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O Grito Vermelho

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Horror. Drama Psicológico. Suspense Sobrenatural. Um crime: doze corpos encontrados em uma região mística do norte da Mongólia. Um agente especial francês que batalha contra seus mais íntimos inimigos: os próprios pesadelos. Um assassino letal e misterioso que cruza o caminho das investigações do governo francês e do Vaticano e põe em risco a segurança dos agentes e dos padres. Segredos são aos poucos apresentados e revelam as angústias e os pecados impressos nos homens. O Grito Vermelho: o lamento silencioso da alma...

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Bruno Godoi

São Paulo 2013

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Copyright © 2013 by Bruno Godoi

Coordenação Editorial

Ilustrações e capa

Montagem de capa

Diagramação

Preparação

Revisão

Filipe Nassar Larêdo

Vinícius César

Monalisa Morato

Monalisa Morato

Maria Clara Dunck

Sérgio Nascimento

2013IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO ÀNOVO SÉCULO EDITORA LTDA.

CEA – Centro Empresarial Araguaia IIAlameda Araguaia, 2190 – 11º Andar

Bloco A – Conjunto 1111CEP 06455-000 – Alphaville – SP

Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 2321-5099www.novoseculo.com.br

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Os dramas são reais; as personagens, fictícias. E somos, todos nós, personagens reais vivendo dramas fictícios...

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Agradecimentos

Agradeço a minha família e amigos, em especial e não acima dos demais, mas em posição que merece destaque. A Bernardo Mateus por

toda confiança, apoio e por escutar minhas ideias, a Júnia Cruz e Leidi Polastrini pela ajuda e por todas as palavras de incentivo para

o sucesso desta obra. E, ainda, não poderia deixar de agradecer a Vinicius César, o grande

ilustrador, que tanto me ajudou com sua belíssima arte neste trabalho e em outros que ainda virão. Agradeço aos meus amigos das sessões

de RPG, dos assuntos aleatórios e das Teorias Gerais do Universo: Breno Faria, Bruno Oliveira Nogueira (BON), Daniel Milagre, Marcelo Rattones e

Paulo Carrano. A Tiago Carmo, por acreditar em mim e por me apresentar as maravilhas do RPG, e novamente a Marcelo Rattones, agora como web

designer, pelo grande apoio na construção do website deste livro. E também a todos os amigos do Corpo de Bombeiros Militar de

Minas Gerais, pelos anos de profissão, aprendizado e amizade. Um agra-decimento especial a Marcelo Daldegan, e um mais que especial, e com

os meus profundos sentimentos, a Bernardo Mateus (Bad Blood) e Paulo Magno, por compartilharem comigo da infância e de toda uma vida cons-truída sobre os pilares da amizade. E, por fim, um muito obrigado a Filipe Larêdo, o editor que trabalhou lado a lado comigo neste livro, e que tanto

apoiou e confiou no sucesso de O Grito Vermelho.....E dizem por aí, nos cantos e recantos das Letras, que certa vez ques-tionaram o sábio Sócrates sobre as obras de sua futura morada: – Mas,

Sócrates, por que tão poucos quartos em sua nova casa? E o filósofo pron-tamente lhes respondeu: – Um quarto para cada amigo verdadeiro que

possuo. E os quartos de Sócrates podiam ser contados com os dedos de uma mão.

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Dedicatoria

A Maria Tereza, minha mãe, por sempre e por tudo. A Isabela Godoi e Frederico Godoi; meus irmãos, por uma vida sempre feliz. A Delaine,

Rafaela e Gabriel, pelo crescimento de nossa família. A Maria Izabel, “Edinho”, minhas primas-irmãs Cecília Godoi e Carolina Godoi, a toda a

família de Araguari, distante, mas sempre presente, e ainda Soninha, pela extensão de nosso pilar chamado

Família. E em especial, e acima de tudo, a José Silva, meu pai, o verdadeiro maestro que sempre regeu e orquestrou

minha vida, educação e formação humana.

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A revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo

seu anjo as enviou, e as notificou a João seu servo.Ap 1:1

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Prólogo

Em algum lugar de Paris, França14 de julho de 1930.

A catedral é alta e fria. Alta demais. Tão alta que se chega a pensar na inutilidade de sua arquitetura e forma. Paredes negras de pedras geladas, escadas lisas e escorregadias, gárgulas de rochas secas e trincadas erguem suas mãos para o céu em gestos malignos. Outras imagens se contorcem em movimentos desprovidos de sentimentos e parecem querer adentrar a catedral; gladiam-se para, então, atravessar a grossa parede e atingir o centro

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da igreja. Compridas janelas verticais se estreitam até atingir o topo da torre em forma de seta.

Toda a catedral assemelha-se a longas lanças de guerra. Lanças prontas para serem arremessadas contra os anjos do céu, pensou o vulto negro. Sorriu e olhou para o rio Sena, lá embaixo. A cidade se preparava para mais uma noite gelada.

Apesar da estação quente, fazia frio, e as pessoas saíam para as ruas em come-moração à Fête Nationale – o Dia da Bastilha – com grossos casacos e mantos.

Uma névoa densa e fria como uma mortalha escura formava-se sobre as casas e edifícios, cobrindo as centenas de chaminés de cerâmica vermelha e placas cinzentas sobre os telhados de Paris. O rio brilhava à luz mortiça da lua, que conseguia trespassar a camada de névoa.

Pessoas se abrigavam em seus grossos agasalhos, espremiam-se e acoto-velavam-se umas às outras, enquanto entravam no grande salão da catedral. Protegiam-se mais do contato entre si do que do frio que feria a pele como doses singelas de um ácido invisível.

Tão unidos e tão solitários... pensou novamente o vulto, e ainda sorria quando sentiu a tensão na grossa corda do sino. Olhou com o canto dos olhos e viu a pesada esfera de bronze ser jogada de lado. Uma, duas, três vezes. O badalo parou, e começou novamente.

Badaladas! O velho sino gritava mais uma vez...– Séculos e séculos, sempre as mesmas palavras, os mesmos sons... Tão

sem sentido e sem arbítrio... Seguindo a vontade de mãos gananciosas e sór-didas. – O vulto sussurrou para si. Sentia ódio.

Voltou o olhar para as meninas amontoadas no chão. Eram três, e elas se espremiam contra o guarda-corpo do fosso do sino. Duas delas se espre-miam ainda mais contra a terceira, mais velha e maior, e o vulto mantinha os olhos nesta, que alojava as duas menores nos braços, uma em cada lado do corpo. As novas tremiam e tampavam os ouvidos para se proteger do alto som das badaladas; seus tímpanos doíam a ponto de quase sangrar. Sentiam frio e medo.

A mais velha nada fazia para proteger seus ouvidos, estava alheia aos sons e indiferente à presença sinistra do vulto.

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Frio e medo... ele pensou, e sorriu novamente. Alimentava-se do frio e do medo, como um verme saprófito que desliza lentamente sobre uma car-caça, alimentando-se de podridão e morte.

O vento no alto da torre era cruel e os pombos se remexiam inquietos em seus ninhos, fazendo sons irritantes e assustadores, que se misturavam ao sussurro medonho do vento gélido e ao grito estridente de metal contra metal.

Badalo e sino. Vibração e tensão. O vulto adorava aqueles sons, adorava os instrumentos que davam vida

à sua sinfonia. Era um maestro, e os maestros amam suas obras. Ainda com o olhar em direção à mais velha perguntou:

– Uma sinfonia da morte. Gosta de música?Mas ela o ignorou. Ele aproximou-se. Ela o olhava com uma expressão sem vida, como as

imagens do lado de fora da torre, desprovidas de sentimentos. O som forte do sino não a incomodava, estava insensível. Um bloco de rocha. O vulto persistia fitando seus olhos, e ela liberou os braços dos corpos das menores e se comunicou por sinais:

“Eu não tenho medo de você.”Os gestos de suas pequenas mãos eram frios como as pedras da torre.

Comunicava-se muito mal, ninguém havia lhe ensinado a língua gestual. Mas isso não importava, o vulto entendia o coração dos homens. Frio e medo... E indiferença, ele ponderou, estreitou os olhos e se irritou. Desviou os olhos dela e olhou para o céu escuro.

As badaladas cessaram. O silêncio abateu o ambiente. A grossa corda balançava suavemente pelo ar sem despertar a esfera de bronze. Os pombos silenciaram e o vento se aplacou. As meninas menores aliviaram a pres-são nos ouvidos e relaxaram seus pequenos corpos. A mais velha voltou a abraçá-las.

