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BRASIL O legado social e humano de Betinho www.acaodacidadania.org.br No site da “Ação da Cida- dania” você encontra diversas informações sobre o legado deixado pelo Betinho em projetos soci- ais como, Brasil sem fome, Natal sem fome, Click fome, Click fome de empre- go, Brasil são outros 500, Inclusão cida- dã, dentre outros. do bem comum, num país tão marcado pela desigualdade social. Esse grande exemplo de vida, começou a ser moldado no início dos anos 60, quando Betinho fazia os cursos de So- ciologia e Política e de Administração Pública, na Faculdade de Ciências Eco- nômicas da Universidade de Minas Ge- rais. Atuando como líder nacional dos grupos de juventude católica, que repre- sentavam, naquele momento, as aspira- ções de transformação social no país. Ele também já era uma presença certa nos movimentos operários brasileiros da época. Com o golpe de 64, atuou na resistência contra a ditadura militar, dirigindo or- ganizações de cunho democrático, po- rém, no início da década de 70, devido a pressões e perseguições do regime autoritarista, foi para o exílio, morando primeiro no Chile, depois no Canadá e também no México. Com o crescimento dos movimentos pela democratização e liberdade de ex- pressão, seu nome tornou-se um dos símbolos da campanha pela anistia. Em 1979 retornou ao país, envolvendo-se instantaneamente e inteiramente, nas lutas sociais e políticas, na busca pela democracia e justiça social. No início dos anos 80, Betinho foi um dos fundadores do ISER (Instituto de Estudos da Religião) e em 1986 da A- BIA (Associação Brasileira Interdisci- plinar de AIDS), uma das primeiras e mais influentes instituições do país, preocupada com a organização da defe- sa dos direitos dos portadores do HIV. Dedicou-se também à coordenação do IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas), onde atuou até os últimos dias de sua vida, de forma bri- lhante, lúcida e consciente da triste e dura realidade brasileira, de perversida- de, exclusão social, controle político e O sociólogo Herbert José de Souza, mais conhecido como Betinho, nasceu em 3 de novembro de 1935, em Minas Gerais. Infelizmente, ele não está mais presente entre nós, porém, o seu inesti- mável legado, deve ser lembrado e co- memorado todos os dias, pois, como ele mesmo sempre dizia “solidariedade, não se agradece, comemora-se”. E esse mineiro, de jeito muito simples e sem- blante sereno, que escondia uma alma nobre, brava e lutadora pelos direitos humanos e sociais, principalmente dos menos favorecidos, fez de sua vida um exemplo máximo de solidariedade, amor ao próximo e trabalho em busca 13 Cidadania “É importante ver, com os dois olhos, os dois lados, para mudar uma úni- ca realidade, a que temos”, frase do sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho. Uma vida de luta contra a “infância desfocada”, da maioria de Divulgação Divulgação ONG “Projetos sociais meu sonho não tem fim”.

O legado social e humano de Betinho

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Matéria da revista “Meu sonho não tem fim” sobre o “grande sonhador” Betinho.

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Page 1: O legado social e humano de Betinho

BRASIL

O legado social e humano de Betinho

www.acaodacidadania.org.br

No site da “Ação da Cida-dania” você encontra diversas informações sobre o legado deixado pelo Betinho em projetos soci-ais como, Brasil sem fome, Natal sem fome, Click fome, Click fome de empre-go, Brasil são outros 500, Inclusão cida-dã, dentre outros.

do bem comum, num país tão marcado pela desigualdade social.

Esse grande exemplo de vida, começou a ser moldado no início dos anos 60, quando Betinho fazia os cursos de So-ciologia e Política e de Administração Pública, na Faculdade de Ciências Eco-nômicas da Universidade de Minas Ge-rais. Atuando como líder nacional dos grupos de juventude católica, que repre-sentavam, naquele momento, as aspira-ções de transformação social no país. Ele também já era uma presença certa nos movimentos operários brasileiros da época.

Com o golpe de 64, atuou na resistência contra a ditadura militar, dirigindo or-ganizações de cunho democrático, po-rém, no início da década de 70, devido a pressões e perseguições do regime autoritarista, foi para o exílio, morando primeiro no Chile, depois no Canadá e também no México.

Com o crescimento dos movimentos pela democratização e liberdade de ex-

pressão, seu nome tornou-se um dos símbolos da campanha pela anistia. Em 1979 retornou ao país, envolvendo-se instantaneamente e inteiramente, nas lutas sociais e políticas, na busca pela democracia e justiça social.

No início dos anos 80, Betinho foi um dos fundadores do ISER (Instituto de Estudos da Religião) e em 1986 da A-BIA (Associação Brasileira Interdisci-plinar de AIDS), uma das primeiras e mais influentes instituições do país, preocupada com a organização da defe-sa dos direitos dos portadores do HIV.

