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8/18/2019 O Colapso Da Bolsa - Galbraith
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J o h n K e n n e t h G a l b r a i t h
O C O L A P S O
D A B O L S A , 1 9 2 9Com uma nova introdução do autor
Tradução e Notas Complementaresde CARLOS NAYFELD
Revisão Técnicade GUARACI NUNES DE FARIA
EXPRESSÃO E CULTURA
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ÍNDICE
Introdução 11
Uma Nota Sobre as Fontes 29
I Um Ano Para Lembrar. 31
II Visão, Esperança e Otimismo Sem Limite 37
III Algo Devia Ser Feito? 60
IV Em "Goldman, Sachs", Nós Confiamos. 80
V O Crepúsculo da Ilusão 104
VI O Craque 127
VII As Coisas se Tornam Mais Sérias 147
VIII Depois do Craque-I 168IX Depois do Craque-II 185
X Causa e Conseqüência 210
índice Onomástico 239
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Introdução
A REEDIÇÃO DE UM LIVRO relativamente conhecido cria uma tentação a que, segundo observei, poucos autores resistem. É a dedizer, com esse misto de modéstia escusatória e presunção evidente, em que Somerset Maugham foi talvez mestre, como seconseguiu realizar coisa tão boa. E tenho notado que os autoresque se sentem um tanto acanhados de exercer essa prática deauto-elogio começam com uma desculpa e depois tocam para a
frente de qualquer jeito. E talvez devamos fazer isso. Escrever éuma atividade extenuante e solitária; por trás dos problemasdo pensamento e composição pairam sempre as terríveis perguntas: Será esta a página que decidirá a sorte do livro? Seráaqui e agora que me descobrem? Portanto, como o político,quando os resultados da eleição estão chegando, e o pugilista,quando lhe erguem a luva, talvez nos seja permitido nosso pequeno momento. Talvez me permitam o meu. É possível, alémdisso, que as dores de nascimento deste livro tenham sido umpouco mais fortes do que as demais.
Escrevi este livro durante o verão e o outono de 1954. Naépoca, achava-me absorvido no manuscrito que, afinal, se tornouThe Affluent Society. Ou, mais precisamente, depois de mesesde labor improdutivo e frustrado, que resultará numa série decapítulos tão insípidos quanto ao conteúdo e tão repugnantesquanto ao estilo que nem eu agüentava lê-los, sentia-me completamente deprimido. O suicídio parecia ser a única solução; infelizmente, era um verão e bastante agradável no Sul do Estado de
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Vermont. Meu vizinho, Arthur M. Schlesinger, Jr., pedira-mede modo reservado, certa vez, que eu escrevesse a obra definitiva sobre a Grande Depressão. Ser-lhe-ia de grande utilidade, pensava ele, para o seu trabalho sobre Roosevelt. Resolvi assumir ocompromisso e escrever um livro sobre os dias dramáticos queprecederam a depressão.
Jamais gostei tanto de escrever um livro; na verdade, é oúnico do qual me lembro não ter constituído de fato um trabalho, e sim um prazer. Fiz as pesquisas na Biblioteca Baker, daEscola Dartmouth, trabalhando entre os murais de Orosco noandar térreo. De alguma forma eles encerravam a atmosfera deirrealidade, de excesso gargantuesco e de desastre iminente dosmeses que antecederam o craque.(*) E, como podia acontecerno fim da manhã ou no fim da tarde, se tal atmosfera ficassemuito sobrecarregada, eu escapava para a plena luz do Sol, navila mais deliciosa e tão comum em toda a Nova Inglaterra,tomava um martíni e comia uma boa refeição na EstalagemHanover. Dava minhas aulas apressadamente nesse outono e
corria para trabalhar no manuscrito; quando o entreguei ao editor, senti que estava dando adeus a um companheiro estimado evalioso.
II
O meu trabalho do outono parecia ainda mais relevante
em virtude do boom (**) que se verificava então no mercado de
(*) Baixa enorme e súbita dos títulos na Bolsa. É o oposto de boom.(N. doT.)
(**) Grande movimentação (nos negócios, na Bolsa etc.) com tendência altista. É o oposto de craque. (N. do T.)
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ações.. Este era pequeno em comparação com o de 1929; eramuito pequeno em comparação com a elevação do preço dasações e o decréscimo da rentabilidade que ocorreria em seguida.Mas era claro que um número cada vez maior de pessoas estavachegando à conclusão — a conclusão que é o denominador comumde todos os episódios especulativos — de que estavam predestina
das pela sorte, por um método infalível, pela graça divina, peloacesso à informação "lá de dentro" ou por uma excepcionalsagacidade financeira a se tornarem ricas sem trabalhar.
Na primavera, o boom, ou boomzinho, continuou. O PartidoDemocrata vencera as eleições parlamentares no outono anterior;o Partido Republicano instalava-se na Casa Branca pela primeira vez desde a saída de Hoover. Parecia valer a pena que aComissão de Bancos e Moeda, do Senado, averiguasse se oboom prenunciava outra derrocada. O presidente da Comissão,Senador William Fulbright, resolveu que seria uma investigaçãoserena e amistosa. Fui chamado a depor. Não inteiramente por
casualidade. Enquanto depunha, algumas semanas antes, sobreoutra questão perante outra Comissão, aproveitei a oportunidade para dizer aos Srs. Robert A. Wallace e Myer Feldman, doisdos eminentes e discretos cidadãos que servem ao público servindo aos congressistas e suas comissões, e então membros daComissão de Bancos e Moeda, o que eu tinha em andamento.Recebi logo um convite para depor sobre a experiência de 1929, eisso não foi uma surpresa intolerável.
Acredito que quase todo mundo gosta de depor perante umacomissão parlamentar amistosa ou mesmo perante uma um tanto severa. No momento sentimo-nos um oráculo — um pequenooráculo, é verdade — mas possuído de conhecimentos importantes para o futuro da República. Nossas palavras são registradas num documento imperecível, que tristemente talvez nuncaseja lido. Os jornalistas, um ou dois pelo menos, acham-se presentes, para transmitir nossos melhores pensamentos para omundo, ou, com mais freqüência, os piores, pois estes, sendo
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improváveis, constituem novidade e parecem merecer uma manchete menor. Um grupo de ouvintes está à nossa disposição. Comexceção dos casos de investigação excessivamente dramática,esse grupo de ouvintes é quase sempre o mesmo. Além doszelosos guardas dos departamentos do Executivo e os amigos dodepoente, consiste ele em entendidos dos inquéritos parlamentares que comparecem a eles todos os dias. Alguns são de idadeavançada e nenhum tem outro emprego, e se não são os nossosmelhores cidadãos devem pelo menos ser os mais. bem informados. Chantagens trabalhistas, a divergência em torno dos mísseis,influência na Comissão Federal de Comunicações, as ambiçõesdiplomáticas de Clare Luce,(*) as perspectivas econômicas, aorganização do Conselho Nacional de Segurança, tudo é grãopara o moinho bastante diversificado dessas pessoas. Eles ouvem atenta e criticamente; qualquer inquérito parlamentar apresenta um quê teatral, para o que contribui o fato de ser acompanhado por indivíduos competentes e dotados de espírito
crítico.O depoente num inquérito parlamentar é tratado com cortesia
e consideração, o que em política é sempre um pouco maisexagerado e portanto mais agradável do que em qualquer outromeio social. Deve, contudo, esperar que o seduzam a fazerdeclarações prejudiciais a seu caso, se convier às necessidades oucrenças políticas do interrogante. Isso aumenta o interesse, e osriscos não são muito grandes. Meus colegas de profissão eventualmente se queixam do tempo que perdem em preparar oucomparecer a esses inquéritos. Fazem-no apenas com o propósitode impressionar os outros na reunião do departamento a que
pertencem. Adoram isso e jamais pensariam em declinar dessahonra.
(*) Esposa de Henry R. Luce, um dos fundadores da revista Time,e que foi embaixadora dos Estados Unidos na Itália. (N. do T.)
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III
Depus na sessão matinal dos inquéritos sobre o mercado deações, na terça-feira, 8 de março de 1955. Vários depoentes domundo financeiro, inclusive o Sr. G. Keith Funston e um grupo
de subcomissários da Bolsa de Valores de Nova York, haviam-meprecedido. O mercado reagira ao depoimento deles com serenidade admirável porque nada tinham dito, embora se tivessemexpressado muito bem. Tampouco meu depoimento foi sensacional. Levara comigo as provas tipográficas deste livro; baseei-menelas para dizer o que acontecera 25 anos antes, em 1928 e1929. Quase no fim, sugeri que a história podia repetir-se, embora eu resistisse terminantemente a todas as solicitações paraprever quando isso ocorreria. Recomendei que se adotassemaior rigor na regulamentação do mercado a termo na Bolsa,como medida de precaução. Providência semelhante fora tomadapara reduzir o uso de crédito para especulação, durante a guerra,
quando o entusiasmo especulativo era bem menor. Durante todoo meu depoimento, os jornalistas ficaram olhando, meio boquiabertos, para o teto da sala de reuniões do Senado ou baixavam rapidamente os olhos para rabiscar uma nota casual. Um assistenteaparecia vez por outra, aproximando-se furtivamente ao longoda parede por trás da comissão, para entregar um bilhete a umdos senadores. Os presentes, a quem eu já conhecia de esperar aminha vez em ocasiões anteriores, escutavam-me com atençãoe, de quando em quando, trocavam idéias sobre meus fatos,lógica ou dicção. Como o depoimento foi seguido de perguntas,mais senadores foram entrando. Esse é talvez o momento cru-ciante de qualquer inquérito. Cada senador, por sua vez,
desculpa-se amavelmente por ter chegado atrasado e depoisfaz a pergunta que lhe ocorreu no caminho. A pergunta ésempre a mesma; e o senador não sabe que já foi feita antes:
Senador Robertson: — Bem, professor, todas as pessoas que aquicompareceram até agora nos afirmaram que os preços atuais dos
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papéis da Bolsa não sâo muito elevados. Qual a sua opinião arespeito disso?Senador Ives: — O senhor não acha que estamos na iminência de umaderrocada, acha?Senador Monroney: — Estou conjeturando se existe alguma base naalegação freqüentemente repetida para as novas elevações nos valoresdos papéi s.. . Diz-se que o mercado de ações está apenas acompanhando a subida inflacionária...Senador Payne: — Lamento ter chegado ta rde. . . quer fazer-me agentileza de informar se algumas dessas elevações provavelmente têm,ou não, refletido mais autenticamente o verdadeiro valor dos papéisem relação aos seus rendimentos?
