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NOÇÕES DE LIDERANÇA, ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL

noções de liderança, ética e relacionamento interpessoal

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NOÇÕES DE LIDERANÇA, ÉTICA E RELACIONAMENTO

INTERPESSOAL

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CURSO DE TREINAMENTO ESPECÍFICO PARA SELEÇÃO COMPETITIVA INTERNA

MÓDULO: NOÇÕES DE LIDERANÇA, ÉTICA E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL ONTRO ÍNTIMO COM A FILOSOFIA

É PRECISO LER A SI MESMO!

“O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos

do que os outros fizeram de nós.” (Jean Paul Sartre)

Ler é direcionar a vista e a mente em alguma coisa, é interpretar, é dar sentido.

Quando lemos algo não estamos, necessariamente, lendo só letras e palavras escritas, mas tudo o que é possível de se ver, ouvir, dar conta... Interpretar.

Ao ler o mundo e a vida, enquanto criança, ou em menoridade, interpretamos e damos sentido ao que capta-mos, não a partir do nosso olhar, mas da maneira pela qual nos é ensinado a olhar. Criamos uma ideia do mundo e da vida com o que nos é informado. Estas informações nos vêm de várias fontes, podendo ser, dentre outras, familiar, escolar, social, religiosa, geográfica, política, circunstancial. Neste aprendizado internalizamos muitas coisas, que vão de co-nhecimentos universais às opiniões ou pontos de vista. São atribuídos a estes conhecimentos internalizados pesos se-melhantes quando na verdade possuem valores diferentes.

O tempo passa, a vida nos conduz a infinitas atividades e obrigações e às vezes mal nos damos conta que o nosso olhar pode ainda estar lendo o mundo de forma tutelada. É preciso redi-mensionar tanto a capacidade como a forma de se olhar.

Capacidade é o espaço interior vazio. Ser capaz não é só preencher este vazio. Para facilitar vamos nos comparar a uma caneca. O espaço vazio da caneca está lá e até que percebamos ela

será enchida com o que nos for dado. Sem distinguir ou questionar de forma significativa, engolimos. Muito do que está lá é bom e nos ajuda a fortalecer. Mas junto com o que nos fortalece, há muitas coisas quenão nos faz diferença alguma e outras tantas que são altamente prejudiciais. O problema é que está tudo junto e misturado e geralmente mal se sabe identificar o quê é o quê. Devido a essa confusão a vida acaba também sendo pautada por princípios que, além de não terem valor algum, já deveriam ter sido descartados. Por exemplo, se alguém o chamou de incapaz, feio, agressivo, inútil ou qualquer coisa do gênero e VOCÊ colocou

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essas informações em sua caneca, há um sério risco de acabar acreditando que isto é verdade. Da mesma maneira você pode internalizar que quer muito ser de determinada forma, gostar de alguns gostos, comprar ou obter coisas que na verdade você não quer ou não quer tanto assim. Este espaço ou capacidade que agora está em parte preenchido precisa e deve ser reestruturado. E a reestruturação não parte do que está lá dentro mas da forma como se vê o que esta lá dentro. Mudando o olhar, modifica-se a leitura. Modificando a leitura você conseguirá identifica o que é necessário conservar, transformar e descartar de sua caneca. Ao esvaziar-se você, resignifica o mundo, a vida e a si mesmo.

Quando você pensa, atribui pesos reais ao que vale ou não para sua vida e coloca na balança (sopesar) você começa a fazer uso da razão sem o condicionamento do outro, deixa de estar sob tutela. Seria o mesmo que dizer que você não precisa mais que o olhar do outro lhe informe como você deve pensar/raciocinar/agir, você o faz a partir de si mesmo, você se torna o sujeito do seu pensamento, alguém esclarecido, maior de idade. Entenda aqui ‘outro’ como tudo o que é exterior a você (pessoa(s), família, religião, sociedade, normas, dogmas, preceitos...).

Maioridade ou menoridade aqui não tem haver com o tempo cronológico ou a idade e sim com a capacidade que temos ou não, de nos tornar responsáveis pela nossa própria história.

A partir do poema “Deficiências”, observe como magicamente Mário Quintana consegue mudar a leitura ao mudar a forma de olhar.

"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as

imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter

consciência de que é dono do seu destino.

