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213 De casa a museu: 80 anos do Museu Republicano “Convenção de Itu” Jonas Soares de Souza Museu Republicano Convenção de Itu-MP/USP Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 10/11. p. 213-225 (2002-2003). O Museu Republicano “Convenção de Itu” abriu suas portas ao público no dia 18 de abril de 1923. Instalado na casa onde nesses mesmos dia e mês cinqüenta anos antes tinha sido realizada uma grande reunião de republicanos, o museu materializava um projeto de políticos ituanos e antigos membros do PRP – Partido Republicano Paulista: preservar a “Casa da Convenção” para transformá- la em memorial da República. Construída na década de 1850 pelo fazendeiro Francisco de Almeida Prado, a casa constou do rol de bens que ele ao falecer legou à sua segunda esposa, Ana Joaquina Vasconcelos Noronha. Em 1866, no inventário dos bens de Ana Joaquina, a casa foi destinada ao filho do casal, Carlos de Vasconcelos de Almeida Prado 1 . Logo que se apossou do imóvel, Carlos de Vasconcelos mandou fazer a reforma que, de acordo com o gosto então reinante na Corte, atualizou os cômodos dianteiros dos dois pavimentos e a fachada principal do sobrado. O imenso beiral que avançava na área da calçada cedeu lugar à platibanda, e a parte superior da fachada ganhou tratamento em azulejos portugueses. São escassas as informações sobre as alterações internas, mas, como afirma Carlos Lemos (LEMOS, 1999), “é claro que os fazendeiros mais esclarecidos tratavam, dentro das possibilidades, de evitar sobretudo as alcovas abafadas e escuras, já, inclusive, condenadas também por engenheiros e tratadistas” 2 . A intervenção no edifício ocorreu em 1867, como atesta a data inscrita na platibanda, e após a sua conclusão o sobrado passou a servir de residência à família de Carlos de Vasconcelos de Almeida Prado. O edifício também pode ser visto como símbolo do poder econômico do café. Na época da sua construção, muitas das antigas residências remanescentes do século anterior estavam sendo demolidas, cedendo espaços e materiais para imponentes sobrados destinados 1. Inventários de Francis- co de Almeida Prado e Ana Joaquina Vasconce- los Noronha, Fundo Ar- quivo Central da Comarca de Itu, Museu Republicano “Convenção de Itu”/MP-USP. 2. LEMOS, Carlos A. C. Casa Paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Pau- lo, 1999. p. 211.

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    De casa a museu: 80 anos do MuseuRepublicano Conveno de Itu

    Jonas Soares de Souza

    Museu Republicano Conveno de Itu-MP/USP

    Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11. p. 213-225 (2002-2003).

    O Museu Republicano Conveno de Itu abriu suas portas ao pblicono dia 18 de abril de 1923. Instalado na casa onde nesses mesmos dia e mscinqenta anos antes tinha sido realizada uma grande reunio de republicanos, omuseu materializava um projeto de polticos ituanos e antigos membros do PRP Partido Republicano Paulista: preservar a Casa da Conveno para transform-la em memorial da Repblica.

    Construda na dcada de 1850 pelo fazendeiro Francisco de AlmeidaPrado, a casa constou do rol de bens que ele ao falecer legou sua segundaesposa, Ana Joaquina Vasconcelos Noronha. Em 1866, no inventrio dos bensde Ana Joaquina, a casa foi destinada ao filho do casal, Carlos de Vasconcelosde Almeida Prado1. Logo que se apossou do imvel, Carlos de Vasconcelos mandoufazer a reforma que, de acordo com o gosto ento reinante na Corte, atualizou oscmodos dianteiros dos dois pavimentos e a fachada principal do sobrado. Oimenso beiral que avanava na rea da calada cedeu lugar platibanda, e aparte superior da fachada ganhou tratamento em azulejos portugueses.

    So escassas as informaes sobre as alteraes internas, mas, comoafirma Carlos Lemos (LEMOS, 1999), claro que os fazendeiros mais esclarecidostratavam, dentro das possibilidades, de evitar sobretudo as alcovas abafadas eescuras, j, inclusive, condenadas tambm por engenheiros e tratadistas2.

