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Perspectiva sobre história dos partidos da classe trabalhadora
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DA HISTÓRIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO À NOVA HISTÓRIA POLÍTICA: O ATUAL ESTUDO DOS PARTIDOS – CULTURALISTA E
APOLOGÉTICO DO CAPITALISMOMarcio Lauria Monteiro*
[Versão final da comunicação apresentada na III Semana de História da UFF (março de 2015)
e no VIII Colóquio Marx e Engels (julho de 2015)]
A escrita da história dos partidos políticos e demais organizações que se reivindicam
portadoras dos interesses da classe proletária se deu de forma quase que concomitante ao
processo de crescimento e ganho de influência destas, tendo sido iniciada e por muito tempo
desenvolvida predominantemente por militantes e por fora do meio acadêmico. Tal quadro só
se alterou significativamente a partir da segunda metade do século XX, levando tanto a uma
profissionalização desse campo de estudos, quanto a uma profunda mudança em termos de
métodos, de problemáticas e mesmo de objetos abordados – mudança essa a qual se seguiu
uma crise e uma posterior recuperação do mesmo. Em grande parte, os diferentes momentos
desse longo processo de transformação foram reflexos de diversos fatores interconectados ao
nível da conjuntura política mundial, que afetaram não só os próprios partidos e organizações
classistas, mas também os referenciais epistemológicos que informavam a atuação dos
historiadores.
Cabe destacar dois grandes momentos de inflexão. O primeiro se deu nas décadas de
1950 a ‘70, profundamente marcadas por um espírito revolucionário anticapitalista, ao longo
das quais o que antes era a história do movimento operário adentrou a academia e se expandiu
consideravelmente, transformando-se nas em uma “História do Trabalho” – isto é, não apenas
do movimento operário e suas organizações, mas dos próprios trabalhadores, politicamente
organizados ou não. Já o segundo se deu nas décadas de 1980 a ‘90, marcadas, por sua vez,
pelo triunfo momentâneo da reação conservadora a esse espírito revolucionário, ao longo das
quais a História do Trabalho enfrentou uma grande crise, frente às derrotas e desarticulações
sofridas pelos movimentos classistas, as quais colocaram em cheque a relevância destes
enquanto objetos de estudos. Apenas na virada do século que esse campo se reergueu através
* Mestrando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense e bolsista pela Capes. Contato: [email protected] e https://uff.academia.edu/MarcioLauriaMonteiro.
de uma nova renovação, marcada por diferentes propostas de perspectivas e abordagens,
como por exemplo a de uma “História Global do Trabalho”.1
No decorrer desse processo de transformação-crise-recuperação, o estudo dos partidos
classistas do proletariado, antes um dos objetos centrais de tal campo, foi sendo marginalizado
e apropriado por um outro campo de estudos profissionais – o da História Política, sob a
forma da chamada Nova História Política, surgida na França em meados da década de 1970, a
partir de nomes como Jacques Julliard, Jean-François Sirinelli e Serge Berstein. Esta, além de
ser referenciada em posições teóricas muito distintas do marxismo que, por longo tempo,
informou esses estudos, não raro apresenta uma posição hostil ao classismo proletário, ao
marxismo e a projetos antisistêmicos em geral, realizando apologias abertas ou veladas da
ordem capitalista.
É o objetivo desta comunicação apresentar uma síntese desse percurso dos partidos
políticos enquanto objeto historiográfico, analisando de forma mais detida a maneira
predominante como os mesmos vem sendo estudados atualmente e problematizando, desde
um ponto de vista marxista, o caráter apologético e os pressupostos teóricos e metodológicos
dessa Nova História Política.
A TRANSFORMAÇÃO EM HISTÓRIA DO TRABALHO E OS ESTUDOS SOBRE
PARTIDOS
Muito já se escreveu sobre o referido processo de transformação da história do
movimento operário naquilo que se convencionou chamar de História do Trabalho. Aqui cabe
reter que passou-se de um tipo de narrativa que possuía forte caráter de instrumento de
legitimação política, portadora de caráter “hagiográfico” e não raro de postura panfletária,
focada na parcela organizada e militante dos trabalhadores, em suas instituições formais e
suas lideranças, para uma narrativa preocupada sobretudo com o trabalhador “anônimo”,
aquele frequentemente não sindicalizado e distante do movimento operário, visando
compreender suas condições de vida, as relações de trabalho nas quais se insere e mesmo seu
cotidiano2.
