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Director: José Paulo Serralheiro http://www.apagina.pt/ [email protected] ano XIII | nº 130 | JANEIRO | 2004 · Mensal | Continente e ilhas 3 Euros [IVA incluído] No lugar habitual da cauda Em Portugal, só 11,3% da popu- lação possui o Ensino Secundário e 9,4% o Superior. Uma desvantagem enorme fa- ce à Europa, cuja média para o Secundário é de 42,9% e para o Superior de 21,8%. Números ilu- cidativos. Por cá só 2,9% dos trabalhadores re- cebem formação regular, contra os 8,5% da mé- dia europeia... Ler editorial. Os caminhos do Superior Com a massificação do ensino su- perior assistiu-se, na maioria dos países Europeus, a uma mudança do modelo tra- dicional de “controlo pelo Estado” para um mo- delo de “supervisão pelo Estado”. Em Portugal, a aprovação da Lei de Autonomia das Universi- dades pela Assembleia da República (Lei 108/88, de 24 de Setembro) traduz esta redefinição das relações entre as universidades e o Estado: as instituições adquirem autonomia e o Estado pas- sa a regular à distância, deixando de interferir nas decisões da vida diária das instituições... Um texto de Alberto Amaral. Por uma retoma do maravilhoso "Após longos anos de pura racio- nalidade científica, estamos viven- ciando um momento de retomada do que costu- mamos chamar de maravilhoso. Aos poucos a magia, o fantástico, o imaginário, deixam de ser vistos como pura fantasia para fazer parte da vi- da diária de cada um, inclusive dos adultos que já se permitem em muitos momentos se trans- portar para este mundo mágico, onde a vida se torna mais leve e bem menos operativa". Uma reflexão sobre literatura infantil (ou do fantás- tico?) de Anderson Pereira da Silva Netto. Textos bissextos para marcar 2004 Na página 31 arrancam, com o ano, os textos bissextos de 2004. Dois textos por cada um dos autores do sexteto (com formações académicas distintas e diferentes po- sicionamentos político-educacionais) que vai as- segurar esta nova rúbrica. O primeiro é Luis Sou- ta que escolheu o Portugal e/imigrante para tema de abertura. A pretexto do ano e do facto de es- tarmos a deixar de ser o tradicional país de emi- gração para nos tornarmos um país de imigração. Cidade educadora carece de escolas A escola é (...) lugar para aprender a sentir o mundo num despertar de fomes novas que nenhum visível sacia. Lugar on- de nos preocupamos, e ocupamos, com os ou- tros. (...) Não pode afirmar-se como educadora uma cidade que menospreza as suas escolas. Há, de facto, uma cultura de aprendizagem caracte- rística do universo escolar que, como tal, pede pa- ra ser respeitada, aprendida e valorizada num qua- dro mais vasto de co-responsabilização social. Ler texto de Isabel Baptista. 03 09 18 31 33 Marcha pela Educação Manifestação em Lisboa marcada para o dia 23 de Janeiro exige apoios efectivos e urgentes para a Escola Pública Ler manifesto na página 15 Governo despreza crianças e jovens com necessidades educativas especiais Ler entrevista a Luísa Panaças e dossier sobre a Educação Especial (páginas 11 e 35)

Nº 130, Janeiro 2004

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Jornal a Página da Educação, ano 13, nº 130, Janeiro 2004

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Page 1: Nº 130, Janeiro 2004

Director: José Paulo Serralheirohttp://www.apagina.pt/[email protected]

ano XIII | nº 130 | JANEIRO | 2004 · Mensal | Continente e ilhas 3 Euros [IVA incluído]

No lugar habitual da cauda

Em Portugal, só 11,3% da popu-lação possui o Ensino Secundário

e 9,4% o Superior. Uma desvantagem enorme fa-ce à Europa, cuja média para o Secundário é de42,9% e para o Superior de 21,8%. Números ilu-cidativos. Por cá só 2,9% dos trabalhadores re-cebem formação regular, contra os 8,5% da mé-dia europeia... Ler editorial.

Os caminhos do Superior

Com a massificação do ensino su-perior assistiu-se, na maioria dos

países Europeus, a uma mudança do modelo tra-dicional de “controlo pelo Estado” para um mo-delo de “supervisão pelo Estado”. Em Portugal,a aprovação da Lei de Autonomia das Universi-dades pela Assembleia da República (Lei 108/88,de 24 de Setembro) traduz esta redefinição dasrelações entre as universidades e o Estado: asinstituições adquirem autonomia e o Estado pas-sa a regular à distância, deixando de interferir nasdecisões da vida diária das instituições... Um texto de Alberto Amaral.

Por uma retoma do maravilhoso

"Após longos anos de pura racio-nalidade científica, estamos viven-

ciando um momento de retomada do que costu-mamos chamar de maravilhoso. Aos poucos amagia, o fantástico, o imaginário, deixam de servistos como pura fantasia para fazer parte da vi-da diária de cada um, inclusive dos adultos quejá se permitem em muitos momentos se trans-portar para este mundo mágico, onde a vida setorna mais leve e bem menos operativa". Umareflexão sobre literatura infantil (ou do fantás-tico?) de Anderson Pereira da Silva Netto.

Textos bissextos para marcar 2004

Na página 31 arrancam, com o ano,os textos bissextos de 2004. Dois

textos por cada um dos autores do sexteto (comformações académicas distintas e diferentes po-sicionamentos político-educacionais) que vai as-segurar esta nova rúbrica. O primeiro é Luis Sou-ta que escolheu o Portugal e/imigrante para temade abertura. A pretexto do ano e do facto de es-tarmos a deixar de ser o tradicional país de emi-gração para nos tornarmos um país de imigração.

Cidade educadoracarece de escolas

A escola é (...) lugar para aprendera sentir o mundo num despertar de

fomes novas que nenhum visível sacia. Lugar on-de nos preocupamos, e ocupamos, com os ou-tros. (...) Não pode afirmar-se como educadorauma cidade que menospreza as suas escolas. Há,de facto, uma cultura de aprendizagem caracte-rística do universo escolar que, como tal, pede pa-ra ser respeitada, aprendida e valorizada num qua-dro mais vasto de co-responsabilização social.Ler texto de Isabel Baptista.

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Marcha pela EducaçãoManifestação em Lisboa marcada para o dia 23 de Janeiro

exige apoios efectivos e urgentes para a Escola PúblicaLer manifesto na página 15

Governo despreza crianças e jovenscom necessidades

educativas especiais

Ler entrevista a Luísa Panaças e dossier sobre a Educação Especial

(páginas 11 e 35)

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um conto

A aventura de um tocador de tamborEu adorava o meu tambor.

Trazia-o suspenso por uma

correia larga atravessada no

peito. Era um grande tam-

bor. Usava paus de carvalho

para bater na sua pele ama-

relo-baça. Com o tempo, os

paus foram ficando polidos

dos meus dedos, o que ates-

tava o meu zelo e diligência.

Andava com o tambor pelas

ruas, branco do pó ou preto

da lama; o mundo, de um la-

do e do outro, era verde,

dourado, castanho ou bran-

co, conforme as estações.

Onde quer que fosse, a pai-

sagem estremecia ao som

do rata-plã-plã, plã, pois as

mãos não me pertenciam a

mim mas ao tambor, e quan-

do o tambor se calava sen-

tia-me doente. Estava eu

alegremente a tocar uma

noite quando o General veio

ter comigo. Vestia só parte

do fardamento, o blusão de-

sabotoado e as ceroulas à

vista. Saudou-me, gaguejou

uns murmúrios por momen-

tos, fez o elogio do Estado e

do Governo e por fim disse

em tom casual: «E tu conti-

nuas a tocar tambor, não é

assim?"

«Sim, senhor», exclamei,

tocando com força redobra-

da. «Pela glória do nosso

país."

«Muito bem», concordou,

embora a sua voz soasse al-

go triste. «E por quanto tem-

po vais continuar?»

«Enquanto as forças não

me faltarem, senhor», retor-

qui alegremente.

«És um belo rapaz», dis-

se, coçando a cabeça. «E as

tuas forças são para durar?»

«Até ao último alento, se-

nhor», respondi orgulhosa-

mente.»

«Bem, bem...» O General

parecia surpreendido. Du-

rante um momento aparen-

tou mergulhar nos seus pen-

samentos e depois mudou

de assunto.

«É tarde», disse.

«É tarde para o inimigo,

nunca para nós», gritei. «O

futuro pertence-nos!»

«Muito bem, muito bem...»,

disse o General, mas pare-

ceu contrariado. «Quando dis-

se que era tarde, queria di-

zer que a hora ia avançada.»

«A hora da batalha soou! Disparem os canhões, toquem

os sinos!», gritei com o entusiasmo de um verdadeiro toca-

dor de tambor.

"Oh não, não, os sinos não», acrescentou rapidamente.

«Quero dizer, que toquem os sinos, mas só de vez em quando.»

«Muito bem, camarada General», concordei apaixonada-

mente. «Não precisamos de sinos, se, temos os nossos tam-

bores!» Para sublinhar a minha afirmação, rufei alto e bom som.

«Nunca ao contrário? Ahn?», perguntou o General. Soava

inseguro dele próprio e tapava a boca com a mão.

«NUNCA, senhor», repliquei. «Pode confiar neste seu tam-

bor, senhor. Nunca deixarei que ele se cale.» Estava exultan-

te, tomado por uma onda de fervor. "O nosso Exército pode

UM CONTOMrozeck;O elefante

orgulhar-se de ti», disse o General sem entusiasmo. Um frio

nevoeiro tinha descido sobre nós e chuviscava. Tudo o que

consegui ver através da neblina cinzenta foi o topo da tenda

do General.

«Sim, orgulhoso», continuou ele. «Nunca havemos de pa-

rar, mesmo que tenhamos de andar dia e noite, mesmo se...

Sim, cada passo. . .»

«Cada passo será um infindável rufar de vitórias», atalhei,

tocando o mais fortemente que me era possível.

«Bem, bem», murmurou o General. «Sim, é isso mesmo...»,

e encaminhou-se para a sua tenda. Fiquei só. A solidão es-

timulou a minha ânsia de auto-sacrifício e o meu sentido da

responsabilidade como tocador de tambor. Foste-te embo-

ra, General, pensei, mas o teu fiel tambor está alerta. De so-

brolho franzido, trabalhas nos planos e estratégias, pondo

bandeirinhas no mapa para assinalar a estrada da nossa vi-

tória conjunta. Ambos, tu e eu, conquistaremos o futuro e

anunciarei a vitória por ti e por mim com um rufar de tambor.

Estava repleto de ternura para com o General e com tal

vontade de me dar à causa que, se fosse possível, teria to-

cado ainda mais alto. No fundo da noite, iluminado pela ju-

ventude do meu entusiasmo e aquecido pelo nosso grande

ideal, devotava-me à minha honrosa tarefa. De tempos a tem-

pos, nas pausas do bater do tambor, ouvia, vindo da tenda

do General, o ruído das molas do colchão, como se alguém,

impossibilitado de dormir, se revirasse na cama. Por fim, cerca

da meia-noite, uma figura branca recortou-se no nevoeiro,

perto da tenda. Era o General em camisa de dormir. A sua

voz era rouca.

«Quer dizer que estás disposto a continuar a tocar a noi-

te toda, não é?", perguntou. Fiquei realmente comovido por

ele ter vindo até mim no meio da noite. Um autêntico pai para

os seus soldados!

«Sim, senhor. Nem o frio nem o sono me vencerão. Estou

pronto a continuar tanto quanto as minhas forças o permi-

tam, cumprindo as exigências do dever e da causa pela qual

lutamos. Assim manda a minha honra. E que Deus me ajude!»

Ao dizer estas palavras, não fui motivado pelo desejo de

aparecer aos olhos do General como um obstinado pelo de-

ver ou pelo desejo de lhe agradar.

Não me estava a vangloriar para alcançar promoções ou

recompensas. Nem por um minuto me passou pela ideia que

tal interpretação pudesse ser atribuída à minha atitude. Sem-

pre fui sincero, e franco e, com trinta diabos, deixem-me que

lhes diga, um bom tambor.

O General rangeu os dentes. Pensei que tosse do frio. En-

tão disse: «Bem, muito bem», e desandou.

Passados poucos minutos, fui preso. A patrulha designa-

da para a tarefa cercou-me em silêncio. Tiraram-me o tam-

bor, arrancaram-me os paus dos meus dedos frios e fatiga-

dos. O silêncio encheu o vale. Não podia falar com os ca-

maradas que me cercavam apontando-me as espingardas,

pois isso não era permitido pelos regulamentos. Levaram-me

para fora do acampamento. No caminho, um deles segre-

dou-me que tinha sido preso por ordem do General. A acu-

sação era de traição. Traição!

O amanhecer rompia. Algumas nuvens cor-de-rosa flu-

tuavam no céu. Elas foram saudadas por um saudável res-

sonar que ouvi quando passei pela tenda do General.

© isto é

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editorial

José Paulo Serralheiro

Precisamos de uma política de canguru e não de caranguejo

Dados de 2002 mostramque 79,4% da população

portuguesa possui habilitações inferiores ouiguais ao ensino básico

(a média da UE é = a35,4%). Em Portugal

apenas 11,3% da população possui o ensinosecundário (média da UE= a 42,9%) e 9,4% possuio ensino superior (a média

da UE é = a 21,8%). Cá, o abandono escolar

atingiu, em 2002, 45,5%dos alunos (na UE 18,8%).

A escolaridade média dos "empresários"

portugueses é inferior à dos trabalhadores! O fosso já existente na formação inicial,

alarga-se agora com aspolíticas de formação dosactivos. Na UE, em média,

8,5% dos trabalhadoresestão em processo

de formação, enquantoque em Portugal essa média caiu para 2,9%!

A política do PSD/PP nãopára de alargar o fossoque nos separa da UE.

Ao comparar o nível de for-mação e educação do povoportuguês com o dos povosdos 25 países que constitui-rão a União Europeia (UE),não posso deixar de ficarpreocupado e chocado. Onosso atraso é de tal ordemque precisamos do que de-signo por política do cangu-ru. Isto é, para nos aproximar-mos da média europeia, nãopodemos limitar-nos a andarou mesmo a correr, temos dedar saltos epistemológicos. Éque eles não estão parados,continuam a andar e a correr.

Estudando o que fracas-sou noutros países, temos dedar saltos que evitem perdasde tempo, de energia e demeios. Temos de saber evitarpolíticas já testadas e que sa-bemos condenadas ao insu-cesso. Mas não é isso que es-tá a acontecer com o Gover-no do PSD/PP. Pelo contrário.Não praticam nem a políticado passo a passo quantomais a do canguru. O que es-te Governo nos oferece é umapolítica do caranguejo, isto é,em vez de saltar em frente,andamos para trás. Os resul-tados desta política podemser observados nos dadosestatísticos que vão estandodisponíveis e são bem visí-veis em todas as medidas er-ráticas tomadas pelo Gover-

no e sobretudo nos esforçospara parar o que estava emandamento.

Esta política do carangue-jo está patente nas medidaspropostas para a gestão dasescolas. O ministro Justinoestá a importar e a copiar, com20 anos de atraso, e com pre-conceitos ideológicos acres-cidos, o chamado gerencia-lismo na educação. Uma po-lítica experimentada e falha-da noutros países. Imitar oerro, acrescentar-lhe precon-ceitos ideológicos reaccioná-rios, é a nossa sina. É destaimitação que vem a ideia pe-regrina de empresariar asnossas escolas. Agora im-portam a brilhante ideia dos«gestores profissionais». Maistarde importarão a ideia decolocar a dirigir as escolas,militares da reserva que ten-tem por ordem na desordeme violência que entretanto

criaram. Se foi este o percur-so na América porque não re-peti-lo aqui? O nosso destinonão é copiar os erros e as tra-palhadas dos outros?

Associado a outras medi-das (liberdade de escolha daescola, reforço dos exames,indiferenciação entre públicoe privado, competitividadeentre escolas, publicação derankings) o «gestor empresa-rial» faz-nos regressar a polí-ticas populares, em algunspaíses europeus e nos EUA,nos anos 80. Medidas que,entretanto, foram por muitosabandonadas, ou remenda-das, dada a sua perversidade.

Esta insistência na impor-tância do «gestor empresa-rial», deriva da ideia simplóriade que os problemas que aescola pública apresentasão, grosso modo, proble-mas de gestão.

Os defensores deste tipo

de gestão estão convencidosque todos os problemas seresolvem se as escolas foremdirigidas com pulso de ferropor um gestor que tenha co-mo referência a eficácia e efi-ciência que miticamente atri-buem à gestão empresarialprivada.

Entretanto a escola portu-guesa continua fortementecentralizada. A 5 de Outubroe os seus tentáculos regio-nais — as Direcções Regio-nais de Educação (DRE) —dominam tudo. Dos progra-mas e currículos ao vidro quese parte e que é necessáriorecolocar, passando pelo ro-lo de papel higiénico, tudotem de passar e emanar dacabeça do polvo. Neste qua-dro centralizado, o futuro«gestor empresarial», não se-rá mais do que a ventosa quefixa o polvo à escola.

Para os gerencialistas a

autonomia é uma simplestransferência de algumascompetências técnicas, res-ponsabilidades e encargosdo Estado para a escola. É ocontrário da concepção deautonomia que defende, pa-ra as escolas e comunidadeseducativas, o direito de cons-truir e de por em prática polí-ticas educativas centradasnas escolas e nos alunos queas frequentam.

Como alguns sublinham,desde o 25 de Abril que a ver-dadeira direcção das escolasse encontra fora delas. Desdeo 25 de Abril que nos faltagestão democrática. No mo-delo ainda em vigor, a direc-ção efectiva das escolas estána 5 de Outubro e nas DRE.Tem sido este centralismo aimpedir que cada escola as-suma a construção e a direc-ção das políticas educativase de gestão que lhe são maisconvenientes. No entanto, foià custa dos órgãos internos,eleitos nas escolas, que foipossível fazê-las sobreviver eultrapassar todos os obstá-culos inerentes à explosãoescolar que abalou a escolaportuguesa nas décadas desetenta e oitenta. Existe, pois,um capital de experiência euma tradição que poderiaabrir portas a um verdadeiroprocesso de desenvolvimen-to da autonomia das escolas.È esse o caminho que o ac-tual Governo se nega a seguir.Essa, é mais uma oportunida-de que estamos a perder.

Nunca é demais sublinharque o problema das escolasportuguesas, não é a falta de«gestores profissionais». Me-nos ainda de uma gestão fa-bril, comercial ou de feira. Oproblema é a falta de autono-mia e de democracia repre-sentativa e participada. Oproblema maior, é o de faltaràs escolas o poder de se go-vernarem democraticamen-te. É o de faltar autonomia epoder efectivo às comunida-des educativas.

Os problemas das escolastambém se resolvem pelaconsagração de uma autono-mia efectiva, pelo aprofunda-mento da democracia e pelaparticipação democrática detodos os interessados na coi-sa educativa, e não pela ma-nutenção do sistema buro-crático centralizado, e pelaintrodução nas escolas deum corpo estranho, um co-missário político, com a fina-lidade de as controlar.

© isto é

GESTÃO DAS ESCOLAS

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forum educação

Para que não restem dúvidas, eu sou um simpati-zante fervoroso do Partido dos Trabalhadores (PT),que me parece necessário ao Brasil tumultuário, con-fiante, adolescente, vigoroso, que eu conheço.Acompanho, também, com respeitosa atenção, ascríticas do Movimento dos Sem Terra (MST), queobedecem a três grandes princípios: a democrati-zação da terra; a implementação de uma autênticareforma agrária; e o termo do neo-liberalismo exclu-dente. No entanto, penso que é precisamente como PT que o MST pode dialogar, de modo fecundo efraterno. É evidente que interessa extirpar da mentede muitos trabalhadores a ideia falsa e, não raro, ca-ricatural, de que as reformas podem concretizar-seao ritmo das necessidades e dos desejos, ou que éo mesmo (embora sejam as mesmas a sinceridadee a constância, no combate às injustiças de toda aordem) ser Governo ou Oposição. Os contextos queaprisionam as relações internacionais; uma certamorosidade, na resolução dos múltiplos problemassociais; e um ou outro chefe destituído de capaci-dade e competência – surgem aos olhos de obser-vadores menos atentos, como resultados de gover-nos reaccionários e poltrões. Ora, diante do velho eclássico problema: vontade da Lei – vontade do Prín-cipe, em Lula da Silva, sou em crer, predomina a von-tade de uma Lei que intensamente se critica e pau-latinamente se refunde, dado que, para ele, de cer-to, a Ética é a Filosofia Primeira...

Mas, voltando à abertura deste artigo, conheci,pessoalmente, pela primeira vez, o notável pedago-go Paulo Freire, em Agosto de 1987. Isso me bastoupara em encontros casuais (um deles, na AvenidaPaulista, lembro-me bem) ter admirado, nele, a pa-ciência para aceitar a minha pimpante impertinênciade pretenso filósofo da educação e ainda a clareza ea elegância expositiva, ao explicar-me as suas prin-cipais ideias que desnudavam a metodologia obso-leta de uma educação vista unicamente como trans-missão de ideias prontas e acabadas, ou seja, de uma“educação bancária e domesticadora”, onde valemmais o conteúdo e o produto do que o processo deconstrução do conhecimento. “Por isso (dizia o Mes-tre) a educação, hoje, é muito mais interessante forada Escola, a qual prossegue, teimosamente, na re-produção de modelos antiquados e gastos”. Sobreo mais, pareceu-me uma pessoa fundamentalmente

EDUCAÇÃO desportiva

Manuel SérgioUniversidade

Técnica de Lisboa

É preciso politizar a educação

Em Agosto de 1987, na Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo, fiz parte de um júri de mestrado, na companhia de Paulo Freire. Era mestrando o Lino Castellani Filho, meu querido amigo e que hoje integra o Governo do presidente Lula...

PAULO FREIRE alimentava a forte convicção que a prática educacional enfermava dos seguintes

defeitos: compartimentação do conhecimento,…pré-estabelecidos, …ênfase concedida

à racionalidade… obsoleta metodologia, …ausênciade educação política, … partidarização…

boa, um S. Francisco de Assis dos nossos tempos.Mas o que eu pretendo realçar, neste momento, é quePaulo Freire alimentava a forte convicção que a prá-tica educacional enfermava dos seguintes defeitos:compartimentação do conhecimento, através de dis-ciplinas que recusam a interdisciplinaridade; com-portamentos pré-estabelecidos, que ensinam a nãoquestionar, a não exprimir os próprios pensamentos,levando à passividade e à reprodução; ênfase con-cedida à racionalidade, onde se estimula bem pou-co a criatividade, a comunicação, a educação moto-ra; obsoleta metodologia, onde o professor é o pro-prietário exclusivo do saber; ausência de educaçãopolítica, que não se confunde com partidarização, jáque tem em vista a formação de cidadãos livres, crí-ticos, capazes de levantar o pendão da sua ideolo-gia, responsavelmente assumida e com a necessá-ria tolerância por todas as ideologias democráticas.De facto, a ausência de educação política é uma dasgrandes lacunas do sistema educativo, não apren-dendo o educando que ter ideias implica agir por elase com elas. Poderia citar-se, a propósito, a Carta so-bre o Humanismo, de Heidegger: “Pensar a verdadedo ser significa, ao mesmo tempo, pensar a humani-tas do homo humanus”.

riedade e se não procede do reconhecimento darealidade lamentável dos miseráveis e do ecocídio(o neo-liberalismo mundial é explorador do Homeme depredador da Natureza); hoje, ainda, o Direito àEducação significa, acima do mais, que o edu-cando é sujeito e não objecto da Educação e queportanto ele tem o direito a aprender a ser livre, di-ferente e melhor; por fim, sabe-se, hoje, que a pe-dagogia do Direito à Educação deve ser assenteno diálogo, na comunicação “fundamentalmenteético-comunicacional e não principalmente cientí-fico-didáctica”, como o assinala Manuel Reis, noseu oportuníssimo livro, onde se associam o valorintelectual e a emoção humana do seu autor, Éti-ca Profissional para Professores e Educadores(p.99). Ora, tudo isto deve circular, como seiva, emtodas as aulas e em tudo isto transluz uma irrefu-tável formação política, anunciadora do HomemNovo, semente do Mundo Novo que é precisoconstruir. É na Escola que o aluno deve aprendera apreender-se, transfigurando a realidade em so-nho para que o sonho possa ainda ser realidade.Ora, tudo isto deve circular, como seiva, em todasas aulas e em tudo isto transluz uma irrefutável for-mação política, anunciadora do Homem Novo, se-mente do Mundo Novo que é preciso construir. Eneste labor as aulas de Educação Física (onde setrabalha e estimula a motricidade humana) sãotambém chamadas a assumir o papel de contra-poder ao poder de algumas taras que vão persis-tindo, tais como o de fazer da educação um espa-ço de férrea domesticação e manipulação, ou in-quinar o currículo escolar de um pragmatismo des-provido de princípios e valores.

Poderíamos evocar, aqui e agora, a Teologia da Li-bertação, para sugerirmos a construção de uma Es-cola da Libertação, onde o Desporto não se esgotanum naturalismo bio-médico, ou na sobrevivência dalei do mais forte e do mais apto, nem as demais dis-ciplinas num intelectualismo platónico, porque, nu-ma escola democrática e laica, tudo deve ser res-ponsavelmente (sem arbitrariedade, portanto) livre esolidariamente (empenhado, por isso) libertador, naformação ou edificação de uma Cultura que se esta-beleça, em diálogo igualitário e permanente com osexplorados e marginalizados. E que esta Cultura (esó esta) se transforme, na nossa segunda natureza.

A Escola não pode ser apolítica (as aulas nãodevem ser apolíticas), por esta simples razão: o ho-mem culto, isto é, que se cultiva, é essencialmen-te um homem político, alguém que se sabe o cria-dor do seu destino histórico, que teoriza o real, por-que o sente e o vive e o quer transformar. HannaArendt não hesita, ao afirmar que reside no biospolitikós e não no bios theôretikós o radical fun-dante do verdadeiro pensamento. Hoje, porém,não há democracia, sem laicidade (todo o funda-mentalismo religioso é de uma infeliz apologética,ao mesmo tempo que rejeita a democracia e a to-lerância); hoje, também, torna-se perniciosa a eco-nomia de mercado, se dela não emerge a solida-

© isto é

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forum educação

Gestos simplesAlgures, em 10 de Setembrode 2007,

Querida Alice,Não sei se já te contei a his-tória do beija-flor (os avóspassam os dias a repetir re-comendações e a contar amesma história, não é?...). Éuma fábula tão curta, que seconta em poucas linhas. Masé também tão rica de ensina-mento, que não cabe num sócompêndio. Conta-se que,certo dia, houve um incêndiona floresta – no tempo em quenasceste, havia mãos crimi-nosas que ateavam fogosdestruidores – e todos os ani-mais se puseram em fuga.Todos… excepto o beija-flor.Ia e voltava, ia e voltava, tra-zendo uma gota de água nobico, que deixava cair sobreas labaredas e a terra calci-nada. E, quando um dos ani-mais em fuga o interpelou, di-zendo ser impossível extin-guir o fogo daquele modo, obeija-flor respondeu: “Eu seique não são estas gotas quevão apagar o fogo, mas eu fa-ço a minha parte…”

Talvez o beija-flor da histó-ria tivesse lido um livro demuitos livros, onde está es-crito que mais vale acenderuma luz do que maldizer a es-curidão. Isso não sei. O quesei é que, a par da invasão dasnegrelas, da sanha das gali-nholas e dos ataques dos uru-bus, as gaivotas da escoladas aves conheceram a ge-nerosidade do beija-flor, ainabalável fé dos colibris, eaprenderam o dom da solida-riedade de muitos pardalitos.

Instigado por abutres, cujavontade era fazer da escoladas aves, à semelhança da rai-nha do sonho de outra Alice,uma fieirinha de cabeças cor-tadas, o chefe dos pássarosquis ver tudo explicadinho, tin-tim por tintim. Para isso, en-viou emissários, que observa-ram a escola, lá do alto, oupousados no telhado. Escabi-charam os mais secretos re-cantos, estiveram atentos aomais leve chilrear. Partiram pa-ra dizer ao chefe dos pássarostudo o que tinham visto e es-cutado, e que em nada cor-respondia ao que as negrelastinham dito, ao que os abutrestinham escrito e os papagaiostinham repetido. Mesmo as-sim, o chefe dos pássaros fez-se desentendido…

Na vida dos pássaros, hámomentos em que, perante ainfâmia, como face à belezade certos gestos, nem chorarse consegue. Eram tempos deprofanação aqueles de que tevenho falando. Mas eram tam-bém tempos de um adorme-

cer calmo, na expectativa demanhãs que lavassem toda ainfâmia que sobre a escoladas aves se abateu. Os pás-saros que habitam as trevasassustam pelo poder da mal-dade que sempre estão pron-tos a usar. Mas a maldadepouco ou nada pode face aobrilho sereno da verdade.

Estava a escola das avesimersa numa angustiante es-pera, quando foi acariciadapelo sussurrar das palavrasnecessárias. Os pardais são

pássaros agitados, mas deque se depreende uma ben-fazeja simplicidade. E foramas palavras singelas de umpardal que chegaram sob aforma de e-mail.

“Caro Zé, tenho seguidocom grande preocupação asituação da escola das aves.Está em causa a possibilida-de de os pássaros, todos ospássaros, poderem viver li-vres das grilhetas dos polei-ros mais ou menos opressi-vos e das anilhas que os vio-

lentam. Pena é que não fal-tem por aí velhos urubus à es-preita da carne apetitosa eprontos a cantar vitória sobreo que sobrar. Mas fica sa-bendo que os pássaros daescola das aves não estãosozinhos. Cá fora, há muitospardais perdidos debaixo deum céu carregado de nuvensescuras, que apenas aguar-dam um sinal para fazer o quefor necessário.

Para todos esses pardale-cos, a escola das aves – on-

de, um dia, quase todos fo-ram beber um pouco da águamais cristalina que já se viuna floresta da pedagogia – éum lugar onde regressam, se-não fisicamente, espiritual-mente, para que seja possívelcontinuar o voo. Sei (porquevi!) que na escola das aves seaprende a voar alto, mesmomuito alto. E o voo começoua ser tão alto, tão alto, que foiobservado em paragens lon-gínquas. Até que, certo dia,um grupo de galinholas, quede voadoras tinham pouco ecujas asas apenas serviampara disfarçar a sua própriamediocridade, se lembrou dearrasar a escola das aves.Queriam fazer do cinzento doseu céu o cinzento de todasas vidas. Porém, os pardali-tos, que são muito sossega-dos mas voam em bando, jun-taram-se num instante eaguardaram a palavra paraagir. Para que o cinzentismonão voltasse. Para que se pu-desse pintar os dias dos pe-queninos pássaros com ascores da alegria.

Recebe a solidariedade deum pardal que, um dia, poisouna escola das aves. E que ficoumais simples e puro, como tu-do o que acontece por aí”.

Querida Alice, no tempoem que nasceste, um pássa-ro de voluntários exílios disseque o homem mais sábio quehavia conhecido não sabia lernem escrever, mas decifravaos pequenos grandes segre-dos que a Natureza encerra.Comungava da simplicidadedos pássaros, plantava árvo-res e tratava-as com desvelo.Um dia, esse homem sábio desimplicidade abraçou, umapor uma, as suas árvores. E,nesse mesmo dia, morreu.

Um abraço estreita a dis-tância entre ritmos pautadosno lado esquerdo do peito, ouafaga a mesma árvore queacolhe os pardais, no fim decada tarde. Ambos são ges-tos simples, de comunhãocom um ritmo que é bem di-ferente do frenesim que seapossou das cidades dos ho-mens. Abraços e pardais es-tão em profunda harmoniacom um tempo pressentidono vai e vem das marés, e queas horas dos homens nãomedem. Saibamos ler nosgestos simples uma verdademaior: a certeza das manhãse dos reencontros.

Como vês, querida Alice,o beija-flor e o pardal sãopássaros pequenos, masdão grandes lições. Comovês, querida Alice, a vida po-de ser lida num abraço dedespedida como num salti-nho de pardal.

do PRIMÁRIOJosé PachecoEscola da Ponte,

Vila das Aves

© isto é

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06a páginada educaçãojaneiro 2004

fórum educação

02.12Portugal investe metade da média da OCDE em bolsas de estudo

Segundo dados do relatório da OCDE «Education at Glan-

ce 2003», Portugal investe metade da média dos países da

OCDE em bolsas de estudo para os alunos do ensino su-

perior. Apenas 6,7% da despesa pública da Educação é

canalizada para este tipo de apoio social aos estudantes.

06.12Formação ao longo da vida aumenta para 3,7%

A taxa de participação da população activa nacional na

educação e formação atingiu o nível recorde de 3,7% no

segundo trimestre de 2003, de acordo com os últimos da-

dos do INE. (...) A taxa de participação de homens foi de

3,5% e a de mulheres atingiu pela primeira vez os 4%. Por-

tugal aparenta assim, pela primeira vez, estar próximo de

romper com a bitola da taxa de 3%, que tem sido o valor

dominante nesta categoria, o qual constitui o segundo va-

lor mais baixo da UE. (...) É de referir que o objectivo da

Estratégia de Lisboa para a aprendizagem ao longo da vi-

da é uma taxa de 10% em 2010.

11.12Maior abandono escolar está a Norte

A região Norte tem a mais baixa taxa de escolarização do

país no, ensino não obrigatório e na frequência do pré-es-

colar. No ensino obrigatório, os dados variam consoante

o grupo etário, apresentando os piores resultados entre os

15 e os 23 anos, e sendo apenas ultrapassada por Lisboa

no escalão dos 12 aos 14 anos. (...) Assim, a taxa de pré-

escolarização a Norte é de apenas 53,8 por cento, contra

os 58,4 do país. (...) Já no ensino obrigatório, este só é

concluído por 96,9 por cento dos alunos a Norte, entre os

12 e os 14 anos, contra os 97,5 por cento da média na-

cional. (...) O fosso aumenta no escalão dos 15 aos 17 (74,4

contra 81 por cento do Continente) e no dos 18 aos 23

(38,6 contra 44,3 da média nacional).dia-a-dia

Os nossos estudantes do superior As universidades portuguesas, no âmbito deum fenómeno com contornos internacionais,

vão abrindo cada vez mais as suas portasàqueles que as procuram em busca de formaçãocontínua, de especializações e de pós-gradua-ções. Trata-se de um público novo que começa

mesmo a ser aliciado de forma crescente. Para o comprovarmos, basta ler com algumcuidado as páginas dos jornais em que os

anúncios que lhe são dirigidos ultrapassammesmo os referentes a cursos de formação inicial.

De uma maneira ou de outra, assiste-se a uma ten-dência para a democratização – e até para a mas-sificação – designadamente dos mestrados e, pro-gressivamente, dos doutoramentos, inclusive porforça da pressão concorrencial das universidadesestrangeiras, nomeadamente espanholas.

Por outro lado, a perspectiva de diminuição dosestudantes da formação inicial e as exigências im-postas pelo financiamento público ou pela lógicaprivada têm aqui um papel igualmente decisivo.

Mas, será que as universidades já reflectiram ma-duramente sobre este fenómeno? Creio que não, em-bora tenha chegada a altura de o fazerem. Este artigopretende ser um pequeno contributo nesse sentido...

Em primeiro lugar, importa que identifiquemos es-tes novos estudantes. Quais são as suas motivações?

Eles são maioritariamente:- Diplomados que não encontraram emprego.- Profissionais que buscam a progressão ou a re-

conversão profissionais.- Pessoas movidas por simples curiosidade inte-

lectual. Significa isto que as suas idades e interesses são

diversificados. Uns, prolongam a sua adolescênciasocial; outros, reencontram-se como estudantesdepois de terem pensado que essa experiência fa-zia parte de um ciclo da vida já definitivamente en-cerrado. Muitos, pelo menos em determinadasáreas, estimulados pela perspectiva de realizaçãode velhas aspirações, dão um novo fôlego a per-cursos de requalificação académica iniciados comprocessos de equiparação à licenciatura.

Que fazem as universidades com estes estudan-tes? Várias coisas:

- Abrem-se a novos modelos de trabalho com-patíveis com a iniciação a práticas de investigação.

- Prolongam os métodos tradicionais, comuni-cando investigação já feita.

No primeiro caso, contam com a participaçãoempolgada dos estudantes ou então com o seu des-fasamento; no segundo, reforçam a passividadecúmplice destes ou provocam a sua desilusão.

Recorde-se, entretanto, que neste ciclo de estu-dos era dominante a ideia de grande dificuldade e,com ela, a de admissão do fracasso. Assim se po-de explicar, em muitas escolas, a percentagem ain-da muito baixa daqueles que concluem as respec-

tivas dissertações e teses. Só que, precisamente amassificação e a concorrência das universidadesestrangeiras têm vindo a alterar este estado de coi-sas. Aceita-se, cada vez mais, por exemplo, que agenialidade não é mais uma característica neces-sária dos doutores e muito menos dos mestres. Pa-ralelamente, as produções científicas destes estu-dantes deixam de ser valorizadas numa perspecti-va estritamente individual para serem encaradassob uma óptica de conjunto, de linha de pesquisa,a qual é importantíssima não só para a afirmaçãodos respectivos institutos ou centros de investiga-ção como também para as universidades no seu to-do. Criam-se, para além da lógica dos graus e dosdiplomas, extensas e ricas reservas de saber quepoderão ter aproveitamentos socialmente diversose academicamente inesperados.

Mas, de uma forma geral, apesar do que fica di-to, as nossas universidades, salvo honrosas excep-ções, têm tido, por exemplo, uma política desastro-sa em termos de captação de estudantes estran-geiros, nomeadamente lusófonos, os quais cons-tantemente encontram, por constraste, um bomacolhimento em universidades espanholas, procu-radas, em alternativa, pela proximidade da língua.

Acresce que as universidades terão ainda de equa-cionar o papel dos seus novos estudantes na sua or-ganização interna. De facto, não se pode continuar aapelar à entrada de alunos de pós-graduação para de-

ÉTICA e profissãoAdalberto Dias

de CarvalhoUniversidade do Porto

© isto é

pois, quando se trata de definir políticas e estratégias,ignorá-los sistematicamente. Tem-se contado com asua maturidade, a sua presença residual e a sua so-breocupação, as quais farão deles estudantes em tem-po parcial ou simplesmente mais passivos. Mas, à me-dida que o seu número cresce, a sua idade desce e odesemprego sobe, quase numa tendência inversa àdos alunos das licenciaturas, cujas entradas diminuemde ano para ano, o seu peso institucional torna-se de-cisivo. As próprias associações de estudantes vão terde repensar a esta luz a sua representatividade.