De repente, em meio ao céu escuro e sombrio, um pequeno foco bri-lhante de luz apontou. O vulto contemplou aquele brilho por um instante e se virou em direção às meninas, aproximando-se ainda mais delas; seu cami-nhar era lento como uma serpente se arrastando. A mais velha mantinha sua postura protetora; um pequeno animal assustado que abriga os filhotes em

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seu fraco e magro corpo. Ele se agachou diante delas e murmurou, enquanto fazia sinais para a mais velha; e o olhar sempre nela, sempre a fitando:

– Aquele brilho no céu, minha linda, o que é? – Apontou para o foco de luz com a cabeça. Todo o seu corpo estava coberto por um denso e negro capote e capelo. Suas mãos quase não podiam ser vistas em meio a tanta sombra.

– Deus! – respondeu a menor, com os olhos fechados e o queixo tocando sua fina clavícula; apertando os braços na cintura de sua irmã protetora.

– Uma estrela cadente! – comentou a outra, olhando com o canto dos olhos para o brilho, ainda com o rosto apoiado no peito da mais velha e os braços a envolvendo. Parecia esperar por uma forte rajada de vento que as levaria para longe dali.

A mais velha nada disse, apenas prestava atenção nos gestos feitos pelo vulto, mas não se manifestava nem se mexia.

O sino destruíra seus tímpanos quando ainda era bem pequena, tirando-lhe todas as palavras do mundo e escravizando-a em uma realidade silenciosa e hostil. O vulto inclinou lentamente a cabeça em direção a ela, esperando sua resposta; ele não tinha pressa, sabia esperar. Por fim, a garota liberou os braços e fez sinais com as pequenas mãos, gestos sempre sem emoção: frios e lentos. Olhava nos olhos dele:

“Não sei”, foi sua resposta, e voltou a abraçar as menores.– Humm... um Deus, uma Estrela, e uma Dúvida? – Ele repetiu em

voz baixa. Seu olhar era maligno e frágil, uma pequena serpente com um veneno mortal.

Um breve silêncio pairou novamente no topo da torre, até que a corda tencionou-se novamente, obrigando a esfera de bronze a realizar sua última série da noite. Uma, duas, três vezes. Parou e começou novamente. Badaladas! A missa terminara.

O vulto aproximou-se ainda mais das meninas, suas vestes se arrasta-vam pelo chão, mas parecia não tocá-lo, uma sombra em um movimento lento, arrastado e suplicante. Agora quase as tocava, e elas viram de perto seu rosto.

Feições finas e delicadas, sem pelo algum. Lábios volumosos e vermelhos. Rosto masculino, mas traços femininos. Um rosto belo demais, tão belo que

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não se podia descrever ou definir seu sexo. Frio e bonito. Desprovido de inten-ções, de expressões, porém ironicamente transpirava muito ódio e angústia.

Uma face angelical. E ele sorriu para elas. Seus olhos brilharam como um céu estrelado

e, bem ao fundo, no infinito negro daqueles olhos, um ponto vermelho, solitário e magnífico despontou, e ele fez mais gestos, desta vez bem lenta-mente, à frente dos olhos azuis da mais velha, e ela pôde sentir o ar frio que emanava de suas mãos e o odor fétido que saía de suas vestes. Seus gestos comunicavam:

“Eu não estou aqui para lhe assustar, minha querida. Não é a mim que você deve temer, meu lindo anjinho. Olhe!”

Levantou-se e simulou um olhar de espanto enquanto fazia conchas com as mãos ao redor das orelhas protegidas pelo manto negro.

Soltou as palavras com uma voz cheia de ironia e cinismo:– Está ouvindo? A missa terminou, ele está vindo! – Deu um passo para

trás e continuou: – Ah... Desculpe-me, minha filha... Esqueci que você não pode ouvir. – Dessa vez sua voz era um sibilo frio e hostil, palavras com intenção de ferir e sangrar.

A menina via os lábios dele se mexerem, mas não ouvia o que ele dizia, via o badalo se chocar contra o sino, mas não ouvia as badaladas, via o bater de asas dos pombos mas não ouvia seus ruídos... No entanto, sabia que quando o sino parasse de se movimentar, o badalo cessasse e a corda retornasse para o seu descanso pendente no ar, ela teria seu corpo magro e delicado castigado novamente.

Sempre foi assim, pensou, e abaixou os olhos em direção às pequenas. Acomodou-as com intensidade em seu peito. Virou a cabeça em direção ao brilho no céu, não viu nada, o brilho havia se apagado. O céu agora era negro e infinito como os olhos do vulto.

Voltou o olhar para os últimos movimentos do sino e viu a grossa corda pairando no ar. O sino não se movimentava mais. A garota fechou os olhos, tremeu e suspirou. Chorou.

Chorou de medo... O vulto observou as lágrimas que desciam dos olhos dela, riu e comen-

tou triunfante:

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– Ah, frio e medo... – disse enquanto dava mais um passo para trás, em direção à sombra. – Eu sou o maestro, minha filha, e não o músico. Quem toca os instrumentos são vocês... – Um leve sorriso torto se formou no canto de seus lábios vermelhos.

E lá embaixo uma grossa porta de madeira era aberta, movimentando uma massa de ar frio, que serpenteou pelo fosso acima e um som forte e rouco ressoou pelas paredes geladas da torre, como um órgão de majestosos tubos de rocha e madeira... E o espectro sonoro daquele órgão era tétrico, sinistro e frio: uma nota grave acompanhada de uma massa densa de ar gelado que dardejava torre acima. Uma verdadeira “liturgia negra”.

E essa foi a primeira nota... pensou o vulto negro, e seus olhos brilharam novamente. Ele adorava órgãos, era chamado de o “rei dos instrumentos”, e a lembrança do órgão era sempre acompanhada da lembrança do chamado “rei dos homens”, há tempo morto e esquecido.

Agora era o momento de novos reis, e de um novo monarca reinando sobre os homens.

– E o medo é o rei dos homens. Verbum Domini! – sussurrou. E já prelibava...

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Triste ma non poco, um troppo maestoso1

Vocês não sabem a origem do mundo, vocês não podem confirmar a existência de Deus. O homem nasce, cresce e morre. A carne é passageira, a consciência é imortal. O homem senta no trono terrestre, o consciente reina sobre as camadas do subconsciente; porém, quem dentre vós lutaria por um trono quando é para se reinar no inferno? Eu? Eu sou apenas um maestro, meu filho. Quem toca os instrumentos são vocês...

Amatusael2, Legionis

1 Toda a estruturação dos capítulos deste volume 1 foi feita como uma homenagem à composição número 125 – Op. 125 –, de Ludwig van Beethoven. As divisões do 1º ao 4º Movimento (respeitando o direito à tradução livre e às mudanças de palavras feitas pelo autor) são uma referência direta àquela sinfonia, também chamada de A nona sinfonia de Beethoven.2 É o nome de uma personagem de O Grito Vermelho e significa, segundo o autor, “aquele que não é de Deus”. Etimologia: prefixo de negação “a” + Matusael (homem de Deus no dicionário bíblico).

A Sinfonia da MorteI Movimento

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A mensagem

Vaticano. Roma, Itália.9 de maio de 1960, 8h43.Segunda-feira.

– Por favor, repita a mensagem – pediu o velho padre, alto e magro, sentado na cadeira de leitura abaixo da janela que abria para a Praça de São Pedro. O dia estava claro e o clima agradável. Pousou os olhos sobre a cruz no topo do Obelisco. Adorava aquela vista.

Muitas pessoas começavam seus rituais de passeios e suas perguntas sobre a história disso e daquilo. Mais um dia tranquilo na vida do padre, mais um dia movimentado para os corredores e pátios do Vaticano e, ainda, mais lamúrias a serem derramadas sobre o Obelisco. Mas apesar do brilho

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do sol, o velho não percebia a luz, tudo o que sentia era a tristeza no mundo e seus conflitos. Aquele antigo sentimento de apreensão e de vazio. O homem e sua patética existência, pensou tristemente.

– “As trevas se assentam em Su-ayna” – repetiu lentamente o jovem técnico. Esperou a reação do padre. Não houve. Continuou, agora elevando um pouco a voz para despertar o velho de suas divagações: – Senhor, há também um AC Kazarras.

– Humm... Padre Kazarras – murmurou o velho. Ainda com os olhos em direção ao pátio externo, observava uma jovem mãe com uma criança de colo que andava pela praça. A mãe mudou a posição da criança e liberou o braço para fazer o sinal da cruz.

Pessoas se aglomeravam em volta do Obelisco. Ainda há esperança no mundo, pensou e, ainda com os olhos na mulher, continuou:

– Antoní Kazarras, 45 anos. Recebeu os votos da igreja com 20 anos. Espanhol naturalizado na Itália – falou de forma cadenciada e sem emoção.

Levantou-se da poltrona com dificuldade. Todos os ossos do corpo doíam-lhe. Ficou de frente para o técnico e comentou:

– Um bom padre e um grande amigo. Leve a mensagem para a Secretaria de Estado da Santa Sé, no final do expediente – passou o olho pelos equi-pamentos sobre a mesa e virou-se novamente para a janela. Cruzou as mãos atrás do corpo e voltou a observar a multidão.

