103
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE ARTES O Design e o Aprendizado Barraca: quando o Design Social deságua no Desenho Coletivo DISSERTAÇÃO DE MESTRADO HELIANA SONEGHET PACHECO

O design e o Aprendizado

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Dissertação Mestrado - Heliana Pacheco

Citation preview

Page 1: O design e o Aprendizado

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

DEPARTAMENTO DE ARTES

O Design e o Aprendizado

Barraca: quando o Design Social deságua no Desenho Coletivo

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

HELIANA SONEGHET PACHECO

Page 2: O design e o Aprendizado

HELIANA SONEGHET PACHECO

O Design e o Aprendizado

Barraca: quando o Design Social deságua no Desenho Coletivo

TESE APRESENTADA AO

DEPARTAMENTO DE ARTES DA PUC-RIO

COMO PARTE DOS REQUISITOS PARA

OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE

EM DESIGN

DEPARTAMENTO DE ARTES

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

Page 3: O design e o Aprendizado

Rio de Janeiro, 9 de abril de 1996

Dedico este trabalho a

Helio e Elza, meus pais.

Helio, Fernando, Marcos, Leonardo e

Marcelo, meus irmãos.

À Maura, que nos criou.

Page 4: O design e o Aprendizado

A Barraca,

Nosso tabernáculo

Oramos e celebramos

A vida.

Com gratidão,

1993/4 – 2 mil e...sempre

Leila

Page 5: O design e o Aprendizado

AGRADECIMENTOS

Com orgulho termino a primeira tese de mestrado em Design no Brasil e vejo

que um trabalho coerente desenvolvido pelo Departamento de Artes ao longo de

muitos anos é a base concreta deste curso. Aos professores que fizeram parte deste

trabalho e aos que finalmente deram início ao processo formal de aplicação deste

desafio, com o cuidado, com a qualidade e a eficiência que o Mestrado em Design na

PUC-Rio se caracteriza, muito obrigada.

Gostaria de agradecer muito a Deus por ter colocado em meu caminho:

O meu orientador, Henrique Antoun, com sua confiança e luz em suas palavras.

Professor Augusto Sampaio, com a força e a atenção com que sempre me

apoiou.

Os professores doutores do Departamento de Artes que fazem do nosso curso

de mestrado um exercício sério de educação em Design no Brasil.

Tereza Cavalcanti e Henri de Ternay, do Departamento de Teologia da PUC-

Rio, e André Parente, da Escola de Comunicação da UFRJ, que foram meus professores

em matérias eletivas, com quem pude enriquecer meu curso com sensíveis

colaborações.

E especialmente:

Rita Maria e Luiz Evânio Couto, com a paciência, a atenção e o especial carinho

que caracterizam a verdadeira amizade.

Rejane Spitz, pela presença nos momentos difíceis.

Page 6: O design e o Aprendizado

Os professores Claudio Magalhães e Luiz Antônio Coelho, com o apoio

incondicional da diretoria e o eficiente cuidado na coordenação da pós-graduação do

Departamento de Artes da PUC-Rio.

A professora Margarida de Souza Neves, coordenadora geral da pós-graduação

da PUC-Rio e o seu secretário Jorge dos Santos.

O professor José Luiz Ripper, com carinho e a acolhida no LOTDP.

Os amigos, muitos, que colaboraram com as perguntas preciosas, apoios,

confiança e força.

Jacinto Fabio Corrêa, meu poeta azul.

Meus pais que sempre me apoiam, de todas as maneiras, neste caminho que,

sigo e que muitas vezes não sei onde vai dar, mas que sei sempre contar com eles, com

a glória de Deus e suas manifestações em caminhos como nestas pessoas que me

cercam.

As jaqueiras, os macaquinhos, as garças, o vento, o sol, o verde, o trabalho, a

alegria, a PUC.

E Ana Branco.

Obrigada, meu Deus!!!

Page 7: O design e o Aprendizado

RESUMO

Esta dissertação de mestrado fala do aprendizado de desenvolvimento de

projetos que teve no Design Social (DS) uma inovação de ensino do Projeto na PUC-

Rio. Esta inovação se deu no curso de Desenho Industrial do Departamento de Artes e

teve, com a Barraca, sala de aula construída para lecionar a matéria de Projeto, um

laboratório de experimentação das importâncias da intuição e do afeto para o

aprendizado da prática projetual.

O trabalho inicia com as raízes do DS e depois fala dos frutos que esta

metodologia dá, do papel e da contribuição da Barraca que amplia as características do

Design Social gerando um método que o incorpora, mas que expande as formas de

intuição e de afeto como instrumentos da prática projetual: o Desenho Coletivo.

ABSTRACT

This monography describes the learning of Project development that had, with Social

Design, an innovation in the teaching of the “project subject at PUC-Rio”. This innovation took

place in the Industrial Design course, at the Arts Department and had, whit the “Barraca”

(tend), a classroom built to teach the subject, an experimentation lab for the relevance of

intuition and affection in the learning of the project practice.

The monography starts with the roots of Social Design and then describes the fruits this

methods brings, the role and contribution of the “Barraca” that extends the characteristics of

Social Design, creating a method that incorporates Social Design, but that expands the

intuition and affection form as tools of the practive: the Collective Design.

Page 8: O design e o Aprendizado

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1: RAÍZES

1.1 Histórico

1.1.1 A participação do usuário

1.2 Embasamento teórico do Design Social

1.3 O ensino de Design Social na PUC-Rio

1.3.1 A estrutura atual do curso de Design

1.3.2 Algumas considerações sobre a matéria de Projeto

orientada pelo Design Social na PUC-Rio

1.4 Minha experiência com a prática do Design Social

CAPÍTULO 2: FRUTOS

2.1 Experiências concretas do Design Social na PUC-Rio

2.2 A Barraca

2.3 A estrutura do Desenho Coletivo e a Barraca

CONCLUSÃO

ANEXO 1

Depoimento de alunos

ANEXO 2

Projeto – Apostila 1996.1

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Page 9: O design e o Aprendizado

LISTA DE FIGURAS

Figura1. Logomarca da Barraca. Utilizada em todas as publicações que se

relacionam a ela. Pág. 52

Figura 2. Os quatro desenhos da Barraca. A partir da esquerda em cima, a

Barraca em seu primeiro desenho, em 1988. Ao lado, seu desenho em 1989. À esquerda

embaixo, 1991 e ao lado 1993. Pág. 55

Figura 3. Os yourtes e sua construção. Pág. 56

Figura 4. A estrutura do yourte e o fogo. Pág.57

Figura 5. A transparência. Um aluno olhando um esquilo que está ao lado da

{rvore exatamente na “moldura” do losango formado pela treliça. P{g. 58

Figura 6. Aula. Dia de aula, onde por acaso, dois professores orientam alunos

ao mesmo tempo. As conversas paralelas não atrapalham. Observa-se a luminosidade

ao meio-dia. As pessoas sob o reflexo da cor laranja do teto. Pág. 60

Figura 7. Jaqueira. Detalhe de uma das jaqueiras que sustentam a Barraca. Pág. 62

Figura 8. O fogo. À noite, o fogo aceso ilumina a aula. Pág. 63

Figura 9. Espaço de evidenciação. Apresentação final de projeto com a presença

da interlocutora, que aponta para o centro onde os objetos construídos pelos alunos

com ela estavam expostos no lugar do fogo, natural espaço de evidenciação da Barraca.

Era meio-dia e o sol iluminava o trabalho. Pág. 64

Figura 10. O alçapão. Nos primeiros desenhos da Barraca já existiu um armário

de ferro que ficava em cima de um dos praticáveis. Ocupava lugar e atraía a atenção

dos presentes para o seu interior. Com a solução do alçapão, só sabe de sua existência

quem precisa dele. Quem não precisa, não sabe. Pág. 65

Figura 11. Vista da Barraca pelo lado do campo de futebol. Pág. 66

Figura 12. Alunas apresentam seu produto final. Pág. 68

Figura 13. A Barraca em manutenção. Pág. 69

Figura 14. O brilho. Pág. 70

Page 10: O design e o Aprendizado

______________________________________

INTRODUÇÃO

Page 11: O design e o Aprendizado

O tema desta dissertação diz respeito à metodologia de desenvolvimento de

Projeto, características do curso de Desenho Industrial de PUC-Rio, que trabalha sob o

enfoque metodológico do Design Social (DS). Este tema guarda relação com a linha de

pesquisa Objeto, Meio Ambiente e Sociedade, do curso de mestrado em Design no

Departamento de Artes da PUC-Rio, na medida em que o DS ocupasse

prioritariamente de questões relacionadas com a produção social do objeto1.

Este enfoque metodológico também é marca que caracteriza o Departamento de

Artes.

Já se tornou marca registrada desse curso (Desenho Industrial)

a orientação no sentido de que o aluno trabalhe com situações

da realidade, em um contexto real, contribui não somente para

estimular a criatividade e desenvolver o senso crítico, mas

também ajuda o aluno a descobrir valores da sua própria

cultura.

Esse modo de atuação, conhecido como Design Social, foi

introduzido no Departamento de Artes da PUC-Rio, há cerca de

12 anos, por um grupo de professores...(Catálogo do

Departamento de Artes, 1993/94:7)

O Design Social vem merecendo minha atenção desde os tempos em que cursei

a graduação em Desenho Industrial, quando desenvolvi projetos orientados por este

enfoque metodológico. Posteriormente ao aceitar o convite do Departamento de Artes

para lecionar a matéria de Projeto Básico I, sob tal orientação pude desenvolver meu

trabalho como orientadora de projeto utilizando-me do DS como ferramenta de ensino.

Apesar de o Design Social constituir-se em uma metodologia de aula de

projetos e, também, em uma maneira de atuação de professores e seus projetos de

pesquisa, o Departamento de Artes tem poucos registros sobre trabalhos realizados sob

este enfoque. Um estudo mais aprofundado desta questão foi feito em 1991, pela

professora Rita Couto, do Departamento de Artes de PUC-Rio, para sua dissertação de

mestrado no Departamento de Educação desta mesma Universidade2. Encontram-se

1 Definição da linha de pesquisa “Objeto, Meio Ambiente e Sociedade” pelo Caderno de Desenho Industrial, nº2: Mestrado em Design: “Teoria e prática de desenvolvimento do projeto de objetos, valores estéticos e extra estéticos envolvidos nessa produção e

uso; metodologia de produção do objeto; efeitos dos meios de produção sobre a fabricação do objeto; relações entre o

desenvolvimento, produção e uso dos objetos e o meio ambiente social e natural; desumanização do trabalho e rompimento com a tradição; conceito de criatividade na produção do objeto; a produção social do objeto, meio e subjetividade social.”

2 Couto, Rita. “O ensino da disciplina de projeto básico sob o enfoque do Design Social.” Rio de Janeiro: Departamento de

Educação PUC-Rio, (dissertação de mestrado), 1991, 86p.

Page 12: O design e o Aprendizado

também no departamento de Artes, relatórios de pesquisas feitos por professores que

adotam essa postura no desenvolvimento de projetos. Poder dar continuidade ao

trabalho de registro e de fundamentação do DS para maior aprofundamento das

questões de design e das particularidades deste enfoco metodológico beneficiará

alunos, pesquisadores, professores e o próprio design, que terá esclarecida mais uma

face de sua extensão.

A maneira de trabalhar o design através do envolvimento direto com os

usuários teve início na PUC a cerca de 14 anos com os professores José Luiz Ripper e

Ana Branco3. Influenciados por discussões em relação ao ensino de design e pela

própria prática no mercado de trabalho, os dois professores começaram a desenvolver

uma postura particular de ensino, a partir de questões encontradas na prática das

disciplinas de projeto, que ministravam. Esta postura, que pouco a pouco se

caracterizou como uma metodologia de ensino fundamentou-se a partir de diversas

áreas, dentre as quais se destacam a colaboração das ideias de J. Baudrillard, no tocante

ao conservadorismo visto no design; de Gui Bonsiepe, envolvendo questões do

primeiro e do terceiro mundos; de V. Papanek, que propunha o projeto para um

mundo real; E C. Alexander, envolvendo a democratização do projetar, levando em

conta realmente o usuário na concepção do projeto4. Estes autores construíram a base

de discussão para a formação do pensamento e da prática dessa nova metodologia de

projeto em design, que, entretanto, ao longo dos anos, tem trilhado seu próprio

caminho. Mas não podemos reduzir o desenvolvimento dessa nova maneira de ensinar

design apenas à contribuição destes autores, pois novas ideias foram surgindo das

questões trazidas pela prática de ensino dos professores supra citados, ao passo que

questionavam e ampliavam os conceitos de seus inspiradores.

Nestes 14 anos, surgiram meios, territórios, espaços, atitudes de tinham uma

ação sobre este pensamento e sofriam uma moldagem desta maneira de trabalhar. São

os meios de aprendizagem, que não são momentos sucessivos de uma evolução, mas

aspectos que tem características próprias de contexto, onde aprendizagem se estabelece

3 José Luiz Mendes Ripper e Ana Branco são professores do Departamento de Artes da PUC-Rio, onde lecionam e desenvolvem

projetos de pesquisa sob o enfoque metodológico do Design Social oficialmente desde 1982.

4 J. Baudrillard, sociólogo; G. Bonsiepe e V. Papanek, designers; e C. Alexander, arquiteto e designer.

Page 13: O design e o Aprendizado

de maneira mais apropriada do que o ensino. Este detém um conhecimento prévio; é

um caminho de mão única que liga o professor ao aluno. Aprendizagem é algo comum

ao aluno e ao professor e visa a descoberta, algo que se goste e se cuide. Cabe falar de

aprendizagem em DS incluindo-a a um meio. É típica do DS, metodologia que visa

enfatizar o processo do fazer e incorporar o aluno numa realidade dada pela sociedade,

meios que estejam coerentes com esta maneira de ensinar projeto.

Desde que começou a se desenvolver na PUC-Rio, o DS utilizou-se de vários meios de

ensino e aprendizagem que deram corpo a esta metodologia de ensino de

desenvolvimento de projeto. Dentre esses meios um deles se destaca, não só por

incorporar toda a metodologia de ensino ao Design Social, como pela característica de

ter desenvolvido à sua origem – o DS – dados que o enriquecem, como a possibilidade

de trabalhar mais com a intuição, com o afeto etc. é a Barraca, sala de aula feia

especialmente para lecionar as matérias de projeto do Departamento de Artes da PUC-

Rio.

Construída em 1988, pela professora Ana Branco com a colaboração de outros

professores e alunos, este abrigo/objeto/meio de aprendizagem tem em toda a sua

concepção, estrutura e utilização a concretização desta metodologia que o DS veio

trazer ao Departamento de Artes da PUC-Rio. É, também, onde ela tem desenvolvido e

ampliado seu campo de atuação através do trabalho que acontece neste espaço. Com a

Barraca, o DS se mostra um desenho vivo que faz parte de uma grande “{rvore” cuja

raiz é o desenho de trabalhar o aprendizado, o tronco é o movimento concreto em

relação a esse, seus galhos são os caminhos percorridos e os frutos são os resultados

capazes alimentar e de gerar novas árvores.

Veremos neste trabalho como o Design Social surgiu na PUC, sua

prática, por que consideramos a Barraca um meio de aprendizagem exemplar para a

compreensão das propostas e implicações práticas deste enfoque metodológico e como

ela amplia o DS através do Desenho Coletivo.

Para desenvolver essa dissertação utilizei-me do método qualitativo, numa

abordagem etnográfica, com pesquisa exploratória. Lüdke e André (1986) nos falam de

métodos básicos utilizados pelos etnógrafos que incluem observação direta e

Page 14: O design e o Aprendizado

entrevista, além de análise de documentos, fotos, vídeos, histórias etc. Gil (1989) nos

fala da pesquisa exploratória que inclui a documental e a bibliográfica.

Pude, em minha pesquisa, recolher um material que inclui fotos, entrevistas

com professores, depoimentos de alunos, vídeos, artigos de professores, palestras,

documentos de congressos e design, projetos de alunos, além de minha própria

experiência registrada em livro. Acredito que este material será de grande utilidade

para futuros pesquisadores.

Page 15: O design e o Aprendizado

Capítulo 1

_____________________

RAÍZES

Page 16: O design e o Aprendizado

1.1 HISTÓRICO

Os cursos de Design no Brasil vêm formando, ao longo de 30 anos, bacharéis que se

dedicam ao mercado de trabalho e também ao ensono e à pesquisa. No início deste

período sofreu uma profunda influencia estética da Bauhaus, a primeira escola de

design, craida na Alemanha que se tornou por mais de uma década o mais importante

centro criador da Europa. Para a Bauhaus, a forma rpresentava o melhor caminho para

o projetista, como definiu o arquiteto Walter Gropius, um de seus criadores. No Brasil,

o pensamento de Gropius norteou os caminhos do design e influenciou os cursos da

primeira Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro e da PUC-Rio.

Era um pensamento onde acreditava-se que o aluno chegava à universidade vazio

de conhecimento, devendo ser alimentado de informações até que, ao concluir o curso,

tivesse conhecimentos suficientes que lhe permitissem operacionalizar. Traduzia a

ideia de transmissão de um saber hierarquizado, que concorria para a maturação

progressiva do aluno e refletia a visão de graus de complexidade entre as formas dos

objetos a serem projetados.

O Departamento de Artes da PUC-Rio, sob direção doprofessor José Luiz Mendes

Ripper e coordenação da professora Ana Branco na gestão 1982-1984, começou a

trabalhar o ensino de Design de uma maneira inovadora no Brasil, por esses

professores não concordarem com as ideias de um saber hierarquizado, decidindo

partir para o que chamamos de Design Social.

Reconhecendo nossa herança cultural, onde éramos desde a Colônia meros

consumidores de produtos de vinham de fora, e vendo essa nossa dependência como

véu do desconhecimento do objeto como significante para a produção de uma cultura

própria, o curso de Desenho Industrial da PUC-Rio veio resgatar este papel importante

que é das escolas de Design e que estava esquecido por elas.

Esta mudança de filosofia pode ser vista nos primeiros escritos sobre o assunto

produzidos no Departamento de Artes da PUC-Rio. Em novembro de 1982-84, durante

o 3º Congresso ALADI – Associação Latino-Americana de Desenho Industrial, o

Departamento apresentou sua proposta de ensino onde demonstrou, através de

Page 17: O design e o Aprendizado

projetos desenvolvidos com o pensamento do DS e de um documento explicativo, o

que queria dizer com valorização do processo, temática nativa e resultados práticos

junto aos alunos.

Neste documento via-se o objeto como produto humano de uma dada cultura,

inserido num contexto social e sendo suporte material de ideias. Este resgate se deu na

valorização do FAZER, ou seja, do ato de modelar as matérias, extraindo delas as

ideias em objetos cristalizados momentaneamente em objetos, prosseguindo

ilimitadamente, porém, enquanto prática. Este seria o papel das escolas de Design, pois

nossa tradição cultural caracteriza-se pela inibição deste fazer e pela ênfase à

“superioridade” da erudição e das profissões liberais.

Porém, na PUC-Rio, principalmente porque o curso de Design está inserido num

Centro de Ciências Humanas e não de tecnologia – temos aí um campo em que a

universidade define um espaço para lidar com a expressão da sensibilidade criadora e

transformadora do homem em relação ao seu meio – onde temos então um ambiente

propício ao resgate da importância do risco como campo específico de um fazer que

não se distingue do aprendizado.

Esta conduta do Departamento de Artes tomava, neste documento, a palavra

“risco” no seu sentido mais arcaico (séculos 18 e 19), como sendo, ao mesmo tempo a

representação gráfica de uma ideia e sua realização no mundo. Reportavam-se a Lúcio

Costa, que associava a palavra risco à ideia de feitio de alguma coisa e, tal como, não

era apenas um desenho comum, mas um desenho que se remetia à feitura de

determinado objeto ou à excução de uma determinada obra, ou, porque não, à

execução de determinado projeto.

Com este pensamento, a Direção do Departamento deu início à valorização do

fazer, enfatizando o PROCESSO DO FAZER como seu “carro chefe”. A ideia era evitar

as práticas de pura repetição e cópia impostas por um contexto saturado de produtos

importados de outras culturas, outros processos e materiais identificados com outros

meios e outros modos de viver que não o nativo. A TEMÁTICA NATIVA se fazia

presente nas exigências de uma realidade muito mais próxima, identificada com

Page 18: O design e o Aprendizado

grupos específicos, cujos desejos e necessidades vão implicar trabalhos desenvolvidos

completamente ajustados a essa realidade.

O objetivo era “integrar o aluno ao meio universit{rio sem fazer do saber

técnico e do saber teórico uma doutrina, mas algo que se incorpore à sua formação,

adequando-o à realidade do contexto cultural e socioeconômico em que atuará. Assim

sendo, o ensino universitário converge para a aproximação de áreas onde se amplia o

saber do designer, permitindo que sua habilidade se desenvolva no sentido de

adequação à contemporaneidade, A noção de temática nativa remete à construção de

uma identidade própria que caracterizará o nosso Design, não só diferenciando-o dos

demais por sua complexidade cultural, como integrando-o num universo

transcultural”5

Os fundamentos divulgados por ocasião do 3º ALADI passaram a se chamar de

Design Social, cujo nome veio bem depois de sua origem, pela natural incorporação da

sociedade e meio ambiente na elaboração e desenvolvimento de projetos orientados

por este pensamento. Hoje, nomes como Desenho Universal, Desenho Ecológico,

Desenho Coletivo já são usados como tentativa de captar melhor seu espírito, sua

subjetividade, determinando aquele elemento que liga definitivamente o objeto com o

meio em que foi gerado e onde irá atuar.

O pano de fundo para o surgimento do Design Social no Departamento de

Artes foi, pois, marcado pelo repúdio ao desenvolvimento de projetos a partir de

populações-alvo6 imaginadas e de necessidades que geravam os produtos simulados

imaginariamente em sala de aula. O professor Ripper (1994) nos conta, por exemplo,

que até então era bastante comum realizar um projeto para usuários fictícios e

necessidades imaginadas, o que desencadeava uma série de erros de julgamento na

concepção do processo de projeto. O que amparava esta atitude projetual era o

pressuposto da universalidade racional da lógica da produção e de seus propósitos -

vinculados a uma funcionalidade concebida como única e idêntica para cada classe de

5 Texto extraído da proposta de ensino apresentada pelo Departamento de Artes da PUC-Rio no 3º Congresso ALADI – Associação Latino-Americana de Desenho Industrial – Novembro de 1984 – Rio de Janeiro.

6 Populações-alvo são os grupos sociais para quem os designers tradicionais fazem projetos e com quem os designers sociais

projetam.