1 Esse percurso pode ser visto em maiores detalhes em trabalhos como BATALHA, Claudio H. M. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetórias e tendências. In CEZAR, M. F. (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2001, p. 145-158; PETERSON, Sílvia Regina F. Ainda o movimento operário como objeto historiográfico. Anos 90, Porto Alegre, n. 8, dezembro de 1997, p. 62-78; LINDEN, Marcel Van der. História do Trabalho: o velho, o novo e o global. Revista Mundos do Trabalho, vol. 1, n. 1, janeiro-junho de 2009, s.p.
2
Tal transformação foi largamente influenciada pela Escola Marxista Inglesa, com sua
perspectiva de uma história vista de baixo e com o resgate dos elementos subjetivos antes
abandonados pela vulgata economicista do marxismo. Mas que foi também fruto de elementos
mais abrangentes, como as exigências metodológicas variadas advindas do processo de
profissionalização do campo e a emergência na esquerda de fortes sentimentos
antirreformistas e anti-stalinistas (a New Left), que levaram muitos a não mais verem as
formas partido e sindicato (igualadas a engessamento e burocratismo) como centrais3.
Apesar da importância fundamental dessas transformações pelas quais passou o campo,
de um ponto de vista engajado e antissistêmico é muito problemático que o estudo acerca do
movimento operário propriamente dito se encontre hoje em baixa e que seus objetos tenham
sido apropriados majoritariamente por perspectivas hostis aos mesmos. Afinal, como ressalta
o historiador Geroges Haupt,
uma constante atravessa o movimento operário. O conhecimento ou desconhecimento de seu passado real é um fator importante de seu próprio desenvolvimento. O passado, soma das experiências vividas, não se assimila automaticamente, nem tampouco fica fixado espontaneamente na memória coletiva.4
Assim, se por um lado é animador que o campo da História do Trabalho, após seu
momento de crise, vivencie hoje uma profícua fase, atestada, por exemplo, pela vitalidade no
Brasil do GT Mundos do Trabalho da ANPUH, ou, internacionalmente, pela existência de
numerosos periódicos, grupos e institutos de pesquisa, é extremamente preocupante que os
estudos especializados acerca dos partidos classistas tenha em grande parte se desvinculado
de tal campo, junto a demais objetos considerados “tradicionais” no momento de sua
transformação.5 Para se fazer um paralelo direto com a situação da História do Trabalho no
Brasil, pode-se apontar como sintoma desse desaparecimento dos objetos “tradicionais” o
sumiço do GT da ANPUH dedicado à “História dos Partidos e Movimentos de Esquerda”,
que havia se originado na ANPOCS em meados da década de 1980.
Mas isso não significa que tenham cessado de existir estudos acerca de partidos que
sejam realizados por historiadores identificados com uma perspectiva materialista e dialética.
Todavia, é raro encontrar artigos focados em tal objeto em publicações mais diretamente
2 Cf. HOBSBAWM, Eric. História operária e ideologia. In Mundos do Trabalho. Novos Estudos sobre História Operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 18; HAUPT, Georges. Por que a história do movimento operário? Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 5 n. 10, março/agosto de 1985, p. 215.3 Cf. HOBSBAWM, Eric. Op. cit., p. 20-21.4 HAUPT, Georges. Op. cit., p. 224.5 Cf. PETERSON, Sílvia Regina F. Op. cit., p. 76.
3
vinculadas à História do Trabalho – e reflexões metodológicas acerca de como estuda-los são
quase inexistentes atualmente, mesmo entre os que resistem e continuam a escrever sua
história. Em termos de estudos especializados e sistemáticos, estes são atualmente um objeto
quase que exclusivo da Nova História Política. Assim, conforme observa Carlos Zacarias
Sena Júnior, ao mesmo tempo em que há certa retomada recente dos estudos de partidos e
movimentos de esquerda (comparado ao cenário da virada do século), deve-se ressaltar que
“nem todas as abordagens metodológicas são possíveis quando se pretende lidar com um tema
de características essencialmente políticas e sociais como um partido”6.