A mãe havia sumido. Ouviu sons de sinos e vozes contentes. Sentiu-se infeliz. Não que a ale-

gria das pessoas o incomodasse, o que realmente o intrigava era a condição humana: uma existência tão negra como uma noite sem luar e, ao mesmo tempo, tão clara como um sol de meio-dia. Girou o corpo novamente para o jovem e retomou a conversa:

– Ou melhor, não vamos importunar o Padre Kazarras, as funções dele já são, digamos, pesadas demais. Guarde a mensagem e a arquive aqui em nosso gabinete. – Voltou-se para a janela e tocou o vidro. Observou suas mãos. Magras e velhas: fracas. Perguntou-se se aquelas mãos já haviam feito algo de substancial para o mundo...

Fitou alguns pombos no pátio e indagou distraidamente, mais por curiosidade do que por interesse:

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– Samuel, há como saber quem nos enviou a mensagem?– Sim. Battista – respondeu o jovem, baixando os olhos para a fina tira de

papel enquanto a retirava do telégrafo e a anexava a uma pasta de capa escura.– Battista? – O padre virou o corpo de modo abrupto. – Tem certeza?

Como você consegue identificar o emissor?– Bem... isso é simples – respondeu com um ar emocionado e contente

por conseguir manter uma conversa com Padre Estêvão, que geralmente não dizia nada por horas e horas.

Endireitou o corpo e continuou: – Na verdade, Padre Estêvão, é muito simples, desde que se indique o

autor, e aqui foi assinado em nome de G. Battista. Samuel comparou novamente os símbolos da mensagem com o alfa-

beto Morse para confirmar a assinatura. Escreveu as letras correspondentes, a lápis, abaixo dos pontos e traços do telegrama, e balançou a fina tira de papel no ar.

Os códigos eram claros. Samuel fechou o livro com o alfabeto e sorriu de satisfação. Segurava a tira entre o polegar e indicador de uma mão e com a outra ajeitava seus pequenos óculos de leitura no rosto.

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G. Battista? Samuel, seu grande idiota. Se há a assinatura, por que já não me disse desde o começo? O velho ruminou furioso seu pensamento e tentou disfarçar sua impaciência, mas era tarde demais, não suportava idiotices de jovens como Samuel. Era um bom rapaz, mas as horas passadas a seu lado eram mais proveitosas quando ambos as passavam em completo silêncio.

– Samuel, seu tolo – vociferou –, siga o Protocolo Emergencial e avise ao arcebispo imediatamente. Se alguém procurar por mim, diga que estarei em meus aposentos. Minha cabeça dói mais do que o normal e não me sinto bem. Saiu da sala sem se despedir, deixando Samuel com uma feição de dúvida e sem entender o porquê da mudança de humor do velho padre.

Protocolo Emergencial? Mas estamos em tempos de paz... Ah, esses velhos padres são todos muito estranhos. Deu de ombros e pegou a tira e o caderno com o alfabeto Morse. Passou o olhar sobre o livro em cima de sua mesa: Do Contrato Social. Fez um muxoxo e foi em direção à sala do arcebispo. Cruzou todo o pátio e andou por um bom trajeto até chegar ao seu destino.

Entrou pelo vão da porta da Secretaria de Estado e deteve-se por um instante, tamborilou no balcão de anúncio e viu a confortável antessala de espera que o aguardava. Muitas poltronas e cadeiras o esperavam, e todas elas estavam ocupadas.

A espera por uma reunião era algo que poderia se prolongar por horas e horas até que o arcebispo estivesse liberado para receber alguém. Decidido, girou sobre os calcanhares, voltou até a sala de comunicação, foi até sua mesa e apanhou seu livro. Esta será uma manhã longa... É bom levá-lo – suspirou e voltou para a confortável antessala do arcebispo.

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Os doze corpos

Su-ayna3, noroeste da Mongólia.11 de maio de 1960, 14h27. Quarta-feira.

– Chefe, total de doze corpos – comentou o homem, pequeno e rechon-chudo, enquanto levantava-se da margem leste do Lago Su-ayna, onde lavava suas mãos sujas de sangue seco e barro.

– Descobriu algo que não posso observar usando aritmética, Deneuve? Que são doze corpos basta contar. – Louis Simon não estava em um de seus melhores dias; na verdade, ele não se lembrava de seu último dia 1

3 Su-ayna é um local fictício.

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bom, não sabia o motivo de sua depressão e de seu vazio interior, e a longa viagem e o clima áspero da Mongólia não ajudavam a amenizar seus con-flitos. A paisagem era linda; os montes Khangai com seus picos rochosos cobertos por neve, o extenso planalto no sopé das montanhas, as estepes e a bela taiga, tudo remetia a um sentimento de introspecção e paz. Um cenário belo e místico.

Esse lugar é tão bonito e tão solitário... Mas mesmo aqui, no isolamento da natureza, me sinto assustado e tenso... Simon pensava e olhava para os mon-tes. Voltou-se para Deneuve, respirou fundo e continuou:

– Por favor, Deneuve, tenha mais cuidado, não sabemos o que aconte-ceu e você pode se ferir com algo ou, até mesmo, se contaminar.

Deneuve Mohands nada disse. Com seu rosto rosado, redondo e coberto por uma barba rala e ruiva parecia um camundongo assustado saído de um experimento científico.

Louis Simon, capitão de Polícia, pertencia ao quadro de Oficiais de Polícia Judiciária da Sûreté Nationale, subordinada diretamente ao Ministério do Interior. Atuava em missões de investigações em toda a Grande Paris, um ótimo policial e um dos mais eficientes da França. Porém, há oito anos fora transferido para assumir um novo cargo dentro da Section pour Affaires Internationales (SPAI)4, subordinada diretamente ao Governo Francês e não ao Ministério do Interior, sem vínculos diretos com a Sûreté Nationale.

– Seu perfil é o que buscamos, Louis Simon. Você receberá o título de Agente Especial da SPAI. Escolha seus homens dentro da polícia e busque alguns civis que preencham os pré-requisitos desejados. Todos serão promo-vidos a Agentes junto com você – ordenou o Secretário L. Nolan a Simon na época da convocação.

Simon sentia que algo não estava certo, sempre soube disso. Quando criança ouvia sons e jurava ver sombras que outras pessoas não viam e, ainda, havia partes de seu passado que não se lembrava, partes “apagadas”

14 SPAI (Seção para Assuntos Internacionais) é uma seção fictícia e sem intenção de expressar a realidade do governo francês ou a forma de atuação da polícia francesa.

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que adormeciam no interior de sua mente, desejosas por sair e se revelar, um grito de angústia preso em sua alma... Nunca esteve em paz consigo mesmo, apesar de em momento nenhum ter passado por dificuldades na vida.

Trinta e oito anos, belo, querido e uma boa profissão. Seu novo cargo foi acompanhado de um grande aumento salarial, grande até demais; muitos parisienses gostariam de estar em seu lugar e muitos policiais o invejavam. Todos os agentes da SPAI eram muito bem remunerados.Mas Louis Simon não queria este novo cargo, sentia que de alguma forma alguém sempre articulava para mantê-lo longe de Paris, sempre em missões, e a Section pour Affairs Internationales era a desculpa perfeita para enviar seus agentes em viagens para outros países, muitas delas longas.

Era um pária em seu próprio país e não sabia o porquê. Mas sabia acatar ordens. Era um bom profissional e um patriota, e o Secretário L. Nolan não era aberto a negociações: suas ordens eram claras e indiscutíveis.

A Embaixada Francesa na Mongólia havia recebido, às 11h23 do dia 10, um telefonema da polícia de Ulan Bator, capital da Mongólia, informando a descoberta de 12 corpos, a 150 quilômetros a noroeste da capital, em uma região chamada Su-ayna. Até então a informação em nada interessava à SPAI, porém os corpos foram identificados como sendo de três ingleses, dois suecos, três russos, e um francês e, ainda, o francês era um policial de Paris. Haviam ainda três não identificados, e as condi-ções dos corpos intrigaram as autoridades locais, que nada fizeram a não ser a identificação dos cadáveres.

Encontraram os mortos, colheram alguns documentos, viraram as costas e ligaram para a Embaixada, que entrou em contato imediatamente com Paris. Amadores... Assim concluiu Simon ao receber a notícia.

– Inglaterra, Suécia e Rússia, todos esses países envolvidos, e o senhor destacará minha pequena equipe para o norte da Mongólia? – disse, em um tom cansado, quando foi informado da viagem de última hora. Eram 4h50 no horário de Paris. Estava em sua cama e não dormira bem durante toda a noite.