Page 19: O design e o Aprendizado

objetos. As distorções trazidas por esta atitude para o ensino e a prática do Design

evidenciam-se neste depoimento de Ripper:

As dimensões eram falsas porque tudo era inventado. Uma

coisa uma hora podia, outra hora não, mas dava-se um jeitinho,

já que era tudo inventado. O fabricante também não existia e os

materiais eram pensados teoricamente. A discussão em torno

do trabalho era uma ilusão. (Ripper, 1994)

Por mais que as situações pudessem parecer reais, não possuíam a realidade

como aliada para a promoção de um exercício ligado a um mundo físico e social, que

permitisse interação, interlocução e experimentação. Ripper nos conta:

Que eu me lembre, o motor que nos moveu a modificar o amido

foi o ridiculo da uma situação simulada. Era o sentimento de

que a realidade (não vamos chamar realidade porque muita

gente diz que realidade é uma coisa vaga, filosófica e pode ter

várias maneiras de interpretar), então vamos chamar de meio

físico-social fora dos muros da universidade - sobre isto não há

dúvida: por experiência própria no mercado de trabalho,

sabíamos que este meio físico-social fora da universidade era

muito rico e estava em constante transformação,

proporcionando assim, um trabalho interessante, na medida

que ele sempre opõe resistência às ideias das pessoas que estão

trabalhando com ele. A resistência é forte e por isso propicia um

bom exercício. (Ripper, 1995)

O Design Social veio trazer ao exercício de projeto acontecimentos ligado a uma

realidade não controlável por professores e alunos: processos onde alunos, professores

e usuários participavam ativamente. Costumo dizer que veio trazer a chuva, o sol, o

cheiro a um ambiente anterior de ar condicionado. Antes se tinha um controle ou se

estava submetido a um controle onde nada se alterava sem a permissão de uma pessoa

(aluno ou professor). No novo ambiente o acaso faz parte do processo de projeto,

sendo por isso, muito mais apropriado a um exercício em que se pretende trabalhar

com o mundo que nos cerca. Esse mundo é a realidade dada por aquilo que vemos e

ouvimos e tocamos, onde, então, temos principalmente um retomo que independe de

nossa vontade: o momento da vontade do outro. Na nossa fantasia tudo acontece

conforme nosso controle; quando lidamos com o mundo, muito mais elementos, dados,

acontecimentos se apresentam. Um trabalho de educação que não inclui o mundo fica

sem opções, sem o jogo de cintura. Por outro lado, quando inclui o plano físico, a

realidade, exercitamos a compreensão de que, embora tudo possa se parecer, o que nos

Page 20: O design e o Aprendizado

chega é sempre novo. O que tínhamos aprendido só nos que estávamos vivos e tudo

que ainda vamos aprender não existe. O que está acontecendo de fato é que é possível.

Como ensina Bergson (1990): o possível vem do real. Diante de passos concretos

podemos falar do andar. Antes disto, andar é só uma ideia, uma vontade. Rubem Alves

também compartilha desse pensamento de Bergson:

...sabe-se que é dele (do real) que temos que retirar os materiais

para construir o possível. O possível? Onde está? Não existe

ainda. Não nasceu. Virá a ser como resultado do amor e da ação

criadora. (Alves, 1993:68)

No início, trabalhar "ao ar livre” requereu esforços extras:

Nos primeiros tempos, como eu e a Ana estávamos

empenhados nisto, foi exigido um trabalho da gente bem maior

do que do professor que trabalhava com a simulação.

Tudo era inicial. Hoje você chega para um aluno e diz: vai ara

um meio uma ABBR, um lugar que não seja aqui na PUC-Rio,

você já tem uma tradição de que aquilo é possível. Para simular

você não precisa de coragem, porque você simula uma situação

confortável, onde tudo vai dar certo e os mocinhos vão acabar

ganhando dos bandidos. Mas na realidade nem sempre é assim.

Na realidade você nunca vai saber o que vai dar no final do

semestre. É imprevisível. Até hoje a gente vê reclamação dos

alunos: ”Ah, o cara não estava l{ na hora, eu fui naquele lugar e

agora fechou, faliu." Mas de qualquer maneira o aluno, no

fundo, está sabendo que já teve projetos realizados assim. Você

já imaginou isso quando não tinha nada? Nunca tinha sido feito

trabalho fora da escola. Então é aquela situação do homem que

vivia num lugar e alguém lhe diz: "Por que você não vai além

daqueles morros?" O homem não sabia que podia ir. Nós

tínhamos essa segurança e passávarnos para os alunos. Mas os

primeiros projetos realmente tinham este problema. (Ripper,

1995)

Trabalhando assim, em contato com acontecimentos, ações, pensamentos que

vinham de fora, o aluno começou a desenvolver projetos ligados a uma situação onde

os objetos surgiam com características apropriadas a responder ao desejo de um grupo

determinado, num certo tempo, num certo local. Ou seja, as elaborações dos objetos

tinham um princípio de interesse e diferença por estarem ligadas a grupos

determinados. No caso da produção seriada, por exemplo, o desenvolvimento da

metodologia de Design Social incorpora este princípio de interesse e diferença, fazendo

com que a reprodutibilidade não seja fruto do investimento mecânico e indiferenciado

Page 21: O design e o Aprendizado

da divisão do trabalho. A oposição entre particularidade e universalidade é

ultrapassada pelo caráter singular do desenvolvimento do projeto. Lembramos que o

termo singular está sendo considerado não na acepção de algo único, mas como algo

que se repete por força das condições que o sustentam. Nesse sentido, por exemplo,

um pôr-do-sol é singular porque pode se reproduzir com outros astros em outras

galáxias de modo diferente. São os processos e os procedimentos que determinam o

pôr-do-sol e não os corpos particulares e individuais envolvidos no fenômeno. O

Design lida, a partir dessa concepção, com acontecimentos e não com coisas,

viabilizando mundos para coletividades habitarem. O Design Social procura casar

pensamento e prática para viabilizar a constituição de um estilo de viver e a

constituição de uma sensibilidade capaz de se fazer e sustentar esse estilo7.

E, assim, este pensamento veio ligar o mundo universitário ao mundo físico-

social, fora dos muros da universidade, através de trabalhos práticos de alunos. Veio

também concretizar, em suas ações, o estudo e a mostra do que é o Design para o

mercado de trabalho e também como pode ser explorado. Nisto podemos ver como é

ilimitado o campo de atuação. Nesta prática - onde o papel do interlocutor é

fundamental, com os diversos tipos de assuntos que traz, fazendo das pessoas co-

autoras do trabalho - a combinação de possibilidades de atuação nunca se esgota.

Ripper (1994), entretanto, nos lembra que ainda existe, no meio acadêmico, uma

preocupação em definir, limitar, delimitar áreas, o que se mostra contraproducente

para um mundo onde estes limites se esvanecem, a cada dia que passa, principalmente

com o avanço tecnológico. Podemos tomar como exemplo o avanço da consciência

ecológica, pois, para a ecologia, a biodiversidade é sinônimo de riqueza.

Há uma grande preocupação em limitar as atividades

práticas porque há uma preocupação corporativista.

Pessoas querem cercar seu campo de trabalho, mas isso

não tem demonstrado grande importância e eficiência.

Serve mais para evitar, atritar, diminuir o campo das

atividades humanas. Não prego que as coisas

deveriam se misturar tudo numa escola, nem sei como

isso poderia ser feito, mas de qualquer maneira

poderia diminuir um pouco esta preocupação de

invasão da área do outro. É contraproducente. 7 Quando falamos de estilo não estamos designando uma série de características formais capazes de serem produzidas. Falamos de

procedimentos rigorosos que respondem às inquietações de existências e sustentam suas práticas centro formadoras.

Page 22: O design e o Aprendizado

Nesse momento, Design é uma coisa que a gente não

consegue perceber; depois vai ser uma outra porque os

campos de atividade estão se expandindo também.

Eles não se expandem mais porque há realmente essa

grande preocupação de delimitar os campos, e assim

cada um fica no seu. Essa delimitação deveria ser uma coisa bem suave, como se

fosse uma película, com trocas permanentes entre pessoas de

outras áreas que ora entrassem na sua e vice-versa, sem

muita preocupação de rótulo. Mas vemos que não é assim

que estão sendo constituídas as relações de trabalho, tanto na

escola como fora. Estão ligadas às corporações, aos limites.

Você entra no consultório de um médico e vê tudo igual.

Tudo padronizado.

Fazer pão. Essa atividade é um exemplo das

possibilidades que uma pessoa que tem a formação de

designer pode fazer. E o pão passa a ser Design. Por

quê? Porque o cara é designer e faz pão. Não precisa o

objeto da coisa ser Design. É a atitude que interessa.

(Ripper,1995)

Ora, o que justifica esta atitude projetual é, segundo o professor Henrique

Antoun8, a exemplaridade de condições e resultados obtidos por ela.

Nesse sentido, tanto a fábrica quanto o produto deveriam ser

ideais para, com seu exemplo, exercerem pressão sobre as

condições do real, modificando-as. Esse método, inicialmente

desenvolvido pela Bauhaus, retirava seu amparo da crença na

universalidade racional como fundamento da produção e do

produto. Pois, na medida da verdade dessa concepção, tanto a

produção, quanto seu produto seriam exemplos que

influenciariam, com sua presença, a produção e os produtos da

realidade. Entretanto, o que podemos depreender desse

depoimento é a degeneração de propósitos do método que se

punha a serviço de acomodações dos embaraços projetuais ao

invés de realizar uma crítica viva das condições do real.

(Antoun, 1995)

Eram os primeiros passos para um exercício onde o processo de projeto pudesse

utilizar elementos concretos para definir os rumos de trabalho.

Outra modificação relevante extraída da realidade da nova prática projetual foi

a transformação da população-alvo em população envolvida. Essa transformação

implicava a participação direta das pessoas ligadas ao projeto em todas as etapas do

seu processo de desenvolvimento. Questões tradicionais do desenvolvimento projetual

8 Henrique Antoun é designer, mestre em Filosofia, doutor em Comunicação e professor do curso de pós-graduação do

Departamento de Artes da PUC-Rio.

Page 23: O design e o Aprendizado

– fatores econômicos, físicos, sociais, climáticos, psicológicos etc. – eram confrontados

com o prisma do usuário, que trazia sua perspectiva de forma direta para a elaboração

do projeto. Dessa forma, a dicotomia envolvendo a oposição entre objeto geral e

usuário individual era modificada profundamente com a transformação desse último

em usuário coletivo. Por isso, o nome Design Social, onde a prioridade era dada pela

lógica do usuário coletivo e não pela lógica dos meios de produção.

1.1.1 A PARTICIPAÇÃO DO USUÁRIO

Muitos acreditavam que o produto desenvolvido especificamente para uma

comunidade perderia suas características de serialidade e reprodutibilidade. Esta

crença revelou-se errônea, pois características construtivas do processo projetual

garantiam sua plena incorporação não apenas pela comunidade a que era destinado,

mas por outras comunidades vinculadas à mesma questão, bastando apenas haver o

interesse para isso.

Conta Ripper:

No Design Social, na maioria das vezes, não se inicia o trabalho

cogitando as possibilidades técnicas de produzi-lo

industrialmente. Isto não significa, entretanto, que o objeto não

possa vir a ser "preparado" para que esta produção possa

ocorrer. A dificuldade não reside nas possibilidades técnicas da

indústria ou do próprio objeto, mas na identificação de um

produtor que tenha interesse em produzi-lo. (Ripper in Couto,

1994)

O objeto resultante da prática do Design Social é bastante interessante, pois

significa uma nova maneira de viabilizar um produto a partir de um novo modo de

trabalhar o exercício projetual. O projeto é coletivo e o designer é um instrumento de

viabilização do investimento comunitário. Não se trata de um retorno ao artesanato

porque a forma não é dada previamente pela comunidade, mas construída a partir dos

investimentos de desejos elaborados coletivamente.

A coletividade traz a importância do papel do interlocutor no desenvolvimento

do projeto. Quando o DS surgiu, duas frentes de ação se fizeram presentes: o incentivo

aos alunos procurarem um ambiente real de atuação e o encontro, neste ambiente, de

Page 24: O design e o Aprendizado

pessoas que seriam seus pares. Não bastava existir um local de trabalho em plena

atividade que reconhecesse um trabalho voluntário. Era preciso que alguém neste

espaço fosse o interlocutor deste projeto.

O interlocutor é o outro. E o que basicamente caracteriza o Design Social é

exatamente isso: o trabalho vivenciado e desenvolvido com o outro. Cabe, na prática

do DS, ver de que maneira se dá este encontro. Uma possibilidade é, por exemplo,

encontrar, numa aula de futebol de uma escola de 1° grau, um professor que trabalha o

sentimento de equipe com as crianças. Os alunos de Projeto da PUC-Rio podem

desenvolver um trabalho junto a este professor a partir deste objetivo. O professor será

o interlocutor que terá seu objetivo alcançado junto às crianças através da parceria com

os alunos da PUC, além de ser, também, co-autor deste projeto.

Neste ponto, devemos assinalar o surgimento de uma bifurcação no

desenvolvimento do aprendizado do DS, pois a introdução do interlocutor no processo

projetual faz com que a determinação do projeto, através da apreensão de problemas

detectados no ambiente real, não seja a única forma de viabilizar a prática do projeto.

A inserção do interlocutor na prática projetual faz com que elementos presentes

nessa prática, até então desconsiderados, possam ganhar relevo. Faz também com que

se tornem significativos limites e constrangimentos pertencentes à forma tradicional do

ambiente de aprendizado – a sala de aula -, tornando imperiosa a necessidade de se

repensar esse espaço em função da absorção e da exploração desses novos elementos

para o aprendizado.

Através do contato com o interlocutor tornou-se evidente para alguns a

importância das intuições e dos afetos como elementos significativos no

desenvolvimento do projeto, não apenas em termos de soluções encontradas, mas

também em termos do tipo de produto capaz de se objetivar e do ritmo com que a

solução vai se desenvolvendo9.

Na experiência de desenvolvimento de projeto com o interlocutor vão surgir

casos em que o ritmo e a eficácia da solução encontrada pareciam estar em relação

9 Entendemos afeto aqui como a capacidade de afetar e ser afetado que vai além da relação pessoal podendo incorporar as pessoas, o

vento, as árvores, os planetas etc.

Page 25: O design e o Aprendizado

direta com o sentimento de equipe gerado na prática projetual e o consequente

engajamento do projetista e da comunidade envolvida na geração destas soluções.

Outra relação importante estabelecida passa a ser a da importância de se

explorar as diretrizes da comunidade envolvida, procurando amplificá-las de modo a

que até possam atingir suas áreas ainda inertes e estagnadas. É o momento em que o

DS passa a trabalhar com a demanda da coletividade baseada nos movimentos que ela

já tem em relação a desejos, fazeres etc. É quando, na circunscrição de um espaço de

trabalho, a motivação da situação a ser trabalhada é dada, não por uma escolha

predeterminada, mas por um encontro onde o interlocutor e o designer trabalham

juntos considerando as intuições, os afetos, aquilo que os atraiu. O desenvolvimento do

projeto não será mais baseado na apreensão de "problemas" detectados, mas na

apreensão de "alegrias" detectadas.

Ora, estas relações apontam na direção da importância de elementos da

subjetividade, como o afeto e a intuição, que não encontravam amparo nos métodos

usualmente utilizados para ensino nas disciplinas de Projeto, nem nos instrumentos

desenvolvidos por elas - desenho técnico, ergonomia, mockup, layout etc. Ou seja, se

compararmos os projetos já realizados em suas soluções, não poderemos detectar

através dos elementos de sua formalização a importância dos afetos e das intuições,

tanto no desenvolvimento do projeto quanto na geração da solução. Seu papel

determinante na condução do processo projetual e na diretriz intuitiva da solução

encontrada permanece oculto na formalização final.

Por outro lado, esta indiferença na comparação entre os objetos resultantes

torna-se uma diferença gritante quando se examina, para além do objeto, seu uso e sua

participação nas coletividades que o absorvem.

O objeto gerado sem a presença do interlocutor e sem o desenvolvimento do

afeto como formador do coletivo tem uma participação aleatória e indiferente nos

coletivos que dele lançam mão, sendo apenas um fenômeno de consumo nestas

comunidades. Enquanto que o objeto desenvolvido com a participação ativa do

interlocutor e com a presença desse afeto na comunidade envolvida transforma esta

Page 26: O design e o Aprendizado

última num coletivo sujeito, participando de modo significativo e fundamental dos

acontecimentos desta comunidade.

Os elementos subjetivos do desenvolvimento de projeto tornam muito mais

relevantes os acontecimentos presentes em uma coletividade do que o objeto isolado

destes acontecimentos.

Através desta experiência detectada pela prática do DS com o interlocutor e a

comunidade envolvida fica evidente que há um Design que projeta acontecimentos e

produz coletivos sujeitos, e não comunidades e objetos de consumo.

O problema que emergia a partir desta constatação era como desenvolver os

elementos subjetivos como meios integrantes da prática projetual. Não tendo estes

elementos até então participado - a não ser marginalmente - do pensamento projetual,

tornava-se necessário empreender um trabalho, ao mesmo tempo, de pesquisa e

aprendizado da utilização desses elementos nessa prática. É a partir destas

considerações anteriormente desenvolvidas que a professora Ana Branco vai gerar a

Barraca como um laboratório de experimentações das importâncias das formas de

intuição e de afeto para o aprendizado da prática projetual.

1.2 EMBASAMENTO TEÓRICO DO DESIGN SOCIAL

No início dos anos 80, Ripper e Ana Branco, formuladores da prática e do

ensino do Design Social na PUC-Rio, vinham de extensas discussões e críticas sobre o

ensino de Design. Inúmeras questões pertinentes à relação entre a eficiência das

metodologias de projeto tradicionais e sua utilização na formação do profissional

através do ensino eram discutidas através do questionamento do lugar ocupado pela

figura do mercado de trabalho no ensino da prática projetual. Na opinião destes

professores, iniciou-se uma nova maneira de se projetar na universidade. Nessa nova

forma de exercício e aprendizado da prática projetual, os alunos eram levados a se

confrontar com situações reais promovidas pelos professores das cadeiras de Projeto

daquela época.

Page 27: O design e o Aprendizado

Na época em que estas discussões tomaram lugar, eram debatidas muitas

questões sobre as críticas que se fazia da prática projetual e seu ensino. Baudrillard

(1975) alertava em seu livro Para uma Crítica da Economia Política do Signo para o papel

conservador a que a escola estava se propondo, na medida em que ao invés de ser

produtora de conhecimento estava sendo reprodutora acrítica de um mercado de

trabalho e de uma estrutura social específica. O papel de propor novas práticas que

ultrapassassem os limites do mercado e de explorar largamente sua função de pesquisa

e produção de conhecimento não era trabalhado na escola. Esta não agia, portanto,

como instituição que descobre o que não está no mundo que inventa o que não se sabe,

gerando projetos que o mercado não poderia fazer A escola, incentivando a cópia,

deixava de explorar esse espaço especial que poderia desenvolver, esvaziando sua

possibilidade de criação.

A questão do Desenho Criativo10, aquele que traz para o conceito do desenho as

questões vinculadas às condições concretas de produção, também veio juntar se ao

questionamento a esta prática pouco crítica da escola e à questão da cópia.

A contribuição de Gui Bonsiepe (1975), no tocante à questão da diferença entre

o Primeiro e o Terceiro Mundos, acentua a análise crítica social. Comentando sobre a

cópia de produtos estrangeiros em seu livro Diseño Industrial - Artefacto y Proyecto, ele

nos fala da possibilidade de inventar como modo de ultrapassar a ficção da cópia, pois

esta baseia-se em suposições falsas, universalizando problemas culturais de outros

mundos que inviabilizam a validade do projeto.

Primeiro, confunde fatíbilidade econômica com fatibilidade

tecnológica; segundo, glorifica acriticamente os desenhos

estrangeiros como se eles representassem o non plus ultra

tecnológica e correspondessem imediatamente às necessidades

do país. (Bonsiepe, 1975:149)

Bonsiepe prossegue sua crítica demonstrando que o produto estrangeiro foi

criado em seu próprio contexto, inclusive com recursos tecnológicos característicos de

10

Três aspectos serão enfocados em diversos momentos deste trabalho: Desenho Criativo, Desenho Nacional e Desenho Universal.

São termos utilizados pelas pessoas envolvidas nas questões do ensino de Projeto na PUC-Rio, que encontram correspondentes em

teorias que servirão de base para a fundamentação do Design Social. Os conceitos de Desenho Criativo e Nacional se confundem, pois estão vinculados às condições concretas de criação e produção. Opõe-se ao desenho importado, ou seja, à cópia. O Desenho Universal tratado aqui nos fala do trabalho desenvolvido atualmente

pelo professor José Luiz Ripper, no qual o projeto incorpora o maior número de variáveis possíveis num objeto que inclui o criativo

e se opõe ao padronizado.

Page 28: O design e o Aprendizado

seu ambiente (materiais, máquinas, mão-de-obra especializada etc.). Produto

apropriado, portanto, para o mundo que foi criado. A cópia traz enganos e reforça a

condição de dependência do país importador para com países estrangeiros

dominantes.

Os produtos estrangeiros são desenvolvidos para um contexto

específico, que não é necessariamente o mesmo do país

importador. No mais, a diferença do nível tecnológico

(materiais disponíveis, máquinas instaladas, mão-de-obra

especializada, qualidade de execução, volume de produção etc.)

impede simplesmente a cópia dos desenhos. (Bonsiepe,

1975:149)

Uma atitude inteligente, no entanto, para ele seria o exercício da adaptação.

Adaptam-se primeiro os produtos estrangeiros às condições tecnológicas do país, para

depois adaptar os produtos estrangeiros às exigências de uso que emanam do contexto

específico do país adaptador. Assim, o produto importado serviria como ponto de

partida e não como ponto final, desenvolvendo uma postura de aprendizado que sabe

aproveitar boas ideias, sem que se fique escravizado a elas.

Mas não podemos dizer que todas as ideias de Bonsiepe foram absorvidas pelo

desejo de se construir um ensino mais eficaz. Sua metodologia de desenvolvimento de

projetos, maximizando a função e minimizando a questão formal, estava distante do

real coletivo que o Design Social foi aos poucos valorizando. Numa situação real de

exercício projetual cabe o interesse pela função como também pela forma nas suas

investidas comerciais.

O pensamento do que seria o Desenho Nacional para os que elaboravam esta

questão no Departamento de Artes da PUC-Rio passava pelas indagações trazidas por

Bonsiepe, mas não se limitavam às suas posições. No mercado de trabalho da época,

início dos anos 80, vigoravam claramente as formas importadas nos objetos

desenvolvidos. A própria prática projetual não se iniciava pelo questionamento da

forma, mas desenvolvia, de modo nada rigoroso, objetos demandados pelo mercado. O

desenho do Terceiro Mundo era um arremedo, uma ficção. Ana Branco (1994) nos fala

da necessidade que se entrevia, então, de fortalecer as pessoas responsáveis pelo

Desenho Criativo (Nacional). A atitude de cópia era fragilizante para a elaboração de

Page 29: O design e o Aprendizado

conhecimento no ensino e contornar esta situação fazia-se necessário, na medida em

que não seria o caso de enfrentá-la.