Dedicou-se também à coordenação do IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas), onde atuou até os últimos dias de sua vida, de forma bri-lhante, lúcida e consciente da triste e dura realidade brasileira, de perversida-de, exclusão social, controle político e

O sociólogo Herbert José de Souza, mais conhecido como Betinho, nasceu em 3 de novembro de 1935, em Minas Gerais. Infelizmente, ele não está mais presente entre nós, porém, o seu inesti-mável legado, deve ser lembrado e co-memorado todos os dias, pois, como ele mesmo sempre dizia “solidariedade, não se agradece, comemora-se”. E esse mineiro, de jeito muito simples e sem-blante sereno, que escondia uma alma nobre, brava e lutadora pelos direitos humanos e sociais, principalmente dos menos favorecidos, fez de sua vida um exemplo máximo de solidariedade, amor ao próximo e trabalho em busca

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Cidadania

“É importante ver, com os dois olhos, os dois lados, para mudar uma úni-ca realidade, a que temos”, frase do sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho. Uma vida de luta contra a “infância desfocada”, da maioria de

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um nível insuportável e desumano de concentração de renda.

No entanto, mesmo com tamanha no-breza de espírito, quis a natureza não ser benevolente com Betinho. Hemofíli-

co, contraiu AIDS em uma das inúme-ras transfusões de sangue a que era o-brigado a se submeter. Por essa mesma condição genética, em 1988, num inter-valo de apenas três meses perdeu dois

www.akatu.org.br

O Instituto Akatu é uma organização não governa-mental, sem fins lucrativos, criado para educar e mobilizar a sociedade para o

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A menina dos fósforos

Estava muito frio, a neve caía e já estava começando a escurecer. Era a noite do último dia do ano. Uma pequena menina descalça e sem agasalho andava pelas ruas sozinha, no frio e no escuro. Quando atravessou correndo para fugir dos carros, a menina perdeu os chinelos que tinham sido da mãe e eram grandes demais. Um, ela não achou mais e um garoto levou o outro, dizendo que ia usar como berço quando tivesse um filho.

A menina já estava com os pés roxos de tanto frio. Tinha um pacotinho de fósforos na mão e outro no bolso do avental velho. Naquele dia não tinha conseguido vender nada e estava sem um tostão. Com frio e com fome, ela andava pelas ruas morren-do de medo. A neve caía no cabelo cacheado, mas ela não podia pensar nem no cabelo nem no frio. As casas estavam to-das iluminadas e havia por toda parte um cheirinho gostoso de assado de Ano Novo. Era nisso que ela pensava.

Num cantinho entre duas casas, ela se encolheu toda, mas continuava sentindo muito frio. Voltar para casa, nem pensar: sem dinheiro, sem ter vendido nada, era certo o castigo do pai. Além do mais, a casa deles também era muito fria, sem forro e com o telhado cheio de furos e emendas, por onde o vento entrava assobiando.

Com as mãos geladas, pensou em acender um fósforo. Conseguiu. A chama pequenininha parecia uma vela na concha da mão. A menina se imaginou diante de uma lareira enorme, com o fogo esquentando tudo e ela também. Mas logo a chama apagou e a lareira sumiu. Ela só ficou com um fósforo queimado na mão.

Acendeu outro que, brilhando, fez a parede ficar transparente. Ela viu a casa por dentro: a mesa posta, a toalha branca, a louça linda. O assado, o recheio, as frutas. Não é que o assado, com garfo e faca espetados, pulou do prato e veio até onde ela estava? Mas o fósforo apagou e ela só viu a parede grossa e úmida.

Acendeu mais um fósforo e se viu diante de uma belíssima árvore de Natal. Maior do que uma que tinha visto antes. Velinhas e figuras coloridas enchiam os galhos verdes. A menina esticou o braço e... o fósforo apagou. Mas as velinhas começaram a subir, a subir e ela viu que eram estrelas. Uma virou estrela cadente e riscou o céu.

– Alguém deve ter morrido.

A avó – única pessoa que tinha gostado dela de verdade e que já tinha morrido – sempre dizia: “quando uma estrela cai, é sinal de que uma alma subiu para o céu”.

A menina riscou mais um fósforo e, no meio do clarão, viu a avó tão boa e tão carinhosa, contente como nunca.

– Vovó, me leva embora! Sei que você não vai mais estar aqui quando o fósforo apagar. Você vai desaparecer como a larei-ra, o assado e a árvore de Natal.

E foi acendendo os outros fósforos para que a avó não sumisse. Foi tanta luz que parecia dia. A avó ali, tão bonita, tão boni-ta. Pegou a menina no colo e voou com ela para onde não fazia frio e não havia fome nem dor. Foram para junto de Deus.

De manhãzinha, as pessoas viram no canto entre duas casas uma menina corada e sorrindo. Estava morta. Tinha morrido de frio na última noite do ano. Nas mãos, uma caixa inteira de fósforos queimados.