    A interveno no edifcio ocorreu em 1867, como atesta a data inscritana platibanda, e aps a sua concluso o sobrado passou a servir de residncia famlia de Carlos de Vasconcelos de Almeida Prado. O edifcio tambm pode servisto como smbolo do poder econmico do caf. Na poca da sua construo,muitas das antigas residncias remanescentes do sculo anterior estavam sendodemolidas, cedendo espaos e materiais para imponentes sobrados destinados

    1. Inventrios de Francis-co de Almeida Prado eAna Joaquina Vasconce-los Noronha, Fundo Ar-quivo Central daComarca de Itu, MuseuRepublicano Convenode Itu/MP-USP.

    2. LEMOS, Carlos A. C.Casa Paulista: histriadas moradias anterioresao ecletismo trazido pelocaf. So Paulo: Editora daUniversidade de So Pau-lo, 1999. p. 211.

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    s moradias de fazendeiros enriquecidos pelo caf. Para Carlos Lemos (LEMOS,2003), o sobrado que abrigou a Conveno de Itu provm, certamente, dessarenovao urbana a partir do aproveitamento das velhas moradas bandeiristas.Segundo ele, sintomtica dessa providncia de utilizao de restos antigos aexistncia da taipa de pilo somente nas paredes portantes do pavimento trreoque, por sinal, guarda notvel semelhana em sua planta com as casas rurais dosculo XVIII3 (FIGURAS 1, 2).

    O sobrado ainda era a residncia de Carlos Vasconcelos e famliaquando abrigou os cento e trinta e trs republicanos para o encontro poltico queo tornaria famoso mais tarde. O objetivo maior do conclave era organizar omovimento republicano na ento Provncia de So Paulo, depois da repercussodo Manifesto de 1870 divulgado no jornal A Repblica, do Rio de Janeiro. Acapital e diversas cidades candidataram-se para sediar o encontro, mas Itu foiescolhida por eleio, em razo das articulaes entabuladas pelos polticoslocais. reunio compareceram observadores do Rio de Janeiro e representantes

    3. LEMOS, Carlos. Teste-munha da histria. BoaVida, Itu, v.15, n. 178, p. 7,2003.

    FIGURA 1 Casa da famlia Carlos Vasconcelos de Almeida Prado em Itu, 1867. Planta baixa,andar trreo, elaborada sob orientao de Antnio Lus Dias de Andrade, FAU-USP,1986. Acervodo Museu Republicano Conveno de Itu MP/USP.

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    de dezesseis cidades paulistas: Itu, Jundia, Campinas, So Paulo, Amparo,Bragana, Moji-Mirim, Constituio (atual Piracicaba), Botucatu, Tiet, Porto Feliz,Capivari, Sorocaba, Indaiatuba, Belm de Jundia (atual Itatiba), Montemor eJa4. A data escolhida, 18 de abril de 1873, certamente indcio de que osrepublicanos queriam associar sua imagem ao progresso material de So Paulo:no por acaso, a Estrada de Ferro Ituana tinha sido inaugurada no dia anterior,em solenidade na qual os republicanos tinham disputado espaos e discursos comos delegados do governo provincial (CANABRAVA, 1971)5. O local do encontro,o imenso sobrado em frente lateral da Igreja Matriz Nossa Senhora daCandelria, desvela a hegemonia do grupo liderado pelos irmos Carlos e JosVasconcelos de Almeida Prado, que no papel de anfitries no queriam perder aoportunidade de exercer maior controle sobre o encontro.

    O conclave, at ento denominado reunio, recebeu pela primeiravez a designao de conveno no Correio Paulistano, em sua edio de 25 deabril de 18736. O jornal noticiou o evento sem lhe dar muito destaque. Entretanto,

    4. Ata da Conveno deItu, manuscrito originaldo Museu RepublicanoConveno de Itu repro-duzido em: Solenizaodo cinqentenrio daConveno de Itu, reali-zada a 18 de abril de1923 com a instalaodo Museu RepublicanoConveno de Itu peloGoverno do Estado deSo Paulo a 18 de abrilde 1923. So Paulo: Com-panhia Melhoramentos,1923, p. 93-100; e TAUNAY,Afonso E. Guia do MuseuRepublicano Convenode Itu. So Paulo: Depar-tamento Estadual de In-formaes, 1946. p. 61-66.