A OFENSIVA NEOLIBERAL E O CULTURALISMO IDEALISTA DA NOVA
HISTÓRIA POLÍTICA
Para entender tal quadro atual é necessário ter em conta que, nas últimas décadas do
século XX, a conjuntura política mundial foi fortemente marcada por uma ofensiva
conservadora, que afetou tanto o objeto (movimento e classe operária) quanto sua
historiografia. No âmbito historiográfico, isso implicou, conforme discutido pela historiadora
Emília Viotti da Costa, na passagem de uma história referenciada nas estruturas, para uma
história referenciada nas experiências – isto é, na dimensão subjetiva7. Conforme aponta
Marcelo Badaró, essa mudança, que se tornou hegemônica com o tempo, propagou uma
oposição simplista entre ambas as perspectivas e forneceu uma série de novas características
ao fazer histórico predominante, cujos críticos sintetizam sob a acusação de culturalismo: a
elevação da cultura a instância de um fator determinante da vida humana, frequentemente
visto como dotado de autonomia em relação às demais esferas8. Ou seja, o abandono da base
materialista e a adoção de uma base idealista, que se deu sob forte influência do paradigma
pós-moderno.
Já Enzo Traverso ressalta que tal mudança paradigmática também foi acompanhada,
ainda que menor grau, por grande hostilidade a projetos antissistêmicos e pela ideia de ruptura
revolucionária – fator que é visível na forma mais ou menos hostil como muitos adeptos da
6 SENA JÚNIOR, Carlos Z. F. de. Mito, memória e história: a historiografia anticomunista no Brasil e no mundo. In MELO, Demian (org.). A Miséria da Historiografia. Uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014, p. 120.7 Cf. COSTA, Emília Viotti da. Estruturas Versus Experiência. Novas Tendências na História do Movimento Operário e das Classes Trabalhadoras na América Latina: o que se perde e o que se ganha. BIB, Rio de Janeiro, n. 29, 1º semestre de 1990, p. 3-16.8 Cf. MATTOS, Marcelo Badaró. As bases teóricas do revisionismo: o culturalismo e a historiografia brasileira contemporânea. In: MELO, Demian (org.). Op. cit., p. 70.
4
Nova História Política abordam os partidos e organizações proletárias – e cujos críticos
nomeiam de anticomunismo9. Essa hostilidade anticomunista, calcada em uma apologia a
ordem democrático-burguesa e uma condenação a projetos alternativos a ela, levou ao
surgimento do que se tem se chamado criticamente de revisionismo contemporâneo, isto é,
uma releitura apologética de diferentes temas (principalmente a história das Revoluções
Francesa e Russa), voltada a transmitir a mensagem de que rupturas antississtêmicas são
perigosas, pois estaria demonstrado pela História que elas inevitavelmente levam a
“totalitarismos”10.
Todas essas características podem ser facilmente detectadas nos pressupostos básicos
que compõem a renovação culturalista da História Política. Uma das marcas maiores dessa
abordagem culturalista da esfera do político é o uso por parte de seus adeptos da problemática
noção de cultura política. Como já apontou Ciro Flamarion, seu uso frequentemente parte de
uma base profundamente idealista, pois toma a cultura política, expressa em “sistemas de
representações” (imaginários, mentalidades), como condicionante principal dos atos e
comportamentos individuais, como se fossem dotados de uma autonomia quase total em
relação a fatores econômico-sociais – sendo muitas vezes a eles contrapostos de maneira
simplista e dualista11.
Assim, os adeptos de tal noção não só negam a existência de interesses objetivos e de
classes sociais, como secundarizam o papel do Estado e dos grupos dominantes na construção
e perpetuação de mecanismos de poder e dominação, em prol de um foco de matriz
focaultiana nos “micropoderes”, evitando assim considerações sobre quem exerce o poder,
como e por que12. Ademais, seu uso é constantemente marcado por uma dimensão unificadora
e por uma secundarizarão de conflitos – seja no caso de abordagens essencialistas, que tomam
“nação” e “povo” como entidades unitárias cuja cultura política constituiria seu ethos, seja no
caso de abordagens mais plurais, que falam em uma multiplicidade de culturas políticas13. Por
fim, cabe resstar, conforme faz Ronald Formisano, que tal noção, apesar de amplamente
9 Cf. TRAVERSO, Enzo. The New Anti-Communism: Rereading the Twentieth Century. In: HAYNES, M.; WOLFREYS, J (eds.). History and Revolution – Refuting Revisionism. Londres, Nova York: Verso, 2009, p. 139.10 Cf. MELO, Demian de. Revisão e revisionismo na historiografia contemporânea. In: _____ (org.). Op. cit., p. 17-49.11 Cf. CARDOSO, Ciro Flamarion. História e poder: uma nova história política? In _____ & VAINFAS, R. (org.). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 52.12 Cf. MATTOS, Marcelo Badaró. Op. cit., p. 85 e MENDONÇA, Sônia Regina de & FONTES, Virgínia. História e teoria política. In CARDOSO, C. F. & VAINFAS, R. (org.). Op. cit., p. 58-60.13 Cf. MATTOS, Marcelo Badaró. Op. cit., p. 84-86.
