O Jogo Teatral como Metodologia de Ensino, Aprendizagem e Criação em Teatro (PT1UAB2).pdf

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    O jogo teatral como metodologia de ensino, aprendizagem e criao

    em teatro

    Joana Abreu1

    Sou hoje um caador de achadouros da infncia.Vou meio dementado e enxada s costas

    cavar no meu quintal vestgios dos meninos que fomos.Manoel de Barros

    O jogo teatral: uma opo metodolgica

    O universo da pedagogia do teatro vem, ao longo dos anos, buscando estabelecer,

    definir e aprofundar suas metodologias de ensino e aprendizagem. Da mesma forma,

    investiga as metodologias de criao teatral. O campo das metodologias abrangente e,

    muitas vezes, o educador precisa trilhar caminhos metodolgicos distintos e variados para

    construir sua maneira de educar.

    O trabalho com jogos teatrais uma das metodologias largamente difundidas no

    ensino de teatro no Brasil e no mundo. No nica opo metodolgica nem mais ou

    menos importante que as outras. No entanto, um caminho bastante experimentado e

    discutido em nosso pas desde as dcadas de 70 e 80, quando tivemos o primeiro contato

    mais amplo com as colocaes de Viola Spolin, por meio da traduo de Improvisao

    para o Teatropela Prof. Dra. Ingrid Koudela.

    Desde ento, multiplicam-se experincias com os jogos teatrais em sala de aula.

    Muitos professores utilizam os jogos como recurso em aulas de teatro, mas nem todos o

    fazem com a conscincia da potncia dessa metodologia ou de seu direcionamento mais

    adequado dentro do projeto pedaggico. Essa ausncia de conscincia reduz a eficcia

    da proposta no que diz respeito apropriao dos elementos que compem a linguagem

    teatral e da vivncia da experincia teatral em si.

    A Semana 3 da disciplina de Pedagogia do Teatro 1 prope uma breve

    investigao e compreenso do universo dos jogos teatrais e do jogo de um modo geral.

    O objetivo de tal investigao possibilitar que o aluno, em seu papel de educador em

    1 Joana Abreu atriz, educadora, mestre em Arte Contempornea pela Universidade de Braslia e

    pesquisadora das relaes entre teatro e culturas populares. Na UAB-UnB, professora autora das disciplinasEstgio Supervisionado em Artes Cnicas 1 e Projeto Interdisciplinar de Ensino e Aprendizagem 1.

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    teatro, tenha as informaes necessrias para utilizar essa metodologia em sua trajetria

    de trabalho, sozinha ou combinada com outras, se assim desejar.

    Durante a licenciatura em teatro da UAB-UnB, algumas disciplinas j abordaram a

    temtica dos jogos teatrais, desenvolvendo reflexes sobre seu uso e oferecendo

    sugestes de repertrio de jogos para a sala de aula.Ampliar a conscincia a respeito desse recurso, reduz o risco do uso dos jogos

    teatrais apenas, porque outros o fazem ou fizeram ou ainda para ter algo a fazer ou

    propor com uma turma de alunos. Esse aprofundamento deve tambm instrumentalizar o

    educador para contribuir com a transformao da viso do senso comum de que jogos e

    brincadeiras so para o tempo livre do aluno e atrapalham o processo de educao

    formal.

    Buscando definies de jogo

    Uma aproximao mais abrangente da definio de jogo requer considerar termos

    e conceitos diversos. Destacaremos quatro termos. So eles jogo, brincadeira, brinquedo

    e folguedo. Embora os quatro possam ser usados para definir prticas ou objetos

    distintos, podem tambm nomear um mesmo universo, universo este que se insere no

    mbito da ludicidade. Sobre a natureza ldica do jogo, Johan Huizinga diz que o

    divertimentodo jogo resiste a toda anlise e interpretao lgicas (Huizinga, 1999, 5) e

    essa natureza que abarca tambm o brinquedo, a brincadeira e o folguedo.Podemos brincar de esconde-esconde, no entanto, essa brincadeira tambm um

    jogo, com suas regras e papis definidos. Brincamos de casinha, contudo, brincadeiras

    como casinha, me e filho, escolinha, mdico etc fazem parte daquilo que a epistemologia

    chamou de jogo simblico, ou seja, o espao onde o sujeito brinca de assumir papis

    distintos, como se fosse outro que no . Dizemos tambm que a bola ou o carrinho que

    usamos so brinquedos, todavia, a palavra brinquedo usada, em algumas regies do

    Brasil, para definir a prpria brincadeira, o ato de brincar.

    Acrescenta-se ao que foi dito acima a idia e o uso da palavra brincadeira paradefinir festas ou rituais da cultura popular. Falamos da brincadeira do cavalo-marinho ou

    da brincadeira do bumba-meu-boi. Esse tipo de brincadeira tambm conhecido como

    folguedo e tem estreita relao com as prticas teatrais, como nos leva a pensar o

    teatrlogo e professor da Universidade Federal do Cear Oswald Barroso, que define, da

    seguinte maneira, o fazer do ator brincante e participante dos rituais e festas populares:

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    Mais do que apresentar ou que representar, o termo brincar parece maisadequado para designar o fazer do ator brincante. Na brincadeira, rigorosamente,no se apresenta, no se representa, simplesmente se brinca. Brinca-se nosentido de que os brincantes apenas se divertem, junto com o pblico, quetambm faz parte da brincadeira. E aqui se usa o termo brincar, na acepomesma de brincadeira infantil. Mas de uma brincadeira infantil coletiva (como so

    mesmo a maioria das brincadeiras infantis), na qual os brincantes, a partir de umacordo sobre uma estrutura, vivem uma outra vida, uma vida de faz de conta,improvisando livremente (Barroso, 2004, 84-5).

