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01 Porto Alegre Ano 1 / Número 1 Março de 2014 Publicação especial sobre Espiritualidade e Patrimônio Marista – Rede Marista RS / DF / Amazônia LEGADO

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PEM 2014

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AS DESORDENS DA REVOLUÇÃO E DO IMPÉRIO

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Porto Alegre Ano 1 / Número 1 Março de 2014Publicação especial sobre Espiritualidade e Patrimônio Marista – Rede Marista RS / DF / Amazônia

LEGADO

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Publicação especial sobre Espiritualidade e Patrimônio MaristaRede Marista RS | DF | Amazônia

LEGADO

Porto Alegre Ano 1 / Número 1 Março de 2014

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REVISTA LEGADO Província Marista do Rio Grande do SulRede Marista RS | DF | Amazônia

Superior Provincial / Presidente: Ir. Inacio EtgesConselho Provincial/ Conselho Administrativo: Ir. Claudiano Tiecher. Ir. Deivis Alexandre Fischer (Vice-Provincial / Vice-Presidente), Ir. Evilázio Borges Teixeira, Ir. Lauri Heck, Ir. Odilmar Fachi, Ir. Sandro André Bobrzyk

Gerente da Coordenação de Vida Consagrada e Laicato: Ir. Deivis Fischer

Equipe de trabalho da Revista Legado: Ir. Claudiano Tiecher; Gustavo Balbinot (Coordenador), Ir. Romídio Siveris e Rosângela Florczak (editora)

Produção: Assessoria de Comunicação CorporativaRevisão: Irmão Salvador DuranteProjeto Gráfico e Diagramação: Design de Maria

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

Conhecer, reconhecer e amar 7

ESTUDOS

A conversão nas relações: o novoGustavo Balbinot 9

Legado comunicacional de Marcelino ChampagnatRosângela Florczak De Oliveira 29

O jeito especial de ser educador Marista Marisa Crivelaro da Silva 55

A educação do coração como uma das contribuições da pedagogia Marista para o contexto atualAnderson Roberto dos Santos

77

Nós da escola: educação ou disciplina e o jeito Marista de serViviane Marie Leal Truda 97

Atividade epistolar de Champagnat e a defesa das crianças e jovensArlindo Corrent 111

Valores da pedagogia Marista: desafios para os dias de hojeZita Judith Bonai Pedot 129

PRODUÇÕES DIVERSAS

Um canto de amor – Marcelino e a espiritualidade inspiradoraJurema Sausen 141

A missão Marista em um hospital universitárioCarmen Ferrari 153

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APRESENTAÇÃO

CONHECER, RECONHECER

E AMARA força de uma identidade se

evidencia nas narrativas que ela é capaz de construir e inspirar ao longo do tempo. São essas memó-rias coadas pela realidade e organi-zadas em forma de fatos históricos, de biografi as, de lembranças, de músicas, de orações e tantas outras manifestações humanas que dão sentido ao que se vive no presente.

Para uma organização confi gu-rada em dois séculos de história e mundialmente expressiva, como o Instituto Marista, o papel da iden-tidade e das narrativas dela ema-nadas é indiscutível. Conforme o sonho de Marcelino, nos expan-dimos pelas dioceses do mundo como sinais de esperança de uma vida justa e fraterna e nos desafi a-mos a permanecer fi éis ao Carisma

e aos apelos fundacionais. Com esse propósito crescemos em terri-tórios e povos atendidos. Mas isso não seria sufi ciente se não inves-tíssemos no fortalecimento, atua-lização e longevidade daquilo que nos diferencia como Instituto: o espírito e a espiritualidade com que vivemos a nossa missão.

O Curso de Extensão em Patrimô-nio Espiritual e Espiritualidade Ma-rista, conhecido em nossa Rede Marista como Curso PEM, é uma dessas importantes iniciativas de fortalecimento identitário. Com mais de nove mil pessoas atuando em nossos empreendimentos no Rio Grande do Sul, em Brasília e no Distrito Marista da Amazô-nia, precisamos, obrigatoriamente, conjugar dois verbos: conhecer e

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reconhecer. Por meio do curso, proporcionamos o aprofundamen-to na formação marista. Quem já conhece e vive a história do Ins-tituto, como os Irmãos e Leigos, têm a oportunidade de reconhecer, reencontrar, reviver e intensificar o conhecimento. Gestores e colabo-radores que se juntaram à missão mais recentemente, têm a oportu-nidade de encontrar e conhecer os elementos profundos da identida-de marista.

A caminho da terceira edição, o curso não se encerra no fim do terceiro módulo. A publicação que você tem em mãos prolonga o compromisso e os resultados dessa iniciativa de formação. Tra-ta-se de uma revista que apresenta as produções dos alunos do PEM. Artigos científicos, pesquisas em-píricas, produções culturais, de-poimentos que revelam o encan-to de quem conhece e reconhece uma história de 200 anos repleta de vida. E como não poderia deixar de ser, é possível perceber pela qualidade do que apresenta-mos aqui, nesta primeira edição da Revista do PEM, que o encanto se

transforma em algo mais profun-do: o amor. Conhecer, reconhecer e amar são bases da atuação de quem trabalha todos os dias para tornar Jesus Cristo conhecido e amado. Boa Leitura a todos e vida longa à Revista do PEM!

Ir. Inacio EtgesProvincial da PMRS e Presidente da Rede Marista RS / DF / Amazônia

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RESUMODe Champagnat, o Instituto Marista recebe um Patrimônio espiritual que tem como

uma das marcas fortes a presença, o espírito de família e o amor cultivado nas

relações. Assim o fez o fundador e assim orientou que vivessem e propagassem.

Esta é a marca do espírito fraterno marista. Faz-se necessário reportar-se a

Champagnat em nossa realidade de vida e relação. Hoje, a quase 200 anos de sua

fundação, o Instituto vive uma realidade de abertura à vocação marista o que reforça

ainda mais a vocação do Irmão Religioso pela sua consagração e testemunho de

vida comunitária, e abre possibilidade de atuação de leigos que se identificam ou

assumem alguma forma mais efetiva de viver o carisma marista de Champagnat.

Gustavo Balbinot1

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ESTUDOS

A CONVERSÃONAS RELAÇÕES:

O NOVO

1. Formado em Filosofia e Teologia, com mestrado em Educação, atua na área da Espiritualidade e Patrimônio Marista pela Província Marista do Rio Grande do Sul/ Rede Marista RS, DF e Amazônia. É integrante da subcomissão interamericana da Rede de Espiritualidade Apostólica Marista. Faz parte da coordenação do Curso de Extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista do Rio Grande do Sul.

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O Instituto dos Irmãos Ma-ristas2 realizou, em 2009, o 21º Capítulo Geral, reunindo repre-sentantes, Irmãos e Leigos, de todas as unidades administrativas presentes nos mais de 80 países dos cinco continentes. Além de partilhas de experiências nos lo-cais de atuação, refletiu-se sobre os novos horizontes nos campos da relação e missão. Ao final do Capítulo Geral, foram aprovados os chamados “três horizontes”, todos eles relacionados às atitu-des de conversão, tanto pessoal quanto institucional.

O segundo horizonte apresen-ta o desejo de uma nova relação entre Irmãos e Leigos3: “A con-versão a uma nova relação entre Irmãos e Leigos, baseada na co-munhão, buscando juntos uma maior vitalidade do carisma para o nosso mundo” (MARISTAS, 2009, p. 3). Esse horizonte apre-senta a comunhão como base da nova relação. É um princípio evangélico, cristão que abre várias possibilidades, mas antes de qual-

quer fato é uma atitude, um pres-suposto para o novo.

A relação é um dado existencial ou existente, o novo é a possibi-lidade de reflexão e atitude que ganha maior sentido existencial e humano. O novo se faz necessário e vital para a continuação tanto da vida como de um carisma institu-cional e este não é algo que acon-teça instantaneamente, mesmo que por uma tomada de atitude.

Os períodos passados de mudan-ças significativas na vida religiosa nos deveriam ter ensinado que todo o processo, em que o velho preci-sa morrer para dar lugar ao novo, exige pelo menos meio século para se efetivar. Qualquer grupo precisa de todo esse tempo para ‘destruir-se’ de modo que seus membros comecem a fazer-se as perguntas certas (SAM-MON, 2009, p. 46).

Uma das reflexões, em forma de parábola, sobre o novo nas re-lações, encontra-se nas palavras de Jesus: “o vinho novo deve ser

2. Instituto fundado por Marcelino Champagnat em 1817, hoje presente em mais de 80 países, tem como missão a evangelização. Atua no campo da educação, mas também tem unidades no campo da saúde ligadas à educação. Os Irmãos são homens consagrados a Deus, que vivem em comunidades e professam os votos de pobreza, castidade e obediência.3. Pessoas identificadas com o Instituto ou através de movimentos ou mesmo por identificação e vivência do carisma institucional.

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A CONVERSÃO NAS RELAÇÕES: O NOVO

4. Cf. Ismar Portilla, Irmão Marista, em pronunciamento no encontro da Rede de Espiritualidade Marista (RED-EAM), 2009, Los Teques, Venezuela.

colocado em barris novos, porque o vinho novo arrebenta os barris velhos e o vinho e os barris se per-dem” (Mc 9, 17). Jesus alude à con-versão dos corações e das mentes de um grupo de pessoas que eram chamadas de fariseus. Eles eram considerados conhecedores e pra-ticantes das leis judaicas. Alguns deles inclusive eram apelidados de justos, o que remetia ao cumpri-mento das 714 leis judaicas4. En-contramos a expressão “homem justo” em Lucas, referindo-se a José, esposo de Maria, pai adotivo de Jesus, que por ser cumpridor das leis, quando soube que Maria estava grávida sem sua participa-ção, para não difamá-la, resolveu deixá-la em segredo (Mt 1, 19). A justiça passava pelo cumprimento das leis. Essa era a razão principal de tantos impasses, discussões e incompreensões por parte dos ju-deus mais ortodoxos em relação às atitudes de Jesus nos dias de sábado, quando era proibido pra-ticar qualquer atividade, inclusive milagres.

Jesus expressa que a sua men-sagem, o vinho novo, deve ser

vivido, habitado, em corações convertidos, corações novos, que valorizam a vida acima das leis, mesmo sabendo que elas são necessárias para o bom con-vívio de uma sociedade ou ins-tituição. Jesus mesmo afi rma: “Não pensem que eu vim para abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento” (Mt 5, 17).

Ainda em relação à conver-são ao novo, em um encontro com Nicodemos, um fariseu re-conhecido e respeitado, ele diz: “se alguém não nasce do alto não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3,30). Nicodemos, ironicamen-te, questiona: “Como é que um homem pode nascer de novo, se já velho? Pode entrar novamente no ventre de sua mãe e nascer?” (Jo 3, 4). O novo nascimento, se-gundo Jesus, é pelo Espírito. E essa é a condição fundamental de vida plena: nascer do Espí-rito, mas é necessário sensibili-dade para tanto. Grün afi rma: “Essa fonte do Espírito fl ui em todo o ser humano. Muitas ve-zes, no entanto, nos encontra-

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mos desconectados dela ou sim-plesmente não a consideramos”. (GRÜN, 2008, p. 81)

O 21º Capítulo Geral traduziu o novo pelo caminho do coração. O Capítulo tinha como lema: “Cora-ções Novos para um mundo novo”. Partindo desse pressuposto, o novo não é uma reposição ou perda do que se tem, mas uma transforma-ção, assim como diz Deus ao seu povo através do profeta Ezequiel: “Dar-vos-ei um novo coração. Tira-rei de vós o coração de pedra e vos darei um coração de carne” (Ez. 36,26). O coração de pedra não é próprio de quem tem constituição humana, aliás, refere-se à negação da vida humana e das suas atitudes. O coração de carne, reposto, recu-perado, traz consigo todas as carac-terísticas, as fortalezas e as fraque-zas relacionadas ao ser humano em seu sentido existencial. No fundo é uma conversão de coração. Poderí-amos então afirmar: o novo nasce do coração.

O referido Capítulo, ao final, em carta aberta aos Irmãos e Lei-gos de Champagnat nos convoca

para ir ao encontro do novo: “Ide para Nova Terra”. O Superior--Geral, Ir Emili reforça:

[...] tanta insistência na novida-de deve significar que não estamos satisfeitos com a realidade atual. Entretanto, dá a impressão de que, uma vez iluminados pelo Espírito e tendo visto claramente que é preciso dirigir-se para novas terras... – o que deixamos por escrito! – volta-mos às nossas ocupações habituais como se nada houvesse acontecido! (TURÚ, 2012, p. 22).

Bonder (2008), refletindo sobre a experiência de Abraão, ao cami-nhar para a terra prometida, cha-ma a atenção que ela não está em um lugar geográfico, mas em todo o lugar. A viagem para a nova terra é uma viagem interior, um movi-mento de conversão pessoal, uma mudança antropológica: “Esta terra prometida não estará em nenhuma latitude e longitude específicas, se-não aqui neste lugar, neste instante, que é santo. Trata-se de uma viagem que não é geográfica, mas antropo-gráfica” (BONDER, 2008, p. 23).

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Fílon (25 a.C) o primeiro pen-sador que realizou um estudo bí-blico, da Torah, à luz da fi losofi a grega, e os Terapeutas de Ale-xandria, aconselhavam à pessoa: “Vá para você mesmo. Eu estou com você” (apud LELUP, BOFF, 2012, p. 62). Ir para si mesmo, olhar para dentro é um desafi o existencial, sempre novo, que acompanha a caminhada huma-na. Partindo dessa categoria, o novo pode ser traduzido como o encontro pessoal, a tomada de consciência e a mudança em rela-ção a si mesmo e em relação ao Outro enquanto pessoas, Deus, natureza, Universo.

Ao discutirmos a expressão “nova relação” talvez nos venha à tona, algo totalmente diferen-te do que se está vivendo, uma novidade, um nunca vivido, algo gerado, criado, possível, e para algumas pessoas inalcançável ou simplesmente não possível, não permitido. Nem sempre o novo é absolutamente novo, ou des-conhecido. Ele pode ser uma retomada ou um reencontro ou, como ousamos chamar, um pro-

cesso de conversão para o que deixamos de viver como essência em algum momento da caminha-da vital ou institucional.

A história está cheia de expe-riências que marcaram e criaram (recriaram) modelos, estereóti-pos, estilos de vidas, políticas, culturas, institucionais ou mesmo foram tendências. O novo não nasce do nada, mas de uma ma-neira ou outra já existe um antes, que poderíamos chamar de dado, preparatório, até mesmo propósi-to quando ele é desejado. Talvez o existente deva ser superado ou totalmente mudado, provocando inclusive um momento de crise. Assim não deixa de ser uma ex-periência propulsora.