5
difundida entre historiadores, carece de uma definição precisa e é frequentemente utilizada
como se seu significado fosse autoevidente, transformando-se assim em um verdadeiro termo
curinga14.
ANÁLISE DE CASO: SERGE BERSTEIN
O previamente mencionado Serge Berstein é um dos principais referenciais desses
historiadores culturalistas, sendo não só uma figura de destaque da Nova História Política,
como um dos principais historiadores com ela identificados que tem os partidos políticos por
principal objeto de estudo. Não à toa, é dele o capítulo dedicado a uma abordagem
metodológica do assunto na coletânea organizada por René Remond, que é tida quase como
um manifesto da Nova História Política. Cabe, portanto, uma análise mais detida do mesmo.
Importando boa parte do seu arcabouço teórico da Ciência Política norte-americana,
focada no estudo de comportamentos eleitorais, Berstein realiza nesse texto um balanço
crítico da abordagem então predominante acerca da história dos partidos, isto é, a negligência
em relação aos aspectos subjetivos e o foco quase que exclusivo em organizações de
esquerda. Em contraste com esse tipo de abordagem, reivindica as reflexões que politólogos
haviam realizado no sentido de se repensar a natureza e a função dos partidos, entendendo-os
enquanto o lugar da mediação política15.
Berstein então reduz o campo da política à “esfera do discurso e das representações
especulativas” e afirma que o papel principal de um partido político moderno é o de “traduzir”
determinadas aspirações de um época no âmbito do discurso e na forma de soluções para
determinados problemas que acometem a sociedade16. Berstein prossegue afirmando que, para
perdurar, um partido “torna-se depositário de uma cultura política”17, que funciona como o
meio de unificar seus membros, tendo em vista que nem sempre todos os membros e
simpatizantes possuem domínio do que ele chama da base doutrinaria da ideologia que
constitui o partido18. Essa cultura política se reproduziria através de um “sistema de
14 Cf. FORMISANO, Ronald. The Concept of Political Culture. The Journal of Interdisciplinary History, v. 31, n. 3, Winter 2001, p. 393-436.15 Cf. BERSTEIN, Serge. Os partidos. In REMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 57-60.16 Cf. Ibid., p. 60-61 e 66-68.17 Ibid., p. 60-61.18 Cf. Ibid., p. 66-69.
6
referências em que se reconhecem todos os membros de uma família política” e que se
expressam na forma de “ritos”19.
É inegável a importância de se estudar esse tipo de aspectos subjetivos que perpassam a
existência de um partido político, tais como a forma como seus membros entendem e
reproduzem as propostas do mesmo, ou como eles próprios se vêem em relação ao restante da
sociedade. E, em geral, a proposta central de Berstein, de estudar um partido com vistas ao
que ele e seus membros podem revelar acerca de uma época e sociedade abre grandes
possibilidades para os estudos históricos, se aproximando em muitos aspectos das aspirações
da História Social.
Entretanto, a forma como este propõe que se analise essas questões é profundamente
marcada por uma concepção não só idealista e subjetivista da realidade, como por vezes
apologética e anticomunista. Tais características são visíveis, por exemplo, no fato de Berstein
não falar em classes sociais, mas em “grupos”; de entender o campo do político como
puramente subjetivo, secundarizando ou mesmo negligenciando determinações materiais; de
secundarizar a importância de se estudar as “linhas políticas” dos partidos, ao privilegiar a
análise de sua "cultura política" ; e de tender a naturalizar a noção de nação enquanto uma
unidade, neutralizando conflitos e divisões internas, como quando diz que partidos necessitam
“de um projeto global que possa servir a nação em seu conjunto” (o que ainda exclui
experiências partidárias internacionalistas)20.
Ademais, ao buscar uma definição de “partido político moderno”, Berstein naturaliza a
democracia parlamentar burguesa e as eleições como as principais expressões da política,
relegando a segundo plano os partidos não-parlamentares e mesmo antisistêmicos21.