"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.

"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria,

e só têm olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.

"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o

apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer

garantir seus tostões no fim do mês.

"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da

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máscara da hipocrisia.

"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de

sua ajuda.

"Diabético" é quem não consegue ser doce.

"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.

E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:

"Miseráveis" são todos que não conseguem Amar.

Boa parte do raciocínio que desenvolvemos até aqui tem como referência o pensamento de IMMANUEL KANT (1724-1804): Kant viveu no período do ILUMINISMO, também

conhecido como ESCLARECIMENTO. No primeiro parágrafo do seu texto “O que é o Ilumi-

nismo” (1783), temos: “Esclarecimento é à saída do homem da sua

menoridade, da qual ele próprio é o culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se a si mesmo, sem a direção do outro. Ousa saber!”

Perceba aqui que o homem NÃO é menor de idade, ele é maior. Porém, por não fazer uso da sua razão sem a interferência do outro que direciona seu pensar e consequentemente seu agir, ele permanece na menoridade. Não é o responsável primeiro pelas suas próprias escolhas, pela sua vida.

Repare que ao nosso redor, não é difícil encontrarmos pessoas que não são donas das suas próprias escolhas e vivem a maldizer a vida e a esparramar lamúrias. Boa parte do tempo tudo está ruim ou errado e o responsável por isso é sempre o outro. Como posso responsabilizar o outro, independente de proceder ou não, se não consigo responsabilizar-me pela minha própria vida? Esse processo de saída da menoridade é única e exclusivamente de responsabilidade pessoal. Não há como fazer pelo outro. É um processo em que cada um tem que assumir as “rédeas” da sua vida. Afinal, somos nós que enchemos a ‘caneca’ e somos nós que devemos ver o que nos alimenta e o que nos envenena para, a partir daí, agir.

Para Kant, ainda que eu seja direcionada pelo outro, e que tudo o que eu faça ou pense seja ditado por este outro e ele tenha o controle da minha ação e até mesmo do meu pensamento, ainda assim, submetido a esta tutela, eu sou o culpado desta situação, o responsável pela minha condição de tutela. Isto porque entendimento, eu tenho, o que me falta é vontade e coragem para usar a razão de forma livre, não tutelada. Somos os culpados por ser dependentes, por não ser donos de nós mesmos. Se tivéssemos sido criados sem entendimento, sem uso da razão, não teríamos responsabilidade nenhuma em ser dirigidos por outro(s), de sermos autômatos, robôs.

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Mas não é esse o caso, visto que temos

entendimento, temos razão e, portanto, temos a POSSIBILIDADE de dirigir a nós mesmos, de nos governarmos.

O primeiro passo para sairmos da menoridade reside em tomarmos consciência dessa culpa. Kant nos convoca a esse passo quando nos desafia: “OUSA SABER!!!”, ou seja, tenha VONTADE de fazer uso do seu próprio entendimento.

Ao descrever a menoridade e a maioridade, Kant não se refere somente ao indivíduo enquanto tal. Esse indivíduo faz parte de um contexto histórico. Não se trata aqui simplesmente de uma evolução histórica pessoal, da passagem de uma fase ruim para outra melhor.

A HISTÓRIA NÃO É ALGUMA COISA QUE TRANSCORRE SOZINHA, POR ELA MESMA, MAS ATRAVÉS DOS INDIVÍDUOS QUE A FAZEM

Ao mesmo tempo em que a história se desenvolve graças a nós também se desenvolve

independente de cada um de nós. Se os indivíduos não fizerem por onde tornar-se emancipados e atingir a maioridade não é a história que o fará por eles. Em contrapartida, se ousarmos saber, a emancipação acontecerá com o indivíduo e na história.

Eu sou o responsável pela tarefa de me fazer livre, eu sou responsável pela minha menoridade e eu serei responsável pelo meu esclarecimento. Sou responsável por ter vivido sobre tutela. Serei responsável por viver emancipadamente.

Esta é a relação entre a modernidade e autonomia. O homem moderno pode ser definido como aquele que faz uso da razão.

Depois de definir o esclarecimento e o colocá-lo como característica moderna, Kant pergunta se os homens, de modo geral, são esclarecidos? E ele responde, NÃO!