Um bom exemplo nos vem da fi losofi a e testemunho de São Francisco de Assis que viveu há mais de 800 anos, e até pouco tempo, fora alguns apaixonados por ele ou que pertenciam a mo-vimentos surgidos de sua espiritu-alidade, o que falou e cantou era considerado algo simplesmente poético ou demente. Hoje temos

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5. Filósofo Norueguês6. Slow Movement – literalmente: “movimento lento”. O movimento defende uma mudança de ritmo nas atividades, nas relações, na vida, cotrário à cultura da rapidez e do consequente stresse, em outras palavras, fazer tudo no seu devido tempo, sem apressar-se. O movimento Slow começou em 1986, por Carlo Petrini, em protesto à abertura de um restarurante McDonald na Piazza di Spagna, em Roma.

a espiritualidade de Francisco como atual: cuidar das criaturas como nossas irmãs porque juntos formamos um todo, e em tudo Deus está presente. Tudo e todos interagem harmonicamente. As-sim foi o desejo de Deus na cria-ção: “E Deus viu que era bom” (cf. Gn 1,25). Pensadores como Leonardo Boff e o próprio Papa Francisco apresentam Francisco de Assis como arquétipo de vida atual.

O sentido de pertença harmo-niosa ao Universo, à Sociedade, a uma comunidade eclesial, a um Instituto, a um grupo de amigos ou de partilha de vida, gera sen-tido à vida da pessoa. Hincler (1995) afirma que a presença sig-nificativa gera um sentimento de plenitude de vida. Chama a aten-ção de que em uma sociedade complexa como a que vivemos, as pessoas precisam sentir a pre-sença do outro. Guttorm Flois-tad5, um dos integrantes do Slow Movement 6 afirma que atualmente “tudo muda” com muita rapidez, mas que é necessário desacele-rar nossas relações, isto é, dar mais tempo para a vida e o que

lhe é essencial, ao que não muda, como, por exemplo, o sentir-se amado e amar.

Grün (2012) chama atenção para viver a espiritualidade a partir da base, de si mesmo, do encontro pessoal com o que chama de pai-xões. É uma forma de conversão, pelo próprio sentido da palavra: voltar-se para, e neste caso, para dentro. Em outras palavras dar valor e tempo à realidade exis-tencial e nela encontrar Deus.

O resgate do humano é a por-ta para possíveis conversões, mudança de atitudes, projetos de vida, e no que diz respeito à nova relação, talvez este resgate seja uma das características do ‘novo’, vivê-las humanamente. Para isso não basta dividirmos a mesma casa, o mesmo escritório, a mesma comunidade, a mesma escola, atuarmos na mesma mis-são, é preciso viver relações de comunhão (fraterna), cultivando atitudes como o diálogo, o re-conhecimento dos dons e inte-ligências pessoais, o apreço pelo outro, a valorização da vocação

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religiosa e laical, o sentido da presença, do espírito de famí-lia e o cultivo das verdades, dos afetos e dos sentimentos. Essa atitude espiritual leva ao bem-estar, ao sentirsi benne (sentir-se bem) na presença de si mesmo e do outro, à superação de confl itos que, em sua maior parte, são projeções do não conhecimento e autoaceitação. O caminho é dinâmico e permanente, não é somente um tempo propício para ter essas atitudes, mas uma ma-neira de viver.

Em relação ao relacionamento fraterno, as Constituições do Ins-tituto Marista (2009), reafi rmam o amor e o carinho que Champagnat teve pelos seus Irmãos:

O padre Champagant fez da comu-nidade dos primeiros Irmãos uma verdadeira família. Partilhou a vida deles em Lavalla e em l’Hermitagge. Dedicou-se totalmente a eles. Dizia--lhes: ‘sabem que vivo só para vocês. Não há nenhum bem verdadeiro que eu não peça a Deus diariamente, para vocês e que eu não esteja dis-posto a conseguir à custa dos maiores sacrifícios’.

Nas cartas circulares dirigidas a eles eram frequentes as manifes-tações de afeto: “Meus queridos e bem-amados, vocês são continua-mente o objeto especial de minha solicitude. Todos os meus anseios e todos os meus votos têm em vis-ta sua felicidade; isso certamente vocês já o sabem” (CHAMPAG-NAT, 1997 p. 151). O biógrafo Jean Baptiste Furet, que conviveu com Champagnat, afi rma: “Pai nenhum teve mais afeto por seus fi lhos que o Pe. Champagnat por seus Irmãos. Seu coração, natural-mente bondoso e cheio de carida-de para com as pessoas em geral, transbordava de carinho pelos membros do seu Instituto” (FU-RET, 1999, p. 400).

Furet recorda algumas expres-sões de Champagnat em suas car-tas aos Irmãos que revelam a aten-ção e o amor que tinha com eles: “Saiba, meu Irmão, que o amo e lhe consagro todo o afeto em Je-sus Cristo” (Champagnat, apud FURET, 1999, p. 400). Quando escrevia aos Irmãos Diretores de escolas: “Digam aos Irmãos que os amo como se fossem meus fi -

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7. Explicar o documento.

lhos” (idem). Quando estava por visitar um a comunidade: “Estou ansioso por vê-los, abraçá-los, e dizer-lhes toda a afeição que lhes dedico em Jesus Cristo” (idem). Champagnat, ao mesmo tempo, orientava que os Irmãos tivessem a mesma atitude: “Bem-amados e caríssimos Irmãos, amemo-nos uns aos outros” (CHAMPAG-NAT, 1997, p. 185). Furet afirma: “O bom Padre amava os Irmãos como filhos e exigia que se amas-sem como irmãos”. A atitude de amar e orientar ao amor são cons-tantes em sua vida e foi matéria central de seu Testamento Espi-ritual: “Amem-se uns aos outros” (FURET, 1999, p. 223). Essa ati-tude de amor e cuidado era marca da novidade, frente ao clima so-cial e clerical da época, e até hoje é inspiração para projetos pessoais e institucionais. Quem convivia com Champagnat, aos poucos, se motivava a ter as mesmas atitudes, o que se tornou aos poucos um traço, um dos valores do Instituto, o chamado espírito de família.

O documento Em torno da Mes-ma Mesa 7 caracteriza a relação

familiar de Champagnat com os primeiros Irmãos como ambiente de aconchego e proximidade. O documento reforça a necessidade de momentos e espaços de parti-lha de vida entre Irmãos e Leigos, e entre si, os quais devem gerar comunhão em toda a vida.

Essa partilha exige tempos em co-mum. As pessoas reúnem-se ao redor da mesa para conversar, rir e estar juntas. É preciso buscar esses momentos e espaços de comunica-ção em profundidade, encontros de qualidade que nos unam no essen-cial. Assim, compreenderemos as diferentes formas de pensar e agir, aceitando os próprios limites e os dos outros em um clima de autêntica fraternidade (INSTITUTO MA-RISTA, 2009, 80).

Alfredo Simonetti, em uma alusão à vida matrimonial, mas que pode perfeitamente ser utili-zada para a reflexão das relações cotidianas, afirma que uma das artes da boa convivência é desa-tar os nós para que eles se tornem laços. Para que isso aconteça é ne-

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8. Nos faz lembrar o que Champagnat nos ensinou: “para bem educar é preciso amar”.

cessário conhecer a dinâmica da formação dos nós ou, em outras palavras, compreender as causas que levaram a vivenciar uma situ-ação desagradável ou um proble-ma. Então eles, os nós, por vezes são inevitáveis, mas podem se tornar pedagógicos, porque ani-mam as pessoas a terem atitudes para desatá-los e possibilitar uma nova relação, um recomeço, um novo laço.

Tanto os nós quanto os laços somente são possíveis pelos dina-mismos da vida em relações com-partilhadas, seja em família, comu-nidade, ou outros grupos sociais. A vida fraterna é sinal iluminador de um valor possível de se viver frente à fragmentação das relações na atualidade. O papa Francisco, na recente Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), refl ete sobre o problema do individua-lismo gerado pela globalização, quando esta deveria ser um cami-nho para a corresponsabilidade e fraternidade universal. “O indivi-dualismo pós-moderno e globa-lizado favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e

a estabilidade dos vínculos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares” (EG, 67).

Para tratar da relação frater-na como testemunho e primeiro anúncio do Evangelho de Cristo, Leonardo Boff (1997) apresenta a Regra de Francisco de Assis. Algo que, como ele diz, mesmo sendo interna aos Franciscanos, ainda não foi compreendida em sua to-talidade, e continua sendo um de-safi o na vida dos cristãos.

Na Regra, quando cita como os irmãos devem ir à missão junto aos infi éis e sarracenos, ele diz, de forma extraordinária, algo que a Igreja até hoje não conseguiu assi-milar. Ele diz: ‘Quando vocês fo-rem ao meio deles, vivam o Evan-gelho da fraternidade. E sirvam a eles como irmãos e irmãs. Depois, se vocês julgarem que agrada a Deus, anunciem Jesus Cristo e o Evangelho’.8Vejam, para convi-ver, servir e tornar-se irmãos, de-mora muito tempo. São gerações e gerações. Vocês não chegam lá im-pondo a Cruz e o Evangelho. Vo-cês chegam com o evangelho mais

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universal que existe: o evangelho da fraternidade (BOFF e LE-LUP, 2012).

A partir dos ensinamentos e da Regra de Francisco de Assis, o au-tor apresenta um exemplo vivido pelos missionários franciscanos:

Foi com esse evangelho que os mis-sionários franciscanos chegaram ao Japão. Os japoneses matavam os leprosos, e os franciscanos abriam hospitais para evitar que os lepro-sos fossem mortos. Conviviam com eles, pegavam lepra e morriam jun-tos. Os japoneses ficavam perplexos e diziam: “De onde vem sua força? Quem faz vocês terem esta atitu-de?”. Os franciscanos respondiam: “O leproso é nosso irmão, por isso, o tratamos”. Depois de duas gerações disseram: “O leproso é nosso irmão, porque temos um grande irmão que é Jesus Cristo”. E passaram a anun-ciar o grande irmão Jesus Cristo. Isso é revolucionário até hoje (idem).

Boff convida a refletir sobre o valor evangélico da vida frater-

na, como o fez Jesus com seus discípulos quando os convidou a estar com eles (cf. Mc 3,13). É interessante perceber que essa não é uma atitude extraor-dinária, mas é uma questão de opção, de escolha, de afeto, de amor. Champagnat viveu pró-ximo, presente em sua comuni-dade e quando sua sensibilidade o levava a visitar os Irmãos que viviam em lugarejos de missão, ou visitar Irmãos doentes ele o fazia com amor, sem medir es-forços (FURET, 1999).

Toda novidade requer mudan-ça de atitude. Bonder (2008) usa um exemplo significativo quan-do se refere à mudança de atitu-des e acolhimentos ao novo, ou àquilo que não é sentido na roti-na do dia a dia. Ele reflete a par-tir da atitude de “tirar o sapato”, em outras palavras, libertar-se do que impede o contato com a realidade tanto externa quan-to interna. O texto iluminador é o episódio da Sarça Ardente (cf. Ex 3, 2-6), onde Moisés, após ter fugido do Egito, encontra-se no deserto pastoreando o rebanho

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de seu sogro Jetro. Enquanto executa essa atividade, ele tem uma visão de uma ‘sarça’ arden-te, um pequeno arbusto que es-tava queimando e não se consu-mia. Então se aproxima do fato misterioso e ouve a voz de Deus que lhe pede para descalçar as sandálias, em atitude de respeito ao chão que é sagrado.

Milênios depois, explicava o Rabino de Apta em sua obra Oeiv Israel:O que é retirar o sapato? O sapato representa o que está amoldando o nosso pé, é a forma que acompanha nosso feitio, nossos calos. Deus diz ao ser humano como disse a Moisés:– Descalça teus sapatos, retira de ti o habitual que te envolve e reconhe-cerás que o lugar onde estás neste momento é sagrado. Porque não há lugar ou momento que não seja sa-grado (BONDER, 2008, p. 21).

A primeira atitude sugerida é o reconhecimento do lugar e do tempo como sagrados. Esse lu-gar é o lócus onde nos encontra-mos, em qualquer lugar e estado

de vida física, espiritual e afetiva. No mesmo sentido, quando trata do tempo: em todos os tempos, tanto cronológico, como funcio-nal ou afetivo-espiritual, ou como é também chamado, o tempo do coração. O lugar é também a re-lação consigo mesmo e com o outro. Assim entende-se a atitude de ‘descalçar’, como algo impres-cindível para aguçar os sentidos. Como sugere o autor, atitudes simples, como a mudanças de há-bitos, podem ajudar neste exercí-cio e conscientização.

Habituamo-nos a determinados padrões e condutas que se tornam nosso sapato. E é com ele que caminhamos toda a vida. [...] o sapato representa a proteção in-dispensável entre o ser e seu meio. O chão, no entanto, é o pavimento da vida e ele não se ajusta à nos-sa pisada. De tempos em tempos, temos que retirar o sapato e tocar o solo com a planta do pé. En-contramos, então, uma superfície irregular e desconfortável que pode até nos ferir. Mas esta será uma experiência singela de libertação e expansão. Sentir o chão é reencon-

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9. Literalmente, “pequenas flores”, no sentido de atenção, mimos, pequenos gestos, sensíveis. 10. No livro do Gênesis 18 e 19, há o relato da hospitalidade de Abraão quando ele acolhe em sua casa três homens, que após foram considerados anjos. Os três supostamente peregrinos anunciam que no ano seguinte irão retornar, e no seu retorno Sara e Abraão terão um filho. Sara ri por ser de idade avançada. Após alguns dias Sara percebe estar grávida. Após dar à luz recebem novamente a visita dos três peregrinos.

trar a vida (idem).Trazendo o exemplo para a re-

lação de Irmãos e Leigos, o sair do habitual desperta para perce-ber certa nuanças da vida, imper-ceptíveis quando se vive somente de rotinas. Como o novo na vida de um casal nem sempre é fazer algo extraordinário, mas pode se traduzir em atitudes como o ofe-recimento de uma flor, um peque-no mimo, um abraço afetuoso, o novo na relação de quem segue os passos de Champagnat pode ser cultivado com pequenas atitudes de carinho e atenção, assim como ele o fez. Encontra-se também nas pequenas histórias chamadas de fioretti 9 manifestações de afeto e cuidado que ele tinha com seus Irmãos, ora aos mais fragilizados, ora para chamar atenção, ora para fazer um pequeno mimo ou até justificar e perdoar algum castigo que havia sido proferido por algum superior. Todas essas histórias, re-latadas pelos primeiros Irmãos ma-nifestam o quando Champagnat conhecia e tratava os seus próxi-mos com compaixão e com amor.