As bibliotecas talvez constituam o sector que, nes-te contexto, mais evoluiu, redimensionando os seusespaços, serviços e recursos. Mas, quanto não falta-rá fazer, entre outros aspectos, a nível de organizaçãode salas, de horários, de cantinas, de reprografias, depolíticas editoriais, de espaços de lazer, de métodosde trabalho, de relação com o meio, de requalificaçãopedagógico-científica dos docentes?... Quase tudo...

É que novos estudantes impõem novas universi-dades!

AS NOSSAS UNIVERSIDADES… têm tido… uma política desastrosa em termos de captação

de estudantes estrangeiros, nomeadamente lusófonos, os quais constantemente encontram,

por constraste, um bom acolhimento em universidades espanholas, procuradas,

em alternativa, pela proximidade da língua.

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07a páginada educaçãojaneiro 2004

forum educação

A europeização das políticas educativas:a nova arquitectura e o novo elenco

no campo da educaçãoEstá em curso, desde há cerca de três décadas, o desenvolvimento de dois processos interligados quanto ao modo como a educação

tem sido considerada no contexto da Comunidade/União Europeia. Por um lado, assistimos à institucionalização e consolidação

da educação como área de cooperação e acção e, posteriormente, de intervenção política comunitária; por outro lado, emerge e intensifica-se a construção de entendimentos, orientações

e normas de acção comuns para as políticas educativas nacionais dos Estados-membros.

A emergência de múltiplas relaçõesfuncionais e de (inter)dependênciacrescentes entre a elaboração das po-líticas nacionais e comunitárias e asprioridades e instituições comunitá-rias evidencia os contornos de umprocesso crescentemente vincado deeuropeização da educação no con-texto comunitário. Do mesmo modoassistimos, no contexto de institui-ções comunitárias, à construção e ex-plicitação de um conjunto de enten-dimentos comuns aos, e orientaçõespara os, Estados-membros tendentesa estabelecer um referencial globaleuropeu traduzido por normas de ac-ção comuns que vão influenciar osprocessos de produção de políticasnacionais e comunitárias (1).

Os últimos anos da década de no-venta verificaram os primeiros, e emalguns casos decisivos, passos doque podemos considerar uma nova fa-se do processo de europeização daspolíticas educativas e de formação,agora sob o lema de uma cooperaçãoreforçada. Evocaremos, neste mo-mento, o desenvolvimento de três pro-cessos que parecem sinalizar a emer-gência de um novo momento destepercurso: o processo de Bolonha(1999), o processo de Bruges/Cope-nhaga (2001); o Programa de objecti-vos comuns para 2010 (1999/2000);deter-nos-emos brevemente apenasem dois destes processos. Qualquerdeles apresenta traços similares e sin-gularidades que justificam considerá-los como definindo direcções comunsprosseguidas através de vias particu-lares. O projecto para que se apontaconfigura uma nova entidade a cons-truir/em construção que integra, masnão se confunde com, os sistemaseducativos e de formação e que apa-rece codificada sob a designação deespaço europeu (do conhecimento, deensino superior, de educação e for-mação, de aprendizagem ao longo davida, de investigação e inovação...). Éa edificação desta nova entidade, cu-jos contornos político-institucionais eculturais constituem ainda uma nebu-losa, que aparece como horizonte dereferência das iniciativas, propostasou declarações políticas.

O Programa de objectivos comuns para 2010

Se a intervenção política comunitáriano campo da educação teve lugar ex-

plicitamente desde os anos oitentaatravés dos Programas de Acção, seuma política comunitária naquele do-mínio adquiriu contornos progressi-vamente mais nítidos ao longo da dé-cada de noventa, deparamo-nos ago-ra com um novo desenvolvimento:trata-se da definição do nível supra-nacional como locus de inscrição for-mal e explícita das políticas a desen-volver para os sistemas educativos ede formação em que a execução dapolítica é objecto de controlo realiza-do pelas instâncias que a definem, oConselho «Educação», a ComissãoEuropeia, o Conselho Europeu, e ba-seado em parâmetros e indicadorespreviamente definidos, regularmenteaferidos e publicamente divulgados.No momento em que escrevemos(Dezembro de 2003), um documentode trabalho elaborado pela Comissãofaz um balanço intercalar deste Pro-grama que assume um tom insatisfei-to e crítico, sublinhando a necessida-de de esforços e mudanças maisefectivos, por parte dos Estados-membros, em direcção às metas de-finidas para 2010. Dir-se-ia que as fa-ses anteriores terão representado agestação do processo de europeiza-ção que, agora, ensaia a maturidade

O Processo de Bolonha

Estamos, também neste caso, peran-te um novo processo político, inova-dor em termos de método e de ob-jecto; testemunhamos a congregaçãoda vontade política de um amplo le-que de Estados europeus (hoje cercade quatro dezenas) que procuram edi-ficar uma plataforma supranacionalno seio da qual elegem solene e pu-blicamente um programa político co-mum e declaram a sua determinaçãoem promover mudanças convergen-tes com tal programa. O processoconsiste em identificar o que se su-põe constituir os nós vitais de actua-ção que permitirão assentar as ala-vancas que desencadearão as trans-formações desejadas; assim, a defi-nição dos sistemas de graus, decréditos e de garantia da qualidade,por um lado, e a intensificação da mo-bilidade e de programas de estudosintegrados, por outro, tendem a apre-sentar-se como mudanças sem signi-ficativo potencial de conflito, trans-versais aos sistemas nacionais e apa-rentemente distantes daquela que é a

agenda mais controversa e proble-mática que tem lugar no nível internodos Estados envolvidos.

As declarações e as propostas di-rigem-se, em primeiro lugar, à desig-nada construção do espaço europeudo ensino superior – evocado em as-sociação com os termos de atractivi-dade, competitividade, mobilidade,compatibilidade, comparabilidade,garantia de qualidade que convergempara desenhar os contornos de umarealidade sobretudo económica muitomais que cultural – e nessa medidaremetem para mudanças, problemase preocupações relacionadas com aconstrução de uma entidade de âmbi-to europeu e para o confronto com aspressões e constrangimentos, tam-bém eles descritos com uma forte to-nalidade económica, que resultam doposicionamento desta região no con-texto mundial. No entanto, as mudan-ças perseguidas não deixam de estarrelacionadas e de ter consequênciasquanto aos problemas, também elesprementes, dos diversos Estados na-cionais face aos seus sistemas de en-sino superior, nomeadamente no quetoca ao financiamento. Pelo que o es-paço europeu de ensino superior po-derá vir a afastar-se significativamen-te daquele que parece ser o projectoaté ao momento mais ventilado ouconstituir-se como um processo su-mamente agressivo para as realidadesnacionais dos Estados envolvidos.

Os sistemas políticos estão emprofunda mutação e a configuraçãodo campo educativo e das políticasque nele se inscrevem são também in-

tensamente marcados por movimen-tos cujos contornos e alcance seapresentam impregnados de indefini-ção e incerteza. Na União Europeia/Europa testemunhamos e fazemosparte do que está a mudar a educa-ção: quais são as coordenadas e osactores que contribuem para imprimirforça e direcção à realidade que semove? O campo de acção transbor-dou o horizonte que sabíamos perce-ber quando a educação era essen-cialmente nacional; hoje a linha do ho-rizonte fundiu-se numa vertigem emque o continente ou o planeta são arealidade absoluta das nossas vidase ainda metáforas para o desejo deexclusão que alimenta projectos quevemos já esboçar-se. Estes novos es-paços, em que a educação e as polí-ticas que a fazem se inscrevem, sãoconstruídos e habitados por protago-nistas que podem ser nomeados ehistoriados; são ocupados por pre-senças omnipresentes e ausênciasomniausentes. Precisamos investigare integrar a nova arquitectura e a no-va composição do elenco que actuano campo da educação.

NOTA: (1) A análise que identifica o pro-

cesso de europeização e de constituição de

um referencial global europeu para as po-

líticas (educativas) públicas é inspirada nos

trabalhos de Svein S Andersen. & Kjell A..

Eliassen. (orgs.) (1993). Making Policy in Eu-

rope: the Europeification of National Policy-

making. Londres: Sage e de Yves Mény;

Pierre Muller & Jean-Louis Quermonne

(1995) (dirs.). Politiques Publiques en Euro-

pe. Paris: L’Harmattan, respectivamente.

RECONFIGURAÇÕESFátima AntunesUniversidade do Minho

© isto é

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08a páginada educaçãojaneiro 2004

forum educação

SINAIS DOS TEMPOS

O projecto educativo e as novas lógicas escolares

Neste Natal li, algures, que o presidente Lu-

la terá dito, meio a sério, meio a brincar, que

notícia é aquilo que não queremos que seja

publicado, sendo tudo o resto propaganda.

A propósito pergunto se a imagem (que cor-

reu Mundo) de um Saddam Hussein a ser

inspeccionado como um animal é notícia ou

propaganda. Alguém quis mostrá-lo assim,

com a aparência de quem estaria drogado,

quando mãos assépticas o forçavam a abrir

a boca para mostrar o estado dos dentes.

Em 2004 poder-se-á, ainda, dizer que

um ditador, por mais ignóbil e sanguinário

que tenha sido, deve ser tratado à luz da

Declaração dos Direitos Humanos? Em

Guantanamo, enclave militar que os Esta-

dos Unidos da América ocupam na ilha de

Cuba, estão detidas, sem culpa formada,

centenas de pessoas, entre as quais po-

derão existir terroristas, cúmplices de ter-

roristas, familiares de terroristas, vítimas

de terroristas ou outros inocentes.

No Irão, o balanço do terramoto que de-

vastou a histórica cidade de Bam pode

chegar aos 30 mil mortos, perda máxima

de uma catástrofe que destruiu constru-

ções com mais de 2000 anos de História,

classificadas pela UNESCO como Patri-

mónio da Humanidade. Na região cruzam-

se várias falhas tectónicas da estrutura ter-

restre, factor que “justifica” a ocorrência

regular de sismos. Em 1990, no Noroeste

do país, um sismo de grau elevado, cau-

sou a morte a mais de 35 mil pessoas.

O sítio comunique-se (www.comuni-

que-se.com.br) citando a folha de S. Pau-

lo diz que “o tablóide alemão Bild publi-

cou, na véspera de Natal, uma edição ape-

nas com boas notícias”. O Bild, o jornal

mais vendido na Alemanha, trocou as ha-

bituais informações de crimes e de escân-

dalos por notícias sobre cortes de impos-

tos e crescimento da economia. Com a

manchete “Só há boas notícias hoje”, o

jornal encarou com bom humor até mes-

mo o rompimento entre uma celebridade e

seu namorado: “Óptima notícia, Djamila

Rowe está solteira”. Como morre a culpa.

Boas notícias para 2004

sublinhadoJoão Rita

Ninguém ignora que, nos nossos dias,a vida escolar dos jovens é decidida-mente condicionada pelo jogo contra-ditório de duas lógicas opostas: a daescola, enquanto estrutura institucio-nal, sujeita a vectores político-admi-nistrativos tendencialmente universali-zantes e a da heterogeneidade social,cada vez mais presente e mais afirma-tiva no espaço escolar através de no-vas fileiras sociais que só agora che-gam à escola secundária. A forma co-mo as medidas políticas têm tentadoresponder a esta contradição passapor consagrar o princípio do projectoeducativo como a base da organiza-ção da vida escolar do aluno, o quequer dizer que, doravante, passaria acompetir ao aluno e às respectivas fa-mílias decidir do seu futuro escolar.

Ora, essa exigência supõe da par-te do aluno e das famílias uma rela-ção de subjectivação com o mundo ecom a realidade social, que exige, porsua vez, um suporte cultural, social epatrimonial capaz de dar sentido à vi-da, encarada como projecto e já nãocomo destino. Ou seja, a lógica doprojecto não se desenvolve no vazio.

Nestes termos, quanto mais se pe-de às famílias e aos alunos que deci-dam e se responsabilizem pelo seuprocesso escolar, mais as desigual-dades se agravariam: - por um lado,porque a instituição escolar é subver-tida em favor de uma relação cliente-lar, onde o valor de troca se sobrepõeao valor de uso e, por outro, porquepromovendo, afinal, a desinstitucio-nalização da escola, favorece-se oprocesso de desafiliação num espa-ço comum de justiça e incentiva-se aprática descontrolada da conflituali-dade interna. Desta forma, levar-se-iaaté às últimas consequências a cons-trução do “indivíduo moderno”, en-tendido como entidade singular e au-tónoma, para a qual a noção de mé-rito individual, como objecto de ava-liação, se tem como essencial.Desertifica-se o espaço social de per-tença e densifica-se o espaço comer-cial de concorrência.

Em face desta cultura escolar re-forçada no sentido da responsabiliza-

As transformações em curso no interior do mundo escolar, especialmente no que respeita ao sector secundário, passam em grande medida pelos reflexos sociais e institucionais a que a vida escolar dos jovens é sujeita por força das medidas políticas adoptadas.

ção individual, “muitos dos novos es-tudantes do secundário encontram-se numa lógica de ́ encaminhamento`,talvez até de sobrevivência, mas nãode compromisso nem de transforma-ção de si”, como diria P. Rayou, aquireferido já algumas vezes. Segundo o

autor, isso resultaria tanto do facto de“os novos estudantes” não acredita-rem na obtenção de uma situaçãoprofissional correspondente ao esfor-ço suposto no programa escolar quese lhes exige, como da própria natu-reza dos saberes escolares que hojese lhes propõe. Esses saberes, típicosdas “sociedades abertas”, primampela flexibilidade e pela aura da me-tacognição como saber distintivo e,por isso, são muito pouco adaptadosa tarefas precisas e, simetricamente,mais empenhados em adaptar os pró-

prios alunos e formandos às situaçõesimprecisas.

Nestes termos, segundo o autorque vimos seguindo (Ib.), “os alunos jánão são avaliados somente pelos seusconhecimentos, mas pelas suas ca-pacidades para os transformar, des-

contextualizar, transferir”. Estas orien-tações penalizam sobretudo os “no-vos alunos”, menos aptos a lidar comas novas competências que supõemum grau mais elevado de formalizaçãoe de independência contextual.

O “métier” dos novos alunos, en-quanto modo de existência escolardominante, tende então a deixar-sedefinir por um conjunto de caracte-rísticas que acentuam mais o senti-do da protecção mútua do que osentido da participação na vida co-lectiva da instituição, como deseja-

ria a maioria das disposições legis-lativas dos últimos anos. Essa pro-tecção mútua, associada à necessi-dade de reconhecimento, pode re-vestir-se de várias formas no interiorda vida escolar: a formação de gru-pos fechados e homogéneos, a “pri-vatização” de territórios autónomosno espaço da escola como afirma-ção de poder “étnico”, a marcaçãosimbólica de certas zonas da esco-la em favor de uma maior intimidadegrupal, o “sentimento de traição lin-guística e cultural” que pesaria so-bre certos jovens das classes popu-lares quando a situação de aprendi-zagem os confronta com a necessi-dade de abandonarem os “falares”de origem...

Não se trata, obviamente, de si-tuações novas, mas a sua expressãoquase orgânica e tendencialmenteinscrita nas lógicas escolares em cur-so, que visam o seu contrário, dá quepensar...

QUANTO MAIS SE PEDE às famílias e aos alunos que decidam e se respon-sabilizem pelo seu processo escolar, mais as desigualdades se agravam…

FORMAÇÃO e desempenho

Manuel MatosUniversidade do Porto

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09a páginada educaçãojaneiro 2004

forum educação

dia-a-dia

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12.12Taxa de alfabetização em Portugal aumenta 5 por cento em dez anos

A taxa de alfabetização na população adulta portuguesa

aumentou cinco pontos percentuais nos últimos dez anos,

passando de 87,5% para 92,5%, de acordo com o relató-

rio anual da Unicef sobre a situação mundial da infância

(...). De acordo com o documento, em 1990 a taxa dos ho-

mens portugueses alfabetizados situava-se nos 91 % e

uma década depois subiu para os 95%. Sobre as mulhe-

res, o relatório demonstra que a percentagem subiu de

84% para 90%. Os dados são, porém, anteriores ao re-

censeamento de 2001, segundo o qual nove em cada 100

residentes em Portugal com 10 ou mais anos não sabiam

ler nem escrever.

13.12Universidades em baixa

O presidente do Conselho de Reitores das Universidades

Portuguesas (CRUP), Adriano Pimpão, disse (...) que a «ob-

sessão contabilística» para reduzir o «défice» é responsá-

vel pela perda de qualidade do Ensino Superior. (...) Pim-

pão criticou os escassos recursos financeiros atribuídos

às universidades portuguesas, sublinhando que a demo-

cratização do acesso ao Ensino Superior foi «mais uma

oportunidade de negócios para alguns do que um desa-

fio às universidades para cumprirem a sua missão».

15.12Escolas chumbam e-mail

As escolas portuguesas não estão preparadas para res-

ponder ao novo modelo de contratação de professores por

via electrónica... simplesmente porque não utilizam o e-

mail. 71% dos estabelecimentos de ensino referenciados

no site do Ministério de Educação não usam, ou não veri-

ficam, os seus correios electrónicos. Outros 16% têm mes-

mo os seus endereços modificados ou as suas caixas pos-

tais cheias, devolvendo o e-mail ao remetente. Apenas

11% das escolas utilizam o correio electrónico de forma

rápida e eficiente.

Com a massificação do ensino superior assistiu-se,na maioria dos países Europeus, ao que Neave e vanVught chamaram de uma mudança do modelo tra-dicional de “controlo pelo Estado” para um modelode “supervisão pelo Estado”. Em Portugal, a apro-vação da Lei de Autonomia das Universidades pelaAssembleia da República (Lei 108/88, de 24 de Se-tembro) traduz esta redefinição das relações entreas universidades e o Estado: as instituições adqui-rem autonomia e o Estado passa a regular à distân-cia, deixando de interferir nas decisões da vida diá-ria das instituições. Alguns autores, com grande ar-gúcia, consideram que a condição necessária parao êxito deste novo modelo de regulação reside nacapacidade de liderança por parte do governo, úni-co actor com poder de coordenação na sociedade.

Na África do Sul, a Comissão Nacional para o En-sino Superior defendeu que a transformação do pa-pel do governo de controlador para o de um par-ceiro, embora com poderes especiais, exige, parater êxito, quatro condições:

a) a existência de um quadro de funcionárioscompetentes;

b) a existência de um plano coerente de desen-volvimento socio-económico e de recursoshumanos;

c) autonomia e independência em relação aos in-teresses privados;

d) a actuação do Estado como um intermediáriohonesto nas relações de cooperação entre osdomínios público e privado.

Nenhuma destas condições se verificava quan-do a Lei de Autonomia foi aprovada, o que criouum cenário de desastre. O Ministério não tinhacapacidade técnica para responder à transiçãodo modo de regulação e os seus serviços, em vezde cooperarem com as instituições, assumiram-se como últimos defensores do bastião da buro-cracia estatal. É bem conhecida a incapacidadedo Estado português para planear a médio/lon-go prazo, preferindo actuações casuísticas, in-fluenciadas por grupos de pressão. Muitas insti-tuições privadas convidaram para docentes fi-guras da cena política (ex-ministros e membrosproeminentes dos partidos), adquirindo um gran-de poder de lobbying, contrário ao princípio daautonomia e independência do Ministério em re-lação aos interesses privados. Finalmente, o go-verno nunca assumiu uma posição de interme-diário honesto entre os interesses dos domíniospúblico e privado, tendo oscilado entre o favore-cimento descarado do sector privado e a publi-citação da falta de confiança do governo na qua-lidade do ensino privado.

O Estado interferenteEm Portugal há sinais de emergência de um Estado interferente na área do ensino superior.(…)

O sector privado cresceu de forma desordenada, sem atenção a padrões mínimos de qualidade, e o governo foi incapaz de prever, em tempo útil, a crise resultante do decréscimo do número de candidatos ao ensino superior.

DO SUPERIORAlberto AmaralCIPES (Center for

Research on Higher

Education Policies)

Fundação das Universi-

dades Portuguesas

O SECTOR PRIVADO cresceu de forma desordenada,sem atenção a padrões mínimos de qualidade,

e o governo foi incapaz de prever, em tempo útil, a crise resultante do decréscimo do número

de candidatos ao ensino superior,

Nestas condições, não admira que tenha acon-tecido um desastre. O sector privado cresceu de for-ma desordenada, sem atenção a padrões mínimosde qualidade, e o governo foi incapaz de prever, emtempo útil, a crise resultante do decréscimo do nú-mero de candidatos ao ensino superior, o que criouuma situação de grande excesso de capacidade dosistema, o que criou uma competição feroz pelosalunos e grandes dificuldades de sobrevivência pa-ra muitas instituições. Como irá o governo resolvereste problema?

A verdade é que a crise actual teve como ori-gem principal a incapacidade do Estado de regu-lar à distância, ou seja, a dificuldade de o Estadopassar de um modelo de controlo para um mode-lo de supervisão. Foi concedida autonomia às ins-tituições sem que o Estado possuísse a tecnolo-gia necessária para regular à distância, o que le-vou o sistema a uma situação insustentável. Nes-tas condições, e como referem algunsinvestigadores sul-africanos, o Estado adopta, porvezes, um modelo de “Estado interferente”, ca-racterizado por formas arbitrárias de intervençãocom o objectivo de ultrapassar algumas situaçõesde crise mais graves. As acções do Estado, ou sãoesporádicas, ou transformam-se numa tentativa deconseguir a submissão das instituições por meiode um conjunto de medidas legislativas pouco sub-tis. Segundo Kraak, este é o sinal de um Estadofraco e incapaz de atingir o nível de sofisticaçãonecessário para regular o sistema à distância, pe-lo que regressa a um conceito de Estado burocrá-tico e normativo para obter algum controlo sobreum sistema em crise e nada funcional.

Em Portugal há sinais de emergência de um Es-tado interferente na área do ensino superior. Me-didas recentes como a apropriação indevida dossaldos das instituições do ensino superior, a pu-blicação da Lei 1/2003, de 6 de Janeiro, que reduza autonomia pedagógica das universidades públi-cas (aliás, na sequência do que o governo socia-lista já tinha feito com a Lei 26/2000, de 26 de Agos-to), a possibilidade conferida ao Ministro de poderfechar institutições e/ou cursos e as decisões pou-co claras de reduzir os numeri clausi em algumasuniversidades são indícios deste nova forma de re-lacionamento do Estado com as institutições deensino superior.

Portanto, podemos considerar que, apesar de al-guma retórica próxima da Nova Gestão Pública e deuma promoção dos valores de mercado, a verdadeé que estes sinais são anulados por um avanço de-cisivo no sentido de um modelo de Estado interfe-rente, em que a maior intervenção da burocracia deEstado é contraditória com a retórica de menos Es-tado e mais mercado.

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forum educação

Nas culturas de forte oralidade, por-tanto, com pouco ou nenhum uso daescrita, para resolver efectivamente oproblema da retenção e da recupera-ção do pensamento cuidadosamentearticulado, é preciso exercê-lo segun-do padrões mnemónicos, moldadospara uma pronta repetição oral. O pen-samento deve surgir em padrões for-temente rítmicos, equilibrados, em re-petições ou antíteses, em conjuntostemáticos padronizados, em provér-bios que são constantemente ouvidospor todos, de forma a vir prontamen-te ao espírito, e que são eles própriosmodelados para a retenção e a rápidarecordação – ou em outra forma mne-mónica. As reflexões e os métodos dememorização estão entrelaçados.

Nessa culturas a própria lei está en-cerrada em adágios formulares, pro-vérbios, que não constituem meroadornos jurídicos, mas são, em si mes-mos, a lei.

O discurso escrito desenvolve umagramática mais elaborada e fixa doque o discurso oral, porque nele o sig-nificado depende mais da estruturalinguística, uma vez que carece doscontextos normais inteiramente exis-tenciais que circundam o discursooral e ajudam a determinar o signifi-cado, de certa forma independente-mente da gramática.

A problemática do mundo letra-do/mundo iletrado está bem presenteno filme “Central do Brasil” de WalterSalles, e é rica de sentidos. A figura doanalfabeto sintetiza como nenhumaoutra a ideia do indivíduo privado nãosó dos bens materiais, mas tambémdo conhecimento e da comunicação.É alguém sem vez e sem voz no ale-gre mundo do consumo globalizado.Na estação, pessoas se acercam deDora, a escrevedora de cartas. Sempruridos e sem vergonha de expres-

dia-a-dia

Nas culturas de forte oralidade… o pensamento deve surgir em padrões fortemente rítmicos, equilibrados, em repetições ou antíteses, em conjuntos temáticos padronizados, em provérbios que são constantemente ouvidos por todos, de forma a vir prontamente ao espírito,

e que são eles próprios modelados para a retenção e a rápida recordação – ou em outra forma mnemónica.

OLHARESJosé de SousaMiguel Lopes

Universidade do Leste de

Minas Gerais, Brasil

Mundo letrado x mundo iletrado:as estratégias para a retenção

do pensamento

O DISCURSO ESCRITO desenvolve uma gramática mais elaborada e fixa do queo discurso oral, porque nele o significado depende mais da estrutura linguística…

19.12Sindicatos, pais e alunos marcham pela Educação

Sindicatos de professores e associações de pais e de estudantes realizam a 23 de Ja-

neiro, em Lisboa, uma marcha pela Educação, contra a política do Governo para o sec-

tor, que consideram estar a hipotecar o futuro do país. A iniciativa foi anunciada (...) pela

Federação Nacional dos Professores, uma das organizações subscritoras do manifesto

que começou a circular pelo país. No documento é defendida uma escola aberta à co-

munidade, à participação dos pais e encarregados de educação e integradora das cultu-

ras dos alunos.

27.12Educação no fim da lista

Os portugueses gastam três vezes mais em comunicações do que em educação, de acor-

do com os resultados de um estudo do INE, que conclui que os investimentos na socie-

dade de informação aumentaram sete vezes no período 1989/2000.

28.12O caso das cunhas: SPRC exige a demissão do secretário de Estado

O Sindicato dos Professores da Região Centro , um dos sindicatos da FENPROF, exigiu

ontem a demissão dos responsáveis da Direcção Regional de Educação do Centro e do

secretário de Estado da Administração Educativa, Abílio Morgado. O sindicato alega a fal-

sificação de um documento na colocação fraudulenta de uma docente na escola básica

2/3 de Viseu. O documento que alegadamente confirmava ter a escola pedido um pro-

fessor está datado de 15 de Abril e foi assinado por Fernando Figueiral, presidente do

conselho executivo da escola e por António Vicente, director regional adjunto da Educa-

ção do Centro. O documento terá sido na realidade assinado apenas ao fim da tarde do

dia 21 de Novembro, dia em que a comunicação social, dando voz ao sindicato, revelou

a alegada cunha que levou à colocação da docente. O documento foi assinado pela di-

rectora regional de Educação do Centro. Lurdes Cró e foi o secretário de Estado a assi-

nar o despacho de colocação. Este caso é um dos doze casos de alegadas cunhas de-

nunciados pelo SPRC.

sarem seus sentimentos mais profun-dos, as pessoas fazem de Dora a me-diadora entre o mundo da oralidade eo mundo da escrita.

Muito da trama do filme está per-meada por esta dualidade. O mundoletrado encontra ainda marcas domundo da oralidade, marcas que ali-cerçam a transmissão cultural de co-munidades que não tiveram acesso aocódigo escrito. Por isso o recurso á

memória, às formas repetitivas, seconstitui num traço muito particulardesse universo oral. Isaías, o irmãoque Josué acaba de conhecer, man-da-lhe repetir o trava-língua, essa mo-dalidade de parlenda em prosa ou emverso, bem característica das culturasde oralidade, ordenada de tal formaque se torna extremamente difícil e àsvezes, quase impossível, pronunciá-lasem tropeço: “Lá atrás da minha casa

tem um pé de umbu botão, umbu ver-de, umbu maduro, umbu seco e um-bu secando” (Carneiro & Bernstein,1998: 91). Numa outra conversa, no-vamente Isaías, pede ao irmão para di-zer: “Diga cinco vezes em carreado,sem errar, sem tomar fôlego, vaca pre-ta, boi pintado. Diga” (Idem, p. 97).

Em uma cultura letrada ou impres-sa, o texto une fisicamente tudo o quecontém e permite recuperar qualquertipo de organização de pensamento.Nas culturas orais, nas quais não exis-te texto, a narrativa serve para unir opensamento, de modo mais compac-to e permanente do que os outros gé-neros

Portanto, a memória do que foi di-to apresenta poucos problemas nasculturas orais, desde que o texto se-ja curto, e a distância no tempo, pe-quena. Textos mais longos podem serpreservados por mais tempo, desdeque espacialmente preparados. Re-cursos mnemónicos, associados a fi-guras de linguagem, à fala metrifica-da e poetizada permitem a preserva-ção e a recuperação da forma verbalde informações culturalmente signifi-cativas. Contudo a memorização ip-sis verbis parece uma actividade ex-clusiva das culturas com escrita, pres-supõe a existência de uma versão ori-ginal ou fixa com a qual a memóriapode ser confrontada. Sem tal trans-crição, há uma amplitude maior noque é aceito como versão exacta doque foi dito. Em consequência, a dis-tinção directa e indirecta pode não sertão clara nos contextos orais e, demodo mais amplo, nas culturas orais.

Referência Bibliográfica:

CARNEIRO, João Manuel & BERNSTEIN,

Marcos. Central do Brasil. Rio de Janeiro:

Objetiva, 1998.

© isto é

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entrevista

Que comentário faz ao actual mode-lo de apoios educativos em Portugal?No domínio dos apoios educativos emPortugal há já quem esteja a trabalharnum modelo próprio do século XXI,outros que procuram ainda um cami-nho e outros ainda que, infelizmente,trabalham mal. As experiências de in-clusão de alunos com NecessidadesEducativas Especiais (NEE) nas esco-las que tive oportunidade de conhecerleva-me a concluir que a legislaçãonão é o principal factor para o suces-so dos apoios educativos, mas antesa dinâmica imprimida pelas própriasescolas ou agrupamento de escolas.

Em muitos casos existem possibi-lidades concretas de organização e detrabalho em conjunto que, aprovei-tando os recursos pedagógicos e hu-manos de uma forma mais criativa,podem responder melhor às necessi-dades dos alunos. E há escolas quefazem isso.

O facto de umas conseguirem e ou-tras não estará relacionado, na minhaopinião, com a falta de definição dosdiferentes papéis ligados aos apoioseducativos. A legislação que define otécnico de apoio, por exemplo, é ex-celente, mas não há pessoas que con-sigam corresponder a este papel por-que acumula demasiadas funções –sobretudo quando sabemos que aformação não acompanha estas ne-cessidades.

O Decreto-Lei 6/2001, de 18 de Ja-neiro, relativo ao novo modelo degestão curricular para o ensino bá-

a PÁGINA entrevista Luísa Panaças, Professora Adjunta na Escola Superior de Educação de Portalegre (ESEP)

Numa altura em que se prepara uma nova legislação para regulamentar os apoios educativos especiais em Portugal, A PÁGINA foi procurar saber como se caracteriza o modelo ainda em vigor e que implicações podem decorrer do novo enquadramento legal.

Foi nesse intuito que decidimos viajar até Portalegre e entrevistar Luísa Panaças, Professora Adjunta na Escola Superior de Educação de Portalegre(ESEP) e vice-presidente do Conselho Directivo daquela escola. Psicóloga de formação, é actualmente docente na formação inicial

de Educadores e Professores do Ensino Básico, formadora especialista na área da Psicologia da Educação e na área de Necessidades Educativas Especiais (NEE) na Formação Contínua de Educadores e Professores de vários graus de Ensino. A sua área de investigação

incide sobre Necessidades Educativas Especiais e Escola Inclusiva.

sico, vem definir pela primeira vez nalegislação portuguesa o conceito denecessidades educativas especiaisde carácter permanente/prolonga-do. Que repercussões pode trazeresta alteração conceptual no actualmodelo dos apoios educativos?O conceito de NEE é um termo abran-gente que implica não apenas os alu-nos com deficiências profundas mastodos aqueles que, ao longo da vida,possam vir a ter necessidade de apoio.O conceito de NEE de carácter prolon-gado poderia ser teoricamente interes-sante para os apoios educativos se fos-se aplicado aos problemas que não po-dem ser resolvidos no imediato.

Na minha opinião, o Ministério daEducação está a tentar que as defi-ciências de carácter prolongado sepassem a referir exclusivamente àsnecessidades de carácter profundo,implicando desta forma que as crian-ças com deficiências ligeiras - comoa dislexia, que apesar de não ser con-siderada uma deficiência profunda vaiafectar a criança ao longo da vida -possam vir a ficar privadas dos apoioseducativos por não encaixarem na-quele conceito. Tudo dependerá daforma como os apoios educativos es-tão organizados em cada escola, masuma grande franja de crianças quenão se incluem nesta categoria correo risco de deixar de ter apoio.

De acordo com o Observatório dosApoios Educativos, em 2001/2002 apercentagem de crianças com ne-cessidades educativas de carácter

prolongado atingia mais de metade(54%) do número de alunos comNEE, 48% frequentando o 1º ciclodo ensino básico. Isto significa que,de acordo com a sua análise, cercade metade dos alunos ficará semapoio. Qual é o seu comentário?Se houvesse uma escola perfeita, on-de os professores soubessem lidarcom a diversidade, provavelmenteconcordaria que os apoios específi-cos e sujeitos a um apoio individual fi-cassem reservados para as NEE decarácter prolongado. O problema é

versidade, temos ainda professores aser formados para lidar com alunosmedianos, com quem se pode traba-lhar ao mesmo ritmo, e isso dificulta apercepção dos professores para a ne-cessidade de adequar o currículo àsnecessidades dos diferentes gruposde alunos. Se os professores estives-sem preparados para lidar com as de-ficiências mais ligeiras, através de umapoio dado não ao aluno mas a elepróprio, provavelmente concordariacom a intenção do ME.

Em 2001/2002 existia perto de umacentena de Equipas de Coordena-ção dos Apoios Educativos. Estaoferta responde às necessidades?Considero que o problema não estáno número de equipas mas no factode estas não estarem a trabalhar deuma forma organizada. Faria maissentido se esse apoio fosse dirigidoao professor e à escola em vez de serdirigido individualmente ao aluno.Portugal comprometeu-se, em 1994,na célebre encontro de Salamanca(ver Dossier nas páginas 35, 36 e 37),a criar condições para o desenvolvi-mento de uma escola inclusiva, e elaimplica que haja apoio para as crian-ças deficientes ou com NEE na salade aula e não fora dela, através doapoio ao currículo e não individual-mente ao aluno.

A diversidade de alunos presentesnuma sala de aula implica que estesnão tenham todos as mesmas capa-cidades nem os mesmo ritmos deaprendizagem, e é necessário que

“Na minha opinião, o Ministério da Educação está a tentar que

as deficiências de carácter prolongado se passem a referir

exclusivamente às necessidades de carácter profundo, implicando desta forma que as crianças com deficiências ligeiras (…) possam

vir a ficar privadas dos apoios educativos por não encaixarem

naquele conceito”

que a larga maioria dos professoresdo ensino regular não está ainda pre-parado para encarar e saber trabalhara diferença. E isto só será possívelcom uma evolução de atitudes – queera desejável que já tivesse ocorridomas não ocorreu.

Na formação inicial os professoressão orientados para trabalhar comcrianças “normais”, em função de ummodelo que, por mais que se queira,não pode ser padronizado. Apesar dequerermos uma escola aberta à di-

A nova lei do ensino especial põe em risco a escola inclusiva

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entrevista

eles possam trabalhar de acordo comas suas capacidades. Inclusivamentea nível cultural e linguístico, se pensar-mos nos muitos alunos recém-chega-dos de países estrangeiros. Tambémeles têm necessidade de NEE.

De acordo com o mesmo relatório,se em 2000/2001 o número de equi-pas de apoio especial era da ordemda centena, esse número diminuiusignificativamente em relação aoano anterior, calculado em 186, oque representa uma diminuiçãopróxima dos 50%. Como se enten-de esta redução e que consequên-cias pode ter trazido?Só consigo entender essa reduçãonuma perspectiva de poupança eco-nómica. Um dos problemas que atin-ge os apoios educativos é o facto deos cortes financeiros inviabilizaremprojectos que, após um percurso e umtrabalho consistentes – porque traba-lhar em equipa é complicado e as pes-soas precisam de um tempo para seapropriarem das competências – aca-bam por perder-se.

Com uma quebra na ordem da quereferiu é natural que as pessoas sin-tam que o trabalho que andaram a fa-zer afinal não serviu para nada, aban-donem esta área e acabem a trabalharisoladamente numa sala de aula, per-dendo-se uma série de experiências ede competências que podiam ser uti-lizadas em benefício dos alunos.

No entanto, se as escolas do ensi-no regular tiverem bons recursos e asequipas de apoio educativo estiverembem organizadas, bastaria terem umprofessor de apoio mais vocacionadopara a consultoria do currículo do quepropriamente ao apoio directo à salade aula para conseguir dar uma res-posta adequada. E hoje temos pro-fessores de apoio em Portugal combons currículos e competências.

Falta de articulação prejudicaoferta dos apoios educativos

De que factores depende, na suaopinião, a adequação da respostados professores de apoio educati-vo nesta área?A adequação da resposta dependenão só da organização a que já me re-

“Portugal comprometeu-se, em 1994, na célebre encontro

de Salamanca, a criar condições parao desenvolvimento de uma escola inclusiva, e ela implica que haja

apoio para as crianças deficientes oucom NEE na sala de aula e não fora

dela, através do apoio ao currículo enão individualmente ao aluno”.

tação profissional dos alunos, traba-lhar nos currículos dos projectos de es-cola…) que, naturalmente, acabam porlimitar a qualidade da sua prestação.

Apesar de tudo, posso afirmar quetemos uma boa oferta relativamenteàquela que é prestada em muitos paí-ses europeus. Na maioria dos casos,o nosso problema é o facto de essaoferta não estar suficientemente or-ganizada e articulada – sem esquecero facto de algumas opções de inves-timento estarem, nesta fase, sujeitasa imperativos de ordem económica.

De que forma descreveria as expe-riências no resto da Europa?Partindo do conhecimento de traba-lhos a que tenho tido acesso, em al-guns dos quais tive inclusivamenteoportunidade de participar, nomea-damente em países anglo-saxónicos,Portugal não tem das piores ofertasem termos de NEE - esta é a minhaopinião, algumas pessoas poderãodiscordar dela.

Lá fora, nomeadamente na Bélgicae na Grã-Bretanha, que são os casosque conheço mais de perto, as con-dições dentro das salas de aula sãomelhores, mas a cultura de integraçãoestá menos presente do que no nos-so país. Quando estive na Grã-Breta-nha, por exemplo, visitei uma escolaonde havia apenas um aluno defi-ciente e, mesmo assim, ele estava nu-ma sala separada, o que nunca acon-teceria em Portugal.