O depoente experimentado observa que a pergunta, conquanto tenha semelhança com outra já feita, foi formulada de maneira nova. Então dá uma resposta que é a mesma em substância,mas bem diferente em forma, daquelas apresentadas antes. Ospresentes apreciam muito a habilidade com que o depoenteesmiuça tais detalhes.
Já quase no fim da manhã, o interesse parecia ter aumentado.Primeiro um e depois vários fotógrafos apareceram. Em seguida, uma ou duas máquinas de filmar. Com o cansaço que sobreveio em virtude de permanência mesmo tão recatada ante a atenção pública, penso que senti certa tensão. Lembro-me de ternotado que o atrito normal da comissão — que num assuntocomo Economia pode provocar um que dure uma hora ou maisapenas entre o presidente da comissão e um representante cauteloso da Oposição — não estava ocorrendo. Todos os senadorespermaneciam ali. E daí a pouco eu era a única pessoa da salaque ignorava a razão daquilo. O mercado de ações dava um
mergulho perigoso.Eu ainda ignorava a razão quando o inquérito foi suspenso às12,57, momento exato em que um intruso da CBS(*) entrou
(*) Columbia Broadcasting System, importante radioemissora americana. (N . do T. )
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impetuosamente na sala, seguido de dois animais de carga trazendo uma tonelada de maravilhas eletrônicas. Es tivera em outrasala fotografando Dulles. A verdadeira história lhe tinha escapado. Atendendo ao seu apelo quase choroso, repeti vários minutosde meu depoimento para uma janela aberta. A substituição dossenadores por essa coisa impassível levou-me a um grande alívio
de inibição. Comecei então a fazer gestos — às vezes graves epróprios de estadistas, outras vezes talvez um tanto aparatosos.Foi isso que o mundo e meus filhos viram. A estrada daí levouao Desafio de 64.000 dólares.
Eu ainda não sabia o que acontecera até que alguém meentregou um jornal com uma enorme manchete. As médias industriais do New York Times haviam caído sete pontos naqueledia. Os papéis perderam três bilhões de dólares, em seu valor, naBolsa de Nova York.
IV
De volta a Cambridge, os dias subseqüentes foram dos maisinteressantes entre os que guardo na memória. O telefone tocavacontinuamente — tão continuamente que meu secretário foipara casa aborrecido, deixando a meu cargo atendê-lo. Alguns dostelefonemas eram de figuras verdadeiramente importantes, como Ed Murrow, que queria que eu estendesse minhas observações a um público ainda maior. Declinei. Outros eram de pessoasque queriam saber se eu diria alguma coisa que influiria nomercado no futuro imediato. Prometi-lhes calar-mé. O resto erade indivíduos que apenas desejavam ameaçar-me por destruir-lhes o sonho.
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Os telefonemas foram reforçados, a partir da manhã após odepoimento, por uma montanha de correspondência. Toda desfavorável. Algumas das cartas eram ameaçadoras; outras, belicosas; outras ainda, piedosas. As belicosas me intimidavam comvárias formas de violência física. Minha mulher ficou sobremaneira preocupada com cinco comunicações recebidas de umhomem da Flórida anunciando que estava a caminho paramatar-me. Consegui abrandar-lhe o temor quando lhe mostrei(depois de ter examinado a fundo o caso) que todas aquelasmensagens traziam o carimbo postal de Palm Beach. Os indivíduos religiosos escreviam dizendo que estavam implorando aseu Deus para que me fizesse sofrer um acidente — algunspediam que Deus me tirasse a vida, outros que me aleijasse,sendo que a solicitação mínima era que eu perdesse toda acapacidade de abrir a boca. Na noite de quarta-feira, mergulheina cama refletindo, com um quê de piedade, em todas as precesque se elevavam avolumadamente, naquele momento, pedindominha estropiação ou destruição. Pensei em dizer uma palavraem meu favor e depois lutei com a idéia esmagadora de que essasquestões deviam ser decididas pelo voto majoritário.
A manhã seguinte surgiu radiosa e serena, e minha mulher eeu resolvemos passar o dia longe de tudo aquilo. Fomos para omonte Snow, Vermont, esquiar. Quase no fim da tarde, passeida neve dura de um lugar sombreado para a neve que tinha sidoamolecida pelo sol, caí de mau jeito e quebrei a perna. Os
jornais noticiaram o acidente. Eu soube então de pessoas cujacrença na existência de um Deus justo e onipotente ficara bastante reforçada.
Alguns dias depois, o mercado começou a subir novamente.Minha correspondência foi diminuindo e cessou. Uma coletânearepresentativa das cartas recebidas foi posta na sala de estudosde uma escola e vista com admiração pelos estudantes durantealgumas semanas. Mas ainda estava para acontecer muita coisa.
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V
Na época, como ainda neste momento em que escrevo, o Estadode Indiana era representado no Senado dos Estados Unidos porHomer E. Capehart, que é republicano, conservador e rico. É
possível, como os adeptos do Partido Democrata, pelo menos,acreditam, que o povo de Indiana mereça ter um representantemelhor. Mas ele não é um homem mau. Seus colegas o achamagradável. Assim também o achei num rápido encontro que tivera com ele. Era a época desmoralizante do Senador JosephMcCarthy. (*) Ao contrário de seu colega, William Jenner,Capehart nunca estivera muito envolvido nas campanhas deMcCarthy. Sendo o republicano mais antigo na Comissão deBancos e Moeda, ele não estivera presente no dia em que depus.
A 20 de março, no decorrer de um programa de televisão emcadeia, o Senador Capehart anunciou que eu seria convidadooutra vez a comparecer perante a Comissão, por ter falado a
favor do comunismo e depois, presumidamente, por ter contribuído para o avanço da causa comunista visto haver provocadoo colapso do mercado. Recebi alguns avisos. Um cavalheiro dogabinete daquele senador visitou-me, um ou dois. dias antes, paraver se eu admitia a autoria do elogio comprometedor. O programa fora filmado no dia anterior. Também esteve presente aoprograma um bom e valoroso amigo, o Senador A. S. MikeMonroney, de Oklahoma. Depois de improvisar uma defesa brilhante de minha suposta culpabilidade, telefonou-me para dizer oque estava para vir.
O elogio do comunismo fora tirado de um panfleto da Associação Nacional de Planejamento, que tratava dos problemas da
Europa após a guerra. Dizia que os comunistas tinham melhor
(*) Senador que moveu uma violenta campanha anticomunista, promovendo inquéritos parlamentares que procuravam comprometer os de-poentes, principalmente escritores, professores e artistas de cinema. (N.d o T . )
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reputação por sua sinceridade e determinação em atacar as velhas injustiças sociais e que também tinham uma solução para oproblema do pequeno nacionalismo proclamando a máximalealdade ao Estado proletário. Mas o caso do Senador Capeharttinha falhas. As palavras amáveis eram anuladas por uma advertência, manifestando desconfiança e aversão pelo comunismo
com base em outras coisas, que havia sido colocada bem nomeio do parágrafo com a finalidade específica de impedir qualquer uso inconveniente, uma precaução normal naqueles tempos. O senador achou necessário eliminar essa cláusula comprometedora, um ato bastante perceptível. O panfleto se baseavanuma preleção feita originalmente na Universidade de NotreDame, exatamente no Estado de Indiana. Uma versão anteriorfora publicada pela Universidade. O panfleto fora endossado emprincípio por Allen Dulles, irmão do Secretário de Estado, JohnFoster Dulles, e Milton Eisenhower, irmão do PresidenteDwight Eisenhower, um apoio que, contudo, podia provocardúvidas quanto à extrema originalidade das idéias avançadas.Mesmo um brilhante improvisador como Joe McCarthy devia
desejar um caso melhor.Um dia ou mais depois, o senador descobriu que, numa reu
nião da Associação Americana de Economistas, não muitoantes, um colega de profissão conservador dera margem a que setirassem conclusões precipitadas ao declarar que eu, embora tal-
Nota explicativa: O funcionamento do mercado a termo nos EstadosUnidos difere do seu congênere brasileiro e, embora ele possa ser inferido das páginas deste livro, achamos conveniente reforçar a sua compreensão, mencionando aqui o mecanismo do seu funcionamento: O Clienteabre conta numa corretora que lhe concede crédito, comprometendo-se adepositar uma margem de garantia, de acordo com um percentual fixado,para o lote de ações compradas a termo. Se essas ações baixarem depreço, o investidor é obrigado a aumentar a margem depositada emdinheiro, para garantir a liquidação da operação. Caso não proceda aeste aumento de depósito, a corretora negocia imediatamente os títulosque ficam sob custódia em sua carteira. Acresce que as operações a termosão realizadas sem prazo fixo de liquidação.
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vez inconscientemente, era "um dos inimigos mais eficazes docapitalismo e da democracia" de todo país. Mas essa denúncianão encontrou tanto eco quanto se esperava. Meu amigo considerava-me perigoso porque eu era muito tolerante no que diziarespeito ao monopólio industrial.
Tal como muitos outros intelectuais liberais, eu era um pro
fundo conhecedor dos métodos do Titus Oates(*) de Wisconsin.Dois deles sempre me pareceram merecer serem adotados porqualquer pessoa atacada. O primeiro consistia em evitar a defesada própria pessoa e em vez disso atacar o acusador. O segundoconsistia em evitar qualquer suspeita, por mais remota quefosse, de recato pessoal. Pus esses métodos à prova quando soubedas acusações. Enviei um telegrama à cadeia de televisão queapresentara o programa, às principais estações de rádio, às agências noticiosas e aos jornais importantes, denunciando o senadorpor inidoneidade. Eu identificava inidoneidade com falta deconhecimento de meus pontos de vista, e estes eu insinuava —na verdade, eu declarava — constituíam um capítulo imorre-
douro da história intelectual de nossos tempos. O telegramafoi seguido, dias depois, de uma entrevista coletiva à imprensa,que, por um feliz acidente de viagem, concedi em Indiana.
O efeito dos meus esforços, estou convencido, foi converterum ataque, que de outra maneira seria ignorado por completo,em notícia de primeira página. Nenhum de nós estivera antesem tamanha evidência, e acredito que jamais estaremos novamente. Mas não tenho queixa da imprensa. Ela concluiu que eufora atacado por ter sido indelicado com o mercado de ações. Eisso ela recusava-se a condenar como perigosamente subversivo.
O senador então subiu ao plenário do Senado para formular
outra denúncia, parte da qual se baseava na minha caracteriza-
(*) Titus Oates (1649-1705), impostor inglês que, por meio de documentos falsos e artimanhas, conseguiu, em 1678, levar muitos católicosingleses à forca, comprometidos com uma suposta conspiração papistacontra o Rei Carlos II. (N. do T.)
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ção do comunismo como uma força monolítica, o que êle considerava como gravemente suspeito.
