crise do paradigma marxista nos anos 1980, Laclau abandonousua perspectiva prvia e comeou apregoar a emergncia do ps-marxismo quetem no discurso o seu conceito central.

    A posio que defendemos que o conceito de ideologia na perspectivaalthusseriana, longe de ter sido superado pelo de discurso, mais preciso parao entendimento da realidade, seja para a anlise da reproduo das relaes depoder, seja para o diagnstico das mudanas sociopolticas. Ao contrrio daconcepo reducionista do discurso presente em Laclau, a perspectiva tericaalthusseriana trata das diferentes prticas articuladas umas s outras, e a domi-nao de uma sobre as outras depender da contradio predominante em dadaconjuntura. Isso significa que, embora haja a determinao em ltima instnciapelo econmico, as diferentes estruturas que articulam o todo complexo pos-suem autonomia relativa e temporalidades distintas, no havendo margem paramecanicismos, nem reducionismos, nessa anlise, j que h uma pluralidade dedeterminaes, distintamente do "indeterminismo" relativista do ps-estrutura-lismo e do ps-marxismo. Ademais, negar o papel do econmico no mnimo

    A ideologia em Althusser e Laclau: dilogos (im)pertinentes 145

  • paradoxal pelo ps-estruturalismo e pelo ps-marxismo: como pensar o mundohoje sem levarmos em conta os problemas de natureza econmica como o de-semprego, inflao, taxas de juros, dficit fiscal, crise financeira do modeloneoliberal, dvida externa, ascenso dos BRICS e a crise econmica dos EUAe da Europa ocidental? O chamado "mundo vida" seria impermevel a essassituaes? Cremos que no, e o marxismo althusseriano, nesse aspecto, semprevisou a anlise e a articulao das diversas estruturas e prticas, e os diferentesnveis da cada estrutura em uma formao social, e na articulao desta com asdemais formaes socais com o objetivo de apontar as diferenas internas.

    A despeito da mudana de paradigma de Laclau, isso no significa que suacontribuio inicial esteja obsoleta. Pelo contrrio, sua contribuio ao concei-to de ideologia notvel, e de grande valia para a anlise de conjuntura. E, emtempos recentes, Laclau voltou a manifestar-se positivamente ao conceito deideologia (Laclau 2002). E, como observa Liria (2002, p. 112) em relao aAlthusser, faz-se o mesmo para Laclau: se aprendemos algo com Althusser justamente reconhecer a autonomia de toda obra terica a respeito de seu au-tor, e a combater as intruses da subjetividade deste em seu prprio discursoterico. Significa dizer que isso permite-nos ler em Laclau aquilo que h demais crtico e criativo em sua contribuio terica.

    Luiz Eduardo Motta ([email protected]) doutor em Sociologia pelo Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio deJaneiro (Iuperj) e professor de Cincia Poltica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

    Carlos Henrique Aguiar Serra ([email protected]) doutor em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF) eprofessor de Cincia Poltica na mesma universidade.

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