Ou seja, está a tentar dizer-me queem termos da filosofia de integra-ção estamos avançados mas falta-nos melhorar a organização do sis-tema…?Precisamente. Apesar de reconhecerque já podíamos estar mais avança-dos, não consigo ser pessimista aoponto de assumir uma posição mise-rabilista quando comparo a nossa si-tuação com os outros países da Eu-ropa. Os outros países podem ter me-lhores meios mas os portugueses têmuma filosofia de integração mais po-sitiva. A nossa tradição cultural nãoremete as pessoas de terceira idadepara os lares e as crianças deficien-tes para escolas de ensino especial,não temos essa atitude segregadora.

Como caracterizaria, de uma formageral, a formação dos professoresde apoio educativo em Portugal?Nessa área tem havido algumas alte-rações de fundo. Há alguns anosatrás, quando os professores deapoio educativo eram chamados pro-fessores do ensino especial, a forma-ção era de carácter especializado - nasurdez ou na cegueira, por exemplo.Actualmente defende-se que os pro-fessores devem ter uma formação decarácter mais generalista, orientadapara uma filosofia de inclusão e de-sempenhando as suas tarefas fora dotradicional modelo de apoio.

A formação que ministramos aquina Escola Superior de Educação dePortalegre (ESEP), por exemplo, é vo-cacionada para as competências detrabalho em equipa em contexto deagrupamento, de forma a adaptar oprofessor para todo o tipo de situa-ções com que terá de deparar, in-cluindo na sua formação, entre outras,áreas especializadas como ciênciasmentais ou ciências motoras.

No novo diploma prevê-se que asturmas com alunos com NEE nãoexcedam os vinte elementos e nãoincluam mais do que dois alunoscom estas características, excep-tuando casos devidamente funda-mentados. Qual é a situação actual?Essa proposta é apenas alterada emtermos de nomenclatura porque é umprocedimento que já vem da anteriorlegislação, que, segundo sei, raramen-te era cumprido. Isto, porque não hácuidado por parte dos órgãos de ges-tão das escolas em gerir essas situa-ções e inverter a tendência de remeteros casos de NEE para os professoresrecém-chegados. E isso é grave, nãopor serem pessoas novas - estãocheios de energia e fazem maravilhas– mas porque se torna difícil ter um tra-balho equilibrado e produtivo. Muitasdas situações de stress e burnout nosprofessores advêm precisamente daincapacidade de lidar com situaçõestão diversificadas ao mesmo tempo.Admito que em algumas escolas sejadifícil gerir estas situações devido aonúmero de salas e de alunos, mas nemsempre se organiza de uma forma sé-ria a distribuição de alunos.

feri mas também de factores como acompreensão que o professor deapoio tem acerca do seu papel, a for-ma como colabora com os outros pro-fessores e a da sua integração nas es-colas. Depois, as próprias equipas di-rectivas das escolas têm elas própriasum papel fundamental na dinamiza-ção e articulação dos recursos mate-riais e humanos.

Sei, por exemplo, que existe ac-tualmente um psicólogo por cadaagrupamento de escola; obviamenteque isso não chega, porque ele tem deatender a uma diversidade de tarefas(atender a problemas de comporta-mento e delinquência, e mesmo a ca-sos de saúde mental, ajudar na orien-

“Apesar de reconhecer que já podíamos estar mais avançados, nãoconsigo ser pessimista ao ponto deassumir uma posição miserabilistaquando comparo a nossa situaçãocom os outros países da Europa.

Os outros países podem ter melhoresmeios mas os portugueses têm uma

filosofia de integração mais positiva”.

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entrevista

De que forma está organizada a formação de professores naEscola Superior de Educação de Portalegre (ESEP) de forma apreparar os jovens professores para as situações de NEE?Nos cursos de formação inicial de professores da ESEP existe, des-de há vários anos, uma disciplina dirigida para as necessidades edu-cativas especiais, onde, entre outras competências, se procura de-senvolver nos futuros professores atitudes positivas em relação àdiferença e ao que representa a escola inclusiva, munindo-os de fer-ramentas de diagnóstico, observação e gestão de um grupo decrianças com NEE e de que forma devem utilizá-las no seu traba-lho pedagógico específico para lidar, na prática, com a diversidadede situações com que se irão confrontar na sala de aula.

A principal dificuldade está em transpor as aprendizagens des-ta disciplina para as restantes disciplinas do curso, já que habi-tualmente os professores remetem essa tarefa em exclusivo parao ensino especial. Actualmente as coisas estão a funcionar relati-vamente melhor do que acontecia há uns anos atrás, já que, como aparecimento dos complementos de educação especial para pro-fessores, houve necessidade de introduzir nos cursos de educa-ção especial cadeiras de matemática, ciências e língua portugue-sa, e os professores, sabendo que vão leccionar estas disciplinas,passaram eles próprios a apropriar-se desta linguagem. Mas nãofoi fácil, porque eram realidades que estavam longe do quotidianodos professores do ensino superior.

A constante mudança de legislação também não ajudará a de-finir um programa de formação coerente… Sim, de facto a legislação muda frequentemente, muitas vezes nãose sabe ao sabor de quê, não dando tempo às pessoas para seadaptarem à realidade anterior. Durante algum tempo andamos aensinar aos professores da formação inicial e da contínua o que eraa escola inclusiva, a ajudá-los a mudar de atitude em relação às ca-tegorizações das deficiências e a potenciar e articular os recursos,mas de repente a legislação volta a dizer que tem de haver um ates-tado médico e a retirar a responsabilidade aos professores de se-rem eles, enquanto pedagogos, a definir o tipo de apoio a prestar.

Mesmo quando há boas intenções por parte do legislador, se-guimos uma determinada orientação que acaba por mudar maistarde. A partir de 1994, com a declaração de Salamanca, pareciaque não existiam dúvidas quanto ao caminho a seguir, mas agorasurge a incógnita.

Sente-se satisfeita com o trabalho realizado?Apesar de se terem registado melhorias nos últimos anos ainda nãome sinto totalmente satisfeita, e considero que, mesmo da parte dequem está responsável pela formação, é necessário aperfeiçoá-la etentarmos compreender melhor a realidade de trabalho dos nossoscolegas do ensino básico. Só ficarei satisfeita no dia em que deixede haver necessidade de existir uma cadeira com estas característi-cas nos cursos de formação de professores e que as suas matériaspassem a ser abordadas directamente nos grupos disciplinares.

E há uma mensagem que os alunos da formação inicial devemter bem presente: o bom ensino é bom para todos, não é apenaspara os alunos bons e medianos. Quando falamos de ensino es-pecial e de apoios educativos, os professores de apoio educativonão têm nenhum método miraculoso na manga para resolver osproblemas. O "milagre" baseia-se em bons métodos de ensino enuma atitude positiva face aos conhecimentos dos alunos.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

Na proposta do Ministério da Edu-cação aparece no capítulo da cer-tificação a seguinte referência: “Nodiploma serão anexadas obrigato-riamente as alterações escolaresespecíficas que foram aplicadas aolongo da sua escolaridade”. Seráque não se estará perante uma for-ma de discriminação?O currículo alternativo para alunoscom NEE pode ser concretizado atra-vés de um programa que pouco teráa ver com o currículo normal - comoaprender a vestir e a despir-se, apren-der a andar na rua, a apanhar trans-portes públicos, aprender a comer - eque não cumpre os objectivos habi-tualmente estabelecidos para a esco-laridade obrigatória.

Mas se incluímos estas crianças naescola e se pretendemos que nela ca-da aluno faça o seu percurso de acor-do com as suas próprias capacida-des, fazendo com que os colegas per-cebam que aquelas competênciassão apropriadas para aquele aluno eque ele não é menos por causa disso,então ele deveria acabar a escolari-dade básica obrigatória e obter o res-pectivo diploma sem nenhuma espé-cie de discriminação.

Por outro lado, levanta-se a ques-tão das competências específicas deleitura e de escrita, para as quais sãoexigidas, mais tarde ou mais cedo, ha-bilitações equivalentes ao 9º ano deescolaridade. É uma questão delica-da sobre a qual admito ainda não terreflectido a fundo e sobre a qual ig-noro de que forma os restantes paí-ses europeus foram lidando.

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verso e reverso

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RETRATOSAndreia Lobo

Careca polida por opção. Trajes escu-ros. A escuridão do corpo a contras-tar com a luz do crâneo. Conheci o A.numa viagem de autocarro a caminhodo emprego. Sentei-me num bancofrente a ele. Era Verão e o calor esta-va indiferente ao ar condicionado.Sem saber o que fazer para arrefecertirei da carteira uma mola para pren-der cabelo. Um gesto fácil a menosque o cabelo a ser preso seja volumo-so e comprido. O que era o caso.

Com um esgar de gargalhada A.viu-me falhar a primeira, a segunda, aterceira e a quarta tentativa para tiraro cabelo do pescoço. À quinta deixeicair os braços cansados e desatamo-nos a rir.

«Sabe qual é o problema? O seucabelo é muito forte, disse-me A. Porque não o deixa solto?»

Segui o conselho. E fiquei com aideia de que talvez fosse cabeleireiro.

Nas viagens seguintes deixei de over. Passou-se o Verão e estávamos

no início de Novembro quando nosencontramos de novo no autocarro.Desta vez levava o cabelo solto. A.mostrou-se surpreendido por nuncamais nos termos visto. Expliquei-lheque não tinha horário e que talvez nostivéssemos desencontrado. O factoera que tão pouco ele tinha horas pa-ra “entrar”. E, assim, ficou esclareci-da a situação.

Por achar estranho que fosse ca-beleireiro e ao mesmo tempo não ti-vesse horário de “entrar” ao serviçoperguntei-lhe o que fazia.

A. respondeu-me que era tarólogo.Antes, muito antes, tinha sido progra-mador de software e trabalhado embijuteria artesal. Mas sempre, tanto napasta onde alojava o Pentium comona mochila onde levava as pedras efios com que fazia as suas peças, ha-via trazido consigo o seu baralho deTarot.

A surpresa com que recebi a notí-cia sobre o seu último ofício fez com

que a conversa não voltasse a incluircabelo. Perguntei-lhe se um tarólogoacreditava em Deus. Então, A. expli-cou-me que era praticante de uma re-ligião ligada à magia e feitiçaria. Numpasse de mágica imaginei o A. vesti-do como Harry Potter... E tive algumadificuldade em disfarçar a descrençaque senti estampar-se no meu rosto.

«Eu acredito no livre-arbítrio!», ati-rei, na expectativa de que – como se-ria de prever mesmo para alguémafastado do mundo da adivinhação –me dissesse que independentementedaquilo em que acreditasse o “meucaminho estava traçado”.

A. sorriu habituado à rebeldiados que insistem em querer levar avida à sua maneira sem interferên-cias sacras. E com paciência decrente, argumentou que por vezesas pessoas têm uma determinadatarefa para cumprir na vida. Que po-de ir desde a realização de algo ex-traordinário, à acção de simples-

mente influenciar alguém. «A pessoa que não cumpre a sua

tarefa anda no mundo um pouco àsvoltas», acrescentou A. em jeito de va-ticínio.

Com esta frase A. saca do bolso docasaco um cartão pessoal. Um rec-tângulo com os cantos cortados e acarta da Lua estampada. A imagemmostrava uma mulher vestida debranco com dois lobos cor da neveaos pés e um homem ajoelhado à suafrente. Um presságio?

«Telefone-me. Podemos tomar umcafé.»

Quase podia jurar que A. saíra doautocarro a pensar que o “destino” metinha posto no seu caminho por algu-ma razão que ele, por esta altura, játerá descoberto ao ler o seu Tarot.Quanto a mim, conhecer o A. trouxe-me a suspeita de que realmente tenhouma tarefa “extraordinária” a realizarna vida: a de conhecer os A., os B., osC.... deste mundo.

O cabeleireiro afinal era tarólogo

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verso e reverso

NÓS e os outros

Marcha pela educaçãoSerá em Lisboa a 23 de Janeiro de 2004

Face à actual situação da educação em Portugal, um grupo de entidades e de personalidades, decidiu convocar os portugueses para uma marcha a favor da educação portuguesa. A marcha ocorrerá em Lisboa, no dia 23 de Janeiro de 2004.

Os promotores desta marcha apresentaram aos portugueses o seguinte:

MANIFESTO

1. O povo português vive umaconjuntura extremamentepreocupante provocada poruma errada política governa-mental que está a hipotecar ofuturo do país, sendo de su-blinhar que a tão decisivaárea da Educação, pilar im-prescindível do progresso, in-contornável fonte de culturae motor necessário à cons-trução da cidadania, é umadas mais maltratadas peloactual Governo.

2. O Orçamento do Esta-do, a legislação avulsa quetem vindo a ser publicada, as propostas de lei que vêmsendo apresentadas, em queavulta a Lei de Bases da Edu-cação e as leis da autonomiae financiamento do ensino su-perior, a “reforma” da Admi-nistração Pública, o Códigodo Trabalho, vão todos nomesmo sentido – o do me-nosprezo da escola pública, oda desconfiança profissionalnaqueles que nela trabalham,o da degradação da sua ima-gem social e profissional.

3. O Governo, desprezan-do a Constituição da Repú-blica, deixou, de facto, deconsiderar a Educação comoum direito dos portuguesespara a entender como algoque deve ser perseguidoatravés de uma mera presta-ção de serviços desenvolvidade igual forma pelo sector pú-blico e pelo sector privado.Porém, o país sabe, por múl-tiplos e variados exemplos,que a vocação do ensino pri-vado, cuja existência e digni-dade não está em causa, nãoé a de dar resposta à legítimaexigência de uma democra-cia plena que é a da existên-cia de uma escola de quali-dade para todos.

4. As políticas educativastêm contribuído para a manu-tenção de preocupantes índi-ces de analfabetismo, para oabandono escolar de muitosalunos, para a manutençãodo trabalho infantil, para apersistência de baixas quali-ficações académicas e pro-fissionais da população acti-va, para a degradação dascondições de trabalho neces-

sárias ao desenvolvimento deuma educação inclusiva, pa-ra o flagelo do insucesso es-colar em todos os níveis deensino. Tais políticas têm difi-cultado cada vez mais o de-senvolvimento democráticoda sociedade portuguesa.

5. A desresponsabilizaçãodo Estado nesta área assumecontornos muito negativos e éuma atitude que torna som-brio o futuro. Um futuro cujopresente mantém angustiadagrande parte da populaçãoportuguesa confrontada como não cumprimento do princí-pio da gratuitidade, com o sig-nificativo aumento dos custosdo ensino, com relevo para aspropinas no ensino superior,com o evidente desajusta-mento da política de acçãosocial escolar, com uma redepública de educação pré-es-colar claramente insuficiente,com um ensino básico sem ascondições e os recursos ne-cessários ao seu cumprimen-to universal, com um ensinosecundário cuja elitização temcontribuído para que Portugalseja o país da União Europeia

com menos pessoas habilita-das com aquele grau de ensi-no, com um ensino superiordevastado por altos índicesde insucesso e altamente pre-judicado pela falta de medidasque promovam o acesso, re-forcem a qualidade e incre-mentem o êxito escolar, coma proliferação de medidascontrárias à construção da es-cola inclusiva, com a estreite-za dos quadros do pessoaldocente e não docente, e coma evidente desarticulação en-tre a escola e as exigências dodesenvolvimento social e dotrabalho.

6. Simultaneamente, a po-lítica global deste Governoorienta-se pelo ataque aos di-reitos de todos os trabalhado-res, através de uma maior pre-carização do emprego, da de-gradação salarial, do aumentoda instabilidade profissional, oque contribui também parauma menor qualidade da edu-cação dos portugueses.

7. As entidades subscrito-ras deste manifesto opõem-se tenazmente a que este Go-verno feche as portas de

uma escola pública e demo-crática que Abril abriu, de-fendendo uma escola abertaà comunidade, à participa-ção dos pais e encarregadosde educação, uma escola in-tegradora das culturas dosalunos, uma escola inclusivae não discriminatória, umaescola que promova o su-cesso escolar, uma escolaque incremente uma forma-ção profissional da mais altaqualidade sem fechar as por-tas ao prosseguimento de es-tudos, uma escola propicia-dora dos instrumentos ne-cessários ao acesso à cida-dania democrática dehomens e de mulheres capa-zes de participar activamen-te na edificação de uma so-ciedade mais fraterna, maissolidária e de maior justiçasocial, isenta de opressõespolíticas, económicas, so-ciais e culturais.

Inscrições e contactos:

Lisboa: 21 38 19 198

Porto: 22 60 70 500

Coimbra: 23 98 51 660

Sul: 26 67 58 270

ESCOLARIDADEUnião Europeia (UE) e Portugal (PT)

UE – Básico (35,4%) – Sec. (42,9%) – Sup. (21,8%) – Abandono esc. (18,8%)

PT – Básico (79,4%) – Sec. (11,3%) – Sup ( 9,4%) – Abandono esc (45,5 %)

ACTIVOS EM FORMAÇÃO (25-64 anos)

União Europeia (UE) - 8,5%Portugal (PT) - 2,9%

PAÍSES Nível Nível Nível % Activos Abandono

Básico Secundário Superior na Formação Escolar

Profissional (18-64 anos)

(25-64 anos)

UE — 15 35,4% 42,8% 21,8% 8,5% 18,8%

Alemanha 17,4% 60,7% 22,3% 5,8% 12,6%

Luxemburgo 38,4% 43,0% 18,6% 7,7% 17,0%

PORTUGAL 79,4% 11,3% 9,4% 2,9% 45,5%

Polónia 19,2% 68,6% 12,2% 4,3% 7,6%

Hungria 28,6% 57,3% 14,1% 3,3% 12,3%

Eslováquia 14,2% 75,0% 10,8% 9,0% 5,6%

Lituânia 15,2% 40,7% 44,0% 3,3% 14,3%

Fonte: Eurostat

NIVEL ESCOLAR DA POPULAÇÃO EMPREGADA NA EUROPA

© isto é

Page 16: Nº 130, Janeiro 2004

16a páginada educaçãojaneiro 2004

verso e reverso

A igualdade na escola entre rapazes e ra-

parigas será a prioridade da ajuda conce-

dida ao desenvolvimento em 2005, como

forma de reverter a discriminação sofrida

pelas meninas nos países mais pobres, ad-

vertiu a UNICEF no seu relatório anual "A

situação das crianças no mundo".

"A educação básica para todos" e a

"igualdade entre meninos e meninas" fa-

zem parte dos objectivos de desenvolvi-

mento para o milénio a serem alcançados

até 2015. Os 191 Estados membros da

ONU já se comprometeram com essas me-

tas, assim como empenhar-se na erradi-

cação da fome e na diminuição da morta-

lidade infantil. A "escola para todos", apre-

senta-se como um objectivo muito distan-

te, principalmente nos países mais pobres,

segundo os números da UNICEF.

A disparidade varia segundo as regiões

geográficas. No mundo, 121 milhões de

crianças não frequenta a escola. Desse to-

tal, mais da metade são meninas. Nos paí-

ses industrializados, 96% dos meninos e

97% das meninas estão escolarizados, e

as meninas permanecem, inclusivamente,

mais tempo na escola do que os meninos.

Nos países sub-saharianos, apenas 62%

dos meninos e 57% das meninas têm

acesso à escola.

Em relação ao mundo árabe, apesar de

alguns progressos no sector da educação,

70 milhões de pessoas ainda são analfa-

betas, dois terços dos quais são mulheres

e crianças. O Egipto possui 17 milhões de

analfabetos, enquanto que 70% do total

está concentrado em quatro países: Su-

dão, Argélia, Marrocos e Iémen.

Segundo este relatório, a taxa de esco-

larização registou uma subida de 10% en-

tre 1980 e 1996, e passou de 75 a 85% no

mundo árabe, onde a população total se

aproxima dos 300 milhões de pessoas.

A UNICEF lamenta ainda a "falta de fi-

nanciamento”. Com algumas excepções,

os países industrializados e as instituições

financeiras internacionais não fizeram in-

vestimentos na educação que permitissem

às meninas dos países em desenvolvimen-

to ir à escola e terminar os estudos".

Fonte: AFP

EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS NO MUNDO

UNICEF divulga relatório anual

solta

A história e a cultura dos negros na escolaNo Brasil, a adoção

de políticas de açõesafirmativas

compensatórias e de reconhecimento,destinadas à popula-ção negra, entre elaso ensino de história e cultura dos negros

nas escolas, cujaobrigatoriedade foideterminada pela

Lei 10639/2003, temestimulado que tipo

de práticas?

Vemos crescendo o nú-mero de professores,negros e não negros,que buscam informa-ções e formação paracompreender as rela-ções raciais no Brasil,tornando-se capazesde analisar e criticartextos, materiais, méto-dos de ensino, bem co-mo de intervir no senti-do de promover educa-ção positiva das rela-ções étnico/raciais. Umexemplo, entre múlti-plos que felizmentecrescem no Brasil, é ode professores da redepública da cidade deSão Carlos, no Estadode São Paulo, que como apoio da SecretariaMunicipal de Educaçãoe do Núcleo de EstudosAfro-Brasilerios da Uni-versidade Federal deSão Carlos têm produ-zido materiais de ensi-no para combater o ra-cismo e toda sorte dediscriminações.

Entretanto, e é comtristeza que se regis-tram processos judi-ciais, pedidos de provi-dências às Secretariasdo Governo Federal deDireitos Humanos, dePromoção de Políticasda Igualdade Racial, aoConselho Nacional deEducação, em virtude

de crianças e jovens,da educação infantil aoensino superior, seremvítimas de racismo ediscriminações, semnenhuma providênciade seus professores oudas autoridades esco-lares. Seja por incom-petência e, muitas ve-zes é difícil de se acre-ditar que não seja in-tencionalmente, sãodesencadeadas, justi-ficadas e/ou apoiadaspor educadores, açõesracistas e discrimina-tórias.

Entre as práticas po-sitivas, cabe tambémmencionar iniciativasde militantes do Movi-mento Negro, como ado músico e composi-tor Pernambuco quereuniu renomados sam-bistas gaúchos(1) econstituíram, eles, oGrupo Temático Peda-gógico Ponto Z ‘Z deZumbi(2)‘, por meio doqual compõem e divul-gam sambas com te-máticas retiradas dahistória e experiênciados negros brasileiros,

visando incentivar eoferecer referênciaspositivas às crianças ejovens negros.

Que passos dar nosentido de destruir aspesadas relações ra-ciais que perpassam asociedade, marcam avida nas escolas, nasuniversidades e atuamem detrimento das pes-soas negras?

Um deles está emnós professores identi-ficarmos os preconcei-tos contra os negros,bem como contra ou-tras pessoas social-mente postas à mar-gem, nas concepçõesque orientam o ensinoque desenvolvemos, nomodo como interagi-mos com nossos alu-nos negros. Para isso éimportante avaliar nos-sa conduta. Perguntascomo as que se se-guem podem ajudar: Oque penso sobre aspessoas negras? Queapreciações costumotecer a respeito de seusmodos de viver, pensar,vestir, comportar-se?Como avalio sua parti-cipação na construçãoda nação? De onde vêmas idéias que faço de-les? Do que sempre ou-vi, desde criança? Doconvívio próximo, bus-cando conhecer-lhes ojeito de viver? Dos livrose manuais escolares?De mensagens vindasda mídia? O que sei so-bre cultura e históriados negros? Vejo-oscomo descendentes deafricanos originários denações política e cultu-ralmente proeminen-tes? Ou unicamente co-mo descendente de es-cravos? Como constituí esses conhecimentos,onde colhi as informa-

ções que serviram debase? Se avalio quemeus alunos negrossão incapazes, indolen-tes, desinteressados oque já fiz para mudaresta situação? Comoajo diante de situaçõesde discriminação vivi-das por meus alunos?Finjo não ter visto?Aconselho que os ofen-didos não liguem para aofensa e nada digo oufaço em relação aosofensores? Ou a estessimplesmente afirmoque isto não se faz, semdizer o que se faz?

Desta forma, pode-remos identificar ospreconceitos que ne-cessitamos controlar esuperar. Reconhecer noque erramos, ajuda acorrigir o percurso dasrelações com os alu-nos, leva a educarmo-nos, no convívio comeles, para relações so-ciais e raciais positivas.Silêncio, omissão, indi-ferença dos adultos, in-clusive nossa de pro-fessores, diante do so-frimento de crianças ejovens discriminados,ridicularizados deixammarcas profundas, mui-tas vezes cicatrizes quenunca fecham.

1) Originários do Estado do

Rio Grande do Sul, no ex-

tremo sul do Brasil.

2) Zumbi, herói negro, líder

do Quilombo de Palmares,

morto em 1695, quando foi

distruido, a mandado do

reino, o maior quilombo de

que até hoje se tem notí-

cias. Quilombos foram or-

ganizações sociais e políti-

cas, de maior ou menor

porte, formadas e lidera-

das por escravizados afri-

canos que fugiam do jugo

de seus senhores.

[UM DOS PASSOS A DAR] está em nós

professores identificar-mos os preconceitos

contra os negros, bemcomo contra outras

pessoas socialmentepostas à margem,

nas concepções queorientam o ensino que

desenvolvemos, no modo como

interagimos com nossos alunos negros.

Á LUPAPetronilha BeatrizGonçalves e Silva

Universidade Federal

de São Carlos, em São

Paulo, Brasil; integrante

do Núcleo de Estudos

Afro-brasileiros

da mesma universidade;

Conselheira da Câmara

de Educação Superior do

Conselho Nacional de

Educação, Brasil.

solta

© isto é

Page 17: Nº 130, Janeiro 2004

17a páginada educaçãojaneiro 2004

verso e reverso

Crónica de um desinvestimento anunciado...

Israel perde a batalha demográfica para os palestinianos

A história que vou contar não é original, mas infelizmente não perdeu actualidade. Ao que tudoindica repetir-se-á para muitos e muitos professores, por muitos e muitos anos... Dada a proximi-dade do concurso de professores, apeteceu-me compartilhá-la, para que não caia no esquecimento.

Era uma vez um profes-sor, daqueles que, parao bem e para o mal, po-dem leccionar ao 1º e 2ºCiclos do Ensino Bási-co. Até aqui tem sidodos únicos colegas deturma que se tem con-seguido manter a lec-cionar Educação Física,mas todos os anos, poresta altura, coloca-se amesma pergunta: eagora professor? Con-correr a nível nacionalafastando-se da famí-lia? Um filho de doisanos pesa na decisão!Vincular ao 1º Ciclo semqualquer motivação esem que se sinta pre-parado, mesmo queformalmente habilita-do? Arriscar a fase dascontratações prolon-gando indefinidamenteuma situação precária eprovisória? Parece queeste ano foram estes oscandidatos que ficarammais perto de casa! De-sistir do ensino? É sem-pre uma opção!

O ano passado nãoficou no Quadro de Zo-na Pedagógica por umdia. Ficava a cinco ho-ras de casa, mas pelomenos ganhava um vín-culo! E o filho? E a mu-lher? E os filhos quegostaria de ter e que,entre outros projectos,adia ano após ano?

Acabou por ficar a116 quilómetros de ca-sa. Podia ser pior! Pelomenos ficara colocado,

e no 2º Ciclo! A auto-es-trada encurta a distânciae... afinal podia ir e vir to-dos os dias! Ia gastar umdinheirão, mas apesarde tudo compensava!

Quando se dirigiu àescola ficou bem im-pressionado. Pelo me-nos foi bem recebido!Mas havia um pequenoproblema: tinha sido co-locado num lugar quenão existia! E agora pro-fessor?

Por sorte, a escola ti-nha sido constituídaagrupamento e propôs-lhe que desse apoio àsescolas do 1º ciclo. Láestava ele no 1ºCiclo,mas pelo menos ia en-sinar Educação Física!O problema é que a pro-posta teria de ser apro-

vada pelo DGAE, queentretanto tentava re-solver inúmeras situa-ções semelhantes. Se-guiram-se mais algu-mas semanas de an-gústia, agravadas peloconhecimento de cole-gas que haviam sidocolocados em horáriosincompletos perto decasa, tendo-lhes sidocompletados de ime-diato; suavizadas peloconhecimento de va-gas que ficaram por

preencher bem perto decasa.

Como sempre acon-tece, os boatos come-çam a circular, as infor-mações contradizem-se e o veredicto tardaem chegar! Cansado deesperar, resolveu ir aoDGAE onde lhe alimen-taram a esperança devir a ser reconduzidopara os lugares existen-tes na sua área de resi-dência. Dias depois,vem deferida a propos-ta feita pela escola. Pe-lo menos a situação es-tava resolvida E agoraprofessor?.

Gasta quase o seusalário em 232 quilóme-tros diários, portagens,fora a alimentação e odesgaste do carro. An-

da de escola em esco-la, com o seu própriocarro. Dá uma hora porsemana de EducaçãoFísica a cada turma do1º Ciclo e do Pré-esco-lar. Dá aulas em espa-ços improvisados (omais curioso é um Ate-neu, onde os habitantesassistem às suas aulasenquanto tomam café),improvisa materiais eactividades sem grandeexpectativa de que ve-nham a dar frutos. E

agora professor? Que motivações pa-

ra continuar a ser pro-fessor? A de estar a“comprar” tempo deserviço e a de propor-cionar alguma activida-de física àquelas crian-ças que mal conhece!Pelo menos dorme emcasa!

Não posso deixar depensar em Huberman ena sua análise do ciclode vida profissional dosprofessores (1). Haverámelhor exemplo de co-mo o prolongamento dafase exploratória podelevar ao questionamen-to e ao desinvestimen-to amargo e precoce?

Entretanto, novosconcursos se avizi-nham, desta vez com aagravante de não seconhecerem ainda osmoldes em que decor-rerão. E agora profes-sor? Diz-se muita coisa,como sempre! Certe-zas, apenas a de queneste ano lectivo houvemuitas falhas! A grandedúvida, a de saber se asalterações previstas so-breviverão aos proble-mas que a pequenaamostra de alteraçõesnos trouxe.

(1) HUBERMAN, Michael

(1992), “O Ciclo de vida

Profissional dos Professo-

res” in António Nóvoa

(Org.), Vidas de Professo-

res, Porto: Porto Editora.

"A tendência é muito clara — antes do fim

da década, os judeus serão uma minoria

em Israel, na Faixa de Gaza e na Cisjordâ-

nia", disse à AFP o demógrafo Sérgio Del-

la Pergola.

Professor da Universidade Hebraica,

Pergola reafirmou comentários recentes

de personalidades da esfera política, aler-

tando para que Israel "não será capaz de

se manter como Estado judeu e democrá-

tico ao mesmo tempo" se continuar a ocu-

par os territórios palestinianos.

Há 5,2 milhões de judeus entre o rio Jor-

dão e o Mediterrâneo e quase 4,9 milhões

de palestinianos, inclusive o 1,2 milhão de

chamados árabe-israelitas que vivem den-

tro do Estado judeu.

"A população árabe tem uma taxa de

fertilidade muito mais alta do que a judia,

que cresce sobretudo graças à imigração,

mas esta imigração continua a cair e a me-

nos que um desastre atinja a diáspora ju-

daica, nada aponta para uma mudança",

disse Della Pergolla.

Segundo números oficiais, em 2003, a

imigração para Israel atingiu o ponto mais

baixo desde 1989, com uma queda de

31% face a 2002.

O fluxo russo está a diminuir, imigrantes

da Argentina (1.200), da França (2.000) e

da Etiópia também chegaram em menor

número e os imigrantes procedentes dos

Estados Unidos (2.500) foram um pouco

mais em 2003, mas não o suficiente para

contrabalançar a tendência de queda.

Cerca de 35 mil judeus imigraram para

Israel em 2002, contra 44 mil em 2001 e 60

mil no ano 2000.

Especialistas dizem que a razão para a

queda na imigração é, por um lado, a si-

tuação de segurança em Israel, enquanto

a Intifada continua a causar vítimas, 40 me-

ses depois de explodir, e por outro, a re-

cessão económica.

Segundo o gabinete palestino de esta-

tísticas, em 2010 os palestinianos supera-

rão os israelitas em população, com 6,2

milhões contra 5,7 milhões, se as taxas de

crescimento demográfico se mantiverem

as mesmas.

Enquanto a ideia da "transferência" —

a proposta nacionalista de deportar os pa-

lestinos da "Grande Israel" — perde ter-

reno, o argumento da fraqueza demográ-

fica israelita está a ser usado por todos os

lados para promover uma solução de dois

Estados.

Simpatizantes de esquerda dizem que

Israel não conseguirá identificar-se como

democrático se continuar a dominar tan-

tos palestinianos, enquanto a direita tem

usado o espectro da maioria árabe para

propor a separação, seja negociada ou

unilateral. solta

© isto é

NÃO FICOU NO QUADRO DE ZONA PEDAGÓGICA por um dia. Ficava a cinco horas de casa, mas pelomenos ganhava um vínculo! E o filho? E a mulher? E os filhos que gostaria de ter e que, entre outros

projectos, adia ano após ano?

PROFESSOR CONTRATADO

E AGORA professor?Susana Faria Escola Superior de

Educação de Leiria, ESEL

[email protected]

Page 18: Nº 130, Janeiro 2004

18a páginada educaçãojaneiro 2004

verso e reverso

Literatura infantilum mergulho no caldeirão da imaginação

O ministro da Educação argenti-

no, Daniel Filmus, considerou

uma vitória que a declaração fi-

nal da Conferência Mundial da

Sociedade da Informação, reali-

zada em Genebra no passado

mês de Dezembro, tenha acolhi-

do a reivindicação de reduzir, e

até mesmo de suspender, a dívi-

da externa daqueles países em

benefício de investimentos na

educação.

"Queremos discutir estraté-

gias e instrumentos de conver-

são da dívida externa em inves-

timentos na educação, ciência e

tecnologia para aliviar o endivi-

damento, aumentar o investi-

mento nestes sectores críticos,

particularmente nas novas tec-

nologias", disse o ministro.

A declaração final do encontro

diz concretamente que deve ser

dada "uma atenção particular à

melhoria da iniciativa em favor

dos países fortemente endivida-

dos", para que haja programas

"que permitam libertar importan-

tes recursos a serem utilizados

para o financiamento de projec-

tos de aplicação nas novas tec-

nologias da informação".

Daniel Filmus afirmou que com

estes novos investimentos, que

se gerariam graças à redução da

dívida externa dos países latino-

americanos, seria possível impe-

dir o aprofundamento do "abis-

mo digital" que impede a demo-

cratização universal da produção

e do acesso dos bens disponibi-

lizados pelas tecnologias da in-

formação e da comunicação.

Esse abismo, explicou, é gera-

do porque o avanço científico-

tecnológico distribui-se sem

equidade entre países ricos e po-

bres, e mesmo dentro destes, en-

tre os sectores mais favorecidos

e aqueles que possuem menores

níveis de rendimento.

Lembrando que "informação é

poder", Filmus referiu que até à

próxima reunião inter-governa-

mental da Sociedade da Informa-

ção, a realizar na Tunísia, em

2005, o plano de acção deverá

dar “ênfase à criação de um fun-

do comum para resolver as ca-

rências imediatas e promover um

modelo de Internet melhor que o

actual, monopolizado pelos Esta-

dos Unidos e pelo idioma inglês".

Fonte: AFP

América Latina propõe trocar dívida externa por investimentos em educação

solta

“Se se quiser falar ao coração dos homens,

há que se contar uma história.

Dessas onde não faltemanimais, ou deuses e

muita fantasia.Porque é assim – suave e docemente – que se

despertam consciências.”Jean de La Fontaine

e, menos ainda, os contos defadas, pura e simplesmentementirosos. E depois dele,inúmeras vozes levantaram-se contra a fantasia.

Mas ao ser acusada defantasia, do que estará sen-do realmente acusada a lite-ratura infantil? Porquê tantapaixão na condenação? Emnome de que valores se lan-çam os ataques? O que sequer proteger com esse ges-to? Estou convencido de quenessa aparente oposição en-tre realidade e fantasia, es-condem-se certos mecanis-mos ideológicos de revela-ção/encobrimento que ser-vem aos adultos paradomesticar e submeter ascrianças às suas vontades.

Mas ainda assim, os con-tos de fadas têm se perpe-tuado há milênios, atraves-sando todas as geografias,mostrando toda a força e aperenidade do folclore dospovos. Quem lê “Cinderela”não imagina que há registros

de que essa história já eracontada na China durante oséculo IX d.c e assim comotantas outras. E porque seráque isto acontece? Porque oscontos de fadas estão envol-vidos no maravilhoso, numuniverso que detona a fanta-sia, partindo sempre de umasituação real, concreta, lidan-do com emoções que qual-quer criança já viveu, porquese passam num lugar que éapenas esboçado, fora dos li-mites do tempo e do espaço,mas onde qualquer um podecaminhar, porque as persona-gens são simples e colocadasem inúmeras situações dife-rentes, onde têm que buscare encontrar uma resposta de importância fundamental,chamando a criança a per-correr e a achar junta uma res-

posta sua para o conflito, por-que todo esse processo é vi-vido através da fantasia, doimaginário, com intervençãode entidades fantásticas (bru-xas, fadas, duendes, animaisfalantes, plantas sábias...).

Segundo Bettelheim (1980),a fantasia facilita a compreen-são das crianças, pois se apro-xima mais da maneira comovêem o mundo, já que aindasão incapazes de compreen-der respostas realistas. Não es-queçamos que as crianças dãovida a tudo. Para elas, o sol évivo, a lua é viva, assim comotodas os outros elementos domundo, da natureza e da vida.

Falar sobre literatura infan-til é, sem dúvida, falar sobrea imaginação. SOSA,(1982),assinala a importância da lite-ratura infantil como etapa

criadora dentro do problemageral da imaginação, uma vezque não se sabe bem em queidade, nem em que forma ecircunstâncias ela aparece nacriança. Concluindo o capítu-lo sobre os “caracteres daimaginação infantil”, o mes-mo autor afirma que a imagi-nação é a “faculdade sobera-na” e a forma mais elevada dodesenvolvimento intelectual.Se em outros componentescurriculares dá-se atençãoconcentrada a conteúdos sig-nificativos para as crianças,na literatura infantil encontra-mos o espaço privilegiado pa-ra estimular o sujeito comoelemento gerador das hipóte-ses mágicas.

Referências bibliográficas:

BETTLLHEIM, Bruno. A psicaná-

lise dos contos de fadas. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1980.

SOSA, Jesualdo. A literatura in-

fantil. Trad.... Literatura Infantil: au-

toritarismo e emancipação. São

Paulo: Ática, 1982.

AFINAL onde está a escola?Anderson Pereira

da Silva NettoUniversidade Federal

Fluminense,

Rio de Janeiro,

Grupalfa - pesquisa em

alfabetização das classes

populares

OS CONTOS DE FADAS têm-se perpetuado há milênios,atravessando todas as geografias, mostrando toda a força

e a perenidade do folclore dos povos. Quem lê “Cinderela” não imagina que há registros de que essa história já era

contada na China, durante o século IX d.c.