Tantas são as atitudes possí-

veis para estreitar e tornar signi-ficativa e nova a relação Irmãos e Leigos e entre si, que não en-volvem maiores programações. Mas todas elas devem partir do coração pela intencionalidade do encontro e da valorização das pessoas que partilham o mesmo carisma. Daí podem surgir tantas iniciativas que auxiliam e mani-festam o espírito fraterno.

O que pensar, então, em rela-ção ao novo na relação Irmãos e Leigos? O novo seria a atu-ação partilhada na missão: os lugares e os espaços que deve mser ocupados? É construirmos ‘tendas’ físicas de vida compar-tilhada ou tendas afetivas e es-pirituais? O lócus é a estrutura (estruturas-missão, estruturas-empreendimentos, estruturas-residências, estruturas-casas de encontros e outras tantas) ou é primeiramente o coração? Bon-der, trazendo presente a experi-ência da hospitalidade de Abraão acolhendo os peregrinos10 em sua tenda, descreve que o pa-gamento pela hospedagem era efetuado em ‘moeda espiritual’.

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11. Tradução livre.

A fi nalidade era que o peregri-no ao sair da mesa reconhecesse que a alimentação era fruto da providência divina. A tenda de Abraão não é um espaço fecha-do em si, mas aberto, em que, além da hospitalidade e a pos-sibilidade de entrar nela, quem faz uso dela se sente responsá-vel pela sua essência e existência. Bonder afi rma ser a abertura a possibilidade para a realização da comunhão e a inclusão.

Durante o asilo, o peregrino des-cobre que recebe a abundância da vida. Entende que as tendas fe-chadas, as propriedades e as iden-tidades cumprem uma função, mas não são a essência da vida. E esta se manifesta no banquete aberto a todos. A vida, portanto, não se de-fi ne na epiderme que dá contorno e fronteira a um indivíduo, mas tam-bém na porosidade que lhe permite a troca e a inclusão (BONDER, 2008, p. 126).

A tenda sem fronteiras traz presente experiências de acolhi-das, remetendo à aceitação do

outro, enquanto diferente. É pos-sibilidade concreta de amar e ser amado. St. Arnoud (1973), tra-tando do tema da vida comuni-tária, na perspectiva psicológica, aborda a necessidade fundamen-tal de amar e ser amado. Na pers-pectiva de ser uma necessidade e ao mesmo tempo potencialidade pessoal, o autor emprega o ter-mo ‘atualização da capacidade’ de amar e ser amado, e apresenta a comunidade de vida como lócus para atualizar essa capacidade.

Entendo a comunidade de vida, a relação sistemática que se estabelece entre pessoas que buscam conjunta-mente a maneira de aumentar sua capacidade de amar e ser amadas. O fundamento psicológico da comu-nidade de vida é a necessidade de amor presente em cada membro da comunidade. [...] A comunidade de vida existe, realmente, quan-do cada um dos seus membros se sente acolhido nela como em sua própria em casa. [...] o objetivo de cada um será aprender a amar os outros membros de sua comunidade e deixar-se amar por eles (St.AR-NOUD, 1973, p. 35)11.

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Não se trata aqui de estrutu-ra física, ao mesmo tempo não é somente um grupo de amigos, porque, se assim fosse, o desafio de amar e ser amado seria limita-do pela própria facilidade de estar bem com eles, mas um grupo ou comunidade de pessoas que par-tilha a vida sistematicamente. A importância de viver com o dife-rente e identificar e solucionar os conflitos que possam surgir, de-senvolve a capacidade de amar e ser amado. O autor ainda apresen-ta duas comunidades ou instân-cias comunitárias: a comunidade de trabalho, ou profissional, e a comunidade de fé, alertando que muitas comunidades eclesiais, in-clusive religiosas, investiram suas energias na atividade de trabalho para responder a uma necessida-de social. Esta opção, segundo o autor, pode levar a uma perda da capacidade de amar e ser amado e da falta de sentido existencial.

Para iluminar a comunidade de vida, de trabalho e de fé, pode-mos nos reportar ao exemplo de Champagnat e dos primeiros Ir-mãos. Várias são as manifestações

do amor que Champagnat tinha com seus Irmãos, como também o amor ao trabalho e o espíri-to de fé manifestado através das orações e celebrações diárias, e no exercício da presença de Deus (FURET, 1999).

Na relação Irmãos e leigos, o novo permite o reconhecimento da existência do outro. A valoriza-ção da vocação laical e religiosa é a valorização e reconhecimento do chamado que Deus faz a cada um que se encantou com o carisma. Carisma este que foi sendo cons-truído pela experiência mística e horizontal de fé, de Champagnat, dos Primeiros Irmãos, das comu-nidades religiosas, e do testemu-nho de tantos Irmãos e Leigos. A partir disso, novas experiências surgiram e surgirão e são moti-vadoras do surgimento de outras experiências como comunidades mistas Irmãos, leigos e leigas, de vida partilhada, Fraternidades do Movimento Champagnat da Fa-mília Marista, Grupos de Jovens Maristas, Grupos de Vida, Grupos de reflexão Marista, Grupos de Estudos Maristas, Grupos de Vo-

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luntários Maristas, Comunidades Vocacionais mistas em lugares de inserção, comunidades internacio-nais mistas, e tantas outras que o Espírito, como protagonista, fará surgir por meio de pessoas e gru-pos que se deixarem inspirar por Ele. A atitude do amor faz aconte-cer o novo!

Jesus afi rma nos deixar “um mandamento novo”, e este “novo” é o amor, o sempre novo: “amem--se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15, 12). A partir deste novo mandamento, Cham-pagnat afi rma em seu Testamento Espiritual: “amai-vos uns aos ou-tros assim como Jesus vos amou”. A partir do mandamento do amor, com o novo é possível compreen-der e projetar o novo tempo maris-ta, a nova relação, como o tempo do coração. É no profundo do ser que é possível encontrar respos-tas de como viver a boa-nova do Evangelho na atualidade. O cora-ção é a porta para abrir os olhos, ou infelizmente fechá-los, diante dos desafi os da vida partilhada e da missão que se apresenta. É a partir do coração que é possível

amar e entregar a vida por quem se ama (cf. Jo 15,13), e entender que a existência do outro é a nossa alegria (ALVES, 1997).

Dalla Rosa (2012), em referên-cia ao fi lósofo Levinás, aborda o mandamento do amor na perspec-tiva ética, do cuidado e responsabi-lidade pelo outro, da compreensão da alteridade como fundamental na formação humana. Nesse sen-tido, o amor é traduzido como movimento, travessia irreversível em direção ao outro e na atitude de serviço a ele, a quem o autor chama de ‘sujeito ético’.

O mandamento do amor está pre-nhe de um horizonte ético gerador de libertação (humanização). Esse é o signifi cado ético irradiado na pro-messa da ‘terra prometida’. E o en-contro com o outro será sempre ‘terra prometida’, como Infi nito que vem a mim no desejo de constante abertu-ra. [...] No rosto do outro abre-se o encontro com o Infi nito. Vestígio de Deus que se manifesta como desejo ao êxodo. Ou, dito de outra forma, Palavra de Deus que se diz no ros-to do próximo (DALLA ROSA,

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2012, p. 94).Essa atitude de amor servi-

ço ao outro é transcendência. O autor referindo apresenta o amor como cultura a ser cons-truída e afirma que o desejo de transcendência decorre de uma atitude de liberdade pessoal e se torna um evento incontorná-vel de humanização. “Trata-se, portanto, da sabedoria que me interpela e me convoca para sig-nificar a minha vida no horizon-te do amor: ‘Ama o teu próximo como a ti mesmo’ (Lv 19, 18b)” (idem, p. 135).

Bonder (2008) alude à saga de Abraão, pelo chamado de Deus a ir à terra prometida: Lech Lechá (vá para você mesmo), como o desafio existencial. Esse cami-nho, porém, não acontece so-mente em nível pessoal (do su-jeito individual), mas é também processo de alteridade. Assim o amor como condição de co-munhão, necessariamente passa pelo outro, no reconhecimento de identidades não só como pre-senças, mas como condição de realização humana, inclusive na

dimensão espiritual.Se quiser ir para si, um ser huma-no terá que passar pelo outro. Sua identidade não é apenas uma ques-tão pessoal, mas se consolida na con-dição do outro e também no olhar do outro. Sua identidade também não pode se estabelecer em contraposição ao outro, mas se produz na difícil ta-refa de acolher o outro. [...] olhar a si no outro permite compreender que a fonte de toda a bondade e benesse não é um sujeito, mas uma condição (BONDER, 2008, p. 228-229).

Referindo-se a Champangat, Irmão Francisco, um dos perso-nagens que viveu com ele, lembra o amor serviço e transcenden-te que ele teve em suas relações com os primeiros Irmãos, com quem conviveu.

[...] acima de tudo ele era bom, era compassivo, era para nós como um pai! Ao fundar a Congregação quis organizá-la como família, onde o superior fosse um pai e os Irmãos idosos velassem sobre os jovens e os protegessem. Formemos, pois, essa família, sejamos os seus filhos. Te-

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12. (FRANÇOIS, FMS Frère. Documento 505.8. Archives Frères Maristes: Roma)

nhamos amor, respeito e serviço mú-tuo. Deixemo-nos penetrar de seus sentimentos. Façamo-lo reviver no meio de nós.12

A conversão das relações, do novo, passa por atitudes que mo-vem comportamentos: olhares acolhedores, relações mais sen-síveis, empáticas, e por vezes de compaixão (compartilhar o cora-ção), viver com sentimentos de gratidão às pessoas que amamos e àquelas que nos ajudam a ser-mos mais humanos, cultivar o acolhimento, a alegria de não es-tarmos vivendo somente ao lado de alguém, mas com-vivermos e com-partilharmos com e nas pes-soas a vida e a missão.

Como está escrito na carta do 21º Capítulo Geral do Instituto dos Irmãos Maristas: “Deus tem um sonho para cada um de nós, para a humanidade e para o nos-so Instituto. Ao escutar os nos-sos corações, descobrimos o seu amor, sua misericórdia e ternura como um Deus Pai e Mãe [...]” (INSTITUTO MARISTA, 2009).

Os sonhos, os desejos nascem do coração. Se o Espírito nos convi-dou e conduziu para viver juntos e partilhar vida e missão, Irmãos e Leigos, em nossas identidades e diferenças, este carisma tão espe-cial, então o lugar é o coração, é o lócus da presença de Deus na vida da gente e na vida de quem evan-gelizamos. Mesmo que, como afi rma Francisco de Assis, e Ir. Seon, a vida fraterna leva gera-ções para acontecer, esse (hoje) é o tempo e o espaço, a terra sagra-da, a oportunidade e o sonho de Deus sonhar e para viver o novo, a nova relação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De Champagnat, o Instituto Marista recebe um Patrimônio espiritual que tem como uma das marcas fortes a presença, o espí-rito de família e o amor cultivado nas relações. Assim o fez o funda-dor e assim orientou que vivessem e propagassem. Esta é a marca do espírito fraterno marista. Faz-se necessário reportar-se a Cham-pagnat em nossa realidade de vida e relação. Hoje, há quase 200 anos

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de sua fundação, o Instituto vive uma realidade de abertura à vo-cação marista o que reforça ainda mais a vocação do Irmão Religio-so pela sua consagração e teste-munho de vida comunitária, e abre possibilidade de atuação de leigos que se identificam ou assumem al-guma forma mais efetiva de viver o carisma marista de Champagnat.

O desafio do novo na relação, mais que a novidade dos Leigos atuando nas estruturas de missão ou fazendo parte de algum movi-mento, reporta a uma questão de atitude existencial. Champagnat, em todas as circunstâncias, mos-trou-se próximo e atencioso. O ca-minho que sentimos ser necessário cultivar é o da presença e reconhe-cimento afetivo desta relação. A co-munhão requer amor, sem ele não há verdadeira comunhão, ela não existe, é ilusão. O amor expresso em atitudes de inclusão, em amiza-des e fraternidades, em manifesta-ções de afetos e reconhecimentos alimenta a verdadeira comunhão e o novo que Cristo nos deixou como mandamento e Champagnat como legado.

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Pai Nosso: Me-ditações. São Paulo: Paulus, 1997.

BÍBLIA SAGRADA. Edição Pas-toral. São Paulo: Paulus, 1990.

CHAMPAGNAT, Marcelino. Cartas. São Paulo: SIMAR, 1997.

BOFF e LELUP. Terapeutas do Deserto: de Fílon de Ale-xandria e Francisco de Assis a Graf Dürckheim. Petrópolis: Vozes, 2012.

FURET, Jean-Baptiste. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat. São Paulo: Loyola; SIMAR, 1999.

BONDER, Nilton. Tirando os sapatos: O Caminho de Abraão, um caminho para o outro. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

GRÜN, Anselm. O céu começa em você: a sabedoria dos padres do deserto para hoje. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

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_____. Fontes da Força Inte-rior: Evitar o esgotamento, apro-veitar as energias positivas. Petró-polis: Vozes, 2008.

HYCNER, Richard. De Pessoa a Pessoa: Psicoterapia Dialógi-ca. São Paulo: Summus, 1995.

INSTITUTO MARISTA. Consti-tuições e Estatutos. Roma, 2011

_____. Com Maria, ide depres-sa para uma nova terra! Carta do XXI Capítulo Geral aos Ir-mãos, leigos, leigas e jovens mar-sitas. Roma: 2009.

_____. Em torno da mesma Mesa: a vocação dos leigos maris-tas de Champagnat. Roma: 2009.

SAMMON, Seán Ir. Em seus braços ou em seu coração: Ma-ria, nossa Boa Mãe - Maria, nossa Fonte de Renovação. Roma: Ins-tituto dos Irmãos Maristas, 2009

SIMONETTI, Alfredo. O Nó e oLaço:desafiosdeumrelacio-namento amoroso. São Paulo: Integrare Editora, 2009.

ST-ARNAUD, Yves. Ensayo so-bre los fundamentos psicológi-cos de la comunidad. Sociedad de Educacion Atenas, 1973.

TURÚ, Emili Ir. Deu-nos o nome de Maria. Roma: Instituto dos Irmãos Maristas, 2002.

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13. Doutoranda e Mestre em Comunicação pela PUCRS, atua como Gerente de Comunicação Corporativa na Rede Marista RS, DF e Amazônia e como professora de disciplinas de Comunicação Corporativa em Cursos de Jornalismo. E-mail: rofl [email protected].