Também pergunta se vivemos uma época esclarecida? E a resposta é a mesma, NÃO! Para Kant, no contexto do séc. XVIII, se vive em uma época de esclarecimento, mas não em

uma época esclarecida. Falta muito ainda para que os seres humanos, tomados em conjunto, possam ser colocados numa situação na qual sejam capazes de fazer uso seguro do seu próprio entendimento, sem serem dirigidos por outros.

A diferença entre uma época esclarecida e uma em fase de esclarecimento é o fato de ainda não ser, mas estar em PROCESSO. Existem vários aspectos (religião, relações sociais, história, moral...) que a humanidade ainda não é capaz de pensar por si mesma. Há alguma autonomia, mas está bastante longe de ser plenamente realizada. O esclarecimento (Iluminismo) não é só a meta da história (chegaremos lá e está tudo certo!). Se não houver o reconhecimento da culpa pela menoridade e da responsabilidade da saída da menoridade para o esclarecimento, NÃO chegaremos lá. Existe aí uma tarefa, um trabalho humano individual a ser feito: “OUSA SABER”! A grande inovação de Kant foi fazer uma filosofia de caráter CRÍTICO. Critica aqui se refere ao fato de buscar ver o aqui e agora. O que acontece no meu contexto.

Kant indica que a VONTADE e a CORAGEM desempenham um papel relevante (OUSA SABER) e aponta a filosofia crítica como um caminho para entender quais são as POSSIBILIDADES

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e LIMITES do conhecimento e da ação. Kant nos alerta que a liberdade de pensar, exercida com responsabilidade, tem que nos levar à verdade e não a ILUSÕES.

Ao sairmos da menoridade entramos em uma história de libertação que é feita aqui e agora, no presente. Kant mais uma vez nos desafia ao nos fazer refletir sobre:

O QUE EU POSSO SABER? O QUE EU DEVO FAZER? O QUE EU POSSO ESPERAR?

NOTA: Segundo MICHEL FOUCAULT (1926-1984), Kant é o primeiro filósofo a dizer que o que é digno de ser pensado é o presente.

COMO ANDA A MINHA ‘CANECA’?

Por muito tempo enchi minha ‘caneca’ com o que me foi dado. Preciso pensar (por na balança) tudo que está lá dentro, esvaziar e reconhecer quais são os “sabores e saberes” que não me cabe mais. A sensação é parecida com o insistir em calçar um sapato que o número ficou menor. Este uso só traz sofrimento e calosidades. É chegada a hora de esvaziar para conhecer melhor. Conhecer não é ser dono, aprisionar na caneca verdades e certezas. Conhecer está mais próximo de se lançar, sair para além de si, tomar consciência.

A consciência é o movimento do olhar. Se este olhar estiver significativamente preenchido de verdades e certezas inquestionáveis ele não irá além, em direção ao outro, porque é prisioneiro de si mesmo. Provavelmente você já deve ter tido a oportunidade de conversar com alguém que mal te escutou ou te percebeu. É como se ele estivesse conversando ou relacionando com ele mesmo. Às vezes, chega a acontecer de você falar algo e instantes depois, a pessoa fala exatamente o que você havia dito, como se aquela ideia ou expressão fosse dela e não sua. Ela estava tão contida nas suas verdades e certezas que perdeu a oportunidade de interagir com você .

Essa interação, onde eu tenho que me lançar, sair de mim e ir ao encontro do outro, me ajuda a descobrir quem eu sou. Porque quem eu sou eu descubro não nas correntes de verdades e certezas que me aprisionam, mas quando eu me permito ir em direção ao que eu quero me tornar.

Diferentemente de qualquer outro ser, seja animal, vegetal ou objeto confeccionado (ex.: tesoura), segundo alguns pensadores, o ser humano NÃO tem uma natureza pré-estabelecida.

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JEAN JACQUES ROUSSEAU (1712-1778) Rousseau, em seu livro “O Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Social” ao citar o gato nos dá o exemplo de que precisávamos. Ele menciona que quando o gato nasce ele já nasce com tudo que precisa para ser gato. De tal maneira que, a natureza que permite que o gato nasça é a mesma que permitirá ao gato viver até o fim da sua vida. De tal forma que “O GATO NÃO APERFEIÇOA”, o gato não melhora na arte de viver.

