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IPTU PROGRESSIVO: UM ESTUDO DE SUA CONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVE IPTU: A STUDY OF ITS CONSTITUTIONALITY Hevelane da Costa Albuquerque Edson Ricardo Saleme ∗∗ RESUMO O Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbano, IPTU, é um imposto de competência privativa dos Municípios e do Distrito Federal, cujo fato gerador, conforme determinado no art. 32, do Código Tributário Nacional, é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, sem ter em conta a pessoa do contribuinte. Trata-se de imposto de natureza real; cujos cálculos não levam, ou não deveriam levar em conta a capacidade financeira do contribuinte, ao contrário do que ocorre com os impostos pessoais, que se vinculam diretamente à condição econômica deste. Apesar de tal característica a cobrança do IPTU, por força de determinação constitucional, admite a adoção de critérios de progressividade. É o que se observa tanto na redação original do art. 156, §1º, da Constituição Federal, em que a progressividade visava assegurar o cumprimento da função social da propriedade; quanto na nova redação dada pela Emenda Constitucional n. 29 a este artigo, que adota a progressividade em razão do valor do imóvel, bem como de um critério de alíquotas diferenciadas de acordo com a localização e o uso do imóvel. A despeito de tais previsões, o Supremo Tribunal Federal – STF - tem se manifestado desfavorável à progressividade do IPTU, com fundamento na natureza do tributo. Só recentemente, em junho deste ano, o Ministro Relator Marco Aurélio, acompanhado por outros quatro Ministros do STF, defendeu a constitucionalidade da progressividade na cobrança deste imposto. Em razão de tal decisão é que se propõe este estudo, cuja finalidade é analisar de forma sucinta alguns aspectos relacionados ao referido tributo, a aplicabilidade, ou não, da progressividade, tendo em conta os princípios constitucionais da igualdade, capacidade financeira, vedação à utilização de tributo com efeito de confisco, função social da propriedade, dentre outros. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental. ∗∗ Professor do curso de Mestrado da Unisantos e da Universidade do Estado do Amazonas.

Novos Desafios Hevelane Albuquerque e Edson r Saleme

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Novos Desafios Hevelane Albuquerque e

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  • IPTU PROGRESSIVO: UM ESTUDO DE SUA CONSTITUCIONALIDADE

    PROGRESSIVE IPTU: A STUDY OF ITS CONSTITUTIONALITY

    Hevelane da Costa Albuquerque

    Edson Ricardo Saleme

    RESUMO

    O Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbano, IPTU, um imposto de

    competncia privativa dos Municpios e do Distrito Federal, cujo fato gerador,

    conforme determinado no art. 32, do Cdigo Tributrio Nacional, a propriedade, o

    domnio til ou a posse de bem imvel por natureza ou por acesso fsica, como

    definido na lei civil, sem ter em conta a pessoa do contribuinte.

    Trata-se de imposto de natureza real; cujos clculos no levam, ou no deveriam levar

    em conta a capacidade financeira do contribuinte, ao contrrio do que ocorre com os

    impostos pessoais, que se vinculam diretamente condio econmica deste.

    Apesar de tal caracterstica a cobrana do IPTU, por fora de determinao

    constitucional, admite a adoo de critrios de progressividade.

    o que se observa tanto na redao original do art. 156, 1, da Constituio Federal,

    em que a progressividade visava assegurar o cumprimento da funo social da

    propriedade; quanto na nova redao dada pela Emenda Constitucional n. 29 a este

    artigo, que adota a progressividade em razo do valor do imvel, bem como de um

    critrio de alquotas diferenciadas de acordo com a localizao e o uso do imvel.

    A despeito de tais previses, o Supremo Tribunal Federal STF - tem se manifestado

    desfavorvel progressividade do IPTU, com fundamento na natureza do tributo.

    S recentemente, em junho deste ano, o Ministro Relator Marco Aurlio, acompanhado

    por outros quatro Ministros do STF, defendeu a constitucionalidade da progressividade

    na cobrana deste imposto.