Branco (1995) diz ainda que da tensão entre a negação da prática projetual como

reprodução de coisas existentes e a necessidade de ensinar a projetar no curso surgiu a

ideia de exercitar o projeto onde se pudesse interagir verdadeiramente com o ambiente.

Em pequenas comunidades fortalecer-se-ia o que seria a ALMA do designer. Não como

um serviço indiferente da indústria, mas como um criador de possibilidades

existenciais e mundos potenciais - a realidade das comunidades e seu desejo dariam a

força necessária para desenvolver o projeto. O desenho surgiria da relação do corpo

vivo com o meio ambiente, transformando os envolvidos de usuários passivos em

autores de seu mundo e sua prática. Precisava-se aprender como projetar assim. Quais

lugares possibilitariam esta prática? Aqueles desprezados pela indústria com seus

modelos prontos para a normalidade. Velhos, crianças, cegos, surdos, espaços

alternativos gerando campos de verdade onde o exercício do projeto seria mais

proveitoso para o aluno, fazendo-o confrontar-se com situações reais e não apenas com

questões abstratas. O Design Social ligou-se às minorias para contornar os limites

comerciais que a indústria impunha ao exercício do projeto.

Vale frisar que a discussão do Desenho Criativo fazia sentido na época, quando

não se experimentavam as questões trazidas pela transnacionalidade de hoje em dia,

graças às tecnologias da comunicação. Hoje, na era da informática e da virtualidade,

vários conceitos ligados àquela época estão em xeque. Qual o sentido de um Desenho

Nacional num mundo que já fala de uma economia e uma comunicação universal? O

que seria "nacional", se não apenas um ultrapassado conceito político? Mas o que esta

discussão nos traz, atualmente, só tem sentido se entendermos como Desenho Nacional

aquele que é singular de um lugar, de uma realidade concreta, aquele que traz a

essência de uma realidade. O encontro com aquilo que é próprio é um exercício ao

mesmo tempo singular e universal, pois o universal engloba todas as singularidades.

Por isso, o ensino de Projeto elaborado à luz do Design Social nos leva a pensar

também o Desenho Universal, cada vez mais desenvolvido em todo mundo.

Recentemente em São Paulo, no Congresso Panamericana 96 Graphic Design, vários

designers gráficos, nacionais e estrangeiros debateram o tema: "Design Regional,

Page 30: O design e o Aprendizado

Design Global". David Carson, designer considerado o criador do Design da Nova Era,

chamou a atenção dos trabalhos dos designers brasileiros em relação a um padrão

nacional: "...acho que os designers brasileiros ainda estão muito concentrados em

copiar ou pelo menos dar um caráter internacional ao Design. Eles deveria usar mais

uma linguagem daqui. Bem feito, ficaria universal." (Ramalho, O Globo, 1996).

O Desenho Universal, em minha opinião, vem dos mesmos princípios do

Design Social e caminham sob os mesmos princípios, pois trabalhando os casos

específicos reconhece-se as diferentes nuances que cada objeto pode ter de acordo com

seu uso, sua subjetividade, seu meio ambiente.

O Desenho Universal não é a média formal de diferentes desejos, padronizando

uma demanda. Na verdade, Design Social e Desenho Universal se opõem à

padronização, pois vinculam-se de forma direta a uma identificação com o real. O

objeto universal atinge uma maioria. Por conhecer a singularidade geradora e por

saber das diferenças, não tem a ilusão de que tirar uma média matemática e calcular

friamente um procedimento fazem a qualidade de um projeto.

Segundo Branco (1994), o Design Social surgiu da ideia de trazer maior

consciência ao projeto na medida em que, sendo desenvolvido numa universidade,

onde se exige a valorização do pensamento na transmissão da prática profissional, a

criatividade, o ciclo ação-pensamento-ação estaria aberto à experimentação

responsável, afetando diretamente a realidade. A ideia era percorrer um processo real

de trabalho, onde verdadeiras resistências e obstáculos se manifestassem, vindos de

fora e não da imaginação do professor. Seriam desafios do mundo, da realidade social.

Um campo de trabalho determinado, limitado em seu espaço, porém com uma

possibilidade de ação sem limites por parte do aprendizado dos alunos. Papanek

reforça esta ideia quando diz:

Na era industrial e tecnológica, é fundamental analisar o

compromisso social do designer, porque o usuário não pode ser

visto como autônomo na engrenagem industrial. O usuário é

um ser humano. (Papanek,1977:36)

O que Papanek não considera, e que é a marca do DS, é que para ele o usuário

não é o interlocutor. É alguém para quem um projeto é feito. Como uma relação

Page 31: O design e o Aprendizado

paternal. O Design Social, na verdade, tem uma relação de trabalho onde o designer

trabalha com e não para alguém.

Uma atitude como esta, da participação do usuário como interlocutor, não

caduca no tempo. Ecoam com outras de diferentes áreas, como a geografia, onde o

brasileiro Milton dos Santos (Santos, 1994), agraciado na França em 1994 com o prêmio

"Vautrin Lud", nos diz: "Valores locais produzem cidadania. A força do consumo em

moldes globais é o que leva ao abuso da palavra 'usuário' como substituta de E da

palavra 'cidadão' como 'consumidor' no discurso político". O que se resgata

trabalhando com um grupo específico é o papel do cidadão que não fica passivo no

lugar de consumidor, mas que é ativo na co-autoria de um projeto desenvolvido com

ele, e não para ele. A valorização do ser humano como alguém atuante no projeto vem

trazer ao aluno projetista força e determinação para realizar um trabalho independente

de comprometimentos alheios aos interesses da coletividade social onde o projeto se

desenvolveu.

Quando o outro se transforma em uma convivência, a reação

obriga a que o pesquisador participe de sua vida, de sua

cultura. Quando o outro me transforma em um compromisso, a

relação obriga a que o pesquisador participe de sua história.

(Brandão, 1984:12)

Atualmente podemos ver este tipo de procedimento na ergonomia francesa que

se assemelha muito ao Design Social principalmente por projetar incluindo o usuário

como principal contribuinte para o desenvolvimento de um projeto. Podemos ver isto

na própria metodologia aplicada na análise ergonômica do trabalho: a interação com os

usuários e as chamadas verbalizações (conversas onde após observações de um

comportamento, o ergonomista obtém do usuário informações que numa entrevista

predeterminada não conseguiria) são atitudes típicas desta ciência que tem, hoje, sua

face mais humana no pensamento desenvolvido pelos franceses.

A ergonomia estuda a atividade de trabalho a fim de contribuir

para a concepção de meios de trabalho adaptados às

características fisiológicas e psicológicas dos seres humanos,

com critérios de saúde e de eficácia econômica. (Guerin et al,

1991)

Page 32: O design e o Aprendizado

Outro autor que influenciou muito a geração do pensamento do Design Social

no Departamento de Artes da PUC-Rio foi o arquiteto C. Alexander (1976). Segundo

este autor, a Universidade de Oregón havia sofrido um crescimento rapidíssimo e

estava imobilizada pelas invasões tecnocráticas. Necessitava de uma reforma geral em

sua arquitetura. Precisava criar um novo procedimento para sua nova situação.

Alexander abriu, então, o exercício de projeto, feito com a comunidade interessada, que

ficou completamente envolvida.

As pessoas implicadas neste processo se sentiram plenamente

identificadas com seu trabalho e conseguiram estes resultados

unicamente graças a seu conhecimento das atividades

cotidianas e dos problemas da escola. (Alexander, 1975:41)

O princípio de participação mereceu o desenvolvimento de regras que foram

cumpridas com determinação. Havia leis como: "Em cada edifício novo que se deva

projetar haverá uma equipe de desenho formada por usu{rios” ou então: "Qualquer

tipo de usuário poderá iniciar um projeto e somente estes (projetos) poderão ser

financiados”. Ou ainda: "O tempo que necessite o grupo de usu{rios para desenhar h{

de considerar-se como algo legítimo e essencial de seu trabalho di{rio”. (Alexander,

1976:45)

Assim, Alexander e sua equipe desenvolveram um trabalho exemplar, gerando

com sua prática um documento importantíssimo materializado no livro Urbanismo y

Participación, que traz toda a história com detalhes essenciais sobre o procedimento do

projetista ou sua relação com a população envolvida. Essa nova concepção de projeto

inspirou a prática do Design Social. Atualmente muitos acreditam que esta prática está

ameaçada pela eficiência cada vez maior dos meios de comunicação eletrônicos. A

informática vem criando um mundo de sensação e aperfeiçoando a linguagem digital,

produzindo informações que são lidas cada vez mais através de máquinas e

aproximando eletronicamente as pessoas.

Quando a Pedra Roseta foi encontrada, com os escritos dos egípcios, os

antropólogos franceses se debruçaram sobre aqueles códigos e através de muitos

estudos e pesquisas decifraram o documento. Havia um material possível para ser

estudado por mãos e olhos humanos. Hoje, em face de um disco laser CD-Rom, com

uma enciclopédia inteira arquivada em sua memória virtual, sua leitura só poderá ser

Page 33: O design e o Aprendizado

feita através de uma máquina. O homem só verá, com seu "equipamento natural", um

disco prateado. Talvez mais nada. Baudrillard que se preocupava com o anonimato das

máquinas, ressaltando que o motor a manivela ainda precisava do papel do homem

para acionar seu funcionamento, já via que as máquinas excluíam cada vez mais a

presença humana.

A apreensão dos objetos que atingia todo o corpo é substituída

pelo contato (mão ou pé) e pelo controle (olhar, às vezes

audição). Enfim, as únicas "extremidades" do homem

participam ativamente do meio ambiente funcional.

(Baudrillard, 1989:55)

Baudrillard talvez mal pudesse imaginar, na época, que algo ainda mais excluidor da

presença humana viria preencher o universo humano. A informática, com sua

linguagem digital e a comunicação à distância, a cada dia mais eficaz, prescinde da

presença humana nas comunicações.

O Design Social foi uma inovação no ensino de Projeto e, segundo Parlett e Hamilton

(1972), a inovação é uma espécie de prioridade educacional e a pesquisa sobre a

inovação mostra-se enriquecedora, tanto para o inovador quanto para a comunidade

acadêmica, desvendando os processos educacionais, os meios de aprendizagem,

ajudando o inovador e outros interessados a identificarem os procedimentos e

elementos curiosos do trabalho pedagógico.

1.3 O ENSINO DE DESIGN SOCIAL NA PUC-RIO

1.3.1 A ESTRUTURA ATUAL DO CURSO DE DESIGN

O ensino de graduação de Desenho Industrial na PUC-Rio tem nas disciplinas

de Projeto a espinha dorsal do curso. São as disciplinas chamadas PPD - Planejamento,

Projeto e Desenvolvimento, que se desenvolvem em seis módulos, cada qual com a

duração de um semestre letivo.

Os dois primeiros módulos da disciplina Projeto são comuns às

duas habilitações (Comunicação Visual e Projeto de Produto) e

têm como característica básica a identificação, pelo aluno, de

Page 34: O design e o Aprendizado

situações de projeto em um contexto real junto a um grupo

social com o qual ele desenvolve o trabalho, chegando até a

construção de protótipos que podem ser experimentados e

utilizados...

A partir do terceiro módulo o aluno assa a desenvolver projetos

direcionados à habilitação específica...

Os módulos três e quatro não trabalham necessariamente com

um grupo social real...

O quinto módulo da disciplina de Projeto representa a síntese

do trabalho desenvolvido ao longo dos quatro módulos

anteriores...

O sexto e último módulo dessa disciplina, denominado Projeto

Conclusão, direciona seu trabalho em função de sua futura

atuação profissional. (Catálogo do Departamento de Artes,

1993/ 94:8)

Como vemos, o curso está estruturado de maneira a levar o aluno, já no

princípio de suas atividades acadêmicas, à prática do método do Design Social. Além

dos dois primeiros módulos, existe a possibilidade de se utilizar este enfoque

metodológico também no sexto módulo - porém, neste último, depende do professor

orientador, que pode ou não orientar desta forma. O DS também está presente na

filosofia de trabalho de projetos de pesquisa desenvolvidos pelos professores Ana

Branco e José Luiz Ripper, que são a Bio Oficina sem Vestígios e o LOTDP (Laboratório

Oficina de Treinamento e Desenvolvimento de Protótipos), projetos estes que

comentarei no segundo capítulo desta dissertação.

1.3.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS MATÉRIAS DE PROJETO

ORIENTADAS PELO DESIGN SOCIAL NA PUC-RIO

A utilização do Design Social na PUC-Rio nestes 14 anos, teve seu marco inicial

na introdução de disciplinas de Projeto no primeiro semestre do curso. A crença de que

o aluno já chega na universidade com capacidade para projetar suplantou a ideia de

que ele só estaria preparado para desenvolver um projeto no último semestre do curso,

como era praticado na orientação anterior de ensino de disciplina de Projeto do curso

de Desenho Industrial da PUC-Rio.

Page 35: O design e o Aprendizado

A ideia era de que o aluno j{ estava preparado para "aprender fazendo”, não

sendo caso de esperar mais nada. No fazer, na ação, estava o princípio de tudo: "No

princípio era o Verbo" (Jo 1,1), já dizia São João.

Esta postura educacional, inclusive, resgatava a força de ensino que a Bauhaus

tinha com seu método de abordagem, desenvolvido em confronto com o mecanicismo

acadêmico de sua época. O "Método Bauhaus” pregava justamente que se aprendesse

fazendo, através do ofício manual, em vez de aprender lendo ou ouvindo aulas.

Além das disciplinas iniciais de Projeto (Projeto Básico I), por volta de 1984 foi

realizada uma experiência chamada Projeto Rodízio, onde três professores revezavam-

se na orientação de três turmas diferentes. Era uma tentativa de dar ao aluno a

oportunidade de ver diversos enfoques para seu projeto e enriquecê-lo. Esta

experiência foi suspensa, tendo sido retomada atualmente no segundo módulo do

curso de Desenho Industrial: o Projeto Básico II.

Depois da primeira fase do Projeto Rodízio, esta metodologia se fez presente no

Projeto Integrado, onde numa só turma, eram matriculados alunos de períodos

diferentes, ampliando o nível das discussões em sala. Esta política, por outro lado,

também permitia ao aluno maiores opções de orientadores de projeto. Isto era

interessante, pois podia-se desenvolver projetos diferentes orientados por professores

diferentes, como projetos diferentes orientados pelo mesmo professor, dando assim

uma continuidade, não no produto desenvolvido mas no tipo de orientação para os

projetos que o aluno escolhia para fazer.

E aí estava a marca que permeava todos os meus projetos. A

marca dos contrários: aprender-ensinar, esquerdo-direito, bom-

ruim. Pontos opostos de uma mesma pessoa. Sinto pena

quando vejo hoje que a possibilidade de fazer todos estes

projetos desta maneira não exista mais. Com as divisões todas

que o curso tem agora, o Projeto Básico só consegue fazer um

trailler do filme. Quando se tinha liberdade de escolher o

orientador, podia-se trilhar um caminho próprio e se ter um

aprendizado mais consistente, a meu ver. (Pacheco, 1995:67)

A prática do Design Social na PUC-Rio já foi objeto de iniciativa de documentação e

sistematização, como o já citado projeto de tese de mestrado da professora Rita Couto,

do Departamento de Artes desta universidade. Neste trabalho, ela conclui:

Page 36: O design e o Aprendizado

. . . julgo que a utilização desta prática (Design Social), para

veicular o ensino de Projeto, oferece ao professor a

oportunidade de desenvolver, no aluno, o gosto pela

participação e pelo trabalho multidisciplinar, o respeito pelas

necessidades do futuro usuário do objeto que será projetado.

Levando em conta este potencial, considero conveniente que se

aprofunde o estudo das várias facetas da aplicação do Design

Social no meio acadêmico, para que ele possa ser aproveitado

em toda a sua plenitude. (Couto, 1991:69)

1.4 A MINHA EXPERIÊNCIA COM A PRÁTICA DO DESIGN SOCIAL

Venho lecionando a matéria de Projeto Básico I, sob o enfoque metodológico do Design

Social, há cerca de sete anos. Neste período pude acompanhar seu desenvolvimento e

participei de seu amadurecimento através de observações, ações e muitos projetos

orientados e acompanhados. Vejo que a experiência por mim acumulada ilustra com

bastante fidelidade a prática deste método e, como se caracteriza a dinâmica de aula,

para que possamos ver a alma deste enfoque metodológico e com o que ele se associa

na busca de melhor ser entendido e vivido.

PAVÃO: UM PROJETO

Em julho de 1990 entra pela PUC-Rio adentro um carro de bombeiros enorme.

Foi direto para a Barraca, sala de aula do Departamento de Artes que no final da

universidade, perto do campo de futebol. Nós, que já estávamos na Barraca em plena

apresentação final de Projeto Básico I, apenas vimos quando os bombeiros chegaram

com "toda a tropa” para a demonstração do objeto que os alunos José Francisco e

Gustavo fizeram junto com os bombeiros de um quartel do Centro da cidade. Logo

chegaram os curiosos, e a demonstração foi no campo de futebol.

O objeto era um suporte que recebia uma mangueira, de tal maneira que esta

jorrava água de um jeito que batendo neste suporte produzia uma cortina de água em

forma de leque. A agua neste suporte e a cortina de agua unha o efeito de proteger o

bombeiro do calor produzido pelas chamas num incêndio bem forte. O bombeiro, ao

correr em direção ao fogo, deveria levar este suporte e duas mangueiras: a sua e a que

ficaria ligada ao que os alunos chamaram de pavão, pela semelhança com a ave.

Page 37: O design e o Aprendizado

Durante a etapa de criação os alunos viram que deveria ser um objeto bem simples e

leve, que tivesse as dimensões e o peso necessários para produzir o efeito desejado e

sabiam que a forma seguiria regras que a moldaria. Os estudos para determinar

exatamente como deveria ser o objeto foram feitos com o Departamento de Física da

PUC. Os alunos procuraram o professor Erasmo Ferreira Madureira daquele

departamento, que os orientou quanto à forma, material etc.

Lembrei que os alunos não estavam entendendo bem, no início do semestre, o

que era para fazer. Estavam num ritmo muito lento e com um agravante: o sistema de

turnos dos bombeiros. Eles precisavam trabalhar com pessoas determinadas, não

conseguiam dar continuidade ao trabalho, estando apenas algumas vezes com cada

pessoa. Vi, por volta de maio daquele ano, que aquele processo não levaria a lugar

algum. Para se fazer um projeto onde se pretende reconhecer o ambiente que se

trabalha, no tempo que se tinha - quatro meses -, era preciso que, no mínimo, eles

diminuíssem as variáveis. As pessoas de contato, os interlocutores, deveriam ser os

mesmos. O assunto também. Conversei com os alunos dizendo que se não se

adaptassem aos horários dos bombeiros jamais conseguiriam fazer nada com eles. Seria

melhor trancar a matéria e retomar quando escolhessem ou um lugar que pudessem ter

horários compatíveis ou um momento em que pudessem dar prioridade ao trabalho.

Só se conhece em profundidade alguma coisa da vida da

sociedade ou da cultura, quando através de um envolvimento -

em alguns casos, um comprometimento - pessoal entre o

pesquisador e aquilo ou aquele que ele investiga. (Brandão,

1984:8)

Acabei dando-lhes um grande susto. Vi que, neste momento, sentiram que o

negócio era pra valer. O gosto dos alunos por bombeiros era genuíno, verdadeiro:

optaram pela prioridade ao trabalho. Passaram a ir ao local onde o trabalho seria

desenvolvido seguindo os turnos das pessoas que os receberam.

Sempre, nos locais onde os projetos são desenvolvidos, há pessoas que são mais

receptivas que outras. E "a gente só deve trabalhar com quem quer trabalhar com a

gente." Esta regra é fundamental em Projeto. E estes alunos encontraram um soldado

com uma questão pertinente, apoiado pelo comando do quartel: ele procurava uma

maneira de aliviar o perigo de queimaduras de quando o bombeiro estivesse apagando

Page 38: O design e o Aprendizado

o fogo em um ambiente muito quente. Daí surgiu o pavão, baseado numa ideia que já

existia e com a qual este soldado estava lidando.

Também neste projeto pude experimentar ir ao local de trabalho escolhido

pelos alunos. Foi muito proveitoso ver de perto o que estava acontecendo. Quando os

alunos contam em sala sobre o projeto falam uma coisa. Mas os fatos falam também. E

nem sempre é a mesma coisa. É importante saber analisar os fatos e as falas. Quando se

vai ao local do projeto pode-se ver mais coisas ainda. Por exemplo: os alunos dizem

que estão se envolvendo com as pessoas e participando das atividades do grupo.

Acontece uma mudança de uma atividade e os alunos não são avisados. O fato pode

demonstrar que este envolvimento não é o suficiente para corresponder às expectativas

da matéria. Muitas vezes os alunos não sabem exatamente como deve ser este

envolvimento e são capazes de dizer que estão por dentro de tudo, quando na verdade

não estão. A visão deles mais os fatos ajudam a formar uma ideia de como realmente

está acontecendo o desenvolvimento do projeto, podendo-se orientá-los. No entanto,

também a realidade pode trazer novos dados. Quando fui ao quartel vi que os alunos

não tinham escolhido o grupo ou a pessoa com qual iriam trabalhar. Estavam ainda

perdidos, pois eram bem tratados e todos pareciam atenciosos. Só mais tarde

conseguiram descobrir o "parceiro" ideal. Estas idas aos locais de trabalho dos projetos

sempre foram muito importante para mim, como orientadora, porque pude ver de

perto quais eram as atitudes que os alunos tinham e também ver como se podia

conversar com os interlocutores para que eles entendessem o que se passava.

A TURMA DO IN: UM ACONTECIMENTO

No semestre iniciado em agosto de 1989, anterior ao relatado acima, havia

deixado quase toda a minha turma em grau IN (grau incompleto). Isto significava que

quase todos os trabalhos estavam incompletos. Foi uma frustração geral. Mas

realmente não havia nenhum trabalho completo. Passei o semestre falando coisas e

ouvindo outras e pensando que só com isso saberia o que se passava. Quando os

alunos balançavam a cabeça dizendo que haviam entendido o que eu estava dizendo,

na verdade não estavam e não consegui perceber. Era preciso que a orientação fosse

Page 39: O design e o Aprendizado

mais eficiente no momento de obter dos alunos suas ações. Apenas palavras não era

suficiente e os alunos podiam estar dizendo coisas que não estivam realmente

acontecendo. As saídas para este tipo de impasse foram, no semestre seguinte, passar a

usar desenhos para ajudar a me comunicar com os alunos, além de me utilizar da

Barraca, sala de aula já citada, idealizada e construída para lecionar as matérias de

Projeto.