Se ele já nasce pronto não há por que aperfeiçoar. Todas as dificuldades enfrentadas pelo gato serão resolvidas pela sua natureza-instinto de gato, pela sua essência de gato. Sua vida é pautada por essa natureza.

Se você colocar, lado a lado, uma tartaruga que acabou de sair do ovo e um recém-nascido, a tartaruga é tartaruga em segundos, o recém-nascido não é homem/mulher no mesmo instante. Ele vai se tornando homem/mulher no decorrer de toda sua vida.

Embora o ser humano também tenha algum instinto, seu instinto não é suficiente para que ele resolva seus problemas existenciais. Se o homem respeitar os seus instintos, ele desaparece. Exata-mente por isso ele tem que ir além, porque terá que resolver problemas que a sua natureza não resolve. Ele terá que dar soluções para além dos seus instintos.

Rousseau nos lembra que o homem tem que aprender a viver. Por isso temos escolas. Não nos consta que gatos, pombos, tartarugas e outros, tenham construído escolas para si.

Eles vivem sem precisar aprender. A vida humana não está pronta nem na sua trajetória pessoal nem na sua vida em

comunidade. Ao compararmos a vida das pessoas há dois mil anos com a vida das formigas, nesta mesma época, constataríamos que as formigas, tanto singular quanto de forma coletiva, vivem hoje da mesma forma que viviam antes. Ao passo que a nossa vida é significativamente diferente. Por isso além da Cultura e Educação também temos a política. Não há política nos formigueiros.

Rousseau preocupou substancialmente tanto com a educação quanto com a política. Duas de suas principais obras são: “Emilio” (educação) e “Do Contrato Social” (política).

JEAN PAUL SARTRE (1905-1980) Em seu livro “A Náusea”, Sartre também nos dirá que NÃO existe uma natureza ou essência humana. Imagine, por exemplo, uma tesoura! Como será que surgiu a primeira tesoura? Alguém pensou em um jeito de cortar (papel, pano...) e imaginou que se tiver uma lâmina assim, outra sobreposta, e uma forma de apertar as duas lâminas, ai teríamos uma tesoura.

Foi bolado um plano, uma ideia, uma essência de tesoura e a partir daí estruturou-se um esquema de execução da ideia de tesoura e a primeira tesoura foi feita. Neste caso, o da tesoura, a essência vem antes da existência, o que equivale dizer que a ideia da tesoura veio antes da tesoura. Por muito tempo, e até mesmo hoje, muitos acreditam que em igual sentido, o homem, tal qual a tesoura (o gato, o repolho, a ameba...), tem uma essência (natureza) que vem antes da sua

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existência. Esta natureza/essência é quem dá as ordens, é quem diz o que o ser humano é e como deve proceder.

Sartre diz NÃO, NÃO e NÃO! “A EXISTÊNCIA DO SER HUMANO PRECEDE SUA ESSÊNCIA”. Eu não sou um gato, eu não sou uma couve-flor, eu não sou uma tesoura, eu não sou a materialização de uma ideia. Eu existo e a partir desta minha existência é que vai se formando a minha essência. Por isso sou livre para existir e é na liberdade, nas minhas escolhas conscientes que vou me definindo. Por isso tenho que me lançar me projetar para além de mim mesmo, porque não sou um ser pronto, sou um ser em PROCESSO, em

construção. Não posso me fixar em uma ideia pré-estabelecida de mim mesmo, porque sou quem me permito estar sendo, sou o que quero me tornar.

Ser o que se quer tornar implica em ter que pensar (por na balança) para viver. Às vezes sinto que isso é bom. É bom ter liberdade para decidir. Mas por outro lado, às vezes não é tão bom assim e me entristeço por não saber o que fazer da minha vida.

Essa tristeza especificamente existencial foi muito trabalhada pelo filósofo SOREN AABYE KIERKEGAARD (1813-1855), a que ele chamou de angústia. A angústia é a própria possibilidade da liberdade e o medo que essa possibilidade gera. É preciso CORAGEM para ir além. Segundo Kierkegaard, “Aventurar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar é perder a si mesmo. E aventurar-se no sentido mais elevado é precisamente tomar consciência de si mesmo”.