    5. Em So Paulo a constru-o das ferrovias, em gran-de parte, foi um investi-mento dos prprios fa-zendeiros de caf. CANA-BRAVA, Alice P. A grandelavoura. In: HOLANDA,Srgio Buarque (Ed.). His-tria geral da civilizaobrasileira. O Brasil mo-nrquico Declnio equeda do Imprio, t. II, v.5.So Paulo: Difuso Euro-pia do Livro, 1971. p. 92.Cesrio Mota Jnior des-creve a festa da inaugura-o da Estrada de FerroItuana no documento Re-cordaes Histricas(1873), manuscrito doacervo do Museu Republi-cano Conveno de Itu/MP-USP. O documento foipublicado em: Soleni-zao do cinqente-nrio da Conveno deItu, op.cit., p. 86-91; eTAUNAY, Afonso E. Guiado Museu RepublicanoConveno de Itu.op.cit., p. 67-72.

    6. Correio Paulistano,Edio 4992, 25 de abrilde 1873, Crnica Polti-ca A reunio de Itu, p. 1.Para acompanhar o de-senvolvimento do partido

    FIGURA 2 Casa da famlia Carlos Vasconcelos de Almeida Prado em Itu, 1867. Planta baixa,primeiro andar, elaborada sob orientao de Antnio Lus Dias de Andrade, FAU-USP, 1986.Acervo do Museu Republicano Conveno de Itu MP/USP.

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    com o passar do tempo, reunio foram atribudos significados que pouco apouco a transformaram na Conveno de Itu, o dia de sua realizao passou aser lido como a data de fundao do Partido Republicano Paulista, e a antigaresidncia tornou-se conhecida como a Casa da Conveno (BRASILIENSE, 1979).

    Amrico Brasiliense de Almeida Melo, que desempenhou a funo desecretrio na reunio de 18 de abril de 1873, escreveu em 1891, momento emque ocupava o cargo de presidente do Estado de So Paulo:

    Assumi o difcil encargo [referia-se presidncia do Estado] com a mesma serenidadede nimo, com a mesma calma e com a mesma convico de bem, que me levaramquela, j hoje clebre, reunio solenemente realizada a 18 de abril de 1873 e quepassar Histria com a denominao de Conveno de Itu.

    Pouco tempo depois da manifestao de Amrico Brasiliense, osrepublicanos paulistas passaram a demonstrar interesse na preservao da casade Itu7. Mas a compra do imvel pelo governo do Estado se deu somente trsdcadas depois, num momento em que o PRP j comeava a sentir os primeirossinais de desgaste, aps a longa hegemonia iniciada com a subida ao poder dos

    depois da Conveno deItu ver: BRASILIENSE,Amrico. Os programasdos partidos e o segun-do imprio. Braslia: Sena-do Federal; Rio de Janei-ro: Fundao Casa de RuiBarbosa, 1979.

    7. A manifestao do in-teresse na preservao daCasa da Convenopode ser acompanhadaatravs dos jornais de Itudo final do sculo XIX eprimeiros anos do sculoXX, em colees existen-tes na biblioteca do Mu-seu Republicano Con-veno de Itu/MP-USP.

    FIGURA 3 Edifcio do Museu Republicano Conveno de Itu, 1922. Planta baixa, andar trreo,elaborada sob orientao de Antnio Lus Dias de Andrade, FAU USP, 1986. Acervo do MuseuRepublicano Conveno de Itu MP/USP.

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    representantes da cafeicultura paulista nos governos de Prudente de Moraes eCampos Sales.

    O Partido Republicano Paulista explorava a comemorao docinqentenrio da Conveno, em razo de seu valor simblico, e a criao doMuseu Republicano como instrumentos de busca no passado de uma legitimidadehistrica que pudesse ser manipulada a favor de sua estratgia de dominao.A aquisio do lugar do acontecimento da Conveno deveria ser a primeiraetapa, com a qual a casa passava da condio simblica privada para aadministrao pblica do simblico (SILVA, 2002; SODR, 2002)8. Em 23 dedezembro de 1921 a Cmara dos Deputados de So Paulo aprovou a Lei n.1856, autorizando a compra da Casa da Conveno. O deputado MrioTavares deixou bem clara aquela preocupao no discurso que fez durante osdebates do projeto:

    A assemblia solenssima, em que foram tomadas deliberaes fundamentais e vitaispara a arregimentao democrtica, realizou-se em Itu e teve a denominao deConveno de Itu. [...] Se ali nasceu o Partido Republicano Paulista, que foi tantos anos

    8. SODR, Muniz. Semio-logia de uma casa-museu.Jornada Museo-lgica: no-tcias sobre museus-casas,Rio de Janeiro: FundaoCasa de Rui Barbosa (Pa-pis Avulsos), 43, p. 7-13,2002; SILVA, HeleniceRodrigues. Rememora-o/comemorao: as uti-lizaes sociais da memria.Revista Brasileira de His-tria, So Paulo: ANPUH/Humanitas Publicaes, v.22, n.44, p. 425-438, 2002.

    FIGURA 4 Edifcio do Museu Republicano Conveno de Itu, 1922. Planta baixa, primeiroandar, elaborada sob orientao de Antnio Lus Dias de Andrade, FAU USP, 1986. Acervo doMuseu Republicano Conveno de Itu MP/USP.

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    o exemplo da abnegao, da disciplina e do bom doutrinamento, servindo de estmulos outras agremiaes nas antigas provncias, eu, fortalecendo-me no revigoramentodaquela convico, na lembrana daquelas doutrinas, seguro e tranqilo, julguei-mecapaz de receber a comisso de constituir com os legtimos representantes do povo oEstado de S.Paulo, autnomo, republicano e forte na grande Repblica Brasileira. [...]Celebremos o passado. Entreguemos a casa modesta, onde nasceram o PartidoRepublicano e a democracia brasileira, ao preito do povo e especialmente da mocidade,para que ela transmita, de gerao a gerao, o fogo sagrado desta f vigorosa nosdestinos da nossa terra [...]9.

    O governo estadual investiu quarenta contos de ris na incorporaodo imvel ao patrimnio pblico e liberou o crdito de oitenta contos de ris paraas despesas oradas com a reforma e a adaptao da antiga residnciaassobradada ao novo programa de uso10.

    Washington Lus Pereira de Souza, presidente do Estado de So Paulo,escolheu o historiador Afonso dEscragnolle Taunay para supervisionar a interveno

    9. O discurso do deputadoMrio Tavares est reprodu-zido em: Solenizao docinqentenrio da Con-veno de Itu, op.cit., p. 14.

    10. Lei 1856 de 29 de de-zembro de 1921 e Decre-to 3.579 de 12 de feverei-ro de 1923, documentosreproduzidos em Solenizaodo cinqentenrio daConveno de Itu, op.cit.,p.17-18.

    FIGURA 5 Museu Republicano Conveno de Itu, abril de 1923. Fotografia de FredericoEgner. Acervo do Museu Republicano Conveno de Itu MP/USP.

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    de adaptao dos espaos internos do sobrado ao programa do museu. Taunay,que ento dirigia o Museu Paulista, tambm foi encarregado da tarefa de organizara nova instituio museolgica. Os engenheiros Carlos Quirino Simes e AchillesNacarato fizeram o projeto de reforma do edifcio a pedido da Secretaria deEstado dos Negcios da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas. Nacorrespondncia de 18 de novembro de 1922, que enderearam ao diretor deobras, os engenheiros justificaram a interveno programada:

    Os reparos, de pequena monta, se justificam por suas prprias naturezas, e representampequenos cuidados para manter em bom estado de conservao as vrias partes do prdio;tive, porm, de computar a reforma total do telhado, tal o estado impressionante em que seapresenta, imprprio para uma moradia comum e muito menos para um museu; coberturaconstruda em 1867 e retocada desorganizadamente, por vrias vezes, ali se notam cumieira,rinces, tera, caibros e ripas em madeira rolia e fasquias de coqueiros de mistura commadeira serrada e lavrada, sem uniformidade de dimenses, sem regularidade na disposio

    11. Ofcio de 18 de no-vembro de 1922, dossiMuseu Histrico Republi-cano. Secretaria da Viaoe Obras Pblicas Dire-toria de Obras Pblicas.Autos 527 de 1922.