    Em razo de tal deciso que se prope este estudo, cuja finalidade analisar de forma

    sucinta alguns aspectos relacionados ao referido tributo, a aplicabilidade, ou no, da

    progressividade, tendo em conta os princpios constitucionais da igualdade, capacidade

    financeira, vedao utilizao de tributo com efeito de confisco, funo social da

    propriedade, dentre outros. Mestrando do Programa de Ps-graduao em Direito Ambiental. Professor do curso de Mestrado da Unisantos e da Universidade do Estado do Amazonas.

  • Visa, ainda, suscitar alguns dos provveis efeitos da iminente mudana de paradigma a

    ser imposta pela deciso dantes citada.

    PALAVRAS-CHAVE: IPTU PROGRESSIVO - CAPACIDADE FINANCEIRA -

    DIREITO FUNDAMENTAL - POLTICA URBANA.

    ABSTRACT

    The Tax on Urban Land and Territorial Property, IPTU, is a tax of privative ability of

    the Cities and the Federal District, whose factual reason, as determined in art. 32, of the

    Internal revenue code, its the property, the useful domain or the ownership of real state

    by its very nature or for physical accession, as defined in the civil law, without counting

    on the contributor.

    One is about tax of real nature; whose calculations do not take, or they would not have

    to take in consideration the financial capacity of the contributor, in contrast to what it

    occurs with the personal taxes, that directly associate the economic condition of the one.

    Despite of such characteristic, the collection of the IPTU admits the adoption of criteria

    of progress, by force of constitutional determination.

    What it is observed is in such a way in the original writing of art. 156, 1, of the

    Federal Constitution, where the progress aimed at assuring the fulfillment of the social

    function of the property; its about the new writing given for Constitutional Emendation

    n. 29 to this article, that adopts the progress in reason of the value of the property, as

    well as of a criterion of aliquot differentiated according to the localization and the use of

    the property.

    In spite of these predictions, the Supreme Federal Court - STF - has been revealed

    favorable to the progress of the IPTU, basing on the nature of the tribute.

    Only recently, in June of this year, the Minister Reporter Marco Aurlio, followed by

    others four Ministers of the STF, defended the constitutionality of the progress in the

    collection of this tax.

    Due to this decision this study has been done, whose purpose is to analyze briefly some

    aspects related to related the tribute, the applicability, or not, of the progress, taking in

    consideration the constitutional principles of the equality, financial capacity, prohibition

    to the use of tribute with effect of confiscating, social function of the property, amongst

    others.

  • It still aims at stirring up some of the probable effect of the imminent change of

    paradigm to be imposed by decision that was previously mentioned.

    KEYWORDS: GRADUAL - FINANCIAL CAPACITY - RIGHT IPTU BASIC -

    URBAN POLITICS.

    SUMRIO: 1. Introduo; 2. Natureza e finalidade do IPTU; 3. Possibilidade de

    progresso do IPTU; 5. IPTU como instrumento da poltica urbana.

    1. Introduo

    Visa este artigo suscitar algumas questes relacionadas progressividade

    do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbano, o IPTU, tais como: a

    natureza e a finalidade deste imposto; a possibilidade de progresso em sua cobrana

    tendo em vista sua natureza; a relao entre a progressividade da alquota e os princpios

    da capacidade financeira e funo social da propriedade; e o IPTU como instrumento da

    poltica urbana, sua exigibilidade e aplicao.

    Questes estas que ganham vulto novamente em razo de cinco

    Ministros do Supremo Tribunal Federal, dentre onze, terem votado pela admisso da

    progressividade da alquota na cobrana do IPTU, em junho deste ano, ou seja, dez anos

    depois da deciso proferida no Recurso Extraordinrio n. 153.771-0-MG do Supremo

    Tribunal Federal1, o qual afirmou que o IPTU, em nosso sistema tributrio, um

    imposto real, no sendo admitida, portanto, a sua progressividade.