Não é fácil viver e mais difícil ainda é nos responsabilizar por nossa vida. Por isso, às vezes, o que mais queremos é tirar férias de nós mesmos, ou que alguém nos dê “colo”, melhor ainda, nos carregue no colo. Talvez por isso, mecanismos como autoajuda, crenças, estereótipos e definições que nos digam o que fazer ou como agir, desperta em alguns de nós tanta gratidão e benevolência. É como se tirassem o peso dos nossos ombros. São mecanismos que aparentemente cuidam de nós à medida que diminuem a dor que a angústia nos causa. Porém, o fato de diminuir a dor e não resolver as questões que as causaram acaba criando um novo problema que é a diminuição da autoconfiança e o aumento na crença de que as soluções para os meus problemas estão fora de mim, quando na verdade não estão. O maior especialista da minha vida sou eu mesmo. Estes artifícios só diminuem a soberania que tenho sobre mim.

Autoajuda é só a ponta do iceberg contemporâneo. Se olharmos a história da humanidade o que não faltará são exemplos cruéis de subordinação.

O comportamento de abrir mão da liberdade para definir a vida em nome de uma crença em uma essência que escraviza, Rousseau chama de imbecilidade.

Sartre em sua obra “O Ser e o Nada” nos dá o exemplo de um garçom de um café. Veja o garçom de café tão convencido de ser garçom de café que age como se fosse um garçom de café, estereotipicamente. Primeiro ele se convence que é um garçom de café. Depois ele condiciona ou escraviza sua vida pela crença em ser somente um garçom de café.

Quase todos nós conhecemos uma pessoa que já teve uma situação de vida econômica boa e acabou perdendo este status. Mesmo estando desprovida de recursos ainda teima crer que é o que

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não é mais. E o pior, age como se fosse melhor que os outros. São pessoas enrijecidas pela convic-ção de ser alguma coisa.

Sartre chama de MÁ FÉ quando respeitamos uma essência imaginária (ilusão) que aparentemente facilita a vida, mas, no fundo, subordina a consciência. Ainda que a sociedade nos condicione e oprima não deveríamos jamais abrir mão da nossa liberdade de perceber e pensar a nossa vida a partir de nós mesmos. Quem abre mão dessa liberdade não comete somente uma falta ética, mas também trai a si próprio porque a consciência é antes de tudo, liberdade. Nelson Mandela é um grande exemplo do que estamos falando. Mesmo preso, não abriu mão da sua liberdade.

A consciência ou o sujeito não é algo definido. Vou descobrindo a minha existência na medida em que vou vivendo e me lançando ao que ainda não é, mas pode vir a ser. Vou me PROJETANDO. Sartre diz que o homem está condenado a ser livre justamente por sempre se projetar. Fazendo referencia ao filme “Mãos talentosas”, qualquer pessoa pode vir a ser o que quiser, contanto que ela trabalhe para isto. Nossa liberdade, neste contexto, não é liberdade, é LIBERTAÇÃO! Somos livres para nos libertar ou no mínimo, para tentar.

Se você não sabe o que fazer da sua vida, não será difícil encontrar tiranos, gatunos, canalhas e espertalhões para trabalhar em cima da sua angustia. Farão dos programas existenciais que a eles interessam, soluções para sua angústia. Não tenha dúvida que a angustia humana, há tempos, direta ou indiretamente, vem ajudando a movimentar, e muito, o mercado financeiro.

"Nós vos pedimos com insistência: Nunca digam - Isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia, Numa época em que corre o sangue Em que o arbitrário tem força de lei, Em que a humanidade se desumaniza Não digam nunca: Isso é natural A fim de que nada passe por imutável." Bertolt Brecht (1898-1956)

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É PRECISO DESCONSTRUIR PARA CONSTRUIR. NOSSA LIBERDADE SE FAZ NO CAMINHO

Nossa liberdade é libertação, estar livre. Livre do quê? Tanto a palavra Libertar quanto Salvar, se refere a livrar. Do

que o ser humano deve se livrar? Ou se preferir, o que esvaziar de nossa caneca? Principalmente o que bloqueia, paralisa, danifica, enrijece a consciência. A consciência não é algo que já está pronto, é o processo constante de vir a ser, é a forma de olhar, que quanto mais “limpa” mais livre. Lembro-me de uma antiga e sábia historinha em que alguém olhava pela janela de sua casa e comentava o quanto as roupas da vizinha, penduradas no varal, estavam sujas e mal se dava conta que o que estava sujo era o vidro da sua Janela. Há também uma passagem bíblica que se refere ao fato de não podermos conduzir ninguém se não extrairmos o cisco do nosso olhar.