    FIGURA 6 Inaugurao do Museu Republicano Conveno de Itu, 18 de abril de 1923.Fotografia de Frederico Egner. Acervo do Museu Republicano Conveno de Itu MP/USP.

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    e apodrecidas em grande parte. Notarei que as telhas datam da poca citada e as tesouras,alm das dimenses reduzidas, tm falta de peas, supridas por pontaletes e escoras. Napintura, ainda cumprindo vossas ordens, substitui as partes em papel por uma caiao sbriae que satisfaa os fins em vista. Os preos compostos do meu oramento so os mesmos databela organizada no escritrio tcnico para o estudo de adaptao, ali em andamento, doprdio da Conveno para um museu de relquias republicanas11. (FIGURAS 3, 4).

    As obras foram executadas apressadamente, para que tudo seconclusse na data aprazada. s vsperas da inaugurao o responsvelparticipava ao diretor de obras:

    Est concluda e recebida, desde 18 do corrente, a reforma do prdio destinado a ummuseu de relquias republicanas. Os trabalhos obedeceram ao projeto e oramentoelaborados; foram executadas todas as modificaes que o sr. Dr. Presidente do Estadodeterminou em sua visita de 9 do corrente...12.

    12. Informao n. 58, de28 de abril de 1923,dossi Museu HistricoRepublicano. Secretariada Viao e Obras Pbli-cas Diretoria de ObrasPblicas. Autos 527 de1922.

    FIGURA 7 Washington Lus na entrada do Museu Republicano Conveno de Itu no dia da suainaugurao. Fotografia de Frederico Egner. Acervo do Museu Republicano Conveno de Itu MP/USP.

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    Alguns cmodos deixaram de existir para ceder espao a duas reasde iluminao, e paredes foram derrubadas para abrir um grande salo nopavimento superior. A abertura desse salo foi decidida pelo prprio presidenteWashington Lus, durante visita de inspeo realizada na companhia do deputadoCarlos de Campos e do secretrio de Estado dos Negcios da Agricultura,Comrcio e Obras Pblicas Heitor Penteado. A cpula do PRP acompanhou deperto o andamento das obras e determinou que nos cmodos utilizados pelaconveno republicana no se fizesse qualquer mudana, e neles absolutamenteno se tocou; esto tal qual eram a 18 de abril de 187313 (FIGURA 5).

    Pronto o cenrio, montou-se a solenidade da inaugurao do MuseuRepublicano e do cinqentenrio da Conveno de Itu. O evento tinha que seruma grande festa do PRP. Na rua fronteira ao sobrado ajuntou-se a multido paraver a chegada da comitiva do presidente do Estado. O grande salo do pavimentosuperior, que surgiu depois da derrubada das paredes que confinavam antigas

    13. Solenizao docinqentenrio da Con-veno de Itu, op.cit.,p.19.

    FIGURA 8 Famlia Carlos Vasconcelos de Almeida Prado, 1886. Acervo do MuseuRepublicano Conveno de Itu MP/USP.

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    alcovas, acomodou os filiados do partido, secretrios de Estado, acadmicos deDireito, deputados, vereadores, prefeitos, jornalistas, escritores, convencionais efamiliares de convencionais j falecidos, alm de curiosos que mais uma vez atudo assistiam bestializados (CARVALHO, 1987)14. No discurso que convinha ocasio, rodeado dos presentes e dos retratos a leo dos convencionais de1873, Washington Lus disse ao pblico que o ouvia em absoluto silncio, naavaliao de uma testemunha ocular15:

    Essa festa de hoje, exclusivamente cvica, puramente republicana, cultuando o passadodemocrtico, presta uma homenagem respeitosa aos homens extraordinrios daConveno de Itu, cujos sobreviventes emprestam a esta assemblia uma solenidadevenervel; significa a tranqilidade da hora presente diante das realizaes feitas;exprime a confiana, que no desfalece, nos tempos por vir, e mostra inequivocamente,numa reafirmao imponente e comovedora que, cnscios das grandes responsabilidadesque lhes cabem no regime, assim no passado como no presente, no perderam ospaulistas as caractersticas do seu gnio. Intemeratos, fortes, desprendidos, esto semprejuntos, prontos, ao primeiro toque de reunir, na defesa da Repblica. A festa de hojepertence indiscutivelmente ao Partido Republicano Paulista, cujas origens se diluem no