RESUMOInvestigar as competências e estratégias comunicacionais de Marcelino Champagnat,

fundador do Instituto dos Irmãos Maristas, a partir de suas habilidades e qualidades

humanas é o objetivo deste trabalho. Diversas inferências emergem dos registros feitos

pelo biógrafo ofi cial de Marcelino, Jean-Batiste Furet. A partir delas é possível ir além da

história de fé, coragem e esperança desse grande líder que revolucionou a educação

católica de sua época e empreendeu um sonho que até hoje, 200 anos depois da

fundação, é relevante para diferentes sociedades nos cinco continentes. Mais do que

um exercício de caráter científi co, buscamos, aqui, contribuir com elementos que

podem ser considerados como um legado do fundador do Instituto para os atuais

gestores e lideranças que atuam na Instituição ou até mesmo fora dela.

Rosângela Florczak De Oliveira13

DE MARCELINOCHAMPAGNAT

LEGADOCOMUNICACIONAL

ESTUDOS

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14. Conforme Fleury e Fleury (2001), a competência não se limita a um estoque de conhecimentos teóricos e empíricos detido pelo indivíduo, nem se encontra encapsulada na tarefa. Segundo Zarifian (1999), a competência é a inteligência prática para situações que se apoiam sobre os conhecimentos adquiridos e os transformam com tanto mais força, quanto mais aumenta a complexidade das situações. 15. Forma de agir para atingir os objetivos principais de um projeto.

DOIS SÉCULOS DE INSPIRAÇÃO

Em 200 anos de história do Ins-tituto Marista no mundo, muito se tem afirmado acerca do perfil de seu fundador, o Padre Marcelino Champagnat, para além das carate-rísticas comuns a todos os homens de fé que empreenderam obras re-levantes para responder às necessi-dades da Igreja Católica. Diversas dessas características estudadas com maior ou menor aprofun-damento são universais e podem inspirar pessoas e organizações de diferentes naturezas e tipologias.

Com o intuito de contribuir com o desenvolvimento das lideranças internas do Instituto, assim como apresentar ao mundo das organiza-ções uma referência possível de lí-der, julgamos oportuno aprofundar os estudos sobre um conjunto espe-cífico de características de Marcelino ainda pouco exploradas: as compe-tências14 e estratégias15 comunicacio-nais. Pretendemos aqui aprofundá--las como dimensões relevantes do seu perfil de liderança, a partir de pesquisa bibliográfica exploratória.

Ao concluir o artigo no qual in-vestiga a inteligência social e emo-cional de Marcelino Champagnat, Consigli (2009) afirma: “Temos visto que Marcelino era realmen-te talentoso no seu relaciona-mento humano. [...] Era eficiente comunicador”. Ao fazer um pas-seio pela trajetória do fundador do Instituto Marista, queremos compreender que lugar tiveram as interações e os diálogos, ou seja, qual a importância das trocas co-municacionais na consolidação do seu grande projeto: a criação de um Instituto de religiosos consa-grados, dedicados à educação, na fé e nas ciências, de crianças e jo-vens camponeses, especialmente os mais pobres.

Para termos clareza dos desa-fios enfrentados por Marcelino, precisamos relembrar, de forma resumida, a sua trajetória. Jovem camponês, de limitadas condições financeiras, educação inacessível, vivendo em um período de con-vulsão social, econômica e religio-sa, contou com a sólida estrutu-ra familiar como fundamento de seus valores pessoais. Enquanto a

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Revolução Francesa e o período Pós-Revolucionário tornavam os espaços públicos violentos e pe-rigosos, a proteção de Marcelino era a família. Dentro de sua casa proliferaram os exemplos inspira-dores, como o da liderança políti-ca justa e fi rme de seu pai e a con-vicção religiosa de sua mãe e de sua tia, em um ambiente harmô-nico no qual a rigidez das regras sociais, a sobriedade e a vivência dogmática da fé eram carregadas de afeto e proteção.

[...] Nasceu em Marlhes, paróquia situada nas montanhas de Pilá, no cantão de Saint-Genest-Malifaux, departamento do Loire. [...]. Nas-ceu no dia 20 de maio de 1789 e recebeu o nome de José Bento Marce-lino. O pai chamava-se João Batista Champagnat; a mãe Maria Chirat. [...] fê-lo nascer num ambiente hu-milde, numa região pobre e no meio de uma população profundamente religiosa, mas rude e sem instrução. Seu pai era um homem sensato e instruído [...] conquistou a estima de todos os habitantes da paróquia. Servia-lhes de árbitro nas eventuais desavenças. [...] A mãe, de caráter

fi rme, dirigia a casa com sábio es-pírito de economia e ordem perfeita. [...] A tantas qualidades excelentes, esta mãe modelar associava profun-da devoção à Santíssima Virgem. [...] A piedosa mãe foi maravilho-samente auxiliada nesta missão por uma tia do menino [...] Era uma religiosa que, como tantas outras, fora expulsa do convento, pelos ho-mens que, naquele tempo, inunda-vam a França de sangue e ruínas (FURET, 1999, pp. 1-4).

Ao ser chamado para a vocação sacerdotal, Marcelino começou a enfrentar desafi os que se multipli-cariam ao longo de sua vida. A de-fasagem da educação formal, que tornou difíceis os tempos de semi-nário; a disciplina necessária para desenvolver-se em todas as di-mensões; a perseverança de levar adiante um projeto improvável; a fé, a coragem e a autoconfi an-ça para desafi ar o poder clerical e assumir uma nova forma de evan-gelizar; empreender e abrigar um Instituto de religiosos dedicados à educação em um tempo de des-crença e com a absoluta falta de

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recursos, foram alguns dos muitos enfrentamentos que marcaram a vida de Marcelino.

Marcelino Champagnat, hoje um santo da Igreja Católica, en-controu na comunicação um re-curso eficaz. Quais as caracterís-ticas que prevaleciam no seu jeito de comunicar? Quais os princí-pios dessa comunicação? Quais as plataformas que marcaram o seu tempo e das quais fez uso? E por fim, qual o legado deixado para as lideranças maristas?

Para encontrar os registros que podem nos levar às respostas das questões investigadas, con-tamos como fonte principal de pesquisa, a obra de Jean-Baptiste Furet, biógrafo oficial de Marce-lino, autor de Vida de Marcelino José Bento Champagnat. As Cartas ativas e passivas e as pesquisas já desenvolvidas acerca do patrimô-nio espiritual do Instituto Marista foram amplamente consultadas. Para contexto histórico e teórico, a pesquisa valeu-se de inúmeros autores de áreas de saber das Ci-ências Sociais, Humanas e, pelo

foco comunicacional, também foram buscados pensadores das Ciências da Comunicação, espe-cialmente da área da Comunica-ção Organizacional.

CONTEXTOS

O contexto social, político e religioso no qual Marcelino vi-veu e desenvolveu seu projeto de vida definiu boa parte de suas ati-tudes e configurou seu modo de liderar. Forjado em um ambiente de conflitos de toda a ordem, ele precisou, acima de tudo, desen-volver a competência de articular interesses e negociar com forças e poderes diversos para ver o seu sonho prosperar.

A importância histórica do tem-po vivido pelo fundador do Insti-tuto Marista é indiscutível. Tiecher (2012) relembra que a Revolução Francesa é considerada um marco do fim da Idade Moderna. Assinala o início da Idade Contemporânea. Distante do foco da convulsão so-cial vivida antes e durante a Revo-lução, Marcelino era fortemente tocado por um dos temas centrais

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16. Em 23 de julho de 1816 acontece a Promessa de Fourvière, considerada o marco da fundação da Sociedade de Maria. No dia seguinte à ordenação sacerdotal, o grupo de 12 novos padres, que haviam concebido e se comprometido com a criação da Sociedade de Maria, celebram uma missa no Santuário de Nossa Senhora de Fourvière, em Lião, e assinam a promessa, que pode ser chamada de Ata de fundação da Sociedade de Maria.

do confl ito: a educação. Ela era a base de um dos princípios da Re-volução, o da Igualdade, que apon-tava para o direito à educação de todos os cidadãos e inspirou o ar-tigo 22 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, apro-vada em 1793, que assegurava: “A instrução é a necessidade de todos. A sociedade deve favorecer com todo o seu poder o progresso da inteligência pública e colocar a ins-trução ao alcance de todos os cida-dãos” (DIAS, 2007, p. 441).

A história pessoal de difi culdade com a educação formal experimen-tada por Marcelino retrata a situa-ção educacional vivida na França do início do século XIX. Confor-me Tiecher (ibidem, p. 26), “[...] a situação educacional estava fragi-lizada, não havia condições ma-teriais, nem estrutura física, visto que as escolas funcionavam onde podiam: em celeiros, estábulos, porões e em casas de famílias”. As mudanças ocorridas nesse contex-to são frutos de iniciativas da Igreja Católica que, no Concílio de Tren-to (1563), pede aos Bispos e Padres que se preocupem com a instrução

dos cristãos. Surgem, então, con-gregações religiosas voltadas para a educação. Quando, no Seminário Maior vem, a Marcelino e ao seu grupo de colegas seminaristas, a inspiração de criar a Sociedade de Maria16, ele visualiza a possibilida-de de contribuir com a educação das crianças e dos jovens. Desde o princípio insiste, contrariando a percepção de seus companheiros do futuro clero, na possibilidade de criar um ramo da Sociedade de Maria formado por religiosos con-sagrados a Deus e dedicados, ex-clusivamente, à educação.

Após a ordenação sacerdotal, quando já atuava como padre co-adjutor na cidadezinha de La Valla, o fundador do Instituto Marista se depara com a dura realidade que de alguma forma conheceu quando menino: crianças sem amparo edu-cacional, ignorantes da ciência e dos mistérios da fé. Mudar aquele mun-do tornou-se a missão de Marceli-no. Até os últimos dias de sua vida, ele lutaria para consolidar o projeto do Instituto, a despeito de todas as difi culdades encontradas.

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17. O padre Marcelino é chamado à casa de um carpinteiro em Les Palais, povoado próximo a La Valla, para atender o jovem João Batista Montagne no leito de morte. Surpreendeu-se ao ver que o rapaz ignorava as verdades religiosas. Pacientemente, expressou-lhe toda a solidariedade e preparou-o para morrer. Esse fato convenceu Marcelino de que não havia mais tempo para esperar. Era preciso agir. Decidiu fundar o Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria ou Irmãos Maristas.

Era preciso provar ao mundo a importância do projeto

Decidido, após o episódio his-tórico do encontro com o Jovem Montagne17, Marcelino cria, em 2 de janeiro de 1817, o que ele deno-minou como o Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria. Os detalhes dos contextos eclesial, político, religioso (espiritualidade) e comunicacional que o cercavam são fundamentais para compreender melhor as es-tratégias comunicacionais do fun-dador do Instituto Marista, objeto principal da presente pesquisa. Aqui tecemos algumas considerações breves, a partir de um detalhado le-vantamento apresentado por Stro-bino (2012).

As relações de poder e o lugar do Clero

Conforme Strobino (2012), do nascimento à morte de Champag-nat, a Igreja esteve sob o comando de cinco diferentes papas. No pe-ríodo revolucionário, o clero, con-siderado como o Primeiro Estado, dividiu-se entre aqueles que conti-nuavam fiéis a Roma e aqueles que

juraram fidelidade às Leis da Revo-lução Francesa, sofrendo, inclusive, ingerência do poder civil na nomea-ção dos bispos, os galicistas. Lião, a Diocese sob a qual viveu Marcelino, teve, ao longo de sua vida, quatro bispos fiéis ao Papa e dois constitu-cionalistas, ou seja, nomeados pela Revolução. Dois cardeais marca-riam fortemente a trajetória do fun-dador do Instituto.

O primeiro deles, Cardeal Jose-ph Fesch, tio de Napoleão, foi a au-toridade da Igreja na região após o fim da Revolução Francesa. Grande incentivador da reorganização dos seminários. Por determinação dele, foi desencadeada uma espécie de campanha de animação vocacio-nal. Padres percorriam as casas de camponeses em busca de identificar novas vocações sacerdotais. Pois em uma dessas incursões, houve o chamado a Marcelino. Foi também pelas mãos do Cardeal Fesch que Marcelino foi ordenado padre, em 6 de janeiro de 1814. Outra autorida-de clerical importante na história de Marcelino foi Dom Jean-Paul Gas-ton de Pins, que foi nomeado como Administrador Apostólico de Lião,

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visto que o Cardeal Fesch exilou-se em Roma, a partir de 1814, e nunca se demitiu do título de Cardeal. En-frentando já as difi culdades iniciais de convencer o Vigário-Geral de Lião, Monsenhor Claude-Marie Bo-chard, e outros padres da região em apoiá-lo na criação do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria, encontrou em Dom de Pins, o apoio necessá-rio para dar os primeiros passos.

Entre os vigários-gerais de Lião, no período de Dom de Pins, Mon-senhor Cholleton e Monsenhor Cattet entraram para a história de Marcelino como grandes apoiado-res da obra do fundador. Há alguns exemplos de cartas enviadas por Marcelino a esses representantes do Clero, sempre explicando as razões da sua obra e de suas atitudes, pe-dindo ou cobrando apoio.

Da Revolução Francesa ao Pri-meiro Império

As forças e fortes mudanças no clero que infl uenciavam o es-paço de poder da Igreja, locus de desenvolvimento do projeto de Champagnat, refl etiam o convul-

sionado período da história políti-ca da França. Conforme Strobino, quando ocorreu a queda da Bas-tilha, Marcelino, em Rosey, com-pletava dois meses de idade. Foi durante a sua infância que a Fran-ça assistiu ao auge dos confl itos revolucionários: a Constituinte, a Primeira República, a condena-ção do Rei Luís XVI à guilhotina, a convenção, o período de terror e o consulado. O consulado de Napoleão e sua ascensão como Imperador e a 1ª breve restau-ração da Monarquia, ainda com Luís XVIII, neto de Luís XV, e a campanha dos Cem Dias de Na-poleão, marcaram a juventude, a vida no seminário e a ordenação sacerdotal de Champagnat.

Ao dar início ao Instituto Ma-rista, em 2 de janeiro de 1817, a França vivia o período da 2ª Res-tauração da Monarquia com o Rei Luís XVIII, que se estendeu até 1824. O rei Carlos X, também neto de Luís XV, reinou de 1824 até 1830, quando foi derrubado pela Revolução Civil de 1830. A retomada do poder pela monar-quia ocorreu com o Rei Luís Fi-

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lipe I, Duque de Orléans, da Casa de Orléans, que reinou até 1848, quando o sobrinho de Napoleão deu início à 2ª República.

Em um período marcado por tantas disputas, Marcelino man-tinha-se fiel ao projeto de Evan-gelizar pela educação. Conseguiu estabelecer diálogos com os mais diversos personagens da política e do clero, sem se deixar cair nas armadilhas das paixões políticas, buscando ganhar terreno, cons-truir o sentido e legitimar a exis-tência do seu Instituto.