DESENHOS: UM MEIO

O Design Social não é uma metodologia pronta, fechada e por isso rígida: é um

desenho vivo que vem se desenvolvendo ao longo de seus 14 anos. E uma de suas

grandes evoluções é o uso de desenhos durante as aulas, iniciado com as aulas na

Barraca. Esta maneira de comunicação é um procedimento que contribui para que os

alunos contem seus projetos, que professores possam usar a própria fala do aluno e sua

visão estampada nos desenhos para melhor orientar e também para que o aluno já

comece, com os desenhos, a projetar aquilo que deseja. Entende-se desenho, neste

processo, como desígnio. O aluno designando o que deseja. A elaboração de desenhos

permeia todo o semestre, sendo impulsão para encontros com pessoas interessantes,

quebra de obstáculos e projeção de resultados harmônicos com o ambiente.

O desenho foi também um recurso inspirado pelo espaço.

Quando ampliamos com desenho a nossa comunicação em sala

de aula, percebemos que o processo de autoconstrução caminha

paralelo à construção do objeto na convivência com o outro.

(Branco, 1993)

Um exemplo concreto:

O aluno Bruno e seu grupo escolheram desenvolver um projeto no Jardim

Botânico do Rio de Janeiro. Trabalhavam com um grupo de quatro professoras que

coordenavam as visitas, trabalhando diretamente com professoras e alunos que

visitavam o parque. Bruno começou a desenhar. Pedi, então, que desenhasse o

ambiente onde o projeto se desenvolvia, as crianças, as professoras que visitavam o

local, as coordenadoras, ele mesmo e seu grupo etc. Ele sempre desenhava as crianças

separadas dos adultos; desenhava o contexto, mas não incluía as colegas de grupo,

nem a professora, nem ele mesmo. Vi aí algo muito comum em início de projeto: o

Page 40: O design e o Aprendizado

sentimento de alguém que ainda não se vê envolvido. Com o desenvolver do projeto,

Bruno passou então a desenhar só a si mesmo e ao restante do grupo, mas sem as

crianças. Pedi que desenhasse de novo. Era importante que sendo um trabalho que se

valorizava o grupo trabalhando junto, ou seja, alunos da PUC-Rio e o pessoal do

Jardim Botânico, que este encontro já estivesse acontecendo no desenho. É

impressionante como não se consegue desenhar o que não se consegue fazer. Treinar

isso é muito mais fácil se começamos pelo desenho, do que se quisermos realizar

inicialmente ao vivo. O desenho serve para ajudar a quebrar barreiras de vergonha,

inexperiência, dúvidas, medos.

Insisti e ele começou a desenhar todo mundo junto. Por conta própria, começou

a desenhar situações impossíveis acontecendo. Isto porque o projeto estava emperrado.

Não se estava conseguindo trabalhar com as professoras do Jardim Botânico

envolvidas, na medida em que elas não tinham ações concretas onde o grupo pudesse

se basear para trabalhar. Como este tipo de projeto as pessoas não levam a base do

trabalho para poderem desenvolver no local escolhido, é preciso encontrar esta base lá

mesmo. A vantagem disto é que se garante aí a autenticidade do interesse do grupo

envolvido nas ações que se seguirão. As professoras do Jardim Botânico tinham ideias,

mas não tinham movimentos seus em direção a elas. É tentador para o aluno imaginar-

se portador de boas ideias e levar para um grupo uma ideia salvadora, vindo de sua

dedicação e interesse pelo trabalho. Mas temos visto que quando o aluno, em vez de

levar uma salvação, procura um encontro de ideias concretizadas por ações e

movimentos, o resultado naturalmente se compromete com o uso, a manutenção, o

desenvolvimento do projeto. Quando Bruno viu que o projeto estava emperrado - e

não sabia ainda por que -, quis sair da inércia, começando a desenhar situações que

pareciam impossíveis, num significado de projetar uma saída para o projeto.

Desenhou, por exemplo, crianças brincando, no Jardim Botânico, num lugar proibido

para elas. Vendo como ia o projeto, através dos fatos e dos desenhos, vimos que já

sabíamos demais sobre o assunto e que alternativas ligadas a ele seriam possíveis.

Através da quebra de regras, feita pelo desenho, os alunos naturalmente chegaram a

outro caminho, quebrando os bloqueios existentes.

Page 41: O design e o Aprendizado

Com a experiência que tinham e com os contatos feitos durante o tempo do

Jardim Botânico, acabaram por passar a trabalhar num colégio que era ligado ao

parque e que sempre fazia visitas. Quando não as fazia, não deixava de ter aquele

lugar como ponto de referência para seus estudos. Neste novo ambiente, os alunos da

PUC puderam delimitar mais o campo de ação, tendo crianças com idades definidas,

professoras com funções claras e objetivos que puderam ser combinados com eles.

Sempre é importante, em Projeto, que se limite o espaço de ação, mas nunca a ação no

espaço. Antes da mudança os alunos desenharam o novo local de trabalho, a maneira

como gostariam de ser recebidos e prepararam o ambiente para sua chegada. É muito

comum vermos alunos desenharem locais e pessoas que ainda não conhecem e,

quando as veem pela primeira vez, se espantam com as semelhanças com os desenhos.

O projeto foi, então, desenvolvido nesta escola e estava ligado à alfabetização, sendo

que os elementos usados tinham a ver com o Jardim Botânico, porque ele mesmo já

fazia parte da cultura daquela escola. Foi criado um jogo, em cujo tabuleiro havia um

caminho que deveria ser percorrido por peões com a utilização de um dado, para que

os alunos usassem da sorte para caírem em casas com sílabas a serem relacionadas com

os objetos que ficavam ao longo do caminho do jogo. Estes objetos eram relacionados

com o Jardim Botânico. Por exemplo: uma árvore "abricó de macaco" ficava ao lado de

uma determinada casa. Se o aluno jogasse o dado e caísse numa casa anterior à da

árvore e fosse uma casa com a sílaba "có" ele tinha a chance de falar uma palavra que o

levasse para mais adiante no jogo, podendo chegar logo ao final do caminho. No caso,

a palavra seria "abricó". Todas as sílabas estavam ligadas à realidade dos alunos,

representada pelos elementos do Jardim Botânico. A alfabetização se dava

naturalmente, tendo o jogo atingido seu objetivo.

ALEGRIA: UM APRENDIZADO

Outro episódio da minha experiência na orientação de projetos desenvolvidos

sob o enfoque metodológico do Design Social e que considero marcante na história que

este método vivo escreve na PUC-Rio é o momento em que deixamos de trabalhar com

os problemas e passamos a trabalhar com a alegria.

Page 42: O design e o Aprendizado

Trabalhar com a alegria é uma contribuição do meio Barraca ao

DS. Foi trabalhando com as jaqueiras que descobrimos que

iniciar um trabalho com "enthousiasmo" (entusiasmo=Deus

dentro), com encantamento, com o que nos afeta, é o primeiro

sinal de que estamos no caminho certo. (Branco, 1994)

Isto aconteceu em meados de 1989 e foi mais um passo coerente com o compromisso de

educar e trabalhar o aprendizado de Design da melhor maneira possível numa

universidade. A professora Ana Branco estava já trabalhando com seus alunos nesta

postura, na Barraca, quando comecei a fazer parte deste trabalho que vem se

aperfeiçoando ao longo dos anos.

Até então trabalhávamos com a palavra problema. Isto significava que a orientação

dada era a de que os alunos procurassem nos locais de trabalho escolhidos, num

problema que eles pudessem resolver, junto com as pessoas do local. Minha turma

tinha um grupo trabalhando num restaurante, onde os alunos haviam percebido um

problema relativo ao calor; outro que trabalhava num barco com mergulhadores e já

haviam detectado vários problemas; e outros trabalhando numa livraria, num colégio

etc, também voltados para o que não funcionava bem. E todos os grupos tinham em

comum outro problema: estavam emperrados com seus projetos.

Educação é isso: o processo pelo qual os nossos corpos vão

ficando iguais às palavras que nos ensinam. (Alves, 1994:34)

Mas também estavam acreditando, orientados pelo curso, de que poderiam

solucionar e resolver problemas, contanto que tivessem uma determinada postura. Ou

seja, o curso estava dizendo aos alunos que eles eram resolvedores de problemas e

ensinava como agir assim. Os alunos descobriam um problema num determinado local

de trabalho que ninguém de lá ainda havia resolvido. Com sua ajuda, tudo estaria

solucionado. O exercício tinha uma lógica que alimentava o ego dos alunos num

momento em que justamente precisa-se aprender humildade, paciência, atenção etc. O

perigo de trabalhar da maneira "problema" era valorizar que, na vida, o importante é o

problema e a respectiva solução, e não o que é saudável, perdendo a oportunidade de

trabalhar a educação.

É um assunto delicado este. Um jogo de palavras pode confundi-lo. Quando se

está muito ligado ao raciocínio das propagandas de cigarro, por exemplo, onde o

Page 43: O design e o Aprendizado

melhor, o mais bonito é o valorizado, enfocando uma visão de mundo melhor ou pior -

em vez de falar de outros valores - talvez não se entenda direito. Ou então aqueles

anúncios do tipo: ”Violência, não!”, onde o que se enfoca é o problema e não a solução.

Uma propaganda falando "Saúde, sim” fala daquilo que realmente se deseja e mostra o

caminho da cura e não do que faz mal. Quando se fala de saúde, pensa-se logo em

alimentação saudável, práticas saudáveis, momentos de lazer, felicidade. É um

discurso que aponta diretamente para as coisas boas. Quando se fala de violência, se

fala de morte, injustiça. É um discurso que enfoca diretamente a coisa ruim. E é este o

discurso que comumente se vê em todo o lugar. Ou é este ou é o da propaganda de

cigarro que mencionei antes, onde há um melhor a ser atingido, existindo, com isso,

alguém em pior situação que você. É como aqueles convites para se inscrever numa

destas TVs a cabo, cujo texto diz que você precisa se inscrever porque o seu vizinho

está vendo coisas muito legais e por isso você deve estar morrendo de inveja dele. Para

uma sociedade onde a competição é incentivada, esta propaganda tem muito sentido.

Para uma sociedade onde a cooperação é incentivada, perde a graça (para quem não

gosta de televisão também).

Quando temos um lugar de ensino a oportunidade de questionar posturas e não

fazemos isso, alimentamos o mundo que nos cerca. Se estamos satisfeitos com ele,

ótimo; se queremos conhecer outras coisas - e pesquisadores e alunos são naturalmente

curiosos - evidentemente não é bom repetir o já conhecido. Quando constatamos

situações positivas e queremos que sejam mais presentes, aí temos a oportunidade de

fazer um movimento neste sentido. E falar não adianta nada. Por isso o Design Social

torna-se tão importante: ele age. Em sua “filosofia de vida” promove a Educação, com

e maiúsculo.

Como na área de Design a concretização é uma realidade, na área de ensino de

Design é imprescindível que se trabalhe com coisas concretas. O DS trouxe a uma

prática de ensino a oportunidade de exercitar os alunos em situações reais de trabalho,

e esta nova postura traz para uma realidade prática a possibilidade de encontrar o

ponto, o assunto, aquilo que num ambiente de trabalho demonstre potencial para

promover a realização de algo que se deseje. E esta prática dos alunos esta diretamente

ligada aos seus interesses. Com isso, procura-se promover a oportunidade do aluno

Page 44: O design e o Aprendizado

ligar seu projeto à sua vida. Não teria sentido incentivar outra forma de aprendizado.

Como diz Rubem Alves (1994) “o corpo não suporta carregar o peso de um

conhecimento morto que ele não conseguiu integrar com a sua vida”.

E isto é muito diferente de procurar um problema e propor e propor o que se

chama de solução.

Todo semestre tenho exemplos concretos desta prática. Se parecem com casos

como o da aluna Fernanda que, chegando numa escola e procurando ver quem e com o

que trabalhar, identificou logo a professora que estava gostando do seu próprio

trabalho. Pedimos sempre que os alunos procure quem tem olhos brilhando. A cada

semestre, ou a cada ano, mudamos as palavras para dizer isto, porque o os alunos têm

sua própria língua. Num ano, a palavra de ordem era amarradão: "Procure quem está

amarradão! "; num outro semestre, foi poderosa: "Quem é a poderosa aqui?". Já teve

época, também, que pedíamos que eles procurassem um desejo de alguém. Quando se

trabalha com alegria, encontra-se pessoas, independente do que são ou fazem, que

serão os "parceiros" deste projeto. A parceria não será uma escolha do aluno. Ela se

dará por um encontro. Um acontecimento onde num espaço circunscrito pelo interesse

do aluno haverá pessoas trabalhando num interesse comum. É quando o desenho se

toma coletivo. É quando o Design Social se vê Desenho Coletivo. No DS bastava que o

aluno encontrasse um grupo de seu interesse, como deficientes ou velhos ou crianças, e

com estas pessoas desenvolvesse um projeto. No D5 cabe trabalhar com problemas que

estas pessoas tenham. No Desenho Coletivo, que vem do Design Social, cabe chegar

num espaço que pode ter deficientes, velhos, crianças, mas a determinação do que vai

se trabalhar é dada por quem estiver fazendo um trabalho com alegria, com iniciativas,

com movimento, com brilho nos olhos. Se esta pessoa é deficiente, velha, criança, se é a

faxineira, se é o pai de alguém, isso só poderá ser visto com a convivência, com o

trabalho realizado, juntando os movimentos dos desejos destas pessoas que "brilham"

com os movimentos dos alunos.

A ideia é, sempre, buscar a essência daquele espaço, do trabalho daquelas

pessoas, através de seus desejos e ações.

A essência do homem, em oposição ao que Descartes mantinha,

consiste em desejo e não em pensamento. (Alves, 1993:70)

Page 45: O design e o Aprendizado

Mas sempre suas "antenas" ficam atentas para saber quem "brilha", quem tem

ações, interesses e por isso potencial para um trabalho. É gratificante ver nas

apresentações de Projeto aqueles alunos tranquilos, dizendo com a maior seriedade do

mundo que fulano não brilhava e por isso mudei de sala e encontrei cicrana que tinha

os olhos brilhando e aí fiquei trabalhando com ela.

A Fernanda logo percebeu que a professora o interesse, que se em suas ações,

de trabalhar a comunicação com aquelas crianças. E viu também uma televisão de

papelão que estava encostada, sem uso. Logo teve a ideia de ressuscitá-la. Eu lhe disse:

“Se est{ encostada, deve ter algum motivo. Procure o que est{ dando certo, o que a

professora já faz e consegue resultado. São em cima destas ações, desta maneira que a

professora consegue seus resultados que vamos trabalhar”.

Esta é uma postura que poderia se chamar de positivista, mas prefiro chamar de

linguagem do fogo, que tem a ver com atitude que devemos ter para acender uma

fogueira:

Quando a gente começa a acender uma fogueira, o que que se

faz? Juntam-se gravetos secos, um pouco de papel, pega-se uma

lenha grossa pra manter o fogo e se começa o ritual. O fósforo

aceso pega no papel que se junta aos gravetos e começa uma

conversa, daquelas de início de namoro. A gente fica

administrando esta história ajeitando aqui, soprando ali e tal.

Não se pode descuidar porque o fogo não está pra brincadeira.

Ou se trata dele seriamente ou ele nem liga e nos abandona.

Bom, então não adianta ficar olhando para o lado, vendo as

cinzas da última fogueira (grifo nosso), vendo o que está

apagado. Pra acender é preciso Ver o foguinho que se tem e

incrementá-lo. Só assim, e com atenção, dedicação, pega fogo

em tudo. . .

E assim é que a gente aprendeu a fazer projeto, e a se comportar

no mundo e a ficar fazendo esse negócio que chamam de viver.

É a linguagem que o fogo entende. (Pacheco, 1995:30)

A televisão era a cinza e o fogo o que a professora estaria fazendo "amarradona"

fazendo. Acabou que ela fez um trabalho em cima do momento em que a professora

contava histórias e construiu um suporte de papelão com três faces, onde histórias

poderiam ser contadas através de desenhos. Tinha a ver com o método da professora,

que precisava que seus alunos vissem o processo da história. O produto, feito com a

Page 46: O design e o Aprendizado

professora, com seus movimentos e seus interesses, teve um sentido, uma identidade

com seu trabalho.

Esta procura do interesse das pessoas, do que elas estão debruçadas no

momento em que as encontramos, pode-se chamar de demanda.

Foi neste ponto que ocorreu uma inovação em termos de ensinar e aprender

Projeto: eliminando a palavra problema e toda a carga que ela tem de algo ruim, algo

parado, a nova postura veio convidar o aluno a procurar aquilo que estava indo bem e

não aquilo que estava emperrado. Por quê?

Porque se estivermos atentos a enxergar aquilo que anda, que funciona, que faz

feliz estaremos em sintonia direta com as soluções. Com isso, os problemas surgirão ou

não e as soluções terão outro nome: seus próprios nomes. Como diz Ana Branco

"trabalhar com os acertos, com a fartura, com o que sobra".

Bergson (1990) nas fala do falso problema a do verdadeiro problema. A falsa é

aquele mal formulado, ou seja, o que toma eterno aquilo que não está indo bem, ao

transformar algo que não sabemos ainda ultrapassar em algo cuja solução é impossível,

ao invés de procurar nas condições da experiência e nas articulações do real modos de

ultrapassar o constrangimento. O verdadeiro problema é aquele que, de tão bem

formulado, já traz consigo as condições de soluções possíveis. Esta postura de trabalhar

com aquilo que está indo bem, que está sobrando em vez de faltando, é justamente o

que Bergson chama de o verdadeiro problema. O que acontece é que optamos por usar

palavras que tratem realmente do que vamos trabalhar: dedicação, movimento, ação,

interesse. Todas estas palavras estão comprometidas com trabalhos e resultados

satisfatórios para quem trabalha.

Page 47: O design e o Aprendizado

Capítulo 2

_____________________

FRUTOS

Page 48: O design e o Aprendizado

2.1 EXPERIÊNCIAS CONCRETAS DO DESIGN SOCIAL E SEUS

FRUTOS NA PUC-RIO

O Design Social através de sua prática, onde permite que os alunos encontrem-

se consigo mesmos e com os outros num momento de construção, questionamento e

ações, é uma grande discussão prática do assunto Educação. O DS reafirma o que diz o

biólogo Humberto Maturana (1984): "Não é possível conhecer senão o que se faz". E

nisto se baseia o pensamento desta metodologia que, sendo coerente com o que ensina,

utiliza-se de muitos meios de aprendizagem, nos quais podemos reconhecer processos,

procedimentos onde a aprendizagem se apresenta.

O enfoque que Deleuze-Guatarri deram para a definição de meios em seu livro

Mille Plateaux, diz que:

Meios são espaços vibratórios, ou seja, um espaço tempo

constituído pela repetição periódica do componente. Deste

modo o vivo, tem um meio exterior que o reenvia aos materiais;

um meio interior, aos elementos componentes e substâncias

compostas; um meio anexado às fontes de energia e às

percepções-ações. Cada meio é codificado, um código se

definindo pela repetição periódica; mas cada código estando

em estado perpétuo de transcodificação ou de transdução. A

transcodificação ou transdução é a maneira pela qual um meio

serve de base para outro ou, ao contrário, se estabelece sobre o

outro, se dissipa ou se constitui dentro do outro. A noção de

meio não é unitária: não é somente o vivo que passa

frequentemente de um meio para outro, são meios que passam

um no outro, essencialmente comunicantes. (Deleuze-Guatarri,

1980:384-385)

Podemos ver que estes elementos que formam o meio são facilmente percebidos

quando falamos de lugares na PUC-Rio que lidam com a aprendizagem. Também

temos, seguindo este pensamento, a presença da membrana, que é o limite vivo de um

ser. É por onde o afeto passa, isto é, a capacidade de afetar e de ser afetado.

O Design Social é, sem dúvida, uma metodologia de ensino de projetos. Mas é

verdade também que sendo um método de ensinar projeto, um caminho que se trilha

para ensinar a alunos no que prestar atenção, em como agir etc., o DS pode ser também

uma postura de se fazer projetos. Nesta mistura de ser um caminho para ensinar a agir

e a própria ação encontramos espaços mistos de meios de aprendizagem e de ação de

Page 49: O design e o Aprendizado

pesquisadores, além dos resultados que a própria prática do DS trouxe para o

aprendizado, como o Desenho Coletivo.

Quando falamos de DS, a particularidades que se nota é que num curso onde se

trabalha com projetos concretos, a importância dos objetos, do fazer, é indispensável

para o entendimento do que se pretende ensinar. Então é muito natural encontrar, num

curso como este, um laboratório que esteja ligado à universidade como local de

pesquisa, mas também ligado a uma comunidade que o alimente de casos reais de

trabalho, como é o Laboratório Oficina de Treinamento e Desenvolvimento de

Protótipos _ LOTDP, sob a coordenação do professor José Luis Ripper. Ou então um

projeto de pesquisa que intrigue o mundo computadorizado, trazendo para a

universidade práticas milenares do fazer com as mãos, como é a Bio Oficina sem

Vestígios, o projeto de pesquisa da professora Ana Branco. Ou mesmo uma sala de

aula que seja também um projeto, como é a Barraca, construída para lecionar as

matérias de Projeto. Todos estes espaços estão no campus da PUC-Rio, fazendo parte

do Departamento de Artes em plena atividade de Educação em Design. São os frutos

do DS que, de uma metodologia de ensino, passa a exercer uma postura filosófica nas

ações, principalmente, dos professores que implementaram este método nesta

universidade. É uma continuação natural do trabalho iniciado.

O LOTDP, por exemplo, surgiu do Design Social na medida em que desde 1982

vinha se desenvolvendo, através dos projetos orientados e desenvolvidos pelos alunos,

trabalhos de forte impacto social junto a setores que a produção industrial e comercial

não atingia. Era o DS que, levando os alunos a trabalharem com o meio físico-social

fora dos muros da universidade, acabou por trazer esta realidade para dentro da

universidade. Com a experiência adquirida junto a esta demanda social organizou-se o

LOTDP, cuja arquitetura foi planejada para facilitar a interdisciplinaridade nas

atividades de pesquisa. Aliás, os meios de atuação do Design Social vêm trazendo

sempre consigo uma inovação arquitetônica, pois tendo como proposta de ensino algo

que se adapte a realidades, a funções, dificilmente um ambiente que trate deste assunto

teria um espaço sem identidade, igual a qualquer outro.

O espaço da arquitetura, submetido às leis da geometria e da

física, revela-se agora em sua dimensão mítica. O espaço

Page 50: O design e o Aprendizado

primitivo, que através dele se expressa, vai também dar

significação ao espaço interno. Diversos autores, citados por

Bachelard em sua Poética do Espaço, hipotetizam uma

correspondência entre arquitetura e anatomia. Um deles sugere

pesquisar se "as formas que o pássaro dá ao seu ninho não

teriam alguma analogia com sua constituição interna." Tal

fantasia conduz ao exame do corpo como espaço vivido.