Após longos anos de pura ra-cionalidade científica, esta-mos vivenciando um mo-mento de retomada do quecostumamos chamar de ma-ravilhoso; aos poucos a ma-gia, o fantástico, o imaginá-rio, deixam de ser vistos co-mo pura fantasia para fazerparte da vida diária de cadaum, inclusive dos adultos quejá se permitem em muitosmomentos se transportar pa-ra este mundo mágico, ondea vida se torna mais leve ebem menos operativa.

No entanto a discórdia en-tre os defensores da “realida-de” e os defensores da “fan-tasia” que está presente hámuito tempo nas reflexõesdos pedagogos e estudiosossobre a criança e o que con-vém à criança, continua acir-rada. Conforme o parecer demuitos teóricos, um dos ele-mentos que menos conviria àscrianças seria exatamente afantasia. Ogro, fadas, feiticei-ras, varinhas mágicas, serespoderosos, amuletos milagro-sos, animais que falam, obje-tos que raciocinam, todo tipode excesso deveria, segundoeles, ser desterrado dos con-tos, sem maiores contempla-ções. O ataque se faz em no-me da verdade, da fidelidadeao real, do razoável. Já Rous-seau havia determinado que aliteratura haveria de interferirpouco ou nada na esmeradís-sima educação de seu Emílio

© isto é

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19a páginada educaçãojaneiro 2004

verso e reverso

solta

Papa adverte sobre abusos na luta mundial contra o terrorismo

A tecnologia faz parte de nos-so cotidiano em vários espa-ços/tempos, mas como issoacontece e como lidamoscom isso? Partindo de nos-sas próprias práticas, comodiz Barbosa (2002): “(...) cadaproduto (e/ou regra) compor-ta tantas formas de uso quan-tos são os sujeitos que o uti-lizam”(1). E muitas vezes aobjetividade científica nãoconsegue ver e ou reconhe-cê-las. Volto à cidade de Ji-Paraná (no interior de Rondô-nia, BR), onde trabalhei comoOrientadora Pedagógica doprojeto SESC-LER(2) (alfabe-tização de jovens e adultos).

No início da implementa-ção do projeto, para divulgá-lo, utilizei vários recursos dis-poníveis na cidade. Dei entre-vistas às rádios, à televisão,mas descobri que talvez aação mais eficaz seria a fór-mula mais antiga: bater deporta em porta explicando oprojeto. Fui até onde traba-lhavam, sob sol ardente, gru-pos de pessoas, limpando eroçando as ruas. É provávelque isso seja impossível deimaginar no nosso cotidianourbano, mas lá isso era muitoimportante e significativo.

A turma teve início com 26alunos, entre 20 e 66 anos deidade, e em poucos dias per-cebi que não seria suficienteensinar a ler e escrever. As ne-cessidades de alfabetizaçãoeram outras, bem maiores...Como diz ALVES (1998) (3) “Épreciso compreender, ainda,que aos contextos cotidianoscorrespondem processoseducativos múltiplos que es-tão presentes nos diferentese diversos espaços/tempos,institucionalizados ou não,de educação e de tessitura de

O Papa João Paulo II condenou

duramente o uso da força como

única opção na luta contra o ter-

rorismo e defendeu o papel das

Nações Unidas, cujos "objecti-

vos estatutários permanecem

válidos".

"A luta contra o terrorismo não

pode ser limitada apenas a ope-

rações repressivas e punitivas. É

essencial que o recurso à força

seja acompanhado por uma aná-

lise lúcida dos motivos dos ata-

ques terroristas", afirmou o pon-

tífice na sua tradicional mensa-

gem do Dia Mundial da Paz.

O Papa sustentou também

que a luta contra o terrorismo de-

ve levar em conta os aspectos

políticos e ideológicos, evitando

as situações de injustiça que in-

centivam os actos mais deses-

perados e sanguinários, insistin-

do numa educação baseada no

"respeito pela vida humana em

quaisquer circunstâncias".

João Paulo II pediu também

que não "prevaleça a lei do mais

forte" no direito internacional. O

Papa, que não mencionou a re-

cente captura do ex-ditador ira-

quiano Saddam Hussein, lem-

brou que as leis internacionais

prevêem "sanções apropriadas

para os transgressores", além

das "indemnizações às vítimas".

E deixou uma advertência: "Es-

sas sanções também se devem

aplicar aos dirigentes que violam

impunemente a dignidade e os

direitos humanos, sob o inacei-

tável pretexto de tratar-se de as-

suntos internos dos Estados",

avisou o Papa.

Na sua mensagem, João Pau-

lo II referiu-se várias vezes à im-

portância do direito internacional

como "garantia da paz" e defen-

deu uma "reforma" da ONU co-

mo forma de esta funcionar com

maior "eficiência".

"Os governos democráticos

sabem muito bem que o uso da

força contra os terroristas não

pode justificar a renúncia aos

princípios de um Estado de direi-

to", afirmou o Papa. "Procurar o

sucesso a qualquer custo, inclu-

sivamente violando os direitos

humanos fundamentais, seria

uma opção política inaceitável. O

fim nunca justifica os meios",

sentenciou.

Fonte: AFP solta

Alguns fios da rede de conhecimento: tecnologia, cotidiano e afeto.

“O amor é a emoção que constitui as ações de aceitar o outro com um legítimo outro na convivência.” Maturana, 2002.

FORA da escolatambém se aprendeAldenira Mota do NascimentoProfessora de 5a. a 8a

séries da escola Oga

Mitá, RJ. Integra o grupo

Redes de Saberes

em Educação e

Comunicação: Questão

de Cidadania da

Universidade do Estado

do Rio de Janeiro, UERJ.

© isto é

nha, aprendi aqui na escola,com a professora!

As lágrimas correram noseu rosto, no meu, no de al-guns colegas, e todos bate-ram palmas. Naquele mo-mento, um telefone públicoera o centro das atenções, afera a ser dominada numa are-na só nossa, e a platéia vibra-va pela libertação da colega,ao dominá-lo. Naquele instan-te, construímos um registroinesquecível na vida do grupo.Agora todos podiam dominaraquela tecnologia e saborearo prazer da autonomia.

Se a escola é espaço pri-vilegiado da construção doconhecimento, deve estar in-serida no cotidiano de seusatores/sujeitos, novas lingua-gens, possibilitando o exercí-cio da cidadania. Mas, nuncadeixando de valorizar as his-tórias, trajetórias e subjetivi-dades de cada indivíduo.

Notas:

1) BARBOSA, Inês de Oliveira. A

rebeldia do/no cotidiano: regras

de consumo e usos transgresso-

res das tecnologias na tessitura da

emancipação social. In: Subjetivi-

dades, tecnologias e escolas.

LEITE, Márcia ; FILÉ, Valter (orgs.).

Coleção: O sentido da Escola. Rio

de Janeiro: DP&A, 2002.

2) Projeto desenvolvido pelo

SESC Nacional, desde 1999.

Atua em vários estados das re-

giões Norte e Nordeste.

3) ALVES, Nilda e GARCIA, Regi-

na L. ( orgs). In: Trajetórias e Re-

des na Formação dos Professo-

res. O sentido da escola. Rio de

Janeiro: DP&A, Editora, 2000.

conhecimento” Um estudante estava fal-

tando muito às aulas. Quan-do retornou, conversamos epedi que me telefonasse,quando precisasse faltar.

– E eu lá sei mexer com es-se troço, professora? – disse ele.

– Como, Seu Francisco? Osenhor não sabe usar o tele-fone?

– Eu não! Ainda mais ago-ra com esse tal de cartão!

Fiquei pasma, acho quepor alguns segundos. Mas lo-go disse, sorrindo:

– Bom, então vamos resol-ver esse problema. Alguémmais não sabe usar o telefone?

Outros levantaram a mãoe percebi que alguns ficaram

com vergonha. Mas sabiaque, de alguma forma, elesutilizavam essa tecnologia.Então perguntei como o fa-ziam, e as respostas revela-ram que dependiam do auxí-lio de outras pessoas, e paraisso andavam com uma “co-la” do número no bolso.

Eles não dominavam re-cursos tecnológicos da mo-dernidade do modo conven-cional, mas os desafios fa-ziam com que descobrissemoutros usos e formas alterna-tivas de lidar com a tecnolo-gia, sobrevivendo e superan-do o analfabetismo funcionale tecnológico a que eram re-legados. Mas era visível que,na sociedade letrada e tec-

nologizada em que vivemos,o que restava para eles era fi-car à margem e dependentes.

Fui para casa ainda per-plexa. O que fazer para trans-formar essa situação? Porque aquilo me causou tantaperplexidade? Empenhadaem ensinar a leitura e a escri-ta, não imaginava que, tãopróximo de mim, havia tantaspessoas que não sabiam uti-lizar uma tecnologia, paramim banal, trivial, do séculoXIX! Porém fiz um paralelocom minha própria resistên-cia, naquela época, ao uso docomputador, e vi que todoaprendizado se dá na depen-dência das necessidades edos desejos. O novo e o ve-lho dependem da história decada um: para mim, utilizar otelefone era algo velho, nor-mal, enquanto o computadorera o novo, que me desafiavaa reconstruir meus saberes.

No dia seguinte, levei paraa sala de aula um aparelho detelefone. Quem conseguiaconcluir todas as etapas dediscagem com sucesso, ad-quirindo a autonomia, seguiapara o “orelhão” que havia noprédio. Juntos, víamos comoaguardar a linha, como colo-car o cartão e o que mostravao visor. Então, Dona MariaAparecida pediu para ligar pa-ra a filha, que morava em ou-tro Estado. Falamos sobre oprocesso de “Discagem Dire-ta à Distância”, descobrimosos códigos das cidades e par-timos para a prática. Ela pe-gou o telefone e foi fazendo tu-do que havia aprendido. Suamão tremia e eu falava: “Cal-ma, a senhora vai conseguir”.

– Está chamando! – disse,excitada. Fulana de tal, soueu, sua mãe! Eu liguei sozi-

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20a páginada educaçãojaneiro 2004

verso e reverso

O perú de Bush Jr. como doutrina

A Guiné-Bissau inaugurou em Novembro

a sua primeira universidade pública, bap-

tizada Amilcar Cabral. Ela foi construída

graças a financiamentos nacionais e à coo-

peração portuguesa.

A Universidade Amilcar Cabral (UAC)

que inicia a sua actividade neste mês de

Janeiro, é dotada de cerca de trinta salas

para uma capacidade de 2.000 alunos, nu-

ma primeira fase. Terá seis faculdades e

escolas (Ciências, Economia, Letras e

Ciências da Comunicação, Tecnologias,

Ciências Agrárias e Veterinárias bem co-

mo uma Escola Superior de Educação Fí-

sica e Desportiva), que darão uma forma-

ção ao nível da licenciatura.

O projecto desta universidade já se vi-

nha a desenvolver desde 1999.

"Este é um projecto de dimensão na-

cional", declarou o chefe de Estado, Hen-

rique Rosa, que presidiu à cerimónia de

inauguração na periferia norte da capital.

"Uma universidade não é um objecto de

luxo mas uma necessidade para um país

como o nosso, apesar das dificuldades

pedagógicas, técnicas, financeiras e ma-

teriais do nosso sistema de ensino", acres-

centou H. Rosa.

A UAC permitirá "formar os quadros se-

gundo as necessidades locais a fim de evi-

tar a fuga de cérebros", declarou o reitor

da universidade Tcherno Diallo.

Segundo revelou o ministro da educa-

ção, 80% dos bolseiros não regressam ao

país após fazerem a sua formação no es-

trangeiro.

Fonte: AFP

GUINÉ-BISSAUInaugurada a primeira universidade pública

solta

Já sabíamos há muito que a mulherde César não tem de ser honesta,desde que faça tudo para o parecer.O perú de plástico que Bush Jr. os-tentou para as televisões na visitaque realizou às tropas americanas,no Iraque, não fez mais que o confir-mar. O comentário do insuspeito LuísDelgado, na TSF, exaltando como umfacto positivo a rapidíssima reacçãode Morais Sarmento à notícia da re-vista «Visão» sobre o caso Lusíada,porque abona em favor da capaci-dade de reacção política a factos ad-versos que o actual governo de-monstrou, também. O facto de seaprovar legislação por medida parase contornar os obstáculos de umquadro legal que, no entanto, semantém inalterável para todos aque-les que não têm familiares ou amigosno governo e nos círculos do podernão é coisa que incomode, hoje, poraí além, o referido comentador. Domesmo modo que não o incomodouo facto da decisão ter marginalizado,entre outros, ministros que deveriamter uma palavra a dizer sobre o as-sunto, como José Luís Arnaut quesupervisiona tudo o que diz respeitoao sector cooperativo ou FigueiredoLopes que é o responsável pelo sec-tor das fundações.

Enfim, os governos não têm que serhonestos, têm que fazer tudo para pa-recer que o são. Eis a moral da histó-ria que se depreende quer da doutrinaque o perú iraquiano de Bush Jr. põe anú, quer da intervenção que Luís Del-gado protagonizou acerca do caso Lu-síada. Uma moral que, no entanto, es-conde alguma coisa. Em rigor, dever-se-ia afirmar, antes, face àquilo que nosé revelado quer por Bush Jr. quer porLuís Delgado que os governos nãotêm, de facto, que ser honestos desdeque a sua máquina de propaganda seencontre bem afinada e activa, de for-ma a fazer-nos crer que o perú é ver-dadeiro e que o governo PSD/PP é ho-nesto e competente.

Alguém se lembra da demissão deIsaltino Morais ou da palavra de hon-ra de Martins da Cruz que, afinal, semexera bastante mais em prol do fu-turo da filha do que aquilo que anun-ciara ao país ? Que repercussões po-líticas tiveram as sanções duras e iné-ditas que o Banco de Portugal aplicoua Tavares Moreira, porta-voz do PSDpara as questões das Finanças ? Oque irá acontecer com Abílio Morga-

DEVER-SE-IA AFIRMAR, face àquilo que nos é revelado quer por Bush Jr. quer por Luís Delgado que os governos não têm, de facto, que ser honestos desde que a sua máquina de propaganda se encontre bem afinada e activa,

de forma a fazer-nos crer que o perú é verdadeiro e que o governo PSD/PP é honesto e competente

DISCURSO directoAriana Cosme

Rui TrindadeUniversidade do Porto

© isto é

do, o Secretário de Estado da Refor-ma Educativa, face à sua incapacida-de em explicar o engrossar do núme-ro de falcatruas ao nível da colocaçãodos professores que o Sindicato deProfessores da Zona Centro tem vin-do a denunciar ? Alguém se lembraainda das promessas de David Justi-no acerca do combate à indisciplinanas escolas ? O que mudou desde aimplementação do decreto-lei que fezaprovar logo em Dezembro de 2002 ?Será que os professores deixaram deviver no inferno, passando a descan-sar em autênticos paraísos terreais ?E que mudanças substanciais ocorre-ram desde então, do ponto de vistada qualidade do ensino, com a intro-dução da nova legislação sobre ava-liação que vinha pôr cobro ao laxismoque o Decreto- Lei nº 98/A de 1992 e,posteriormente, o Decreto-Lei nº 30

de 2001 instituíram ? Porque é que osarautos do rigor e da exigência nãodesancaram, desta vez, na estratégiaanunciada pelo Ministro da Educa-ção, numa entrevista por si concedi-da ao «Expresso» (15/11/2003), quan-do este, em resposta à necessidadede melhorar a avaliação dos alunosportugueses nas provas do PISA, nãopropõe qualquer medida pedagógicade fundo, tal como tem andado a pro-meter, mas sessões de treino especí-ficas que permitam, de forma manho-sa e irresponsável, apresentar resul-tados que em nada correspondem aoque, de facto, os alunos sabem eaprendem nas escolas que frequen-tam ? Porque é que não ouvimos oinefável Pacheco Pereira, a activa Fi-lomena Mónica ou o sedutor MarceloRebelo de Sousa zurzir numa soluçãotão demagógica e perversa ?

Os exemplos acerca da políticaeducativa dos dois ministérios rela-cionados com a educação não se fi-cam por aqui. Há um filão imenso pa-ra explorar que permite demonstrarcomo o perú intragável de Bush Jr.constitui a expressão de uma doutri-na política que, no caso português,tem vindo a apaziguar, por exemplo epor enquanto, os efeitos políticos dapateada que os bombeiros oferece-ram ao Ministro da Administração In-terna e, por sua vez, os benfiquistasdedicaram a Durão Barroso na inau-guração do novo estádio da Luz. Umadoutrina que tenta transformar o ine-quívoco e dramático agravamento dodéfice do subsector Estado num fac-to aceitável, apesar de todos os con-gelamentos salariais e dos cortes aeito que a Drª Manuela Ferreira Leitetem andado a fazer em tudo o que édomínio do sector público e, dentrodeste, nas áreas do social, da saúdee da educação. Uma doutrina quepermite que os nossos comentado-res comecem por ignorar a tese da-quele ministro alemão que elege a po-lítica de finanças seguida pelo gover-no português como a prova do quenão se deve fazer, em nome do PEC,num tempo de recessão económica,para, em seguida, se dedicarem,também, a justificar afanosamente asrazões do voto favorável do mesmogoverno às pretensões de quemmanda em Paris e em Berlim, diame-tralmente opostas àquelas que o go-verno PSD/PP, contra todas as evi-dências e o mais perfeito bom-sen-so, tem vindo a assumir desde o iní-cio do seu mandato.

A questão, hoje, não consiste, noentanto, em saber até quando é quea doutrina do perú vai continuar a vi-gorar. É inútil discutir o que, actual-mente, é o inevitável. A questão quese nos coloca é outra, passa por sa-ber que formas concretas é que irá as-sumir. Uma pequena e discreta notí-cia, numa página ímpar de um jornalde referência, sob o negócio dos sub-marinos e a aquisição de armamentoou uma redacção inteligente e orto-graficamente cuidada de um despa-cho inócuo e parcimonioso ? A ques-tão que se nos coloca, hoje, é a de sa-ber, então, como é que enquanto ci-dadãos resistimos, o que é o mesmoque inquirir como é que participamos,nos dias que correm, na construçãode uma sociedade democrática.

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verso e reverso

solta

Eu que gosto de comprar livros e quefaço questão de acompanhar e co-nhecer as novidades editoriais na áreada minha actividade profissional, olhopara as boas aquisições que fiz nesteano que agora vai terminando e che-go à conclusão que, em termos decontribuições de autores portugue-ses, a publicação científica no campoda Educação foi, entre nós, com algu-mas raras excepções, particularmen-

Fragmentos do subdesenvolvimentode uma comunidade interpretativa

LUGARESda educaçãoAlmerindo Janela [email protected]

Universidade do Minho

NÃO ME PARECE POSSÍVEL construir uma comunidade interpretativa quando aspróprias instâncias colegiais estão em crise (como acontece com a própria

Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação), quando parece desenvolver-seuma oferta, quase mercantil, de trabalhos (ditos científicos) à medida das

necessidades do momento, quando aparecem, com alguma frequência, plágios mais ou menos deliberados nos mais variados registos…

torias por temáticas várias e relativa-mente sincrónicas, invariavelmente,conseguindo aproveitar diligente-mente, e com o natural apoio dassuas editoras, a acentuada e impará-vel desprofissionalização dos profes-sores portugueses.

Se, por exemplo, considerarmos oabaixamento dos níveis de exigênciade alguns cursos do ensino superior(público e privado) e a desvalorização

gistos, quando censuras dissimula-das silenciam ou condenam ao ostra-cismo trabalhos publicados e sobeja-mente (re)conhecidos, quando as in-capacidades de confronto crítico e deaprofundamento de ideias não en-contram espaço no pragmatismo dealguns textos, quando são demasia-do evidentes algumas incoerênciasgritantes entre os temas de investiga-ção e os comportamentos quotidia-

de conhecimento, como a Educação,não apenas têm vindo a ser neutrali-zados na sua visibilidade social por for-ça da ideologia neoconservadora eneoliberal dominante como, de algummodo, têm também perdido algum vi-gor endógeno, atribuível, entre outrasrazões, às próprias estratégias adop-tadas e à incapacidade de legitimaçãocolectiva — conserte-se esta situaçãocom o que aconteceu na década de

© isto é

A "guerra contra o terrorismo" nos Esta-

dos Unidos está a provocar um confronto

entre o presidente George W. Bush e os tri-

bunais sobre o respeito dos direitos cons-

titucionais dos suspeitos de terrorismo.

As decisões, de dois tribunais de apelo,

um em Nova York e outro em San Francis-

co, contestando a detenção por tempo in-

definido de indivíduos suspeitos de terro-

rismo, representam um desafio sério à Ca-

sa Branca.

"Trata-se dos dois maiores revés jurídi-

cos que sofreu este governo na guerra

contra o terrorismo", comentou David Co-

le, professor de direito constitucional na

Universidade de Georgetown." O poder

executivo quer assumir uma autoridade

unilateral para prender pessoas sem con-

trole judiciário, e os dois tribunais de ape-

lo rejeitaram esta posição", acrescentou.

O tribunal federal nova-iorquino conce-

deu um prazo de um mês ao secretário da

Defesa, Donald Rumsfeld, para entregar às

autoridades civis José Padilla, americano

de 33 anos. Padilla foi entregue às autori-

dades militares, que o detêm há 18 meses

numa base da Marinha sob o estatuto de

"combatente inimigo". Este estatuto foi

instaurado em Junho de 2002 por decisão

de Bush, em virtude da "guerra contra o

terrorismo".

Por sua vez, um tribunal de apelo fede-

ral de San Francisco considerou que os

cerca de 660 detidos na base militar ame-

ricana de Guantánamo, em Cuba, devem

ter acesso a advogados e aos tribunais ci-

vis americanos. O Tribunal Supremo já

aceitou examinar esta questão.

As decisões dos dois tribunais foram co-

memoradas pelos grupos de defesa dos

direitos cívicos e por parlamentares. "A rei-

vindicação pelo governo de uma autorida-

de unilateral e a sua arrogante resistência

a qualquer controle enfraquecem os nos-

sos fundamentos constitucionais", consi-

derou o senador democrata Patrick Leahy.

"Os dois tribunais de apelo reafirmaram o

princípio de que o poder presidencial não

é absoluto, mas submetido aos regula-

mentos do direito", enfatizou.

Fonte: AFP

BUSH E A JUSTIÇADireitos dos suspeitos de terrorismo

te escassa e pobre, sobretudo se ti-vermos em conta a produção mais es-tritamente académica ou a que é su-portada por alguma investigação so-bre as realidades educacionais e osseus principais actores.

Com orientações predominante-mente prescritivas, vieram, todavia, alume e continuaram a proliferar mui-tos livros (alguns oportunos e muitosoutros oportunistas) essencialmentevoltados para a tradução e recontex-tualização pedagógicas de diferentesmedidas curriculares e de alguns ou-tros normativos legais recentes. Es-ses livros, destinados a um mercadoem aparente expansão e induzidospor uma eficaz estratégia de marke-ting, parecem, frequentemente, dis-pensar os seus autores do tempo ne-cessário de pesquisa e de exercícioda capacidade reflexiva, surgindo co-mo produtos quase-instantâneos,escritos por especialistas de tudo,que, em muitos casos, repetem as au-

a que, muitas vezes, também algunsacadémicos conhecidos votam os câ-nones, ritmos e comportamentos quesão distintivos de padrões de investi-gação consolidados e reconhecidos(nas dimensões teórico-conceptual,metodológica, ética e formal), não dei-xo de pensar, ainda que por um breveinstante, que o afastamento conjuntu-ral de algum protagonismo anterior dasCiências da Educação pode muitobem estar (também) relacionado comtudo o que aqui sucintamente refiro.

Trata-se, no fundo, de constatar quecertos padrões de produção científicae pedagógica e de intervenção sociale política de autores que são referen-ciados ou se referenciam a certas áreas

meados dos anos oitenta a meadosdos anos noventa onde as Ciências daEducação tiveram genericamente umpapel (talvez até demasiado) central nopróprio condicionamento da agendada política educativa.

Não me parece possível construiruma comunidade interpretativa quan-do as próprias instâncias colegiais es-tão em crise (como acontece com aprópria Sociedade Portuguesa deCiências da Educação), quando pare-ce desenvolver-se uma oferta, quasemercantil, de trabalhos (ditos científi-cos) à medida das necessidades domomento, quando aparecem, com al-guma frequência, plágios mais ou me-nos deliberados nos mais variados re-

nos, quando se assumem falsos pro-tagonismos em termos de objectos deinvestigação por interposição de hie-rarquias formais ou pela sofisticaçãodas estratégias de manutenção demonopólios vários.

Estou consciente de que este nãoé, felizmente, o panorama exacto dasCiências da Educação em Portugal.Se não estivesse demasiado melan-cólico, confesso, poderia facilmenteescolher outros indicadores diferentese, talvez mais expressivos, da vitali-dade (na adversidade) desta comuni-dade de referência e de pertença. Masa coexistência nesta comunidade, co-mo, aliás, em outras, de grandes con-trastes, ambiguidades e tensões, ape-nas indica que, no final de mais umano, é certamente oportuno incluir es-ta questão nos nossos balanços de in-vestigação, de docência e de vida, aju-dando a eliminar os fragmentos desubdesenvolvimento que emergem oupersistem anacronicamente.

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22a páginada educaçãojaneiro 2004

verso e reverso

Escola Básica 2/3 Augusto Moreno

Um grupo de crianças continua na rua

Uma experiência com macacos permitiu

demonstrar que o cérebro pode controlar

um braço mecânico sem a ajuda de nenhum

músculo, uma novidade potencialmente

importante para pessoas incapacitadas.

Cientistas da Faculdade de Medicina de

Duke (Carolina do Norte, leste) consideram

esta conquista um passo tecnológico im-

portante capaz de permitir às pessoas pa-

ralíticas controlar um membro mecânico

unicamente com a ajuda do cérebro.

"A nossa análise ao sinal do cérebro mos-

trou que o animal aprendeu a assimilar men-

talmente o braço mecânico como se do seu

próprio braço se tratasse", diz Miguel Ni-

colelis, que dirigiu a equipa de neurologis-

tas responsável pela experiência.

"Tais resultados mostram-nos que o cé-

rebro é incrivelmente adaptável, a ponto de

incorporar um elemento externo ao seu pró-

prio 'espaço neuronial' como uma extensão

natural do corpo", sublinha Nicolelis.

Os investigadores implantaram uma série

de elétrodos com um diâmetro inferior ao do

cabelo nos lóbulos frontais e parietais do cé-

rebro de dois macacos. Para isso, escolhe-

ram locais do cérebro conhecidos como cen-

tros de controlo de movimentos musculares

complexos. Os sinais cerebrais transmitidos

pelos elétrodos foram analisados por um

programa informático criado pelos cientistas

para reconhecer os correspondentes a um

determinado movimento do braço do animal.

Numa primeira etapa, os macacos fo-

ram postos a jogar um jogo de video con-

vencional com um joystick. Mais tarde, fo-

ram habituados a prescindir dos braços e

movimentar, com os seus sinais cerebrais,

um braço mecânico.

"O resultado mais surpreendente é que,

após alguns dias de jogo, o macaco com-

preendeu que não tinha necessidade de me-

xer o braço verdadeiro. Os músculos disten-

deram-se completamente e ele deixou o bra-

ço inerte enquanto controlava o braço me-

cânico através do cérebro", explica Nicolelis.

Fonte: AFP

Braço mecânico controlado pelo cérebro de um macaco

solta

Um mês após a Associação de Pais da Escola Básica 2/3 Augusto Moreno, em Bragança, se ter manifestado contra

a intenção da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) de integrar no estabelecimento de ensino uma turma alegadamente

proveniente do Programa de Integração Educação e Formação há ainda muitas perguntas sem resposta.

A poucos dias do início do segundo período escolar, na Escola Básica 2/3 Au-gusto Moreno aguardam-se — pelo menos aparentemente — novos desenvol-vimentos. Espera-se a integração ou não da turma referenciada como “proble-mática” alegadamente oriunda do Programa de Integração Educação e Forma-ção (PIEF). Não prestam declarações acerca do caso. Mas no conselho execu-tivo da escola há uma frase que é insistentemente repetida: “A escola não fazdiscriminação”.

A relutância no que toca à integração da turma deve-se, segundo o conse-lho executivo, à falta de condições físicas do estabelecimento de ensino. Peloque não estariam em causa as características do grupo, afiançam.

Fontes próximas da escola revelaram à PÁGINA que os alunos em questãotêm níveis escolares entre o 2º, 3º e 4º anos e são provenientes de diferentesescolas do agrupamento Paulo Quintela, que juntamente com o agrupamentoAugusto Moreno compõem a rede de escolas do distrito de Bragança. Uma in-formação não confirmada pelo conselho executivo da Escola Básica 2/3 Au-gusto Moreno.

Questionados pela PÁGINA sobre os contornos do processo, a Direcção Re-gional de Educação do Norte (DREN) e o Ministério da Educação (ME) escusa-ram-se a prestar declarações. Ao telefone, Lino Ferreira, Director Regional deEducação do Norte disse ter sido constituído um grupo de trabalho com o ob-jectivo de analisar toda a situação relativa à integração da turma na escola Au-gusto Moreno. As conclusões dessa análise serão já do conhecimento da DREN,mas Lino Ferreira escusou-se a comentá-las.

Na verdade, está tudo por esclarecer e a atitude de aparente secretismo daDREN torna a situação ainda mais nebulosa. Quais as características da turmareferenciada como “problemática”? Que idades têm os alunos? Qual o seu ní-vel escolar? Que percurso escolar fizeram? Quando, como e porque foi esta tur-ma constituída? Já estiveram juntos no ano lectivo anterior? Se estiveram emque estabelecimento de ensino? Com que aproveitamento? Que avaliação foifeita? O que determinou o novo encaminhamento? Se não estiveram juntos deonde vêm? Qual é a sua área de residência? O que têm em comum que leva osserviços do ministério a organizá-los em turma? Que nível de ensino espera aDREN que frequentem? A turma é do ensino regular? Não é? Tem um currícu-lo alternativo? Se tem que o adaptou a estes alunos?

Para a opinião pública passou a ideia de que a turma de alunos a integrar naEscola Básica 2/3 Augusto Moreno era constituída, na sua maioria, por crian-ças e jovens de etnia cigana. Outros afirmavam tratar-se de uma turma que noano anterior frequentara, causando problemas de disciplina, uma escola doagrupamento Paulo Quintela. Não estava, nem está esclarecido, onde estive-ram estas crianças e jovens, desde o início do actual ano escolar, até ao mo-mento em que a DREN propôs a sua integração na Escola Augusto Moreno.

Não é claro se se trata de uma transferência de escola e se o é qual a razãoque levou a DREN a proceder a esta transferência. Se não é uma transferênciade escola de onde vêm estas crianças? Qual é o seu passado escolar? Comoe quem organizou a turma? Qual a razão para a sua colocação na escola Au-gusto Moreno? Que professores foram afectados a esta colocação? São pro-fessores experimentados capazes de conduzir o trabalho com estes alunos comsucesso? Ou a transferência foi feita ao estilo do «vão para ali que depois logose vê»? Quem é o responsável por estas decisões (ou indecisões)?

Parece ser do senso comum que o direito à palavra não é um privilégio dospais organizados na Associação de Pais da Escola Augusto Moreno. Os paisdestas crianças têm o mesmo direito à palavra e à opinião. Alguém os ouviu?Quem são eles? Foi-lhes pedida a opinião quanto ao futuro escolar dos filhos?O que pensam? Como reagem ao facto de saberem que outros pais se recusam

a aceitar que os seus filhos frequen-tem a escola ao lado dos filhos deles?

Junto do ME da DREN, por telefo-ne e por escrito, pedimos informa-ções. Quisemos perceber a situação.E dar resposta a colaboradores e lei-tores nossos que nos perguntavam oque sabíamos desta questão. Dosdois lados se recusaram a prestar es-clarecimentos.

Não podemos deixar de considerara situação intrigante. Só agora a si-tuação está a ser estudada? A DRENmandou em Novembro este grupo dealunos para uma escola sem saber na-da sobre eles e sobre as condições deaceitação dos mesmos pela escola?Que estudo, que informação, que pla-no ou projecto sustentou a decisão daDREN? Que preparação foi feita na es-

cola Augusto Moreno e com a escolapara esta poder receber os alunos?Tratou-se de uma decisão leviana, bu-rocrática, meramente administrativa?

Porque ficou tudo parado e silen-cioso após a tomada de posição pú-blica da Associação de Pais da Esco-la Augusto Moreno? Será que a DRENconcluiu que a decisão de integrar aturma fora precipitada?

No meio de toda a questão o maisimportante são as crianças. O que pen-sam os responsáveis pela educação fa-zer delas? Mantê-las fora de uma es-cola (seja ela qual for) por tempo inde-terminado? Onde estão estas crian-ças? Seriam tratadas da mesma formase fossem filhos da classe média local?

Eram estas as questões para asquais pretendíamos resposta.

© isto é

ACONTECEAndreia Lobo

José Paulo Serralheiro

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23a páginada educaçãojaneiro 2004

reportagem

6º Congresso do Sindicato dos Professores do Norte

Contra o “sistema”Não querem que a contestação se confunda com a tomada de posições fixas em relação aos assuntos criticados.

O Sindicato dos Professores do Norte (SPN) realizou o seu 6º congresso em finais de Novembro de 2003. Durante três dias os delegados ao Congresso debateram o estado da Educação em Portugal.

Sob o lema “Educar para a Democracia – Construir uma escola solidária” o SPN quis mostrar a diferença entre a escola que os professores têm e a que deviam ter.

© isto é

A antecâmara da sala do congresso vai enchendo. Um aperto de mão aqui, umbeijo acolá. Sorrisos agitados. Nas páginas de um jornal diário o motivo da agi-tação. Um caso de alegado favorecimento na colocação de duas professorasdenunciado pelo Sindicato dos Professores da Zona Centro. Mesmo a calhar.Entre uma assistência de dirigentes e delegados ao congresso, a notícia fazas conversas da manhã. “Não é o primeiro, nem será o último”, alguém atira.Entramos. Na plateia sobram poucas cadeiras vazias. São 9h40. É hora de abriras “hostilidades”.

O principal alvo de critica é a proposta governamental para a nova Lei de Ba-ses da Educação. Considerada como um “retrocesso” relativamente à actuallegislação tem sido contestada pelas forças sindicais ligadas ao ensino desdeque saiu da gaveta ministerial. As “complicações administrativas” dos agrupa-mentos verticais, a desertificação escolar nas zonas rurais do país, a falta deauxiliares de acção educativa nos estabelecimentos de ensino, vêm engrossara lista das contestações. À qual já não são alheias questões como os rankingsdas escolas, o desemprego e instabilidade na classe docente e a alteração à leidas aposentações. As reivindicações percorrem todos os graus de ensino.

Do pré-escolar ao 1º ciclo

Dizem-se os mais desprezados pelo “sistema”. Os educadores do pré-escolarhá muito reivindicam mais atenção para este sector do ensino. Não querem servistos como “guardadores de meninos” mas sentem que não escapam a esseestigma. “O governo é o primeiro a alinhar nessa ideia”, diz Maria Pureza, edu-cadora de infância. Se não, advertem os sindicalistas, porque é que o calendá-rio do pré-escolar não é idêntico ao do restante Ensino Básico?

Neste cenário, torna-se difícil passar a mensagem de que o jardim-de-in-fância não pode ser o lugar onde as crianças chegam a passar 12h por dia. Al-go que, segundo Maria da Pureza, as famílias começam a entender: “os paisestão mais conscientes da importância educacional do pré-escolar”. Por isso,“muitos não entendem por que é que os filhos tinham interrupções lectivas pa-ra o desenvolvimento de actividades socio-educativas – idas ao cinema, pas-seios, etc. – e agora não têm”, realça a educadora.

Numa altura em que 77% do total nacional de crianças entre os três e cincoanos frequenta a educação pré-escolar repartindo-se equitativamente entre as

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24a páginada educaçãojaneiro 2004

reportagem

redes pública e privada, uma das exigências do SPN é a obrigatoriedade de fre-quência do pré-escolar no ano anterior ao do ingresso no 1º ciclo do Ensino Bá-sico. O que, dizem os sindicalistas, implicaria um forte investimento na rede pú-blica, a construção de equipamentos adequados ao desenvolvimento das com-ponentes educativa e socio-educativa, a diminuição do ratio educador/aluno.No entanto, alerta Júlia Vale, dirigente do SPN, a actual situação da rede públi-ca mostra precisamente o contrário. “É notória a intenção do governo em pri-vatizar para rentabilizar”, assegura. E acrescenta: “O Ministério da Educaçãoestá-se a desresponsabilizar remetendo a educação pré-escolar para a alçadadas autarquias e das Instituições Particulares de Solidariedade Social.”

Lado a lado com os educadores de infância estão os professores do 1º ci-clo. Para Ângela Ávila, dirigente sindical e professora do 1º ciclo é tempo de oMinistério da Educação perceber que estes dois níveis de escolaridade “são abase de sustentação do sistema de ensino”, logo “têm de ser olhados de outraforma”. De modo a que não se repitam pelas escolas do 1º ciclo situações co-mo aquelas com que tem vindo a lidar. Enquanto coordenadora da Escola Bá-sica de 1º ciclo de Chouselas, Vila Nova de Gaia, Ângela Ávila lamenta o atra-so na distribuição das verbas e o número insuficiente de auxiliares de acçãoeducativa: um para cerca de 70 alunos.

A alteração ao regime de docência do 1º ciclo é outra das bandeiras do SPN.A alternativa à actual monodocência é a introdução das equipas educativas, coor-denadas pelo professor titular da turma e integrando docentes em áreas especí-ficas. Uma solução que para Maria Cândida, professora do 1º ciclo, seria bemvinda. Até porque na sua opinião o facto de o professor ter todas as áreas curri-culares a seu cargo acaba por prejudicar algumas delas. “Sobretudo as das ex-

© isto é

Andreia Lobo

pressões e do estudo do meio”, aponta a professora. “Se houvesse uma pluri-docência cada um dos professores podia preparar-se melhor na sua área.”

Rui Areal, professor de Educação Física concorda com esta opinião. E acre-dita que a introdução desta disciplina no 1º ciclo “seria benéfica” para os alu-nos. Fala por experiência própria. Uma hora por semana, Rui Areal lecciona nasescolas do 1º ciclo do município da Maia. Mas esta é uma iniciativa que pou-cas autarquias implementam devido à “falta de condições” para o desenvolvi-mento da actividade. Além disso, esta alteração poderia, segundo Rui Areal,contribuir para “aliviar a situação da não colocação de professores”. Por outrolado, há quem veja na equipa educativa um perigo. Sobretudo se ela acarretara perda do estatuto da monodocência.