— Sr. Presidente, — alegava ele — "monolítico" significa semelhante a um monumento, ou a uma coluna de forç a. .. Écomo descrever o comunismo como um monumento ou comouma coluna de força; ou, como costumamos dizer, como o roche
do de Gibraltar.Mas agora ele já estava perdendo a força. Afirmou, magnanima-
mente, que havia coisas no panfleto comprometedor com asquais "todos nós podemos concordar". Era injusto, acrescentouêle, sugerir que ele me chamara de "vermelho". Depois de outras alterações na comissão, ele se acalmou. O senador não tinhafama de caçador de bruxas. Tenho a impressão de que elepróprio entrou de gaiato nessa história. Prestei outra declaraçãomeio marota à Comissão, mas não fui convidado a depor novamente.
VI
A 21 de abril de 1955, o livro foi finalmente publicado. O editorresolvera, meses antes, que o livro precisava de uma sobrecapaboa e forte. Resultou que esta acabou sendo de um vermelhobem vivo e brilhante. Com essa cor e toda a agitação das semanasprecedentes, parecia certo que o interesse pelo livro seria extraordinário. No fim, a reação foi admirável, mas no começo a
aceitação foi apenas regular. Na verdade, deprimentemente regular. Uma noite passava eu pelo velho terminal La Guardiãem minha viagem de regresso a Boston e parei, como de costume, para dar uma espiada na vitrina da pequena livraria existente no caminho para a rampa. Como de costume, não havianem sinal da sobrecapa vermelha brilhante.
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A funcionária da livraria perguntou se eu queria alguma coisae então reuni todos os meus recursos de coragem e verossimilhança e disse:
— Parece que me lembro de uma boa discussão recente emtorno de um l ivro. .. esqueci o nome do autor, talvez sejaGalbraith. . . mas acho que se chamava The Great Crash (O
Craque da Bolsa).Respondeu a mulher:
— Certamente isto não é título de livro para se vender emaeroporto.
VII
Era o que eu tinha a dizer sobre o aparecimento do livro. A obrase destinava a ser a história de um episódio importante e dramático; não fazia parte de seu propósito prever o futuro oudescrever o que devia ocorrer novamente. Contudo, com certezaeu pensava no futuro. Sou conservador e portanto estou disposto a encontrar antídotos para as tendências suicidas do sistema econômico — disposição essa que, por uma freqüente inversão de linguagem, em geral faz a pessoa adquirir a reputação deradical. Uma dessas tendências prejudiciais é a orgia especulativa que se repete a cada passo. Isso não atende a qualquerfinalidade útil. E subverte a motivação pecuniária dos fins quesão comumente úteis para os que são profundamente prejudiciais.O Grande Craque de 1929 reduziu a procura de mercadorias,destruiu por algum tempo o mecanismo normal de empréstimo e investimento, contribuiu para a paralisação do crescimentoeconômico, causou muito sofrimento e, é desnecessário dizer,alienou milhares e milhares de pessoas do sistema econômico. As
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causas do craque residem, todas elas, na orgia especulativa queo precedeu. Esses episódios especulativos têm ocorrido em intervalos através da história, e a extensão do intervalo talvez tenhacerta relação com o tempo que os homens levam para esquecero que aconteceu antes. A tarefa utilitária do historiador é manterviva a memória do povo.
Todos os que lerem estas páginas e observarem o mundo queos cerca encontrarão, de vez em quando, prova da memóriafraquejante. Outrora, a companhia de investimento era a invenção notável que trazia para o pequeno c inocente investidor osvaliosos benefícios da orientação abalizada do investimento e apromessa de altos ganhos e grandes rendimentos sobre o capital.Agora temos os fundos mútuos. É tão valiosa a genialidade financeira proporcionada por esses fundos que se organizam companhias para fornecê-la às companhias que realmente investem odinheiro. Sendo enorme o lucro proveniente da venda dessagenialidade e também o custo de vendê-la, seria ilógico admitir
que o investidor obtém a orientação a baixo custo. Quando viero novo colapso, muito dos que se entregaram completamente aosplanos contratuais de investimento — pondo tanto dinheiro pormês num fundo mútuo — poderão descobrir que grande partedo seu dinheiro foi devorada pela genialidade, e os outros custos,e que não resta muito em reserva.
Os que lerem aqui sobre Ivar Kreuger se lembrarão de titãsmais recentes que só o deixaram de ser com um tiro de revólverou quando partiram às pressas para o Brasil. E os maiores emelhores escroques ainda não foram descobertos. De vez emquando, vemos operações financeiras empolgantes, ao velho estilo. Sente-se que, cada vez mais, elas são olhadas com espanto eadmiração, e não com apreensão. E quando o interesse em tornode um determinado papel da Bolsa se torna frenético, diz-se maisuma vez que se baseia numa estimativa profunda de valorizaçãoa longo prazo, nas fabulosas perspectivas de crescimento da indústria em questão, na certeza das crescentes recompensas pro-
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porcionadas pelo capital de risco, criteriosamente investido, ena inevitabilidade da inflação contínua.
Acima de tudo, é evidente que a capacidade da comunidadefinanceira para ignorar as provas das complicações acumuladas,mesmo que se deseje ardorosamente que isso não seja mencionado, é tão grande como sempre foi. Isso merece um comentário especial.
Mesmo numa época de loucura como aquela do fim da década de vinte, muitos homens de Wall Street permaneceram completamente lúcidos. Mas também ficaram muito quietos. O sensode responsabilidade da comunidade financeira pela comunidade em geral é bem menor do que se pensa. É quase nulo.Talvez isso lhe seja inerente. Numa comunidade em que a preocupação fundamental é fazer dinheiro, uma das regras necessárias é viver e deixar viver. Falar contra a loucura talvez sejaarruinar os que sucumbiram a ela. Portanto, os homens prudentes de Wall Street mantêm-se quase sempre calados. Os bobos
ficam assim com o campo todo à sua disposição. Ninguém oscensura. Há sempre o receio, sobretudo, de que até uma autocrítica necessária pode ser uma desculpa para a intervenção doGoverno. Este é o maior dos horrores.
Assim, algum dia, ninguém sabe quando, haverá outro augeespeculativo e o craque subseqüente. Não há possibilidade deque, à medida que o mercado marcha para a beira do precipício,aqueles que se acham envolvidos vejam a natureza de sua ilusãoe em conseqüência protejam a si mesmos e ao sistema. Osloucos podem comunicar sua loucura; não podem é percebê-la eresolver ficar lúcidos. Existe alguma proteção desde que hajapessoas que sabem, quando ouvem dizer que tal mercado está
fazendo história ou que uma nova era começou, que a mesmahistória já foi feita e que as mesmas eras já começaram vezes emais vezes antes. Isso leva a deter a propagação da ilusão. Umacompreensão melhor da história é o que protege os europeus, senão perfeitamente, pelo menos mais adequadamente, da ex-crescência especulativa.
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Com o tempo, o número dos que são refreados pela memóriadeve diminuir. O historiador, num livro como este, pode confiarque fornece um sucedâneo da memória para ajudar um pouco adeter esse declínio.
Cambridge, Massachusetts
1961
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Uma Nota Sobre as Fontes
Nos ÚLTIMOS TEMPOS, inúmeros autores e editores passaram aadmitir que os leitores se ofendem com as notas de pé depágina. Não tenho o desejo de ofender nem sequer de desesti-mular qualquer bom freguês, mas acho essa suposição simplesmente idiota. Nenhuma pessoa instruída vai possivelmente seaborrecer por causa de uma letra miúda colocada no pé dapágina, e todo mundo, tanto o profissional quanto o leigo, precisa conhecer às vezes as credenciais de um fato. As notas de pé de
página também fornecem ótima indicação do cuidado com queum assunto foi pesquisado.Contudo, existe também uma linha divisória entre adequa
ção e pedantismo. Neste livro, onde me baseei em documentospúblicos, livros, artigos de revistas ou publicações especiais dequalquer espécie, indico a devida fonte. Entretanto, grande parteda história de 1929 é encontrada na imprensa em geral efinanceira da época. A citação sistemática dessas fontes envolveria referências intermináveis aos mesmos jornais. Isto não fiz, oque significa que, se não dou a fonte, o leitor deve admitir que anotícia foi publicada no New York Times, no Wall Street Journal e noutros jornais de grande circulação da época.
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Seria bom saber se, na verdade, teremos algum dia outro1929. Contudo, a tarefa menos pretensiosa deste livro — a únicatarefa que a Ciência Social em seu atual estado permite — é dizero que aconteceu em 1929 e imediatamente antes e depois.Grande parte da história diz respeito ao mercado de ações, eem parte representa um esforço para corrigir um erro há muito em
voga entre os historiadores econômicos. O craque do mercadode ações, no outono de 1929, há muito tempo vem sendoconsiderado como um acontecimento secundário. Por baixo desua espuma, forças mais poderosas estavam em ação. Isso, bemantes do colapso do mercado e sem ligação com o que quer queaconteceu em Wall Street, foi preparando as coisas para umaséria depressão. Tal explicação agradava perfeitamente à zonacentral de Nova York, pois pelo menos absolvia em parte omercado de ações da responsabilidade formidável da depressão. Em minha opinião, isso mostra o lado errado da questão.Existe uma unidade essencial nos fenômenos econômicos; nenhuma muralha da China separa a circulação monetária do circuitoda produção. Wall Street — como os seus profetas para outrasfinalidades admitem — é de enorme importância na economiaamericana. O craque do mercado de ações e a especulação queo tornou inevitável tiveram um efeito importante no comportamento, ou, melhor, no mau comportamento, da economia nosmeses e anos subseqüentes.
II
Como ano, 1929 tem sido sempre, peculiarmente, propriedadedos economistas. Foi um ano de notáveis acontecimentos econômicos; na verdade, naquele ano começou a mais momentosaocorrência econômica da história dos Estados Unidos, o tormento
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da Grande Depressão. Sob vários aspectos, essa preocupaçãocom a Economia é lamentável, pois 1929 foi um ano de inúmeras maravilhas. Em particular, foi um desses anos que iluminammaravilhosamente as motivações humanas e as próprias origensdo comportamento humano. Os historiadores e romancistas sempre souberam que a tragédia revela admiravelmente a naturezado homem. Mas, enquanto eles têm feito uso amplo da guerra, darevolução e da nobreza, têm desprezado de maneira singular ospânicos financeiros. E pode-se saborear plenamente a idioticevariada da atitude humana durante um pânico, pois, embora sejauma ocasião de grande tragédia, nada se perde a não serdinheiro.