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– Esse não é um simples caso de homicídio. Pense bem, Louis, doze mortes brutais e nove estrangeiros confirmados. E ainda tem um policial nosso no meio. Quem você indicaria para a missão? A Sûreté Nationale? Se este não for um assunto internacional, o que mais seria? E preste atenção, Louis: não quero os ingleses envolvidos com a morte de um policial fran-cês. Não! De forma alguma. Os ingleses que se danem. O voo sai às 5h50. Prepare-se! Sua equipe já foi avisada – esbravejava o coronel Pasquale Paoli, batendo o fone com força no gancho.

Não havia negociações. Já estava decidido e a ordem dada.– Sim, senhor... – Simon tentou sussurrar uma resposta, mas suas pala-

vras nem tiveram tempo de ser ouvidas pelo coronel. Mais uma viagem... Levantou-se e arrumou rapidamente sua mala. Às

5h45 toda a equipe já se encontrava sentada em um avião do governo fran-cês rumo ao Aeroporto Buyant Ukhaa, em Ulan Bator. O governo mongol os receberia e se encarregaria do transporte terrestre, da forma mais rápida possível, até o local do incidente. Não podiam perder tempo; os vermes não costumavam esperar a boa vontade das autoridades e nem pensavam duas vezes antes de iniciarem seu banquete.

Simon e sua equipe só chegariam ao Lago Su-ayna na tarde do dia 11, mais de vinte e quatro horas depois da descoberta dos corpos. A França assumiu o controle do caso. A diplomacia foi convincente demais para os países envolvidos, que de imediato concordaram. Mas Simon pensava que não era preciso a diplomacia, pois nenhum dos outros países estava tão entusiasmado em assumir esse estranho caso como a França estava. A euforia francesa foi apenas a desculpa perfeita para se ausentarem.

Desembarcaram em Ulan Bator e foram de imediato para Su-ayna, uma região isolada e solitária a noroeste da capital, com lagos, montanhas e grupos de nômades isolados.

– Há algo de podre aqui – refletiu Simon, segurando um seixo em uma mão. Estava à margem do lago, de cócoras e com o cotovelo apoiado no

joelho, enquanto olhava para os corpos com uma expressão séria no rosto.

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5 Em francês, “rato”.

– Senhor? Algum indício nesta pedra aí? – Deneuve perguntou, apontando para o seixo, e abaixou imitando a posição de seu chefe. Uma cena cômica.

Louis Simon – com 1,90m de altura, corpo atlético, olhos azuis e cabelos castanhos escovados para trás da cabeça, emoldurando seu rosto quadrado de feições fortes – era um típico sedutor parisiense que arrebatava suspiros apaixonados de grande parte das mulheres. Enquanto Deneuve – com 1,65m corpo rechonchudo, olhos estreitos e uma cabeleira ruiva desgre-nhada, que causaria inveja em qualquer leão – se assemelhava a um grande roedor naquela posição de cócoras.

Olhando assim era fácil identificar a origem do apelido que os compa-nheiros da Academia de Polícia haviam lhe dado: Souris.5

– Há algo de podre no reino da Dinamarca... Você conhece Shakespeare? – perguntou Simon sem desviar o olhar do seixo e contornando os lábios com o indicador e o polegar da mão livre, mania que tinha quando se absor-via em pensamentos.

– Shakespeare, o padeiro? – perguntou Deneuve em resposta, com um sorriso nos finos lábios.

– Hummm... – Simon levantou-se e jogou o seixo na beira do lago, fazendo respingar água e barro no sobretudo e no rosto de Deneuve. – Oh, me desculpe por isso, Den.

– Ah, não foi nada, chefe... A água não está tão gelada como parece. E também... você sabe que...

– Deneuve – interrompeu Simon –, não, não me referia ao padeiro... Você gosta de livros?

– Ah, sim, eu leio e estudo bastante... – respondeu com um sorriso sin-cero enquanto se levantava. Simon reparou que ele nem se preocupou em limpar o sobretudo, e uma pequena massa de barro assentou-se em seu fino bigode. Começaram a andar em direção aos corpos.

– E sua especialidade seria a aritmética, certo? – Simon tentou fazer uma brincadeira, mas sua voz era séria demais.

Parou e manteve um olhar pensativo em direção aos corpos estendidos à margem do lago, fez a contagem novamente, abaixou-se próximo ao corpo

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do policial francês e viu algo no bolso interno de seu blazer. Franziu o cenho e tirou cuidadosamente o volume do bolso do cadáver. E disse mais para si do que para Deneuve:

– Doze corpos... Entre eles um policial francês. Não me lembro de ter topado com Jules Rouche alguma vez em serviço e a foto de sua car-teira não está muito boa... Mas também, um corpo sem cabeça não é fácil de reconhecer. Levantou-se. Segurava o embrulho retirado do corpo de forma distraída.

– Olhe, chefe, Rouche carregava uma Bíblia! – Apontou para o volume de couro marrom e letras douradas que Simon segurava e continuou ale-gre, mudando abruptamente de assunto. – Bom... Comecei a leitura de um ótimo livro que peguei emprestado ontem na biblioteca da academia, e sabe, chefe? Você sabia...

Simon não conseguia reprimir sua inquietação toda vez que se deparava com algum caso anormal. E os doze corpos estendidos à sua frente além de ser algo anormal eram também um indício de um caso tenebroso. Algo o incomodava, a sensação de vazio e a melancolia começavam novamente a se abater em seu coração como uma mão gelada apertando seu peito. Olhou para a Bíblia de couro à mão. Fitou o corpo de Jules Rouche e, sem saber o porquê, abriu seu sobretudo e guardou a Bíblia do cadáver em seu próprio bolso, junto ao peito.

Deneuve não desistia de seu monólogo e prosseguia:– ... e na contracapa do livro diz algo sobre níveis, ciclos ou círculos do

inferno. Parece-me um total de nove ciclos. Ciclos e números me lembram de alguma forma aritmética... e tem a geometria que...

– Meu Deus, Deneuve! – Pela primeira vez nos últimos dias Simon soltou uma gargalhada sincera, tão alta que os outros agentes pararam seus trabalhos sobre os corpos para olhar o que acontecia. – Oh, desculpem-me, voltem ao trabalho – disse à sua equipe e, voltando para Deneuve, conti-nuou. – Você é o único que me diverte Deneuve... – Esboçou um sorriso, mas voltou a ficar sério logo em seguida, passando os dedos sobre os lábios. Calou-se e olhou o cadáver mais próximo. A voz agora saiu rouca e sinistra. Lamentava-se. – Para quem quer que tenha cometido essa barbárie toda, Den, um lugar no inferno seria pouco.

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Os dois contemplaram os corpos à frente deles. Todos com os crânios estourados “de dentro para fora”. O sangue já

seco formava uma alongada mancha saindo do que sobrou dos pescoços e se alastrava até perder a cor e ser absorvido pelo solo. Pedaços de ossos e carnes estavam dispersos por toda a área. Era impossível saber qual parte pertencia a qual corpo. Simon desviou o olhar dos cadáveres e direcionou-o para sua equipe em ação. Observou um forte homem negro percorrendo todo o perímetro que demarcava com estacas e fita de isolamento. Adam Tomás era o nome daquele homem. Desenrolava a fita amarela e preta com gestos disciplinados.

– Chefe, você também gosta de livros? – Deneuve voltou verborrágico e tirou Simon de seus tormentos.

– Ahh, sim. Claro... – respondeu sem forças para sustentar um diálogo inútil com seu companheiro, as palavras saíam mais como suspiro do que como resposta. Mas apesar de tudo, Deneuve era sua primeira escolha em quase todos os casos para os quais era destacado. Desconsiderando as inu-tilidades de raciocínio e a falta de físico desejado, Deneuve tinha grandes qualidades, como honestidade e fidelidade.

Simon sorriu de forma vazia para ele e desviou os olhos para uma linda mulher de cabelos curtos que examinava os restos do que parecia ser um cérebro. Susannah Andèrs era seu nome, vestia um jaleco branco bem justo ao corpo. Mais linda a cada dia, pensou.

Virou-se para Deneuve e disse de forma sem graça: – Den, temos todos esses cadáveres sem ferimentos do pescoço para

baixo e apenas esse terrível estado dos crânios... Penso que a aritmética nesse caso não nos levará à resposta, a solução estará muito além de nossas imagi-nações. – O outro nada respondeu, apenas olhava para os corpos.

Ventava muito. Um vento frio e sonante. O lamento fúnebre da natu-reza para tanta barbaridade e sangue derramado sobre seu solo puro e belo.

A natureza chorava... O sol começava a se pôr atrás dos montes quando o último integrante

do grupo, um senhor com uma cabeça grande, terminava seu trabalho. Ele andava pela margem do lago e retirava suas luvas de procedimento e más-cara. Martin era seu nome.Conversava com o ajudante, Patrick, que tirava

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fotos atrás de fotos de todos os corpos. Era um ótimo fotógrafo, que escolhia muito bem os ângulos para a melhor identificação dos cadáveres. E em casos como o de agora, com corpos sem cabeças, todo o cuidado com as fotos era de suma importância. Mas as fotografias de Patrick tinham um grande pro-blema: o fotógrafo.