(Augras, 1994: 42)

Como o LOTDP é baseado numa demanda de usuários, permite aplicação direta e

imediata da pesquisa no meio físico e social a que se destina. Com um convênio

firmado, por exemplo, com o C.V.I. _ Centro de Vida Independente, que fica ao seu

lado na própria PUC-Rio, o LOTDP tem hoje, ao seu redor, uma comunidade que

atende diretamente aos deficientes físicos através de muitos projetos desenvolvidos. É

um trabalho feito com os pesquisadores do LOTDP: professores, alunos e ex-alunos

com bolsas de pesquisa de órgãos como CNPq e CAPES e com a participação do

próprio usuário.

A equipe (do LOTDP) obteve sucesso em diversos casos, como

o de uma jovem que não se adaptava com andadores

disponíveis no mercado, mas conseguia locomover-se bem

empurrando carrinho de supermercado. A partir desta

constatação, da própria usuária, o laboratório desenvolveu e

produziu um andador com estrutura de bambu, que deu

excelentes resultados. (Menandro, Revista Ciência Hoje-

Suplemento Technologia, 1996:2)

Na Bio Oficina sem Vestígios temos um exemplo da atuação do Design Social já

como Desenho Coletivo. Nesta pesquisa, temos uma experiência projetual incentivada

por uma prática organizada. Na palestra proferida pela professora Ana Branco no

Departamento de Artes, em novembro de 1995, vemos suas questões projetuais.

Olhando à nossa volta identificamos objetos de todos os tipos.

Esse objeto que nosso olhar fixou por mais tempo tem uma

forma, uma matéria, uma tecnologia, afetos e uma ou mais

funções etc. Se esse objeto foi produzido em série, ele tem uma

fôrma, isto é, um modelo, um gabarito que garante a

reprodutibilidade dessa forma...

E as fôrmas? Que para permitir a produção... São construídas

com materiais altamente resistentes, tão resistentes que quando

cessa a demanda viram "elefantes brancos", que algumas vezes

são exportados para produzir aqueles objetos em outros

contextos, outras culturas, carregando consigo as determinantes

Page 51: O design e o Aprendizado

formais, os desígnios do grupo que já não consome aquela

forma.

Pensar a fôrma experimentando, modelando, expandindo,

aquecendo, desenformando, voltando à origem são os temas

básicos desse Grupo Aberto de Estudos - a Bio Oficina sem

Vestígios. (Branco, 1995)

Este pensamento tem sido concretizado no exercício onde um grupo faz fôrmas

com argila: um oco que recebe massa que se expande. Este grupo é formado por

pessoas diversas. Não necessariamente alunos ou professores, mas quem se interessar e

tiver uma questão a ser trabalhada. Ou seja, quem "brilhou" para esta atividade. Um

meio se forma com estas pessoas que se tomam companheiras. Com- panis = fazer pão

juntas. E daí uma ideia que mistura cereais e leveduras e espera que a massa cresça

para ser amassada novamente pelo grupo. No final de três dias, assa-se, em forno a

lenha, numa temperatura inferior à que transforma argila em cerâmica e insuficiente

para cozer os cereais expandidos. No final de tudo, as fôrmas são devolvidas à água e

voltam a ser argila novamente.

Esta questão circular não poderia deixar de estar numa experiência projetual,

que é a atenção para, uma vez cessado o uso, ver qual o destino do objeto. Uma

responsabilidade de trabalhar com fôrmas, formas e materiais que possam ser

pensados do início ao final de seu uso. Esta responsabilidade com a realidade é típica

do Desenho Coletivo que, nesta pesquisa traz, para o seu contexto elementos como

argila, cereais, fogo, forma, oco, levedura etc.

Tive a oportunidade de levar esta pesquisa da professora Ana Branco ao

Congresso IDEM 6=7 (International Design Education Meeting), realizado na Bélgica em

setembro de 1995, onde a educação em Design foi debatida por professores e alunos de

vários países do mundo. Nesta oportunidade pude ver através das palestras e

workshops vividos o quanto o processo do fazer é valorizado e o quanto esta pesquisa

estava coerente com uma atenção mundial à prática projetual, a importância do

processo na elaboração de um objeto, da importância da ALMA nos objetos projetados

e a atenção a sua duração. Via-se que a um objeto estava num fazer atento, numa

ocupação conscienciosa, numa responsabilidade do designer em relação ao contexto

onde o objeto é gerado e inserido.

Page 52: O design e o Aprendizado

No LOTDP, vemos uma atuação profissional, por meio de pesquisadores, no

mundo real de trabalho. Na Bio Oficina sem Vestígios, uma experiência projetual onde

se pode exercitar as questões que o DS traz através do Desenho Coletivo, com o

desenvolvimento de projetos, num exercício proposto. São exemplos do

desenvolvimento desta metodologia de ensino de projeto que se abriu para ser uma

metodologia de prática projetual.

Porém o Design Social, como metodologia de aprendizado do desenvolvimento

de projetos, vai ganhar um meio privilegiado de estudo e experimentação nessa área

com a criação da Barraca. Desenvolvida como uma sala de aula especialmente

construída para o aprendizado do desenvolvimento de projetos a partir do enfoque do

DS faz o compromisso com a Educação tornar-se tão presente que passamos da

experiência do ensino - postura unilateral de conhecimentos detidos, para uma

experiência de aprendizagem, postura que repete os procedimentos do Design Social,

trazendo as atitudes projetuais desenvolvidas por ele para o processo da Educação.

Pensada para ser um laboratório de pesquisa de métodos de aprendizado do

desenvolvimento projetual, que expandisse as formas de intuição e de afeto como

instrumentos da prática projetual, a Barraca se constitui como um meio vivo de

formação do designer, com seus componentes internos, externos, sua membrana e

meio anexado. Em suma, um espaço em constante vibração.

Veremos, mais detalhadamente, de que modo a Barraca deve ser considerada

um meio privilegiado do aprendizado a da amplificação do Design Social. Os

componentes externos podem ser vistos, por exemplo, nos materiais que a alimentam:

as folhas e os sacos de plástico, ao mesmo tempo formando componentes internos

através das almofadas de folhas. O meio anexado, a energia que a alimenta, é a própria

universidade, com seus alunos, currículo escolar etc. A "parede" transparente de treliça

é a membrana, servindo para a comunicação do interno com o externo.

Por tudo isso, considero a Barraca como a concretização mais amplamente

efetivada do método do Design Social que, como desenho vivo, chega a Desenho

Coletivo, conseguindo lidar com a realidade que inclui a intuição e os afetos,

desenvolvimento de projetos ligados a coletivos sujeitos e todas as outras

Page 53: O design e o Aprendizado

características que amplificam o método do DS. A Barraca é um objeto inevitável nesta

história que o DS escreve na PUC-Rio. Ela amplia sua significação ao transformá-lo

numa metodologia de ensino onde se valoriza o entorno, o saber e o fazer, os sentidos,

a intuição e a razão, a pesquisa, o envolvimento, fazendo-o concretizar-se na sala de

aula que o abriga. É curioso notar como a coerência faz parte deste método, que sai de

uma orientação oral ou formal vinculada às formas de ensino tradicionais e cria sua

própria sala de aula, encarnando nas relações que possibilita, enquanto meio vivo, o

aprendizado e o método agora chamado Desenho Coletivo.

Veremos adiante, através de uma descrição mais detalhada da Barraca, de que

forma este meio serve à ligação de indivíduo e coletividade via aprendizado e como,

apesar de incorporar o DS, o Desenho Coletivo se distingue dele.

2.2 A BARRACA

Este abrigo/objeto é uma sala de aula atípica. É um

meio de aprendizagem construído no campus da PUC-Rio,

há mais ou menos oito anos, pela professora Ana Branco e

colaboradores: professores e alunos para lecionar a matéria

Projeto, do Departamento de Artes. Antigamente todas as

aulas de Projeto eram dadas em sala de aula tradicional:

quatro paredes brancas, carteiras, quadro-negro, janelas, luz

branca, ventiladores. No IAG, onde acontecem muitas aulas do Departamento de

Artes, tinha-se ainda, em algumas salas, um contato com o verde da universidade, o

que era muito bem-vindo.

Como a função não é auto-evidente, a Barraca, como é chamada, nasceu de um

espaço, "de um experimento, de uma vontade, onde acolhe uma ideia, proporciona um

fazer, propicia a experiência no mundo físico de ações e reflexões permeáveis ao

entorno". (Branco, 1994)

Page 54: O design e o Aprendizado

OS ILIMITADOS RISCOS DA BARRACA

Construída em março de 1988, ganhou um novo desenho em 1989, outro em

1991 e o último em 1993. Em todas essas vezes teve a colaboração de alunos,

professores, amigos e voluntários que deixaram sua marca de alguma maneira nesta

pesquisa.

Logo que estava sendo montada pela primeira vez, por exemplo, havia um

mastro no centro segurando uma lona doada ao Departamento pela empresa Vulcan,

que estava sendo presa a uma estrutura pantográfica que havia sido construída para

outra função, mas que ali estava sendo armada pelos alunos circundando o mastro.

Formavam a "parede" daquele espaço. Os alunos seguravam, literalmente, as paredes

de sua sala de aula. Nunca vi tamanha vontade de estudar!

De outra vez, um aluno "surfava" em cima de um vergalhão para moldá-lo

circularmente na tentativa de prepara-lo para estruturar a treliça pantográfica na sua

parte superior.

Quando do último desenho, outro mutirão se formou, nas férias, para fazer

nova treliça, nova cobertura, nova porta para esta sala de aula que veremos suas

características mais detalhadamente no próximo item. Mas o que gostaria de marcar já

é que nos 1.810 furos nas madeiras onde 915 cordinhas de nylon as amarravam,

formando a estrutura pantográfica, muitas mãos se revezavam neste trabalho. E dentre

outras coisas, assentou-se o terreno que estava desnivelado: 815 carrinhos de terra, 593

pedras e um grupo de capoeira dançando em cima do novo chão, deu-se por finalizada

esta etapa. Mãos, pés, corpos desenhando o espaço. Para montar a estrutura

pantográfica na posição circular, dois times de futebol ajudaram a equipe: aos poucos,

abria-se a treliça e a puxava para dar a forma desejada. Eles gritavam: "Dá linha! Dá

linha!" e iam ajeitando as paredes desta sala de aula que com tantas mãos, pés, corpos e

desejo a construindo, a Barraca agradeceu também às plantas que seguram a encosta,

às jaqueiras que a sustentam, ao corpo de bombeiros que colocou a corda para prendê-

la pelo alto, como um varal etc. Pelo menos 40 pessoas se revezaram neste trabalho

todo.

Page 55: O design e o Aprendizado

Falo, tão despreocupadamente que a Barraca agradeceu, porque com tanta

ligação com pessoas e ações e natureza ela parece viva. Como se pudesse falar, sentir e,

até mesmo, agradecer.

Por causa da Barraca é que o Design Social começou a ser chamado, também, de

Desenho Coletivo. Exercitou-se muito bem, em sua construção, o desenhar junto: a

ação em conjunto que propicia o exercício da matéria de Projeto.

Ela nasceu como filha do afeto que irmanava os mais diversos tipos de gente

que desejavam o surgimento de um novo meio de aprendizado.

Quando dois ou mais estiverem reunidos em Meu nome Eu

estarei no meio deles. (Mt 18,20)

Por isso, quando olhamos a Barraca vemos mais do que um curioso objeto

arquitetônico pousado em pleno campus universitário. Vemos a realização de uma

universidade onde o aprendizado se junta com a alegria, transformando o

conhecimento num fogo que se sopra, cresce e se alastra, contagiando todo mundo.

Nela acontece uma escola onde a cola é obrigatória, o aluno traz a matéria, o professor

é um eterno aprendiz e olhar para a parede é sinal de recompensa: quem sabe, a visão

de um esquilo! A Barraca, antes de ser coisa ou objeto, é um acontecimento feliz de

uma universidade.

Em Projeto não se trabalha com o desejo do ego, com o desejo de um, e sim com

a soma dos desejos de duas ou mais pessoas, desejos coletivos: o que se procura é

exercitar a prática projetual com a inclusão da coletividade. Caso contrário, seria um

exercício excluidor do outro, o que contrariaria a proposta do DS.

A partir da construção em conjunto da Barraca, começou-se a trabalhar em sala

com muito mais força esta postura de convivência com as pessoas, com o coletivo, para

que um projeto pudesse ser desenvolvido. Um trabalho feito com um grupo, e não para

um grupo. E os desenhos feitos com papéis e lápis de cera, foram os primeiros passos

para movimentos concretos dos alunos em relação ao seu projeto. A partir dos

desenhos, a concretização dos passos a serem dados foi começando a se formar.

Page 56: O design e o Aprendizado

Figura 2: os quatro desenhos da Barraca.

1988

1989

1991

1993

Page 57: O design e o Aprendizado

COM QUANTOS AFETOS SE POUSA UM APRENDIZADO ERRANTE?

A forma desta sala de aula foi baseada nos yourtes, habitações nômades da Ásia,

do Mar do Norte e da Mongólia. Na busca por melhores pastagens, suas habitações são

transportadas por animais, caracterizando-se, assim, pela leveza e facilidade de serem

carregadas e montadas.

A montagem do yourte ocupa duas ou três pessoas durante uma

hora, urna hora e meia. A princípio uma ou duas mulheres

varrem e desobstruem o lugar onde se deseja erguer o yourte.

(Couchaux, 1980:86)11

Nos yourtes dos desertos, a estrutura de sustentação é pantográfica, com tiras de

madeira formando o teto em cone, revestidas por feltro e cobertas com pele de animais,

amarradas por cordas para se protegerem dos ventos noturnos e das tempestades de

areia dos climas áridos.

Graças à sua forma cilíndrica e a sua estrutura

flexível e tensionada, o yourte pode resistir às

mais violentas tempestades. Suas paredes em

treliça e seu teto de varas leves não exigem largas

estepes. Quanto a seus revestimentos de feltro,

empregados normalmente em múltiplas

espessuras, constituem um excelente isolante

contra frio e chuva. (Couchaux, 1980:83)12

Figura 3: Os yourtes e sua construção.

A Barraca é circular e também acompanha o raciocínio dos nômades na

disposição interna, onde se tem, no centro, o lugar do fogo - é para onde a atenção

naturalmente se converge.

11 Le mantage de la yourte occupe duex ou trois persones pendant une demi-heure ou une heure. D’abord une ou deux femmes

balaient et deblayent l’emplacent ou lón souheite monter le yourte. (Couchaux, 1980:86)

12 Grace a sa forme cylindrique et à son armature souple et precontrainte, la youte peut resister aux plus violentes tempêtes. Ses

murs en treillis et son toit de perches légères Nexigent pas de grosses steppes. Quant a son revêtement de feutre, employé parfois en

multiples épaisseurs, il constitue une escellente isolation contre le froid et la pluie. (Couchaux, 1980:83)

Page 58: O design e o Aprendizado

O lugar do fogo é sagrado. Os Bouriates não deixam

jamais o fogo se apagar, pois sob sua proteção, para eles,

os deuses domésticos protegem a tenda e a família.

(Couchaux, 1980:89).13

Figura 4: A estrutura do yourte e o fogo.

Como diz Ana Branco (1994), esta forma se propõe a "escutar" os desejos do

entono que, segundo Guatarri, só acontece quando escutamos nossos próprios desejos.

Escuta-se o caminho do sol durante todo o dia. Escuta-se a chuva, a oficina mecânica, o

vento, o frio. Escuta-se o jogo de futebol, a água descendo nas pedras do Rio Rainha, o

recreio dos Tenesianos, os micos salvando filhotes que caem do ninho, os esquilos

roendo caroços de jaca, as garças, as borboletas azuis, amarelas...

Com isso, os exemplos são experimentados a partir de situações vividas no

presente.

O mundo está todo à nossa volta. No espaço circular que se

estabelece no seu interior gira um movimento que propicia a

reorganização/concentração interna da aula. Todas as pessoas

estão igualmente visíveis e escutáveis nessa distribuição,

facilitando a percepção das mais tímidas manifestações.

(Branco, 1994)

Suas "paredes" são transparentes e remanejáveis, isto é, formadas por treliça de

ipê pantográfica com 815 nós de cordinha de nylon. Esta treliça com seus losangos que

formam uma diagonal (um plano que não está determinado de antemão) é o plano de

construção espiritual para os projetos ali orientados. O que se propõe na Barraca

começa como os quadros do artista plástico Fernando Diniz: pela cintura, indo depois

para a cabeça e o pé. E esta cintura tem um jogo muito bom, pois "fixada" pelas

cordinhas de nylon que prendem, mas que dão flexibilidade para a estrutura se ajeitar,

sem quebrar, também desenha uma parábola pelo lado externo da estrutura. É uma

grande rede.

No espaço da coexistência, os homens tecem redes que os

aproximam e os afastam, organizando o mundo de maneira a

13

Le foyer est sacré. Les Bouriates ne laissent jamais le feu séteindre, car al abrite, pour eux, les dieux domestiques protégeant le

tente et la famille. (Couchaux, 1980:39)

Page 59: O design e o Aprendizado

assegurar áreas recíprocas de movimentação. Em termos de

vivência, o espaço tridimensional revela-se como intuição

fundamental, construída a partir da movimentação do corpo,

sentido como centro. Em cima e embaixo, esquerda e direita,

perto ou longe, à frente ou atrás, definem as características da

tridimensionalidade. (Augras, 1994:39)

Sua transparência permite o sentir-se dentro e fora, ao mesmo tempo nos

transportando também para uma caminhada pelo tempo. Alunos comentam:

- um lugar pra você concordar com você mesmo, no seu tempo,

do seu tamanho...

- penso na infância...

- me hace sentir dentro y fuera de la Facultad al mismo tiempo.

(Depoimento de Alunos. Anexo I).

Figura 5. A transparência. Um

aluno um esquilo que está ao

lado da árvore exatamente na

"moldura" do losango formado

pela treliça.

É através destas paredes transparentes que o interno comunica-se com o

externo: é o vento, a luz, o calor, o barulho. Por ela o afeto passa e o meio respira. Isso

significa que esta membrana toma o meio mais permeável, o que o deixa em estado

constante de transcodificação e transdução, fazendo deste espaço algo que se renova e

que jamais fica em degradação.

É sentir que somos parte de um todo entrelaçado por uma teia,

que pode ser física, espiritual, emocional... É também, mais do

que isso, descobrir como é interessante e bom conviver com

pessoas diferentes. E como isso é necessário para que não se

caia na armadilha de viajar em torno do próprio umbigo.

Conviver com o diferente (e descobrir as semelhanças qua há

nele) faz o movimento da vida apontar para fora, para os

caminhos em torno. O caminho para dentro de nós é necessário,

mas deve ser feito com um pé lá, outro cá. A troca é importante,

porque é necessária. (Depoimento de Alunos. Anexo I).

Page 60: O design e o Aprendizado

E a Barraca, com suas "paredes" transparentes, permite esta troca.

A prática de estimular a ação no mundo físico, onde é

desenvolvido o objeto que o Design Social propõe, traz para a

sala de aula tanta novidade que os alunos querem mostrar,

contar, falar ao mesmo tempo. (Branco, 1994)

E essa situação de deslumbramento com as descobertas é desejada e deve ser

manifestada. Os alunos contam de seus projetos, dos lugares onde trabalham, das

pessoas que conheceram, do que elas estão fazendo, contam de um mundo fora da

PUC e quase sempre novo para eles.

Assim, o espaço onde isso acontece deve ser receptivo, favorecendo e variem de

acordo com os pontos de emissão verbal. Nas salas de aula tradicionais isto não

acontece, pois o som reverbera nas paredes e o barulho passa a incomodar.

Teve um dia que eu falei para um aluno calar a boca. A sala do

IAG estava muito cheia, todos falavam ao mesmo tempo e o

barulho estava insuportável... Fiquei muito assustada com

minha atitude, pois o que mais desejava era que os alunos

falassem, que se manifestassem. Uma atitude precisava ser

tomada. (Branco, 1994)

Figura 6. Aula. Dia de aula,

onde, por acaso, com dois

professores orientam alunos ao

mesmo tempo. As conversas

paralelas não atrapalham. Observa-se a luminosidade ao

meiodia. As pessoas sob o da

cor laranja do teto.

Quatro plataformas de madeira com sete metros quadrados cada uma, a 45 cm

do chão, são dispostas acompanhando o perímetro circular da planta. Formam os

componentes internos deste meio. São os praticáveis - suportes de apoio para que as

pessoas possam sentar, deitar, convidando-as a assumir ao longo das aulas, diferentes

posturas. Seus corpos passam pelo sentado com os pés no chão, recostado apoiando em

Page 61: O design e o Aprendizado

outro corpo ou nas treliças laterais, chegando até a esticar completamente a coluna.

Geralmente isso acontece quando o assunto prolonga-se após o horário de aula. O

discurso e a atenção são variáveis que as diferentes posturas do corpo evidenciam. Esse

ambiente físico não induz a situações relacionais predeterminadas, isto é, o espaço

reforça cada situação que surge espontaneamente, facilitando expressões corporais que

se desenvolvem em vários planos não limitados por mobiliário especializado,

proporcionando o relaxamento.

As diferentes posturas que um aluno poderá exercitar em seus projetos são

literalmente ensaiadas com seu próprio corpo na estrutura que a Barraca proporciona,

através de seus praticáveis. Os estrados comumente são usados em salas de aula

tradicionais como local do professor que, ficando em pé e estando mais alto que os

alunos, também passa a ideia de que é aquele que detém as informações. Na Barraca,

os praticáveis servem para anular hierarquias acadêmicas. O professor, que também

aprende, está no mesmo nível que o aluno, que está lá para aprender, mas que também

ensina. Pode-se sentar de diversas maneiras e até deitar-se nas "almofolhas de fadas”

assim batizadas por Sidnei Paciornik, físico da PUC-Rio. Elas são feitas de saco de

laranja com folhas de eucaliptos - tanto o saco como as folhas são materiais que fazem

parte dos componentes externos deste meio; dentro da Barraca, já são outra coisa:

almofadas, formando aí elementos compostos que dão corpo ao meio.

Nas apresentações de Projeto, os praticáveis muitas vezes viram palco para

quem se sentir à vontade para isso. Eles são varridos toda manhã com uma escovinha

própria. Atualmente estão envernizados para proteção dos respingos da chuva.

A cobertura do teto é feita por uma lona sintética, como a de um caminhão, e

estruturada com fios de poliéster. Foi costurada como se faz com balões, pois a Barraca

foi baseada nos yourtes a partir da leitura de um balão. Cortada em gomos, contém a

metade da forma de um balão. De cor laranja, é sustentada por uma corda que, ligada a

duas jaqueiras, faz um grande varal, onde no centro está pendurada a Barraca. Elas

participam das aulas equilibrando a temperatura ambiente, deixando vazar por entre

os galhos e folhas a quantidade necessária /interessante de luz e vento.