No outono de 1929, os mais poderosos-dos americanos, durante um breve período, revelaram-se como seres humanos. E,como a maioria destes, na maior parte do tempo, fizeram algumas coisas muito tolas. Em geral, quanto maior a reputação anterior de onisciêncià, quanto mais serena a idiotice anterior, tanto
maior a insensatez agora demonstrada. Coisas que, noutrostempos, ficavam ocultas por uma fachada serena de dignidade,agora, estavam expostas, pois o pânico, subitamente, quase obs-cenamente, arrancara essa fachada. Raras vezes nos dignamos aolhar por trás dessa barreira; em nossa sociedade a contrapartedo comunista russo balofo é o indivíduo extremamente posudo.O historiador social deve sempre estar alerta para suas oportunidades, e houve poucas como 1929.
III
Os anos que se seguiram ao craque do mercado de ações produ-ziram uma enxurrada de livros, artigos, documentos parlamen-
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tares e relatórios, todos expondo Wall Street desfavoravelmenteaos olhos do público. Uma batelada de atitudes duvidosas veio àluz, e Wall Street foi exprobrada com severidade por seus crimes.
Talvez já esteja evidente que este livro não tem a mesmafinalidade. Nunca abracei a opinião de que Wall-Street é exclu-
sivamente um mal, assim como jamais achei possível admitircom inteira confiança a opinião adversa, bem mais aceitável nossadios círculos financeiros, de que Wall Street é exclusivamente um bem.
Além disso, nesse clamor público estava implícita a idéia deque em algum lugar de Wall Street — possivelmente no número23 e quem sabe num obscuro corredor de um dos altos edifícios— havia um deus ex machina que de alguma forma manipulavaa alta e a baixa. A idéia de que os grandes infortúnios sãotrabalho de grandes e solitários aventureiros, e de que estespodem e devem ser encontrados para que fiquemos a salvo, é
bem popular em nosso tempo. Desde a busca do indivíduo quearquitetou a débâcle de Wall Street, tivemos um clamor públicocontra o homem que permitiu o ingresso dos russos na EuropaOcidental, o homem que perdeu a China, o homem que se opôs aMacArthur na Coréia. Embora isso possa ser um divertimentoinofensivo, não sugere um ponto de vista razoavelmente corretodos processos históricos. Ninguém foi responsável pelo grandecraque de Wall Street. Ninguém engendrou a especulação. que oprecedeu. As duas coisas resultaram da livre escolha e decisãode centenas de milhares de indivíduos. Estes não foram levadospara o matadouro. Foram impelidos para ele pela loucura conta
giosa que sempre atacou as pessoas que já estão atacadas daidéia de que podem tornar-se muito ricas. Houve muitos corretores de Wall Street que ajudaram a fomentar essa loucura, ealguns deles aparecerão entre os heróis deste livro. Mas nenhumdeles foi o seu causador.
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IV
Ver os acontecimentos de 1929 à luz do que acabamos de exportem algum valor prático. Uma opinião minha muito antiga é queas lições de Economia que repousam na história econômica são
importantes e que a história fornece um apanhado interessante eaté fascinante do conhecimento econômico. Por isso este livro é,talvez, um pouco mais do que uma crônica. Há interrupções fre-qüentes para ver como as coisas funcionam e por quê.
Finalmente, um bom conhecimento do que ocorreu em 1929continua a ser a nossa melhor salvaguarda contra a repetiçãodos acontecimentos mais desastrosos daquele tempo. Desde1929, promulgamos inúmeras leis destinadas a tornar mais ho-nesta a especulação dos valores mobiliários e, acredita-sè, maisprontamente refreada. Nenhuma delas é uma salvaguarda per-feita. O ponto principal do afastamento em massa da realidadeque ocorreu em 1929 e antes— e que caracterizou todo o surto
especulativo anterior, desde a South Sea Bubble(*) (Golpe doPacífico) até a especulação imobiliária na Flórida — foi quearrastou consigo a autoridade. Os governos estavam tão bestifi-cados quanto os especuladores ou achavam imprudente ser lúci-do numa hora em que a lucidez expunha a pessoa ao ridículo, àcondenação por estragar o jogo, ou à ameaça de severa vingançapolítica.
(*) South Sea Bubble (Golpe do Pacífico) foi um plano financeiroque surgiu na Inglaterra em 1711 e desmoronou em 1720. Criou-se umadívida flutuante de 10.000,000 de libras, cujos títulos seriam vendidos aopúblico, e os seus adquirentes se tornariam acionistas da South Sea Com-
pany (Companhia do Pacífico), que teria o monopólio do comércio como Pacífico e a América do Sul espanhola. A recusa da Espanha em estabelecer relações comerciais com a Inglaterra anulou os privilégios dacompanhia, mas, por meio de uma série de especulações e em virtude daganância do povo, as ações subiram de 100 para 1.050 libras. O seu colapso causou um tremendo desastre aos ingleses, inclusive numerosos suicídios. (N. do T.)
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No nosso próprio tempo, podemos desejar ardorosamenteque sejamos capazes de nos poupar dos desastres tecnicamentesuperlativos que pregaramos para nós mesmos a fim de usufruiras menores vicissítudes do ciclo econômico — de prosperidade edepressão, inflação e deflação. Se estamos assim tão favorecidos, podemos contar com algum período futuro de prosperidade
que nos levará a um estado de estimulante otimismo e selvagem furor especulativo. Em lugar de ações da Radio Corporationof America e companhias de investimentos, minas de urânio outalvez reatores portáteis, teremos outras preferências. Ou a febreespeculativa atacará a terra, o petróleo ou até Boston.
O que é de admirar, na verdade, é que desde 1929 tenhamossido poupados por tanto tempo. Uma das razões, sem dúvida, éque a experiência de 1929 ardeu profundamente na consciêncianacional. É de esperar que uma história como esta mantenhaviva essa lembrança imunizante por mais algum tempo.
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CAPÍTULO II
"Visão, Esperança e Otimismo Sem Limite"
A 4 DE DEZEMBRO DE 1928, o Presidente Calvin Coolidge enviousua última mensagem, sobre o estado da União, ao Congresso quevoltava a reunir-se. Mesmo o congressista mais desolado deviater-se tranqüilizado com suas palavras: "Nenhum Congresso dosEstados Unidos já reunido até hoje, para apreciar o estado daUnião, viu-se diante de uma perspectiva mais agradável do que aque se apresenta no momento atual. No campo nacional, hátranqüilidade e contentamento... e o recorde absoluto de anos
de prosperidade. No campo internacional, há paz, a boa vontade proveniente do entendimento mútuo..." Dizia o Presidenteaos legisladores que eles e o país podiam "olhar o presente comsatisfação e aguardar o futuro com otimismo". E, rompendodecididamente com a mais antiga de nossas convenções políticas,omitiu-se em atribuir esse bem-estar à excelência da administraçãoencabeçada por ele. "A fonte principal dessa bem-aventurançasem precedente repousa na integridade e caráter do povo americano."
Uma geração inteira de historiadores atacou Coolidge pelootimismo aparente que o impediu de ver que uma grande tempestade estava em formação dentro do país e também maisdistante no exterior. Isso é uma grossa injustiça. Não é precisocoragem nem presciência para prever o desastre. Coragem precisa ter o homem que, quando as coisas estão boas, o diz claramente. Os historiadores regozijam-se em crucificar o falso profeta do milênio. Nunca frisam o engano do homem que previuerroneamente o Armageddon.
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Havia muita coisa boa no mundo de que falava Coolidge. Naverdade, como insistiam os misantropos liberais, os ricos ficavam mais ricos mais depressa do que os pobres ficavam menospobres. Os agricultores estavam insatisfeitos e desde a depressão de 1920-21 vinham reduzindo sensivelmente os preços agrícolas, mas deixavam altos os custos. Os pretos do Sul e os
brancos dos Apalaches meridionais continuavam a viver numapobreza desesperadora. Lindas casas ao estilo inglês antigo,com empenas altas, vidraças com caixilhos de chumbo, e meiovigamento bem simulado, estavam sendo construídas na zonados clubes dos ricos, enquanto em pontos mais distantes dacidade encontravam-se as favelas mais infectas fora do Oriente.
Apesar de tudo isso, a década de vinte na América era umaépoca muito boa. A produção e o emprego eram altos e continuavam a elevar-se. Os salários não subiam muito, mas os preçoseram estáveis. Embora muita gente fosse ainda muito pobre, maispessoas eram confortavelmente prósperas, abastadas ou ricasdo que como nunca antes. Finalmente, o capitalismo americano
estava, sem dúvida, numa fase vigorosa. Entre 1925 e 1929, onúmero de estabelecimentos industriais aumentou de 183.900para 206.700; o valor da produção dessas empresas elevou-se de60,8 bilhões de dólares para 68 bilhões. (¹) O índice da ReservaFederal da produção industrial, cuja média era de apenas 67em 1921 (1923-25 = 100), subira para 110 em julho de 1928,alcançando 126 em junho de 1929. (2) Em 1926, foram produzidos 4.301.000 automóveis. Três anos depois, em 1929, a produção aumentara em mais de um milhão, para 5.358.000, ( 3) cifra
(1) U. S. Department of Commerce, Bureau of the Census, Statisti-cal Abstract of the United States, 1944-45 (Departamento de Comércio
dos Estados Unidos, Serviço do Censo, Sumário Estatístico dos EstadosUnidos, 1944-45).
(2) Federal Reserve Bulletin (Boletim da Reserva Federal), dezembro de 1929.
(3) Thomas Wilson, Fluctuations Income and Employment (Flutuações na Renda e no Emprego), 3. a ed. (Nova York: Pitman, 1948), p. 141.
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que se compara com propriedade com as 5.700.000 licenças decarros novos do ano opulento de 1953. Os lucros comerciaisestavam subindo com rapidez, e era uma época boa para seestar no mundo dos negócios. De fato, até as histórias maisdeturpadas da era admitem, tacitamente, que os tempos erambons, pois quase todas elas unem-se para acusar Coolidge por seu
fracasso em ver que eram bons demais para durar.Essa idéia de uma lei de ferro de compensação — a idéia de
que os dez anos bons do período de vinte tinham de ser revidados com os dez anos ruins do período de trinta — é um pontode vista a que vale a pena retornar.