Imagine se vendo, dentro da sua casa, a olhar no olho mágico da sua porta. Você dará conta do que está do lado de fora, porém a visão não é ampla, pelo contrário é focada, reduzida. Nossa consciência é como o olho mágico que nos permite ver de forma focada e reduzida. Porém, quanto mais VOCÊ amplia esta abertura, tanto melhor será sua visão. Ampliar a abertura é limpar nossa janela, extrair de nós o cisco e com ele tudo que bloqueia, paralisa, danifica e enrijece nossa vida.

Como fazer?! Não há uma fórmula mágica e única. Cada um tem que descobrir o seu caminho. Mas há um fato que pode nos ajudar nessa descoberta. A saber, as maiores e mais significativas mudamos que fazemos em nossas vidas são feitas por Amor. O Amor não é interpre-tado de forma única.

Para trabalhar a visão sobre o Amor a partir de Platão, Aristóteles e Jesus Cristo, tomaremos partes da palestra “Amor”, ministrada pelo professor Clóvis de Barros Filho, Doutor em Direito (Universidade de Paris) e em Comunicação (USP), e consultor de Ética da UNESCO.

O professor Clóvis distingue a moral do amor pontuando que existe moral toda vez que escolhemos um caminho, toda vez que decidimos por algo e descartamos as outras possibilidades de vida. O ato de descartar essas possibilidades, conscientes ou não, é uma opção por não vivê-las. Há aqui uma decisão racional, uma escolha. O amor não é escolha. Surge sem que tenhamos decidido e vai embora sem que nada possamos fazer para impedir. Amor e moral não tem nada haver. No entanto é fácil perceber que na hora em que usamos a inteligência para fazer nossas escolhas, o amor possui um grande peso.

Quem ama se dá e se dá por amor, não há aqui generosidade. A generosidade é uma atitude moral que imita a atitude de quem ama. Se há imitação é porque não há amor. Mas ainda assim, por escolha, se quer agir de forma semelhante. É uma decisão pensada. É uma decisão ética.

PARA PENSAR MAIS: PLATÃO (427/347 A.C.) em sua obra “O Banquete”, explica o Amor como Eros.

Amar, enquanto Eros é desejar. Você ama aquilo ou aquele que deseja. Você ama enquanto e na intensidade que deseja. A má notícia é que se o desejo acaba o amor também acaba. Amor e desejo é a mesma coisa. Se Eros é desejo, desejo é o quê?

Desejo é a falta. É a busca do que faz falta. É a energia para buscar o que ainda não se consegue fazer. Resumidamente, você ama aquilo que deseja e deseja aquilo que não tem.

E quando tem? Ai não deseja mais. Se não deseja mais, não ama mais. É um “amor de vitrine”. Olho e quero muito, desejo a possibilidade de tê-lo. Ao adquirir/possuir já não desejo mais. O

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amor desaparece. Coloco o amor na estante ou em um baú de coisas assassinadas pela presença, pela posse, um baú de desejos mortos pelo consumo. Quem pode querer andar? Quem não anda porque quem anda, anda. Se o amor é desejo ele é sempre desejo por aquilo que não temos. E se por ventura algum dia tivermos, deixaremos de amar.

Ao olharmos boa parte das empresas que existem hoje em dia perceberemos que elas são fundamentalmente caracterizadas pelo Eros de Platão. O que uma empresa projeta? Metas. Meta é o que a empresa já conquistou? Já faz parte do patrimônio da empresa? Já é o lucro a comemorar? NÃO! Meta é o que falta. O que se espera do funcionário? Amor pela meta. Eros. Excitação pelo lucro do patrão. Loucura pela conquista do dinheiro que pode ir para a mão do concorrente. É isso que se espera.