    Entendimento consolidado e inalterado mesmo com a edio da Emenda

    constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000, que instituiu a progressividade baseada

    no valor do imvel, e a distino das alquotas com base na localizao e uso do imvel.

    Ressaltando que referida Emenda Constitucional foi objeto de crticas por juristas

    diversos e alvo de declaraes incidentais de inconstitucionalidade; alm de ter

    inspirado a Smula 668, do STF, de 24 de setembro de 2003, que reputa como

    inconstitucional a lei municipal que tinha estabelecido, antes da Emenda Constitucional

    29/2000, alquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o

    cumprimento da funo social da propriedade urbana.

    1 Julgado em plenrio no dia 20 de novembro de 1996 e publicado no DJU, Seo I, em 05.09.97 e na LEX-STF, vol. 229, pp. 177/219, pelo Relator Ministro Moreira Alves.

  • Sem olvidar que entre a edio das referidas Emenda Constitucional e

    Smula, promulgou-se o Estatuto da Cidade, a Lei 10.257/01, que regulamenta os arts.

    182 e 183 da Constituio do Brasil e cujo artigo 7 prev a cobrana do IPTU

    progressivo no tempo, como forma de impelir o proprietrio de parcelar, edificar ou

    utilizar o imvel de acordo com as determinaes emanadas do poder pblico

    municipal, previamente definidas no plano diretor.

    Inegvel, portanto, a vontade estatal em estabelecer critrios de

    progressividade e seletividade para a cobrana do IPTU, tendo em vista a reforma

    urbana preconizada pela Constituio Federal de 1988.

    2- Natureza e finalidade do IPTU

    O IPTU tem previso no art. 156, I, da Constituio Federal e no art. 32,

    do Cdigo Tributrio Nacional; foi tratado ao longo dos anos como imposto real, ou

    seja, conforme definio de Rosa Jr., como aquele que em sua instituio visa nica e

    exclusivamente matria tributvel, abstraindo, portanto, a pessoa do contribuinte 2.

    Diferindo daqueles impostos institudos em funo do sujeito passivo, os ditos pessoais.

    No entanto esta distino tem sido refutada, na medida em que todos os

    impostos atingem o patrimnio do contribuinte. Nogueira, citando Rubens Gomes de

    Souza, afirma que a classificao jurdica dos impostos em reais e pessoais, leva em

    considerao o critrio do lanamento do imposto 3. Deste modo, os impostos reais so

    lanados com base no valor da matria tributvel, sem atentar para as s condies

    pessoais do sujeito passivo; enquanto que os impostos pessoais, so lanados tendo em

    conta o valor da matria tributvel, juntamente com as condies pessoais do

    contribuinte. Conforme se observa no imposto de renda que, ao permitir abatimentos, o

    faz por considerar a situao do contribuinte que declara ter filhos e outras despesas

    pessoais.

    Destarte, conclui o autor que todos os impostos so reais, por incidirem

    sobre o patrimnio em sentido lato (bens e valores), porm nem todos so pessoais.

    De Plcido e Silva diverge desta opinio ao ensinar que a propriedade

    cria a obrigao de pagar tributo para o contribuinte. A propriedade torna "exigvel uma

    prestao pessoal do seu titular, sujeitando as pessoas ao seu cumprimento (...) Tal

    obrigao exsurge quando o titular de um direito real obrigado, devido a essa

    2 ROSA JR, Luis Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributrio. 15 ed. atualizada. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001. p. 358. 3 http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4468 acessado em 30 de outubro de 2006.

  • condio, a satisfazer determinada prestao 4. A relao se efetiva entre pessoas

    (Estado e contribuinte) e a propriedade mero objeto constituinte da obrigao, sendo o

    imposto de natureza pessoal, portanto.

    A jurisprudncia dominante, inspirada em deciso proferida pelo

    Ministro Moreira Alves no RE. 153.771 / MG e RE.199-281-6 / SP, no se coaduna

    com nenhuma das opinies anteriores, firmou-se o entendimento que "no sistema

    tributrio nacional o IPTU inequivocamente um tributo real".