Simon não gostava de Patrick.

As horas se passaram, e o acampamento contava com dezessete pessoas. Dez militares mongóis e a equipe francesa. Não fora necessário um grupo armado para realizar a segurança da equipe, ficou acertado que o governo da Mongólia ofereceria segurança e colaboração durante todos os traba-lhos. Simon notara um mal-estar entre os militares, como se temessem algo. Notara também um pequeno e magro militar com uma Polaroid sempre presa ao pescoço. Mas Simon não falava mongol e o único que dominava o idioma – ou tentava entendê-lo – era Patrick, que não demonstrou grande satisfação ao ser consultado sobre uma possível interação entre os grupos.

– Agente Simon, é totalmente aceitável os militares se assustarem quando se encontra doze pessoas com os crânios estourados, com pedaços de ossos e outros aglomerados de carne não identificados espalhados pelo chão – respondeu secamente, e Simon descartou a interação entre os grupos.

– Os militares estão chocados, apenas isso. Infelizmente Patrick tem razão, Simon concordou em pensamento.

A noite chegara e o frio aumentava. Finalizaram os trabalhos e foram todos para as barracas improvisadas, erguidas antes mesmo da chegada do grupo.

Duas barracas, uma para os militares, outra para a equipe de Simon e uma pequena tenda afastada fechava o acampamento, funcionando como banheiro, e, para a satisfação da equipe, havia água quente para banhos. Usaram o banheiro e se limparam. Todos estavam famintos. Cada um pre-parou sua refeição e tomaram bastante café. Patrick e Martin tiveram que deixar a barraca para fumar, Simon não permitiu que fumassem no interior.

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Com a fome saciada, a higiene pessoal realizada, o café terminado e os cigarros apagados sentaram-se ao redor de uma mesa desmontável no centro e Simon iniciou a reunião:

– Doutora Andèrs?– Bem, vejamos... – começou a falar a doutora, chefe responsável pelos

trabalhos forenses. Formada em Medicina pela Universidade de Paris, foi a mais brilhante de sua turma, atingindo notas tão altas que seu nome se tor-nou uma lenda entre a comunidade científica da França, e, ainda, doutora em Biologia e uma das melhores legistas de Paris. Estava de pé no centro da barraca enquanto folheava um bloco de anotações.

Patrick havia adormecido no canto, ao lado de Simon, e emitia, a cada respiração, um som tão irritante que mais assustava do que incomodava. Será que estou ficando louco? Ou será cansaço? pensava Simon, tentando não se importar com os ruídos de Patrick.

A doutora iniciou seu parecer:– Mortos há aproximadamente trinta e seis horas, o que nos remete ao

amanhecer do dia 10 de maio, algo em torno de cinco horas. Todos os cor-pos identificados como estrangeiros portavam o passaporte, fato constatado inicialmente pelas autoridades locais que, após verificarem os passaportes de cada corpo, recolocaram os documentos nos bolsos. Os três corpos sem documentação foram identificados como sendo de mongóis, de acordo com suas características corporais: estatura, constituição óssea, cor da pele, for-mato das mãos e outros, uma vez que não portavam documento algum. As características dos outros corpos conferem com os documentos. Acredito que não há erro em nossas observações quanto à nacionalidade desses homens. Os fenótipos de cada um conferem com o registro de origem dos passaportes – finalizou, e, ainda em pé, folheou o bloco lentamente, dando oportunidade para Simon se manifestar. Ela sempre fazia assim: preferia se calar à espera das dúvidas dele do que ter de lhe perguntar prontamente se havia entendido. Há três anos passou a evitar até mesmo o simples contato visual com ele.

Simon sempre se espantava com a segurança e inteligência de Susannah e sabia que ela raramente, ou melhor, que nunca cometera um erro de juízo ou suposição. Tudo o que ela afirmava ele aceitava de imediato.

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Linda. A típica beleza clássica, cruel e distante. Alta demais para uma mulher. Com o uso de saltos tinha quase a mesma altura que Simon. Cabelos negros e curtos, cortados à altura das bochechas, que faziam o contorno de seu rosto fino e simétrico, envolvendo-o em uma mão pro-tetora de fios de cabelos. Olhos grandes e negros, tal qual um céu sem estrelas. Olhos de trevas – era o que Simon dizia sempre que se deixava hipnotizar pelo olhar de Susannah.

Ele suspirou e comentou de forma triste:– Bom, obrigado, doutora... Os corpos não podem ficar aqui e não

há como trazer os supostos familiares de cada um deles para realizarem os reconhecimentos. Teremos que usar as fotos de Patrick – girou a cabeça para Patrick, revelando, sem querer, uma expressão de indisposição – para as confirmações... As autoridades locais serão orientadas a despachar os corpos para cada país de origem assim que os familiares ou amigos confirmarem as identidades. – Parou por um instante e olhou novamente para Patrick, que continuava com o sono ruidoso e tirando a atenção e a paciência de Simon, que fechou os olhos em sinal de cansaço, tamborilou as unhas na mesa, suspirou e prosseguiu:

– Então realmente temos três ingleses, dois suecos, três russos e três mongóis... E temos Jules Rouche, um conterrâneo nosso. – Tocou de leve a Bíblia no bolso interno. – Tirando os três mongóis, todos os outros corpos portavam documentos que foram utilizados para constatar e confirmar suas nacionalidades, certo? – Parou, contornou os lábios com os dedos e conti-nuou. – Os mongóis não portavam documento algum, não é isso? Mas meu pensamento é diferente... Os mongóis também portavam documentos que foram removidos dos corpos pelas mesmas pessoas que mexeram nos estran-geiros. – Fixou o olhar mais uma vem em Patrick no exato momento em que ele soltava um longo estertor, como o motor velho de um trator.

– Bem, nesse caso cabe a você, Agente Louis Simon – Susannah disse o nome Louis Simon de forma lenta e pausadamente –, constatar essa sua teo-ria. Nós, peritos, apenas relatamos o que encontramos e... – e se a intenção dela era irritá-lo, ela havia obtido êxito.

– Sim, Susy... – Simon a interrompeu e agitou as mãos no ar em sinal de rendição e impaciência. Completou secamente. – Eu estava pensando em

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voz alta e não me dirigia a você. Por favor, pode continuar seu relato, se tiver algo a mais para acrescentar. – Tirou os olhos de Patrick e olhou para ela. Passou os dedos nos lábios novamente. Podia sentir o começo de uma barba por fazer, havia três dias que não se barbeava. O fato de Simon ter se diri-gido a ela por Susy de forma tão natural a fez ruborizar e Susannah agrade-cia a pouca iluminação na barraca e a distância que a mantinha dos demais. Eram poucas as situações que conseguiam constrangê-la, e Simon sabia que não era nada bom despertar o ódio e o orgulho da Doutora Susannah Anne-Marie Andèrs.

Apertou os olhos e tentou amenizar a tensão entre os dois, repetindo de forma educada e cansada: – Doutora Susannah Andèrs. Por favor, algo mais? – O resto do grupo nada dizia, mantinham os olhares sobre a mesa, como estudantes cansados em uma aula que se prolonga e parece não ter fim.

Você fica mais linda a cada dia que passa Susannah. Mas seu gênio conti-nua como uma fera solta, pensou Simon, se remexeu na cadeira.

– Pois bem, por causa do clima gelado os corpos sofreram poucas mudan-ças, e o mais interessante é que todos os indícios levam a crer que os óbitos ocorreram ao mesmo instante. – Ela parou, esperando algum comentário. Simon mantinha os olhos fixos nela, mas não se manifestou. – Os corpos foram tocados pelos mongóis, isso sabemos, mas foram apenas contatos super-ficiais, nada que prejudique as investigações. E o sangue sobre o solo não foi pisado, eles tiveram a “grande ideia” de se desviar do sangue derramado...

– Entendo... – Simon a interrompeu. Deu um sorriso cansado e se levantou. Foi até o colchão onde Patrick dormia e o cutucou com o bico do sapato. – Patrick, temos três alternativas. Uma, você para de roncar; duas, nós todos paramos nossa reunião e saímos da barraca; e três, você vai dormir na outra barraca, junto aos militares. Qual você escolhe? – disse de forma ríspida. O ajudante, ainda sonolento, não entendia o que se passava, mas diante de todos os seis pares de olhares apreensivos sobre si optou pela terceira opção:

– Número três – respondeu, levantando-se. Pegou seus cobertores, tra-vesseiros e saiu da barraca; resmungando algo em uma língua que Simon não soube identificar.

Saber vários idiomas tem suas vantagens, como poder expressar seus mais íntimos sentimentos sem a possível retórica de seu interlocutor.

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Contudo, as palavras de baixo calão independem dos idiomas nos quais são ditas e as entonações falam por si. Mas Simon estava cansado demais para reprimir o jovem arrogante e talentoso na frente de toda a equipe. Resolveu dar de ombros e voltou a se sentar.