    14. Comentrio do advo-gado ituano ErmelinoMaffei, em que faz refe-rncia ao clebre dito dorepublicano AristidesLobo, segundo o qual opovo assistiu bestializado Proclamao da Rep-blica. Em 18 abril de1923 o ento jovem es-tudante Maffei juntou-seao grupo de acadmicosdo Largo de So Francis-co, que foi a Itu para as-sistir inaugurao doMuseu Republicano Con-veno de Itu. No co-mentrio, em palestraproferida na comemora-o do aniversrio doMuseu em abril de 1988,

    FIGURA 9 Sala da Conveno Museu Republicano Conveno de Itu. Fotografia deFrederico Egner, 1924. Acervo do Museu Republicano Conveno de Itu MP/USP.

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    passado, mas se juntam na Conveno de Itu, avolumando-se cada vez mais econtinuamente na propaganda, na proclamao, na defesa e na manuteno daRepblica16 (FIGURA 6).

    O presidente foi aplaudido demoradamente. Ao findarem os discursose os cumprimentos de praxe, Washington Lus desceu os degraus de acesso aosaguo da entrada e descerrou a lpide, onde ele prprio mandara gravar embronze:

    Comemorando a efemride cinqentenria e ilustre de 18 de abril de 1873 com ainstalao deste instituto destinado a celebrar os fastos do republicanismo paulista,grato e reverente preito consagra o Governo do Estado de So Paulo, por seupresidente Washington Lus Pereira de Souza, a memria benemrita dos que naassemblia imorredoura da Conveno de Itu, neste edifcio reunida, atestaram face da Nao Brasileira o despontar e a energia do Partido Republicano Paulistafazendo ouvir as vozes de sua f e as de sua esperana no triunfo definitivo daRepblica Federativa.

    Maffei citava: CARVALHO,Jos Murilo. Bestializadosou bilontras? In: Osbestializados. O Rio dejaneiro e a Repblica queno foi. So Paulo: Com-panhia das Letras, 1987. p.140-160.

    15. Solenizao docinqentenrio da Con-veno de Itu, op.cit., p. 36.

    16. O discurso de Wa-shington Lus est repro-duzido em: Solenizaodo cinqentenrio daConveno de Itu, op.cit.,p. 36-39.

    FIGURA 10 Desfile de bandas de msica em frente ao Museu Republicano Conveno de Ituno dia da festa da inaugurao, 18 de abril de 1923. Fotografia de Frederico Egner. Acervo doMuseu Republicano Conveno de Itu MP/USP.

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    Fundida em bronze pelo arteso Roque de Mingo, a placa reproduzo modelo entalhado em madeira por H. Bakkenist, o mesmo autor da maqueteSo Paulo em 1840, executada para o Museu Paulista. Depois de servir demolde da placa de bronze da inaugurao, o modelo em madeira foi restauradoe presenteado a Washington Lus. Taunay, autor da iniciativa, mandou o presenteao destinatrio acompanhado de um ofcio no qual reforava o papel do presidentede Estado na criao do museu espero que cause prazer este objeto querecorda uma fundao a V.Exa. devida17 (FIGURAS 7, 8).

    Na data da inaugurao, marcada para coincidir com o cinqentenrioda Conveno de Itu, a exposio do Museu Republicano ainda no estavaconcluda. Taunay incumbiu-se de justificar a situao um instituto desta naturezas passados anos assume propores considerveis, no se improvisando museus,e de descrever a comemorao18. Ele atribuiu ao evento um carter espetacular,digno de ser includo no panteo de festas e efemrides nacionais. Como elemesmo conta (TAUNAY, 1923), inaugurou-se o museu com uma incompleta galeriade retratos de vultos eminentes do republicanismo: signatrios do Manifesto de1870, propagandistas da repblica, membros da Conveno e membros dogoverno provisrio da repblica. Washington Lus acompanhou passo a passo oprocesso de escolha dos retratados e dos pintores contratados para a produodos retratos a leo19. Depois da inaugurao, o acervo comeou a ser ampliadopor meio de compras e de doaes de familiares dos convencionais de 1873,membros do PRP e do prprio Washington Lus. Uma das primeiras aquisies foio mobilirio indicado por Jos Vasconcelos de Almeida Prado e Olmpia Augustada Fonseca Almeida Prado, viva de Carlos Vasconcelos de Almeida Prado, como intuito de encenar parte do ambiente da residncia em 1873. Taunay explicaque o objetivo do museu era comemorar a Conveno de Itu e os grandes homensda fase de propaganda at a Proclamao da Repblica, e ao mesmo tempo porse achar instalado numa residncia tpica do sculo XIX, lhe ocorrera a idia detambm fazer dele um museu de artes decorativas, dando aos visitantes a idiado que eram o mobilirio e a ornamentao de uma casa rica brasileira pelasvizinhanas de 1870 com o seu feitio tpico de disparidade muito de bric brac,pela mistura de estilos e procedncias (TAUNAY, 1946)20. Como de costume,depois das buscas e localizao do mobilirio, Taunay submeteu a idia aWashington Lus:

    Aqui lhe remeto uma srie de fotografias demonstrativas da nova arrumao do seumuseu. Pelo Sr. Dr. Alarico soube da sua deciso sobre o caso da moblia. Vamos a verse se descobre outra em melhores condies, porque como ver da fotografia ela vaiadmiravelmente naquele ambiente. Melhor impossvel at. S falta o tapete e o lampiode querosene na mesa do centro e o Sr. se ver transportado sua infncia, casapaterna, ou avoenga, como na Maca21.

    Convencido, Washington Lus consentiu e o secretrio do Interior AlaricoSilveira liberou uma verba extraordinria para a compra da moblia de FelcioMarmo, de tradicional famlia ituana. O tapete e o lampio de querosene foramcomprados logo em seguida (FIGURA 9).

    A transformao da casa em museu consistiu em uma estratgia deobjetivao da memria, isto , do lugar simblico em que se realizou um eventosignificativo a um determinado partido poltico, o PRP Partido Republicano Paulista,para legitimar historicamente a hegemonia do grupo social ligado aos interessesdos grandes cafeicultores de So Paulo, que lhe dava suporte (FIGURA 10).

    Artigo apresentado em11/2003.

    17. Ofcio de Afonso E.Taunay a Washington Lus,de 20 de novembro de1923, dossi Museu Hist-rico Republicano. Secreta-ria da Viao e Obras P-blicas Diretoria deObras Pblicas. Autos 527de 1922.

    18. Solenizao docinqentenrio da Con-veno de Itu, op.cit.,p.19,23-35 (Celebraodo cinqentenrio daConveno de Itu). Embo-ra no conste o seu nomecomo responsvel pelapublicao, Afonso E.Taunay foi certamente oorganizador destaplaqueta, como pode serdeduzido do ofcio queele remeteu a Washing-ton Lus em 28 de maiode 1923, dossi MuseuHistrico Republicano.Secretaria da Viao eObras Pblicas Direto-ria de Obras Pblicas. Au-tos 527 de 1922.

    19. Washington Lusacompanhava a produodos retratos atravs deconversas pessoais comTaunay e de correspon-dncia, como os ofciosdo diretor do MuseuPaulista ao presidente doEstado, datados de 17 defevereiro e de 30 de mar-o de 1923, dossi MuseuHistrico Republicano.Secretaria da Viao eObras Pblicas Direto-ria de Obras Pblicas. Au-tos 527 de 1922.

    20. TAUNAY, Afonso E.Guia do Museu Republi-cano Conveno de Itu.So Paulo: DepartamentoEstadual de Informaes,1946. p. 11; TAUNAY, Afon-so E. Relatrio referenteao ano de 1923, apresen-tado a 2 de fevereiro de1924 ao ExcelentssimoSenhor Secretrio do in-terior, Doutor Alarico

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    REFERNCIAS

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    SILVA, Helenice Rodrigues. Rememorao/comemorao: as utilizaes sociais da memria. RevistaBrasileira de Histria, So Paulo: ANPUH/Humanitas Publicaes, v. 22, n.44, p. 425-438, 2002.

    SODR, Muniz. Semiologia de uma casa-museu. Jornada Museolgica: notcias sobre museus-casas,Rio de Janeiro: Fundao Casa de Rui Barbosa (Papis Avulsos), 43, p. 7-13, 2002;

    TAUNAY, Afonso E. Solenizao do cinqentenrio da Conveno de Itu, realizada a 18 de abrilde 1923 com a instalao do Museu Republicano Conveno de Itu pelo Governo do Estado deSo Paulo a 18 de abril de 1923. So Paulo: Companhia Melhoramentos, 1923.