II
Uma coisa na década de vinte devia ser visível mesmo a Coolidge. Dizia respeito ao povo americano, de cujo caráter ele falaratão bem. Juntamente com as excelentes qualidades que èle louvara, os americanos estavam também exibindo um desejo desordenado de ficar ricos rapidamente, com o mínimo de esforçofísico. A primeira manifestação notável desse traço de personalidade deu-se na Flórida. Ali, em meados da década de vinte,Miami, Coral Gables, a costa oriental, tão distante do Nortequanto Palm Beach, e as cidades do condado de Gulf tinhamsido atacadas pelo grande boom imobiliário da Flórida. O boomda Flórida continha todos os elementos do clássico golpe especulativo. Havia o indispensável elemento da substância. AHórida tinha um inverno melhor do que Nova York, Chicago ouMinneapolis. Rendas mais elevadas e transporte melhor tornavam-na cada vez mais acessível ao Norte gelado. Na verdade,estava chegando o tempo em que a revoada anual para o Sul
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seria tão regular e impressionante quanto as migrações do gansocanadense.
Com base nesse elemento concreto indispensável, homens emulheres começaram a construir um mundo de simulação especulativa, mundo habitado não por gente que precisa ser persuadida a acreditar, mas por gente que quer uma desculpa paraacreditar. No caso da Flórida, essa gente queria acreditar quetoda a península seria logo povoada pelo pessoal em férias e osadoradores do Sol de uma nova, e marcadamente indolente, era.A afluência seria tão grande que as praias, os brejos, os pântanose as terras cobertas de mato teriam valor. O clima da Flórida,como é óbvio, não garantia que isso se daria. Mas permitia queas pessoas que queriam acreditar que isso aconteceriaacreditassem.
Contudo, a especulação não depende inteiramente da capacidade de auto-sugestão. Na Flórida, a terra foi dividida em lotespara construção e vendida com uma entrada de 10%.Evidentemente, grande parte do terreno pouco atraente que assim mudava de dono era tão repugnante para quem o compravacomo para o transeunte. Os compradores não esperavam morarnele; não era fácil supor que alguém o faria. Mas isso eramconsiderações teóricas. A realidade era que esse patrimônio duvidoso se ia valorizando dia a dia e podia ser vendido com um bomlucro numa quinzena. Outra característica da obsessão especulativa é que, à medida que o tempo passa, a tendência para enxergaralém do simples fato dos valores crescentes em relação com asrazões das quais ele depende vai diminuindo. E não há razão parase fazer isso, já que o número de pessoas que compram naexpectativa de vender com lucro continua a aumentar num ritmobastante rápido para manter os preços em ascensão.
Durante 1925, a busca de riqueza sem esforço levou gente àFlórida em proporções satisfatoriamente crescentes. Mais terra erasubdividida cada semana. O que era chamado de praia ficavaa dez, vinte ou trinta quilômetros do trecho mais próximo do mar.Os subúrbios ficavam a uma distância espantosa da cidade. À
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medida que a especulação se espalhava para o Norte, um audacioso bostoniano, o Sr. Charles Ponzi, estabeleceu uma subdivisão "perto de Jacksonville". Ficava a cerca de 100 km a oesteda cidade. (Em outros aspectos, Ponzi acreditava nas vizinhanças boas, compactas; vendeu vinte e três lotes por acre.) Emcircunstâncias em que a subdivisão era perto da cidade, comono caso da Propriedade Manhattan, que ficava "a apenas umquilômetro da próspera e futurosa cidade de Nettie", a cidade,tal como a de Nettie, não existia. O congestionamento do tráfegodentro do estado se tornou tão grave que, no outono de 1925,as ferrovias foram obrigadas a proclamar o embargo à cargamenos essencial, que incluía o material de construção destinadoa desenvolver as subdivisões. Os valores subiram de modo apreciável. Num raio de sessenta quilômetros de Miami, lotes "internos" eram vendidos de 6.000 a 20.000 dólares; os lotes pertoda praia alcançavam de 15.000 a 25.000 dólares e os locaismais ou menos à beira-mar atingiam de 20.000 a 75.000
dólares. (4
)Contudo, na primavera de 1926, o aparecimento de compra
dores novos, tão essencial à realidade dos preços em elevação,começou a declinar. Como 1928 e 1929 mostrariam, o impulsocriado por um boom favorável, não se dissipa num momento.Durante algum tempo, em 1926, a eloqüência crescente dos corretores contrabalançou o aparecimento decrescente dos pretendentes. (Até a palavra autorizada de William Jennings Bryan,que certa vez bradara contra a cruz de ouro,(*) foi durantealgum tempo invocada para a árdua tarefa de vender terras
(4
) Esses detalhes foram tirados principalmente de dois artigos, sobre o boom imobiliário da Flórida, de Homer B. Vanderblue, em The Journal of Land and Public Utility Economics, maio e agosto de 1927.
(*) William Jennings Bryan (1860-1925), político americano que,numa convenção democrata realizada em Chicago a 10 de julho de 1897,concluiu seu discurso com as palavras: "Vocês não crucificarão a humanidade numa cruz de ouro", referindo-se ao padrão-ouro. (N. do T.)
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pantanosas.) Mas esse boom não ruiria com seu próprio peso. Nooutono de 1926, dois furacões mostraram, nas palavras de Frede-rick Lewis Allen, "o que um Vento Tropical Suave poderia fazerquando começasse a soprar das Índias Ocidentais" ( 5). O maisviolento desses ventos, a 18 de setembro de 1926, matou quatrocentas pessoas, arrancou o telhado de milhares de casas e
amontoou toneladas de água e certo número de iates elegantesnas ruas de Miami. Concordou-se que a tempestade dera umsopro animador no boom, embora se previsse diariamente queisso ocorreria. No Wall Street Journal, de 8 de outubro de 1926,um tal de Peter O. Knight, funcionário da Seaboard Air Line(Linha Aérea Litorânea) e um crente sincero no futuro daFlórida, reconheceu que cerca de dezessete ou dezoito mil pessoas necessitavam de assistência. Mas acrescentou: "A mesmaFlórida ainda está lá, com seus recursos magníficos, seu climamaravilhoso e sua posição geográfica. É a Riviera da América".Manifestou a preocupação de que a solicitação de fundos daCruz Vermelha para socorrer as vítimas do furacão "faria mais
mal permanentemente à Flórida do que seria contrabalançadopelos fundos recebidos" (6).
Essa relutância em admitir que o fim chegou está também deacordo com o modelo clássico. O fim chegara na Flórida. Em1925, os cheques para compensação em Miami totalizavam1.066.528.000 dólares; em 1928 tinham caído para 143.364.000dólares. (7) Os agricultores que tinham vendido suas terraspor bom preço e se haviam censurado quando elas depoisforam vendidas pelo duplo, triplo, quádruplo do preço inicial,agora as recebiam de volta através de uma cadeia completa defaltas de pagamento subseqüentes. Às vezes já dotadas de ruas,
(5) Only Yesterday {Apenas Ontem) (Nova York: Harper, 1931),p. 280. Outros detalhes do dano causado pelo furacão são extraídos desselivro ainda atual e empolgante.
(6) Vanderblue, op. cit., p. 114.(7) Allen, op. cit., p. 282.
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com nomes pomposos, e de calçadas, lâmpadas de rua, e comtaxas e impostos atingindo várias vezes o seu valor vigente.
O boom da Flórida foi a primeira indicação da disposição deânimo da década de vinte e a convicção de que Deus desejavaque a classe média americana fosse rica. Mas que essa disposiçãode ânimo sobrevivesse ao colapso da Flórida, é ainda mais
notável. Compreendeu-se amplamente que as coisas tinham levado a breca na Flórida. Embora o número de especuladores fossepequeno, em comparação com a subseqüente participação nomercado de ações, quase toda comunidade possuía um homemque se sabia que tinha "entrado pelo cano" na Flórida. Duranteum século depois do colapso do Golpe do Pacífico, os inglesesolhavam com certa desconfiança as mais conceituadas sociedades por ações (ou anônimas). Mesmo enquanto o boom da Flóridadesmoronava, a crença dos americanos num enriquecimentorápido e sem esforço no mercado de ações se tornava cada diamais evidente.
III
É difícil dizer-se quando começou precisamente o boom no mercado de ações da década de vinte. Havia razões sólidas paraque, durante aqueles anos, os preços das ações ordinárias subissem. Os lucros das companhias eram bons e crescentes. As perspectivas pareciam favoráveis. No começo da década, os preços
das ações eram baixos e os rendimentos do investimento favoráveis.
Nos últimos seis meses de 1924, os preços dos valores mobiliários começaram a subir, e o aumento continuou e se estendeupor todo o ano de 1925. Assim, no fim de maio de 1924, amédia dos preços de 25 ações industriais, segundo o New York
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Times, era 106; no fim do ano era 134. (8) Em 31 de dezembrode 1925, tinha ganho quase mais 50 pontos e estava em 181. Oavanço no decorrer de 1925 foi notavelmente firme; houve apenas uns dois meses em que os valores não apresentaram umganho líquido.
No decorrer de 1926, houve como que um retrocesso. Os
negócios estiveram um tanto ruins na parte inicial daquele ano;muita gente pensava que as ações no ano anterior tinham subido exorbitantemente. Em fevereiro, verificou-se uma queda acentuada no mercado e, em março, ocorreu um colapso brusco. Asmédias industriais do Times caíram de 181, no começo do ano,para 172, no fim de fevereiro, e depois baixaram quase 30pontos, atingindo 143 no fim de março. Contudo, em abril, omercado firmou-se e voltou a subir. Ocorreu outro retrocessobrando em outubro, exatamente depois que o furacão varreu osvestígios do boom da Flórida, mas a recuperação foi imediata.No fim do ano, as ações estavam mais ou menos no mesmo péque no início do ano.
Em 1927, o aumento começou violentamente. Dia após dia,mês após mês, o preço das ações subia. Os ganhos pelos últimospadrões não eram grandes, mas tinham um aspecto de grande
(8) Em todo este livro usei as médias industriais do New York Timescomo designação equivalente ao nível dos preços dos valores mobiliários.Esse índice é a média aritmética, não-ponderada, dos preços de 25 papéisque o jornal em questão considerava como "ações boas, sólidas, com alterações regulares de preço e mercados geralmente ativos." A seleção dasmédias do Times, em lugar das médias Dow Jones ou outras, foi umapreferência pessoal minha. As médias do Times foram as que verifiqueino decorrer dos anos; são mais acessíveis ao observador não-profissionaldo que as médias Dow Jones. Além disso, embora estas últimas sejam
muito mais conhecidas, carregam consigo um quê de teoria de mercado,impróprio para as finalidades que tenho em vista. Cito a média industrial, e não a das ferrovias ou a combinada, porque as ações industriaisconstituíam o foco principal da especulação e apresentavam a maioramplitude de movimento. A não ser que se indique o contrário, os valores dados aqui são os vigorantes no encerramento do mercado na dataindicada.