Deneuve não conteve o riso e brincou, tocou o ombro de Simon em um sinal de aprovação, e ainda sorria quando foi repreendido:

– Agente Deneuve Mohands, o senhor é o único aqui que sustenta um sorriso inadequado no rosto – disse Susannah de forma ríspida e cruel, tal qual uma flecha lançada.

– Oh... Desculpe-me – respondeu Deneuve, não conseguindo esconder o rubor nas bochechas. Abaixou os olhos em direção às mãos sobre a mesa. Simon, por baixo da mesa, tocou o joelho do amigo de forma a expressar um “ei, não ligue para isso, ela é assim mesmo, você sabe!”.

– Doutora – Simon elevou a voz para eliminar o mal-estar sobre o amigo –, o motivo dos óbitos?

– Essa é a parte interessante deste caso. O óbito ocorreu por conta de uma elevada pressão sanguínea no crânio das vítimas, assim como um acidente vascular cerebral, só que nesse caso uma pressão gigantesca. – Não houve comentários. Deneuve se mexia na cadeira, mas nada disse. – Resumindo: pegue uma bomba injetora de sangue, calibre-a na máxima pressão possível e injete o sangue no crânio de um ser humano. De alguma forma retenha todo o sangue somente no crânio, não o deixando “descer” para o tronco e continue injetando até que Bummm!, você terá uma bomba cerebral com carne, ossos, líquidos e afins voando pelos ares. As análises detectaram que esses estouros cranianos ocorreram, todos eles, ao nível do solo. – Ergueu as sobrancelhas como se falasse sobre uma situação óbvia demais. – Ou seja, a “bomba” foi injetada enquanto as vítimas estavam ainda em pé; a pressão começa a se elevar, a visão fica turva e uma forte dor de cabeça as ataca. Ainda conscientes e sentindo o peso sobre os ombros, elas se deitam de forma cuidadosa no solo. Não foram empurradas, derrubadas ou, muito menos, jogadas ao chão.

– Temos certeza de que se deitaram de forma espontânea? – per-guntou Simon espantado, direcionando o olhar para Adam Tomás, perito em Geologia.

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– Sim. O solo aqui é firme e a umidade do lago o torna um tanto male-ável. Em um solo como este... – respondeu Adam enquanto se abaixava e pegava um monte de terra entre as mãos. Mostrou-o ao grupo. – Minha técnica permite que identifiquemos movimentações que aconteceram há dias. Você pode travar uma luta aqui e agora que eu poderei determinar com precisão grande parte de suas ações e movimentos. Claro, isso se não chover. Mas olhe – jogou o monte de terra no chão e se levantou, foi até um grosso baú de madeira onde suas coisas estavam dispersas e pegou um caderno de capa dura de cor verde oliva, que tinha inscrito na capa “Normais Climatológicas”, do qual retirou uma folha e voltou a se sentar –, esse é o registro de precipitações das últimas semanas e não houve precipitação alguma nos últimos treze dias. Portanto, posso afirmar: as marcas no solo nos mostram doze humanos adultos, com massa média de 75 quilogramas, que primeiro se sentam e logo se deitam ao solo. Após se deitarem, suas enormes cabeças explodem. As movimentações dos mongóis não produzi-ram efeitos negativos no solo, uma vez que eles pisaram na área já com o sol brilhando forte no céu, quando a umidade do solo é menor e, portanto, o terreno está mais firme. Não há nenhuma outra forma de interferência no local. Todas as pegadas e registro de movimentações são dos doze. Se outras pessoas por ali se movimentaram, fizeram-no pelo ar e não pelo solo ou ainda por voo – ironizou. Esse fato é interessante, raciocinava Simon, pois se realmente assim fosse, é possível que as vítimas tenham, de alguma forma, cooperado com o acontecimento, ou, até mesmo, esperado pelo resultado.

– Voo? Humm – Simon pegou a folha das mãos de Adam, mais por educação do que por interesse. Deu uma breve olhada, mas não entendia nada daqueles gráficos e pontos coloridos. Passou-a a Deneuve, sentado ao seu lado, que a recebeu com o entusiasmo de um estudante.

Realmente era uma ótima equipe. Pensavam em tudo antes de saírem para o campo e o governo mongol foi de grande colaboração e agilidade para fornecer todas as informações que foram pedidas. Louis Simon con-fiava muito em sua equipe, mas sentia, sem saber explicar como, que este caso seria algo por que eles nunca haviam passado. Como se acontecimentos do presente desencadeassem lembranças e medos do passado... E também pecados.

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Ao todo a equipe era composta por Simon e Deneuve, como oficiais operacionais que antes serviam à Sûreté Nationale. Susannah, Adam e John eram oficiais de campo, peritos, cientistas e, também, treinados para as ações policiais.

Patrick e Martin fechavam a equipe como colaboradores civis. Patrick fora uma “indicação” de coronel Paoli, já Martin fora uma ordem direta do Secretário L. Nolan.

Simon conhecia Adam há bastante tempo. Conheceram-se na época de faculdade quando Simon cursava Direito e Adam, Geografia, e ainda eram quase vizinhos. Ingressaram na polícia na mesma época, Simon como oficial e Adam como perito. Durante o curso de formação estudaram juntos.

Porém Simon não sabia nada sobre o homem. Quem ele era? O que gostava de fazer? Tinha família ou filhos? Nada. Adam não se abria às pes-soas. Negro, alto, um pouco mais baixo do que Simon, ombros largos, mãos fortes e olhos castanhos. Mantinha os cabelos raspados e as unhas sempre bem curtas. A barba cerrada e bem cuidada. Dizia que era essencial para seu trabalho ter sempre os cabelos bem curtos e as unhas cortadas; dizia ainda que todos deviam manter os cabelos dessa forma “porque sempre há o risco de cair algum cabelo dos investigadores na cena do crime”.

Era quase sempre sistemático e calado.Mas considerando os sistemas e manias à parte, Simon sabia que não havia dentro da polícia nenhuma pes-soa tão qualificada e competente quanto Adam quando o assunto era análise de ambientes e cenários de crimes.

Se o homem falava, Simon assinava embaixo.– Simon – interveio John, o químico e físico do grupo –, a média mensal

das temperaturas máximas e mínimas aqui, nessa época, é de 15ºC e -5ºC, respectivamente. Essa variação e o tempo perdido até chegarmos aqui pode-riam ter influenciado, de alguma forma, as observações de outros peritos, ou melhor, os impedido de obter resultados mais precisos. Os equipamentos comuns não podem ir contra as oscilações de temperatura. – Levantou-se e começou a andar de um lado para o outro, os braços cruzados à frente do corpo. Mantinha o olhar em direção ao chão, sempre pensativo. – Mas meus materiais de trabalho não são equipamentos ordinários, são itens e peças criados por mim e por Adam – fez um aceno com a cabeça na direção

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de Adam, que lhe retribuiu com um sinal positivo – e minha técnica é única. Não sei explicar como morreram, mas afirmo que não foi usado nenhum meio físico ou químico conhecido até hoje para causar esse efeito de pressão cerebral. O sangue está limpo. Não há resíduos químicos nas mãos, sob as unhas, ou muito menos no solo em que Adam identificou, onde cada um deles se apoiou ao se sentar e ao se deitar... Não há marcas nos corpos. Não foram estrangulados. Nenhum deles possui indícios que possam concluir que receberam injeções intravenosas ou musculares, ou algum outro tipo qualquer de procedimento. – Voltou-se para o grupo e segurou o pescoço com as duas mãos. – Lembrem-se dos estados dos corpos, somente os crâ-nios, do pescoço para cima foram estourados. Todo o sistema respiratório e digestório do queixo para baixo estavam intactos e não havia resíduos que mostrassem ingestão oral e muito menos aplicação anal. Não há sinais de explosivos ou pólvora, e, mesmo assim, se porventura uma bomba-relógio fora enfiada boca adentro das vítimas, o ângulo do estouro craniano e o jato de sangue seriam outros... O sangue aqui saiu em forma de cone, com sua ponta saindo do pescoço e a base alargando à medida que se distanciava do corpo. – Silenciou-se, uniu as mãos à frente do rosto com os polegares juntos e encostados em seu nariz e fez um movimento vertical para cima como se fosse pular de ponta em uma piscina.

Enquanto subia os braços, ia separando as mãos de forma a desenhar um cone invertido no ar. Parou e permaneceu no meio da barraca ao lado de Susannah. As pernas unidas e os braços levantados em ângulo de 45° afastados das laterais da cabeça.

John Newton. Inglês naturalizado francês. Um metro e setenta. Constituição franzina. Cabelos castanhos, longos, abaixo dos ombros e presos em uma trança, que mantinha sempre por dentro da blusa quando Adam estava por perto. A trança de John já havia sido motivo de muita briga entre ele e Adam. Olhos castanhos, barba longa, desgrenhada e cheia. Químico, físico e sabe-se lá mais o que ele dominava. Se John Newton afir-masse que a Terra era quadrada Simon aceitaria.