Do 2º ciclo ao Secundário

Em 2001, um em cada quatro alunos abandonou a escola no início do EnsinoSecundário. O que faz com que Portugal seja o país da União Europeia commaior taxa de abandono escolar. E o mais atrasado ao nível da escolaridade se-cundária da OCDE. Estes números, apresentados por Henrique Borges, mos-tram, segundo o dirigente sindical, que “a degradação do Ensino Secundáriotem sido contínua.” Um cenário que a proposta governamental para a nova Leide Bases da Educação “pode vir a agravar”, acrescenta.

O diploma que propõe a alteração da actual Lei de Bases do Sistema Edu-cativo tem sido objecto de grande contestação no meio sindical. Entre os pon-tos negros da proposta destaca-se a reorganização do Ensino Básico e Se-

cussão em torno da matéria. O problema é que “a lei sobre o financiamento nãotem sido cumprida”, acusa o dirigente sindical. “Nem por este, nem pelos an-teriores governos”, frisa. O que tem sido prática, acusam os sindicalistas, é osgovernos subtraírem das verbas a transferir para o funcionamento das institui-ções os valores previstos para a cobrança das propinas. Este incumprimento,segundo Rogério Reis, tem colocado as instituições de ensino “numa situaçãode dependência” mesmo para o pagamento da luz e da água.

Neste cenário, Rogério Reis considera “legítima” a luta estudantil contra aspropinas. “A questão que os estudantes colocam, muitas vezes não da melhormaneira, é que a justiça social não pode ser feita a jusante do sistema fiscal temde ser feita a montante”, defende.

A utilização dos aspectos “essencialmente negativos” da Declaração de Bo-lonha é outra das questões que tem inquietado Rogério Reis. “Existem meca-nismos propostos da declaração que não estão a ser cumpridos pelos paísesque os propõem, mas que Portugal como bom aluno está a exacerbar”, criti-ca o sindicalista. Mecanismos que segundo Rogério Reis “estão a permitir quea escolaridade seja drasticamente diminuída e que não seja contabilizado aosdocentes um trabalho de acompanhamento que é resultado desta diminuição.”Diz o sindicalista que esta actuação “tem como objectivo a redução dos qua-dros das universidades públicas”. E visa “tornar o ensino público [superior] ins-tável e passível de intervenção do privado”. Nada que surpreenda os dirigen-tes e delegados sindicais presentes no congresso. Do pré-escolar ao superioré consensual que o combate sindical se fará contra o que dizem ser a vonta-de governamental de “privatizar para rentabilizar” a Educação.

cundário. Sendo que o primeiro abandona o esquema de três ciclos de quatro,dois e três anos e é reagrupado em dois ciclos de quatro e dois anos. O se-cundário deixa de ser apenas composto pelos 10º, 11º e 12º anos e passa aenglobar também os 7º, 8º e 9º anos sendo reorganizado em dois ciclos de trêsanos cada.

Com o término do Ensino Básico a fazer-se no final do 6º ano, os sindicalis-tas acreditam estar aberta a via para a antecipação das escolhas vocacionaisque actualmente apenas ocorrem no 9º ano. O que a acontecer – dizem – vaiorigina que os pais acabem por fazer a escolha vocacional pelos alunos, cujaidade no limiar da escolaridade básica rondará os 12 anos. Por isso, o SPN de-fende a manutenção da actual estrutura do Ensino Básico: uma escolaridadede nove anos com um tronco curricular comum. No contexto do alargamentoda escolaridade obrigatória para os 12 anos a manutenção deste tronco comumde conhecimentos torna-se ainda mais importante, asseguram os sindicalistas.Para Henrique Borges outro dos problemas do Secundário é o facto de este ser“unicamente orientado para o [acesso ao] Ensino Superior”.

Do Superior

Querem que o Estado encare o Ensino Superior como um investimento nacio-nal a longo prazo. E não como um peso no orçamento. Mas “com a nova pro-posta de Lei de Bases da Educação a tónica deixa de estar na obrigação doEstado em promover um ensino público superior de qualidade e com ele a in-vestigação científica”, inquieta-se Rogério Reis, dirigente sindical.

A questão dos custos do Ensino Superior tem sido a pedra de toque da dis-

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25a páginada educaçãojaneiro 2004

reportagem

A desertificação escolar do 1º ciclo do Ensino Básico no meiorural é uma realidade com números concretos. O distrito deBragança viu fechar 20 escolas no ano lectivo de 2002/03 e 17no que corre. Das 350 escolas do 1º ciclo que abriram as suasportas em 2003/04, nove fizeram-no com apenas um aluno, 21com dois e 45 com três.

O futuro das escolas do 1º ciclo rurais está em aberto. Aquestão que se coloca é o que fazer com escolas que funcio-nam com um, dois ou três alunos? Para Américo Nunes Peres,docente na Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro, “oproblema da desertificação das escolas rurais não se resolvenão fechando escolas, mas estruturando uma rede escolar comcaracterísticas completamente diferentes das actuais”, diz oinvestigador. Cristina Mesquita Pires, docente da Escola Su-perior de Educação de Bragança e outra estudiosa desta ma-téria, concorda. E vai mais longe: “As crianças não devem es-tar em escolas com dois ou três alunos!”

A solução, alerta a investigadora, não pode, no entanto, de-senraizar os alunos das suas comunidades canalizando-as pa-ra os centros urbanos. Pelo contrário: “Devem-se desenvolverprojectos inter-comunitários, agrupando várias escolas deaglomerados rurais e criando pólos com redes de transporte,

cantinas e usando a monodocência coadjuvada, com um tu-tor, o professor do 1º ciclo.”

Américo Peres apresenta uma outra solução: a abertura daescola rural a outras valências. “Uma escola com dois alunospode simultaneamente ter um lar de terceira idade ou um cen-tro de dia a funcionar com o projecto educativo de desenvol-vimento comunitário.” Na opinião do investigador, “se a esco-la vive só numa perspectiva de educação formal perde [o seupapel] na construção da cidadania. A escola tem de fazer umlaço perfeito com a educação formal e não formal, lutando pe-la democracia educativa que se faz com a alfabetização deadultos, com projectos concretos que dêem resposta às ne-cessidades, aos problemas e às expectativas das populações.”

Seja qual for a alternativa, uma certeza se impõe: a sua rea-lização requer um investimento e “vontade política”, diz Cristi-na Mesquita Pires. “O investimento maior teria de vir da partedas autarquias e das juntas de freguesia, mas cabe aos pro-fessores e também às Direcções Regionais de Educação o tra-balho de sensibilização destas entidades para a importânciadeste tipo de projectos.”

Andreia Lobo

© isto é

“Os pais não entendem porque é que os filhos que estão nopré-escolar tinham interrupções lectivas para o desenvolvi-mento de actividades socio-educativas – idas ao cinema, pas-seios, etc. – e agora não têm.”Maria Pureza, educadora de infância, sobre o calendário do pré-escolar.

“O professor do 1º ciclo acaba por ter tudo a seu cargo, logo al-gumas áreas – como as expressões e o estudo do meio – ficamprejudicadas em relação a outras. Se houvesse uma plurido-cência cada um dos professores podia preparar-se melhor nasua área e os alunos iriam beneficiar disso.” Maria Cândida, professora do 1º ciclo do Ensino Básico, sobre as van-

tagens da pluridocência.

“Ouço muitas vezes os colegas a dizer que querem a reformamais cedo, só pelo cansaço. Se tivessem outras condições detrabalho a profissão é tão gratificante que acho que eles con-tinuariam.”José Vieira, professor de Matemática e Ciências no 2º ciclo do Ensino

Básico, sobre o desencanto com o sistema educativo.

“Concordo com a divisão dos anos de escolaridade, mas pensoque seria mais importante uma revisão da componente curricular

das várias disciplinas, tornando-as mais práticas para prepararmelhor os alunos para a vida activa.”Manuela Silva, professora de Inglês do 2º ciclo do Ensino Básico, so-

bre a reorganização dos ensinos Básico e Secundário.

“Penso que a Educação Física já devia estar a ser leccionadade forma obrigatória no 1º ciclo, mas ainda não existem con-dições suficientes para que isso possa acontecer.” Rui Areal, professor Educação Física, no 3º ciclo do Ensino Básico e Ensi-

no Secundário, sobre a alteração ao regime de monodocência no 1º ciclo.

“Na altura em que me aposentei, aos 65 anos, estava hesitante,até queria continuar, mas achei que já estava muito distante dosmeus alunos em termos de idade e que eles ficavam mais sa-tisfeitos com uma professora mais nova. Além disso, não quisque me acontecesse o que vi acontecer a alguns colegas meusque quiseram trabalhar até aos 70 anos e fizeram figuras tristesporque já não estavam em condições.” Alda Gonzaga, professora aposentada de Electricidade nos cursos tec-

nológicos, sobre a nova lei relativa à aposentação.

(Opiniões recolhidas entre a assistência do 6º Congresso do Sindicato

dos Professores do Norte)

Coffee Break

Uma escola, uma luz na aldeia?

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26a páginada educaçãojaneiro 2004

olhares de fora

Empurrar o curso com a barriga

Falta-lhes uma, duas ou muitas disciplinas para acabar o curso. Entretanto “o canudo” vai ficando em segundo plano. Primeiro o emprego, depois logo se vê, dizem. Há alunos que apesar da frequência universitária, decidem dar prioridade à entrada no mercado de trabalho. Para uns trata-se uma questão de sobrevivência, para outros um “aproveitar a oportunidade”. Uns trabalham na área para a qual

se estão a formar. Outros nem por isso. São estórias de alunos que entram nas estatísticas do “insucesso universitário”. Mas que afinal apenas se limitaram a optar por uma via diferente.

Medicamentos experimentais têm mostra-

do resultados promissores na inibição do

crescimento de tumores cerebrais mortais

em ratos, segundo um estudo elaborado

por investigadores americanos da Univer-

sidade Duke, na Carolina do Norte. Estes

medicamentos desaceleram significativa-

mente o crescimento de tumores humanos

implantados em ratos de laboratório, blo-

queando o processo pelo qual o tumor cria

novos vasos sanguíneos que permitem o

seu desenvolvimento. Um desses medica-

mentos - o ZD6474 - atrasa o crescimen-

to de três tipos de tumor que atacam o sis-

tema nervoso central em três semanas.

O mesmo medicamento mostrou-se

igualmente eficaz contra três tipos dife-

rentes de tumores cerebrais, "uma notá-

vel descoberta uma vez que os tumores

cerebrais são muito diferentes na sua

constituição biológica", explica Jeremy

Rich, professor assistente de medicina do

Centro de Tumores Cerebrais da Univer-

sidade Duke.

Nos últimos cinco anos, os investiga-

dores de oncologia concentraram os

seus esforços em agentes que pudessem

bloquear o processo pelo qual as células

endoletiais formam novos vasos sanguí-

neos para levar oxigénio e nutrientes aos

tumores.

Mais de 60 agentes que bloqueiam o no-

vo crescimento celular estão em testes clí-

nicos nos Estados Unidos, e apesar de pa-

recerem seguros e bem tolerados, o surgi-

mento de terapias tem sido raro, segundo

um recente artigo da revista da Associa-

ção Médica Americana.

Por este motivo, investigadores como

os da Universidade Duke continuam a ex-

plorar novos agentes na esperança de

transformar o cancro de uma doença letal

num mero mal crónico, administrado pela

diminuição do ritmo de crescimento dos

tumores. Os testes em seres humanos de-

verão começar dentro de um ano.

Fonte: AFP

CANCRO

Medicamentos experimentais inibem crescimento de tumor em ratos

solta

“Não houve nenhuma razão especial”para justificar a decisão de arranjar umemprego. Mas “a paixão pela música”impediu-o de dizer não à oportunida-de de começar a trabalhar numa lojadiscográfica. Há três anos e meio Bru-no Malheiro, 24 anos, trocou a assis-tência a algumas das aulas do cursode História que ainda frequenta naUniversidade do Minho, em Braga,por um emprego em part-time. “Noinício a ideia era conciliar os estudoscom o trabalho”, reflecte Bruno Ma-lheiro. Mas pouco a pouco quase semse dar conta foi deixando “o curso pa-ra trás”. Quando faz as contas às ma-trículas que já efectuou surpreende-se: sete.

Também para Diana Oliveira, 25anos, tudo aconteceu naturalmente:“Não tive intenção de sobrepor o tra-balho aos estudos!” A frequentar o

curso de Língua e Literatura Moder-na, variante Inglês/Alemão, na Facul-dade de Letras da Universidade doPorto, começou por trabalhar apenasaos fins-de-semana numa loja co-mercial na zona da Baixa portuense.“Queria ganhar uns trocos”, graceja.“Depois – continua – comprei o carroe tive necessidade de responder a es-se compromisso.” Juntou mais al-guns part-times durante a semana. Eaté ao 4º ano, garante Diana Oliveira,conseguiu “levar o curso mais ou me-nos direitinho”. Entretanto já lá vão 8matrículas.

Dário Silva, 27 anos, não faz con-tas às matrículas. Suspendeu a suafrequência no curso de ComunicaçãoSocial na Universidade do Minho.“Não penso retomar a matrícula antesde 2006/07”, admite depois de unsmomentos a fazer contas à vida. Por

terminar tem cerca de metade do cur-so. Deixou de ter tempo para ir às au-las em 2000, altura em que começoua trabalhar como repórter fotográficoem alguns jornais diários. De lá paracá não parou. Entretanto, acabar ocurso deixou de ser uma prioridade.“Não vejo que a licenciatura possa al-terar tanto a minha vida profissionalque me faça precisar dela!”, comenta.

Para Bruno Malheiro a conclusãodo curso também não é uma priorida-de. Sente-se “realizado” com o em-prego que tem. Mas não esconde quegostaria de poder fazer investigaçãona área da História Contemporânea. Euma vez aprovadas as duas discipli-nas que ainda lhe sobram para acabaro curso, tem vontade de fazer o mes-trado. “Vou fazê-lo por gosto e não háespera de poder ser investigador”, co-menta. Até porque pela experiência de

colegas de curso mais velhos, BrunoMalheiro sabe que o destino mais cer-to de um recém- licenciado em Histó-ria é o desemprego.

Por acreditar que a licenciatura lhetrará “poucas perspectivas de em-prego” Diana Oliveira confessa que“neste momento é mais importante aestabilidade financeira do que a con-clusão do curso”. Por isso, trabalhaagora a tempo inteiro. Ainda assim in-siste que ser empregada de balcãonão é o emprego que tenciona ter a“vida inteira”. De facto, Diana esperafazer este ano lectivo as duas disci-plinas que lhe faltam: metodologia doensino de inglês e de alemão. E paratrocar as voltas ao desemprego deci-diu deixar a variante de ensino e in-gressar pela científica. “Talvez possausar as competências linguísticas pa-ra trabalhar na empresa”, replica.

PROTAGONISTASAndreia Lobo

© isto é

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olhares de fora

solta

© isto é

O tratamento de pessoas infectadas pela

Sida avançou na América Latina, mas ain-

da é preciso fazer muito em matéria de po-

líticas de prevenção que rompam com os

tabus culturais, segundo afirmaram espe-

cialistas reunidos no Congresso Mundial

sobre a Sida, realizado em Punta del Este,

no Chile, em Dezembro passado.

"O machismo, aceite tanto pelo homem

como pela mulher, e a forte rigidez religio-

sa tornam muito difícil que as pessoas en-

tendam a necessidade de prevenção na

América Latina", afirmou a médica cuba-

na Irene Acevedo.

Durante o encontro foram referidos os

importantes avanços registados em maté-

ria de tratamento e monitorização dos in-

fectados por HIV na América Latina. "Um

total de 50% das cerca de 500 mil pessoas

sob tratamento no mundo está na Améri-

ca Latina. E desses 50% metade está no

Brasil, país pioneiro na luta contra a Sida",

referiu Antonio Gervase, especialista da

Organização Mundial de Saúde (OMS).

Um dos motivos para este avanço é a

redução dos preços dos medicamentos,

graças às negociações conduzidas por

vários governos com os laboratórios in-

ternacionais ou, inclusivamente, como no

caso de Cuba, devido à produção nacio-

nal de genéricos, destacaram os partici-

pantes na reunião.

À margem destes progressos, o núme-

ro de casos continua a aumentar na região,

onde a Sida afecta dois milhões de pes-

soas e provocou, só este ano, quase

100.000 mortes no continente.

"Ainda há muito por fazer pela educa-

ção da população e é preciso instaurar po-

líticas de prevenção efectivas e claras",

disse a cientista chilena Maritza Ríos, cri-

ticando "o peso da Igreja que, através da

sua influência, evita que se fale aberta-

mente sobre métodos de prevenção como

o preservativo".

Fonte: AFP

SIDA NA AMÉRICA LATINA

Terapia avança, mas prevenção ainda falha

A Animação Sociocultural no centro dodesenvolvimento pessoal e comunitário.Há muitas coisas que não gosto neste país. Não gosto da democracia domesticada, da cultura do silêncio, das desigualdades socio-económicas

e das exclusões socioculturais. Dói-me que esta aldeia pequena ande à deriva. De forma autista e prepotente, os poderes instalados vão fomentandoo corte de laços sociais e de confiança daqueles que lutam por uma globalização solidária e sustentável.

É NO VIVER QUOTIDIANO na família,na escola, no trabalho, na paróquia,na associação… que as relações setornam significativas e se constrói a

consciência colectiva.

Sabemos que o pensamento único ea globalização hegemónica escon-dem linguagens e poderes que difi-cultam a reconstrução de quadros dereferência educativos, sociais, cultu-rais e éticos, promotores dos direitoshumanos, substantivos para todos. Aretórica dos discursos vai dizendoque é imperioso defender a qualida-de de vida e o bem estar e que a edu-cação e a cultura, como processos dedesenvolvimento, são para todos. Po-rém, as imposturas da sociedade deconsumo, ao sacralizar o homo eco-nomicus em detrimento do homo so-cius, estão a por em grave crise a de-mocracia. Em nome da emancipaçãoe da cidadania, assistimos à normali-zação, ao relativismo acrítico e aopessimismo niilista, impedindo os ho-mens e as mulheres de uma culturadialógica e de acção contra as desi-gualdades e as opressões que atra-vessam o nosso quotidiano.

Face a este cenário, não podemosficar indiferentes. É urgente requalifi-car a democracia. Os movimentos ci-vis devem desempenhar um papel ac-tivo. A cidadania reflexiva e crítica nãose pode reduzir apenas às dimensõespolítica e administrativa, mas devecriar oportunidades de acção e (re)in-tegração social. É pela partilha de va-lores e poderes/saberes que a demo-cracia se pode transformar num mo-do de vida.

Em nossa opinião, esta arte de vi-ver deve emergir das comunidades debase. É no viver quotidiano na família,na escola, no trabalho, na paróquia,na associação, etc., que as relaçõesse tornam significativas e se constróia consciência colectiva. É pensandoo agir local e agindo o pensar globalque poderemos recuperar a identida-de comunitária.

É imperioso superar as rotinas atra-vés de processos energéticos, envol-vendo as diferentes gerações, divul-gando experiências e revalorizandoas culturas de todos os grupos so-ciais. Por outras palavras: o aprofun-damento da democracia exige dosagentes e actores sociais uma abor-

dagem centrada na animação socio-cultural. A animação necessita da de-mocracia como a democracia neces-sita da animação.

Pela nossa parte, assumimos a Ani-mação Sociocultural como uma estra-tégia política, educativa e cultural deemancipação individual e colectiva,assente num conjunto de práticas deInvestigação Social, Participação eAcção Comprometida. Um processofundamentalmente centrado na pro-moção da participação consciente ecrítica de pessoas e grupos na vida só-cio-política e cultural em que estão in-seridos, criando espaços para a co-municação interpessoal.

Estas reflexões ajudam-nos a en-tender a Animação Sociocultural co-mo uma estratégia que encontra novivido e no agido da comunidade oselementos necessários para iniciar odiálogo e o encontro de valores co-muns que permitam alcançar as fina-lidades de cada um, e principalmen-te, as do colectivo.

Defendemos, portanto, uma prá-tica aberta à participação individual

EDUCAÇÃO e cidadaniaAmérico Nunes PeresUniversidade

de Trás-os-Montes e Alto

Douro, UTAD, Chaves

e social, que implica activamente osujeito como criador de cultura e nãoum mero objecto de acção cultural.Assim, a Animação Sociocultural as-sume-se numa perspectiva praxeo-lógica, transformando a passivida-de, a resignação e o fatalismo do vi-ver humano em participação, auto-nomia e emancipação. A animaçãoé, pois, entendida como uma estra-tégia para o desenvolvimento pes-soal e comunitário.

Neste mundo complexo não exis-te uma animação, mas, face à diver-sidade humana e às diferentes vivên-cias e realizações pessoais e comuni-tárias, os múltiplos âmbitos da ani-mação (intercultural, ambiental, daleitura, do ócio e do tempo livre, sani-tária e hospitalar, Rural, Urbana, so-ciolaboral e de empresas … de gru-pos…infantil, juvenil, de marginaliza-dos, de adultos, de deficientes…), vãofazendo caminho. Efectivamente, é apartir da realidade em que estamos in-seridos que devemos desvelar as ver-dades e construir projectos de ani-mação. A vida é tomar partido nosprojectos em que acreditamos. É ani-mar e animar-se, partilhando pode-res/saberes e valores que criem umnovo estilo de cidadania activa.

Decorrente da mundividência des-tes âmbitos, não podemos olhar paraa árvore esquecendo a floresta, isto é,a animação para ser sociocultural de-verá incorporar as suas dimensões in-trínsecas – educativa, social, culturale política – num projecto mais amplode desenvolvimento social.

Na prática, as metas sociais e glo-bais (universalizar a escolaridade bá-sica e aumentar a taxa de alfabetiza-ção feminina, facilitar o acesso aoscódigos culturais da modernidadenecessários para a integração na so-ciedade produtiva e para participarna vida pública, etc.) denunciam acomplexidade das relações huma-nas e a diversidade das necessida-des educativas da sociedade, o quevem exigindo enquadrar a AnimaçãoSociocultural numa ordem concep-tual mais ampla.

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28a páginada educaçãojaneiro 2004

olhares de fora

Portugal atrasado na organização territorialA organização do território é um tema essencialmente doséculo XX. Mais recentemente passou também a falar-seem desenvolvimento sustentável. Estes temas são aqui

abordados neste e num próximo artigo.

No Quénia, as direcções deci-

dem reabrir três das seis univer-

sidades existentes no país, em-

bora os professores continuem a

dizer que vão prosseguir a greve.

Três das seis universidades

públicas do Quénia, fechadas

desde o dia 10 de Novembro, em

consequência de uma greve dos

professores que reclamam au-

mentos salariais, reabriram as

suas portas no dia 4 de Janeiro,

mas os professores já anuncia-

ram que continuam o seu movi-

mento.

"Nós não retomaremos os cur-

sos enquanto o governo não sa-

tisfizer as nossas reivindica-

ções", declarou o presidente do

sindicato do pessoal universitá-

rio (UASU), john Nderitu.

As outras três universidades

públicas devem reabrir na próxi-

ma semana, anunciaram as suas

direcções.

As autoridades quénianas fe-

charam as seis universidades pu-

blicas do país em 10 de Novem-

bro, após o anúncio do movi-

mento grevista lançado unani-

memente por cerca de 3.200 pro-

fessores aderentes da UASU,

num efectivo estimado em 3.500

segundo a organização sindical.

Os grevistas pedem a multipli-

cação por 10 do salário mínimo

para um professor em início de

carreira, actualmente a rondar os

315 dólares, e por 24 o salário

dos mais antigos actualmente fi-

xado em cerca de 530 dólares.

O governo promete rever os

salários em Fevereiro, mas não

diz que concessões está dispos-

to a fazer.

Greve no Quéniareabrem três das seis universidades públicas

solta

A organização do territóriodesenvolveu-se essencial-mente no séc. XX. A entãoUnião Soviética iniciou umprocesso nos anos 30 com autilização de um plano quin-quenal que pretendia reorga-nizar uma rede policêntricade cidades e núcleos de pro-dução. Esta problemática te-ve grande impacto. Porém,entre os “desurbanistas” e os“europeístas”, o “stalinismo”impôs essencialmente umaestrutura hierarquizada semuma mudança do modelo ur-bano-industrial.

Na Inglaterra, o problemada organização do territóriocolocou-se com a industriali-zação e o acréscimo da popu-lação urbana, mas não se rea-lizaram mudanças estruturais.

Na Itália, os governos en-saiaram processos múltiplospara resolverem a disparida-de norte-sul – a questão doMezzogiorno. Mas apenassobressaíram medidas degestão do mesmo modelo decrescimento.

Em França, a organizaçãoterritorial desenvolveu-se comuma estratégia ainda mais ex-plícita. A luta contra as dispa-ridades regionais e o desejode controlar o peso excessivode Paris em relação ao restodo território, levou a uma sé-rie de medidas que colocou aFrança como um dos paíseseuropeus tecnicamente maisbem apetrechados com umametodologia de organizaçãodo território.

Assim, a partir de 1950,através do Ministro da Re-construção e do Urbanismo,Claudius Petit, surge a ne-cessidade do plano nacionalda organização do território.E, em 1963, a DATAR, Dele-gation d’Amenagement duTerritoire et Action Regionale,directamente ligada ao Pri-meiro Ministro e aos diversos

ministérios, revelará uma po-lítica de coordenação naprossecução de vários objec-tivos, visando uma políticaconsertada na constituiçãode grandes infra-estruturas ede metrópoles de equilíbrios.Mas foi apenas em 1997 quea lei Voynet propôs uma me-lhor coordenação regional epromoveu a filosofia do “de-senvolvimento durável” ouseja, pretendeu-se reorientaro crescimento económico deacordo com o desenvolvi-mento ecologicamente sus-tentado. Porém, nada de es-truturante veio a realizar-sede modo significativo.

A Alemanha fez nos últi-mos anos alguns passos nosentido de fazer progredir odesenvolvimento de energiasrenováveis como alternativaà energia nuclear. Algumasexperiências, como o caso danova organização territorialdo Vale do Emscher, apontampara um outro modelo de de-senvolvimento ecologica-mente sustentado. Porém,mesmo com a presença dosVerdes, os passos não sãoainda decisivos para a tal mu-dança de paradigma.

Em Portugal, o Estado No-vo ensaiou algumas medidasque conduziram ao reforçoda metrópole como a cabeçado império colonial.

A partir dos anos 60, o re-forço das estruturas viárias,portuárias e a construçãode barragens aparecem li-gadas ao crescimento e mo-dernização. O complexo deSines constitui um disposi-tivo virado para o aproveita-mento energético resultanteda exploração colonial. De-pois do 25 de Abril, a “mo-dernização” apenas conso-lidou o modelo urbano-in-dustrial que era ainda bas-tante arcaico em relação aocapitalismo dominante.

Portugal, ao nível da comu-nidade europeia, apresenta-seassim como o País mais atra-sado na organização territorial.Os governos têm funcionadodominantemente numa gestãode crises e sem projectos inte-grados numa nova organiza-ção territorial. E tem primado aausência de uma visão assen-te no desenvolvimento ecolo-gicamente sustentado, para-

digma que exige prospectiva emeios políticos e eco-tecnoló-gicos consequentes.

A falta de espaço leva-mea deixar para um próximo ar-tigo algumas consideraçõesfundamentais sobre "susten-tabilidade", termo agora mui-to usado entre nós sem quepor isso se tenha, muitas ve-zes, uma adequada noçãodo seu conteúdo.

DEPOIS DO 25 DE ABRIL, a “modernização” apenas

consolidou o modelo urbano-industrial que

era ainda bastante arcaicoem relação ao capitalismo

dominante.SOCIEDADEe território

Jacinto RodriguesFaculdade

de Arquitectura

da Universidade do Porto

© isto é

Page 29: Nº 130, Janeiro 2004

29a páginada educaçãojaneiro 2004

olhares de fora

solta

Manchetes como as transcritas acimafiguraram nas últimas semanas em di-ferentes seções de um jornal brasilei-ro de ampla circulação. É interessan-te considerar que todas podem serassociadas de alguma forma à ciên-cia, mesmo que elas intitulem maté-rias que tratam de assuntos bastantediferenciados. Transcrevo-as, aqui,não apenas para marcar o espaço quea ciência ocupa hoje nas notícias dosjornais, mas, principalmente, paradestacar as múltiplas dimensões,ações, decisões, temáticas, previ-sões, promessas, cuidados, preceitosmorais, questões éticas, práticas, há-bitos e sujeitos que a ela têm sido ar-ticulados. E, também, para registrarque tal articulação, processada e co-locada em circulação diariamentenesses jornais, se dá em outras pro-duções culturais como os programasde televisão e os anúncios publicitá-rios. Ou seja, como Dorothy Nelkin(1995) referiu – a ciência está na mí-dia! Mas ela está, também, na litera-tura, nos filmes (e não apenas nos deficção científica) e nas revistas de va-riedades e informativas. Enfim, cadavez com maior freqüência e intensi-dade, essas pedagogias culturais, ex-pressão que Henry Giroux (1995),Douglas Kellner (2001), Shirley Stein-berg e Joe Kincheloe (2001) utilizampara designar essas produções dacultura e o seu efeito educativo, vêmnos ensinando ciência e, ao mesmotempo, como postulam os praticantes

de Estudos Culturais da Ciência, pro-duzindo-a discursivamente! Caberia,então, perguntar: que significados,atributos e atribuições têm sido con-feridos a essa ciência produzida/ins-tituída fora dos consagrados limitesdas instituições científicas? E, tam-bém, se nesse processo, inscrito emtantas articulações e relações de po-der, configura-se uma ciência detur-pada, desfigurada edescaracterizada?Enfim, uma ciênciadesprovida das qua-lidades que a eleva-ram à posição deuma das mais impor-tantes criações denosso tempo? As di-mensões deste artigo apenas me per-mitirão ensaiar algumas poucas con-siderações sobre tal tema, mas, cer-tamente, a ciência configurada nes-ses textos ganhou significados eatributos diferentes e até bem dis-tanciados daqueles que filósofos co-mo David Hume, John Stuart Mill, KarlPopper, entre outros tantos, lhe foramatribuindo em seus legitimados es-critos. Na ciência representada nasmanchetes citadas acima, o levanta-mento e a busca de respostas paraquestões que há muito tempo intri-gam os humanos – sua origem, a ori-gem do mundo e do universo, porexemplo, - está indicada. Mas há mui-tas outras representações: invoca-sea ciência para intervir no controle dos

efeitos de suas próprias práticas;destaca-se que ela é um importantee produtivo empreendimento políticoe econômico colocado em curso pornações, estados e instituições - nes-se caso, ela não é nomeada, a nação,os estados ou as instituições a re-presentam! A ciência está, também,no cerne de conflitos internacionais,nacionais, regionais e locais proces-

sados em diferentesâmbitos – a metáfo-ra dos campeonatosesportivos é usadapara destacar oavanço de uma áreade conhecimento - ea sua articulação àética lhe exige lidar

com decisões relativas à vida e à mor-te. Além disso, à ciência também ca-be oferecer instrumentos de controleque permitam a identificação do tra-ço mínimo, daquilo que não é sus-peitado, do que resistiu à detecçãodas mais sofisticadas fraudes. Enfim,fora das salas de aula, nas quais aciência é usualmente associada amétodo, descoberta, criação e ao mi-to do encontro da verdade, a ciênciaé também todas essas coisas! Ora éesperança, como salientou Ripoll(2000), ora um poderoso e rentávelempreendimento produtivo, mas quetambém se pode tornar calamitoso,ora instrumento de salvação, ora decuidado, ora de assombro, ora de ex-pectativa e de tensão, ora de registro

e de encontro do inesperado e do in-controlável! Então, é preciso ter cui-dado, pois como está indicando o“Comitê Bush”, não se sabe mais,exatamente, quais efeitos suas práti-cas acarretarão. E é preciso nova-mente perguntar: que ciência é mes-mo essa que está na mídia? Desfigu-rada, deturpada? Ou, então, da for-ma como está delineada, estaria ela,apenas, incorporando significados erepresentando muitas das contradi-ções e incertezas desses chamados“tempos pós-modernos”?

Referências Bibliográficas

GIROUX, Henry.Praticando estudos cultu-

rais nas Faculdades de Educação. In: SIL-

VA, Tomaz Tadeu. (Org.). Alienígenas na sa-

la de aula. Petrópolis: Vozes, 1995.

KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia –

estudos culturais: identidade e política en-

tre o moderno e pós-moderno. São Paulo:

EDUSC, 2001

NELKIN, Dorothy. Selling Science. How the

Press Cover Science and Technology.

USA: Freeman and Company, 1995.

RIPOLL, Daniela. Não é ficção científica, é

Ciência: a Genética e a Biotecnologia em

revista. Porto Alegre: UFRGS, Programa

de Pós-Graduação em Educação, 2000.

Dissertação de Mestrado

STEINBERG, Shirley; KINCHELOE, Joe L.

(Orgs.) Cultura Infantil – a construção cor-

porativa da infância. Trad. George Eduar-

do Brício. Rio de Janeiro: Civilização Bra-

sileira, 2001.

Sobre a ciência que se aprende fora da escola e da academia

CULTURA e pedagogiaMaria Lúcia Castagna [email protected]

Universidade Federal

do Rio Grande do Sul e

Universidade Luterana do

Brasil, coordenadora do

Grupo de Estudos de

Educação e Ciência como

Cultura (GEECC)

A CIÊNCIA ESTÁ NA MÍDIA! Mas ela está, também,

na literatura, nos filmes (e nãoapenas nos de ficção científica)

e nas revistas de variedades e informativas.

A argila pode estar na origem das células! A reposição de hormônio traz risco de asma! Bahia cria mosca para controlar “praga” que causa o apodrecimento de mangas! Mulheres judias têm mais chance de desenvolver câncer de mama! Astronomia brasileira chega à primeira divisão!

UFRJ patenteia ácido contra célula tumoral! China quer sua estação espacial em 2012! Flórida manda alimentar paciente em coma! Ecologistas cobrarão ação de Lula no Protocolo de Kioto! Pressionado, Irã pára de processar urânio! França endurece campanha contra o fumo!

Comitê de Bush vê ameaça na biotecnologia! Estados Unidos descobrem doping que pode esvaziar Atenas!

© isto é

Uma equipa de investigadores do Institu-

to Cochin de Paris, dirigida pelo professor

Axel Kahn, desenvolveu um novo método

para multiplicar o número de "células-

mãe", susceptível de permitir o desenvol-

vimento de novas estratégias terapêuticas

na luta contra o cancro.

Presentes na maior parte na medula ós-

sea e, em menor medida, no sangue, estas

células têm a capacidade, em função das

necessidades do organismo, de se renovar

ou diferenciar para reconstituir o conjunto

de células do sangue de um indivíduo, es-

pecialmente depois de um transplante. As-

sim, uma célula-mãe pode, em princípio,

tornar-se, indistintamente, uma célula do

coração, do braço ou do intestino.

No entanto, o número destas células-

mãe é insuficiente para se poder pensar em

utilizá-las no transplantes de medula ou em

terapias celulares ou genéticas. Para mini-

mizar este inconveniente, os investigadores

esforçaram-se para encontrar os meios que

favorecem a sua multiplicação, recorrendo,

nomeadamente, a uma proteína chamada

HOXB4, que tem a propriedade de estimu-

lar a produção destas células sem que se-

ja necessário introduzir no organismo o ge-

ne necessário à sua produção.

Fonte: AFP

Novo método para multiplicar as "células-mãe" do sangue

Page 30: Nº 130, Janeiro 2004

30a páginada educaçãojaneiro 2004

olhares de fora

O Elefante ou o Quebra-nozes para as crianças?

A Educação, esse animal queri-

do e detestado, continua na "or-

dem do dia".

Edgar Morin propõe que "a

educação se dedique à identifi-

cação das origens de erros, de

ilusões e de cegueiras". (1) Vive-

mos num tempo de desilusões; a

"Educação", o tal animal, não

existe só, sem actores múltiplos

e concretos que a produzam.

Lembram-se da pergunta: "acre-

dita na Justiça"? e da resposta-

padrão: "sim, acredito na Justi-

ça". Qual o sentido da pergunta

e da resposta? Alguém acredita

na Justiça? Acredito na Justiça

como valor, o que é confundido

com "Justiça"/ "Sistema Judi-

cial"; alguém se lembraria de per-

guntar: "acredita na Educação",

querendo dizer algo como "acre-

dita no Sistema Educativo"? As

gargalhadas não parariam, com

tal pergunta! (Talvez por isso não

se perguntam coisas dessas).

Com a Educação sempre se pas-

sa o mesmo, mais e mais tarefas

são atribuídas à Senhora, mas ela

não responde, porque não anda

por aí, bípede, fresca e solta. O

"sistema educativo" esse sim,

anda por aí, espalhado por mi-

lhares de estabelecimentos de

ensino, nas mãos e cabeças dos

seus actores, alunos, docentes,

pais, funcionários, políticos. O

sistema educativo, tal como "as

ciências", nada diz sobre a reali-

dade que o ultrapassa e o condi-

ciona, porque é ele que está con-

tido no todo social e não o con-

trário. Crianças vendidas nas

ruas, órgãos humanos também,

como fazer para identificar o er-

ro, ilusão, a cegueira?

(1) Edgar Morin, Os sete saberes

para a educação do futuro, I. Pia-

get, 2002, p.25.