    E, assim sendo, este Ministro afastou a discusso quanto aplicao da

    progressividade do IPTU baseada em existncia ou no de previso constitucional,

    fundando-se na impossibilidade desta progressividade com base simplesmente na

    natureza do imposto.

    Este ltimo raciocnio parece se voltar para as dificuldades inerentes

    implementao da progressividade do IPTU. Dentre as quais destacamos a dificuldade

    em formular modelos eficientes de base de clculo, principalmente em razo da

    precariedade dos cadastros imobilirios, mesmo nas cidades que realizam a

    aerofotogrametria5; segundo, a possibilidade de impor uma carga tributria no

    correspondente capacidade contributiva do proprietrio do imvel, afinal nem sempre

    o valor, ou a localizao do imvel refletem a situao financeira dele.

    Esses aspectos indicam, a priori, a dificuldade para aplicao da

    progressividade ao tributo in casu.

    Por outro lado, o sistema tributrio brasileiro, segundo Marcelo Dias

    Ferreira, est calcado nos princpios e valores definidos na Carta Magna, e deixa claro

    que a exacerbao do individualismo econmico produz uma crescente desigualdade de

    renda, que se intensifica pelas dificuldades subjacentes ao nosso capitalismo tardio6.

    Deste modo, acrescenta que no apelo, cada vez mais presente, por

    polticas eqitativas se constata o seguinte dilema:

    Toda a ao afirmativa do Estado, destinada a distribuir a riqueza social, tende a expandir o conceito de incidncia tributria para alm das fronteiras tnues da autolimitao da

    4 SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.277. 5 Aerofotogrametria a cobertura aerofotogrfica executada para fins de mapeamento. Uma aeronave equipada com cmaras fotogrficas mtricas percorre o territrio fotografando-o verticalmente, seguindo alguns preceitos tcnicos como: ngulo mximo de cambagem 3, sobreposio frontal entre as fotos de 60%, sobreposio lateral de 30%. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Aerofotogrametria). 6 http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/pgm/usu_doc/A0001_04.pdf

  • liberdade, pois afeta as esferas do mnimo existencial e do no-confisco. Diante do paradoxo, o sistema tributrio acaba por operar de maneira regressiva sobre a populao, incidindo gravemente, em termos relativos renda, nas famlias com menor poder aquisitivo, constituindo-se num dos fatores que contribui decisivamente para a manuteno dos nveis de concentrao de renda e de desigualdade sociais observados no pas, muito embora, como sabido, as origens destes problemas sejam bem mais complexos e estejam alm da inequvoca tributao regressiva praticada pelo Estado em relao ao imposto imobilirio 7.

    Outro aspecto importante refere-se finalidade do IPTU, sobre a qual

    so vislumbradas duas hipteses, na primeira o imposto apontado revela uma finalidade

    fiscal, visando, portanto, apenas arrecadar recursos para os cofres pblicos para suprir

    suas necessidades gerais8, na segunda hiptese observa-se a finalidade extra fiscal, ou

    seja, o Estado o utiliza como instrumento de interveno nos domnios econmicos e

    social para resolver determinados problemas9.

    Harada expe que a progressividade do IPTU consta de duas

    modalidades, a progressividade fiscal, com fundamento no art. 145, 1, da Constituio

    Federal e a progressividade extra fiscal, lastreada no poder de polcia, prevista no art.

    156, 1 (progressividade genrica) e no art. 182, 4, II (progressividade especfica),

    ambos da Constituio do Brasil10.

    3-Possibilidade de progresso do IPTU.

    Em razo da natureza real do IPTU, o STF, no Recurso Extraordinrio

    n. 153.771-0-MG do Supremo Tribunal Federal11, negou a possibilidade de progresso

    das alquotas.