– Obrigado, John – disse Simon, e John voltou a se sentar. – Martin, o que você tem para nos acrescentar? – disse dirigindo-se ao velho da equipe, Martin Hippolyte. Psiquiatra.

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Um metro e oitenta de pura constituição sólida, cintura avolumada pelas horas passadas em sua mesa de leitura devorando livro atrás de livro. Braços grossos e um pescoço curto e largo: “um cérebro grande precisa de um pescoço sólido, meu caro Louis...” – Era a brincadeira que fazia sempre que alguém comentava sobre sua grande cabeça.

Sobrancelhas espessas, cabelos grisalhos penteados para trás, rosto muito bem escanhoado. Um típico nobre orgulhoso que primava por sua aparência. Sempre com um terno cortado sob medida e sapatos lustrosos.

Porém, de orgulhoso não tinha nada. Martin Hippolyte era um grande amigo e conselheiro para qualquer um que desejasse um ombro para desabafar.

No começo das atividades da Seção, quando a equipe contava com mais de vinte integrantes, a ideia de um psiquiatra na cena de um crime não era muito bem aceita por alguns: “Sabe o que Hippolyte falou para o cadáver? Você prefere um divã ou um caixão?”. Esta era uma amostra das piadas que circulavam nos corredores da SPAI.

Simon, que sempre observava as ironias e os sarcasmos, se maravilhava com a austeridade do senhor Hippolyte, que nunca, em momento algum, demonstrava aborrecimento. Era uma pessoa muito amigável e analítica, parecia que estava quase o tempo todo analisando o comportamento das pessoas. Sempre reservado em seu espaço e de olho em tudo e em todos, ainda assim demonstrava um certo cuidado com o bem de Simon, que às vezes lhe irritava. Como se o velho tivesse alguma dívida de gratidão para com Louis Simon...

Simon se maravilhava com a inteligência de Susannah, com as dedu-ções de Adam e com o raciocínio de John, mas era com a mente de Martin que se maravilhava mais. Não saberia descrever o que o velho pensava, mas era como se, de alguma forma, Martin Hippolyte conseguisse informações nos momentos que nem a ciência ou a inteligência conseguiam. Ele detinha algumas técnicas próprias que ninguém sabia explicar.

Quase todos consideravam Martin um louco e a grande proteção que ele recebia do secretário L. Nolan não ajudava em nada sua popularidade: “aquele Martin Hippolyte pode ler nossos pensamentos... Um louco de cabeça grande”, diziam em sua ausência os policiais que não gostavam de Martin.

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E ainda, Simon sentia que o conhecia há bastante tempo, mas não sabia explicar o porquê disso, era como se Martin fizesse parte de algo a mais em sua vida...

– Louis – Martin começou –, sem armas de fogo, sem química, sem ferimentos, a não ser o ferimento mortal, claro. Nossos trabalhos nos leva-ram a um dead end. Suicídio em massa está descartado. Não há meios físicos para se realizar um suicídio em massa e, mesmo que assim fosse, preci-sariam de algum objeto físico que não encontramos. Algo que causasse a morte simultânea de todos os doze e que deveria ter sido manipulado pelas próprias vítimas, porque não havia a presença de outras pessoas no local. A margem do lago mantém uma profundidade média de 30 centímetros por mais de 40 metros lago à dentro, por isso o nome Su-ayna, que significa “Espelho de água”. A água é clara como a que bebemos em casa. Os ventos aqui sopram quase sempre do oeste para o leste, no sentido do lago para a margem. – Mexeu-se na cadeira e tirou uma folha do bolso de trás da calça. A folha era semelhante à que Adam apresentou anteriormente. Com a folha em mãos, continuou: – Veja aqui, a média da velocidade dos ventos nas últi-mas 48 horas foi uma média alta... Ventou muito nos últimos dias e ainda venta. Você escutou o lamento dos ventos hoje, não escutou? E... Bem, se tentassem arremessar algo no lago o vento frearia a trajetória do objeto e, ainda, mesmo se o vento não fosse o fator impeditivo ainda teríamos essa margem de quarenta metros para encontrar algo. Seria muito improvável alguma vítima, ou o suposto assassino, arremessar coisas na água... Toda a margem desse lado do lago foi por mim vasculhada e não há nada além de pequenos peixes e pedrinhas com musgos. – Martin mexeu-se nova-mente sobre a cadeira de plástico que parecia não suportar o peso do grande homem. Simon temia que ele viesse ao chão se continuasse se mexendo tanto. – Louis, acredito que algo externo e metafísico potencializou, de certa forma, os batimentos cardíacos desses homens, bombeando muito sangue para o cérebro e causando uma pressão tão intensa que fez seus crâ-nios explodirem como um bujão de gás. – Virou-se para Deneuve e lhe lançou um grande sorriso, atraindo sua atenção. – Você sabe me dizer, Den, as funções das veias em nosso corpo?

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– Senhor Hippolyte, as veias fazem o trabalho contrário das artérias – res-pondeu como uma criança alegre sentada na primeira fila em uma sala de aula.

– Sim, as veias fazem isso. Mas o que seria de fato esse trabalho? Qual a função das artérias e qual o trabalho contrário executado pelas veias? – A velha e boa retórica de Martin, um “Sócrates moderno”, sempre despren-dendo uma atenção sem igual ao se comunicar com Deneuve, o que causava bastante contentamento em Simon. Era de grande satisfação ver a alegria estampada em seu pequeno amigo.

– Bom, as veias levam o sangue de volta para o coração – respondeu Deneuve por fim.

– Excelente, Den, muito obrigado. – Piscou um dos olhos para Deneuve, fez um gesto com os indicadores na direção de Susannah e con-tinuou falando:

– Susy verificou que todas as veias dos pescoços das vítimas sofreram obstruções que impediram o sangue de retornar para o coração e, veja bem, todos os corpos apresentavam certa expansão torácica, como se o peito fosse expandido de dentro para fora.

Susannah se adiantou e completou: – Sim, como se todas as jugulares, ou as “veias do pescoço”, como disse

Martin, fossem obstruídas ou pinçadas de forma a reter todo o sangue na cabeça. – Ela pegou um fino cordão, que pendia do teto da barraca e termi-nava em um nó, e o pinçou com o indicador e o polegar. Ainda pinçando o cordão continuou: – E ainda há um leve deslocamento lateral da coluna, na região do pescoço, de todos os corpos e um abaulamento na seção transver-sal da cervical, como se uma “pequena colher côncava” fosse ali introduzida de forma a reter o sangue que jorrava do cérebro.

Simon apoiou o cotovelo sobre a mesa e se mexeu, inquieto, na cadeira. Ahh, agora a história começa a ficar interessante, pensou.

Ninguém dizia mais nada. Sentiu uma dor no peito enquanto observava o fino cordão pendendo do teto e o nó na ponta. Lembrou-se de cordas, catedrais e badalos: sinos. Uma grande tristeza que não soube explicar pesou em sua alma. Martin o olhava com uma expressão de condolência, como se sentisse os temores de Simon...

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O silêncio perdurou por um bom tempo. Agora todos olhavam para Simon com olhares inquisitivos.

Eram gênios, doutores, cientistas que estavam ali para recriar situações e colher informações, mas sempre cabia a Louis Simon apresentar as con-clusões. Ele montava as peças do quebra-cabeça, os outros apenas lhe entre-gavam as peças. Era ele o oficial no comando e o bom senso era ainda, o melhor aliado da inteligência.

Susannah puxou uma cadeira e se sentou com os braços cruzados em frente ao corpo. Buscando proteção contra o frio, juntou as pernas e fechou os olhos cansados. Os roncos de Patrick lá fora se uniam aos sons dos ventos. Simon pensou ter ouvido uivos de lobos também. As sombras pareciam se mexer diante da luz alaranjada e minguada das lamparinas.

Aquela sensação de melancolia novamente. Preciso de uma conversa pessoal com Martin. Fez uma anotação mental de que marcaria uma sessão de psi-canálise com o velho Martin Hippolyte.

– Uma pequena colher, certo? – levantou-se e foi até a entrada da bar-raca. Conferiu o zíper de fechamento. Tocou a espessa lona e observou os grossos cabos improvisados de energia que contornavam o perímetro da bar-raca. Podia escutar o som do gerador no meio dos uivos distantes, em algum lugar lá fora.

Os cabos alimentavam uma estranha caixa metálica com um inovador sistema de resistência e de geração de calor, no canto da barraca, que mais parecia um monstro com um assustador aparelho vermelho e brasas nos dentes, sempre sorrindo com sua boca desprovida de lábios.