O Mundo e o Saber

QUOTIDIANOMaria Gabriel Cruz

Universidade

de Trás-os-Montes e Alto

Douro, UTAD, Vila Real

Para nossa neta Maira, filhade Cristan van Emden e Paula(née Iturra)

O Elefante, de Gus van Sant,é o filme que relata, em 2003,o que aconteceu na EscolaSecundária de Columbine deLittleton, Colorado, USA, em1999. Em Abril de 1999, duascrianças púberes massacra-ram colegas, docentes, admi-nistrativos e amigos. Uma es-cola assassinada por sentiremque ninguém tinha paciência,carinho ou atenção por eles, eque a sua inteligência e talen-to passavam despercebidos.De facto, até o Für Elise deBeethoven ou Sonata ao Luar,descrevem os sentimentosemotivos dos meninos des-prezados. Por quem? Acaba-do o filme, ficamos a saber, aopesquisar os factos e ao re-parar no processo dentro doqual decorre a nossa vida ac-tual: a solidão, a falta de famí-lia, mães empresarias, pais noescritório, sem beijo, abraço,carícia ou sorriso, esses pe-quenos nadinhas de apoio pa-ra seres que estão a começara vida. Não tendo ainda capi-talizado análise, entendimen-to, simpatia, dos seus actos efactos, como referem PierreBourdieu e Jean-Claude Pas-seron em 1970, no seu La Re-production, quando falam quea violência simbólica está li-gada ao sistema de ensino –distante da acção pedagógi-ca – disciplina com castigocorporal, sistema de ensinobaseado na memorização dasideias sem debate, informesnegativos aos adultos dascrianças, e outras ideias de-senvolvidas por eles em dife-rentes textos, especialmentenos majestosos Le pouvoirsymbolique de 1989, ao refe-rir Bourdieu, que "la mort sa-sit le vif", ou a morte do outrodá-me a vida – como parecem

ter pensado os adolescentesao reivindicarem o seu direitoà vida amável, justa e reco-nhecimento dos seus afaze-res. Proferem uma frase durae bestial ao Director que cos-tumava bater-lhes, no segun-do prévio à balada de balasque canta a extinção de umente anti-pedagógico: “Nun-ca pensaste que eu tambémpensava, sua besta...Diz per-dão, Diz perdão..!”..., mas aabsolvição acaba por ser o fu-zilamento sobre o piso do bomfeitor de crianças assassinas;bem como no La misère dumonde de 1993, ao falar de fa-mílias deslocadas do seu sítionatural, terra e lar. Exacta-mente, esse Elefante dascrianças que agarram a vidana medida que matam maisde duzentas pessoas paracompensar a falta de sítio pró-prio, definido pela frase do ini-cio deste texto: o marketingretira seres humanos dos seusdescendentes, do cuidado eatenção aos seus estudos,namoros, planos de vida, ge-rindo auto estima enganada,Beethovens que substituememotividade mal nascida,abortada ou nunca desenvol-

vida. Esse pesado animal detromba cumprida acaba porser a sociedade que cria enti-dades para o mercado, quesaibam calcular e encurralar oinimigo – inimigo definido, à laFreud, pelo desbravamentode seres para amar, por serespara odiar e serem mortos pa-ra esse agarrar a vida. Deslo-cação não querida, mas en-tendida por causas distantesde sentimentos necessaria-mente entremeados com umacerta racionalidade que osadultos saberiam ensinar... seo mercado o permitisse. Ele-fante criado pelos invasoresdo Vietname, salvadores doIraque, intervenientes em pro-cessos democratas, como odo Salvador do Chile. Toma davida, uma real toma da Basti-lha que pretende a liberdade,igualdade e fraternidade, di-reitos definidos mas nuncaatingidos. Direitos, funda-mentais na idade adolescenteque, ao não serem fornecidos,passam para uma sublimaçãoritual na Missa das balas lan-çadas em nome da justiça edo bem-estar dos adolescen-tes em questão. Fuzilar paratomar a vida do outro e assim

© isto é

Foi comentado no nosso jornal do mês de Dezembro, que Natal era quando o marketing quiser. Comentário que me leva a pensar a relação dos adultos e das crianças. Essa relação, hoje, de distância e, antigamente, de larga intimidade, ambas com muito imaginário e certa afectividade.

Imaginário, como é natural, que varia no tempo e no espaço. Como Pyotr Ilyich Thcaikosky e Gus van Sant. Como a água do óleo. Qual, a verdadeira?Qual, a conveniente? Qual, a da História? Não é o acaso que me leva a pensar no Elefante e no Quebra-nozes.

ficar no justo peso e medidada interacção social. Interac-ção definida pela acumulaçãodo lucro e procura de mais va-lia na empresa da vida, comotem sido definido pela nossaHistória, ao longo do tempo, apartir da existência de merca-dorias entre países ocidentaise orientais, mercadoria quedesnorteia o comportamento.Donde, Quebra-nozes. PytorIllich apresenta-nos uma Cla-ra que acolhe no seu regaço oseu boneco partido na rixa decrianças na noite de Natal. Es-sa noite apoiada pelo avô quedança, a mãe que dita as ho-ras de ir para cama, o pai queapoia a disciplina e assim te-rem uma surpresa para os pe-quenos no dia seguinte demanhã. Pequenos que no re-ferido bailado, manipulam oseu ainda despovoado imagi-nário, dentro dos limites deli-neados pela família. Um Que-bra-nozes que, na fantasia dapequena, dança, namora,apresenta um bosque e umcastelo no qual se manifestacomo o Príncipe que realmen-te era. Quebra-nozes que oseu irmão, na sua raiva de jánão ser capaz de brincar comos presentes de Natal, parte edesfaz, como se fosse umpresságio do Elefante de Co-lumbine, Van Sant e Tchai-kowsky pertencem a doismundo diferentes: os da ma-gia da criação musical que ilu-de a partir de factos que se-riam banais se não fossem im-portantes para as crianças, omúsico; ou da magia da re-criação do real na base da ir-realidade da imagem, o ci-neasta. No entanto, os dois aanalisarem a importância doapoio do adulto que entende– ou não –, os pequenos. Osque entendem ganham umaprincesa; os que não, ganhamuma depressão e, muitos, umluto inesperado. Van Sant sa-

be qual a pedagogia necessá-ria para termos cidadãos ani-mados e emotivos que sabemcombinar coração com razão.Piotr, faz-nos dançar com ochá da China, o chocolate daEspanha, os doces da Rússiae a infinita Valsa das Flores, nominuto que toda a família fes-teja a recuperação do Que-bra-nozes, a sua conversãoem Príncipe e o seu amor de-clarado à pequena que, já mu-lher, o soube restaurar, em me-nina, no seu colo. A Históriaarquiva Columbine, mas apren-de os factos que o capital noscausa; assim como arquivaem salas de dança e em dis-cos o ar doce e amoroso daValsa das Flores, Epílogo de-sejado por todo o educador.Uma Apoteose a milhas dedistância dos educadores –tantos! -, que criam aborreci-dos e mal estimados Colum-bines. A História aborrece oElefante e sonha com o Que-bra-nozes, mas vive na singu-lar batalha do animal de trom-ba cumprida, já faz anos... eos que ainda faltam. Para ascrianças não pode haver Que-bra-nozes, excepto se quere-mos levantar a Apoteose desaber agarrar a vida para acontinuar dentro do plano dosdireitos humanos que, até on-de entendo, os nossos doisartistas criam e Pierre Bour-dieu analisa de forma sabida.É com eles que aprendemos acrescer e a não apenas a viverdentro do lucro e mais valia,mas sim dentro de uma racio-cinada fantasia. Elefantes eQuebra-nozes a par e passo,no processo da vida, para ospedagogos aprenderem comtodos estes artísticos factos.Haja ouvidos para entender-mos os processos educativose vivermos calmos e serenos,no amor e delicadeza de ge-rações a compartilhar a mes-ma cronologia.

DA criançaRaúl Iturra

[email protected]

ISCTE-CEAS

Amnistia Internacional

Membro da National

Child Project

Utrechct, Netherland

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31a páginada educaçãojaneiro 2004

olhares de fora

solta

Os Estados Unidos concederam a

dois prisioneiros de Guantánamo,

detidos em virtude da "guerra con-

tra o terrorismo", o direito a um ad-

vogado, deixando entrever uma

flexibilização das suas posições

sobre este assunto polémico.

"O governo americano responde

deste modo às numerosas críticas

expressas nestes últimos meses

sobre a questão da detenção, em

Guantánamo ou em outros luga-

res dos Estados Unidos, de pes-

soas privadas de representação

legal", afirmou Jonathan Turley,

professor de direito na universi-

dade George Washington.

Esta resposta do governo de

George W. Bush é, no entanto,

"modesta e tardia", tendo em

conta a amplitude das críticas,

refere Turley, lamentando que as

autoridades norte-americanas

não tenham seguido uma "políti-

ca coerente" sobre o assunto.

Assim, pela primeira vez, o mi-

nistério americano da Defesa

anunciou ter autorizado um pri-

sioneiro de Guantánamo, o aus-

traliano David Hicks, a ser defen-

dido por um advogado militar.

O Pentágono também permi-

tiu que um americano de origem

saudita, detido em Guantánamo

e transferido para uma prisão mi-

litar nos Estados Unidos depois

de ter sido determinada a sua na-

cionalidade, seja representado

por um advogado.

Esta medida concedida a Yaser

Esam Hamdi, capturado no Afe-

ganistão no final de 2001, não de-

ve ser considerada como um "pre-

cedente”, já que “o acesso a um

advogado não é imposto por lei"

para os prisioneiros qualificados

como combatentes inimigos, avi-

sou o Pentágono em comunicado.

"Em nenhum momento o go-

verno americano declarou que os

dois homens tinham direito a um

advogado. A administração dei-

xa entender que decidiu conce-

der este direito como se estives-

se a prestar um favor", ressaltou

Turley, chocado pelo comporta-

mento "no limite da constitucio-

nalidade" do governo de Bush.

"Acho que a administração se

deu conta de que a sua posição

sobre estas questões de direito

era extrema demais para ser sus-

tentável", analisou.

Fonte: AFP

Bush suaviza posição sobre "combatentes inimigos"

Textos bissextos: rubrica que arranca com o novo ano - 2004, bissexto segundo o calendário, e connosco queaqui estaremos bianualmente num sexteto à procura de uma partitura possível. Os bissextos regressam de qua-tro em quatro anos. Mas nós, por essa altura, não prometemos estar cá; é que o mundo dá tantas voltas... Na-turalmente, de docentes e investigadores originários de instituições diversas, com formações académicas dis-tintas e diferentes posicionamentos político-educacionais espera-se uma rubrica eclética e diversificada no es-tilo e na temática, ainda que girando em torno da “educação e cultura". O experimentalismo temático queremosque seja o refrão e a inquietação crítica a razão de ser… para além disso, apenas a provável certeza de que es-te ano, com textos bissextos, teremos mais um dia no resto das nossas vidas…

«Passam as horas neste cais embaladas

nas ondas…– E tu, ó emigrante,

já 5 vezes foste e já 500vieste agora já não tensmais mundo para onde

ir,nem mais onde te escondas!…»

(“Oceano Pacífico” in Mar Coalhado,

Branquinho da Fonseca)

precisa: o Executivo fala em50 mil, uma associação imi-grante avança com 100 mil,mas um funcionário do SEF,em declarações a um jornaldiário, estimou-a em 200 mil(ou seja, quase metade doslegais!). E isto apesar de já ter-mos tido dois períodos de le-galização – 1992 e 1996. Apóso que, entre Agosto de 1998 eFevereiro de 2003, se publica-ram quatro diplomas legais(da Assembleia da Repúblicae do Governo) sobre imigra-ção, o que reflecte bem, nes-ta área, as mudanças que seestão operando. A actual le-gislação, que terá outros de-senvolvimentos no Plano Na-cional de Imigração (previstono Programa do Governo),instituiu, pela primeira vez, osistema de quotas (antecipan-do-se à própria UE; só em12/9/03, a presidência italianaviria a propor um estudo queconduzisse ao estabeleci-mento de quotas). Ora o nos-so Conselho de Ministros, de6/6/02, já definira a quota de27 000 imigrantes. E a partirde agora, um relatório, de 2em 2 anos, descriminaráquantos estrangeiros podementrar em território nacional,para que sectores de activi-dade e para que zonas dopaís.

De facto, nestes últimosanos, temo-nos tornado numpaís de acolhimento dos afri-canos negros fugidos dasguerras civis e da pobrezanos PALOP, dos brasileiros àprocura de melhores condi-ções de vida, tal como os eu-ropeus do leste, na sequên-cia da implosão do Bloco So-viético, mas também de eu-ropeus comunitários, com anossa adesão plena, em1986, à UE, para além dosorientais, com o fechar donosso ciclo imperial. Portugalé, neste início de milénio, umpaís marcadamente multicul-tural e esta matriz tende aacentuar-se com “Portas”abertas ou fechadas.

(continua em Junho; no próximo

mês aqui estará a minha colega e

amiga Darlinda Moreira)

A sociedade portuguesa temvindo a sofrer acentuadastransformações no domínioda heterogeneidade étnico-cultural, mais visível no litorale, em particular, nas grandesáreas metropolitanas. Inver-teu-se o sentido da mobilida-de: deixámos de ser o tradi-cional país de emigração.Dessa epopeia ficam-nos osnúmeros impressionantes: 5186 719 emigrantes portu-gueses espalhados por todoo mundo (um pouco mais de50% do total de residentes noterritório nacional); 63,5%nas Américas e 26,4% na Eu-ropa. Mas este movimentonão cessou: só na década de90, saíram do país, em média,30 mil pessoas/ano. Umaemigração cada vez maistemporária (85,5% em 1999)e com destinos predominan-temente europeus (em cada10 “emigrantes”, 9 escolhe-ram a União Europeia e a Suí-ça, onde ganham duas outrês vezes mais). Segundoum estudo da CGTP, os bai-xos salários e as más rela-ções de trabalho constituemas principais razões para a“fuga” destes trabalhadoresda sua pátria. De acordo comdados da Organização Inter-nacional das Migrações, di-vulgados em Junho passado,

os portugueses estão em 6ºlugar no que respeita à re-messa de emigrantes (tinhamenviado para o país 3,1 mi-lhares de milhões de euros,em 2000). Estas remessas re-presentam cerca de 3% doPIB (tenha-se como termo decomparação os 2,7% do tu-rismo ou os 2,4% do investi-mento estrangeiro).

Tornámo-nos, entretanto,um país de imigração, nummovimento cujos primórdiosestá associado ao desmoro-nar do império colonial. Em1961, a anexação de Goa,Damão e Diu trouxe para Por-tugal (e Moçambique) cercade 20 mil pessoas; movi-mento que se acentuou nosmeados dos anos 70, do sé-culo XX, com a descoloniza-ção e a chegada massiva dequase um milhão de “retor-nados”. Para nos anos 80 onúmero de imigrantes supe-rar, pela primeira vez, as saí-das legais. Nas duas últimasdécadas, a corrente imigra-tória acelerou-se com o nú-

mero de imigrantes a passardos cerca de 50 mil para osactuais 450.000 (56% dosquais com «autorização deresidência» e os restantescom «autorização de perma-nência»); esta evolução re-cente aparece sumariada natabela que se segue:

ANOS IMIGRANTES1981 54 4141990 107 7672000 207 6072001 350 5032002 423.5802003 450.000

(Fonte: SEF)

Segundo dados de 1997-98,a incidência de estrangeirosem Portugal era de 1,7%, o3º país da UE com menor per-centagem, depois da Finlân-dia e da Espanha que regis-tavam valores ainda mais bai-xos. No entanto, na décadade 1986-96, o índice de cres-cimento atingiu os 17% (o 4ºmais alto da União). Todavia,foi no ano de 2001 que a imi-

gração subiu de forma maisintensa. De 1999 a 2003 o nú-mero de imigrantes registouum aumentou de 134,2%.Hoje, a percentagem de imi-grantes sobre a populaçãoportuguesa já é de 4,5%(contra os 25% da Suíça e os11% da Suécia), o que nos co-loca como o 2º país “maisatraente” da bacia do Medi-terrâneo Ocidental (daí a nos-sa participação no «Diálogo5+5», instituído em 1990, e quereúne os Chefes de Estado ede Governo de Portugal, Es-panha, França, Itália e Malta +Mauritânia, Marrocos, Argélia,Tunísia e Líbia; o mais recenteencontro ocorreu a 5 e 6 de De-zembro, em Tunes, com as mi-grações e a segurança naagenda de trabalhos).

No entanto, «a imigraçãoilegal aumentou de formaacentuada» como o reconhe-ce o governo no preâmbulo donovo decreto-lei sobre imigra-ção (DL nº 34/2003 de 25 deFevereiro) ainda que a suaquantificação continue pouco

I – Portugal e/imigrante

TEXTOS bissextosLuíSoutaInstituto Politécnico

de Setúbal

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32a páginada educaçãojaneiro 2004

olhares de fora

Simulações e simulacros no debate sobre Ensino Profissional

Estamos quase na singular situação em que se tenta provar uma hipótese de investigação ao inverso, isto é, deturpando a realidade para salvar a teoria.

Recentes descobertas de ossa-

das de ursos, cabras montanhe-

sas e outros animais na costa

oeste do Canadá têm reforçado

uma nova teoria sobre a forma

como os seres humanos migra-

ram da Ásia para a América do

Norte. Os investigadores acredi-

tam que os primeiros hominídeos

chegaram à América do Norte há

cerca de 16 mil anos em embar-

cações feitas de peles de animais

e não a pé pelo corredor a leste

das Montanhas Rochosas, como

se acreditava anteriormente.

Os investigadores da Universi-

dade Simon Fraser, em Burnaby

(Columbia Britânica), afirmam

que o osso completo do tornoze-

lo de uma cabra e ossadas de ur-

so, encontrados em cavernas se-

paradas no lado noroeste da Ilha

de Vancouver e nas Ilhas Rainha

Charlotte, provam que havia um

ecossistema diverso no local há

16 mil anos capaz de sustentar

grandes animais e populações

humanas numa época em que a

região estaria supostamente co-

berta de gelo. Os arqueólogos

descobriram também ossadas de

salmão, sapos, pardais, martas e

arganazes, num total de mais de

quatro mil fragmentos.

"A maioria das pessoas acre-

ditava que a Columbia Britânica

era bastante estéril e inóspita, si-

milar à Gronelândia, mas o mate-

rial que encontramos indica que

a costa era um meio ambiente

bastante produtivo e poderia

possibilitar a sobrevivência de se-

res humanos nesta área", disse o

geólogo Brent Ward, que liderou

a expedição à Ilha de Vancouver.

A teoria convencional susten-

ta que os primeiros humanos

chegaram ao continente há mais

de 12 mil anos, atravessando

uma "ponte" de terra entre a Si-

béria e o Alasca, que depois foi

submersa. Acredita-se que eles

tenham seguido uma presa por

um estreito caminho através da

província de Alberta, no sul do

glaciar que cobriu todo o Cana-

dá, chegando ao norte dos Esta-

dos Unidos. Depois, povoaram o

resto das Américas, deixando

para trás traços da sua existên-

cia na Ilha San Miguel, na Cali-

fórnia, em Clovis, no Novo Méxi-

co e em Monte Verde, no Chile.

Fonte: AFP

MIGRAÇÃO HUMANA

Descoberta de ossos de animais reforça uma nova teoria

solta

As discussões levadas a ca-bo, em diferentes países, so-bre o ensino profissional, têmconseguido a proeza de pro-duzir um conjunto de discur-sos que acreditam os seusestatutos num conjunto depressupostos desacreditados.Estaríamos, assim, quase quena singular situação em quese tenta provar uma hipótesede investigação ao inverso,isto é, deturpando a realida-de para salvar a teoria. Seriabom que, na conjuntura ac-tual, se começasse a debatero ensino profissional dedi-cando-se maior atenção à di-mensão do quadro lhe forne-ce forma.

Com um arrazoado pseu-do-erudito, quotidianamente“conselheiros mediáticos”,sempre de modo muito di-dáctico, chamam a socieda-de à responsabilidade real-çando a necessidade de sechancelar unanimidades emtorno do ensino profissionalcomo forma de se assegurarprosperidade no futuro, umfuturo, contudo, que mais doque uma temporalidade paraalém do presente é um tem-po incerto, é um tempo que,a considerar o desde quandotais apelos vêem sendo fei-tos, nunca chega. Tem sidoesta a ladainha, vamos lá,desde que os efeitos da crisesistémica - em alguns paísesmais cedo, em outros maistarde - decorrentes do estio-lamento do Estado de Bem-Estar vieram a lume.

A constatação, já lá vai al-gum tempo, de que se tornouimpossível levar adiante omodelo de desenvolvimentocapitalista adoptado no pós-Segunda Guerra Mundial,trouxe à mesa de discussõestodo um rosário de novas evelhas lamúrias. Cotejando-

se o que é com o que se quer,aí vão surgindo as receitas.Para todos os gostos. Toda-via, o que ninguém quase ja-mais se pergunta é sobre senuma ordem sistémica que,de per si, se funda na desi-gualdade (ou se se quiser, naexclusão) entre as partes pac-tuantes, não chega a ser até“natural” que o seu funciona-

mento, de tempos em tem-pos, se veja atravessado porimpasses de gestão interna.Com as coisas se passandodessa maneira, o ensino pro-fissional é então apresentadocomo uma espécie de Abre-te Sésamo. “Mecanismo me-dicinal” para o desenvolvi-mento, auto-estrada para umfuturo nacional de prosperi-

dade. E melhor ainda quandose realizam reformas laborais.

De tal raciocínio, temosdois dos pressupostos desa-creditados que paradoxal-mente acreditam os discursossalvacionistas sobre o ensinoprofissional. O primeiro con-substancia-se no facto de es-tes realizarem uma inversãode ponto de partida para

apreender os impasses sisté-micos da ordem político-eco-nómica contemporânea. Osegundo resulta da com-preensão de que o ensino pro-fissional, ao fim e ao cabo - ajulgar pela forma como ele temsido realçado -, teria poten-cialidades que o nivelariamhierarquicamente ao patamarda esfera de decisão política.

Sabendo-se que um dosatributos da força dos argu-mentos é superar a pretensaforça de supostas argumen-tações que não se delineiamcomo momentos-síntese deconstrução do concreto-pen-sado, quer dizer, de expres-são (re)construída no plano daabstracção daquilo queemerge na materialidade ime-diata, há que se destacar queuma das principais tarefas deum ponto de vista (auto)refle-xivamente crítico, no debatesobre o ensino profissional, épôr em evidência as motiva-ções políticas que estão ocul-tas a ele e que ditam a suaagenda cognitiva. Afinal, tan-to o conhecimento é “sua his-tória” como a História só sedeixa apreender por meio dosconceitos que a organizam.

Decerto, assim, estaremosnum caminho metodológicopertinente para nos situarmosperante o processo social,tendo em conta que este emi-te os sinais que, sob a formade “ideologia”, indicam oscontornos entre as coisas,mas que para conhecê-lo sefaz necessário produzir con-ceitos e categorias que lhetraduzam criativamente. Eis avia a ser seguida para que se-jam desconstruídas as abor-dagens que, ocultando osseus propósitos políticos, in-tervêm no debate sobre o en-sino profissional engendran-do simulações e simulacros.

TECNOLOGIASIvonado Leite

Universidade do Estado

do Rio Grande do Norte,

UERN, Brasil

COM UM ARRAZOADO PSEUDO-ERUDITO, quotidianamente “conselheiros mediáticos”,… chamam a sociedade à responsabilidade, realçando a necessidade de se chancelar

unanimidades em torno do ensino profissional como forma de se assegurar prosperidade no futuro, um futuro … que… é um tempo incerto, um tempo que, a considerar desde quando

tais apelos vêm sendo feitos, nunca chega.

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Cultura escolar e cidade educadora

Ficha Técnica

Director e Coordenador editorial José Paulo Serralheiro | EditorJoão Rita | Editor Gráfico Adriano Rangel | Redacção Andreia Loboe Ricardo Costa | Secretariado Lúcia Manadelo | Paginação--Digitalização Ricardo Eirado e Susana Lima | Fotografia JoãoRangel (Editor) | Ana Alvim | Joana Neves.

Rubricas e colaboradores

À LUPA — Ana Maria Braga da Cruz, Jurista, Porto. António Bro-tas, Instituto Superior Técnico, IST, Lisboa. Manuela Coelho, Esco-la Especializada de Ensino Artístico Soares dos Reis, Porto. Pa-tronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Universidade Federal de SãoCarlos, Brasil | AFINAL onde está a escola? — Coordenação:Regina Leite Garcia, Colaboração: Grupalfa—pesquisa em alfa-betização das classes populares, Universidade Federal Flumi-nense, Rio de Janeiro, Brasil. | ANDARILHO — Discos: AndreiaLobo, Em Português: Leonel Cosme, investigador, Porto. Livros:Ricardo Costa. O Espírito e a Letra: Serafim Ferreira, escritor ecritico literário. Cinema: Paulo Teixeira de Sousa, Escola Espe-cializada de Ensino Artístico Soares dos Reis, Porto. | APONTA-MENTOS José Ferreira Alves, Universidade do Minho. | CIDADEeducadora — Isabel Baptista, Universidade Católica Portuguesa,Porto e Adalberto Dias de Carvalho, Universidade do Porto | CUL-TURA e pedagogia — Coordenação: Marisa Vorraber Costa, Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luteranado Brasil | DA CIÊNCIA e da vida — Claudina Rodrigues-Pousa-da, Instituto de Tecnologia Química e Biologica da UniversidadeNova de Lisboa. Francisco Silva, Portugal Telecom. Rui Namora-do Rosa, Universidade de Évora. | DA CRIANÇA — Raúl Iturra,ISCTE Universidade de Lisboa. | DISCURSO Directo — ArianaCosme e Rui Trindade, Universidade do Porto. | DO PRIMÁRIO —José Pacheco, Escola da Ponte, Vila das Aves. | DO SUPERIOR —Adalberto Dias de Carvalho, Universidade do Porto. Alberto Ama-ral, Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior, Uni-versidade do Porto. Ana Maria Seixas, Universidade de Coimbra. António Teodoro, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnolo-gias, Lisboa. Bártolo Paiva Campos, Universidade do Porto. | E AGORA professor? — José Maria dos Santos Trindade, PedroSilva e Ricardo Vieira, Escola Superior de Educação de Leiria. RuiSantiago, Universidade de Aveiro. Susana Faria, Escola Superiorde Educação de Leiria. | EDUCAÇÃO desportiva — Gustavo Pirese Manuel Sérgio, Universidade Técnica de Lisboa. André Escór-cio, Funchal. | EDUCAÇÃO e Cidadania — Américo Nunes Peres,Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Chaves. MiguelÁngel Santos Guerra, Universidade de Málaga, Espanha. OtíliaMonteiro Fernandes, Universidade de Trás-os Montes e AltoDouro, Chaves. Xesús R. Jares, Universidade da Corunha, Galiza.Xurjo Torres Santomé, Universidade da Corunha, Galiza. | ÉTICAe Profissão Docente — Adalberto Dias de Carvalho, Universidadedo Porto. Isabel Baptista, Universidade Católica Portuguesa, Porto.José António Caride Gomez, Universidade de Santiago de Com-postela, Galiza. | FORA da escola também se aprende — Coor-denação: Nilda Alves, Universidade do Estado do Rio de JaneiroUERJ, Brasil. Colaboração: Grupo de pesquisa Redes de Conheci-mento em Educação e Comunicação: questão de cidadania | FOR-MAÇÃO e Desempenho — Carlos Cardoso, Escola Superior deEducação de Lisboa. | FORMAÇÃO e Trabalho — Manuel Matos,Universidade do Porto. | IMPASSES e desafíos — João Barroso,Universidade de Lisboa. Pablo Gentili, Universidade do Estado doRio de Janeiro, Brasil. João Teixeira Lopes, Universidade do Porto.José Alberto Correia, Universidade do Porto. Agostinho Santos Silva,Eng. Mecânico CTT. | LUGARES da Educação — Almerindo JanelaAfonso, Licínio C. Lima, Manuel António Ferreira da Silva e MariaEmília Vilarinho, Universidade do Minho. | O GOSTO das imagens— Coordenação, Ana Alvim, Porto. | OBSERVATÓRIO de políti-cas educativas — Ana Benavente, deputada Partido Socialista.João Teixeira Lopes, deputado Bloco de Esquerda. Luisa Mesquita,deputada PCP | OFNI´s — José Catarino Soares, Instituto Politéc-nico de Setúbal. | OLHARES — Fernando Bessa, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real. José Miguel Lopes,Universidade do Leste de Minas Gerais, Brasil. Maria AntóniaLopes, Universidade Mondlane, Moçambique. | POSTAL de — Inês Oliveira, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. | QUOTIDIANOS —Carlos Mota e Gabriela Cruz, Universidade deTrás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real. | RECONFIGURAÇÕES —Coordenação: Stephen R. Stoer e António Magalhães, Universi-dade do Porto. Colaboram: Fátima Antunes, Instituto de Educaçãoe Psicologia da Universidade do Minho.Fernanda Rodrigues, Instituto de Solidariedade e Segurança Social e CIIE da FPCE Universidade do Porto. Roger Dale, e Susan Robertson, Univer-sidade de Bristol, UK. Xavier Bonal, Universidade Autónoma deBarcelona. | SOCIEDADE e território — Jacinto Rodrigues, Uni-versidade do Porto. | TECNOLOGIAS — Celso Oliveira, Escola JoséMacedo Fragateiro, Ovar. Ivonaldo Neres Leite, Universidade doEstado do Rio Grande do Norte, Brasil. Fátima Antunes, Univer-sidade do Minho. Luisa Carvalho e Boguslawa Sardinha, EscolaSuperior de Ciências Empresariais de Setúbal. | TERRITÓRIOS &labirintos — António Mendes Lopes, Instituto Politécnico deSetúbal. | Textos bissextos — Coordenação: Luís Souta, InstitutoPolitécnico de Setúbal. Colaboram: Ana Laura Valadares Metelo,Escola Superior de Educação de Lisboa, Darlinda Moreira, Uni-versidade Aberta, Elisa Costa, historiadora, Paulo Raposo, Insti-tuto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa-ISCTE, Lisboa,Telmo Caria, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real.

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Onde fica a autoridade, a identidade, da organização escola quando a sociedade reclama condições para uma aprendizagem contínua, protagonizada por todas as pessoas, em todas as

circunstâncias da sua vida? Qual é a diferença, o sentido, o valor do modo escolar de aprender?

Prisioneira de uma imen-sa teia burocrática tecidapelos laços que tradicio-nalmente a tutelam e as-fixiam, mandatada para odesempenho de funçõesterrivelmente ambiciosase desenhadas longe darealidade que diariamen-te a interpela e interrom-pe, continuamente sub-jugada pelo peso de ex-pectativas sociais confu-sas e contraditórias, aescola é agora chamadaa reinventar-se na inte-racção dinâmica comuma sociedade que sepretende, toda ela, edu-cativa e educadora. Co-mo quer, como pode, co-mo deve a escola res-ponder a este repto?

A questão não é fá-cil, ainda que estimu-lante. Sobretudo quan-do colocada do lado de

dentro de uma institui-ção que vem sendo,persistemente, postaem causa, chamada ademocratizar e a demo-cratizar-se, a incluir e aincluir-se. Onde fica aautoridade, a identida-de, da organização es-cola quando a socieda-de reclama condiçõespara uma aprendiza-gem contínua, protago-nizada por todas aspessoas, em todas ascircunstâncias da suavida? Qual é a diferen-ça, o sentido, o valor do

muitos encontros e demuitos começos. Lugarpara aprender a sentir omundo num despertarde fomes novas que ne-nhum visível sacia. Lu-gar onde nos preocupa-mos, e ocupamos, comos outros. É com este lu-gar de aprendizagem,de humanismo e de cul-tura, que nos identifica-mos e a partir do qualfaz sentido estabelecerplataformas de confian-ça e de compromissocom outros actores.

Não pode afirmar-se

O TEMPO DA ESCOLA é o tempo para

caminhar, de palavraem palavra, de frase

em frase, de problemaem problema, nummundo de relação e de lições dadas,

frente a frente.

muito remar contra amaré de vontadesadormecidas e acomo-dadas. Porque tambémas há. Dentro, como fo-ra das escolas. A dinâ-mica de mudança mo-tivada pelo movimentodas cidades educado-ras não está, natural-mente, isenta de riscose de incomodidades.Não se muda sem alte-rar hábitos e rotinas.Uma verdade pedagó-gica que importa lem-brar a propósito, tam-bém, deste desafio.

modo escolar de apren-der? A vida da escola édisciplinada por sabe-res socialmente reco-nhecidos, ensinados emmúltiplos rituais de apren-dizagem e de esforçoque passam, necessa-riamente, pela leitura,pela escrita e pelo exer-citar paciente que sus-tenta um aprender autó-nomo durante toda a vi-da. O tempo da escolaé o tempo para cami-nhar, de palavra em pa-lavra, de frase em frase,de problema em proble-ma, num mundo de re-lação e de lições dadas,frente a frente. Tempopara aprender a escutare a ser escutado, paraaprender a ajudar e a serajudado. A escola é vi-da com tempo parapensar a vida, lugar de

como educadora umacidade que menospre-za as suas escolas. Há,de facto, uma culturade aprendizagem ca-racterística do universoescolar que, como tal,pede para ser respeita-da, aprendida e valori-zada num quadro maisvasto de co-responsa-bilização social.

Por outro lado, po-rém, a defesa de umaidentidade própria nãopode explicar, por par-te da escola, a opçãopor uma lógica de fun-cionamento surda aosapelos do mundo deque é parte integrante edonde, afinal, vem o ali-mento que justifica oesforço de aprender.Como organização es-pecífica, como institui-ção de referência com

um capital de conheci-mento incontornável, aescola não pode demi-tir-se de contribuir acti-vamente para a concre-tização do pacto edu-cativo da cidade. Alémdo mais, o cumprimen-to deste dever constituiuma oportunidade pre-ciosa para sair da teia,para romper com o ci-clo asfixiante que roubatanto ânimo, obscure-cendo o brilho das me-lhores iniciativas. A es-cola é, na verdade, ha-bitada por espíritosempreendedores eatentos ao pulsar domundo. Não como ex-cepção que apenasserve para confirmar aregra, mas como palcode muita acção, demuita sensibilidade, demuita inteligência e de

CIDADE educadoraIsabel BaptistaUniversidade Católica

Portuguesa

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34a páginada educaçãojaneiro 2004

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Mediante o estado actual das coisas,afigura-se ciclópico conseguir umaconcertação entre as diversas insti-tuições influentes nesta área: família,meios de comunicação, escola, as-sociações particulares, círculo deamigos, ocupação dos tempos livrese outras. Não escrevi a família em pri-meiro lugar casualmente; é aí ondetudo deve começar, onde deve ini-ciar-se a formação orientada para osprincípios éticos, para o bom relacio-namento social, para a escolha cons-ciente dos programas televisivos ouliteratura infantil e outras opções queos pais têm que fazer na educaçãodos seus filhos. Nada adianta, porém,haver famílias que até poderão fazeras opções mais correctas, e haver ou-tras que estragam os seus educan-dos com demasiadas cedências, fal-tas de apoio, faltas de diálogo, faltade explicações para certas proibi-ções, ausências prolongadas. Estescasos reflectem-se no comporta-mento individual e acabam por se re-flectir também no comportamento dogrupo onde eles estão inseridos, mi-nando assim personalidades alicerça-das nos princípios que se tem vindo adefender. É aqui que deve desempe-nhar um papel importante a ramifica-ção da formação aos encarregados deeducação, feita por orientadores pre-parados para o efeito e sempre combase no diálogo, no debate modera-do e na experiência de cada um; umaformação orientada para uma con-certação de opiniões quanto às op-ções a adoptar na educação dos fi-lhos. Entre estas opções desempe-nha especial importância a escolhados programas de televisão. Assim,já se poderia seleccionar o lixo tele-visivo influenciando grandes comu-nidades a evitar ou mesmo boicotarcertos programas e pressionar commais força os responsáveis pelaprodução e emissão desses progra-mas noutro sentido. Porque quem

faz os programas de televisão aca-bam por ser os espectadores, e seestes não são orientados a escolherprodutos com qualidade e se prefe-rem o que racionalmente não é bom,é isso que lhes dão e acaba por serisso que todos temos que inevita-velmente suportar.

Tendo por base as vertentes já re-feridas, a formação cívica poderá edeverá efectivar-se através de váriasformas para que constitua um espa-ço privilegiado, galvanizador e poten-cializador de toda a organização e ac-ção educativas e não meras referên-cias de intervenção casuística. Alémde outras práticas, os jogos de coo-peração e a literatura infantil são duasformas de efectivação da formaçãocívica, por irem de encontro aos inte-resses dos jovens. Além disso podefazer-se uma constante ligação inter-disciplinar e transdisciplinar com ba-se na actividade lúdica e no inesgo-tável manancial educativo alimenta-do pelo imaginário, pelo fantástico epelo património literário popular.

Todas estas orientações são ideiaspara a atenuação do problema doponto de vista pedagógico. No en-tanto, para que exista uma efectiva-ção mais sólida e mais consequentedestas práticas será necessária acooperação coordenada e a colabo-ração inequívoca dos responsáveispolíticos, desde as autarquias até aosmais altos dirigentes nacionais. A cria-ção de estruturas desportivas, lúdicase culturais com o acompanhamentode monitores devidamente prepara-dos; a obrigatoriedade de um arranjourbanístico e paisagístico que in-cluam espaços verdes e de lazer; aconcessão de mais facilidades aosprogenitores para poderem acompa-nhar os seus filhos de mais tenra ida-de sem precisar de os depositar emcreches ou infantários; a desconcen-tração da população nos grandescentros urbanos, criando pólos de de-

A escola - panaceia para os males sociais (II)

A promoção e a continuidade da formação cívica é o papel que cabe àescola enquanto espaço socializante e socializador por excelência;

porém, não pode passar pela cabeça de ninguém que a escola deve estarsózinha nesse difícil confronto e muito menos quando tem que lutar

contra potentes adversários que deveriam ser indubitáveis e inseparáveisaliados nessa batalha: os meios de comunicação e as próprias famílias.

RIO acimaJosé M. A. Carvalho

Escola Básica 1 de Cubo

– Agrupamento

de Carrazedo Montenegro

senvolvimento na província; são algu-mas das medidas que poderiam con-tribuir para proporcionar aos jovens ecidadãos em geral uma melhor quali-dade de vida prevenindo possíveiscomportamentos desviantes, propor-cionando uma educação mais salutare uma formação mais íntegra. Claroque tudo isto pressupõe uma com-pleta restauração de “vícios” gover-

nativos que duram há muitos anos eque não serão facilmente debelados.A simples produção de legislação,sem a criação de condições para asua aplicação prática, pouco ou nadaresultará e continuaremos a adiar eaté a agravar um problema social queprecisa de ser encarado com o em-penhamento generalizado de toda asociedade.

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35a páginada educaçãojaneiro 2004

dossier

Pedem-me para comentar neste número de A Página da Educação o actual modelo de apoioseducativos especiais no ensino público em Portugal. Parece-me importante começar por refe-rir que o nosso país tem uma legislação adequada à realidade no terreno, que garante às crian-ças e jovens o direito de frequentar a escola regular em igualdade de circunstância com as res-tantes crianças. Porém, de acordo com alguma informação que me tem chegado, o senhor mi-nistro da educação anunciou estar em curso a preparação de uma nova legislação que o pró-prio considera “polémica”.

Apesar das várias tentativas que os sindicatos da Fenprof fizeram no sentido de saber mais por-menores acerca desta legislação, até hoje, enquanto professora e dirigente sindical, não soube demais nada em concreto. Porém, a avaliar pela Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) que estátambém a ser ultimada pelo actual governo – onde não são respeitadas as orientações emanadasda Declaração de Salamanca, que refere nomeadamente a necessidade de construção de uma es-cola inclusiva que integre todos os alunos com NEE, sejam elas de carácter social ou físico – , re-ceio que a política de integração que até hoje caracterizava os apoios educativos e o ensino espe-cial possa vir a ser alvo de uma política de retrocesso.

Mas não é necessário socorrermo-nos da Lei de Bases para se ter consciência desta orien-tação. Bastará olhar para a actual política de destacamentos dos professores de apoio especial,para a falta de equipas multi-disciplinares que garantam o apoio a estes professores nas esco-las ou para a falta de professores especializados nas deficiências auditivas e visuais nas esco-las da Grande Lisboa, para se perceber que ao longo dos últimos anos não foram criadas con-dições que satisfaçam os técnicos, as escolas e os pais – que, cansados destas indefinições,acabam por matricular os filhos em instituições particulares.