    Essa interface entre o jogo como elemento inerente ao desenvolvimento do ser

    humano e o universo da tradio popular tambm estar presente em nossos estudos,

    contribuindo para a formao do educador, vamos aprofund-la na Semana 5 da

    disciplina. possvel que essa interface com os folguedos populares seja uma das ricas

    contribuies de nossa cultura para o sistema de jogos teatrais.

    A prpria Ingrid Koudela fala deum processo, ao longo destas dcadas, em que o sistema de jogos teatrais vemsendo experimentado e adaptado realidade cultural brasileira por professores-artistas e pesquisadores em todo o pas, em distintas realidades culturais, abrindodiferentes abordagens deste sistema de ensino e aprendizagem do teatro e de suaaplicao tanto na rea da educao como na da encenao. Esta trajetriaconfigura um entendimento e prtica brasileiros (Koudela, 2010).

    Toda a terminologia mencionada acima ser aqui debatida no sentido de

    acrescentar reflexes idia de jogo e de jogos teatrais, j construda ao longo do curso.

    Um mosaico de referncias tericas, histricas e interdisciplinares

    Atualmente, alguns pesquisadores j publicaram reflexes sobre o uso ou o

    pensamento sobre os jogos teatrais no Brasil. Esse universo inclui reflexes publicadas

    no pas desde os anos 70, que foram, em um momento ou em outro, referncias para os

    educadores da rea do teatro. Alguns dos autores das mencionadas reflexes so

    brasileiros, como a prpria Koudela ou Olga Reverbel, outros so estrangeiros como

    Huizinga, Spolin, Peter Slade ou Richard Courtney. No entanto, todos compuseram o

    mosaico terico que orientou a educao formal e informal em teatro no Brasil.

    Uma vez que pensar o jogo significa pensar o prprio desenvolvimento do ser

    humano, ou seja, pensar a maneira com que cada sujeito constri conhecimento e

    amadurece seus esquemas biolgicos e psicolgicos, ser possvel encontrar diversas

    interfaces entre pensadores das reas de educao, biologia, psicologia e tricos do

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    teatro. No toa que tericos como Courtney dedicam pginas de suas publicaes

    para falar das proposies de Jean Piaget ou de Lev Vygotsky, por exemplo. Para

    entender jogo teatral, os conceitos de smbolo e de jogo simblico ou jogo de faz-de-conta

    proposto por esses dois autores iro contribuir bastante.

    Uma figura significativa nos estudos sobre jogos teatrais, da qual nosso curso jofereceu algumas referncias a norte americana Viola Spolin, autora que elaborou a

    primeira metodologia mais sistematizada de uso dos jogos teatrais. Em nossa Semana 3,

    alm de ler uma pequena amostra de sua produo terica, vocs podero assistir um

    vdeo-entrevista com Spolin.

    Jogo como metodologia de criao

    Uma vez que o processo de formao em teatro indissocivel dos processos decriao e apreciao teatral, vale a pena debater, ainda que brevemente, as recentes

    pesquisas voltadas para o jogo como metodologia de criao do espetculo e at como

    caminho para estabelecer a relao com a platia.

    Considerando que o jogo tem tal estrutura em que no h essa diviso entre

    aqueles que fazem e aqueles que assistem, sua presena na criao e apresentao do

    espetculo talvez ajude a pensar num espectador que se aproxima daquele definido por

    Hans-Georg Gadamer, que diz que

    o ser do espectador determinado pelo seu tomar parte (Dabeisen). Tomar-parte mais que mera co-presena com alguma outra coisa que l estconcomitantemente. Tomar-parte significa participao. Quem tomou parte emalguma coisa tem conhecimento de conjunto sobre como foi realmente. Somentenum sentido derivado que tomar-parte tambm significa uma forma docomportamento subjetivo, ou seja, dedicar-se coisa. Assistir , pois, umagenuna forma de participao (Gadamer, 1997, 206).

    Artistas e grupos teatrais contemporneos como La Fura dels Baus, Teatro da

    Vertigem, Teatro Oficina, Teatro do Concreto e outros enfatizam essa interatividade entre

    quem est em cena e quem est na plateia.

    Com o intuito de pincelar mais essa faceta da metodologia dos jogos para a

    criao do espetculo, debateremos um processo criativo desenvolvido na Universidade

    de Braslia recentemente. Para isso, est disponvel o vdeo sobre a criao do

    espetculo Humus Caos, que vos assitiro em duas partes: a primeira traz a entrevista

    com a diretora e a segunda traz trechos do prprio espetculo.

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    Como se v, complexos e interdisciplinares so os tranados que envolvem o

    pensamento sobre o jogo e o jogo teatral. preciso que tenhamos em mente, entretanto,

    que ampliar a conscincia pedaggica sobre o jogo teatral no pode nos distanciar da

    alegria e da disponibilidade para viver e propor a experincia do jogo, deixando que oldico nos guie, que o corpo reaja e que o prprio jogo ensine a jogar.

    Referncias Bibliogrficas

    BARROSO, O. Incorporao e memria na performance do ator brincante in Teixeira,Joo Gabriel L. C. (org.), Patrimnio imaterial, performance cultural e(re)tradicionalizao.Braslia: ICS UnB, 2004.

    GADAMER, Hans-Georg. Verdade e mtodo traos fundamentais de uma hermenuticafilosfica. Traduo: Flvio Paulo Meurer. Petrpolis: Vozes. 1997.

    HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Traduo: JooPaulo Monteiro. So Paulo: Perspectiva, 1999. 4 edio.

    KOUDELA, Ingrid. Apresentao do Dossi Jogos Teatrais no Brasil: 30 anos in Fnix

    Revista de Histria e Estudos Culturais. Vol.7, ano VII, n 1.