Nascemos em um mundo que neste sentido já é erotizado. Vivemos boa parte da nossa vida acostumados a perseguir “amores de vitrine” e “cenouras”. O que é perseguir cenouras? Quando criança, próximo à casa dos meus avós, no interior, via a cena e achava cruel. Era amarrada uma cenoura em um fio preso à ponta do cabo de uma vassoura e sobreposta, em cima e à frente, da cabeça de um jumento, de tal modo que ele corria atrás da cenoura o tempo todo, tentando alcançá-la para comer, mas, este momento nunca chegava. Com isto ele se tornava mais ágil em relação aos interesses do seu dono. Não muito diferente passamos a vida toda perseguindo coisas com o intuito de se “chegar lá”. Esse chegar lá nunca chega ou nunca chega como queríamos. Passamos a maior parte da nossa vida nos preparando para enfim dizer: a vida chegou, não tenho que perseguir mais nada. Agora eu cheguei, consegui, posso usufruir, posso viver feliz! “Só que não”!

No mundo do consumo não há plena satisfação. O vizinho compra um celular, você compra também. O vizinho compra um carro, você compra também. O vizinho compra um carro com teto solar, você compra também... Ai, você percebe que sempre haverá o que você não tem e sua vida será uma busca incessante e uma eterna frustração.

Definitivamente, essa vida em que passamos o tempo todo perseguindo coisas que não temos, é um saco sem fundo, uma vida que por si só não vale a pena.

ARISTÓTELES (384-322 A.C.), questiona o amor como Eros.

Não pode ser só isso, só desejo. A vida desejante é infeliz. Em sua obra “Ética a Nicômaco”, Aristóteles propõe o amor como alegria, que é o amor pelo que você já possui e te faz bem (Philia). Philia - Philos equivale à amizade, amor. Se desejo é a busca do que não temos e nos faz falta, o que é a alegria? Alegria em Aristóteles é a passagem para um estado mais potente do PRÓPRIO ser. Nossa potência de agir oscila. Ora estamos em alta, ativo, animado inspirado... ora estamos em baixa, desanimado, angustiado, deprimido. Quando passo de uma potência baixa para uma alta, isto gera em mim alegria.

O fator que gera essa passagem é da ordem pessoal, não vale para qualquer um. O que me faz sentir alegre não é necessariamente é o que te faz alegrar-se. É um fator que cada um tem que achar o seu. Não existe modelo-fórmula ideal que se encaixe para todos da mesma maneira. A minha forma de alegrar-me só funciona comigo e a sua, contigo. Se alguém prometer lhe dar a

fórmula mágica, os “10 passos” para ser feliz ou algo que o valha, duvide, é balela, picaretagem. Quem lhe promete tal feito está zombando da sua inteligência.

Se alguém perguntar: O que faço para alegrar-

me? A resposta do professor Clóvis é, vai viver, observe, “conhece-te a ti mesmo”, esteja atento a sua vida.

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Se Platão foi um grande mestre e disse que amor é desejo pelo que falta, se Aristóteles foi um grande mestre e disse que Amor é alegria pelo que não falta, com qual dos dois eu fico? Talvez uma sábia resposta seja, fique com os dois. Nada te impede de amar o que você não tem e nada te impede de também amar o que você já tem.

Porém a alegria é muito mais rara que o desejo. Segundo o professor Clóvis isto acontece porque fomos condicionados a correr atrás de nossas cenouras. Não fomos preparados para a alegria. Na própria educação por várias vezes a alegria é punida e comparada à imaturidade. É comum nos incentivar a desejar e nos desencorajar a alegrar-se. No mundo das empresas não é diferente. Muito se ouve: “É preciso sair da zona de conforto”.

De Eros para Philia subimos um degrau. Querer tocar o corpo de qualquer ícone de beleza como, por exemplo, o da Juliana Paes ou

do Rodrigo Santoro, é para todo mundo. Viver com a mesma pessoa e depois de anos conseguir se alegrar com ela, requer espírito elevado e maturidade afetiva. Por que desejar todo mundo deseja, alegrar-se não é tão simples assim.

Agora subiremos mais um degrau ao relatar o amor proposto por Jesus Cristo. Repare aqui que não estamos nos referindo à religião ou religiosidade. Estamos explicitando uma breve ideia sobre o amor, falada por três grandes mestres na história da humanidade.