Page 62: O design e o Aprendizado

Figura 7. Jaqueira. Detalhe de uma das jaqueiras que sustentam a Barraca.

Na realidade, ela está "pousada" no chão. Mesmo por que não tem nada que a

fixe a ele. Sua ligação é direta com o céu. De chão, tem o próprio chão, que é, segundo

um aluno, "chão natural”. É de terra. Terra de verdade.

No centro da lona, lá em cima, tem um buraco por onde sai a fumaça do fogo,

quando aceso.

O calor que sobe desse fogo central encontra nas paredes do

balão a indicação de retorno. Correntes ascendentes centrais e

descendentes pelas laterais. Enquanto nosso olhar se esvazia

diante do fogo, nossos pensamentos recuperam nossa morada

interna primitiva. (Branco, 1994)

Com o fogo, tudo muda. Quando se deseja que tudo mude, se

invoca o fogo... é necessário aumentá-lo ou diminui-lo; é preciso

localizar o ponto em que o fogo assinala (marca) uma

substância, assim como o instante que o amor marca uma

existência. (Bachelard, 1973)14

14

Com el fuego, todo cambia. Cuando se desea que todo cambie, se invoca al fuego... es necesario activarlo o disminuirlo; es

preciso ubicar el punto que el fuego señala en una sustancia, asi como el instante que el amor marca en una existencia.” (Bechelard,

1973)

Page 63: O design e o Aprendizado

Figura 8. O fogo. À noite, o fogo aceso ilumina a aula.

A ideia de varal se repete no interior da Barraca, quando vemos cordas que vão

de um lado a outro, fazendo um suporte para cartazes e o que se queira pendurar. Isto

segue o pensamento do professor Ripper: "na construção de um objeto deve-se preferir

pendurar no lugar de apoiar, amarrar no lugar de aparafusar ou pregar” e também

"fazer no lugar de mandar fazer”, que tem inspirado todo o trabalho de manutenção

física da Barraca. A Barraca foi construída, também, de uma maneira que sua

manutenção pudesse ser feita por uma pessoa, somente. Nada exige muita força física,

muita gente ou custos inadmissíveis.

Os pregadores de roupa são um grande ajudante desta ideia. Estão em toda

parte. Alinhados no varal, parecem passarinhos num fio de luz. Obedientes e

prestativos, ficam também nos fios dos nós da estrutura pantográfica, deixando avisos

aos alunos no lado de fora. Os alunos já usaram estes pregadores para prenderem

desenho nas pranchetas de eucatex, que normalmente servem de mesa para escrever e

desenhar. Em apresentações, elas viram um ponto de apoio para algumas amostras,

com o pregador ajudando neste momento. Mas também, durante as aulas, algumas

delas ficam exatamente no local do fogo, quando ele não está aceso, servindo como um

espaço central de evidenciação. É como uma mesa, onde o que se quer mostrar ou dizer

fica exposto ali.

Page 64: O design e o Aprendizado

Figura 9. Espaço de evidenciação.

Apresentação final de projeto com

a presença da interlocutora, que

aponta para o centro, onde os

objetos construídos pelos alunos

da PUC com ela estão expostos no

lugar do fogo, natural espaço de

evidenciação da Barraca. Era

meio-dia e o sol iluminava o

trabalho.

Nas pranchetas os alunos desenham tudo que está acontecendo no projeto ou o

que eles gostariam que acontecesse. Os desenhos têm também uma função de desígnio.

Traçar aquilo que pretendem que aconteça: que os obstáculos se dissolvam, que sejam

bem recebidos etc. É como desenhar o futuro. O processo de desenho se desencadeia a

partir da nossa atenção para os pequenos estímulos que sempre conviveram à nossa

volta e que podem estar escondidos dentro de nossas indagações, curiosidades,

surpresas, diante de um ambiente ou situação apresentada.

O modo de desenhar e projetar na Barraca é batizado de Desenho Coletivo,

sendo considerado, pelos que nela trabalham, como uma prática projetual que

incorpora o Design Social e o amplia através de três pontos básicos:

1. Valorização de intuições e afetos como instrumentos no desenvolvimento

projetual, ou seja, não se pergunta mais que objeto falta para uma determinada

comunidade; antes, procura-se detectar que afetos e acontecimentos movimentam os

coletivos.

2. Exploração das diretrizes dadas pela comunidade envolvida, visando sua

amplificação como norma de procedimento projetual, ou seja, são dos afetos e dos

acontecimentos que movimentam a coletividade que os projetos devem nascer e se

desenvolver.

3. Projetar acontecimentos capazes de gerar coletivos sujeitos, ou seja, são os

modos de existir e os estilos de vida os verdadeiros objetos do Desenho Coletivo.

Page 65: O design e o Aprendizado

Quando manifestamos no plano físico nossa singularidade, essa

manifestação inicial se fortalece quando encontramos o

interlocutor, o outro, alguém que compartilha das nossas

curiosidades, surpresas, encantamentos, experimentos etc.

Nesse momento, o processo de desenho, antes autoral, passa a

ser coletivo. (Branco, 1994)

No momento em que os alunos encontram-se com o interlocutor, passam a

desenhar em conjunto com ele, isto é, a projetar incluindo toda a realidade, sua forma

de ser e de se realizar. Trabalham não com o seu desejo e nem somente com o desejo do

outro, mas com a interação dos desejos de todos.

Para guardar os desenhos dos alunos, como também lápis de cera, papéis de

desenho, lâmpadas para a noite etc., um dos praticáveis da Barraca foi preparado para

ser um alçapão. Para abri-lo basta levantar uma das partes do acento e prendê-la.

Estando assim camuflado, não ocupa lugar e fica fora das vistas da curiosidade de

pessoas que passam por ali em horários em que a Barraca está fechada.

Figura 10. O alçapão. Nos primeiros desenhos

da Barraca já existiu um armário de ferro que

ficava em cima de um dos praticáveis.

Ocupava lugar e atraía a atenção dos passantes

para o seu interior. Com a solução do alçapão,

só sabe de sua existência quem precisa dele.

Quem não precisa, não sabe.

Como já disse, sua localização é perto do campo de futebol e distante dos

prédios tradicionais de aula da PUC. É vizinha de um laboratório de química, mas fica

entre árvores, duas jaqueiras, e ao lado do Rio Rainha, que corta toda a universidade.

A chegada à Barraca pelo lado do laboratório d{ um ar de “cidade” | sua

localização na PUC - há sempre carros estacionados por perto. Quem vem do lado do

campo de futebol, estando mais do seu lado esquerdo, vê outra Barraca: chega a ficar

totalmente no meio do mato.

Os que jogam futebol conhecem uma Barraca; os passantes, outra; os alunos,

outra, os professores que a construíram, outra. Provavelmente todos são capazes de

Page 66: O design e o Aprendizado

discutir que as suas próprias barracas é que correspondem à realidade. "Que

realidade?”, podemos perguntar.

Figura 11. Vista da Barraca pelo lado do campo de futebol

A Barraca tem uma luminosidade muito interessante. De manhã é mais fria: o

sol bate do seu lado direito, esbarrando no laboratório de química e em algumas

árvores, impedindo uma incidência direta.

Isto traz um ambiente mais fresco no verão e mais frio no inverno. Com as

cortinas levantadas (cortinas de plástico transparente feitas para proteção de chuva

lateral) é possível ter-se uma corrente de ar que ventila e refresca no verão. Ela também

traz os odores que indicam época de chuva, de jaca etc. Na verdade, a Barraca é muito

sensível aos odores que chegam porque sua ventilação natural não encontra

obstáculos.

Com o vento as ideias vêm e vão. A Barraca, sujeita aos ventos e sendo capaz de

acompanhar os movimentos cíclicos do dia, não é um espaço que acolhe pensamentos

conservadores. Nada fica muito tempo lá, somente o que está ligado às origens. Os

pensamentos originais sim, pois se está em contato permanente com os elementos

originais. A beleza permite a contemplação. Lá ninguém acha nada. Numa sala de aula

fechada, acha-se que os macaquinhos estão nas árvores. Na Barraca vê-se os

macaquinhos nas árvores, no chão, correndo por dentro da Barraca e vê-se também

esquilos e garças e... E aí não se trabalha com conceitos estereotipados, mas com o que

se apresenta realmente para que se possa falar e agir.

O vento gosta de cantar: quem faz uma letra para a canção do

vento? (Quintana, 1987:31)

Page 67: O design e o Aprendizado

Na natural contemplação da manhã, do meio-dia, da tarde, da noite, a

compreensão do mundo físico toma-se natural também. Em duas horas já se nota o

movimento do sol e esta informação não verbal faz parte da aula.

Na Barraca, a partir do meio-dia o sol entra pela abertura que existe no teto. Sua

incidência é direto no teto e as pessoas que lá estão refletem a cor laranja, ficando com

“cara de saúde”.

O “clima” | tarde é de muita luz, mais espiritual. Mario Quintana (1987) diz

que cafezinho é intelectual e que chá é mais espiritual. Diria que de manhã a Barraca

toma café; e à tarde, chá.

Este espírito é aquilo que liga o objeto Barraca ao seu meio ambiente através da

prática que se tem ali – pessoas que participam da vida daquele lugar, questionando,

propondo, descansando, desenhando, passando, ensinando, aprendendo. Não é

nenhum espírito de outro mundo, porque é este mundo que cria. Os alunos falam de

um “clima” que a Barraca tem. Este clima é aberto, ou seja, é sujeito ao dia, ao jogo de

futebol que acontece ao lado, aos macaquinhos que moram nas árvores vizinhas, à

chuva, ao calor, ao vento, às formigas, ao cheiro de jaca que é forte no final do ano. E

mais: este espírito é que faz disto tudo a subjetividade que dá cara a esta relação

coletivo – meio – acontecimento.

Figura 12: Alunas apresentam seu produto final.

Quando a Barraca está em conserto parece um navio no estaleiro. Com a lona

desmontada, vê-se bem como é seu esqueleto. Vê-se um pouco de sua estrutura: a

Page 68: O design e o Aprendizado

porta presa numa armação de madeira, o apoio dado pelas duas jaqueiras através do

cabo que atravessa a sua parte superior e também o papel do vergalhão na parte

superior da estrutura pantográfica. A lona fica com as cores da floresta, podendo ser

lavada facilmente, quando aparecendo sua cor laranja original.

Figura 13: A Barraca em

manutenção. A lona havia

sido desconectada da

estrutura para ser submetida

a um pequeno conserto. Ficou

pendurada pelo cabo que a

sustenta. De um lado e de

outro estão as jaqueiras onde

este cabo está preso.

A Barraca já está na sua quarta versão e sofre constantes modificações,

promovidas pela experimentação que atravessa: desde que foi construída para ser sala

de aula das matérias de Projeto está em permanente devir. Com o uso, foram

aparecendo motivos ara ter porta, armário, lixo, cortinas, chão plano, pranchetas,

almofadas, lumin{ria, l{pis de cera, vergalhão estruturando a “parede” pantogr{fica,

cabo de aço como o varal que a sustenta, sistema de puxar a lona do teto de maneira

ajustá-la quando cedesse e que não exigisse muita força física, proteção para os

praticáveis etc.

No centro da Barraca está o lugar do fogo. Na verdade, ela é um balão ao

contrário: a boca está no alto e o fogo está no lado de dentro. Um balão que pode cair

em qualquer lugar: numa escola, numa praça, num hospital, num manguezal, num

bambual, num carnaval.

Um balão incendiário que no seu fogo enxuga as ideias e mostra o caminho da

luz aos alunos, fazendo com que eles, à procura do brilho conhecido, espalhem por este

Rio de Janeiro a ação do FAZER - maneira mais agradável de lidar com o

conhecimento. Este é o incêndio provocado por este "balão", que tem em cada aluno

Page 69: O design e o Aprendizado

que sai de lá uma chama e um compromisso com a procura de outra chama e de outro

compromisso igual.

É um meio de aprendizagem porque abriga procedimentos, processos que, com

cara, cheiro, cor, estão ligados diretamente a um coletivo (professores e alunos), a um

acontecimento (ensinar/ aprender) e a um movimento (a aula). É um trabalho que

propicia a concretização da metodologia de desenvolvimento de projetos do Desenho

Coletivo, misturando intuição e razão, pensamento e ação, fantasia e realidade.

Na verdade, em sua busca voluntária pela simplicidade acaba por levar a não

mais apontar os caminhos, mas a ser o caminho, como diria Hazel Handerson,

economista norte-americana (1978). Está na sua essência a ligação da singularidade

com a universidade. Aquilo que está coerente consigo está em sintonia com o universo.

O único e o universal se tocam. Produzem o mesmo brilho. Vêm do mesmo brilho!

Figura 14. O brilho

2.3 A ESTRUTURA DO DESENHO COLETIVO E A BARRACA

Já está no quinto número a apostila formulada pela professora Ana Branco e

por mim, a qual esclarece aos alunos todas as fases de Projeto, passo a passo. São

quatro fases com dez etapas ao todo. Com este documento, os alunos têm ideia de

todos os exercícios que o método do Desenho Coletivo proporciona e podem, também,

utilizá-lo para esclarecer às pessoas, nos locais onde estão desenvolvendo seus projetos,

Page 70: O design e o Aprendizado

porque estão ali. Esta apostila é entregue aos alunos, na Barraca, quando começam a ir

a seus lugares de trabalho. Com a experiência, observou-se que entrega-la no primeiro

dia de aula não tinha efeito algum. Passava a ser mais um papel que recebiam. A partir

dos passos concretos dos alunos, um desejo de entender melhor o que significa esta

matéria faz com que a apostila seja adquirida por um desejo e não por uma imposição.

Aí tem funcionado.

Transcreverei os passos de desenvolvimento dos projetos e comentarei a

respeito da metodologia e de como a Barraca fala de tudo isto.

A apostila começa com uma mensagem clara: "a ideia é os alunos saírem do seu

espaço e entrarem em interação com outras pessoas em outro lugar, com o desejo de

desenvolver um projeto com elas".

O Desenho Coletivo propõe-se a trabalhar com a realidade, com o mundo. A

Barraca, como já vimos, é um espaço que, por não estar confinado entre quatro

paredes, já induz, na sua forma, a olhar-se ao redor, ver-se o entorno. É um dos papéis

da estrutura da treliça que, por deixar passar vento, calor, luz, nos deixa, também

participar do dia, da tarde, da noite, percebemos os ciclos da natureza.

A presença dos elementos da natureza no lugar de trabalho me

possibilitou a realização de um projeto onde tais elementos

foram levados em consideração o tempo todo, e não excluídos

como muitas vezes acontece quando estamos limitados a quatro

paredes. É impossível ignorar a presença do sol, do ar ou da

terra no chão; e sinto que esse contato me fez pensar no mundo

não material, no mundo vivo ao longo do desenvolvimento do

meu projeto. Mesmo que de maneira inconsciente, tentei várias

vezes representar esse mundo no meu trabalho e acho que

consegui devido às experiências que vivi na Barraca.

(Depoimento de Alunos. Anexo I).

A Barraca desenvolve nossa percepção para situações não racionais, para a

intuição.

1° Passo: Buscar um grupo deve ser a busca de um encontro. Aí

começa o EXERCÍCIO DA INTUIÇÃO. Não deve ser uma ação

de seleção racional. Você busca uma coisa que está lhe

querendo. É difícil quando se está muito ligado a um mundo

objetivo de liga - desliga, é isto ou aquilo. Será o início do

EXERCÍCIO DA ATENÇÃO E DA PLEXIBILIDADE.

O local de trabalho a ser escolhido deverá estar em plena

atividade. Devem aceitar trabalho voluntário, que é uma

observação participativa onde o aluno exercita o olhar de

Page 71: O design e o Aprendizado

aprendiz ao se envolver com o grupo. As pessoas do local

devem estar adaptadas. Num lugar em desarmonia não sai

projeto. (Anexo II)

Na Barraca é muito fácil falar de intuição. É a intuição que Bergson define como

algo que tem regras distintas. Em Bergson (1990), a intuição é como um ato simples e

imediato que, para ser compreendido e utilizado como método, precisa ser visto nas

cinco regras que a constituem. Com a transformação que Bergson faz da intuição em

método, ela deixa de ser mera capacidade de distinguir indivíduos para tornar-se um

poder de distinguir individuações.

A individuação considera um meio como fazendo parte do indivíduo. Meio não

é mais entendido como contexto, e sim como algo que permite pensar o indivíduo e seu

desenvolvimento, fazendo parte de uma mesma individuação.

A intuição é o que vai me permitir fazer parte do meio de alguém. A

informação é o que me proporciona o entendimento de um meio diverso do meu. Com

a disposição circular, a Barraca permite que as pessoas se entreolhem e não vejam as

costas do colega, como numa sala de aula tradicional, e isso acelera a intimidade,

reconhecendo de imediato o meio em que se inserem.

Lá não se trabalha com interesses, somente, porque o interesse "arranca" a alma

do objeto e o reduz a apenas um elemento. Quando olhamos para algo tendo como

foco apenas o universo do nosso interesse, deixamos na sombra todas as outras

informações. A intuição é o que permite ampliar o interesse, a visão do objeto.

E essa amplitude está no ar da Barraca, proporcionado por sua estrutura, por

seus componentes internos: praticáveis, almofadas etc., por sua membrana (treliça) que

faz a comunicação do interno com o externo etc.

Quando se diz ao aluno para procurar se "envolver com um grupo social" e que

isto é bom, e se está dizendo num lugar onde o professor está numa posição que

também sugere isto, existe uma coerência entre o que se diz e o que se faz. Através de

seus praticáveis, a Barraca acolhe professores e alunos sentados, sem que haja, na

concepção da sala, uma hierarquia que impeça o envolvimento. Estes mesmos

praticáveis são usados em salas de aulas tradicionais onde os professores ficam em pé.

Num lugar que se aprende encontrar o outro, os praticáveis ficam com uma função

Page 72: O design e o Aprendizado

definida por seu uso consciente: todos sentados, inclusive da maneira que quiserem,

pois eles permitem várias posições do corpo e todos têm a mesma possibilidade de

ficarem iguais (exercício da flexibilidade sendo trabalhado de uma maneira discreta,

sem percepção racional).

A Barraca proporciona envolvimento dos alunos com o professor, com os

colegas e com os seus vizinhos, pois suas "paredes" permitem que se veja o entorno.

Através deste envolvimento fica mais fácil viver o envolvimento desejado no

local onde o trabalho será desenvolvido, com as pessoas que os alunos irão encontrar.

O 2° passo é IDENTIFICAR AS INICIATIVAS ANTERIORES. O

aluno descobre que não é um salvador da pátria, que não é

melhor do que ninguém e, se por acaso, achar-se pior, com a

convivência que é necessária para o desenvolvimento do

projeto, acabará por descobrisse igual...

Identificar o que já foi feito é saber quem trabalha com

felicidade naquele lugar ou pelo menos já trabalhou por

justamente ter proposto coisas, tomando INICIATIVA.

INICIATIVAS são movimentos, ações que esclarecem uma

intenção.

Descobrir as pessoas que agem é essencial para trabalhar com

algo que venha de dentro do lugar e não trazido de fora e

imposto como numa "colonização”. Com esta identificação do

contexto podemos identificar uma situação a ser trabalhada.

(Anexo II)

O segundo passo é o momento em que os alunos são orientados a procurarem

um lugar onde as pessoas estejam realizando algum trabalho, que eles desenvolvam

seu projeto com quem tem iniciativas e que estas pessoas tenham "olhos brilhando".

Em pessoas que acreditam no que fazem. É a identificação da demanda, o ponto que é

motivo de dedicação destas pessoas e que será também o do aluno.

As iniciativas esclarecem uma intenção, sendo que a intenção da Barraca é

percebida, aos poucos, pelos alunos.

O primeiro dia de aula foi um susto. Eu ficava tentando

entender o porquê de ter aula "no meio do mato". Com o passar

do tempo, fui entendendo melhor a proposta da Barraca e acho

que é um projeto muito interessante. As paredes de uma sala de

aula muitas vezes reprimem nossas ideias e na Barraca a

imaginação corre solta. Tem tudo a ver com a matéria.

(Depoimento de Aluno. Anexo I).

Page 73: O design e o Aprendizado

Na Barraca, sala de aula feita para o objetivo, de ser um meio próprio para o

aprendizado de desenvolvimento de projetos, tem-se, um exemplo concreto do FAZER,

marca que, mesmo inconsciente, os alunos devem conhecer para poderem procurar.

Falar do FAZER sem este FAZER estar presente é muito difícil.

Pede-se que os alunos procurem trabalhar nos lugares buscando compreender

com clareza seus desejos, para não se iludirem com palavras sem ações. A Barraca tem

em sua singularidade pelo menos uma mensagem muito clara: "sou diferente de tudo

que vocês conhecem como sala de aula". Esta diferença já prepara o aluno para um

novo tipo de ensino, como diz Rubem Alves (1993): “seu destino não é o passado

cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio”.

No 3° passo uma atitude do mundo acadêmico torna-se

necessária: ORGANIZAM-SE E CLASSIFICAM-SE as

iniciativas percebidas. Esta consciência é importante para

determinar os rumos do projeto na medida em que

evidenciando, fortalecendo, sublinhando as iniciativas

existentes, podemos ESCLARECÊ-LAS.

E aí se nivela as informações pela fonte e a VERDADEIRA

INTENÇÃO fica clara.

O 4° passo é decisivo: MOSTRA-SE Ao GRUPO de trabalho o que nós

pensamos sobre o que eles fazem. Isto já causou várias reações. Teve

grupo que ficou contente por ver suas iniciativas sublinhadas e

puderam até retomar algumas delas. Teve grupo que, vendo como

conduziam as coisas, puderam mudar o rumo.

Neste momento, com o grupo, podemos definir o objetivo do nosso

projeto. (Anexo II)

Como visto, nos terceiro e quarto passos organiza-se e classifica-se as iniciativas

percebidas através das ações das pessoas. Com isto, obtém-se uma compreensão clara

dos desejos investidos, conseguindo, então, definir qual é o objetivo do projeto. É

quando, através de uma análise de sua história e entendimento das possibilidades

existentes, acontece uma natural hierarquização da situação a ser trabalhada. Acontece

uma delimitação do campo de estudo, percebem-se novas ideias, verifica-se a

possibilidade de pontos de vista de diferentes ângulos e o aparecimento de novas

informações.

A Barraca é bem clara em sua configuração. Sua forma circular guia os olhos de

todas as pessoas que nela se encontram para o centro, onde está o lugar do fogo. O

Page 74: O design e o Aprendizado

fogo, como diz Ana Branco, "ajuda a enxugar as ideias". O centro, o ponto para onde os

olhos convergem, é o objetivo. Aquilo que todos vêem. É esta clareza que o aluno deve

buscar no local de trabalho.

...não esquecendo que além de favorecer os alunos, a Barraca

favorece o trabalho dos professores que nela dão aula. A

Barraca é um ambiente que ajuda na chegada aos objetivos

comuns entre alunos e professores. (Depoimento de Alunos.