    Considerou o Ministro em seu voto que, sendo o IPTU inequivocamente

    um imposto real, no se admite a sua progresso fiscal; e, luz do art. 145, 1, da

    Constituio Federal, destaca a incompatibilidade entre um imposto de carter real e a

    progressividade decorrente da capacidade econmica do contribuinte.

    Afirmao perfeitamente ilustrada pelas leis municipais n. 10.921, de 30

    de dezembro de 1990, e n. 11.152, de 30 de dezembro de 1991, de So Paulo, julgadas

    7 http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/pgm/usu_doc/A0001_04.pdf 8 op cit. p. 356. 9 op. cit. p. 356. 10 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributrio. 7 ed. So Paulo: Ed. Atlas, 2001. p. 329 a331 11 Julgado em plenrio no dia 20 de novembro de 1996 e publicado no DJU, Seo I, em 05.09.97 e na LEX-STF, vol. 229, pp. 177/219, relatado pelo Ministro Moreira Alves.

  • inconstitucionais, pelo Supremo Tribunal Federal, por institurem progressividade fiscal

    com base em outros critrios que no o valor do imvel, como, por exemplo, a adoo

    de alquotas diferenciadas para imveis residenciais, no residncias e imvel no

    edificado, progredindo a alquota de forma diferente, bem como adotando faixas de

    valor venal diferentes, como se se tratassem de trs impostos distintos 12.

    Por esta ordem de idias, fez o Ministro uma ressalva quanto ao IPTU

    com finalidade extra fiscal explicitado no artigo 182, 4, inciso II da Constituio

    Federal, o qual preceitua especificamente o IPTU aludido no artigo 156, 1, inciso I da

    Carta, e que se refere ao objetivo de assegurar o cumprimento da funo social da

    propriedade.

    Em suma, entendeu como inconstitucional qualquer progressividade, em

    se tratando de IPTU, que no atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, 1,

    aplicado com as limitaes expressamente constantes dos 2 e 4 do artigo 182,

    ambos da Constituio Federal. O que implica, de imediato, na no admisso do IPTU

    progressivo com finalidade fiscal.

    Outro julgamento do Supremo Tribunal Federal digno de nota ocorreu no

    dia 31 de maio de 2005, tendo o Ministro Eros Grau como relator, em Agravo

    Regimental no Agravo de Instrumento n. 465.922, no qual o agravante sustenta que em

    face da declarao de inconstitucionalidade da LC 212/89 aplicvel ao

    contribuinte/recorrido o sistema de alquotas relativas encontrado na redao original

    da Lei Complementar 7/73, recepcionada pela Constituio de 1988, e jamais

    revogada. 13

    Ao proferir seu voto o Ministro exps vrios argumentos, dos quais

    destacamos somente os dois a seguir enunciados.

    Inicialmente, negou provimento ao agravo, sob o argumento da no

    incidncia da repristinao da lei anterior (LC 7/73) como conseqncia da declarao

    de inconstitucionalidade da lei posterior (LC 212/89), pois j est assentado no Supremo

    Tribunal Federal tal entendimento.

    Ressaltou, ainda que embora o Municpio de Porto Alegre afirmasse que

    a LC 7/73 tivesse afirmado no agravo que adotou o sistema de alquotas relativas e

    12 op. cit. p. 330 13 < http://www.stf.gov.br/processos/DetalhesProcesso.asp?origem=JUR&classe=AI-AgR&processo=465922&recurso=0&tip_julgamento=M> acessado em 2 de outubro de 2006.

  • no progressivas, o que se extrai das peas dos autos exatamente a previso de

    alquotas progressivas.

    Aps o voto, foi interpelado pelo Presidente da Corte, Ministro

    Seplveda Pertence, para que esclarecesse o motivo da LC n. 07/73 no ter sido

    recepcionada pela Constituio. Respondeu o Relator o motivo a previso na referida

    lei de dois tipos de alquotas, a progressiva e a seletiva.

    Feitos os debates, reconsiderou seu voto, provendo o agravo para melhor

    exame.