A comunicação entre censu-ras e avanços

Um dos fatos históricos im-portantes relacionados com a co-municação e com forte influência sobre o período em que Champag-nat nasceu e viveu é o surgimento do grande e primeiro registro im-presso do conhecimento humano acumulado até então: a Encyclo-pédie. Elaborada por pensadores diversos, como Voltaire, Montes-quieu, Rousseau, entre outros, foi editada por Denis Diderot e Jean

le Rond d’ Alembert e publica-da na França entre 1751 e 1780. Em 35 volumes, foi considerada a grande realização literária do século XVIII. Comunicar o co-nhecimento e proclamar um novo humanismo rendeu conflitos com a Igreja e com o Estado. Em 1759, a Encyclopédie foi incluída no Index dos livros proibidos aos católicos romanos, o que não impediu que continuasse a circular.

Pouco mais tarde, na França de 1789, ano de nascimento de Mar-celino Champagnat, a comunica-ção já era assunto de alta impor-tância. Convertida em objeto de pesquisa com foco na malha fer-roviária e no transporte marítimo, significava, também, preocupação e era objeto de manobras alta-mente questionáveis por forças diversas, especialmente por parte da monarquia. O fim do século XVIII e início de XIX foram de efervescência para a área da co-municação na França. É sabido que as necessidades de guerras e revoluções são férteis na busca de recursos técnicos que favoreçam as trocas entre tropas e equipes

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de comandos. Pois foi no início do período revolucionário que a França instala o primeiro serviço de telecomunicações do mundo, o telégrafo ótico ou aéreo, chamado de telégrafo manual, inventado por Claude Chappe.

Aprovada pela Convenção, a primeira ligação de telegrafi a aé-rea que consistia na transmissão de sinais mecânicos repetidos de posto para posto é instalada, em 1793, entre Paris e Lille. O país, em guerra, precisa colocar suas forças armadas em comunicação entre si (MATTELART, 1991, p. 16).

A necessidade da guerra efeti-vamente gerou avanços comuni-cacionais, colocando a França no cenário mundial das inovações que marcaram os séculos XVIII e XIX e geraram as condições fundamentais para os saltos que marcariam o século XX. Mesmo inventado no início da Revolu-ção, é de 1845 a 1865, que o telé-grafo se expande e se consolida como meio de comunicação. Em 1853, conforme Mattelart (idem), o telégrafo deixa de ser de uso

exclusivo das forças militares e, em 1867, torna-se, efetivamen-te acessível ao grande público. Nesse mesmo período, a malha ferroviária cresce de 3.010 para 17.733 quilômetros. Lião, região onde Marcelino viveu, era um importante centro de interliga-ção viária.

Apesar do avanço dos novos recursos, o meio preferencial das trocas comunicacionais entre o povo e, até mesmo, com autori-dades, era a carta. E essa, estava também no foco das atenções e manobras do poder. Distante da região camponesa na qual nascia o fundador do Instituto Maris-ta, mas exatamente no centro dos acontecimentos políticos na região de Paris, entre as insatis-fações que antecederam a Revo-lução Francesa estava a infame violação instituída pelo monarca Luís XII, o Cabinet Noir. As car-tas tinham seus segredos viola-dos pelo Cabinet Noir. O receio de conspirações institucionali-zou o serviço que funcionava na Agência Central dos Correios da França e que foi abolido pela

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Revolução Francesa e retomado por Napoleão Bonaparte. Mais, a França exportou o modelo que se espalhou pelo mundo, mes-mo depois do reconhecimen-to oficial do direito do cidadão ao segredo da correspondência (MATTELART, 1991).

Apesar dos riscos da violação de segredos, a carta, instrumen-to difundido desde a Grécia An-tiga e consolidado pelo Sistema Postal no século XV, constitui-se como meio preferencial de inte-ração, um evento comunicativo que permitia vencer as distân-cias. Marcelino, ao longo de sua vida fez uso intensivo das cartas pessoais e das cartas públicas.

Esses são, portanto, alguns (poucos) recortes de aspectos do contexto vivido por Marce-lino Champagnat e pela socieda-de de sua época. São diferentes dimensões que tecidas juntas podem nos ajudar a compreen-der um pouco mais as condições sociais, políticas e tecnológicas das práticas comunicacionais do fundador do Instituto Marista.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Além de visualizar o contexto no qual Marcelino viveu e desen-volveu seu grande projeto, é pre-ciso evidenciar os pressupostos teóricos que guiam nossa pes-quisa exploratória. Os conceitos de comunicação fundamentam este estudo. Antes, porém, é necessário contextualizá-los no tema da Liderança.

Liderança

A força da liderança de Marce-lino é indiscutível. Furet (1989) evidencia os traços que, desde a ordenação sacerdotal, marcaram a vida pública e as relações in-terpessoais do fundador, com-provando o exercício de uma forte liderança colocada sempre em uma perspectiva de serviço à Igreja e aos cristãos com vistas à transformação da realidade.

Sob o ponto de vista da pes-quisa, os estudos sobre liderança podem ser considerados recen-tes (1930) e complexos, exigindo a interface entre diversas ciên-

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cias para que seja possível es-tabelecer seu escopo. Aqui não nos interessa esgotar o tema, mas sim, escolher, entre tantas opções apontadas pelas ciências, uma defi nição de liderança que nos ajude a compreender melhor a atuação de Marcelino. Em uma breve revisão das teorias da lide-rança, Santana, Tecchio e Cunha (2010) recuperam algumas das abordagens teóricas que preva-lecem nos estudos da liderança.

Nesse contexto, verifi ca-se que, nas duas últimas décadas, existe uma tendência na literatura em considerar a liderança como um processo que envolve infl uência in-tencional de pessoas sobre pessoas com a fi nalidade de criar condições e facilitar relações, de modo que elas possam realizar atividades que contribuam para a consecução de objetivos compartilhados [...] (Ibidem, 2010, p. 4).

Para os autores, a liderança deve ser conceituada como um processo que se estabelece entre o líder e os seguidores (bilateral),

complexo e de múltiplas dimen-sões (psicológicas, cognoscen-te, de interações, etc.) em torno de objetivos a serem atingidos. Chanlat e Bédard (1996), ao tra-tarem não só da liderança, mas também da gestão e a colocarem como uma atividade essencial-mente de fala, de interação e de linguagem, afi rmam que a pessoa em posição de autoridade é, em grande parte, a responsável pelo tipo de intercâmbio que estabe-lece com seu grupo de infl uência. A atmosfera particular que cria em torno de si é de grande im-portância revelando a estratégia que estabelece a partir de suas habilidades e qualidades huma-nas. A dimensão que condiciona todas as outras é a qualidade da relação que a pessoa mantenha consigo mesma.

[...] a liderança é, antes de tudo, uma relação consigo mesmo; e, sen-do assim, “um sólido sentimento de sua própria identidade autônoma é indispensável para que se possa ter uma relação normal com o outro. [...]” (LAING, 1970, p. 39). Toda pessoa que tenha uma relação

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difícil consigo mesma terá que fazer uso dos outros, a apoiar-se nos outros para resolver seus problemas pessoais. Nessa relação com o outro, talvez a dimensão mais importante seja a de aceitar fazer o enterro da onipotência e de seus fantasmas pessoais (Ibi-dem, p. 146).

Concordando com os autores citados, Consigli (2009) afirma que quanto melhor o homem se conhe-ce, tanto maior a capacidade que tem para aceitar-se ou mudar. Ele afirma que Marcelino estava motiva-do pelo desejo constante de apren-dizagem e autodesenvolvimento e tinha grande habilidade de focar nas áreas de mudança de que precisava. As cartas de intenções, as orações, os regulamentos e os propósitos de mudança que escrevia para si mes-mo são o resultado deste profundo discernimento e autoconhecimento que caracterizam a liderança.

Entre as qualidades aponta-das pelos autores como as mais apreciadas em alguém que esteja à frente de um projeto e precise mo-bilizar grupos para que objetivos

coletivos sejam alcançados estão: o senso de equidade, a capacidade de estimar, a abertura do espírito, a honestidade, a generosidade, a co-ragem, o senso de responsabilidade e o julgamento. São essas qualida-des profundamente humanas que qualificam as habilidades técnicas fartamente apontadas pela litera-tura como a capacidade de ouvir e a qualidade da expressão. A essas características é possível acrescen-tar o perfil descrito por Marcelino que, ao solicitar ao Arcebispo de Pins, em 1835, um sacerdote para ajudá-lo, descreve-o assim:

Falta-nos alguém que supervisione, que anime e tome a direção geral da casa em minha ausência, que aten-da aos que vêm e vão. Que goste e sinta a importância e as vantagens de estar no cargo, um diretor piedo-so, preparado, experimentado, pru-dente, firme e constante (Cartas, 1997, p. 135).

Ao citar o nome de um padre

que poderia atender a esse perfil, Marcelino ainda acrescenta a im-portância da estima ao projeto e a

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alegria em dedicar-se à obra, como pré-requisitos para desenvolver um bom trabalho.

Para a liderança baseada em boas habilidades e qualidades hu-manas, a comunicação passa a ser recurso fundamental e desenvol-vido de forma plena. Mas, assim como o conceito e os estudos so-bre liderança são múltiplos e frutos da interface entre vários campos do conhecimento, a comunicação igualmente pode ser compreendida sob vários prismas. Entendemos que é importante evidenciarmos a abordagem que aqui utilizamos.

De que comunicação estamos falando?

De caráter polissêmico e onipre-sente na vida dos indivíduos e das organizações, comunicação “é re-sultado de formidável movimento de emancipação social, cultural e política nascida no Ocidente”, afi r-ma Wolton (2006, p. 25). O autor, que conceitua comunicação como a busca da relação e do compartilha-mento com o outro, afi rma também que “a comunicação parece tão na-

tural que, a priori, não há nada a ser dito a seu respeito. E, no entanto, tanto o seu êxito, como o seu reco-meço não são fáceis” (2006, p. 13). Mais do que se informar, emitir ou transmitir informações, deseja-se estabelecer o diálogo e dar sentido para as informações e conhecimen-tos, pois “assim como explicar não signifi ca convencer, conhecer não basta para agir” (Ibidem, p. 164). “Comunicação inclui o outro: o re-ceptor, o interlocutor, enfi m, aquele que dá sentido e efetiva o processo. As relações sociais, portanto, vincu-lam-se por meio da comunicação” (FLORCZAK, 2009, p. 75).

Uma abordagem que ganha es-paço na pesquisa das Ciências da Comunicação e, especialmente, na Comunicação Organizacional, cam-po que estuda as relações comuni-cacionais entre sujeitos no ambiente das organizações, é a visão da comu-nicação como construtora de senti-do na organização. Para o teórico francês Genelot (2001), que estuda a complexidade no gerenciamento das organizações, a construção de sentido não é algo simples e direto, mas, sim, um processo complexo,

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cheio de imprevistos, sutilezas e recursividades entre o emissor e o receptor (GENELOT, 2001 apud CARDOSO, 2006).

As lideranças interagem com públicos com demandas de diá-logo. Dessa forma, reabilita-se a figura do receptor, do outro, da interação. Emissor e receptor encontram-se em relação recur-siva e dialógica, na qual ambos têm poder e direito à argumen-tação. Tal perspectiva admite que “Essa igualdade de poder e direi-tos não significa simetria de de-sejos, conhecimentos, propósitos iguais ou posicionamentos, mas possibilidades e abertura na ne-gociação para que possíveis dife-renças e conflitos sejam expostos devidamente acompanhados das razões que os sustentam” (CAR-DOSO, 2006, p. 1.139).

O universo de potencialidades da comunicação é, parcialmente, explorado por Chanlat (1996), ao alertar que reflexão e ação se cons-tituem nas duas dimensões funda-mentais da humanidade concreta. Segundo o autor, é no universo da palavra e da linguagem, inerentes

ao ser humano, que está o ponto--chave para a compreensão hu-mana. Arendt (1997) afirma que é pela compreensão que tentamos conciliar nossas paixões e nossas ações. “[...] os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem experimentar o signifi-cado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmo” (ARENDT, 1997, p. 12). É, pois, pelo diálogo, que se torna possível atribuir sentido ao que so-mos e fazemos. Para Marcondes Filho (2008), o diálogo é a criação de um espaço comum.

No ambiente organizacional, o diálogo ganha um lugar relevante e estratégico. Sob essa perspectiva as pessoas que estiverem dispostas a cooperar, trabalhar juntas, precisam ser capazes de criar algo em comum, ou seja, “[...] alguma coisa que surja de suas discussões e ações mútuas, em vez de algo que seja transmitido por uma autoridade a outros que se limitem à condição de instrumentos passivos” (BOHM, 2005, p. 30).

Considerando que as organi-zações são sistemas complexos

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formados por sujeitos em rela-ção, um espaço permeado por convívios que fazem emergir a individualidade e as vivências pessoais e coletivas, em uma lógica recursiva, as interações sociais permitem afi rmar que é possível, por meio do diálo-go, estabelecer vínculos e criar signifi cados. A comunicação torna-se, então, o que afi rma Marchiori (2006, p. 79): “[...] es-sencialmente uma ponte de sig-nifi cados que cria compreensão mútua e confi ança [...]”.

A COMUNICAÇÃO NA LIDERANÇA DE MARCELINO

Compreendemos que Marcelino nasceu em tempos de convulsão social e política, em uma verdadei-ra mudança de época; que precisou enfrentar um mundo de desafi os tanto na dimensão histórica e so-cial, quanto clerical e religiosa, além das inúmeras superações pessoais. Tudo isso para criar sentido ao seu projeto e convencer os envolvidos de que estava construindo, mesmo que em um cotidiano tumultuado, uma nova referência de vida religio-

sa consagrada, uma nova referência de educação cristã e, acima de tudo, um novo jeito de Evangelizar, de expressar e viver a fé nos princí-pios do evangelho de Jesus Cris-to. Compreendemos também, que sendo um líder forte e com profun-do autoconhecimento, Marcelino possuía as habilidades e qualidades humanas consideradas fundamen-tais para levar adiante o projeto do Instituto Marista.

Entendendo a comunicação na liderança como um elemento fun-damental para criar algo novo em processo de colaboração, estabe-lecer vínculos e criar signifi cados a partir da confi ança e da compreen-são mútua, trabalharemos com as evidências que encontramos para compreender as competências e es-tratégias comunicacionais de Mar-celino Champagnat.