Anexo I)

O desenho sempre ajuda a identificar os objetivos de um determinado grupo. A

Barraca está estruturada para que lá se desenhe. Entre os guardados em seu alçapão

estão papéis de rascunho, lápis de cera e pranchetas. São os componentes internos

deste meio de aprendizagem que, no momento de definir o objetivo do grupo, auxiliam

no esclarecimento, para os alunos, professores e pessoas com quem estão trabalhando,

dos desejos percebidos, que são sempre desenhados.

O 5° passo é quando os alunos acrescentam às iniciativas existentes as suas iniciativas,

que nasceram das observações e discussões tidas com o interlocutor.

Mas o 5° passo é, organizadas as iniciativas dos interlocutores,

ACRESCENTA-SE INICIATIVAS com a mesma forma e linguagem

deles. Isto significa que a esta altura os dois grupos já podem falar a

mesma língua. São as primeiras hipóteses de abordagem da situação.

Aí exercita-se as hipóteses baseadas em situações análogas, são as

hipóteses fantasmas. E, aberto este caminho de comunicação, A

HUMILDADE E O RESPEITO serão novamente exercitados para que

VÁRIOS EXPERIMENTOS possam ser feitos. Não há compromisso

com o sucesso. A atitude é de aprendiz. Respeito é a palavra de ordem!

É interessante observarmos como esta atitude experimental contagia e

é disseminada no ambiente de trabalho. (Anexo II)

Numa sala de aula onde não se hierarquiza as pessoas, o respeito e a humildade

são conquistados pela convivência e o trabalho. Com seus praticáveis servindo de

assento e não de distinção entre professores e alunos, a Barraca naturalmente promove

a comunicação em bases coerentes com o que se aprende lá.

- um ambiente mais descontraído, sem os padrões tradicionais

de uma sala de aula. Um lugar onde professor e alunos

encontram-se mais abertamente.

- um "refúgio" dentro da PUC. Um espaço antes de tudo

circular, que permite que as experiências de cada um deem um

resultado em cadeia. (Depoimento de Alunos. Anexo I)

Page 75: O design e o Aprendizado

Com a interação de professores e alunos a comunicação acontece mais

facilmente porque a linguagem é a mesma. Este passo deve ser o momento em que se

checa em que pontos os dois grupos, no caso da PUC e do local onde o projeto

acontece, se acertam. Como na Barraca, este ponto deve ser encontrado através de

situações descontraídas. Não é uma regra, mas uma sugestão que tem se constatado

pela prática. E isto só acontece com envolvimentos, idas frequentes ao local etc. Este

ambiente "aberto" da Barraca deve ser o procurado com as pessoas envolvidas.

No 6° passo ANALISA-SE o DIMENSIONAMENTO DESTA

INICIATIVA em relação aos interesses do grupo. Isto torna-se

natural quando começam e aparecer coisas concretas que são as

iniciativas dos alunos. Neste momento vê-se o interesse das

pessoas do espaço escolhido pelo projeto. Isto determina o

caminho a ser seguido, o partido adotado para a geração de

várias alternativas de abordagem.

O EXERCÍCIO DO LIMITE é o que acontece quando se trabalha

com a realidade. O tipo de material e a forma, por exemplo, do

produto resultante serão determinados pelo entorno, pelo

interesse, pelo tempo que aquela iniciativa deverá permanecer

naquele Convívio. (Anexo II)

Neste passo, a Barraca atua também como se fosse uma oficina. Por estar

equipada com papéis, lápis de cor, tesoura, cola, fósforo, argila, gravetos, folhas,

pedras, presta-se a que os alunos comecem, já em sala, a montar ideias com os

materiais que tem. Assim, podem discutir com os colegas e com o professor formas,

mecanismos etc.

Também por ser um local sujeito a ter, por exemplo, temperatura ambiente

determinada pelo clima, pelas árvores, pelo horário de aula, estando a temperatura

fora do controle das pessoas, é um bom exemplo de situação que lida com a realidade

não controlável. Estar num lugar assim facilita aprender a lidar com os limites que a

situação real apresenta, pois não se pode controlar o frio, o calor, a chuva, o dia, a

noite. Assim, neste exemplo, podemos nos reportar ao desejo da proposta que

justamente pede que os alunos trabalhem com a realidade encontrada no local de

trabalho do projeto, e não em cima de desejos dos alunos ou do professor. Ou seja,

num lugar (Barraca) onde se tem a oportunidade de ter limites determinados por

circunstâncias é mais fácil aprender a lidar com o que se apresenta na realidade.

Page 76: O design e o Aprendizado

Este exercício é esperado no local de trabalho quando se precisa definir o

chamado partido adotado, que é o caminho que o projeto tomará e que deve ser

escolhido com o interlocutor, o usuário.

O 7° passo é o DESENVOLVIMENTO DA IDEIA que será

utilizada no atendimento do objetivo a partir de modelos

realizados com diferentes materiais e técnicas disponíveis. É a

geração de alternativas. Deve-se pesquisar, também, como os

laboratórios da PUC podem, junto com professores de diversas

áreas, contribuir para a concretização dos experimentos.

O 8° passo são as PRIMEIRAS CONSTRUÇÕES da alternativa

adotada, que é a mais viável naquele momento, naquele espaço,

com aquelas pessoas, com aqueles recursos. Começa-se com um

modelo reduzido (projeto de produto) ou um ROUGH (esboço -

comunicação visual), onde já se pode ver e estudar a forma do

produto, o comportamento da estrutura, estudos de cores etc; e

materiais: qual o tipo mais adequado em relação à função, qual

o mais identificado com a realidade social e econômica do

grupo etc.

Depois passa-se ao modelo em tamanho real, o MOCK UP

(projeto de produto) ou o LAYOUT (comunicação visual) para

acompanhar o uso do objeto, as relações com o usuário, as

funções, o gestual necessário, as influências em relação ao

objetivo etc.

O usuário participa ativamente do processo opinando,

orientando, analisando, avaliando tudo que está sendo

produzido; ele é o interlocutor deste trabalho. (Anexo II)

Através dos desenhos, atitude inspirada pela própria estrutura da Barraca por

lidar com a ampliação da comunicação, os alunos geram alternativas que se

concretizarão nestas primeiras construções. É quando seus trabalhos começam a tomar

forma. Nestes passos, o estudo de viabilidade, de materiais e de técnicas utilizadas

serão vistos pelos dos alunos.

Serão pesquisadas alternativas que deverão contribuir para a concretização do

objeto desenvolvido e serão feitas as primeiras construções. Quem repara a Barraca vê

logo que muitas técnicas e materias diferentes foram utilizados em sua construção.

Para sua cobertura, material específico foi pesquisado, pois a lona é comum. Seu corte e

costura representam uma técnica específica. As "paredes" são de uma estrutura

pantográfica de madeira com furos e nós feitos em cordinhas de nylon - outro material

e outra técnica. A porta, de madeira de lei, está presa numa moldura de madeira feita

Page 77: O design e o Aprendizado

pela carpintaria da PUC - outra história. O lugar do fogo é preparado especialmente

para que, quando chova, as pedras drenem a água e o local não fique úmido para lenha

seca - também esta técnica não se assemelha a outras. Ou seja, ao redor de todos,

muitas linguagens diferentes estão sendo faladas, muitas alternativas estão sendo

indicadas.

Quando se faz um objeto de acordo com a realidade social e econômica de um

grupo, faz-se algo como a Barraca, construída também com a clareza de quem seriam

as pessoas que além de usá-la, iriam também mantê-la. Seu serviço de manutenção, por

exemplo, foi pensado para ser feito por apenas uma pessoa. O caso da catraca é um

exemplo que ilustra bem este assunto. A Barraca necessitou de um dispositivo que a

levantasse sempre que sua lona cedesse. Isto tornou-se necessário por causa das chuvas

que faziam bolsas de água no teto, forçando a costura da lona presa na estrutura

pantográfica. Então, o cabo de aço que sustenta a Barraca passou a ser controlado do

chão, por um sistema de catraca onde uma pessoa que não precisa ser forte, seja

homem ou mulher, tenha capacidade de, com uma haste de ferro, rodara catraca e

ajustar a lona. A Barraca, por ser também um objeto de pesquisa, não tem seus

cuidados delegados ao sistema de manutenção da PUC e sim à pesquisa que a gerou.

Portanto, sua forma segue um raciocínio que a faça viável para a realidade na qual se

encontra.

O 9° passo é a CONSTRUÇÃO FINAL. É a construção do

protótipo, o resultado do um processo experimental. Neste

momento as técnicas e os materiais já deverão estar definidos

pelas pesquisas anteriores, mas o acaso pode fazer parte deste

momento como um elemento previsto. Na construção final

ainda há espaço para pequenos ajustes na forma. O registro

deste momento é importante, seja por desenhos ou fotos, e

sempre com texto relatando todos os passos. O objeto estará

pronto para ser usado. (Anexo II)

A atitude experimental, por sua vez, não poderia estar mais presente do que na

Barraca, que é, ao mesmo tempo, uma sala de aula e um protótipo em experimentação.

Seu objetivo, como temos visto, é ser um espaço onde a aprendizagem de

desenvolvimento de projetos, sob o enfoque do Desenho Coletivo, possa se realizar. A

experimentação está no "sangue" da Barraca, pois seu uso tem sido motivo para vários

desenhos. Ela sempre estará aberta a novas possibilidades, enquanto acolher as

Page 78: O design e o Aprendizado

pessoas, o fogo, os desenhos, as ações: esta vida que a alimenta e a faz ser sujeita a

mudanças. Tenho feito documentação de sua história ao longo destes oito anos de

existência, e quando se fala de registro, documentação em sala de aula, uma boa opção

é mostrar o registro da própria Barraca, representado principalmente por fotos.

No 10° passo temos o TESTE DA ALTERNATIVA ADOTADA,

que é e EXPERIMENTAÇÃO. Requer análise e visão crítica dos

alunos e do grupo envolvido. Pontos para reformulação

deverão ser anotados e este momento deverá ser registrado por

fotos, desenhos e texto. Deve-se evitar o uso de adjetivos, tais

como: bom, mau, melhor, pior, bonito, feio. Quando se usa

adjetivos trabalha-se com conceitos pessoais e discutíveis. A

ideia é acompanhar o uso do objeto, identificando sua função e

a sua relação com o entorno. Então, cada vez que se perceber

julgando, o aluno deverá perguntar sempre: POR QUÊ? Por que

está melhor? Por que está pior?... e o que vier como resposta

(substantivos, com certeza) irá ampliar no aluno o

conhecimento da experimentação. É O EXERCÍCIO DA

CONSCIÊNCIA. (Anexo II)

Num local onde o fazer é valorizado, é muito natural que os verbos e os

substantivos deem conta de sua descrição. E a Barraca está ligada a fazeres, intenções,

pois são eles que ampliam sua extensão e falam de sua realidade. A repetição disto no

projeto vem naturalmente.

O queijo é loiro. O chá... é cor de chá. Há momentos em que as

coisas são intensamente o que são e dispensam os adjetivos.

Adeus metafisicas. O queijo tem gosto de queijo. A vida tem

gosto de vida. (Quintana, 1987:97)

Acontece é que quando se está num meio de aprendizagem onde existe

coerência entre o que se aprende com o espaço onde isto se dá, os objetos, as ações, os

elementos que compõem este meio vivem um aprendizado que passa

inconscientemente pelas pessoas. Propõe-se ver o mundo: a Barraca é transparente.

Propõe-se o envolvimento: sua disposição é circular e as pessoas entreolham-se

naturalmente. Propõe-se a comunicação: métodos como desenhos são estimulados para

ampliar o nível de conhecimento. Propõe-se concretizar: a Barraca é um exemplo

prático disto. Propõe-se experimentar: este meio está em constante experimentação e

tem se modificado com os anos.

Page 79: O design e o Aprendizado

A consciência se dá não por uma informação que se adquire e se aceite, mas por

uma experiência que traz uma formação consigo.

A Barraca costuma ser solicitada por outros departamentos da universidade

para palestras, seminários, cultos ecumênicos etc., e atualmente tem sido utilizada

temporariamente por outras matérias ligadas aos laboratórios do Departamento de

Artes. Ela realmente assemelha-se aos laboratórios e as oficinas naquilo que eles têm de

especiais: são lugares onde o que se trabalha, não poderia ser feito em outro lugar.

Page 80: O design e o Aprendizado

CONCLUSÃO

Page 81: O design e o Aprendizado

O que podemos ver com clareza é que o Design Social veio acrescentar ao

ensino das disciplinas de Projeto na PUC-Rio uma possibilidade de se trabalhar de

uma maneira que o aluno pudesse, desde cedo na universidade, exercitar-se diante de

situações já ligadas à realidade. Viu-se que simular lugares, pessoas, necessidades

estavam sendo excluidora de desafios necessários ao aprendizado da matéria de

Projeto. A inclusão do mundo físico-social fora dos muros da universidade trouxe vida

ao aprendizado dos alunos.

A trajetória do DS na PUC-Rio traz a marca desta postura de trabalho: o

envolvimento com a realidade, que se traduz em seus frutos, como laboratórios,

projetos de pesquisa e a própria sala de aula construída para lecionar as matérias de

Projeto, a Barraca.

Quando se tem uma ideia na cabeça, ela não passa de uma ideia até que se

concretize em alguma coisa. Sempre que externamos algo temos um retomo que

reafirma, questiona, nega, muda, faz alguma coisa, responde de alguma maneira a este

algo externado. No plano das ideias, nada está sujeito a mudanças, porque está

totalmente sob o controle de quem a detém. Uma ideia concretizada volta sempre com

uma novidade para quem a gerou. Não existe possibilidade de uma resposta nula.

Sempre se terá um retomo. Este aprendizado só vem com a ação, com o fazer. A

palavra que Aristóteles usava para designar o fazer era "poesis" (Illich, 1976), e gosto

de pensar que nesta ação, tão valorizada pelo DS, inevitavelmente a poesia se

apresenta.

O Design Social começou a falar de realidade, de fazeres e promoveu a ida de

alunos a lugares de verdade, suscitou trabalhos com pessoas de verdade e não apenas

com ideias, sugestões. E quanto a ele, ao DS? Seria suficiente ser um instrumento que

diz coisas, orienta, cujas ideias se concretizariam somente nos projetos desenvolvidos

pelos alunos? Seria suficiente ser um método de ensino que, de certa maneira, fazer

com que os alunos encarem de frente situações reais de trabalho e não faz isto consigo

mesmo? Vejo que uma metodologia que fala de fazeres, concretizações, mais cedo ou

mais tarde acabaria sendo concretizada de alguma forma, senão seria incoerente com o

Page 82: O design e o Aprendizado

próprio pensamento que a faz existir. E como concretizar uma metodologia de ensino?

Se ela mesma ensina a fazer isto, a resposta estaria nela mesma.

E, neste caso, o fazer se fez poesia na criação da Barraca. E a Barraca devolveu

ao seu criador - o próprio Design Social- vida, alegria, novos passos, novas cores.

A distração do aluno que fica ausente, olhando o vazio fora da

janela é atração por outro mundo. Se os professores entrassem

nos mundos que existem da distração dos seus alunos eles

ensinariam melhor. Tornar-se-iam companheiros de sonho e

invenção. (Alves, p.100)

Quando as aulas de Projeto ainda somente eram dadas em salas de aula

tradicionais, com suas paredes de alvenaria e janelas limitando o contato daquele

espaço com o exterior, o DS ensinava os alunos a trabalharem com problemas. Quando

ampliou-se o campo de ensino, para um local que promovia a comunicação das

pessoas umas com as outras, a Barraca serviu para uma comunicação mais direta com

os alunos na aproximação de seus interesses, desejos, afetos. E mais que isto, a Barraca

promoveu o diálogo com o mundo também ao seu redor. Cercado por duas jaqueiras

generosas e vizinha de muito verde, a fartura se fez presente; Não mais combinava

com este exercício a procura da falta de nada, mas da fartura, da alegria, daquilo que

flui e não do que está emperrado. É a valorização das intuições e dos afetos como

instrumentos no desenvolvimento projetual. O problema ficou para trás e a alegria

tomou conta dos projetos. Agora não mais se procura um problema para resolver, mas

pessoas felizes que façam trabalhos onde sua atuação e seu interesse verdadeiro já são

motivos suficientes para que os alunos encontrem ali um interlocutor para seus

projetos. Com este exercício, os alunos ficam atentos a identificar, sempre que

necessitem, pessoas, situações em que um trabalho desejado terá verdadeira parceria.

Assim, a Barraca contribuiu para o Design Social com uma ampliação do campo

de atuação. Agora o método de aprendizagem de desenvolvimento de projetos se

chama Desenho Coletivo, pois são dos afetos e dos acontecimentos que movimentam a

coletividade que projetos trabalham com o sentimento de equipe numa escolinha de

futebol de praia, com o desejo de dançar da menina que tem seus movimentos

limitados pela lesão na coluna e com mil situações que acolhem os olhos brilhantes de

Page 83: O design e o Aprendizado

quem as vive, agora atentas ao fogo e não mais às cinzas de algo morto. O fogo é aquilo

que ilumina, é a alegria, e por isso é que se tem um lugar para ele no centro da Barraca.

Com a concretização deste método, outro retorno se fez presente. O lugar de

ensino tornou-se um lugar de aprendizagem, pois na disposição que a Barraca foi

tomando pelo sentimento coerente de sua construção em relação ao que se deseja

ensinar e o que se é, viu-se promovendo um meio de aprendizagem onde todos,

alunos, professores e convidados aprendiam sem distinção. Quem antes tinha o papel

de ensinar se vê aprendendo. E este aprendizado, estando na pessoa do professor, faz

de suas aulas muitas vezes uma incógnita quando ensina-se algo, como diz Rubem

Alves ao falar de Barthes: "compreende-se então que Barthes tenha dito que seguindo-

se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve-se chegar o tempo quando se ensina

o que não se sabe.” Ou como diz Ana

Branco, "quando ensina-se aquilo que precisamos aprender”.

O campo de estudo promovido pela prática do Design Social na PUC-Rio é

muito rico porque conta com uma atuação constante de seus seguidores, que trazem

sempre, através do fazer, exemplos concretos que são bases ideais de estudo. Cito,

neste trabalho, o laboratório LOTDP e a pesquisa Bio Oficina sem Vestígios, que têm

um campo vastíssimo de interesses para pesquisadores e estudiosos interessados em

ver o DS empregado de diferentes maneiras.

Porém, é a Barraca que sintetiza o espírito surgido com o Design Social como

metodologia de ensino de desenvolvimento de projetos na prática do Desenho

Coletivo. Lá, o assunto é aprender/ensinar. É a concretização deste método em todos os

elementos que compõem este meio de aprendizagem. É uma verdadeira escola, pois lá

não se ensina as respostas, mas se ensina a perguntar. As perguntas iniciais da Barraca

tento responder neste trabalho, mas como ela está viva, novas perguntas serão geradas,

despertando a curiosidade de outros pesquisadores. O tempo fará com ela o que faz

com o vinho: a velhice virá acompanhada do mistério da sedução.

Page 84: O design e o Aprendizado

_____________________

ANEXO 1

Page 85: O design e o Aprendizado

DEPOIMENTO DE ALUNOS

Ao longo dos oito anos de existência da Barraca, muitos depoimentos foram

registrados a respeito desta sala de aula junto a alunos de Projeto e alunos de

Convivências, matéria eletiva oferecida pelo Departamento de Artes PUC-Rio. Seguem

alguns dos depoimentos mais significativos destes alunos. Na primeira parte, são

descritos depoimentos colhidos no início de 1993, durante os quais não foi pedida

identificação e apenas uma pergunta foi feita: o que você acha dessa Barraca? Na segunda

parte, com depoimentos que são de 1995, foi solicitado apenas o nome do aluno. Um

texto antecedia o depoimento, como veremos na Segunda parte. Os depoimentos dos

alunos de Projeto estão em maioria, porém os relativos à Convivências ficam evidentes

no próprio texto.

Primeira parte

O que você acha dessa Barraca?

“Um ambiente agrad{vel, onde as pessoas parecem encontrar um espaço para expressarem o

que ocorre por dentro delas."

"Um 'refúgio' dentro da PUC. Um espaço antes de tudo circular que permite que as experiências

de cada um deem resultado em cadeia."

"Um ambiente mais descontraído sem os padrões tradicionais de uma sala de aula. Um lugar

onde professor e alunos encontram-se mais abertamente."

“Um lugar que aproxima mais alunos e professor Dor não haver as limitações de uma sala de

aula, como cadeira, mesas. Além disso, pode-se ficar mais à vontade, e assim, a descontração

acontece naturalmente."

“É um ambiente acolhedor, é um lugar que deu certo. Contribui para a aproximação

professor/aluno e aluno/aluno, e é interessante por fugir do padrão de sala de aula tradicional."

"É um lugar que relaxa os alunos e facilita a integração entre os mesmos e os orientadores."

“Um local descontraído e relaxante que permite maior integração, troca de ideias etc. entre os

alunos. Isolado do ambiente agitado do resto da PUC.”

"Foge do ambiente formal da sala, deixando os alunos mais próximos, descontraindo. Mais fácil

para apresentar os projetos devido à proximidade entre as pessoas. O único problema é que não

cabe todos os alunos." "Eu acho confortável e agradável. As aulas não ficam chatas."

Page 86: O design e o Aprendizado

"Primeiro de tudo é super aconchegante. É o espaço que permitiu enxergar um novo tipo de

método de escola, onde o objeto que abriga as discussões está realmente integrado no seu

contexto. Em nenhum momento este objeto se isola, e sim promove uma integração total dos

seres mais diversos que dele se aproximam."

"É um lugar que você se sente à vontade para fazer qualquer coisa: relaxar, trabalhar, conversar,

entre muitas outras coisas. O projeto é fantástico! Você realmente aprende a se comunicar com

as pessoas, vivendo e presenciando seus momentos de alegria e tristeza. O projeto te modifica,

você vira outra pessoa. Eu diria que o projeto é uma mudança na maneira em que você pensa,

seus pensamentos ampliam. É muito legal."

"É um espaço diferente, agradável, onde as pessoas vêm mais descontraídas, com disposição de

aprender, trocam experiências, o que realmente acontece aqui. A possibilidade de ter um espaço

como esse é de valor inestimável. Eu acho sensacional. "

“ Meio casa, meio escola, meio cama, meio palco, meio espelho, meio mãe. A Barraca é tudo.

Tudo que se quer que ela seja. "

"É transparência da vida. Mostrando a percepção do mundo, do dia-a-dia, nos 'encantamentos'

dela."

"Acho a Barraca muito simpática, agradável,...adorei!"

“...penso na inf}ncia..."

“Um lugar para você concordar com você mesmo, no seu tempo, do seu tempo, do seu

tamanho...”