    Deste julgamento refulge uma outra modalidade de cobrana do IPTU,

    baseada em um sistema de alquotas progressivas, ou seja, um IPTU seletivo que, de

    acordo com o Ministro Marco Aurlio neste julgamento, ocorre quando a lei fixa

    percentagens diversas: imveis edificados de uso exclusivamente residencial, imveis

    edificados de uso exclusivamente no residencial e imveis no edificados. 14

    Afirmando tambm, este Ministro, jamais ter ocorrido dvida quanto a legitimidade

    constitucional desta disciplina, pois no encerra progressividade, encerra critrio

    seletivo.15

    Cabendo neste ponto uma breve lio sobre seletividade, Machado

    leciona que a seletividade pode ser entendida como a qualidade do tributo que

    seleciona, que discrimina, que o faz elemento de seleo, ou discriminao, em

    princpio pode ocorrer em razo de diferentes critrios. 16 E que tais critrios

    geralmente se baseiam na essencialidade do produto, visando alcanar a justia fiscal,

    produzindo por uma metodologia diferente um efeito semelhante ao produzido pela

    progressividade.17

    Desta forma, a afirmao do Ministro Marco Aurlio comporta duas

    indagaes: como se pode estabelecer a essencialidade do imvel sem ferir o princpio

    da capacidade financeira?

    A segunda indagao refere-se ao cotejo entre o critrio da seletividade

    explicitado neste ltimo julgado, e a progressividade fiscal adotada pelas leis

    municipais mencionadas anteriormente (n. 10.921, de 30 de dezembro de 1990, e n.

    11.152, de 30 de dezembro de 1991, de So Paulo). No seriam as duas situaes

    14 Idem anterior 15 Idem anterior 16 PEIXOTO, Marcelo Magalhes (coordenador). IPTU: Aspectos jurdicos relevantes. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2002. p. 247 17 op. cit. p. 247

  • semelhantes, uma vez que ambos adotam critrio que no se baseia no valor do imvel

    (imveis edificados de uso exclusivamente residencial, imveis edificados de uso

    exclusivamente no residencial e imveis no edificados), o que j foi, inclusive,

    julgado como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal?

    Para responder primeira deve-se utilizar a Emenda Constitucional n

    29, de 14 de setembro de 2000, que ao alterar o 1, do art. 156 da Constituio

    Federal, ofereceu parmetros para o estabelecimento de critrios de seletividade de

    alquotas do IPTU (localizao e uso do imvel).

    No que tange ao critrio da localizao importante que se vislumbre

    pelo menos dois aspectos: a possibilidade do poder pblico municipal se valer da

    aplicao de alquotas diferenciadas para desestimular a ocupao imobiliria em reas

    eleitas pela poltica urbana como de preservao, ou zonas especiais de interesse social,

    dentre outras; bem como a necessidade de fundamentar tal critrio em pesquisas

    minuciosas acerca das reas delimitadas, para, assim, agregar outros elementos de modo

    a atender o princpio da capacidade contributiva.

    Quanto ao critrio do uso do imvel - este o que se revela dotado de

    maior complexidade para sua imposio - o que se busca demonstrar, no presente

    estudo, por meio de um nico exemplo, talvez pessimista, mas necessrio: a adoo de

    alquotas diferenciadas (ou at mesmo iseno) para indstrias, estimulando-as a se

    instalarem em uma cidade, gera muitas vezes empregos insuficientes, alm de outros

    transtornos, tais como poluio, doenas profissionais, fluxo migratrio intenso seguido

    de problemas urbanos (violncia, degradao ambiental pela ocupao desordenada do

    solo etc.), tudo a contribuir para a reduo da qualidade de vida naquele espao urbano.

    Ao mesmo tempo em que a sociedade local fica premida dos valores (receita advinda

    dos impostos) que serviriam para investir em projetos destinados a melhoria da

    qualidade de vida.