Simon sentiu um arrepio na nuca e pensou ter ouvido sons de metal contra metal. Oh, céus! Às vezes tudo se torna assustador... mas o monstro do sorriso vermelho mantinha a temperatura bem confortável. Simon suspirou e voltou-se para o grupo:

– Susannah, essa pequena colher poderia se assemelhar a uma mão? – levantou a mão, que simulava uma concha, e a girou no ar.

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Susannah abriu os olhos e fez o mesmo gesto com sua mão. Olhou por um instante e respondeu:

– Sim. A forma da mão e a sua largura média seria uma colher ideal para se alojar entre o tronco e a cabeça... Mas isso, claro, se você conseguisse materializar uma mão intangível no pescoço de alguém, Agente Louis Simon – novamente sendo irônica.

A ironia de sua última frase caiu como um peso sobre os ombros de Simon. Era o maior disparate científico e físico que poderia pensar.

Martim mantinha o semblante inalterado. Uma tensão abateu-se den-tro da barraca.

– OK. Imaginemos uma situação fictícia. Doze homens em pé próximos à margem de um lago, atrás desses homens seu assassino ou se seus assassinos se mantinha ou se mantinham afastado ou afastados. Adam está convencido de que ninguém a não ser as autoridades locais, e agora nós, caminhou pela área do crime, portanto o assassino ou os assassinos, se existe ou existirem, estavam afastados... – Adam assentiu com cabeça. – De repente os corações das vítimas começam a bater mais forte, a inflar e a bombear mais sangue para o cérebro, dedos intangíveis surgem e comprimem as veias que retor-nam o sangue do cérebro para o coração. – Imitou o gesto de Susannah com o cordão pendente no ar usando os dedos da mão direita. Balançou o cordão . – O sangue se acumula, extravasa do cérebro e começa a descer pelo pescoço abaixo. Eis que surge uma colher intangível e retém todo o sangue no crânio. – Fez a concha com a mão esquerda. Respirou um pouco e continuou lentamente com a voz baixa, como se tentasse entender alguma charada que acabara de ler:

– A colher, então, abre um espaço para o lado, no pescoço das vítimas, a fim de deixar somente as artérias em funcionamento e conduzir mais e mais sangue para o crânio. A pressão continua a subir e a colher é pressio-nada para baixo por conta da pressão, causando um abaulamento interno nos pescoços das vítimas. – Soltou o cordão, enfiou uma mão no bolso e apoiou a outra na quina da mesa. Continuou o discurso olhando para um ponto qualquer na lona de fechamento à sua frente. – Quando se enche muito um balão de ar ele estoura no momento que a pressão interna vence

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a resistência do material. Vamos extrapolar esse princípio físico – fez um aceno para John e tentou sorrir – e aplicá-lo a um crânio cheio de sangue com grande pressão interna... A dor é insuportável e é necessário sentar--se e depois deitar-se. Em uma posição deitada e confortável, se é que podemos chamar de confortável um crânio entupido de sangue, o crânio continua a inchar e bummm! – Deu um leve tapa na testa com a palma da mão e terminou sua conclusão.

Voltou para seu banco e sentou-se em silêncio. Simon percebeu que os uivos eram reais e agora estavam mais altos.

Todo o grupo ouvia o som dos animais. Susannah comentou que não gos-tava nem um pouco de lobos ou feras noturnas. Adam disse friamente que eram belas criaturas solitárias, nada mais, não tendo o que temer.

Um breve murmurinho começou entre eles, algo sobre os hábitos noturnos dos lobos. A temperatura era suportável e amena por causa do “monstro do sorriso vermelho”, mas Simon sentia um desconforto e um frio mais intenso. Desejava doloridamente os braços quentes de Susannah.

O que está acontecendo comigo? Que sentimentos de vazio e apreensão são esses? Por que esse sentimento de tristeza?

Martin interrompeu a discussão sobre as feras da noite e abafou os uivos com seu vozeirão:

– Isso mesmo, Lui, sua conclusão está certa. Amanhã Adam encontrará a presença de outas pegadas a certa distância do local do incidente... Temos doze vítimas e precisamos, portanto, de pelo menos um par de mãos assas-sinas extras. Em algum lugar lá fora – apontou para a entrada da barraca – encontraremos algum indício do nosso “fantasma da Mongólia”.

Ninguém refutou as palavras de Martim. Gênios, estudiosos, mestres e doutores: será que eles acreditam mesmo nessa

loucura? Essa melancolia será coletiva? Eles também sentem o que estou sen-tindo? John, você está falando sério? Não pode ser. Martin, o que você está fazendo? Será realmente louco? Adam, você poderia ter errado em suas dedu-ções? Susannah, por que não fala nada? Simon se indagava e começou a sentir náuseas e uma forte tontura...

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– Senhor Hippolyte, desculpe-me, mas devo discordar do senhor. – Deneuve, o único que parecia não se impressionar com o absurdo da história , levantou-se, foi à frente de todos e parou ao lado de Susannah. Segurou o cordão na pequena e redonda mão, imitando os últimos gestos de Simon, e disse: – Se temos doze corpos, teremos seis assassinos com duas mãos intan-gíveis cada. Aritmética. – Soltou o cordão e levantou as duas mãos.

Brincou fazendo movimentos que foram projetados em sombras na lona da entrada. Todos caíram na gargalhada. Menos Susannah. Deneuve ali à frente de todos, fazendo brincadeiras com as mãos e sacudindo sua cabeleira selvagem, parecia uma hiena em crise. E por um momento a melancolia no coração de Simon foi dispersa e o mal-estar passou. A alegria de Deneuve não o deixava perder as esperanças.

Os risos ainda duraram alguns bons segundos. Simon deu por termi-nada a reunião e todos se levantaram. O olhar de Susannah cruzou o seu. Não era hora para orgulho. Ela tocou de leve a mão de Simon e indicou seu saco de dormir.

Adam guardava seus papéis e trocava algumas palavras secas com John a respeito de qual seriam as possibilidades de haverem lobos ali onde esta-vam. John afirmava que aquilo não eram lobos, e sim, cães.

Deneuve e Martin ainda ficaram contra a luz fazendo brincadeiras nas sombras. O riso de Deneuve era alegre e sincero. O semblante do velho psi-quiatra era misterioso e nada revelava. De fato, o comentário de Deneuve faria sentido em uma situação real e também normal, mas não com fantas-mas ou outros absurdos quaisquer como mãos intangíveis.

Não estamos atrás de seis assassinos, estamos atrás de nossos próprios demô-nios interiores... Mas por hora é melhor que vocês pensem assim. – refletia Martin enquanto sorria para Deneuve.

Passados alguns minutos, todos já estavam deitados. O peso no coração de Simon era tanto que não o deixava pegar no

sono. Susannah dormia ao seu lado com o corpo virado para a lona e, em alguns momentos, ela acariciava de leve seu próprio ventre, respirava fundo e voltava a se quietar.

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Nenhuma palavra foi dita, nenhum beijo ou carícia foi trocada. Susannah precisava apenas de um cobertor humano para espantar o frio, apenas isso. No fundo, Simon sabia que jamais seriam felizes juntos, mas a dor em seu coração era sempre mais forte quando pensava em um futuro sem Susannah e, mais forte ainda, quando olhava para a aliança na mão direita dela.

Martin dizia que só o tempo curaria o coração de Simon.

A pouca alegria da noite havia se dissipado tão rápido quanto o bater de asas de um beija-flor. Todos estavam dormindo e as coisas começavam a tomar uma proporção mais realista para Simon.

O que relatarei aos meus superiores? Seis “ fantasmas”, veias e artérias? Isso é um absurdo. Tem de haver uma explicação. Alguém matou um policial fran-cês e mais onze pessoas, e esse alguém deve pagar por seus crimes. Com o braço para fora do saco de dormir, e sem saber com que intenção, procurou pela Bíblia de Jules Rouche no bolso interno do sobretudo. Sentiu o couro grosso e as letras douradas em alto-relevo. Retirou-a do bolso e abriu em uma página qualquer, seus olhos se fixaram sobre uma frase grifada e circulada a lápis: “Salmo 91, versículo 5”.

Leu em um murmúrio triste e melancólico: “Não terás medo do terror da noite nem da seta que voa de dia...” E ador-

meceu logo em seguida. A Bíblia caiu-lhe sobre o peito e ali permaneceu.

Na barraca ao lado, Patrick era, pela sétima vez seguida, acordado por um militar enraivecido que não suportava mais seus ruídos.

Bem que minha mãe queria que eu fosse para o seminário. Devia ter escu-tado a velha e não ter deixado meu tio chato dar palpites em minha vida, pen-sou e olhou para seu relógio de pulso: 00h47.

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Não. O tempo aqui é sempre assim, tão lento? E passados alguns segundos caíra novamente no sono, para então o oitavo militar se irritar, se levantar e ir em direção à Patrick enquanto resmungava e pisava forte...

– Não! Me deixe em paz. – Patrick despertava novamente.

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