O amor de JESUS não é Eros nem Philia porque não é o desejo nem a alegria de quem ama. Jesus o chamará de Ágape. Ágape é o amor por qualquer um. Amor ao próximo é amor por qualquer um. E se o amor de Jesus é por qualquer um não pode ser desejo, porque não desejamos qualquer um. Se for por qualquer um não pode ser alegria, porque não é todo mundo que nos alegra. Para entender o amor Ágape é preciso que você perceba a diferença: Em Eros o que importa é que quem deseja sou EU, o amante. O amado eu troco. Ex.: desejo uma pamonha, amor pela pamonha. Desejo um carro, amor pelo carro... Você substitui o amado (sublimação). Na alegria sou EU que me alegro e o amor é por tudo que me alegra. Em Ágape é o oposto. O que importa é o amado. E o amante tudo fará pelo amado. Não por obrigação ou generosidade, simplesmente por amor. Enten-demos o amor Ágape quando a dor do outro me incomoda tanto que me doeria menos se eu estivesse no seu lugar.

Se fosse perguntado ao professor Clóvis o que a vida tem que ter para ser boa, ele lhe diria: Primeiro, deseje muito o que te faz falta, porque a vida nunca vai ser boa na derrota e na frustração. Mas, perceba que só o desejo não basta. Depois, permita-se a alegria. Consiga se alegrar com o que você já tem e, sobretudo perceba que depois de uma conquista que te alegra, se você não tiver com quem comemorar, sua alegria durará muito pouco e morrerá asfixiada pela solidão. Enfim, preocupe-se também em proporcionar alegria a quem está a sua volta e você verá que a sua própria alegria durará um pouco mais. Com esses três requisitos não têm como a vida dar errada. O problema é que nem sempre o amor dá conta. Vivemos com muitas pessoas e amamos muito pouco. Por isso a ética é tão importante. A ética é a busca de melhorar uma convivência sem amor. É a busca da melhor forma de conviver. Este aperfeiçoamento é proporcionado pela inteligência compartilhada, é inteligência a serviço da vida. O Amor e a Ética são os caminhos mais confiáveis para os instantes de vida feliz.

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A ética está ligada ao que se espera encontrar (esperança). De uma torta de morango, por exemplo, se espera que tenha gosto de morango. Embora muitas vezes não tenha, embora seu gosto seja artificial, é o gosto do morango que se espera dela. Da mesma forma a vida deve ter gosto de felicidade. Gosto de felicidade, aqui, está relacionado a tudo que você gostaria que durasse um pouco mais. Se eu passo o dia esperando o fim do dia, a semana esperando o fim de semana... Estou torcendo para que a vida acabe rápida. Felicidade é o contrário. Se você torce para não acabar é porque está valendo à pena viver deste jeito. Se você estiver torcendo para acabar, para o tempo passar rápido, troque de vida. Ninguém

merece ser o patrocinador da sua própria tristeza. Se andas a procura de metas, dar causa a felicidade de alguém é a única meta que vale a pena conseguir.

Uma vida sem pensamento é totalmente possível,

mas ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência

ela não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva.

Homens que não pensam são como sonâmbulos.

Hannah Arendt (1906-1975)

NOTA: Palavras que inspiraram a cons-

trução deste módulo:

ACEITAR – ACREDITAR – CONSTRUIR

Aceitar quem fomos (reconhecer), acreditar

em quem somos e construir quem sere-

mos.

Débora Moreira Amorim

Page 14: noções de liderança, ética e relacionamento interpessoal

REFERÊNCIAS

1. Chauí M. Iniciação à Filosofia. 1ª. ed. São Paulo: Ática, 2012. 2. Aranha MLA, Martins MHP. Filosofando: introdução à filosofia. 4ª. ed. São Paulo:

Moderna, 2009. 3. Marques M, Kauark P, Birchal T. CBC – Proposta Curricular de Filosofia. Secretaria

de Estado e Educação de Minas Gerais. 4. Cotrin G, Fernandes M. Fundamentos da Filosofia. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

Col. Magistério 2º Grau. Série Formação Geral. 5. Cortella MS. Pensar Bem nos Faz Bem! (Filosofia, Religião, Ciência e Educação). 1ª

Ed. Petrópolis: Vozes, 2014 6. De Barros Filho C. A Filosofia Explica Grandes Questões da Humanidade. 1ª Ed. Rio

de Janeiro. Casa da Palavra, 2014.