“Nos ajuda a relaxar | medida que se afasta completamente do ambiente da sala de aula. É

interessante porque a integração do grupo é muito maior."

"Amei essa Barraca, arejada, meio laranjinha, uma iluminação bem relaxante mesmo, o círculo

de arrumação das pessoas ajudando na integração... Tudo a ver também, achei o máximo

estudar aqui."

"Um ponto de referência que lateja a informação de que a vida é movimento e nela estamos

sendo convidados a dançar a nossa dança."

“Me hace sentir dentro y fuera de la Facultad al mismo tiempo."

“As enzimas são elementos que facilitam o metabolismo no ser humano. A Barraca tem ação

enzimática."

Segunda parte

A Barraca é um objeto que está em experimentação como um espaço de ensino permeável às manifestação do entorno. Considere o seu semestre trabalhando nesse espaço.

Page 87: O design e o Aprendizado

"Convida à Atitude de Comunhão com o Cristo Universal

Compartilhar

Conversar

Colaborar

Contemplar

Compaixão

A Barraca, nosso tabernáculo onde oramos e celebramos a vida com gratidão,

Leila Convivências, 1993/94- 2 mil e . . . sempre”

"Estar na Barraca é estar junto de nós mesmos e descobrir nosso lugar nesse mundo.

Na Barraca reaprendemos o olhar atento às coisas simples. O olhar das coisas simples. É

um lento aprendizado, construído a cada dia, ouvindo, conversando, vendo, ouvindo,

conversando, vendo, fazendo. É tão difícil e fácil descobrir a pólvora! Essas coisas simples que

tínhamos esquecido há tanto tempo vêm nos encontrar na Barraca.

A Barraca é um espaço vivo de exercício de vida. Exercitamos os músculos adormecidos

da visão, da cabeça, da mão. De repente o corpo inteiro vai despertando e já não é mais só olho

(ou cérebro) que percebe, que sente, que pensa.

É um aprendizado para toda a vida. Basta querer que não se esquece.

Esse espaço físico da Barraca vai se mostrando a cada dia pelas mãos da Ana, que

transborda vida pelos olhos, pelos poros. Ana transborda tanto que não é só na Barraca que

acontece tudo isto. É onde ela está trabalhando. Ver a Ana trabalhando e trabalhar junto faz a

gente voltar a ser simples, buscar a origem das coisas, a origem do que move nossos prazeres: o

amor, o desejo.

Fazer projeto na Barraca é fazer aquilo que a gente mais deseja no momento. Mesmo

que a gente não perceba, mas é o nosso corpo inteiro nos levando àquilo. E o resultado só pode

sair bom, pois somos nós, inteiros, que estamos ali. Com nossos tropeços e acertos. O

'imperfeito' toma-se perfeito pela beleza de se (vi)ver um trabalho construído, realizado, amado,

em uso.

Fazer a aula de Convivências é, através das coisas simples que nos cercam, descobrir a

ligação entre todas elas, entre todos nós. É sentir que somos parte de um todo entrelaçado por

uma teia, que pode ser física, espiritual, emocional... É também, mais do que isso, descobrir

como é interessante e bom conviver com pessoas diferentes. E como isso é necessário para que

não se caia na armadilha de viajar em tomo do próprio umbigo. Conviver com o diferente (e

Page 88: O design e o Aprendizado

descobrir as semelhanças que há nele) faz o movimento da vida apontar para fora, para os

caminhos em tomo. O caminho para dentro de nós é necessário, mas deve ser feito com um pé

lá e outro cá. A troca é importante, porque é necessária.

O que aprendi e ainda aprendo (apesar da distância física) na Barraca é para mim muito

precioso. Aprendi com as pessoas que a frequentam, com a Ana, com o espaço, com o axé do

lugar. Obrigada. Carrego comigo um pouco desse espírito que procuro manter sempre aceso,

vivo, como as fogueiras que acendemos e que nos trazem tantas respostas. Axé!”

Renata Carregal

"O primeiro dia de aula foi um susto. Eu ficava tentando entender o porquê de ter aula

'no meio do mato'. Com o passar do tempo, fui entendendo melhor a proposta da Barraca e

acho que é um projeto muito interessante. As paredes de uma sala de aula muitas vezes

reprimem nossas ideias e na Barraca a imaginação corre solta. Tem tudo a ver com a matéria. Só

não gostei da Barraca nos dias de chuva, mas fora isso acho-a muito boa.

Quanto às aulas em si, foram muito importantes para entender melhor coisas que

acontecem no dia-a-dia, que às vezes pareçam ser tão complexas. Você (Ana) é uma pessoa

incrível que nos ajudou muito. No começo foi difícil, a vontade de desistir existia, mas valeu a

pena ter continuado. A Barraca tem que continuar, é um projeto que já deu certo. "

Alexandra Gros

“Logo que cheguei | Barraca, as primeiras aula ficaram um pouco confusas, pois a

metodologia e o local de ensino são completamente diferentes do padrão. Mas ao longo do

curso você percebe que está no local mais apropriado para o estudo de um projeto. Nesse local

se vive um espírito de equipe muito grande.

Fazer um projeto é uma coisa muito complexa. Tem que haver um estudo muito sério e

uma vontade muto grande de fazer. Quando você chega na Barraca se depara com uma

excelente e muito motivada pessoa que, no meu caso, foi a grande Ana Branco. Quando se

começa em um lugar que te gratifica e uma professora que te auxilia tão bem quanto a Ana,

você só tem que fazer.

Na minha opinião a Barraca é o próprio lugar para você libertar a sua criatividade.

Page 89: O design e o Aprendizado

‘Missão louca como essa só um desenhista industrial é capaz' "

Pedro Oliveira

“A presença dos elementos da natureza no lugar de trabalho me possibilitou a

realização de um projeto onde tais elementos foram levados em consideração o tempo todo, e

não excluídos como muitas vezes acontece quando estamos limitados a quatro paredes. É

impossível ignorar a presença do sol, do ar ou da terra no chão; e sinto que esse contato me fez

pensar no mundo não material, no mundo vivo ao longo do desenvolvimento do meu projeto.

Mesmo que de maneira inconsciente, tentei várias vezes representar esse mundo no meu

trabalho e acho que consegui devido à experiência que vivi na Barraca.

É outro sentimento, como se a mesmice da aula se transformasse num encontro

superinformal e ao mesmo tempo seríssimo, com ar de piquenique no bosque, onde as pessoas

comentam sobre seu processo de trabalho. Parece que na Barraca não há limites. Lá tudo se

toma possível a partir do princípio da simplicidade e da harmonia dos elementos que compõem

o mundo. As coisas simplesmente acontecem e a gente nem sabe por quê.

O trabalho na Barraca só traz benefícios, não só para nós, por ser um lugar agradável,

mas também para o mundo, por serem os trabalhos lá realizados cheios de consciência

universal, mesmo que não percebamos de imediato. "

Vanessa Machado.

“Ana, como e f{cil trabalhar aqui na Barraca! Deus do céu!”

André Côrtes

"Produção de caráter de gente, de alma, de espaço, forma e estímulos. Aprendi a

enxergar o mundo real. Viva Deus, que é essa luz que nos possibilita fazer."

Rafael Targat

"Para a aula de Projeto Básico com a Ana não consigo pensar em local mais apropriado.

Certamente dentro de uma sala convencional as aulas não poderiam ser dadas da forma como

foram.

Questiono, inclusive, se os projetos elaborados pela turma teriam sido os mesmos se

realizados em outro ambiente. Segundo o professor de Psicologia Comportamental, Luiz

Page 90: O design e o Aprendizado

Augusto, não se pode desvincular os acontecimentos, em momento algum, do ambiente em que

ocorrem. Talvez os projetos realizados tivessem sido melhores ou piores, mas, dificilmente,

seriam os mesmos. "

Ilana Novikov

"Embora eu estivesse trabalhando na Barraca durante os dois períodos do ano, foi

somente neste semestre que realmente compreendi como trabalhar na Barraca.

Para fazer projetos é necessária uma integração entre aluno e professor (inclusive com

alunos de outros grupos), o que é muito facilitado pelo ambiente descontraído proporcionado

ela Barraca.

Durante este semestre, o que mais me estimulou foi a certeza que meu projeto seria

realmente adequado à aula da Estella (a interlocutora), uma vez que ela foi co-autora, diferente

por exemplo de projetos de faculdades de arquitetura, onde se trabalha com situações utópicas

onde o professor é um crítico de seu projeto.

Aqui na Barraca tornou-se urna equipe, onde mesmo não estando presente, a Estella fez

parte, que atingiu plenamente o objetivo proposto pela matéria. "

João

"A Barraca é um espaço de ensino novo e fundamental para o desenvolvimento de bons

projetos, pois para o desencadeamento de bons resultados nos projetos é necessário uma troca

de ideias entre todos os componentes do espaço, e a sua forma faz com que os alunos se sintam

à vontade para expor seus pensamentos e posições diante dos diversos assuntos relacionados

direta ou indiretamente ao projeto. Não esquecendo que além de favorecer os alunos, a Barraca

favorece o trabalho dos professores que nela dão aula.

A Barraca é um ambiente que ajuda na chegada aos objetivos comuns entre alunos e

professores."

Eduardo Dias

"A Barraca, podemos dizer, é uma sala de aula um tanto quanto alternativa. Porém,

desta forma, acredito que deixa mais à vontade para relatar seus projetos, já que não tem a

estrutura formal de uma sala de aula, que inibe. Na Barraca os alunos se sentem à vontade para

usar uma linguagem informal, o que acaba ajudando-os a se expressarem. Atende bem à

Page 91: O design e o Aprendizado

proposta da matéria."

Carina Carreira

"A primeira reação que tive da Barraca foi de impacto. Achei estranho que na PUC, um

lugar caracterizado por grandes prédios, corredores e salas fechadas, eu pudesse ter aula em

uma barraca no meio do mato. No começo achei tudo muito estranho: como eu poderia ter aula

deitada num banco de madeira, encostada em um travesseiro de folhas secas? Depois comecei a

reparar como aquele lugar super diferente era tão interessante, a forma como ele se sustentava,

o mecanismo para gerar energia, o esconderijo para guardar materiais

…É lógico que a Barraca ainda merece um certo tratamento, como uma forma para que

se possa ir à aula mesmo com chuva, mas isso também seria válido para a própria PUC, que fica

impraticável nos dias chuvosos. Entretanto, a Barraca se tomou um lugar muito agradável de

estar e se não houvesse perigo de roubo poderia ficar aberta para pessoas que quisessem

estudar ou apenas conversar. A Barraca é o tipo de lugar que conquista as pessoas aos poucos e

toma a arte de fazer projeto muito especial."

Juliana Souza.

"Conviver esse semestre na Barraca foi urna das experiências mais gratificantes que já

vivi numa universidade 'convencional'. Gostei do fato de poder participar estando sentada ou

até deitada no tablado, ou seja, de uma maneira confortável para o corpo.

Desta forma, tenho certeza que esse espaço (a Barraca) contribuiu e se mostrou essencial

para o perfeito entrosamento entre as pessoas, assim como para a experiência com os

materiais...

...Acredito que o aprendizado pode melhor ser alcançado através da inovação, em

conjunto com programas acadêmicos de qualidade, e que a autoridade baseada na habilidade

da investigação partilhada, em vez de estruturas rígidas, seja altamente benéficas e gratificantes

para o aluno...”

Karin Frolich

“As aulas na Barraca são muito produtivas, principalmente pelo fato de fugir dos

padrões de sala de aula (mesa, cadeira, quadro, etc.)...”

Page 92: O design e o Aprendizado

Flávia Matias

“...Assistir aulas na Barraca tira toda aquela rigidez que em alguma matérias até pode

ser considerada necessária, como geometria, desenho técnico e outras do gênero. E sendo PPD,

normalmente uma matéria onde os alunos vão por vontade própria e não por obrigação (afinal,

fazendo parte de PP é suposto que todos gostem disto), é mais um ponto ganho assistir aulas na

Barraca. "

Taíssa Inglês

"Estar alguns instantes na Barraca me proporcionou uma experiência única, onde cada

instante vivido era muito diferente... e sempre muito especial.

O fato de conversarmos olhando tudo que nos cerca nos faz refletir sobre pequenas

coisas que são fundamentais em nossa vida, porém, que de uma forma ou de outra, passam

despercebidas. Tais coisas que primeiramente parecem tão pequeninas foram, então, se

tornando cada vez maiores dentro de mim. Que bom.”

Tatiana Guimarães

"A Barraca é um grande centro de aprendizado, pois lá pode haver e há uma integração

muito grande entre a turma e o professor. Todos dão palpite, há uma comunicação mais aberta,

o que facilita nosso trabalho. Fora que o lugar, todo ventilado, ajuda você a relaxar e trabalhar

muito melhor... desde o último dia senti um progresso enorme, em termos de pensamento e

força.”

Luis Vivente Barros

"O início foi muito difícil. Acho que todos os calouros sofrem um certo impacto ao

descobrirem que têm aula na Barraca. O ambiente é muito diferente entender o que devemos

fazer e começarmos a caminhar o projeto perdemos muito tempo.

Fiquei meio perdida até conseguir começar o projeto e começar a gostar de trabalhar

nele No final do período é que vemos o quanto foi importante 'se perder' no começo.

Aprendemos que é preciso tentar de tudo para conseguir realizar o projeto e que se a aula não

fosse na Barraca talvez não tivéssemos aprendido tanto."

Fernanda Valiante

Page 93: O design e o Aprendizado

"Ter aula na Barraca foi uma experiência incrível, pois foge à regra da sala de aula. É

um espaço onde as pessoas relaxam e onde todos se olham ao mesmo tempo (inclusive a

professora, que fica na mesma posição dos alunos).

O clima dentro da Barraca é diferente do lado de fora. Por ser "aberta", pode deixar que

o vento, o sol (e a chuva) entrem.

A forma circular faz com que as atenções se direcionem para o centro (onde estão os

desenhos ou objetos) ou para as outras pessoas, o que é muito importante porque de certa

forma você participa do projeto de outros, dando sua opinião ou dando 'dicas' de onde

encontrar materiais etc."

Adriana Batalha Knackfuss

Page 94: O design e o Aprendizado

POESIAS SOBRE A BARRACA

Escrevi duas poesias sobre a Barraca com uma diferença de seis anos de uma

para outra. A primeira foi em 1988 quando ainda era aluna de Comunicação Visual na

PUC-Rio, a segunda de 1994, já professora do Departamento de Artes. Ambas falam de

aprendizado.

POEMA DA BARRACA

Aprendo com a Barraca a ser balão com o balão a ser bonita com a beleza a ser Cigana com a Cigana a acreditar nas minhas mãos com as minhas mãos a fazer brincos de papel com as brincos a ter fim com o fim a existência da eternidade com a eternidade a função do fogo com o fogo o movimento Aprendo com o movimento a ser gaivota com a gaivota a dançar com a dança a ver Valéria com Valéria a caminhar com a caminhada a ver a chuva com a chuva a ter fé com a fé a sonhar com o sonho como é ser Ana com a Ana a concretizar com o concreto que ele é flexível Aprendo com a flexibilidade o que é elegância com a elegância a ser golfinho com o golfinho a ser alegre com a alegria a ser Cristóvão com ser Critóvão a ser criança com a criança a se livre com a liberdade a ser vento com o vento a mudar tudo de lugar Aprendo com a mudança o encanto do novo com o novo que ele é velho com o velho a observar

com a observação a ser Ripper com o Ripper a fazer balão

Balão ao contrário. De cabeça pra baixo. Mas subindo muito. subindo alto e cheio de Anas, Bias,

Andrés, Cláudias e Cláudios, Flávios e Flávias, Guilhermes, Didis, Carmens, Freds, Ritas, Helinhos,

Lucianas e Lucianos, Fernandas e Femandos... ...e eu ainda não sei de nada! .

Page 95: O design e o Aprendizado

POEMA DA BARRACA II (o retorno)

Aprendo com a barraca a fazer fogo

com o fogo a ver o brilho

com o brilho a ver Deus

com a visão divina a enxergar os outros

com os outros a desenhar

com o desenho a desejar

Aprendo com o desejo que ele é ação

com a ação a fazer pão

com o pão o que realmente existe

com a existência o que é possível

com a possibilidade a ver os caminhos

Aprendo com os caminhos a andar na lama

com a lama a conhecer o mangue

com o mangue a brincar com o equilíbrio

com o equilíbrio a importância do eixo

com o eixo o que é infinito

Aprendo com infinito o que seria o fim

com o fim o que é a ilusão

com a ilusão a relativizar

com a relativização a me encontrar com os contrários

com os contrários a soprar para acender

com essa mágica a fazer fogo

com o fogo a incendiar a Barraca

Um incêndio do qual não escapa nenhum coração, nenhuma ação, nenhuma intenção dos olhos

brilhantes de quem ama. Um fogo que a Ana sabe muito bem qual é, pois foi ela que me ensinou a

aprender tudo isso...

Page 96: O design e o Aprendizado

Quando a Barraca ganhou seu último desenho, um visitante escreveu sobre ela:

Existe um lugar onde o mestre aprende com o discípulo; onde uma fogueira

de gravetos catalisa a sinergia; onde uma lona e uma treliça do deserto se

sustentam e as duas acolhem o saber que emana da rebeldia de pensar livre.

Lá não se resolvem problemas, não se luta contra inimigos e não se impõem

normas. Vai-se de encontro a anseios, constroem-se jovens verdades, cultiva-

se o heterogêneo.

Embora não se proíba o individual, os de lá optam sempre pelo coletivo; sem

condenar o conservador, pulula o progressista; e por não perseguirem nem o

bem nem o mal, reforçam a fé dos que sonham, sem angústia, com um mundo

de convivência harmônica entre os extremos.

Existe um lugar onde jaqueiras, jamelões e macaquinhos curiosos veem quatro

losangos dentro de apenas um, onde jogadores de futebol são voluntários

carregadores de pedra e de sorrisos sinceros e onde perigosos produtos

químicos assistem de perto o nascimento de um novo tempo.

Nesse abrigo, guardado por uma porta secular, convivem com os duendes um

tal Francisco de Assis, mulheres da Pedra de Guaratiba, físicos quânticos da

Califórnia, pequenos feiticeiros do cotidiano e todos aqueles que, como você,

vieram a esta vida para se lançar à lua e, se errarem o alvo, adormecer junto às

estrelas.

___________________

Fernando Pacheco

Page 97: O design e o Aprendizado

____________________

ANEXO 2

Page 98: O design e o Aprendizado
Page 99: O design e o Aprendizado
Page 100: O design e o Aprendizado
Page 101: O design e o Aprendizado
Page 102: O design e o Aprendizado

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDER, Cristopher et al. Urbanismo y participaciôn. EI caso de la Universidad de Oregón. São

Paulo: Ed. Gustavo Gili, 1976.

ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. 4ª ed. São Paulo: Ars Poetica, 1994.

_____________. Conversas com quem gosta de ensinar. 27ª ed. São Paulo: Cortez, 1993.

ANTOUN, Henrique. Notas de orientação, 1995. (n.p.)

AUGRAS, Monique. O ser da compreensão. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

BACHELARD, GASTON. Psicanalisis de Fuego. 2ª ed. Buenos Aires: Schapire editor, 1973.

BARBOSA, Elmer Corrêa. O ensino de Desenho Industrial na PUC-Rio. Departamento de Artes, PUC-Rio,

1989, (mimeo).

BAUDRILLARD, Jean. Para uma economia política do signo. São Paulo: Martins Fontes, 1972.

_______________. O sistema de objetos. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1989.

BERGSON, Henry. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

BONSIEPE, Gui. Deseño Industrial: artefacto y proyeto. Madrid: Alberto Corazon, 1975.

_______________. Teoria y practica del Deseño Industrial: elementos para una manualistica critica. Barcelona: G.

Gilli, 1978.

BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1978.

BRANCO, Ana Maria, Entrevista. 1991. Gravação em VT.

__________. Coletânea de Texto. s/d (manuscrito).

__________. Relatório anual CNPQ 1987.

__________. Entrevista. 1994 (transcrita).

__________. Entrevista. 1995 (transcrita).

__________. Palestra. A Bio oficina sem Vestígios. Departamento de Artes da PUC-Rio,1995 (transcrita).

BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.) Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

CADERNOS DE DESENHO INDUSTRIAL Nº2 Mestrado em Design. Rio de Janeiro: PUC-Rio,

Departamento de Artes , 1993. 23p.

CATÁLOGO DO DEPARTAMENTO DE ARTES. Rio de Janeiro: Núcleo de Informação e Referência sobre

Design do Departamento de Artes da PUC-Rio, 1993/94. 86p.

COUCHAUX, Denis. Habitats nomades. 1° ed. Paris: Édition Alternative et Parallèles, 1980.

COUTO, Rita. O ensino da disciplina de Projeto Básico sob o enfoque do Design Social. Rio de Janeiro:

Departamento de Educação PUC-Rio, (dissertação de mestrado), 1991, 86 p.

HANDERSON, Hazel. Creating alternative futures. New York: Putnam, 1978.

ILLICH, Ivan. A convivencialidade. Lisboa: Publicações Europa-América, 1976.

LÜDKE, Menga, ANDRÉ, Marli. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora

Pedagógica e Universitária, 1986.

MALINOWSKI, Bronislaw. Uma teoria científica da cultura. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco. EI árbol del conocimiento humano. Santiago de Chile:

Page 103: O design e o Aprendizado

Editorial Universitária, 1984.

MUNARI, Bruno. Diseño y comunicación visual. 2ª ed. Madrid: G. Gilli, 1974.

PACHECO, Heliana Soneghet. Aprendizagem, ainda. Rio de Janeiro: Núcleo de Informação e Referência

sobre Design do Departamento de Artes da PUC-Rio, 1995.

PAPANEK, V. Diseñar para el mundo real: ecologia humana y cambio social. Madrid: H. Blume, 1977.

PARLETT, Malcolm, HAMILTON, David. Avaliação Iluminativa: uma nova abordagem no estudo de

programas inovadores. in Maria Amélia Azevedo Goldberg et al, Avaliação de Programas Educacionais,

E.P.U., SP.

QUINTANA, Mario. Da preguiça como método de trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1987.

RAMALHO, Cristina. As novas linguagens gráficas em SP: "designers" estrangeiros aplaudem mas

cobram padrão nacional de brasileiros. O Globo. Rio de Janeiro, 10 mar. 1996. Segundo Caderno, p.3.

RIPPER, José Luiz Mendes, 1. Desenho Social. 1989 (manuscrito).

__________. Coletânea de textos. s/d (manuscrito).

__________. Entrevista. 1990. (transcrita).

__________. Entrevista. 1994. (transcrita).

__________. Entrevista. 1995. (transcrita).

SANTOS, Milton. Entrevista: O mundo não existe. Revista Veja, São Paulo, 16 nov. 1994. p.1.

SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Refletindo a pesquisa participante. 2ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 1986.