Penso que o governo deveria ter a coragem política de assumir que não quer as criançase jovens com NEE juntamente com as outras crianças nas escolas. O próprio ministro já veiodizer que os deficientes devem estar em instituições particulares e o discurso da secretáriade estado vai no mesmo sentido, mas isso não é assumido claramente. O governo está a em-patar esta questão, a desgastar-nos aos poucos e, no fundo, a criar as condições para queas crianças e jovens com NEE passem a ser encaminhados para instituições de apoio parti-culares.

Todo este processo faz-me lembrar um filme de Ingmar Bergman, O Ovo da Serpente, quefunciona como uma boa metáfora de tudo aquilo que acabei de descrever: antes mesmo da ser-pente nascer já sabemos o mal que ela carrega dentro de si.

Maria Jorge

Professora de Educação Especial - 1º Ciclo do Ensino Básico

(Depoimento retirado a partir de entrevista)

Enquanto responsável técnica numa instituição particular desolidariedade social, julgo que um dos principais direitos queassiste às crianças e jovens com Necessidades Educativas Es-peciais (NEE) é o de poderem frequentar a escola da sua áreade residência. Para que isso aconteça é necessário que bene-ficiem dos vários apoios que ajudam a diminuir as barreiras fí-sicas e emocionais que constrangem esse acesso.

Acredito, por isso, que o apoio do Ministério da Educação e dasinstituições de reabilitação de retaguarda, que fazem um trabalhoparalelo à escola, se revela indispensável para integrar as criançascom deficiência motora no ensino regular. Nesse sentido, a LigaPortuguesa de Deficientes Motores desenvolve, através do seu pro-grama sócio-educativo – pelo qual sou responsável –, vários pro-jectos de inclusão escolar, com diversas modalidades de trabalho,que variam de acordo com as necessidades de cada utente.

Apesar de considerar que a actual legislação salvaguarda odireito das crianças com NEE à permanência no ensino regu-lar – nesse aspecto a legislação portuguesa é perfeitamenteequiparável em relação ao contexto europeu –, julgo que háainda muita coisa para mudar, nomeadamente a supressão dasbarreiras arquitectónicas na maioria das escolas, a melhoria daformação dos professores e a aposta na disponibilização detecnologia que permita criar melhores condições de integraçãoaos alunos com NEE.

Será importante referir, neste contexto, que existe um bomtrabalho realizado nas escolas portuguesas, mas ele ainda nãoé suficiente para dar resposta a todos. O Ministério da Educa-ção tem feito algum esforço nesse sentido, mas é preciso re-conhecer que se torna difícil de gerir financeiramente uma ta-refa tão pesada como esta. No entanto, mais importante doque o esforço financeiro é a mudança de atitude face à defi-ciência, que poderia abrir muitas outras portas.

Isabel Amado

Coordenadora do Programa Sócio-Educativo da Liga Portuguesa de

Deficientes Motores - Centro de Recursos Sociais

(Depoimento retirado a partir de entrevista)

Lei do ensino especial está a causar polémica

O governo está a preparar uma nova lei para o ensino especial que poderá deixar milhares de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE)sem apoio educativo no ensino público. Através da introdução do conceito de NEE de carácter prolongado na nova legislação, as escolas poderão passar a encaminhar para escolas de ensino especial os alunos com deficiência profunda – calculados em mais de metade do universo dos alunos

com NEE –, deixando sem funções uma boa parte dos professores de apoio educativo. No dossier deste mês abordamos este tema através da análisede alguns aspectos da nova legislação e de depoimentos de docentes da área em análise, leitura que ficará mais completa através da entrevista aLuísa Panaças, professora da Escola Superior de Educação de Portalegre, especialista na área da Escola Inclusiva (a ler nas páginas 11, 12 e 13).

O ovo da serpente É preciso mudar a atitudeface à deficiência

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dossier

Na sua qualidade de educa-dora e de dirigente sindicalqual é a análise que faz doactual modelo dos apoioseducativos para crianças ejovens com NecessidadesEducativas Especiais (NEE)?A minha perspectiva não cor-responderá, com toda a cer-teza, àquilo que o governoafirma nesta matéria, já queeste garante que as criançascom NEE estão a ser todasapoiadas e que a maior partedelas até nem deveria estarabrangida nos esquemas deapoio prestados actualmentepelos professores de educa-ção especial. O que é facto,porém, é que desde o iníciodeste ano lectivo existemcrianças sem apoio e muitasdelas não são inclusivamen-te sinalizadas – e aqui repor-to-me em particular às crian-ças que frequentam o ensinopré-primário.

Para completar este retra-to, refira-se a falta de estabi-lidade profissional a que es-tão sujeitos os professoresde apoio. Há mais de trintaanos que estes vivem numasituação de destacamentoanual e de uma completa in-definição no âmbito do Esta-tuto da Carreira Docente. Es-te ano lectivo houve, pela pri-meira vez, vagas para profes-sores de apoio especial nodistrito de Lisboa que não fo-ram preenchidas, o que re-flecte o mau estar que se temvindo a instalar na educaçãoespecial, nomeadamente pe-

la ausência de condições detrabalho nas escolas.

Partindo das entrevistasque realizei para este tra-balho, fiquei com a impres-são de que a legislação éadequada à realidade noterreno mas acaba por nãose aplicar na íntegra. Con-firma esta ideia?Sim, concordo com essaideia. E num recente debatesobre a Lei de Bases do Sis-tema Educativo, realizado emSantarém, ouvi inclusiva-mente o deputado FernandoCharrua, do Partido SocialDemocrata, dizer que no pró-ximo ano haverá ainda maio-res cortes na colocação deprofessores de educação es-pecial. Quem trabalha nestaárea nunca julgou que a si-tuação pudesse chegar a es-te estado. Trata-se de uma si-tuação muito grave, e julgoque nem os pais nem os pro-fessores do ensino regular seestão a aperceber muito bemda sua amplitude.

Em poucas palavras, o go-verno está a chegar à con-clusão de que não são ne-cessários professores deeducação especial, mas ape-nas terapeutas ocupacio-nais, terapeutas da fala, in-térpretes de linguagem ges-tual, entre outros. É evidenteque estes técnicos são im-prescindíveis para este tipode trabalho – nomeadamen-te para integrar equipas mul-tidisciplinares que estão pro-

metidas há muitos anos masnunca passaram do papel –,mas não pode pretender-serealizá-lo sem os professoresde apoio especial.

Acha que se pode falar numaregressão na área dos apoioseducativos especiais?Completamente. A escolainclusiva, pela qual vimos alutar há tantos anos, está aficar em perigo. Onde está orespeito pelos princípiosenunciados nas declara-ções de Salamanca e pelosdireitos inscritos na Consti-tuição da República Portu-guesa relativamente aos ci-dadãos portadores de defi-ciência? Desde há dois anosque se anuncia este cami-nho, mas ele parece estardefinitivamente consagradocom este governo.

Exemplo disso mesmosão os conselhos municipaisde educação, onde não há lu-gar para o professor de edu-cação especial. Se os apoiospara as escolas do ensino re-gular advêm das decisõestomadas neste órgão de po-der, não havendo quem pos-sa defender os interesses dosapoios educativos especiaispoderá significar a retiradadas crianças e jovens comNEE do ensino regular.

Onde pensa que poderá le-var esta política do Ministé-rio da Educação?Esta política irá, na minha opi-nião, levar à segregação das

crianças e jovens com NEE,através da criação de turmasespeciais, e, no caso das de-ficiências mais graves, do seuencaminhamento para insti-tuições especializadas. Oque parece igualmente graveé o facto dos professores dosrestantes sectores de ensinonão se estarem a aperceberque este problema tambémlhes toca a eles.

Está a pretender dizer queos professores ignoram, nasua maioria, os contornospolíticos e sociais destasmedidas?Sim. Acho que os professoresdo ensino regular não se aper-cebem que a presença des-tas crianças é uma mais valiapara os seus colegas e paraeles próprios, nomeadamen-te pela oportunidade diária deconviverem com a diferença epor ajudarem a realizar umtrabalho que faz destas crian-ças e jovens pessoas de ple-no direito. Mas para isso é in-dispensável que tenhamacesso aos apoios técnicos aque têm direito, designada-mente a equipas multi-disci-plinares, que continuam a nãoexistir por falta de vontadepolítica do ME.

A nova legislação relativaaos apoios educativos es-peciais já está definitiva-mente aprovada?Sei, por vias indirectas, queaté ao final do mês de De-zembro iria proceder-se à ac-

tual revogação da legislaçãoem vigor - orientada pelo De-creto-Lei 319/91 - propostaque o ME enviou para a Fen-prof, sobre a qual enviamosum parecer em Fevereiro de2003 e não obtivemos res-posta. Assim, tudo indica quea nova legislação irá ser pro-mulgada nos cinco dias de in-terrupção lectiva das fériasde Natal.

Que aspectos demarcamesta legislação em relaçãoà anterior que podem vir amudar a face dos apoioseducativos especiais?Parece-me que o principal al-cance desta nova legislaçãopassa por retirar as criançase jovens com NEE do ensinoregular. Ao passo que na an-terior se fomentava a conti-nuidade dos professores deeducação especial e se valo-rizava a sua actividade, nes-ta é-lhes retirado o seu papel.O que me preocupa mais éque isto significa uma regres-são de quase trinta anos noque se refere à filosofia de en-sino inclusivo. Estamos a ca-minhar para trás, e esta sen-sação de impotência começaa esmorecer a vontade dosprofessores por vermos queos frutos do nosso empenhose estão a perder. O governotem de chegar à conclusãode que esta sociedade só po-de ser realmente democráti-ca com a integração plenadestes jovens na escolas doensino regular.

Entrevista conduzida por

Ricardo Jorge Costa

Neste dossier dedicado ao ensino especial não podíamos deixar de entrevistar quem, pelo seu trabalho no terreno, pode dar uma visão geral sobre os problemas e as expectativas com que se confrontam os professores de apoio educativo nas escolas.

Beatriz Martinho, educadora de infância especializada há 21 anos, dirigente sindical do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa e conselheira nacional da Federação Nacional de Professores, refere que a escola inclusiva está em perigo e que Portugal corre

o risco de retroceder na área dos apoios educativos para crianças com Necessidades Educativas Especiais.

"A escola inclusiva está em perigo"

© isto é

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dossier

Enquadramento Legal:

Actual legislação: Lei de Bases do Sistema Educativo; Consti-tuição da República e Decreto-Lei 319/91, 23 Agosto.

Proposta do ME: Decreto-Lei 115/98, 4 de Maio - artº 38º eDecreto-Lei 6/01 e 7/01, artºs 10º e 8º

Âmbito de aplicação:

Actual legislação: Alunos com Necessidades Educativas Es-peciais que frequentam os estabelecimentos de ensino básicoe secundário públicos, educação pré-escolar e ensino básicomediatizado.

Proposta do ME: Alunos com Necessidades Educativas Es-peciais de carácter prolongado do ensino pré-escolar, básicoe secundário, regulamentando os artigos 10º e 8º dos DL 6 e7/01, de 17 Janeiro

Conceitos:

Actual legislação: O conceito de NEE baseia-se em critériospedagógicos, substituindo a classificação diferenciada em ca-tegorias, baseada em decisões do foro clínico

Proposta do ME: NEE de carácter prolongado são os queexperienciam graves dificuldades no processo de aprendiza-gem e participação no contexto escolar decorrentes da inte-racção entre factores ambientais (físicos, sociais e atitudinais)e limitações acentuadas ao nível do seu funcionamento em umou mais dos seguintes domínios: sensorial (audição, visão e ou-tros); motor; cognitivo; fala, linguagem e comunicação; emo-cional/personalidade; saúde

Medidas educativas:

Actual legislação: "Regime Educativo Especial"- Equipamentos especiais de compensação- Adaptações materiais- Adaptações curriculares- Condições especiais de matrícula- Condições especiais de frequência- Condições especiais de avaliação- Adequação na organização de classes ou turmas- Apoio pedagógico acrescido- Ensino especialProposta do ME: "Medidas Especiais de Educação"- Alterações curriculares específicas- Condições especiais de avaliação- Apoio especializado ao aluno

Encaminhamento:

Actual legislação: "Para uma instituição de educação especial"- Se a aplicação das medidas se revele comprovadamente

insuficiente em função do tipo e grau de deficiência.- Os Serviços de Psicologia e Orientação em colaboração

com os serviços de saúde escolar fazem a proposta, que é de-cidida pelo Órgão de Gestão

Proposta do ME: "Para uma escola de ensino especial"- Sempre que a aplicação das medidas se revelem com-

provadamente insuficientes em função da avaliação feita aoaluno pela equipa responsável pelo processo de elegibilidade.

- A proposta e decisão é feita por esta equipa, devendo es-tar presente nesta reunião o psicólogo ou director pedagógicoda instituição.

Certificação:

Actual legislação: Para efeitos de formação profissional e em-prego, o aluno cujo programa educativo se traduza num cur-rículo alternativo obtém, no termo da sua escolaridade, um cer-tificado que especifique as competências alcançadas.

Proposta do ME: Ao aluno com NEE de carácter prolonga-do é atribuído um diploma do ensino básico, após o cumpri-mento da escolaridade obrigatória de acordo com o definidono seu Programa Educativo Individual. No diploma serão ane-xadas obrigatoriamente as alterações escolares específicasque foram aplicadas ao longo da sua escolaridade.

“(…) Nós, delegados à Conferência Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais, re-presentando noventa e dois países e vinte cinco organizações internacionais, reunidos aqui emSalamanca, Espanha, de 7 a 10 de Julho de 1994, reafirmamos, por este meio, o nosso com-promisso em prol da Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de ga-rantir a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais noquadro do sistema regular de educação (…).

Acreditamos e proclamamos que:

(…)- cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem

que lhe são próprias,- os sistemas de educação devem ser planeados e os programas educativos implementados

tendo em vista a vasta diversidade destas características e necessidades,- as crianças e os jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às es-

colas regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, ca-paz de ir ao encontro destas necessidades,

- as escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem os meios capazes pa-ra combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construin-do uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos (…).

Apelamos a todos os governos e incitamo-los a:

- conceder a maior prioridade, através das medidas de política e através das medidas orça-mentais, ao desenvolvimento dos respectivos sistemas educativos, de modo a que possam in-cluir todas as crianças, independentemente das diferenças ou dificuldades individuais,

- adoptar como matéria de lei ou como política o princípio da educação inclusiva, admitindotodas as crianças nas escolas regulares, a não ser que haja razões que obriguem a proceder deoutro modo,

- desenvolver projectos demonstrativos e encorajar o intercâmbio com países que têm ex-periência de escolas inclusivas

- estabelecer mecanismos de planeamento, supervisão e avaliação educacional para criançase adultos com necessidades educativas especiais, de modo descentralizado e participativo,

- encorajar e facilitar a participação dos pais, comunidades e organizações de pessoas comdeficiência no planeamento e na tomada de decisões sobre os serviços na área das necessida-des educativas especiais,

- investir um maior esforço na identificação e nas estratégias de intervenção precoce, assimcomo nos aspectos vocacionais da educação inclusiva,

- garantir que, no contexto duma mudança sistémica, os programas de formação de profes-sores, tanto a nível inicial como em serviço, incluam as respostas às necessidades educativasespeciais nas escolas inclusivas.

(…)

Aprovado por aclamação, na cidade de Salamanca, Espanha, neste dia, 10 de Junho de 1994

Sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais

Declaração de SalamancaBreve síntese das

mudanças anunciadas

© isto é

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A Página numa conversa com professores de Cabo Verde

e São Tomé e Príncipe

38a páginada educaçãojaneiro 2004

face a faceEstiveram presentes no VI Congresso do Sindicato dos Professores do Norte, realizado em Novembro do ano passado na Póvoa do Varzim,

como representantes das delegações de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Aproveitando a sua passagem por Portugal, A PÁGINA entrevistou Nicolau Furtado e José Barros, do Sindicato Democrático dos Professores de Cabo Verde, e Bartolomeu Espírito Santo

e Angélica Loureiro, do Sindicato dos Professores e Educadores de São Tomé e Príncipe, procurando retractar o sistema educativo e a actividade sindical nestes dois países africanos de língua oficial portuguesa

Cabo Verde: Apostar na qualidade do ensino

De uma forma sucinta, como ca-racterizaria o sistema educativo emCabo Verde e quais os principaisproblemas com que se confronta?Nicolau Furtado (N.F.): O sistema edu-cativo em Cabo Verde é uma herançado regime colonial português e julgoque, actualmente, já não se coadunacom a realidade do país. Uma das prin-cipais marcas dessa herança, que ain-da hoje se mantém em prática, é a tran-sição automática de ano lectivo, factoque, indirectamente, está a prejudicaras gerações vindouras. Para discutirestas e outras reformas necessárias, onosso sindicato já pediu uma audiên-cia ao ministro da Educação cabo-ver-diano no sentido de se proceder à re-forma do sistema educativo e adequá-

lo às necessidades que se impõem.Em relação ao parque escolar, e em-

bora haja algumas escolas que neces-sitem de melhoramentos, pode consi-derar-se satisfatório, principalmentenos centros urbanos, onde os profes-sores são também mais qualificados.No interior das ilhas a oferta não tem amesma qualidade, e devido à necessi-dade de suprir a falta de professoresmuitos deles exercem a profissão semhabilitações para a docência.

Como é organizada a formação deprofessores em Cabo Verde? Osprofessores recebem formação nopróprio país?Jorge Barros (J.B.): Actualmente, so-mente cerca de 60% dos professorescabo-verdianos são formados a nível in-terno, em todos os níveis de ensino. Osrestantes recebem formação em países

terceiros, nomeadamente em Portugal,Brasil e Estados Unidos, mas o país es-tá a criar condições para que a forma-ção se passe a realizar exclusivamenteem território nacional, com a qualidadeque merecem. Nesse sentido, o SINDEPacordou com o ME cabo-verdiano quetodos os professores sejam habilitadospara a docência nestes moldes até 2010.

O governo cabo-verdiano traçou al-guma meta para o desenvolvimentoe melhoria do sistema educativo noarquipélago a médio ou longo prazo?N.F.: Nenhum país consegue desen-volver-se com base apenas em qua-dros de nível superior; é necessárioque existam técnicos de nível inter-médio e apostar na formação profis-sional. Dado que a massificação doensino não está a produzir os resulta-dos desejáveis para o país, nos últi-

mos anos o governo mudou de estra-tégia e optou por apostar na qualida-de do ensino e na formação profis-sional como áreas prioritárias.

Segundo tenho conhecimento, afalta de manuais escolares e de li-vros didácticos é outro dos princi-pais problemas em Cabo Verde?N.F.: Sim, esse é outro dos problemascom que nos confrontamos. Temos al-gumas bibliotecas equipadas, massão insuficientes para dar resposta àssolicitações. Para tentar suprir algu-ma dessa carência, já contactamoscom os colegas do Sindicato dos Pro-fessores do Norte no sentido de nosapoiarem através do envio de mate-rial para conseguirmos dar resposta àprocura dos nossos associados, so-bretudo no que diz respeito ao ensi-no secundário e superior.

© isto éNicolau Furtado Bartolomeu Espírito Santo

Jorge Barros Angelina Loureiro

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39a páginada educaçãojaneiro 2004

face a face

Qual é a média de alunos por pro-fessor em Cabo Verde?J.B.: Esse número varia conforme asilhas e os concelhos a que nos referi-mos. De uma forma geral, no entan-to, pode dizer-se que a média de alu-nos por professor se situa entre os 20/30 no ensino básico e os 38/ 40 no en-sino secundário.

E quanto à taxa de escolarização?J.B.: Cabo Verde tem actualmente umataxa de escolarização no ensino bási-co próxima dos 90%. Apesar de a ten-dência apontar para a diminuição donúmero de alunos – fruto da política decontrolo de natalidade que o governotem levado a cabo –, a migração inter-na do interior para as cidades faz comesse número esteja gradualmente a au-mentar nos principais centros urbanos.

Cabo Verde foi um dos países quese comprometeu a generalizar oensino básico até 2015, de acordocom os objectivos do milénio esta-belecidos em Dakar, capital do Se-negal, sob os auspícios da NaçõesUnidas, em 2000. Julga que esseobjectivo será cumprido?N.F.: Cabo Verde é um país que estápermanentemente condicionado a ní-vel financeiro para desenvolver qual-quer tipo de projecto, nomeadamentea nível educativo. Por essa razão, o go-verno estabeleceu acordos de coope-ração com países terceiros e organiza-ções internacionais e em negociação

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa

© isto é

com o Fundo Monetário Internacionale com a União Europeia no sentido deinvestir na formação de professores eprocurar atingir a universalização doensino básico em 2015.

Existem instituições universitáriasno país?J.B.: Apesar de a oferta a nível de ensi-no superior ainda não cobrir todas as ne-cessidades – escassez que se deve so-bretudo à inexistência de um corpo do-cente qualificado –, Cabo Verde oferececursos universitários em educação, eco-nomia, gestão empresarial, engenhariae, desde há três anos, foi firmado umacordo de cooperação com o InstitutoPiaget para complementar a oferta deformação na área da Educação.

Em que contexto surge o SindicatoDemocrático dos Professores deCabo Verde (SINDEP), que repre-sentam neste congresso? J.B.: O SINDEP foi originalmente fun-dado em 1993, mas nessa altura nãohouve condições para o sindicatoavançar para a consolidação. Em

mense têm com certeza impedidoo desenvolvimento de um sistemaeducativo estável. Qual é a situaçãoactual? Bartolomeu Espírito Santo (BES): Sim,de facto em São Tomé e Príncipe te-mo-nos confrontado recentementecom problemas sociais e políticos quenada beneficiam o sector educativodo país, a que se juntam os proble-mas herdados do passado, nomea-damente em termos de infra-estrutu-ras. As salas de aula do ensino bási-co, por exemplo, acolhem em média40 alunos e no ensino secundário es-se número eleva-se a 80. É uma si-tuação claramente anti-pedagógica econsideramos que o governo tem to-tal responsabilidade nesta matéria.

Este ano, por exemplo, milhares decrianças e jovens perderam o ano porcausa da instabilidade política vivida nosúltimos tempos e dificilmente poderãorecuperá-la depois de ultrapassada aidade de frequência da escolaridadeobrigatória – actualmente de oito anos.

Além disso, o governo decidiu en-cher as salas de aula como forma de

2000 um novo grupo de professoresrelança o projecto, fazendo trabalhode terreno em todas as ilhas e levan-do ao governo propostas concretas,das quais resultaram, nomeadamen-te, o novo estatuto profissional dosprofessores cabo-verdianos.

De entre as conquistas por nós ob-tidas podemos destacar o direito a as-sistência médica – somos o primeirogrupo profissional da administraçãopública do país a consegui-lo –, o au-mento do período de férias de 22 para32 dias úteis, estando actualmente emdiscussão as condições de aposenta-ção e uma nova grelha salarial para oensino secundário, já que os profes-sores do ensino básico beneficiaramrecentemente de um ajuste salarial.

A nossa principal dificuldade en-quanto organização reside no facto dedependermos exclusivamente do re-gime de voluntariado dos associadospara todas as tarefas. Além disso, te-mos ainda de contar com a dispersãogeográfica das ilhas e a falta de aces-sos, que nos dificulta o trabalho desensibilização junto dos professores.Dessa forma, a taxa de sindicalizaçãonão ultrapassa ainda os 45% do totalde 6775 professores do arquipélago.

São Tomé e Príncipe:Generalizar o ensino básicoaté 2015

Os conflitos sociais e políticos quetêm abalado a sociedade são-to-

generalizar o acesso ao ensino básico,mas os professores não sabem o quehão-de fazer com tantos alunos e es-tes não sabem o que andam a fazer naescola. Desta forma, os alunos quetransitam de ano não saem preparadose aos que ficam no sistema não lhes éoferecida qualidade de formação.

A falta de preparação dos alunos éhabitualmente imputada aos pro-fessores. É essa também a posiçãodo governo são-tomense?B.E.S.: De facto, o professor é habi-tualmente o bode expiatório dos ma-les que afectam o sistema educativo,mas não considero que seja essa raizdo problema, antes a falta de uma po-lítica objectiva e coerente para o en-sino por parte do governo, que con-duz a altas taxas de insucesso e deabandono escolar.

Quais são os principais problemasenfrentados pelos professores nopaís?Angélica Loureiro (AL): O principalproblema reside, na minha opinião, nafalta de manuais escolares. O ensinoem São Tomé e Príncipe está, na prá-tica, ligado ao sistema de ensino por-tuguês e os manuais reflectem essasituação de dependência. Apenas adisciplina de História tem manuaispróprios; as restantes disciplinas es-tão orientadas de acordo com os cur-rículos portugueses. O governo temgarantido que está a efectuar diligên-

através de um plano de alfabetizaçãoque começou a ser posto em práticano ano passado. Em termos de coo-peração internacional Portugal é hojeo nosso principal parceiro, mas o paísconta igualmente com o apoio daUnesco e da Unicef. Temos cons-ciência de que as metas traçadas emDakar, nomeadamente a generaliza-ção de um ensino básico de qualida-de, são um grande desafio, mas te-mos de ir avançando aos poucos e àmedida das nossas possibilidades.

Qual é a situação em termos de en-sino superior?A.L.: Em São Tomé e Príncipe existeum centro politécnico vocacionadopara a formação profissional e uminstituto superior politécnico, orien-tado para uma formação especiali-zada, que, no entanto, não atribui ograu de licenciatura, sendo necessá-rio obtê-la em países estrangeirosatravés de acordos de cooperação.Mas um dos principais projectos dogoverno na área da educação passaprecisamente pela instalação de ins-tituições de ensino superior universi-tário no país.

Há quanto tempo existem sindica-tos democráticos em São Tomé ePríncipe?B.E.S.: Há cerca de quatro anos.

Quais são as principais dificulda-des com que se depara o Sindicato

cias no sentido de resolver esta ques-tão, mas o facto é que ainda não che-garam novos manuais às escolas.

Qual é a actual taxa de escolariza-ção em São Tomé e Príncipe?B.E.S.: À volta de 90% no ensino bá-sico.

O governo tem alguma perspectivade alargar a taxa de frequência e oacesso à educação – de acordo, aliás,com os compromissos estabeleci-dos em 2000, em Dakar, no Senegal?A.L.: Sim, de facto o governo preten-de generalizar o ensino básico até2015, mas essa intenção parece es-tar expressa apenas no papel. O exe-cutivo diz que gasta uma percenta-gem significativa do Orçamento deEstado no sector educativo mas issonão corresponde à prática, ou pelomenos ainda não é visível, já que con-tinuam a existir muitas carências emtermos humanos e materiais.

Apesar disso, é de sublinhar o es-forço governamental em generalizar oacesso à educação, nomeadamente

dos Professores e Educadores deSão Tomé e Príncipe neste início deactividade?B.E.S.: Julgo que a maior dificuldadeda actividade sindical no país advémda falta de tradição organizativa, proi-bida durante a era colonial e restringi-da depois da independência pelo po-der político, que não permitia que ossindicatos fossem absolutamente li-vres. Foi precisa a queda do partidoúnico para que o sindicalismo pudes-se finalmente assumir-se livremente.Apesar disso, depois da nossa cria-ção o governo tentou dividir-nos emdiversas estruturas, o que não fazqualquer sentido num país onde exis-tem cerca de 2 mil professores.

A taxa de sindicalização ronda os100 por cento, mas é necessário mui-ta vontade e muita dedicação para le-var a cabo esta tarefa. E o apoio quetemos recebido de organizaçõescongéneres, como o Sindicato dosProfessores do Norte, que nos convi-dou para o seu VI congresso, é ex-tremamente importante para nós emtermos formativos.

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40a páginada educaçãojaneiro 2004

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O professor no processo ensino-aprendizagem se relaciona principal-mente ao desempenho escolar e, semele, não se faz escola. Os demais fa-tores que nos permitem fazer uma lei-tura do universo escolar podem nos le-var a crer que as relações de poderexistentes na escola tornam o profes-sor, ao mesmo tempo, causa e conse-qüência da realidade escolar.

Afinal, qual a função do professor naescola? Professor eficiente será aque-le especialista em transferir conheci-mentos? Será a mera transferência deconhecimento responsável pelo cresci-mento do aluno? Pensar desta manei-ra nos leva a relegar ao desprezo qua-lidades indispensáveis, requeridas naprodução do conhecimento tais como,a ação de procura do conhecimento deforma a obter uma aquisição duradou-ra, a reflexão crítica sobre o que foraapreendido, a curiosidade de buscarem fontes diferentes o conhecimento,o questionamento, a inquietação, a in-

certeza e muitas outras qualidades ine-rentes ao educando que se aventura naprocura de novos saberes.

Infelizmente, muitas de nossas es-colas ainda se baseiam em modelospositivistas de veiculação do conheci-mento. O professor se apoia em mo-delos de comparação aos métodos uti-lizados por seus professores e (re)transmite as vivências de suas expe-riências escolares. Hoje as propostasde construção de uma escola com no-vos valores, nos levam ao encontro dopensamento de Trigueiro em “Filosofiada educação brasileira”(1983) que nosdá a idéia de que “a educação é umprojeto simultaneamente político e filo-sófico, cuja compreensão não cabe ex-clusivamente no âmbito da racionali-dade científica”

Os homens não são recipientes va-zios que completamos com o sabersistematizado ministrado nas escolas.O conhecimento é adquirido com aproblematização de suas dúvidas que

se consolidam com as relações quepodem ser feitas com o mundo que ocerca. Aprender, segundo este enfo-que, se constitui em atitude de envol-vimento na aquisição, interpretação eprodução dos saberes. O estudantenão tem mais a atitude contemplativaou absorvente perante aos dados quelhe são apresentados.

As novas necessidades de forma-ção de professores deverão se situarna promessa de inserir este professorem uma concepção de que o proces-so ensino-aprendizagem deverá com-preender a aquisição e a transferênciade conhecimento em uma perspectivahistórico social. Desta maneira possi-bilitaria o surgimento de uma cons-ciência crítica que relacionasse o su-jeito ao objeto de estudo integrando-oa uma cadeia de procedimentos que le-vassem a um estudo que tivesse iníciona coleta de dados e que culminassena reflexão crítica. A pesquisa, dentrodeste enfoque, passa a ter importân-

cia capital pois envolve aluno e pro-fessor na tarefa de investigar e refletirsobre o objeto estudado, senão o pró-prio mundo. Para tanto, a pesquisa pre-cisará ser desmistificada para se tor-nar uma prática diária, acessível. Aconstrução do conhecimento deveráse dar de maneira menos rígida, des-pojada de critérios e elementos buro-cratizantes que a visão positivista noslegou, deixando de se apresentar co-mo tarefa de iluminados, escolhidos,detentores do conhecimento como se-nhores da ciência. Apresentar, ensinoe pesquisa como elementos de umaprática integrada, que envolva profes-sores e estudantes na aquisição de co-nhecimento integrado, partilhado, co-locando os envolvidos neste processona condição de apreensão destes da-dos e não reprodutores dos saberesvem se tornando, felizmente, o objeti-vo a alcançar de muitas instituições.

A Reorganização Curricular do EnsinoBásico e os Novos Programas do Se-cundário, apontam para modelos de in-tervenção didáctica, orientados para aPedagogia Intercultural, participada einteractiva, assim como para uma abor-dagem intercultural dos conteúdos.

As propostas metodológicas e osrecursos a utilizar devem ter em contaas (novas) realidades sociais: a dosnossos alunos mas também as dos jo-vens europeus em geral, pluralistas eexpressando uma diversidade cultural,linguística e até racial que não pode serignorada na sala de aula. Assim, apren-der uma língua estrangeira deixou deser um processo para conhecer umconjunto de regras morfossintácticas euma listagem de léxico com algumasvagas referências civilizacionais. O alu-no precisa de sentir que aquilo queaprende na sala de aula tem utilidadeprática. O desenvolvimento da com-petência comunicativa numa língua es-trangeira deve assentar em metodolo-gias e em recursos pedagógicos queapontam para uma educação intercul-

tural. A aula de Língua Estrangeira de-ve ser um espaço permeável à actua-lidade e é, por excelência, um terrenofértil para os alunos se exprimirem, es-tabelecerem trocas, compreenderem.

As Competências Essenciais, apre-sentadas no novo Currículo Nacionaldo Ensino Básico, no respeitante às lín-guas estrangeiras, salientam a neces-sidade de se estabelecer uma relaçãoafectiva com a língua estrangeira. Es-te aspecto é de extrema importânciaporque, pela via afectiva, o professorconseguirá provocar uma mudança deatitude relativamente à aprendizagem.

Por tudo isto, o recurso à canção naaula de Língua Estrangeira parece-nosválido e oportuno. Com efeito, a can-ção faz parte do universo de referênciados alunos. Levar um sucesso disco-gráfico para a sala de aula ou escolheruma música que corresponde às pre-ferências musicais dos discentes, fazcom que a aprendizagem se transfor-me em prazer.

Uma segunda vantagem da cançãoé que ela permite introduzir a Intercultu-

ralidade na sala de aula, estabelecendouma ligação entre a língua e a sua cul-tura, reforçando também a actualidadee a modernidade destas últimas.

O recurso à canção enquanto ins-trumento pedagógico permite ainda di-versificar as práticas comunicativas,levando os alunos a realizar determi-nadas tarefas em língua estrangeira:respostas a perguntas, tomadas de po-sição, actividades de reescrita ou decriação, entrevistas, simulações, dra-matizações…

Como introduzir então a canção nasala de aula?

Primeiro, deve-se despertar a cu-riosidade do aluno com actividades di-versas, por exemplo um “brainstor-ming” a partir do título. É a primeira fa-se, a que os franceses chamam “Miseen Route”.

Depois, a audição da canção deveser consciente, isto é, enquanto ouvea canção, ainda sem ter o texto à suafrente, o aluno deve realizar tarefas pro-postas pelo professor: identificar, nu-ma lista de palavras, aquelas que ou-

ve; reconhecer instrumentos musicais,caracterizar o ritmo…

Um terceiro momento deve corres-ponder à compreensão do texto. Aquitambém, convém diversificar as pro-postas de actividades. Qualquer apro-fundamento do tema, de um conteúdolinguístico ou gramatical, só poderáocorrer depois do texto ter sido bementendido.

Finalmente, o regresso ao universodo aluno deverá ser privilegiado, fo-mentando-se tomadas de posição, es-tabelecendo-se comparações com ca-sos pessoais ou nacionais.

Em suma, a canção constitui ummétodo eficaz para se alcançar, de umaforma inovadora e motivadora, os “ob-jectivos combinados em função dasnecessidades dos aprendentes indivi-duais no seu contexto social” .

ESPAÇO dos leitores

Ricardo Marinho dos Santos

[email protected]

Centro Universitário

Moura lacerda, Brasil

Encomendas: Cheque em nome de: Profedições . Rua D. Manuel II, 51 C - 2º andar . 4050-345 PORTO . Tel. 226002790. Fax 226070531 . [email protected]

Por que só o professor?

O aproveitamento didáctico da canção na aula de Língua Estrangeira

ESPAÇO dos leitores

Lídia Maria NevesMarques

Professora do Quadro

de Nomeação Definitiva

do 8ºB, da Escola Sec.

Dr. Manuel Laranjeira,

de Espinho

Page 41: Nº 130, Janeiro 2004

41a páginada educaçãojaneiro 2004

praça da república

Em nome de LubeContaram-me que quandoLube olhou o mundo pela pri-meira vez seus irmãos jásaíam sozinhos. Que quandonasceu, vinha dentro de umamesma bolsa junto com umgêmeo que não sobreviveu.Soube das suas alergias, eque por causa da fraquezadas suas pernas não podiadar nem dois passos e ficavaolhando um mundo que pa-recia cheio de surpresas, fo-ra desses dois passos. Fala-ram-me que não foi negro denascimento: osso e coro des-corado; que se prendeu fe-rozmente da teta da sua mãe,e, que sua mãe prendeu-seferozmente à vida dele, e as-sim foram indo... pasito a pa-so(1). É filho do melhor caça-dor que a gente viu por aqui,ficou órfão num duelo de hon-ra. Lube não parecia ser nemmacho nem fêmea, era só Lu-be. Soube que não pulava,nem brincava, nem emitiasons, nem ouvia: parecia nãopertencer a este mundo,alheio na sua própria aventu-ra de brigar com a vida dia adia, não fazia outra coisa queser um lobisomem: o maisfeio. Tampouco assistiu àsaulas socializadoras com osirmãos, nem aprendeu dascrises evolutivas normais,porque nunca as atravessou.

Será que como li em al-guns textos um só pode verquando acredita...(2), que aisso que me contaram, o de-sejo, transformou fraquezasem fortalezas: hoje, depoisde quase dois anos, eu olhoLube olhar o mundo comolhos abertos, e, ao mundoolhá-lo boquiaberto.

Seus irmãos cresceram efugiram da casa para outroslugares e gentes, ele inven-tou-se um amigo invisível aoque conta nossos contosquando nos dormimos. Nãosabe de gêmeos, nem de ir-mãos, nem de humanos: Lu-be é uma relação em si mes-mo, e é onde ele circula paradizer que alguém está ali, pre-tendendo ser nomeado paraconstituir-se. Já não espirra,mas alguma alergia estátransformando-o num carecanovo. Não tem feito muitomais que dois passos... e,acredita que pisou a lua: elesó reconhece como próprio oquintal onde marcou limitesque permitem a ele, seguirsendo , sempre em referenciaa outros; no seu quintal de umpouco mais de dois passos,Lube inventa espaços ondenos permite rir de nós mes-mos inventando seus lugaresde crescimento. Lube é negroagora, mas tem brilhos ver-melhos; segue sendo pele e

ossos, porém ele não tem complexos em seudesengonçado andar nem em sua cor indefini-da. Abandonou a teta da sua mãe, porém elanão parou de amamentá-lo dessa cálida pre-sença que têm as madrazas(3) de todas as cul-turas: seu olhar fica sempre atento à maneiraem que Lube é testemunho da sua teimosa ge-nerosidade. Para contrariar as expectativas deseu pai, só caça borboletas que sempre voamlonge. Cuida, mais que nada, dois saquinhosinchados que penduram de suas pernas e queainda não descobriu os prazeres que podemdar-lhe, os exibe, mostrando aos quatro ven-tos que ele foi ele desde o começo, pena quenós não sabíamos disso. De lobisomem virouLube com lua cheia e sem se olhar em outrosespelhos.