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segurança. Outra vez em apenas dois meses, em 1927, as médiasdeixaram de apresentar aumento. Em 20 de maio, quandoLindbergh decolou do Campo Roosevelt com destino a Paris,um bom número de cidadãos não tomou conhecimento do fato.O mercado, que naquele dia registrava outro de seus pequenosmas sólidos ganhos, tinha então adquirido um grupo fiel de
devotos que não podia dar atenção a coisas mais celestiais.No verão de 1927, Henry Ford encerrou a produção de seuimortal Ford de bigode e fechou a fábrica para preparar-se paralançar o Modelo A. O índice de produção industrial da ReservaFederal declinou, presumivelmente em conseqüência do fechamento da fábrica Ford, e houve um boato de depressão. O efeitono mercado foi imperceptível. No fim do ano, época em que aprodução tinha subido de novo, as médias industriais do Timesalcançaram 245, um ganho líquido de 69 pontos durante o ano.
O ano de 1927 é histórico, de outro ponto de vista, na crônicado mercado de valores. De acordo com uma doutrina há muitoaceita, foi naquele ano que as sementes do desastre final foram
plantadas. A responsabilidade cabe a um ato de internacionalis-mo generoso, mas impensado. Algumas pessoas — inclusive oSr. Herbert Hoover — consideraram-no quase desleal, emboranaqueles tempos as acusações de traição ainda fossem feitas comcerta cautela.
Em 1925, sob a égide do então ministro do Tesouro, Sr.Winston Churchill, a Inglaterra retornou ao padrão-ouro segundoa antiga, ou anterior à I Guerra Mundial, relação entre o ouro, osdólares e a libra. Não há dúvida de que Churchill estava maisimpressionado com a pujança da libra tradicional, ou 4,86 dólares, do que com as conseqüências mais sutis da supervalorização,que ele admitia amplamente não ter entendido. As conseqüências,
não obstante, foram reais e severas. Os fregueses da Inglaterratinham agora de usar essas libras caras para comprar mercadoriasa preços que ainda refletiam a inflação do tempo de guerra. AInglaterra era, por conseguinte, um lugar pouco atraente paraos estrangeiros que queriam comprar. Pela mesma razão, eraum lugar agradável para os que queriam vender. Em 1925,
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começou a longa série de crises cambiais que, como os leões deTrafalgar Square e os transeuntes de Piccadilly, fazem parteagora da cena inglesa. Verificaram-se também desagradáveis conseqüências internas; o péssimo mercado do carvão e o esforçopara reduzir os custos e os preços a fim de enfrentar a concorrência mundial levaram à greve geral em 1926.
Então, a partir daí, o ouro quando saía da Inglaterra ou Europa vinha para os Estados Unidos. Isso poderia ser evitado se ospreços das mercadorias fossem altos e as taxas de juro fossembaixas nesse país. (Os Estados Unidos seriam uma nação desinteressante onde comprar e investir.) Na primavera de 1927, trêsviajantes ilustres — Montagu Norman, presidente do Banco daInglaterra, o resistente Hjalmar Schacht, então presidente doBanco da Alemanha, e Charles Rist, vice-presidente do Banco daFrança — chegaram aos Estados Unidos para solicitar a adoçãode uma política monetária branda. (Tinham pedido anteriormente com êxito a adoção de uma política semelhante em 1925.) AReserva Federal cedeu. A taxa de redesconto do Banco de Reserva Federal de Nova York foi reduzida de 4 para 3,5%.Títulos do Governo foram adquiridos, em volume considerável,com a conseqüência matemática de deixar os bancos e os indivíduos que os tinham vendido com dinheiro de sobra. Adolph C.Miller, membro dissidente da Junta de Reserva Federal, descreveu posteriormente isso como "a maior e mais ousada operação já realizada pelo Sistema de Reserva Federal, e . . . resultounum dos erros mais caros cometidos por esse ou por qualqueroutro sistema bancário nos últimos 75 anos!" ( 9) "Os fundospostos à disposição pela Reserva Federal foram investidos emações ordinárias ou (e mais importante) se tornaram disponíveispara ajudar a financiar a aquisição de ações ordinárias por terceiros. Dispondo assim de fundos, o povo acorreu ao mercado deações. Talvez a mais lida de todas as interpretações do período,
(9) Depoimento prestado à Comissão do Senado, citado por LionelRobbins, The Great Depression {A Grande Depressão), Nova York:Macmillan, 1934, p. 53.
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a do Professor Lionel Robbins, da Escola de Economia deLondres, conclui: "A partir dessa data, segundo toda a evidência,a situação ficou inteiramente fora de controle". (10)
Essa opinião de que a atitude das autoridades da ReservaFederal em 1927 foi responsável pela especulação e pelo colapsoque se seguiu nunca foi seriamente posta em dúvida. Há razões
para ser tão atraente. É simples, e exonera o povo americanobem como o seu sistema econômico de qualquer acusação substancial. O perigo de ser guiado por estrangeiros é bem conhecido, e Norman e Schacht tinham certa reputação especial pormotivos sinistros.
Contudo, a explicação, como é óbvio, admite que o povosempre especulará desde que consiga dinheiro para financiá-lo.Nada poderia estar mais longe da verdade. Houve ocasiões antese houve períodos longos desde então em que o crédito eraabundante e barato — mais barato do que em 1927-29 — e emque a especulação era insignificante. Tampouco, como veremosmais adiante, a especulação estava fora de controle depois de
1927, exceto que estava fora do alcance dos homens que nãoqueriam, de maneira alguma, controlá-la. A explicação é um tributo apenas a uma preferência, que se repete periodicamente, emquestões econômicas, por uma asneira formidável.
IV
Até o início de 1928, mesmo um homem de espírito conservadorpoderia acreditar que os preços das ações ordinárias estavamsubindo em virtude do aumento dos lucros das companhias, as
(10) Ibid, p. 53.
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perspectivas de novos aumentos, a paz e a tranqüilidade dostempos, e a certeza de que o governo firmemente no poder emWashington não tiraria em impostos mais do que o necessáriode qualquer ganho. No princípio de 1928, a natureza do boomse modificou. A fuga em massa da realidade para a fantasia,parte importante da verdadeira orgia especulativa, começou violentamente. Era ainda necessário captar a confiança daqueles
que tinham alguma ligação, embora tênue, com a realidade. E,como veremos adiante, esse processo de captação de confiança —de inventar os equivalentes das ações industriais ao clima daFlórida — afinal adquiriu o caráter de profissão. Contudo, chegara a hora, como em todos os períodos de especulação, em queos homens não procuravam ser persuadidos da realidade dascoisas, mas encontrar desculpas para fugir para o mundo novoda fantasia.
Havia muitos indícios, em 1928, de que essa fase chegara. Omais óbvio era o comportamento do mercado. Embora os mesesdo inverno de 1928 fossem um tanto calmos, depois o mercadocomeçou a subir, não com passos lentos, firmes, mas com grandes saltos acrobáticos. Ocasionalmente também caía do mesmomodo, apenas para recuperar-se e subir de novo. Em março de1928, a média industrial elevou-se quase 25 pontos. Notícias domercado efervescente vinham com freqüência na primeira página. Emissões individuais às vezes apresentavam ganhos de 10,15 e 20 pontos num só dia de negociações. A 12 de março, a
Radio (*), em muitos aspectos o símbolo especulativo da época,ganhou 18 pontos. No dia seguinte, abriu 22 pontos acima dofechamento anterior. Depois perdeu 20 pontos, ao se anunciarque o comportamento das negociações das ações estava sendoinvestigado pela Bolsa, ganhou 15 e caiu 9 pontos ("). Alguns
dias depois, num mercado forte, obteve outro ganho de 18pontos.
(*) Ação da Radio Corporation of America. (N. do T.)(") Allen, op. cit., 297.
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O boom de março também celebrou, além de qualquer coisaaté então, as operações dos grandes negociadores profissionais. Acrônica dos mercados concorrentes pinta a Bolsa de Valores comoo mais impessoal dos mercados. Nenhuma doutrina é maiszelosamente defendida pelos profetas e defensores da Bolsa deValores. "A Bolsa é um mercado onde os preços refletem a lei
básica da oferta e procura", é o que diz, com firmeza, de simesma a Bolsa de Valores de Nova York. (12) Contudo, até omais devotado corretor de Wall Street permite-se ocasionalmente acreditar que muitas influências pessoais pesam em seudestino. Ali existem realmente homens fortes que fazem asações subir e baixar.
À medida que o boom se processava, os homens fortes setornavam cada vez mais onipotentes do ponto de vista popularou pelo menos especulativo. Em março, de acordo com esse pontode vista, os homens fortes resolveram fazer o mercado subir, emesmo alguns entendidos sérios se inclinaram a pensar que foiuma combinação ou arreglo que promoveu essa elevação. Sen
do assim, a figura importante foi John J. Raskob. Raskob tinhaligações impressionantes. Era diretor da General Motors, aliadodos Du Pont e logo se tornaria presidente do Comitê DemocrataNacional por escolha de Al Smith (*). Um estudioso do mercado da época, o Professor Charles Amos Dice, da Universidade doEstado de Ohio, considerou essa última designação como umaindicação clara do novo prestígio de Wall Street e a estima emque essa entidade era tida pelo povo americano. "Hoje", observa ele, "o candidato astuto e prático de um dos grandes partidos políticos escolhe um dos destacados operadores do mercado
(12) Understanding íhe New York Stock Exchange (Como Compre
ender a Bolsa de Valores de Nova York), 3ª ed. (Nova York: Bolsa deValores, abril de 1954), p. 2.
(*) Apelido de Alfred Emanuel Smith (1873-1944), político americano, que foi governador do Estado de Nova York (1919-20, 1923-28)e candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos derrotado porHerbert Hoover (1928). (N. do T.)
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de ações... como um criador de boa vontade e um angariadordo voto popular". ( l3)
A 23 de março de 1928, ao tomar o navio para a Europa,Raskob falou favoravelmente sobre as perspectivas das vendas deautomóveis para o resto do ano e da parcela no negócio quecaberia à General Motors. Pode também ter sugerido — a coisanão ficou muito clara — que as ações da GM deviam ser vendidas
a um preço não inferior a doze vezes o lucro apresentado. Issosignificava um preço de 225, em comparação com a cotação vigente de cerca de 187. Tal, como diz o Times, era "a mágica de seunome" que "o pedacinho temperado de otimismo" do Sr. Raskobfèz o mercado entrar numa fúria fervente. A 24 de março, umsábado, a General Motors ganhou quase 5 pontos e na segunda--feira seguinte foi para 199. A subida da General Motors, entre-mentes, provocou grande agitação nas negociações de outrasações da lista da Bolsa.