A palavra e o testemunho

A partir dos registros históri-cos da vida de Marcelino, espe-cialmente de sua bibliografi a ofi -cial, é possível inferir que longe de aproveitar-se de sua condição de

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membro do clero ou, mais tarde, de superior da sua comunidade de Irmãos, ele rejeitou as atitudes que diminuem o líder e prejudicam frontalmente a sua capacidade de comunicar-se de forma horizontal e igualitária: os abusos, o autori-tarismo, a dureza das repreensões repetidas, as afrontas gratuitas, os comentários descorteses, a desconfiança, o desrespeito e o descrédito do valor das pessoas (Chanlat e Bédard, 1996, p. 143). Ao longo de sua vida privilegiou um modelo de liderança coerente com o seu projeto de educação e evangelização e trabalhou ardua-mente para, junto às pessoas en-volvidas, atribuir o sentido e legi-timar o projeto no qual estavam envolvidos sob sua liderança.

A partir da revisão teórica e compreendendo que para a lide-rança efetiva é preciso desenvolver competências e programar estra-tégias comunicacionais, buscamos identificar em Furet (1989), a descrição de alguns, entre mui-tos possíveis, fatos e caracterís-ticas da vida de Marcelino que evidenciem essas competências e estratégias. Inferimos a intenção comunicacional de Marcelino em cada uma das circunstâncias his-tóricas apontadas.

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COMPETÊNCIA E /OU ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL

Em sua ação como coadjutor da Paróquia de La Valla.Gozando de confi ança e estima de todos, era solicita-do para arbitrar as eventuais desavenças na paróquia. Quantas vezes conseguiu restabelecer a concórdia em famílias desunidas, reconciliar inimigos, erradicar velhas discórdias, silenciar os detratores do senhor vigário, de cujo procedimento se queixavam! Seu espírito concilia-dor, caráter alegre, modos simples, bondosos e afáveis, conquistaram-lhe o coração; bons e maus gostavam dele e aceitavam com prazer, ou pelos menos sem maiores difi culdades, seus avisos, conselhos e mesmo as repreen-sões (FURET, 1989, p. 53).

• Mediação• Estabelecimento de vínculos por meio de relações de confi ança.

Na relação com seus superiores (Trecho que narra o início da vida sacerdotal de Marcelino na paróquia de La Valla. Ao se deparar com o “triste hábito” do Pároco de exceder--se no vinho). [Infelizmente, essa limitação tão grave num sacerdote não fi cou oculta, e o Pe. Champagnat, testemunha do mal causado ao pároco e do escândalo provocado na paróquia, sentia profunda mágoa. Com prudência, respeito e caridade, lançou mão dos meios ao seu alcance para cortar o mal. Primeiramente rezou com fervor para alcançar ao pároco a graça de se corrigir do mau costume. Dirigiu-lhe depois respeitosas observações sobre o assunto. Ele mesmo abstinha-se de vinho, no intuito de levá-lo à sobriedade pelo exemplo. Se não conseguiu recuperá-lo totalmente, pelo menos teve a consolação de prevenir muitas faltas e levá-lo a evitar outros excessos.] (FURET, 1989, p. 37).

• Escuta• Diálogo• Transparência

Na relação com os seus paroquianos de La Valla.Convencido de que, para se fazer o bem e levar as pesso-as a Deus, é preciso conquistar-lhes a afeição e a estima, quando chegou a La Valla o Pe. Champagnat tratou de conquistar a confi ança de seus paroquianos. Seu caráter alegre, franco, expansivo, sua aparência simples, modesta, risonha, simpática e nobre ao mesmo tempo, contribuíram muito. Ao passar pelas ruas, e quando encontrava alguém, sempre tinha de dizer alguma coisa engraçada, uma palavra de elogio, consolo ou animação. Conversando familiarmente com todos, sabia pôr-se ao alcance de cada um, adaptar-se ao seu gênio, entender seus pontos de vistas e o modo de ver as coisas. Após haver-lhe preparado o espírito, terminava a rápida conversa com uma palavra de edifi cação, um bom conselho ou leve reparo, se fosse o caso (FURET, 1989, p. 38).

• Estabelecimento de vínculos por meio de relações de con-fi ança.• Transparência• Coerência

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No cuidado com as criançasDava catecismo todos os domingos e no inverno, duran-te quase todos os dias da semana. Seu modo de explicar o catecismo era simples e familiar. Exigia primeiro o texto. Os que sabiam ler deviam decorá-lo e ele mesmo ensinava-o àque-les que não sabiam ler. Por fim, explicava-lhes o sentido por meio de breves perguntas. Ouviam-no com visível satisfa-ção porque tinha o dom especial de aprender a atenção e transmitir facilmente o que ensinava. Sabia interessá-los e despertar-lhes a curiosidade por meio de comparações, parábolas e breves historietas (FURET, 1989, p.39).

• Estabelecimento de vínculos por meio de relações de con-fiança.• Oratória diferen-ciada usando ampla-mente os recursos das parábolas e metáforas. • Criação de signifi-cados

A capacidade de animar no momento da homilia/sermões.Os sermões do Pe. Champagnat não produziram menos frutos do que os catecismos. No púlpito exprimia-se com veemência. Nele, tudo falava: o gesto, a aparência humilde e piedosa, o tom de voz, a palavra viva, sonora e inflamada, tudo contribuía para comover e convencer os ouvintes. Nunca subia ao púlpito sem ter-se preparado pelo estudo, refle-xão e oração. Começou com breves exortações. A primeira consistia em simples reflexões. Entretanto, agradou a todos os ouvintes. Ao saírem da igreja, diziam: “Nunca tivemos aqui um padre que pregasse tão bem!”. Essa opinião difundiu-se na paróquia e as famílias procuravam informar-se do dia em que ele devia pregar. O povo acorria então e a igreja ficava sempre cheia.Pregava essas verdades com tanta veemência que, por várias vezes, arrancou lágrimas do auditório e abalou os pecado-res mais empedernidos. Suas palavras, repassadas de clareza, ardor e unção, empolgavam os espíritos e sensibilizavam os cora-ções.“Ele é de Rozet, por isso as palavras dele são macias e agradá-veis como as rosas” (Ibidem, pp. 43 e 44).

• Oratória de grande qualidade com uso intensivo de metá-foras e parábolas, adequada ao público interlocutor.

Na fundação do Instituto[...] Pessoalmente, com umas tábuas fez duas camas para seus dois Irmãos e também uma mesinha de jantar. Levou, então, os dois discípulos para a casinha modesta que se tornou o berço do Instituto dos Irmãozinhos de Maria. A pobreza transparecia por toda a parte. [...] Foi em 2 de janeiro de 1817 que os dois noviços tomaram posse da casa, começaram a viver em comunidade [...] (Ibidem, pp. 59 e 60).

• Coerência • Testemunho• Relação saudável com o poder

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COMPETÊNCIA E /OU ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL

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Na animação dos primeiros Irmãos.O Pe. Champagnat, que os amava como fi lhos, ia muitas vezes visitá-los. De vez em quando trabalhava com eles, animava-os, dava-lhes aula de ler e escrever, orientava-os, expunha-lhes suas intenções, seus projetos [...] (Ibidem, p. 60).

• Compartilhar tudo, desenvolven-do o sentimento de pertença.• Criar signifi cados

Dando o seu testemunho de sacrifício pessoal e presença junto aos primeiros Irmãos.A direção da casa dos Irmãos absorvia tempo considerável de Champagnat. [...] Convenceu-se, porém, que isto era insufi ciente, pois seus Irmãos eram apenas noviços na vida religiosa e no magistério, e necessitavam a toda a hora de sua orientação e seus conselhos. [...] Essas razões e, mais ainda, o afeto [...] decidiram-no a ir morar com eles. Falou ao pároco, que tudo fez para demovê-lo. “Que fará você, disse ele, no meio desses jovens, bons e piedosos, sem dúvida, mas rudes e pobres, incapazes de assisti-lo e de preparar-lhe a comida?“.[...] No seu entender, o melhor meio de afeiçoá-los à vocação [...] era dar-lhes o exemplo e ser o primeiro a praticar antes de ensinar (Ibidem, p. 71).

• Testemunho• Estabelecimento de vínculo por meio de relações de con-fi ança.• Relação saudável com o poder.

Acompanhando a ação dos Irmãos junto ao magistério.Em pouco tempo julgaram-se capazes de arcar com a res-ponsabilidade de toda a escola. Levaram a proposta ao Pe. Champagnat, que não aceitou, pois desejava que as primei-ras experiências fossem mais humildes e fossem desenvol-vidas em cenário mais modesto. Reuniu-os e lhes disse: “Meus amigos [...] (Ibidem, p. 69). Os Irmãos lhe consagravam a máxima veneração e amavam--no como pai. [...] por isso, embora tendo-lhe profundo respeito, tratavam-no como companheiro (Ibidem, p. 72).

• Transparência• Relação saudável com o poder.

Na sua responsabilidade de acompanhamento e formação dos novos Irmãos, ao corrigir o Irmão responsável pela vigilância dos alunos internos que se entretia com a reza do Ofício:Sua primeira obrigação é cuidar de seus alunos para preve-nir o mal e conservar-lhes a inocência. Se conseguir isso, sua oração será mais agradável a Deus e mais meritória, ainda que, em decorrência de sua função, você se distraia um pouco. É bem melhor do que rezar sem distração, mas negligenciando esse importante dever (Ibidem, p. 73).

• Coerência• Relação saudável com o poder.• Diálogo• Atuação com transparência.

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COMPETÊNCIA E /OU ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL

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Quadro 1 – Evidências das práticas comunicacionais de Marcelino Champagnat. Organiza-do por FLORCZAK, Rosângela (2013).

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COMPETÊNCIA E /OU ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL

No acompanhamento de seus Irmãos.[...] levava-os a descobrirem as falhas ocorridas, retificava possíveis erros na explanação [...] aprovava e elogiava o que fora bem feito. Sempre terminava animando-os e mos-trando a excelência da função [...] (Ibidem, p. 75).

• Diálogo• Transparência

Na coibição dos excessos, dos castigos e dos julgamen-tos.[...] informado de que um Irmão impusera aos alunos proibições demasiado rigorosas, mandou chamá-lo e lhe disse: − Que foi que você proibiu aos alunos?− Proibi falarem, perderem tempo, etc.− Vá ter com eles e diga-lhes que, mesmo no caso de dizerem alguma palavra ou fazerem alguma dessas coisas que você proibiu, não cometeriam nenhum pecado (Ibi-dem, p. 75).

• Atuação com transparência.• Testemunho• Diálogo

Em desafiar o status quo do Clero.Era evidente que a casa [de La Valla] não podia comportar tanta gente. Urgia a construção de outra. Champagnat não teve dúvida em executá-la. Por falta de recursos construiu-a pessoalmente com a ajuda dos Irmãos. [...] Certo dia, um padre amigo, vendo-o daquele jeito, disse-lhe: [...]− Meu amigo, você está exagerando; este tipo de trabalho não condiz muito com a vida sacerdotal [...].− Este trabalho não rebaixa o ministério sacerdotal e muitos padres ocupam-se menos utilmente do que eu [...] (Ibidem, pp. 98 e 99).

• Coerência • Testemunho• Relação saudável com o poder.

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O LEGADO – SEIS COMPETÊNCIAS E SEIS ESTRATÉGIAS

Sendo a interação uma das im-portantes dimensões da liderança, compreendemos, nesta pesquisa, que o líder Marcelino Champagnat exerceu sua liderança a partir de fortes habilidades e qualidades hu-manas. Foi a partir delas que pôde comunicar-se com excelência, ou seja: conhecer a si mesmo e ao ou-tro, estabelecer um projeto e torná--lo comum a um grande grupo de pessoas e compartilhar atributos em comum para que, mesmo na expansão geográfi ca, a missão per-manecesse intacta e defendida pelos membros de seu Instituto.

Como legado para quem busca em Marcelino a referência de um homem que construiu, a partir de sua fé e de suas convicções, uma obra relevante para a humanidade e que já perdura por dois séculos, é importante destacar aqui o con-junto de qualidades humanas que as pesquisas sobre liderança apontam como importantes e que facilmen-

te encontramos nos relatos sobre Marcelino, a saber: capacidade de animar e estimar, coragem, genero-sidade, honestidade, senso de equi-dade e senso de responsabilidade.

As características acima foram desenvolvidas, aprimoradas e apro-veitadas com maestria por Marce-lino. Contudo, foi só a partir delas que pôde desenvolver as competên-cias comunicacionais e implementar estratégias que o apoiaram na cria-ção do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria, futuro Instituto Marista. É importante pontuarmos que as qua-lidades humanas citadas são funda-mentais para que o líder possa ser um comunicador efetivo e efi caz.

A partir das qualidades humanas de líder, de forma intuitiva ou pla-nejada – não há como saber – Mar-celino desenvolveu competências18 comunicacionais de relevante im-portância no exercício da liderança. Citamos, a seguir, o que identifi ca-mos como as principais competên-cias comunicacionais de Marcelino: autoconhecimento, relação saudá-vel com o poder – sem onipotência, arrogância ou autoritarismo – me-

18. Inteligência prática para situações cotidianas.

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19. Grifo da autora. Aqui não pretendemos explorar a profusão de conceitos e expressões que buscam caracterizar o tempo vivido.

diação, escuta, coerência e oratória de grande qualidade com uso inten-sivo de metáforas e parábolas.

Dono de qualidades humanas ímpares e de competências comuni-cacionais, dificilmente identificadas todas em um só líder, Marcelino ain-da foi capaz de ousar nas estratégias comunicacionais que desenvolveu ao longo de sua vida. Entre as que conseguimos identificar claramente nos documentos estudados estão as que citamos a seguir.

1. Estabelecer vínculos por meio de relações de confiança.

2. Criar significados comuns para todos os participantes do projeto por meio do com-partilhamento de objetivos e informações.

3. Estabelecer o diálogo, de forma igualitária e horizontal, com todos que pudessem in-fluenciar positiva ou negativa-mente no projeto.

4. Compartilhar tudo com os Irmãos e envolvê-los, desenvol-

vendo em todos o sentido de pertença à Missão.

5. Dar testemunho, ser exem-plo e referência. Antes de tudo, deixar que suas atitudes coerentes falassem por ele, sem nunca negligenciar suas responsabilidades.

6. Atuar com absoluta trans-parência, sem negar ou adiar situações de conflito, que en-frenta sem se cansar de dar explicações.

Considerando esse conjunto de estratégias, é natural que nos im-pressionemos com a capacidade de Marcelino Champagnat. Se hoje, nos tempos vividos, considerados como Era da Transparência e da In-formação19, é difícil imaginar que um líder possa reunir todas essas qua-lidades, competências e estratégias, devemos pensar que, na França do período Pós-Revolução Francesa, os desafios e dificuldades deviam ser ainda maiores.