Dizemos que ele é o cangaceiro mais bem-humorado de uma quadrilha de “outros” no-meados, que o nomeiam, e nessa relação dia-lógica tem se dado à vida: nunca soubemos co-mo foi que, Lampião(4), seu irmão, com um sóolho, começou a seguir seus passos e a salvá-lode cobras que não pretendiam brincar de guer-ra com ele. A Pirrila, divina do clan, santa e va-gabunda, caçadora e caçada, ágil e mansa, em-penha se em trazer ao terceiro mundo descen-dência que o encha; essa descendência teimo-sa emerge desde relações que jamais podemosterminar de entrelaçar ou controlar, porque seescorrem como seu andar. Luis Melodia, temnome que o define: maldito(5), negro, ágil, abu-sado, inteligente, sonoro; Melodia iniciou a Lu-be num mundo de amigos reais, dando-lhe pos-sibilidades de fazer visível isso que estava invi-sível como um amigo no mato; Lube, granda-lhão sentado na última fila da sala de aulas fazsó garrancho, enquanto Melodia constrói teo-remas de científicos loucos. Birdy é dois: um quefoi ao vazio, e outro que se incluiu no clan: bran-co, olhos azuis, filho de pai estrangeiro. Qual éa hierarquia entre eles? Quem é quem ali ondese encontram?

Finalmente, Lube, tem mais de sete vidas... eas desfruta dia por dia, nem sabendo que pode-ria antecipar saudades e perdas, felicidades eamores... só vai vivendo todas ao mesmo tempo.

Lube, suspeitarão, é um GATO, eu não sei seele sabe que é um gato, mais de alguma ma-neira reconhecemos a necessidade aprendidade “encaixá-lo” numa “categoria” que o identi-fique: nos serve ao nosso controle... não sei seserve a ele... então, Lube é nosso gato e ao mes-mo tempo, não é... li uma frase da escritora Cla-rice Lispector que fiz minha, em algumas ofici-nas sobre INCLUSÃO ESCOLAR que coordeneinuma escola do Rio de Janeiro, quando deba-tia com os professores sobre a constituição re-lacional do “outro” e sobre o próprio e interno“outro” que inventamos quando nomeamos aoaparentemente alheio e estranho “outro”; Clari-ce dizia “Eu reduzida a uma palavra? Porém,qual palavra me representa? Uma coisa sim queeu sei é que eu não sou meu nome. Meu nomepertence aos que me chamam“.

Nota: Ajudaram na tradução do espanhol Guilherme e

Filé, que também inventaram o Lube.

(1)Palavras utilizadas na Argentina que significam “pouco a pouco”.

(2)Humberto Maturana, Heinz Von Foerster, “don Juan” de Carlos Cas-

tañeda...

(3) Palavra que na Argentina usamos para nomear uma “boa e cuida-

dosa mãe”.

(4) Bandoleiro que se tornou um mito no sertão nordestino brasileiro.

(5) Luis Melodia é um cantor e compositor brasileiro que foi durante

muito tempo identificado como “maldito” pela sua irreverência; em

uma de suas gravações se identifica cantando “eu sou um negro ga-

to de arrepiar”.

ESPAÇO dos leitoresAnelice RibettoPsicóloga – Escuela

Especial “Jerónimo Luis

de Cabrera”, General

Cabrera, Córdoba,

Argentina é Membro do

Grupo de Pesquisa:

Redes de saberes em

educação e comunicação:

questão de cidadania,

UERJ, RJ, Brasil.

[email protected]© is

to é

Page 42: Nº 130, Janeiro 2004

42a páginada educaçãojaneiro 2004

praça da república

Bola de neve ou bola de incompetência?

A actuação do Governo tem sido péssima desde o início.Mas está a piorar de dia para dia pelo acumular de asneiras,escândalos, compadrios, conflitos, incompetências… O pioré que as eleições de 2006 ainda estão longe. António Rosado

A direita marreta

Na Europa vive-se um ciclo político em que domina a di-reita. Em Portugal estamos perante duas realidades que secompletam. No PSD dominam os jovens do tempo da ge-ração rasca. São uns imberbes ignorantes, arrogantes eque leram a cartilha neoliberal. Confundem as quatro pe-quenas ideias que têm na cabeça com o pensamento dahumanidade. No CDS domina a rapaziada filha dos fascis-tas frustrados e sedentos de vingança. Seguem religiosa-mente o pensamento fascistoide e rasteiro de pais e mãesfrustradas com o 25 de Abril. Têm saudades do fascismo.Da lei, da ordem e da servidão salazarista. Têm saudadesdo Portugal pequenino, tacanho e miserável.

Estão bons uns para os outros. Dão-se bem e vão dan-do cabo do País.Telmo Duarte

Mais educação, precisa-se

Preocupa-me o baixo nível educacional dos portugueses.O baixo nível educativo é fortemente responsável pela bai-xa produtividade e pelo fraco espírito critico dos portu-gueses. Um povo com maior educação e mais esclareci-do certamente que obrigaria a outras políticas. Um povomais culto, não elegeria Barroso e Portas. Um povo maisculto, não suportaria calado toda a actual incompetênciagovernamental. António Fernandes

Pior é difícil

Todos os governos estão empenhados numa campanhade propagada no sentido de nos dizerem que tudo vai me-

lhorar. Pensam que uma campanha que incuta confiançavai ajudar a que as coisas se componham. Mas o decisivosão as políticas. Ora as políticas em Portugal continuam aser as mesmas que nos últimos dois anos levaram o paísà pobreza e ao retrocesso. Por isso não acredito que ascoisas vão melhorar. É evidente que é difícil que piorempois já batemos no fundo do poço. Joana Pessegueiro

Incompetência pública e notória

O ensino em Portugal há dois anos já estava bastante con-fuso. Tinham sido tomadas muitas medidas sem ter havidotempo para se consolidarem. O actual Governo tornou tu-do bastante pior. Extinguiu organismos necessários à me-lhoria do sistema (ex: Instituto de Inovação Educacional, en-tre outros). Extinguiu o sistema de avaliação das escolasque estava a dar os primeiros passos. Paralisou o proces-so de reforma do secundário que dava seguimento à refor-ma do básico. Lançou medidas à toa. Nomeou para as Di-recções Regionais uns comissários políticos burros e auto-ritários. As poucas medidas que tomou são contraditórias…

A incompetência da actual equipa é pública e notória.Maria Antónia Relvas

Ministro precisa-se

Quem o ouviu e quem o ouve!Antes de ser ministro, o então deputado do PSD, David

Justino, criticava tudo e tudo resolvia. Tinha na manga so-luções para tudo e mais alguma coisa. Era só ciência e com-petência!

Depois foi a ministro. No início era só ameaças. Avalia-ções, competência, eficiência, prémio, castigo… Ele ia fazermilagres e pôr o sistema nos eixos.

Agora está murcho. Parou o que funcionava e substituíao que se ia fazendo por nada.

Parar, murchar, asneirar e disparatar são a sua divisa.E a juventude que pague as favas do regresso ao pas-

sado.Hugo Teixeira

Estou em processo de conclusão de curso no ensino superior. Que curso es-colhi? Letras! Pois é companheiros, em breve serei professora de língua portu-guesa aqui em meu país, sou brasileira e ainda acredito na educação. Seja aquiou aí em Portugal a situação dos professores é bem difícil, somos menospre-zados pelos governos que não reconhecem nossos valores como formadoresde cidadãos. Sim, formamos as gerações futuras e somos responsáveis pelofuturo de nossas crianças; sendo assim, devemos ser tratados com o mínimode respeito por nossos governos.

Aqui no Brasil, estamos depositando total confiança no governo do Sr LuisInácio Lula da Silva, acreditamos que por ser de um partido de esquerda tem atarefa de organizar os setores e valorizar a classe trabalhadora.

Espero que a greve do dia 21 tenha sido o primeiro passo para uma memo-rável vitória. Como dizemos aqui no Brasil: a esperança sempre vence o medo.

(…) Um grande abraço desta companheira de luta que será PROFESSORA COM

MUITO ORGULHO.

Igual em todo lugar do mundo!

ESPAÇO dos leitoresMárcia Serafim

São Paulo – Brasil

marciacomunicacao

@hotmail.com

Cartas virtuaisComentários dos leitores a propósito dos inquéritos

A actuação do Governo está:

A melhorar25%

A piorar74%

Total Respostas: 516

Destas questões qual a que omais preocupa:

Em relação a 2003 o próximo ano vai ser:

O ensino em portugal está:

Abandono e insucesso na escola08%

Consumo de Drogas13%

Indisciplina na escola12%

Desemprego51%

Baixa qualificação dos portugueses13%

Total Respostas: 465

inquéritos

Melhor41%

Pior38%

Igual20%

Total Respostas: 471

Melhor do que há 2 anos14%

Pior do que há 2 anos49%

Igual ao que estava há 2 anos35%

Total Respostas: 427

© isto é

Page 43: Nº 130, Janeiro 2004

43a páginada educaçãojaneiro 2004

andarilhoNascido em Lisboa (1904-1993), em cuja Universi-

dade se formou em Medicina e exerceu a activida-

de clínica em largos anos de profissão, Armindo

Rodrigues sempre esteve ligado aos meios políti-

cos e culturais no combate activo ao fascismo sa-

lazarista e marcelista, tendo colaborado em diver-

sos jornais e revistas literárias. Toda a sua obra poé-

tica, reunida em 18 vols. entre 1970-1986, revela

sem dúvida na opinião crítica de Óscar Lopes,

”adentro do neo-realismo a voz de um actualizador

de velhas tradições, sobretudo lírico-epigramáticas

e sentenciárias”. Mas na visão humanista e dialéc-

tica do mundo e da vida sempre se povoou numa

plena lucidez na abordagem do seu próprio tempo

e por isso, como observou Jacinto do Prado Coe-

lho, cada um dos seus poemas “requer uma leitu-

ra em função de todos os outros, pois nos surge

como fugaz momento de uma dialéctica vital que

transborda dos limites dos seus livros“, porque

Em cada pensamento estou inteiro.

Inteiro estou no mínimo protesto.

Inteiro estou no mínimo desânimo.

Ainda na lembrança de tantas vezes o ver subir e des-

cer o Chiado, sempre com o estetóscópio debaixo do

braço, disponível para servir de argumento em caso

de qualquer ofensa ou insulto, como algumas vezes

aconteceu depois de Abril ter chegado, nunca soube

ao certo se o que mais me agrada e cativa na poesia

de Armindo Rodrigues é a sua evidente força irónica

ou a carga lírica e emocional, com evidentes ressai-

bos lorquianos vislumbrados no conjunto da sua poé-

tica, ou a simpatia pessoal que desde longe tive por

quem de algum modo me ensinou a olhar o Mundo

para lá das quatro paredes da própria solidão.

Guardo do poeta de Quadrante Solar a memória

de saber, há muitos e largos anos, que pelos cami-

nhos de descoberta de autores que foram da minha

preferência, alguma coisa fiquei a dever a Armindo

Rodrigues na leitura de livros por si fielmente tra-

duzidos (Malraux, Fournier, Cholokov, entre outros),

na paixão e entusiasmo dessas coisas, e assim

aprendi a olhar e a admirar a "obra poética" de quem,

por entre uma certa timidez e humildade, quase pe-

dia licença para existir como poeta e nunca foi ca-

paz, ao longo de quase noventa anos de vida, de

abandonar a sua "barricada". E, por entre o conví-

vio silencioso dos poemas, na frontalidade das suas

posições ideológicas, das muitas "histórias" conta-

das em redor, refiz o "mito" de saber da sua exis-

tência nos encontros de acaso pelas ruas e livrarias

lisboetas do Chiado - a Medicina sempre no cami-

nho do Poeta, numa outra forma de ter voz e saber

assim estar na vida e na poesia.

Pertencendo à corrente neo-realista desde o seu

primeiro livro Voz Arremessada ao Caminho (1943),

Armindo Rodrigues ergueu durante cinquenta anos

uma Obra Poética que se impõe na fulgurância da

sua expressividade e merece ser hoje relida sob um

outro olhar, não só na perspectiva do seu alinha-

mento ideológico, que cedo se revelou coerente e

firme nas linhas cruzadas de atitudes e posições pró-

ximas do neo-realismo dps anos 40 e 50, mas so-

bretudo pela importância literária de que toda ela se

reveste. Ou no sentido dialéctico de sempre inquirir

a realidade social e humana que o envolvia, saber-

mos ainda que na vida e na poesia Armindo Rodri-

gues ergueu a voz, falou alto e com justiça, partici-

pou corajosamente no acto de emendar o rumo da

História que, como poucos de nós, viveu por dentro

nas linhas cruzadas da própria vida e do tempo que

lhe coube viver:

Toda a justiça é injusta, porque julga,

toda a ordem desordem, porque impõe,

toda a verdade errada, porque muda.

Ora, pela importância poética do seu "exemplo" e

ainda na justeza das posições que soube assumir,

na verticalidade de ter sido um grande e bom com-

panheiro de muita gente, lembramos que Armindo

Rodrigues foi um velho romeiro que agora saúdo

na passagem do primeiro centenário do nasci-

mento e na releitura de muitos dos seus poemas,

neste modo de o reencontrar e ver que à volta não

anda hoje muita gente ou os leitores não lhe fazem

companhia.

Mas se a vida defendeu o Poeta e consente-nos,

para nosso íntimo prazer, que escutemos a voz que

ainda se ergue na defesa de valores que em cons-

ciência não traiu, e no sonho com que encheu as

horas do seu fadário:

O sonho e a vigília andam a par.

A par o que se nega se promete.

Nada é nada, se apenas se afirmar.

Assim, só nos resta estender a mão em saudação

fraterna e reler alguns dos poemas de Armindo Ro-

drigues que nos ficaram como memória de quem, na

forma desejada de um sincero ou propositado "apa-

gamento" pessoal, continua a estar no nosso cami-

nho, na certeza de que o eterno mistério da poesia

(e da vida) sempre se alcança neste mundo. E ainda

em memória de Jacinto do Prado Coelho, que foi um

excelente estudioso da nossa literatura, evocar es-

tas palavras sobre o Poeta de Romanceiro:

"Voltada ideológica e emocionalmente para o fu-

turo, trazendo até nós, viva, uma longa e variada tra-

dição, a obra de Armindo Rodrigues parece querer

significar que não é arrancando as raízes culturais

dum povo que o seu futuro se constrói".

Por último, dizer que Armindo Rodrigues não me-

recia estar assim tão esquecido e talvez a celebra-

ção dos cem anos de nascimento sirva de algum mo-

do para o trazer ao convívio dos leitores. Mas, ao abrir

por acaso um dos volumes da Obra Poética, dete-

nho-me sentidamente nesta Ode ao Tejo e digo com

o Poeta, fitando o rio largo e longo que nos corre aos

pés, por entre sinais de tristura e desencanto, mas

de esperança redescoberta, na memória saudosa

desses dias de Abril já quase perdidos de vista:

Náufrago entre o passado e o futuro,

um conjuro-o, o outro tento-o depreender.

Mas a ambos os vejo sem os ver.

O que passou faz-me a memória escuro.

O que virá como o hei-de merecer?

(...)

Mudos voltamos ao Rossio onde

há sempre um vão rumor de gente vã.

Torna-me a alegria brusca e sã.

Também depois da noite que nos esconde

Romperá uma lúcida manhã.

1904-2004centenário do nascimento de ARMINDO RODRIGUES

Para celebrar 36 anos de pintura, António Carmo (Lisboa,

1949), acaba de publicar um álbum em que reúne grande

parte do seu trabalho pictórico desde 1967 (desenhos,

guaches, óleos, painéis),com o propósito de fazer conhe-

cer melhor toda a obra até hoje realizada.

Em excelente aspecto gráfico e numa edição bem cui-

dada, com o patrocínio do Montepio Geral, este álbum re-

flecte de forma bem evidente que na estreita relação que

se descobre entre o real e o imaginário sempre presente na

arte de António Carmo se pode contemplar, por entre for-

mas e cores muito quentes, esse mundo poetizado de lu-

gares e pessoas de um quotidiano reinventado, seja na ima-

gem de um vendedor ambulante ou de um tocador de acor-

deão ou ainda nas figuras balléticas de outras danças.

Reflexo claro de um sentido actual e ilustrativo da vida

e das suas sombras, das gentes e dos seus ofícios,dos

símbolos e mitos que assumem outra expressividade pe-

la força da sua pintura, a arte de António Carmo impõe-se

como a natural afirmação de saber escolher os motivos ou

no propósito de melhor entender o quotidiano, ressaltan-

do do cromatismo entusiástico e delicado dos trabalhos,

nos azuis e vermelhos, nos ocres e amarelos, esse mes-

mo sentido de poetizar o “imaginário” pela certeza da sua

vocação pictórica.

Eis um álbum que se apresenta como trabalho gráfico e

editorial de grande qualidade e também como forma de ho-

menagem a um artista que tem feito com grande regulari-

dade várias exposições individuais no país e no estrangeiro.

Ed. Caminho / Lisboa, 2003.

ESPíRITO e a letraSerafim Ferreiracrítico literário

ANTÓNIO CARMOem álbum nos seus 36 anos de pintura

Livro em destaque

Page 44: Nº 130, Janeiro 2004

44a páginada educaçãojaneiro 2004

andarilho

À toada da existência de uma falta de auto-estima dos portugueses, que às ve-zes parece compulsiva pela vibração que transmite a muitos dos discursos so-bre "o estado da Nação" que se lêem e ouvem, como uma litania, nos órgãosda comunicação social, juntou-se, como que em contraponto, a afirmação, sin-cera ou terapêutica, de que o que falta a Portugal é a publicitação, além fron-teiras, das suas reais qualidades. Ou seja, o país, segundo a leitura que dele fa-zem alguns assumidos representantes da opinião pública, sofre sobretudo deum défice de comunicação da excelência das "marcas" nacionais, que, semmais favores do que uma eficaz prática de "marketing", se colocariam ao ladode outras reconhecidas internacionalmente. E logo são invocados, como razõesde orgulho nacional, os Descobrimentos, a EXPO-98, o vinho do Porto, a cons-trução de dez mega-estádios de futebol para o EURO-2004 - menos citado, oPrémio Nobel da Literatura, conferido, em 1998, a José Saramago, e sempreesquecido, o Prémio Nobel de Medicina, partilhado, em 1949, entre professorEgas Moniz, médico-cirurgião, e o fisiologista suiço Walter Hess.

Sendo geralmente de políticos, economistas e empresários as vozes que seouvem a fazer a pedagogia do optimismo, aliás sempre salutar, faltaria saber seo povo indiferenciado se reconhece, realmente, como sofrendo de uma falta deauto-estima responsável pelo "estado da Nação" e em que medida esta, por in-teiro, tem a "consciência de si" necessária para se auto-analisar e poder con-cluir se no "pathos" lusitano a sobreestima não tem sido mais determinante doque a subestima.

Na verdade, não poderão ser tomados como falta de auto-estima os "sinais"de um país, considerado o mais pobre da União Europeia, onde a maioria dapopulação (que é pobre ou remediada) ambiciona usar roupas de marca, pas-sar férias em zonas chiques, ter um automóvel para passear, gastar mais di-nheiro em comida e vestuário do que os outros europeus, ter mais telemóveis,em média, do que os americanos, possuir uma casa com móveis de estilo, porvezes uma vivenda com piscina - e não se sentir diminuído por registar os maisbaixos índices de instrução e leitura, a maior percentagem de absentismo naescola e no trabalho, de cursos universitários sem aplicação prática, de mortosna estrada e de presos preventivos nas cadeias.

E se juntarmos a estes "sinais" de clara sobreestima (e não ao contrário), re-veladores de uma "consciência de si" que se satisfaz com um imperativo, - "pa-recer bem" - outros "sinais", bem mais antigos, veremos que há um "pathos"nacional que conserva práticas e juízos de valores já predominantes no séculoXVI, quando, segundo Alexandre Herculano numa releitura de Vitorino Maga-lhães Godinho (vidé Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa), a populaçãoportuguesa propendia para "o luxo, a ostentação e os gastos desnecessários,com vista ao prestígio", numa "pirotecnia de vaidades" que se prolongou atra-vés dos séculos...

É um facto que nunca se ajustou aos portugueses a máxima de Amiel - "Sê,não pareças." O servo sempre aspirou a parecer um "senhor", o pobre a pare-cer rico, o senhor e o rico fazendo tudo para mostrar que o são. Uns, queren-do iludir as distâncias; outros, sublinhando-as - porque em todos a grande as-piração foi sempre "parecer o melhor possível" e a naturalidade nunca satisfezo ego lusitano.

Não será tudo isto prova de uma sobreestimada "consciência de si", para ocul-tar porventura - parafraseando Eduardo Lourenço - uma relação conflitual que osportugueses têm com a sua imagem heróica? Respondam também os sociólogose os historiadores, e não apenas os políticos, os economistas e os empresários.

Se for, não bastará incentivar os agentes do Mercado nem os promotoresda Imagem: é indispensável investir na Educação e na Cultura, pois é com es-tas que se modela o espírito e a consciência dos povos, e as nações, respeita-das, se colocam umas ao lado das outras.

EM PORTUGUÊSLeonel Cosme

O estado da Nação

© isto é

Para uma Nova Dimensão do DesportoManuel SérgioInstituto Piagetpp. 280

Este livro teve a sua primeira edição em julho de 1974 e foi a primeirapublicação da Direcção geral dos Desportos após a Revolução dosCravos. No prefácio, Manuel Sérgio, colaborador regular do jornal APÁGINA, afirma de forma iniludível que assumia uma ruptura com ocomplexo ideológico que informava o desporto nacional. O autor co-meçou então a apresentar uma obra singular na teorização do fenó-meno desportivo.

Como Melhorar as EscolasEstratégias e dinâmicas de melhoria das práticas educativas

António BolívarEdições Asapp. 319Este livro faz uma análise actual da inovação e apresenta propostaspráticas para a melhoria das escolas. As estratégias nele contidasdestinam-se a desenvolver a capacidade de aprender das organiza-ções. Conjuga uma análise descritiva sobre a inovação e desenvol-vimento das escolas e, de um ponto de vista crítico, com os limitesinternos e externos das estratégias de mudança.

Uma Seta no AlvoA avaliação como aprendizagemMiguel Ángel Santos GuerraEdições Asapp. 126

A avaliação pode servir para muitas finalidades. O importante é uti-lizá-la como meio de aprendizagem, como um modo de compreen-der para melhorar as práticas que constituem o seu objecto de es-tudo. A metáfora "Uma seta no alvo" serve para compreender, comclareza, que se pode utilizar a avaliação para classificar, comparar,seleccionar ou, simplesmente, qualificar. É necessário, no entanto,utilizá-la para aprender e para melhorar a aprendizagem dos alunos,a dinâmica das escolas, a formação dos professores e a implanta-ção das reformas.

Outros livros desta editora:

À Descoberta do seu Estilo de LiderançaUm guia para educadores e professoresJeffrey Glanz.Edições Asa.pp. 175

Estudo Acompanhado.Manual de sobrevivência para estudantes perdidos e professores ansiososVítor Manuel Martins.Edições Asa.pp. 95

Portefólio - Uma escola de competênciasCarla BernardesFilipa Bizarro MirandaPorto Editorapp. 128

Este livro constitui um excelente recurso de apoio às práticas dosprofessores. Está construído segundo uma organização que permi-te a cada um dos leitores confrontar as suas opiniões com as razõesapresentadas pelas autoras para fundamentarem o recurso a porte-fólios na formação quer de alunos quer de professores e, simulta-neamente, encontrar sugestões para passar do discurso do saber aodiscurso do fazer.

Introdução à Historiografia da CiênciaHelge KraghPorto Editorapp. 233

"A presente obra tem por tema aquilo que penso ser o essencial dahistoriografia da ciência. Nela abordo uma série de problemas que,sugiro, são de importância fundamental para qualquer autêntico es-tudo histórico da ciência, independentemente do seu campo e pe-ríodo." (Retirado do prefácio do autor)

Outros livros desta editora:

A Construção da Ciência Moderna.Mecanismos e mecânicaRichard S. Westfall.Porto Editora.pp. 169

A AulaÁlvaro Gomes.Porto Editora.pp. 111

Page 45: Nº 130, Janeiro 2004

45a páginada educaçãojaneiro 2004

andarilho

Até 1 de Fevereiro, de terça a domingo, das 10 às 13 e das 15 às 18 horas, está patente ao pú-

blico no Museu da Quinta de Santiago, Centro de Arte de Matosinhos (Rua de Vila Franca, Le-

ça da Palmeira) uma exposição de fotografias de Armando Leça (1891-1977), pequena mostra

de um Portugal que já não existe mas que este músico caminheiro registou em viagens pelo país

a recolher parte do acervo musical popular e imagens fotográficas que constituem um arquivo

único da etnografia portuguesa.

Por doação da família, a Câmara Municipal de Matosinhos possui 64 álbuns de fotografias

de Armando Leça, num total de mais de 14 mil imagens obtidas nos anos 30 e 40 do século pas-

sado. Como se lê no folheto da exposição, "Armando Leça não foi um fotógrafo no sentido ar-

tístico do termo, mas essencialmente um viajante e um investigador apaixonado da cultura po-

pular que utilizou a fotografia para documentar os múltiplos itinerários que percorreu em busca

da cultura popular portuguesa".

Citando ainda o desdobrável que documenta a exposição, dir-se-á que as imagens selec-

cionadas e captadas por Armando Leça transportam-nos até um país rural que apesar de pe-

queno na dimensão possui uma variadíssima diversidade regional. Um país ainda afastado da

uniformização imposta pela emigração, pela industrialização e pela influência da cultura urba-

na. Um país ainda muito afastado do fenómeno da globalização.

Uma oportunidade para também "conhecer" o próprio Armando Leça, compositor e profes-

sor de música, músico caminheiro que compôs algumas das mais famosas melodias do cine-

ma mudo português, trabalhando para a "Invicta Filmes".

Armando Leça, pioneiro na divulgação do cancioneiro tradicional português, é, de facto, um

desconhecido cujo trabalho no domínio da recolha das expressões musicais populares, dos tra-

jos e dos instrumentos musicais não tem preço. Além de etnógrafo, A. Leça foi também com-

positor musical, tendo escrito para piano e violoncelo e elaborado cânticos sacros ao lado de

operetas e recriado melodias de raíz popular.

Itinerários de um músico caminheiro

Fotografias de Armando Leça

João Rita

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46a páginada educaçãojaneiro 2004

andarilho

De uma forma geral, a crítica da arquitectura tem-se mantido manietada como durante o perío-do moderno, pela ausência da dimensão antropológica. A arquitectura e o urbanismo continuamprisioneiros do fisicalismo tecno-funcionalista.

Isto advém do facto das ciências do território se terem desenvolvido separadas das ciênciassociais e também as próprias ciências sociais não terem compreendido a relação estreita entresociedade e território, entre os lugares e as ideias.

No entanto, a dimensão cultural e simbólica teve sempre os seus cultores: Bachelard e o espaço poético, Foucault e a topologia do poder, Goffman e os dispositivos

institucionais, Edward Hall e a proxémia das culturas, Yung, Cassirer, Elíade e Durand e os es-paços sagrados.

Por outro lado, arquitectos e urbanistas plasmaram na sua obra, duma forma consciente ounão, formas plásticas simbólicas e de grande sentido cultural: Wright e Niemeyer. E o próprioCorbusier, mau grado o reducionismo de alguns dos seus textos panfletariamente racionalistas,não deixa de expressar o sentido simbólico e cultural, nomeadamente em Ronchamp, La Tou-relle e Chandigard.

Contudo, estas questões não pareciam relevantes na análise da história da arquitectura. Já quase nos anos oitenta, Linch mostrou como os mapas cognitivos determinavam a forma

de apropriar e atribuir significado aos lugares da cidade, revelando a intuição de Heidegger, du-ma relação recíproca entre "construir, habitar e pensar".

Matilde Pessanha revelou, neste livro sobre o arquitecto Siza, como é que a memória cultu-ral e os contextos duma antropologia situada aparecem como matriz na criação do arquitecto.

Assim, o gesto arquitectónico em Siza Vieira começa na vivência, no olhar e na apropriaçãoda cultura e dos lugares, o que permite a singularidade da sua obra, em virtude do seu particu-lar percurso de vida.

Assim, a sua singularidade tem a ver com a tradição, com a paisagem portuguesa, com osmitemas da cultura lusíada, mas ao mesmo tempo essa singularidade abre-se à universalidadeda dimensão simbólica dos lugares sagrados, de gestos arquetipais comuns à humanidade.

Nos três monumentos analisados, Monumento aos Calafates (1959), Monumento a AntónioNobre (1980) e Monumento à memória das vítimas da Gestapo (1983), Matilde Pessanha expli-cita essas duas dimensões presentes na obra de Siza Vieira, o carácter singular e quase regio-nal ao mesmo tempo que se revela o sentido universal.

A Fonte do Bairro da Malagueira, em Évora, e a Igreja de Sta. Maria no Marco de Canaveses,contêm também essa simultânea complementaridade entre o lugar e o tempo, entre a memóriae a criação, entre a terra e o céu, entre a gravidade e a leveza, entre a raíz e a utopia.

O livro de Matilde Pessanha revela assim um outro olhar sobre a arquitectura. Abre portas pa-ra uma metodologia transdisciplinar, aceitando como desafio a complexidade e relegando o es-partilho redutor e positivista a que esteve sujeita a análise da arquitectura.

CINEMANeste número de a PÁGINA não sai a habitual rubrica sobre Cinema de Paulo Teixeira deSousa. Regressará no próximo número. Na PÁGINA de Dezembro, por lapso, na rubricade CINEMA, não foi publicada, acompanhando o texto, a fotografia indicada pelo autor.Tal facto prejudicou a leitura da rubrica a qual fazia referências à imagem escolhida. Ao au-tor e aos leitores as nossas desculpas pelo erro.

Notas sobre o livro de Matilde Pessanha

"Siza, Lugares Sagradose Monumentos"

Jacinto Rodrigues Professor da Faculdade

de Arquitectura da Uni-

versidade do Porto

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ciência

FOTO ciência com legendaLuís Tirapicos

DA CIÊNCIAe da vidaFrancisco SilvaPortugal Telecom

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A perspectiva invulgar de Satur-no, na imagem, foi obtida pelaSonda Cassini, em 9 de Novem-bro de 2003, quando se encon-trava a 111,4 milhões de km doplaneta. Este é um projecto decooperação entre a NASA (EUA),a ESA (Europa) e a Agência Es-pacial Italiana. Podem observa-se já alguns detalhes nos anéis ena atmosfera, que aumentarão àmedida que o veículo se aproxi-mar do seu destino. Se tudo cor-rer como previsto daqui a um anoa sonda lançará sobre o satéliteTitã um pequeno módulo – cha-mado Huygens - que, entre ou-tras investigações, procurará si-nais de vida. A sonda entrará emórbita, em torno de Saturno, a 1de Julho deste ano.

Saturno insólito

Nas comunicações à distân-cia - portanto, dedicadas a si-tuações fora do alcance di-recto da vista e do ouvido,também da possibilidade ol-factiva, quanto mais do tac-to, estas situações a reque-rerem mesmo o contactocom a superfície exterior danossa pele, em particularcom as adequadas pontasdos dedos das nossas mãos-, então, nas comunicações àdistância os sinais devemexistir sob determinadas for-mas e cumprir certos requisi-tos de potência, se o fito foro de cumprirem com o seudestino - ou seja, chegar aon-de e a quem direito nas con-dições próprias para aí ac-tuarem de forma inteligíveljunto dos receptores huma-nos (e tecnológicos).

As características de “vo-lume” da voz humana, e maisainda as relativas à possibili-dade de aparição perante po-tenciais correspondentes,desde sempre desafiaram oestabelecimento de ligaçõesde longo alcance: o que osnossos ouvidos e os nossosolhos alcançam - pois alcan-çam o que a evolução bioló-gica os levou a alcançar. E is-to é assim por mais fortes quesejam as capacidades sono-ras do orador ou do gritanteou do instrumento tocado.Ou, no caso da visão, por me-lhor que seja a iluminaçãodisponível. E por melhoresque sejam os ouvidos escu-tantes. E por mais insectos

Comunicações à distânciaNas comunicações à distância os sinais devem existir sob determinadas formas e cumprir certos requisitos de potência,

se o fito for o de cumprirem com o seu destino - ou seja, chegar aonde e a quem direito nas condições próprias para aí actuarem de forma inteligível junto dos receptores humanos (e tecnológicos).

que os olhos possam des-cortinar na banda de lá do Te-jo (lisboeta sou eu, daí a au-tomática referência à mar-gem norte do seu estuário).

Por isso, a Humanidadedesde sempre procurou en-viar as suas mensagens à dis-tância, a distâncias que ultra-passassem tais alcances.

Nesse sentido, mesmosem necessitar de inventar aescrita, enveredou a Humani-dade pela transmissão de si-nais de fumo e de ondas so-noras, de pequenas nuvenscriadas com as suas mãos ouatravés da percussão de tam-bores ou similares, as nuvens

podendo ser avistadas nocéu, ou fazendo chegar os si-nais dos tantans aos locais re-motos pretendidos (remotosdo ponto de vista do emissor,que este, por sua vez, tambémse encontra em remota posi-ção em relação ao receptor ).

E neste tipo de situaçõestornou-se obrigatório, devidoàs características dos meiosde comunicação disponíveis,o emprego de códigos ba-seados num pequeno núme-ro de sinais diferentes.

Agora podemos deixar vo-gar a nossa imaginação, au-xiliados pelas imagens de fil-mes sobre índios e outros

protagonistas. É possível lo-brigar, para o caso da emis-são de fumos, a existência deconjuntos de pequenas “nu-vens”, conjuntos contendoum número limitado de ele-mentos, ou mesmo - em si-tuações mais elaboradas - desequências de tais conjuntosde tais “nuvens”. Contudo, asmensagens a enviar terão si-do simples e o seu reportórionão muito alargado, consis-tindo porventura sobretudode avisos urgentes.

No caso da comunicaçãosonora, a dos tantans, podeseguir-se uma via de raciocí-nio algo similar ao considerar

as suas capacidades e as for-mas dos seus sinais e a na-tureza das suas mensagens.Excepto que, nestes casosdos sons, não se está de-pendente das variações diá-rias de condições de propa-gação como nas situaçõesde visualização de fumos…Mas, o certo é qualquer dosdois tipos de meios ter em-pregue uma espécie de co-municação digital sincrética.E sincrética no sentido doconteúdo de um ou númerolimitado de sinais enviadospoder corresponder a frasescompletas. A diferença entreos dois estava na grande dis-paridade de velocidade depropagação: 340 m/s para osom, 300.000 km/s para a luz.Contudo, uma diferença quequase nem se notava para asdistâncias envolvidas entreemissores e receptores.

O emprego de técnicaselectromagnéticas para atransmissão de sinais corres-pondeu à viragem para umanova era. McLuhan identifi-cou a passagem da galáxia deGutenberg para a dos meiosde comunicação eléctricos.Primeiro a telegrafia, logo se-guida do telefone - meios decomunicação ponto-a-ponto,com os sinais a serem troca-dos nos dois sentidos, ou se-ja, meios conversacionais.Depois a distribuição urbi etorbe de informação a partir deum ponto central - a Rádio ea televisão. Aí estavam as te-lecomunicações.

O EMPREGO DE TÉCNICAS electromagnéticas para a transmissão de sinais correspondeu à viragem para uma nova era.

© isto é

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OBSERVATÓRIO depolítica educativa

João Teixeira LopesProfessor. Deputado do

Bloco de esquerda

FOTO sem legendaMariana Queirós

Portugal não é um país debrandos costumes. Nunca ofoi. Mesmo durante o mito sa-lazarista de um bucólico paísrural existiam, em silêncio,crimes bárbaros e múltiplasviolências, em particular numtempo em que as questõesda terra e da propriedade le-vantavam acesas e agressi-vas paixões, ou em que as fa-mílias, na linhagem patriarcal,assumiam, sem pejo, o papelde guardiãs da moral e da or-dem masculinas. A própriaIgreja era cúmplice destasviolências e o Estado, epi-centro da repressão, prendia,torturava, matava. As esco-las, plenamente «elevadas» àcategoria de aparelhos ideo-lógicos de Estado, exerciampunições físicas e simbóli-

cas. A guerra colonial signifi-cou, então, o apogeu do hor-ror e alguns militares, comoKaúlza de Arriaga, mancha-ram as mãos de sangue emorgias de massacre.

Hoje as violências são maisvisíveis. Mas, em alguns casos,continuam a ser socialmente

aceites. O caso das minoriasétnicas – e em particular dosciganos, povo nómada, de-sestruturado pela destruiçãoda sua base económica tradi-cional, o pequeno comércioambulante – atinge o epicentro

da discriminação, devido queràs condições sociais que pro-duzem a segregação (desem-prego, precariedade, toxico-dependência, miséria, iliteraciae baixas qualificações…), atin-gindo, embora de modo desi-gual, segregadores e segrega-dos, quer aos emergentes dis-

cursos populistas (os clonesdesavindos – Paulo Portas eManuel Monteiro – consti-tuem uma expressiva ilustra-ção dessas narrativas saudo-sas da pureza étnica de umpovo imperial).

Em Bragança, os pais e osresponsáveis de uma escolaergueram um coro (um muro!)de protestos contra a even-tual inserção de uma turmade ciganos, impelidos à es-colarização como contrapar-tida do usufruto do rendi-mento social de inserção.

A questão é complexa.Desde logo, porque a entradados jovens ciganos é forçada.Em segundo lugar, porque éfeita à pressa, por via adminis-trativa, sem envolvência dacomunidade escolar e, acimade tudo, sem um projecto edu-cativo e curricular que propor-cione aos jovens ciganos algomais do que uma obrigaçãoque têm penosamente quecumprir. Mas não posso, emnome de uma hierarquia ética

que defendo, deixar de con-denar as inflamadas tomadasde posição dos encarregadosde educação. Contextualizá-las e compreendê-las é funda-mental, mas não perdoá-lasou deixá-las passar em claro.Nem me é possível, tão-pou-co, passar ao lado da acçãodesastrada do meu sindicato– o SPN – ao colocar-se, deforma tão reducionista comocorporativa, ao lado dos«pais» de Bragança e dos res-ponsáveis da escola.

Combater a agenda me-diática e a sua lógica imedia-tista é uma tarefa cívica damaior urgência. Mas tambémo é, mesmo com desculpas ouatenuantes, opor firme resis-tência a todas as veleidadesxenófobas ou aparentadas.

Hoje as violências são mais visíveis. Mas, em alguns casos, continuam a ser socialmente aceites. O caso das minorias étnicas – e em particular dos ciganos, povo nómada, desestruturado pela destruição

da sua base económica tradicional, o pequeno comércio ambulante – atinge o epicentro da discriminação…

Os «pais de Bragança» e os jovens ciganos

EM BRAGANÇA, os pais e os responsáveis de uma escolaergueram um coro (um muro!) de protestos contra a

eventual inserção de uma turma de ciganos, impelidos à escolarização como contrapartida do usufruto do

rendimento social de inserção.