Entre outras figuras que se supõe tenham posto sua força portrás do mercado naquela primavera está William Crapo Durant,que fora o organizador da General Motors, a quem Raskob e os
Du Pont expulsaram da companhia em 1920. Depois de outraaventura no negócio de automóveis, ele passou a dedicar-se integralmente à especulação no mercado de ações. Acredita-se também que os sete irmãos Fisher tiveram influência na Bolsa. Eramtambém ex-membros da General Motors e tinham vindo paraWall Street com a grande fortuna que fizeram com a venda dasfábricas de carroçarias Fisher, Outro ainda foi Arthur W. Cutten,o especulador de cereais, nascido no Canadá, que recentemente mudara suas operações no mercado para Wall Street, transferindo-se da Junta Comercial de Chicago. Como especulador naBolsa, Cutten tinha de superar enormes desvantagens pessoais.Ouvia muito mal, e alguns anos mais tarde, perante uma comis
são parlamentar, até o seu próprio advogado admitiu que suamemória era muito falha.
(13) New Leveis in the Stock Market (Novos Níveis na Bolsa deValores), Nova York: McGraw-Hill, 1929, p. 9. -
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Observando esse grupo como um todo, o Professor Dice ficouparticularmente impressionado com a sua "visão do futuro e aesperança e otimismo sem limite". Afirmou que "eles não entraram no mercado tolhidos pela armadura pesada da tradição". Aorelatar o efeito por eles produzido no mercado, o ProfessorDice obviamente achou a língua inglesa quase inadequada. "Dir igido por esses poderosos cavaleiros da indústria automobilística,indústria siderúrgica, indústria rad iof ôni ca. .." , diz ele, "e finalmente apoiados em desespero, por muitos negociantes profissionais que, depois de muito pano de saco e cinzas, tinham captado a visão do progresso, o mercado de Coolidge avançou comoas falanges de Ciro, parasanga(*) após parasanga e novamenteparasanga após parasanga..." (14)
VEm junho de 1928, o mercado recuou uma parasanga ou duas —de fato, os prejuízos durante as primeiras três semanas foramquase tão grandes quanto os ganhos de março. O dia 12 de
junho, data em que se verificaram prejuízos extremamente elevados, foi um marco. Durante um ano ou mais, homens de visãovinham dizendo que chegaria o dia em que cinco milhões depapéis seriam negociados na Bolsa de Valores de Nova York.Antes isso era apenas um argumento veemente numa conversação, mas por algum tempo mostrou sinais de estar querendotornar-se realidade. A 12 de março, o volume de ações negociadas
atingiu a 3.875.910, um recorde absoluto. No fim do mês, esse
(*) Medida itinerária dos antigos persas, que valia 30 estádios (cerca de 6,4. km). (N. do T.)
(14) Ibid, pp. 6-7.
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volume se tornou coisa corriqueira. A 27 de março foram negociadas 4.790.270 ações. Depois, a 12 de junho, 5.052.790 açõesmudaram de dono. O ticker (*) também se atrasou quaseduas horas; a Radio caiu 23 pontos, e um jornal de Nova Yorkcomeçou a relatar os acontecimentos do dia dizendo: "O merca
do altista de Wall Street ruiu ontem com um estrondo ouvido nomundo inteiro".O anúncio da morte do mercado altista foi tão prematuro
como qualquer outro desde o da morte de Mark Twain. Em julho, verificou-se um pequeno ganho líquido, e em agosto umaforte elevação. Depois nem mesmo a aproximação da eleiçãocausou séria hesitação. O povo permanecia imperturbável quando, a 17 de setembro, Roger W. Babson disse em discurso emWellesley, Massachusetts, que "se Smith for eleito com umCongresso democrata, é quase certo termos como resultado umadepressão econômica em 1929". Disse também que "a eleiçãode Hoover e de um Congresso republicano deve resultar emprosperidade contínua em 1929", e era preciso que o públicosoubesse que tinha de eleger Hoover. Em todo caso, durante omesmo mês veio a tranqüilização por parte de uma autoridadeainda mais alta. Andrew W. Mellon dissera: "Não há motivopara preocupação. A maré enchente da prosperidade continuará".
O Sr. Mellon não sabia. Nem tampouco sabia qualquer dosoutros homens públicos que então, a partir daí, fizeram declarações semelhantes. Isso não são previsões; não se deve supor queos homens que fazem tais declarações são seres privilegiadospara enxergarem mais longe no futuro do que os demais. O Sr.Mellon participava de um ritual que, em nossa sociedade, éconsiderado de grande valor para influir no curso do ciclo econômico. Afirmando solenemente que a prosperidade continuará,acredita-se, a pessoa pode ajudar a garantir que a prosperidadede fato continuará. Especialmente entre os homens de negócios,a crença na eficiência desse encantamento é muito grande.
(*) Telégrafo impressor de cotações da Bolsa. (N. do T.)
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VI
Hoover foi eleito por maioria esmagadora. Isso, se os especuladores conhecessem a opinião do Sr. Hoover, devia causar uma
grande queda no mercado. Em suas memórias, o Sr. Hooverdeclara que já em 1925 passara a se preocupar com a "marécrescente da especulação". (15) Durante os meses e anos que seseguiram, essa preocupação gradativamente transformou-se emapreensão, e depois em algo apenas ligeiramente abaixo de umpressentimento de desastre total. "Há crimes", disse o Sr.Hoover da especulação, "muito piores do que o homicídio peloqual os homens devem ser invectivados e castigados". (16) ComoSecretário de Comércio, ele procurara fazer nada menos quemanter o mercado sob controle.
A atitude do Sr. Hoover com respeito ao mercado foi, porém,um segredo muito bem guardado. O povo ignorava seus esforços,uniformemente frustrados pelo Presidente Coolidge e a Junta deReserva Federal para transformar seus pensamentos em ação. Anotícia de sua eleição, longe de causar pânico, provocou o maioraumento na compra de papéis até hoje. A 7 de novembro, o diaseguinte após a eleição, houve o "boom da vitória", e os papéismais importantes do mercado subiram de 5 a 15 pontos. Ovolume atingiu 4.894.670 ações, ou apenas um pouco menos queo recorde absoluto de 12 de junho, e esse nível novo foi atingidocom o mercado em alta, não em baixa. A 16 de novembro, umanova onda de compra invadiu o mercado. Um espantoso total de6.641.250 ações mudou de dono — muito acima do recordeanterior. As médias industriais do Times acusaram um ganholíquido de 4,5 pontos nas negociações do dia — consideradoentão um avanço impressionante. Além da euforia resultante da
(15) The Memoirs of Herbert Hoover: The Great Depression, 1929--1941 (As Memórias de Herbert Hoover: A Grande Depressão, 1929-
-1941), Nova York, Macmillan, 1952, p. 5.
(16) Ibid, p. 14.
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eleição, não havia nada de especial para incitar esse entusiasmo. As manchetes do dia falavam apenas do afundamento donavio Vestris e dos feitos épicos dos oficiais e tripulantes empassarem para trás as mulheres e crianças e salvarem a suaprópria vida. 20 de novembro foi outro dia extraordinário. Ototal de ações negociadas — 6.503.230 — foi pouco menor do queno dia 16, mas é voz geral que foi muito mais agitado. Namanhã seguinte, o Times observou que "em violência ciclônicao mercado de valores de ontem nunca foi. sobrepujado na históriade Wall Street".
Dezembro não foi tão bom. No começo do mês houve umagrande baixa, e, a 8 de dezembro, a Radio caiu espantosamente72 pontos num dia. Contudo, o mercado firmou-se e depoisrecuperou-se. No decorrer de todo o ano de 1928 a média industrial do Times ganhou 86 pontos, ou subiu de 245 para 331.Durante o ano, a Radio elevou-se de 85 para 420 pontos (nuncapagou dividendos); a Du Pont, de 310 para 525; a MontgomeryWard, de 117 para 440; a Wright Aeronautic, de 69 para289. (") Durante o ano, 920.550.032 ações foram negociadasna Bolsa de Valores de Nova York, em comparação com o recordede 576.990.875 alcançado em 1927. (18) Mas havia ainda outraindicação mais importante do que estava acontecendo no mercado de ações. Era o aumento fenomenal nas negociações a termo.
VII
Como se sabe, em certa altura do crescimento de um boomtodos os aspectos da aquisição de ações tornam-se irrelevan-
(17) Dice, op. cit., p. 11.(1S) Year Book, 1929-1930 (Anuário, 1929-1930), Nova York: Bol
sa de Valores.
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tes, menos a perspectiva de uma subida imediata no preço. Arenda das ações, ou a fruição do seu uso, ou mesmo seu valor alongo prazo são agora teóricos. Como no caso dos lotes maishorrorosos da Flórida, esses usufrutos podem não existir ou atéser negativos. O importante é que os valores do mercado subamamanhã ou na próxima semana — como aconteceu ontem ou nasemana passada — e se possa fazer lucro.
Segue-se que a única recompensa da propriedade das ações emque o dono na época do boom tem interesse é o aumento dovalor. Se se pudesse estabelecer alguma separação entre o direito ao valor aumentado e os outros frutos agora sem importânciada posse, como também todos os possíveis encargos da propriedade, isso agradaria imensamente ao especulador, pois o capacitaria a concentrar-se na especulação que, afinal de contas, é oúnico interesse do especulador.
Tal é o gênio do capitalismo que, onde existe uma verdadeiraprocura, ela não fica muito tempo sem ser atendida. Em todas asgrandes orgias especulativas, tem aparecido dispositivos para
capacitar o especulador a se concentrar em seu objeto de interesse. No boom da Flórida, as transações eram feitas com "promessas de venda". Não a própria terra, mas o direito decomprar a terra por um determinado preço é que era transacionado. Esse direito de compra — que se obtinha com umaentrada de 10% do preço de compra — podia ser vendido. Conferia assim aos especuladores o pleno benefício do aumento nosvalores. Depois que o valor do lote tivesse subido, ele podiarevender a "promessa de venda" pelo que tinha pago e maistoda a quantia equivalente ao aumento no preço.
O pior dos encargos da propriedade — quer de terra, quer dequalquer outro bem — é a necessidade de levantar o dinheiro
representado pelo preço de compra. O uso da "promessa devenda" aliviava esse peso em 90% — ou multiplicava por dez otamanho da terra da qual o especulador podia colher um aumentono valor. O comprador venturosamente renunciava às outrasvantagens da propriedade, as quais incluíam a renda reaí, que,
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invariavelmente, era nenhuma, e a perspectiva do uso permanente, em que ele não tinha o menor interesse.