Entretanto, como referência inspiradora, especialmente para

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as lideranças do Instituto Marista, que continuam levando em frente o sonho e o projeto de Marcelino, o conhecimento desse conjunto de características pode servir como horizonte nas buscas por melhoria do desempenho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS TEMPORÁRIAS E NOVAS FRENTES DE PESQUISA

A pesquisa desenvolvida como trabalho de conclusão do Cur-so de Extensão em Patrimônio e Espiritualidade Marista (PEM), edição de 2012, apresenta apenas um breve início de uma grande possibilidade de estudo. Conse-guimos vislumbrar, de forma bem preliminar, o perfi l comunicacio-nal de Marcelino Champagnat. O trabalho realizado, porém, apenas nos faz crer que há um universo a ser descoberto dentro desse tema quase inédito nos estudos do pa-trimônio espiritual marista.

A forma e o conteúdo das comu-nicações de Champagnat merecem longas investigações. Dentre elas, poderíamos investigar com pro-

fundidade as cartas e as circulares, que até os nossos dias inspiram a forma de comunicação das lideran-ças institucionais em muitas frentes de atuação marista, entre outras. Outros temas também podem ser sugeridos para futuras pesquisas: Como o legado comunicacional de Marcelino se desenvolveu ao longo do tempo, após a sua morte? Como pautou o comportamento dos pri-meiros Irmãos? Como se deu a co-municação dos Superiores-Gerais que sucederam a Marcelino? E hoje, como os leigos, que ocupam cargos de gestão ou exercem a liderança em frentes apostólicas do Instituto, vivenciam esse legado?

Enfi m, essas são apenas algumas das possíveis perguntas que poderão inspirar novas investigações acerca do perfi l e legado comunicacional de Marcelino Champagnat. O certo é que o fundador do Instituto Ma-rista tem muito a nos ensinar sobre o tema em questão.

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REFERÊNCIAS

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20. Pós-graduada e Mestre em Educação. Diretora do Colégio Marista Sant’ Ana – Uruguaiana/RS.

RESUMOEste artigo tem a intenção de suscitar refl exões, debates sobre a prática de uma

ação educativa fundamentada nos valores da pedagogia marista, preconizada pelo

fundador do instituto, S. Marcelino Champagnat para que sirva ao propósito de fazer

emergir as potencialidade das crianças e jovens, preparando-os, com amorosidade

e exigência, para desenvolverem sua humanidade e tornarem-se seres humanos

conscientes de sua capacidade, com autodomínio, uma auto-estima fortalecida e

com competência para relacionar-se, de modo construtivo, consigo mesmo, com

os outros e com Deus; uma educação capaz de preparar as pessoas para serem

agentes de transformação em nível pessoal e coletivo, como o próprio fundador

orientava que fosse.

Marisa Crivelaro da Silva20

O JEITODE SER EDUCADOR

ESPECIAL

MARISTA

ESTUDOS

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REFLEXÕES INICIAIS

Refletir e escrever sobre “Ser Educador Marista” constitui-se em prazer imenso e compromisso ainda maior. Prazer, por tratar-se daquilo que se faz porque se gosta, sente-se satisfação em educar e fa-zer gestão sob essa dimensão singu-lar dos valores e dos propósitos da “Educação Marista”, que impulsio-nam para a incessante busca de se fazer emergir todo o potencial que existe em cada ser humano. E que prazer inominável quando se sente, de modo palpável, os resultados do esforço e do trabalho empreendido! Os avanços cognitivos e atitudinais que se consegue promover nos es-tudantes e o aperfeiçoamento pro-fissional e humano que se impulsio-na nos educadores, traz entusiasmo e motivação e um clima organiza-cional estimulante; nada se iguala à emoção de se perceber um ser hu-mano transformando suas atitudes, seu comportamento, repensando sua vida, seus valores, reconstruin-do sua identidade como resultado da intervenção de um educador marista, à luz dos valores do caris-ma desta proposta educativa.

O trabalho em educação asse-melha-se ao trabalho de um artista ao produzir uma obra de arte. É uma analogia pertinente, na qual podemos situar o trabalho que realizam os educadores maristas, no processo de construção do co-nhecimento e da personalidade. Michelangelo, ao responder a uma pergunta sobre como era criar uma obra de arte, manifestou-se, dizendo: “Dentro da pedra já exis-te a obra de arte, eu apenas tiro o excesso de mármore”. Assim é o ser humano. Todos temos, em nosso interior, uma fonte inesgo-tável de capacidades que precisam ser potencializadas; é necessário fazê-las aflorar, emergir e se de-senvolver. E esse é o trabalho dos educadores maristas, como tam-bém, usar de estratégias criativas para eliminar todos os obstáculos que impedem crianças e jovens de se desempenharem melhor nos estudos e dar conta das exi-gências da vida.

Champagnat (apud COTTA, 1996, p. 40) esclarece em que con-siste essa arte de educar: “educar é prioritariamente iluminar a in-

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teligência, formar a consciência, o coração, o juízo, a vontade, tor-nar apto a viver em sociedade, com ânimo aberto e capacidade de doar-se aos outros”. O traba-lho do educador marista, quando bem-sucedido, produz encantado-ras “obras de arte” e é motivo de grande prazer e realização pessoal.

Somos chamados a intervir, a ajudar a construir a personalidade das crianças e jovens com muita criatividade, com grande paixão, convicção, clareza dos princípios da educação marista e do que precisamos fazer para que essa obra de arte, que é o ser humano em construção permanente, en-cante a todos.

O desafi o de se educar com o “Jeito de ser Marista” nos interpe-la, nos confronta com crenças já construídas, possibilita-nos uma revisão de valores, de concepções e, muitas vezes, proporciona a des-construção de alguns paradigmas já cristalizados. A vasta e comple-xa bibliografi a que se tem atual-mente sobre a Pedagogia Marista é um apelo nítido a todos aqueles

que aceitam esse desafi o de ser um Educador Marista, no senti-do de conhecer, de aprofundar-se e ser fi el aos princípios e valores implícitos nessa Pedagogia.

Cabe dizer que o conteúdo deste artigo, além de refl etir as marcas de uma trajetória de 33 anos de trabalho como educadora marista, revela, indiscutivelmen-te, as concepções de educação, de ser humano e os valores que permeiam o jeito especial de ser Educador Marista.

Almejo contribuir, com as refl exões propostas, com todos aqueles educadores leigos que ingressam na Instituição Maris-ta e com os que nela já atuam, de modo que possam conside-rar a relevância de seu papel, de sua missão e possam fazer jus à confi ança que a Instituição lhes outorga, de realizar seu trabalho sempre à luz dos princípios e va-lores que sustentam a Filosofi a Marista. É conveniente relem-brarmos o alerta de Cotta em re-lação ao que Champagnat espera-va de seus colaboradores:

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Não se estranhe que o Fundador chame energicamente a atenção de seus educadores para a grave res-ponsabilidade que assumem, se ne-gligenciam o dever de formadores de pessoas autênticas, já que ‘a vida inteira do jovem depende da educação’ (1996, p. 119).

Falar sobre como ser um Edu-cador Marista é um tema insti-gante, inesgotável, até porque, existem muitas e ricas formas de se olhar e perceber a atuação dos Educadores Maristas. Fica, pois, o desafio a outros que vivem essa experiência, de partilhá-la, de mostrar seu ponto de vista, de fazer suas críticas e assim, contri-buir para qualificar sempre mais nossa ação enquanto educadores leigos, que têm a responsabilidade de cultivar, difundir e sobretudo, praticar os valores que constituem os alicerces da Filosofia e da Pe-dagogia Marista, instituição quase bicentenária, que vem deixando sua marca indelével no cenário da educação no Brasil e no mundo, pelas contribuições relevantes que vem oferecendo.

O JEITO DE SER MARISTA: COMPROMISSOS E DESAFIOS

Quando se ingressa numa insti-tuição de ensino marista, por uma questão ética, de responsabilidade e de competência profissional, a primeira atitude do educador deve ser a de buscar conhecer, inda-gar, pesquisar e aprofundar-se nos princípios filosóficos e pedagógi-cos que iluminam a trajetória des-sa instituição. Essa é uma questão que afeta a pessoa e a qualidade do trabalho do educador. Não se pode fazer o que se quer, do jeito que se quer. A educação do ser humano tem a ver com intencionalidade, com planejamento cuidadoso, com opções e definição de valores, de conteúdos (de caráter cognitivo e formativo), de métodos e estraté-gias que irão compor a proposta educativa de cada instituição e de-finir a sua identidade, que precisa ser preservada, cultivada historica-mente e aperfeiçoada, sem jamais afastar-se de sua essência.

Se nos perguntarmos a quem compete preservar e cultivar his-

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toricamente a identidade de uma instituição de educação, a respos-ta, indiscutivelmente, é: a seus educadores. De nada adiantará a direção ou equipes diretivas e suas mantenedoras envidarem os melhores esforços para esse pro-pósito, se os educadores e colabo-radores não assimilarem e incor-porarem esses valores e princípios na sua prática cotidiana, não só em seu desempenho enquanto profi ssional, como também, na sua forma de ser, de agir, intera-gir e de se relacionar com alunos, pais, colegas de trabalho e demais pessoas com quem convivem na comunidade educativa.

Cabe dizer que agir e conviver em consonância com as normas, princípios e valores da institui-ção, não signifi ca, em absoluto, ser uma pessoa sem autonomia de pensamento, não signifi ca adotar postura subserviente, de quem concorda com tudo sem discutir, sem arriscar propor mudanças. Isso seria uma atitude nefasta para a instituição que precisa cami-nhar de acordo com seu tempo, modernizar-se, sem entretanto,

olvidar os elementos fundamen-tais que caracterizam o seu estilo, que a identifi cam no seu entorno social. Para isso, precisa contar com pessoas criativas, entusias-madas, com capacidade de pros-pecção e de mobilizar seus re-cursos cognitivos e afetivos em busca da realização de projetos ousados de desenvolvimento.

Assim acontece na Instituição Marista que tem seu jeito próprio de ser e que há quase dois séculos no mundo e um século no Bra-sil, vem construindo uma história bem-sucedida de “Formar bons cristãos e virtuosos cidadãos”. Esse era o desejo e sonho de São Marcelino Champagnat ao fundar a congregação. Ele foi um exem-plo vivo desses quesitos funda-mentais para garantir a perenidade de uma instituição. Com ele, em 1817, nasceu o Jeito Marista de Ser e de Educar e que, conforme Martins (2003), fundamenta-se nos seguintes pilares:

• Pedagogia Integral: educa-ção da consciência, da inte-ligência, da vontade e da fé;

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• Pedagogia do espírito de Família e da Simplicidade;

• Pedagogia do trabalho e da constância;

• Pedagogia da motivação e da competência profissional.

Não é meu objetivo, neste traba-lho, aprofundar-me na interpreta-ção desses princípios, uma vez que, como referi na introdução, existe uma extensa e rica bibliografia que descreve e interpreta os princípios e valores que sustentam a Filosofia e a Pedagogia Marista. Tenho como propósito, sim, fazer algumas refle-xões aos educadores leigos, sobre nosso compromisso com a propos-ta Marista de educar. Arrisco-me a fazer alguns questionamentos pes-soais, até para suscitar debates e re-flexões em nosso meio:

1. Como educador(a) Marista, tenho assumido o compro-misso de procurar saber em que consistem esses princí-pios da Pedagogia Marista? Tenho pesquisado, estuda-do para muito além daque-les subsídios e orientações que recebo na instituição?

2. Quando planejo minhas aulas, reuniões de trabalho, encontro com pais, enfim, quando planejo minhas ações dentro do contexto escolar, lembro de fazê-lo tendo presente esses princí-pios e valores para direcio-nar minhas ações?

3. Costumo autoavaliar-me, com frequência, examinar se o meu modo de ser e de agir refletem os valores da instituição marista para a qual trabalho?

Penso que a resposta a esses questionamentos nos darão a me-dida do nosso nível de compro-metimento com a causa Marista.

Somos chamados, como edu-cadores leigos, parceiros na missão (vide documento do XX Capítulo Geral) a levar adiante a obra Maris-ta, de modo que continue conquis-tando o respeito, a admiração e a credibilidade que têm caracterizado sua presença no Brasil e no mundo. E a única forma de fazermos isso, de modo eficiente, é através do nos-

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so modo de ser, de conviver, de tra-balhar pela causa, de nos envolver e nos comprometer com os resulta-dos do nosso trabalho.

Um educador, para servir aos propósitos da instituição maris-ta, precisa enfrentar três desa-fi os fundamentais:

a) Conhecer, viver e propagar os valores e princípios da Fi-losofi a e da Pedagogia Maris-ta, mostrando-se integrado, atuante e participativo;

b) Demonstrar competência

técnica, dando conta de seu papel como mediador no processo ensino-aprendiza-gem e capaz de orientar as crianças e jovens com res-peito, afeto, disciplina e ética, contribuindo para a constru-ção do seu projeto de vida, tendo os valores do Evange-lho como base;

c) Ser comprometido com seu

aperfeiçoamento pessoal e profi ssional, demonstran-do atitudes de estudo, de

pesquisa, de planejamento e preparo para a missão de educar. Nesse sentido, cabe sublinhar a orientação que consta no documento Guia das Escolas em relação ao estudo da pedagogia:

Sem este estudo, a arte da educação frequentemente não seria senão um conjunto de procedimentos rotineiros incapazes de formar a inteligência da criança, ou a longa sequência de experimentações, para descobrir por si os procedimentos há muito com-provados, que os tratados pedagógi-cos disponibilizam (p. 182).

Esses, portanto, são compro-missos e desafi os inerentes ao fazer pedagógico dos educadores leigos, engajados na Missão: buscar co-nhecer, vivenciar e difundir o “Jeito Marista de Ser e de Educar” através do exemplo, do trabalho que realiza, considerando este apelo constante no documento “Missão Educati-va Marista” (2000, p. 15) dirigido aos educadores maristas: “Temos consciência de que recebemos um dom precioso, na pessoa de Marce-

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lino Champagnat e suas instituições educacionais, bem como nas gera-ções de Educadores Maristas que o sucederam. Desejamos ser criativa e dinamicamente fiéis a essa he-rança”. Esse é o maior de todos os compromissos: manter acesa no co-ração de nossas crianças e jovens a essência da Filosofia Marista, numa visão e abordagem atualizada, sim, mas sempre conservando a tradição dos valores que sustentam essa pro-posta de educação.

A Instituição Marista tem sua identidade bem definida e propa-gada mundialmente. Precisamos, como educadores que livremente aceitamos conhecer, compreender, vivenciar e difundir essa proposta, transformar nossas aulas em ver-dadeiros laboratórios de formação integral e de evangelização. O do-cumento Missão Educativa Maris-ta alerta-nos para a verdadeira ra-zão de ser e de existir das Escolas Maristas: “A educação, no seu sen-tido mais amplo, é o nosso campo de evangelização: nas instituições escolares, em outros projetos pas-torais e sociais e nos contatos in-formais” (2000, p. 39).