– Ela tentou se esquentar, coitadinha.

Ninguém podia adivinhar tudo o que ela tinha visto, o brilho, a avó, as alegrias de um novo ano.

* História de Hans Christian Andersen.

“A criança desprotegida que encontramos na rua, não é motivo para revolta ou exasperação e sim um apelo para que traba-lhemos com mais amor pela edificação de um mundo melhor”.

Page 3: O legado social e humano de Betinho

“Em resposta a uma ética da exclusão, estamos todos desafiados a praticar

uma ética da solidariedade”.

Betinho

irmãos: o saudoso cartunista Henfil, aos 43 anos, famoso pelo engajamento polí-tico e também pelo humor inteligente, utilizado na crítica à ditadura militar e o músico Chico Mário, com apenas 39 anos. O que poderia ser encarado por qualquer um como motivo para uma revolta íntima e acomodação na luta pelo movimento social, foi ao contrário, uma força extra para as próximas bata-lhas, em memória de seus irmãos, tam-bém grandes defensores da causa.

No início de julho de 1997, Betinho foi internado, acometido por uma infecção oral. Vinte e seis dias depois pediu para

alguma, o símbolo maior da determina-ção e do trabalho incansável pela cida-dania, pela restauração da verdadeira democracia participativa, pela valoriza-ção da solidariedade e dos direitos hu-manos em nossa sociedade. Ele deixou-nos um legado maravilhoso, desempe-nhando papel fundamental em momen-tos importantes da história recente do país. Momentos como a articulação da “Campanha pela Reforma Agrária”, em 1983; a organização, em 1990, do mo-vimento “Terra e Democracia”; a lide-rança, em 1992, do “Movimento pela Ética na Política”, que culminou com o impeachment do então Presidente da República, Fernando Collor de Mello; a criação da “Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida”, a campanha con-tra a fome, que ganhou as ruas em 1993; a campanha “Natal sem Fome”, que arrecadou, no seu primeiro ano, em 1994, 600 toneladas de alimentos; a “Caminhada pela Paz” do movimento “Reage Rio”, em novembro de 1995; e, em julho de 1997, pouco menos de um mês antes de sua morte, protagonizou o encontro com empresários de todo o país, lançando a campanha de adesões ao “Balanço Social”, uma espécie de balanço financeiro, onde os principais indicadores são os investimentos sociais feitos por empresas. Movimento este que auxiliou na mudança de se pensar nos problemas e desafios sociais de nosso país, junto à comunidade empre-sarial.

Sua figura humana adquiriu notoriedade definitiva como o incansável coordena-dor da “Ação pela Cidadania contra a Fome e a Miséria”, ou a “Campanha do Betinho”, como ficou conhecida popu-larmente. Tão polêmica quanto popular, promoveu a cidadania, o direito ao em-prego e a luta pela terra, etapa final do programa de ação planejado e sem dú-vida alguma, o maior legado público de sua maravilhosa vida.

Ao longo de sua trajetória, além de to-das estas ações, publicou diversos li-vros, artigos e ensaios, sempre com a mesma preocupação, de criticar as es-truturas que tornam a vida difícil e in-

justa para milhões de pessoas.

Deixou-nos muitos ensinamentos, mui-tas vezes resumidos em frases de efeito sobre temas polêmicos como a fome, “a miséria é o maior crime moral que po-de-se cometer”; os direitos civis, “democracia serve para todos ou não serve para nada” e a infância, “quando um país deixa matar crianças, é porque começou seu suicídio como sociedade”.

Todos nós, seus contemporâneos, deve-mos tê-lo como uma grande fonte de inspiração, desejando que sua luz e a chama de seu sonho, continuem acesas no coração de cada um de nós e que acreditemos e lutemos sempre por um mundo melhor e mais justo, principal-mente, para milhões de brasileiros, co-mo cada um de nós, que vivem a mar-gem de nossa injusta e cruel sociedade, pois, como ele mesmo já dizia, “um país não muda pela sua economia, polí-tica e nem mesmo sua ciência; muda sim pela sua cultura”.

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No projeto “Brasil sem fome”, Betinho deixou claro seu inconformismo com um país farto e parte de sua população sem alimento à mesa.

www.rits.org.br

A RITS - Rede de Informações para o Terceiro Setor é uma organização priva-da, autônoma e sem finalidade comerci-al, com a missão de ser uma rede virtual de informações, voltada para o fortaleci-mento das organizações da sociedade

Campanha do projeto “Natal sem fome”. Os sonhos de Betinho continuam mais vivos do que nunca.

voltar para casa, onde morreu aos 61 anos, em 9 de agosto do mesmo ano, vítima da hepatite C. Em 11 de agosto, o corpo do sociólogo foi cremado e a seu pedido, as cinzas foram espalhadas em seu sítio, em Itatiaia.

Betinho é e sempre será, sem dúvida

Divulgação

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