    Tais questes no esto elucidadas e vo se delineando na medida em

    que se configura uma poltica urbana voltada para assegurar a dignidade da pessoa

    humana, seus direitos sociais, a participao popular nas decises polticas, enfim na

    efetivao dos objetivos constitucionais voltados para o desenvolvimento urbano e

    efetividade dos instrumentos infraconstitucionais de ordenao urbana.

    A despeito da pretensa inconstitucionalidade da Emenda Constitucional

    n. 29, e, talvez, a par das inmeras questes relacionadas poltica de desenvolvimento

    urbano adotada pela Constituio da Repblica, expressos em seu art. 182 e seguintes, o

  • Ministro Marco Aurlio, proferiu voto favorvel, no dia 28 de junho do corrente ano, ao

    IPTU progressivo (previsto na referida emenda constitucional), sendo seguido por

    outros quatro Ministros.

    O Ministro Marco Aurlio de Mello considerou procedente o pedido do

    Municpio de So Paulo, em razo de a Emenda Constitucional n. 29 no significar

    restrio a garantia individual, no afastando, portanto, clusula ptrea; por outro lado,

    segundo o ministro, o texto constitucional anterior referida Emenda j continha

    previso de progressividade em funo da capacidade contributiva.

    Votaram junto com o relator a Ministra Crmen Lcia, os Ministros Eros

    Grau, Seplveda Pertence e Gilmar Mendes.

    A aceitao do IPTU progressivo (seletivo quando se trata de alquota

    baseada no uso e local do imvel), se ocorrer, significar uma mudana radical nas

    decises da Suprema Corte, e poder implicar na consolidao deste imposto como o

    mais amplo instrumento de regulao urbana, desde que utilizado de forma justa, em

    consonncia com os princpios constitucionais da capacidade financeira, vedao ao

    confisco, razoabilidade, isonomia e funo social da propriedade.

    4. IPTU como instrumento da poltica urbana.

    Conforme ressaltado, a progressividade do IPTU, na iminncia de ser

    aplicada plenamente, deve observar os princpios da capacidade financeira e da funo

    social da propriedade, da vedao ao confisco, da isonomia e da funo social da

    propriedade.

    Em relao ao principio da capacidade financeira importante destacar a

    necessidade da delimitao precisa da municipalidade quanto aos critrios de progresso

    das alquotas, para que o IPTU no redunde em injustia, para que o poder pblico se

    submeta aos limites da competncia tributria.

    Luciana Cardoso de Aguiar18 ressalta que no Estado Constitucional, o

    poder do Estado est sujeito Constituio, e neste sentido afirma:

    No podendo agir (o Estado) de forma desregrada, mas to somente na esfera traada pelas limitaes impostas pelos prprios cidados. Castilho afirma que o limite da intensidade da exigncia tributaria uma das maiores conquistas modernas no campo do Direito Tributrio e que apesar de inexistirem limites quantitativos de exigncia, no se pode concluir que possa o ente tributante livremente onerar os contribuintes, j que os elementos normativos explcitos ou no na Constituio

    18 www.buscalegis.ufsc.br/busca.php?acao=abrir&id=25023

  • determinam que a tributao deve incidir com razoabilidade, aplicando-se, dentre outros, o princpio da capacidade contributiva e da vedao de confisco. Nesse sentido, somente por esses argumentos, j se pode concluir que os limites ao exerccio da competncia tributria so um poderoso instrumento de defesa dos cidados.

    A aplicao da progressividade realiza a justia tributria se observados

    os princpios citados, ao mesmo tempo que evita os efeitos da regressividade, conforme

    ensinamento da Profa. De Cesare destacado por Marcelo Dias Ferreira a seguir

    transcrito:

    Diversos estudos prvios identificam que, medida em que a renda aumenta, os gastos com habitao ocupam uma percentagem menor da renda das famlias. A adoo de uma alquota nica (para imveis de uso residencial, p.ex.) para o imposto imobilirio resultaria em uma tendncia a regressividade, isto , na incidncia de uma carga tributria maior proporcionalmente sobre as famlias mais pobres. (...) Aplicar alquotas progressivas para o clculo do imposto sobre a propriedade imobiliria tendo por objetivo a progressividade fiscal do tributo, isto , gerar uma carga tributria maior proporcionalmente para as famlias de maior capacidade econmica, uma deciso de cunho fortemente ideolgico. A anlise apresentada no presente estudo demonstrou que a adoo de uma alquota nica (invarivel) para os imveis residenciais resulta em um imposto sobre a propriedade imobiliria regressivo. Ou seja, a carga tributria do IPTU maior proporcionalmente para as famlias de menor capacidade econmica, porque o imposto absorve uma parcela maior da renda das famlias de baixa renda. Esta concluso est diretamente relacionada inerente regressividade do imposto sobre a propriedade, causada pelo fato de que as famlias mais ricas precisam de menos meses de salrio para adquirir um imvel. A associao da regressividade inerente do imposto com a extrema concentrao de riquezas existente sugere que alquotas progressivas poderiam ser aplicadas para tornar o IPTU mais justo. O uso de alquotas progressivas para o IPTU seria recomendvel se a progressividade introduzida servisse para eliminar a caracterstica regressiva do imposto proporcional, contribuindo para um sistema neutro. Neste sentido, a diferenciao de alquotas seria estabelecida dentro dos limites da razoabilidade, visando apenas correo do vis identificado na relao entre o Preo do Imvel e a Renda Familiar.19

    19 http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/pgm/usu_doc/A0001_04.pdf acessado em 30 de outubro de 2006.

  • Superadas as discusses quanto a constitucionalidade do IPTU

    progressivo, desde que atendidos os princpios constitucionais inerentes aos tributos, e

    definidos de forma mais precisa possvel os critrios de progressividade, este imposto se

    configura como poderoso instrumento da poltica urbana, ao lado dos demais

    instrumentos prescritos no art. 182, da Constituio Federal.

    A mudana de parmetro no Supremo Tribunal Federal, ao invs de

    significar a constitucionalizao de um preceito inconstitucional, se mostra como a

    confirmao da poltica urbana adotada pela Constituio Federal de 1988, que visa a

    ordenao das cidades, e a melhoria da qualidade de vida das populaes.

    No entanto, importante suscitar que o Estado tem optado

    reiteradamente por aumentar a carga tributria dos contribuintes e que esta opo,

    aparentemente mais cmoda para quem exige o tributo, est diretamente relacionada ao

    baixo nvel de cobrana por parte dos cidados, ou seja, os contribuintes pagamos,

    geralmente, sem fiscalizar os atos dos entes tributrios.

    Conclui-se que cada vez mais se exige a adoo de nova postura por

    parte da populao, com vias a uma atitude participativa, utilizando os instrumentos da

    gesto democrtica previstas no Estatuto da Cidade e na Lei de Responsabilidade Fiscal,

    fiscalizando as decises e exigindo a contrapartida do poder pblico municipal, enfim

    efetivando os instrumentos da poltica urbana; sob pena de toda a construo

    jurisprudencial e doutrinria admitindo a extrafiscalidade do IPTU ser utilizada de

    forma inescrupulosa pela municipalidade simplesmente com fim arrecadatrio, e, assim,

    no ser utilizado como fonte de financiamento para solucionar os problemas urbanos.

    Referncia:

    http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4468 acessado em 30 de outubro de 2006.

  • http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/pgm/usu_doc/A0001_04.pdf acessado em 30 de outubro de 2006. http://www.stf.gov.br/processos/DetalhesProcesso.asp?origem=JUR&classe=AI-AgR&processo=465922&recurso=0&tip_julgamento=M> acessado em 25 de outubro de 2006. http://www.buscalegis.ufsc.br/busca.php?acao=abrir&id=25023 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributrio. 7 ed. So Paulo: Ed. Atlas, 2001. PEIXOTO, Marcelo Magalhes (coordenador). IPTU: Aspectos jurdicos relevantes. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2002. ROSA JR, Luis Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributrio. 15 ed. atualizada. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001. SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.