O mercado de ações também tem seu estratagema de concentrar as energias especulativas do especulador, e, como é deesperar, é sensivelmente superior às cruezas do mercado imobiliário. No mercado de ações, o comprador de títulos a termoobtém o direito pleno de propriedade numa transação incondicio
nal. Livra-se porém, dos piores encargos da posse — o delevantar o preço da compra — deixando os títulos com o corretor como garantia pelo empréstimo que contraiu para pagá-los. Ocomprador obtém outra vez benefício pleno de qualquer aumentono valor — o preço dos títulos sobe, mas o empréstimo que oscomprou não sobe. No mercado de ações, o comprador especulativo também adquire direitos sobre o rendimento dos títulos quecompra. Contudo, na época dessa história a rentabilidade era quase sempre menor do que o juro que se pagava pelo empréstimo.Às vezes eram muito menores. Os rendimentos dos títulos variavamsistematicamente de zero a 1 ou 2%. O juro sobre os empréstimos
para adquiri-los era às vezes de 8, 10 ou mais por cento. Oespeculador concordava em pagar para desfazer-se de todos osusufrutos da propriedade dos títulos, menos da possibilidade deum ganho sobre o capital.
O mecanismo pelo qual Wall Street distingue entre a oportunidade de especular e os não-desejados rendimentos e encargos dapropriedade é engenhoso, preciso e quase primoroso. Os bancosfornecem fundos aos corretores, os corretores aos clientes, ea garantia volta para os bancos num fluxo suave e quase automático. As margens — o dinheiro que o especulador deve fornecer além dos títulos para proteger o empréstimo e que deveaumentar se o valor dos títulos em garantia cair e assim baixar a
proteção dada por eles — são facilmente calculadas e fiscalizadas. A taxa de juro move-se de maneira rápida e fácil paramanter o fornecimento de fundos ajustado à procura. WallStreet, porém, nunca manifestou seu orgulho por essa engrena-
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gem. Ela é admirável e até formidável apenas em relação com afinalidade a que serve, a qual consiste em atender o especuladore facilitar a especulação. Mas essas finalidades não podem seradmitidas. Se Wall Street confessasse essa finalidade, muitosmilhares de homens e mulheres de moral não teriam alternativasenão condenar aquele centro financeiro por alimentar um mal eexigir reforma. As negociações a termo devem ser defendidas não
com base no fato de que ajuda eficaz e engenhosamente oespeculador, mas porque incentiva as negociações extras quetransformam um mercado fraco e anêmico num mercado forte esadio. No máximo, isso é um subproduto grosseiro e duvidoso.Wall Street, nessa questão, é como uma senhora encantadora eprendada que deve usar meias pretas de algodão, roupa interiorpesada de lã e exibir seus conhecimentos culinários porque,infelizmente, sua realização suprema é como prostituta.
Contudo, até o amigo mais ponderado de Wall Street admitiria que o volume dos empréstimos dos corretores — dos empréstimos garantidos pelos títulos adquiridos a termo — é um
bom índice do volume de especulação. Tomando-se por baseesse índice, a intensidade de especulação estava subindo muitodepressa em 1928. No começo da década de vinte, o volume dosempréstimos dos corretores — devido à sua liquidez são geralmente denominados empréstimos sob chamada (isto é, resga-táveis quando solicitados) ou empréstimos no mercado sobchamada — variou de um bilhão a um bilhão e meio de dólares.Em princípio de 1926, esse volume subira para dois bilhões emeio de dólares e permanecera mais ou menos nesse nível amaior parte do ano. No decorrer de 1927, houve outro aumento de cerca de um bilhão de dólares, e no fim do ano atingiua 3.480.780.000 dólares. Isso constituía uma soma incrível,
mas era apenas o começo. Nos dois meses sombrios do invernode 1928, houve um pequeno declínio e em seguida a expansãocomeçou violentamente. Os empréstimos dos corretoresalcançaram quatro bilhões, a primeiro de junho de 1928, cinco
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bilhões, a primeiro de novembro, e no fim do ano estavam bema caminho dos seis bilhões. (19) Nunca houvera nada parecidoantes.
O povo enxameava para comprar ações a termo — noutras palavras, para ter o aumento no preço sem os custos da propriedade. Esse custo era assumido, em primeira instância, pelos bancosde Nova York, mas estes, por sua vez, estavam tornando-se
rapidamente os agentes dos emprestadores do país inteiro e atédo mundo inteiro. Não há mistério no fato de tantas pessoasquererem emprestar tanto dinheiro em Nova York. Um dosparadoxos da especulação com valores mobiliários é que os empréstimos concedidos para tal fim são dos mais seguros detodos os investimentos. São protegidos pelas ações, que em todaas circunstâncias comuns são instantaneamente vendáveis, e também por uma margem de dinheiro. Pode-se reaver o dinheiro,como já vimos, mediante solicitação. No início de 1928, essaaplicação, admiravelmente líquida e excepcionalmente segura, decapital sem risco estava rendendo cerca de 5%. Embora 5%seja um rendimento excelente para empréstimos garantidos, ataxa subiu com segurança, no decorrer de 1928, e durante aúltima semana do ano atingiu a 12%. Isso ainda com garantiatotal.
Em Montreal, Londres, Xangai e Hong Kong, falava-se nessastaxas de juro. Em toda parte, homens de recursos diziam consigo mesmo que 12% era 12%. Um grande rio de ouro começou aconvergir para Wall Street, todo ele para ajudar os americanos apossuir ações ordinárias a termo. As companhias também acharam atraentes essas taxas. A 12%, Wall Street podia até sugeriruma utilização mais lucrativa para o capital de giro de umacompanhia do que o aumento da produção. Algumas empresastomaram a seguinte decisão: em vez de procurarem produzirmercadorias, com suas múltiplas dores de cabeça e inconve-
(19) A cifra no fim do ano era exatamente de 5.722.258.724 dólares.Os dados são do Year Book (Anuário) 1928-1929 da Bolsa de Valoresde Nova York, e não incluem os empréstimos a prazo dos corretores.
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niências, limitar-se-iam a financiar a especulação. Muitas outrascompanhias começaram a emprestar seus fundos excedentes aWall Street.
Havia ainda melhores meios de ganhar dinheiro. Em princípio, os bancos de Nova York podiam tomar dinheiro emprestado do Banco de Reserva Federal a 5% e reemprestá-lo no mercado sob chamada a 12%. E, na prática, foi o que fizeram. Issofoi, com certeza, a mais lucrativa operação de arbitragem detodos os tempos.
VIII
Contudo, havia muitos meios de ganhar dinheiro em 1928.Nunca houvera tempo melhor para ficar rico, e o povo sabiadisso. E, na verdade, 1928 foi o último ano em que os america
nos foram eufóricos, desinibidos e extremamente felizes. Nãoque 1928 não fosse tão bom para durar; mas apenas que nãodurou.
No número de janeiro de World's Work, Will Payne, depoisde tecer consideração sobre as maravilhas do ano que findara,passou a explicar a diferença entre um jogador e um investidor.Um jogador, afirmava ele, ganha somente porque outra pessoaperde. Onde há investimento, todos ganham. Um investidor, explicava ele, compra ações da General Motors por 100 dólares,vende-as a outro por 150 dólares, que as vende a um terceiropor 200 dólares. Todo mundo ganha dinheiro. Como observoucerta vez Walter Bagehot: "Todas as pessoas são mais crédulas
quando se acham mais felizes". (20)
(2°) Lombard Street {Rua Lombard), ed. de 1922 (Londres: JohnMurray, 1922), p. 151.
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CAPÍTULO III
Algo Devia Ser Feito?
ANALISANDO EM RETROSPECTO, é fácil ver como 1929 estava destinado a ser um ano para lembrar. Não porque o Sr. Hoovertornar-se-ia logo Presidente e tivesse intenções hostis com respeitoao mercado. Tais intenções desenvolveram-se, pelo menos emparte, em retrospecto. Nem porque os entendidos pudessemdizer que a depressão estava atrasada. Ninguém, entendido ouleigo, sabia ou sabe quando as depressões estão em dia ou atrasadas.
O que acontecia simplesmente é que havia um estrondosoboom em andamento no mercado de ações e, como todos osbooms, tinha de terminar. A primeiro de janeiro de 1929, comouma simples questão de probabilidade, era bem possível que oboom terminasse antes de o ano findar, como uma possibilidadedecrescente de que terminaria em qualquer ano subseqüente.Quando os preços parassem de subir — quando as reservas dopessoal que estava comprando na expectativa de aumento seesgotassem — então a aquisição a termo se tornaria sem sentidoe todo mundo quereria vender. O mercado não se nivelaria; cairiaprecipitadamente.
Assim sendo, a atitude das pessoas que tinham pelo menosresponsabilidade nominal pelo que estava ocorrendo foi complexa. Um dos enigmas políticos mais antigos é quem deve regulamentar os regulamentadores. Mas um problema igualmentedesconcertante, que nunca recebeu a atenção que merece, é
quem deve tornar sensatos aqueles que se presume teremsensatez.
Alguns dos que se encontravam em cargos de autoridade queriam que o boom continuasse. Estavam ganhando dinheiro comaquilo e talvez tivessem algum receio do desastre pessoal queos aguardava quando o boom chegasse ao fim. Mas houve também alguns que viram, embora vagamente, que uma especulação desenfreada estava em andamento e que algo devia serfeito. Para essas pessoas, porém, toda proposta para agir levantava o mesmo problema, intratável. As conseqüências de umaação acertada pareciam quase tão terríveis quanto as conseqüências da inação, e poderiam ser mais horríveis para aquelesque tomassem a iniciativa da ação.
Uma bolha pode ser facilmente furada. Mas picá-la com umaagulha, de forma que ela diminua gradativamente, é uma tarefabastante delicada. Entre os que percebiam o que estava acontecendo no inicio de 1929, havia alguma esperança, mas nenhuma
confiança, de que podia fazer-se o boom diminuir. A verdadeiraescolha era entre um colapso imediato e deliberadamente planejado e um desastre mais sério depois. Alguém, com certeza,seria acusado pelo colapso final quando este viesse. Não haviaqualquer dúvida quanto a quem seria acusado, se o boom fossedeliberadamente derrubado. (Durante quase uma década as autoridades da Reserva Federal vinham negando sua responsabilidade pela deflação de 1920-21.) O desastre final também tinha avantagem inestimável de permitir mais alguns dias, semanas oumeses de vida. Pode-se duvidar se em algum momento, no iníciode 1929, o problema foi alguma vez enquadrado em termos de
alternativas assim tão inflexíveis. Mas por mais que se disfarçasse ou se evitasse, estas eram as alternativas que pairavamem toda conferência séria sobre o que fazer com o mercado deações.
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II
Os homens que tinham a responsabilidade por essas alternativasinelutáveis eram o Presidente dos Estados Unidos, o Secretáriodo Tesouro, a Junta de Reserva Federal, em Washington, e opresidente e diretor