    TAUNAY, Afonso E. Guia do Museu Republicano Conveno de Itu. So Paulo: DepartamentoEstadual de Informaes, 1946.

    Silveira. Revista do Mu-seu Paulista, t. 14, p. 793-807, 1926.

    21. Carta de Afonso E.Taunay a WashingtonLus, de 2 de junho de1923, dossi Museu Hist-rico Republicano. Secreta-ria da Viao e Obras P-blicas Diretoria deObras Pblicas. Autos 527de 1922.

    Artigo apresentado em 11/2003.

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    The two-storey house where Itu Convention was held, in the old Rua do Carmo, (nowadays RuaBaro do Itaim): a documental work of research

    Anicleide Zequini Rossi

    The text is about the results of a documental work of research (post-mortem inventory and Book ofNotes) regarding the trajectory of the building in which The City of Itu (SP)s Republican Museum(Museu Republicano na Cidade de Itu-SP) is installed, an extension of Museu Paulista USP. Therefore,from all the pieces of information researched we can infer that the construction day of the building thatshelters the museum, is a lot earlier than 1850, year which has been considered as such in manyessays. This year registers, in fact, the presence of one of the families that lived in that building: theAlmeida Prados that hosted the Conventionals of 1873.KEYWORDS: Museu Republicano Conveno de Itu MP/USP. Itu, History. Itu, Museum. Almeida Prado, Family.Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11. p.197-211 (2002-2003).

    De casa a museu: 80 anos do Museu Republicano Conveno de Itu

    Jonas Soares de Souza

    O texto apresenta um panorama geral do processo de criao do Museu Republicano Convenode Itu na dcada de 1920. Idealizado pelos republicanos paulistas, o projeto da instituio explorouo valor simblico da Conveno de Itu e o significado do lugar de sua realizao como recursopara ampliar a legitimidade histrica da hegemonia do Partido.PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura. Museu. Memria. Comemorao.Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11. p.213-225 (2002-2003).

    From home to museum: 80 years of the Republican Museum (Museu Republicano) Itu Convention

    Jonas Soares de Souza

    This article presents a general overview of the creation process of Museu Republicano Convenode Itu in the decade of 1920. Idealized by republicans from So Paulo, the institutions project hasexploited the Conveno de Itus symbolic values and the meaning of place where it was made as aresource to widen the historical legitimacy of the Party hegemony.KEYWORDS: Architecture. Museum. Memory. Celebration.Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11. p.213-225 (2002-2003).

    O Servio de Objetos do Museu Paulista

    Adilson Jos de Almeida, Angela Maria Gianeze Ribeiro, Heloisa Barbuy, Margarida Davina AndreattaAborda a organizao do Servio de Objetos do Museu Paulista curadoria de acervos e sistemade informao e suas linhas de pesquisa: 1. Formao das colees. 2. Formas alternativas dedinheiro. 3. Cultura visual no sculo XIX: museus exposies industriais e cidades / Comrcio,industrializao e cultura material. 4. Arqueologia histrica e industrial. 5. Vida militar e culturamaterial.PALAVRAS-CHAVE: Curadoria e pesquisa. Numismtica. Coleo de veculos. Colees militares. Cultura visual. Industrializao.Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11. p.227-257 (2002-2003).

    The Department of Object Collections of Museu Paulista

    Adilson Jos de Almeida, Angela Maria Gianeze Ribeiro, Heloisa Barbuy, Margarida Davina Andreatta

    It focuses the organization of the Department of Object Collections of Museu Paulista curatorshipand information system and its research directions: 1. Formation of the collections. 2. Moneyalternative forms. 3. Visual Culture in the 19th century: museums, industrial exhibitions and cities /Commerce, industrialization and Material Culture. 4. Historical and Industrial Archaeology. 5. Militarylife and Material Culture.KEYWORDS: Curatorship and Research. Numismatic. Collection of Vehicles. Collection of Military Objects. Visual Culture.Industrialization.Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v. 10/11. p.227-257 (2002-2003).