Consequentemente, descarta dessa sua definição aqueles partidos que considera
“intransigentes” (incapazes de realizar compromissos para que cheguem ao poder) e baseados
em “doutrinas filosóficas” / “sistema[s] ideológico[s] fechado[s]”, considerando ainda estes
últimos como “totalitários” (interessados em “forçar toda a sociedade a se adaptar ao modelo”
por eles defendidos)22. Comparando-os a igrejas, os condena em prol de partidos dispostos a
alianças e negociações e que não busquem ultrapassar os limites estreitos da sociedade
burguesa23. Comparação esta, aliás, recorrente entre os adeptos da Nova História Política, que
19 Ibid., p. 88-89.20 Cf. Ibid., p. 63-64.21 Cf. Ibid., p. 65 e p. 92.22 Cf. Ibid., p. 63, p. 77 e p. 86-87.23 Cf. Ibid., p. 87.
7
não raro recorrem à antropologia religiosa para interpretar a atividade política do militante
anticapitalista a partir de uma chave comparativa com o devoto religioso24.
ALGUNS COMENTÁRIOS FINAIS
Se se tem em conta que os pressupostos de Berstein não são um caso isolado, mas antes
constituem os próprios fundamentos da Nova História Política, vê-se que a forma como se
vem escrevendo de maneira predominante a história dos partidos, em particular aqueles
classistas e antisistêmicos, é extremamente problemática. Contra tal perspectiva, faz-se
necessário a apropriação daquilo que a História do Trabalho produziu de melhor no seu
esforço em superar as limitações da velha história do movimento operário, bem como daquilo
que ela segue produzido em esforços de autocrítica que tem levado a sofisticação cada vez
maior e culminado na produção de uma história decididamente social da classe trabalhadora.
Reintroduzir os partidos classistas do proletariado nesse campo se faz fundamental, não só
para o estudo sofisticado destes objetos, mas para o próprio aperfeiçoamento do campo, uma
vez que, como corretamente afirmou Sílvia Peterson:
Não se pode perder de vista que a história operária é a história da formação de uma classe, história, portanto, de experiências e ações comuns e coletivas. Associações, partidos, greves, formas mais ou menos institucionalizadas do movimento são, pois, elementos constitutivos deste objeto e não podem ser simplesmente descartados pela historiografia.25
Mas apenas um resgate do objeto não basta. A popularidade da Nova História Política
se dá em parte por esta atender a uma demanda concreta, a de se abordar os aspectos
subjetivos – que foram por muito tempo ignorados ou tratados de forma mecanicista. Mas a
via culturalista e anticomunista está longe de ser apropriada. Contra a falsa dicotomia
experiência versus estrutura, para a qual já alertara Viotti da Costa na virada do século, cabe
o resgate daquilo que há de mais sofisticado no marxismo, de suas correntes críticas que
nunca abandonaram a abordagem dos aspectos subjetivos – tais como as obras de Antonio
Gramsci, centralmente preocupado com a questão da dominação de classe via hegemonia, a
qual coloca a cultura no centro da análise; de Edward Thompson, que deu grande destaque à
subjetividade em sua análise da classe trabalhadora inglesa; ou ainda de figuras como Lenin e
Trotski, em cuja formulação política o tema da consciência e, portanto, do papel do indivíduo
e de sua subjetividade, possuíam papel de peso. O combate por uma abordagem crítica da
história dos partidos não só é fundamental, como urge ser travado.
24 Cf. SENA JÚNIOR, Carlos Z. F. de. Op. cit., p. 101-102.25 PETERSON, Silvia Regina F. Op. cit., p.65.
8
REFERÊNCIAS
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_____. Estruturas Versus Experiência. Novas Tendências na História do Movimento Operário e das Classes Trabalhadoras na América Latina: o que se perde e o que se ganha. BIB, Rio de Janeiro, n. 29, 1º semestre de 1990, p. 3-16.
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HOBSBAWM, Eric. História operária e ideologia. In Mundos do Trabalho. Novos Estudos sobre História Operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 15-31.
LINDEN, Marcel Van der. História do Trabalho: o velho, o novo e o global. Revista Mundos do Trabalho, vol. 1, n. 1, janeiro-junho de 2009, s.p.
MATTOS, Marcelo Badaró. As bases teóricas do revisionismo: o culturalismo e a historiografia brasileira contemporânea. In: MELO, Demian Bezerra de. A miséria da historiografia: uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014, p. 67-98.
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SENA JÚNIOR, Carlos Z. F. de. Mito, memória e história: a historiografia anticomunista no Brasil e no mundo. In MELO, Demian (org.). A Miséria da Historiografia. Uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014, p. 97-121.
9
TRAVERSO, Enzo. The New Anti-Communism: Rereading the Twentieth Century. In: HAYNES, M.; WOLFREYS, J (eds.). History and Revolution – Refuting Revisionism. Londres, Nova York: Verso, 2009, p. 138-155.
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