Percebe-se, portanto, o desa-fio que se lança a cada educador. A escola marista necessita estar a serviço do seu propósito maior que é o de educar e evangeli-zar. Creio que não há dúvidas que, nas Instituições Maristas, educa-se bem. Mas será que se evangeliza bem? Será que todos os educadores, independente da disciplina que lecionem, pla-nejam suas aulas tendo presen-te esse propósito de mobilizar a curiosidade, a sensibilidade e a vontade de nossas crianças e jovens para compreenderem o grande amor que Deus tem por cada um, em especial? Têm se preocupado em ajudá-los a re-fletir sobre atitudes, comporta-mentos que contribuam para a valorização da vida, presente que Deus nos legou? Até que ponto? Será que não têm recuado dian-te de algumas atitudes deles que soam como rebeldia, indiferença ou ironia? Ninguém disse que seria fácil. Educar e evangelizar, a exemplo de Maria, é tarefa ár-dua, ousada, feita nos pequenos detalhes, que exige competência, firmeza, convicção e, sobrema-

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neira, testemunho vivo, persis-tência e amor pela causa. Em cada escola Marista instala-se este apelo, de modo substancial e não podemos fazer “ouvidos de surdos”. Qualquer trabalho educativo, por mais competente e efi ciente que se revele, se não servir a esse propósito, não tem razão de ser na perspectiva da Pedagogia Marista.

Cultivar valores e desenvolver a espiritualidade no coração da juventude exige sair do campo da racionalidade e entrar no âm-bito dos sentimentos, da interio-ridade. Espiritualidade não guar-da estreita relação com a razão, tem a ver com a emoção. Por isso, o próprio educador preci-sa desenvolver sua sensibilidade, afetividade e espiritualidade para dar conta desta excelsa tarefa de educar e evangelizar. Ninguém dá o que não tem e só conven-ceremos os nossos estudantes se nós estivermos convencidos dos valores e princípios que defen-demos. Serve-nos para refl exão o que destaca Lanfrey sobre o que ensinava Champagnat:

Educar uma criança não é somen-te ensiná-la a ler, escrever e ini-ciá-la nos diversos conhecimentos que constituem o ensino primário. Esse ensino bastaria ao homem se ele fosse feito apenas para o mun-do; mas bem outro é seu destino, é para o céu e para Deus que é pre-ciso educá-lo (2011, p. 264-265).

Como Educadores Maristas compete-nos investir em nossa formação para tornar-nos aptos a desenvolver a humanidade e a espiritualidade de nossos alunos. Só assim, estaremos atendendo aos anseios do fundador do Ins-tituto, só assim, estaremos pro-tegendo, cuidando desse legado que ele nos deixou e que, como já foi referido, é a razão de ser, de existir da Escola Marista.

DIFERENCIAIS DA EDUCAÇÃO MARISTA

Cotta, ao discorrer sobre as exigências que a educação com-porta, traz-nos presente o que Champagnat exigia dos Irmãos Maristas:

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A escola dos Irmãos não devia dei-xar nada a desejar, nem quanto ao nível, nem quanto à boa direção dos estudos. Importa que os pais se in-clinem a lhes dar preferência, tanto pela vantagem de assegurar aos fi-lhos os benefícios de sólida instrução, quanto pela certeza de lhes propor-cionar uma educação eminentemente cristã (1996, p. 46).

Depreendemos, da análise des-sa afirmação, que Champagnat defendia que houvesse a máxima exigência na formação cultural dos alunos, na disciplina para o estudo e na educação cristã. Cada gestor, gestora deve fazer-se este questionamento: que indicadores denotam que os estudantes conse-guem perceber esses aspectos no currículo escolar e compreender a importância que têm, a ponto de se constituir em diferencial da es-cola, na opinião deles?

Eis outro dado, relevante, que cabe assinalar na obra de Cot-ta como alerta de Champagnat: “A colaboração dos pais também era tida como indispensável para

superar as dificuldades da obra educativa e levá-la a bom termo” (ibidem, p. 47). É inegável a impor-tância da participação da família na educação dos filhos, e a esco-la deve criar estratégias e meios para conquistar essa presença, de modo que não se caracterize por estar ligada somente ao desempe-nho dos filhos, mas que se possa integrar os pais no espaço escolar para se autoaperfeiçoar, confrater-nizar e celebrar. São formas de es-treitar laços, cativar a confiança e viver o espírito de família que é um dos valores da Educação Marista.

As famílias buscam instituições que tenham credibilidade, pois não desconhecem a força que a escola exerce na formação da personali-dade dos seus filhos, tampouco as contribuições que influenciam na solidez do seu futuro profissional. É necessário enfatizar que credibi-lidade é um processo de conquis-ta. E, indiscutivelmente, a forma como os educadores acolhem e tratam os pais e alunos na esco-la, faz a diferença na construção do conceito de credibilidade da Instituição. Portanto, precisamos,

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como Educadores, ver as análises, as “queixas”, as sugestões dos pais e estudantes como contribuições para o aperfeiçoamento do nosso desempenho, acolhê-las, examinar sua pertinência com olhar crítico e espírito de justiça e exercitar um dos valores mais preconizados pela Filosofi a Marista que é a humilda-de, dispondo-nos a mudar, trans-formar nosso fazer pedagógico.

Cabe destacar, portanto, como diferenciais a serem buscados nas escolas maristas, a exigência com a busca da excelência na formação acadêmica, a educação cristã, o de-senvolvimento da espiritualidade, a acolhida que se manifesta pelo ca-rinho, presença atenta e cuidadosa dos educadores, preocupação com a aprendizagem e amadurecimento dos estudantes e o trabalho inte-grado entre escola e família.

CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO MARISTA PARA O CRESCIMENTO PESSOAL

Na obra ”Um guia para o Edu-cador Marista” (RYAN, 1989), o autor refl ete sobre a necessi-

dade dos educadores ajudarem os estudantes a vivenciarem sua dignidade como seres humanos, a considerarem, não só suas ne-cessidades intelectuais, mas, so-bremaneira, necessidades emo-cionais, morais e espirituais. No documento Guia das Escolas, p. 46, lemos este alerta:

Enquanto o educador se ocupa em desenvolver e enriquecer a inteligên-cia da criança, deve formar o coração dela. O que chamamos aqui coração, em psicologia recebe o nome mais exato de sensibilidade e designa a faculdade de experimentar todos os tipos de sentimentos.

Nessa perspectiva é que se fun-damenta a necessidade do Educa-dor preparar-se bem para poder contribuir com uma educação ple-na, que faça afl orar as capacidades intelectuais, morais e espirituais das crianças e jovens. Arroyo (2000, p. 53) fala-nos da necessidade de “Ensinar e aprender a ser huma-nos”. Isso demanda esforço, dedi-cação, interesse pela formação do ser humano. É uma opção política.

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21. Vida, XXIII, 501; ALS, XLI, 431-433; cf. “A tradição pedagógica Marista” In: Cadernos Maristas. IV, p. 68-69.

Champagnat sempre exortou--nos a ser exemplos vivos de vir-tude para as crianças e jovens. No documento “Missão Educa-tiva Marista – um projeto para o nosso tempo” (1998, p. 33) so-mos chamados, como leigos en-gajados na missão, a manter vivo o Carisma Marista pelo nosso jeito de ser e de atuar junto aos alunos, pais e demais membros da comunidade educativa. Ocu-pemos, portanto, o lugar que nos é devido, como Educadores Maristas e sejamos o que todos esperam de nós: exemplos vivos das virtudes que nos ensinou o fundador do Instituto; vamos zelar por esta herança, conservá--la e testemunhá-la.

Precisamos construir novos paradigmas de relacionamento, com base no respeito mútuo, na elevação da autoestima, na construção da disciplina pessoal e coletiva, enfim, na construção da autonomia, fim máximo da educação. Só assim, será possí-vel afirmar que oferecemos uma educação integral como Cham-pagnat desejava!

Compete-nos, como educa-dores, vigiar nossa comunicação verbal e não verbal e tratar de fazer nosso trabalho com amor, com respeito à vida dessas crian-ças e jovens, com a consciência de que podemos ser aqueles que farão a diferença na construção do seu projeto de vida. Tenha-mos sempre presente este cri-tério de conduta apontado pelo fundador do Instituto Marista, São Marcelino Champagnat21:

“Para bem educar as crianças é preciso, antes de tudo, amá-las e amá-las todas igualmente”.

SENTIMENTOS DE PERTENÇA E MOTIVAÇÃO

Um grande desafio para os Educadores Maristas é conse-guir criar vínculos afetivos de significado com as crianças e jovens, como orientava Cham-pagnat, e ajudá-los a criar essa mesma espécie de vínculos com seus colegas e com a Instituição Marista, de modo que se sintam responsáveis por ela, que desen-volvam o sentido da pertença em alto nível.

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Conforme consta no docu-mento “Missão Educativa Maris-ta” (p. 26), Champagnat foi um excepcional educador das crianças e jovens, e o segredo de sua efi cá-cia encontrava-se na grande sim-plicidade com que se relacionava com eles e na confi ança que neles depositava. Furet fala que:

A polidez cristã é a manifestação dos sentimentos de estima, de res-peito e benevolência que devemos demonstrar às pessoas com as quais nos relacionamos. Considerada as-sim, ela é, acima de tudo, obra do coração (...). (2009, p. 49).

Sejamos, pois, como educado-res maristas, essa presença amo-rosa, acolhedora, que orienta para uma vida disciplinada, que marca conquista a mente e o coração das crianças e jovens.

UM RECADO AOS EDUCADORES

Os Educadores leigos precisam ter sempre presente o seu com-promisso em propagar e vivenciar

essa Filosofi a e Pedagogia. O do-cumento “Missão Educativa Ma-rista – um projeto para o nosso tempo (1998, p. 52) apresenta--nos a concepção de Champag-nat acerca do papel do Educa-dor Marista, representado, na época, pelos primeiros Irmãos. Dizia ele, nas suas orientações sobre como educar as crian-ças e jovens: “Toda a vida de-les será o eco do que lhes ensi-nar. Aplique-se ao máximo, não poupe esforços em formar seus corações juvenis à virtude. Faça--os perceber que somente Deus pode torná-los felizes”.

Muitos educadores deixem-se afetar pelo desânimo quando não veem, de imediato, os frutos do seu esforço no trabalho de for-mação de seus alunos. Devemos lembrar que somos chamados a semear, nem sempre a colheita será feita por nós. Mas não po-demos descuidar da missão de sermos semeadores. Alguns re-velam essas aprendizagens pela mudança de comportamento a curto prazo e outros precisam de um tempo maior para viver

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o processo de metamorfose, o amadurecimento mental, cultural e espiritual. Mas as aprendiza-gens internalizadas estão lá, no seu interior, latentes, esperando o tempo certo de se manifestar.

Animemo-nos, portanto, pois a obra é imensa, bela, atraente e somos chamados a colorir a tela da vida desses seres huma-nos que dependem da educação para tornarem-se “Bons cristãos e virtuosos cidadãos”, como era o sonho deste grande educador, Marcelino Champagnat, homem de visão estratégica, que pensava para muito além de seu tempo; introduziu mudanças significati-vas no contexto educacional de sua época, que encontram sen-tido hoje, nas modernas teorias do século XXI e que cabem ser ressaltadas sempre: a formação integral do ser humano – cons-ciência, inteligência, vontade – e uma pedagogia da presença ami-ga, do espírito de família e da simplicidade, do amor ao traba-lho e da constância, da motiva-ção e da competência profissio-nal. (MARTINS, 2003)

Se queremos, de fato, contem-plar a essência do sonho, do pro-jeto de Champagnat para todas as Instituições Maristas que fos-sem criadas, precisamos, também, educar a sensibilidade de todos os educadores, crianças e jovens para realizarem um trabalho solidário, voltado à intervenção na realida-de das comunidades que atendam crianças e jovens em estado de vulnerabilidade social, através de projetos sistemáticos de volun-tariado. O documento “Missão Educativa Marista (p. 41) traz-nos esta reflexão:

Nossa fé nos faz ver o rosto de Jesus nos que sofrem e procuram fazer algo pessoalmente para aliviá-los. Mais ainda, sentimo-nos incomodados e indignados ante as estruturas que originam ou condicionam a pobreza e começamos a atuar sobre as causas mais do que sobre os sintomas.

Quando oportunizamos e va-lorizamos espaços e iniciativas de ação solidária e de busca de transformação de realidades in-desejadas, estamos ajudando nos-

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sos alunos a desenvolverem sua humanidade e serem agentes de mudança interna e do status quo. E essa é uma tarefa nossa, como Educadores leigos e Irmãos, num trabalho conjunto, que dê vida e sentido para a Missão Marista de Educar e Evangelizar a geração do século XXI, tal qual projetou Champagnat, quando fundou a primeira escola e preparou os pri-meiros Irmãos para levarem avan-te sua obra.

É do conhecimento de todos que aquela instituição que se afasta de sua missão essencial vai enfraquecendo, tornando-se vulnerável e muitas vezes acaba fechando suas portas. Não deixe-mos que nossas escolas maristas virem apenas grandes centros de especialização dos saberes. Trans-formemos os espaços de nossas escolas em grandes centros de aprendizagens e vivências do que é Ser humano, cristão e compe-tente na construção e prática dos saberes. Essa é a herança marista que precisa ser revitalizada e culti-vada em todas as realidades em que essa congregação se faz presente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando algumas ideias fundamentais a título de conside-rações fi nais, proponho uma re-fl exão sobre nosso compromisso ético e político, enquanto educa-dores maristas.

Por que educar é um compro-misso ético? Vejamos: ética, no dicionário, tem este sentido: “Par-te da fi losofi a que estuda os de-veres do homem para com Deus e a sociedade”. Portanto, na me-dida em que, como educadores, somos negligentes no processo de formação, de educação de nossas crianças e jovens, estamos falhan-do com nosso compromisso éti-co, pois é nosso dever contribuir para desenvolver a inteligência e a humanidade das nossas crianças e jovens, em todo seu potencial.

Educar é um compromisso po-lítico, na medida em que temos nas mãos o poder de elevar, de melhorar as condições de vida dos seres humanos que nos são con-fi ados ou de deixá-los numa situa-ção de despreparo intelectual e es-

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piritual para enfrentar os desafios, as exigências da vida. Nossa prá-tica pode situar-se num contexto de transformação do status quo ou de conservação. E isso é uma opção política que, consciente ou inconscientemente, fazemos pela forma como atuamos e que tem consequências de uma relevância considerável na qualidade de vida das pessoas.

Champagnat fez sua opção política quando elegeu o tipo de educação que desejava para todas as escolas maristas: “Formar bons cristãos e virtuosos cidadãos”. Deixou claro que na educação marista deve haver preocupação em apoiar, incentivar e ajudar os alunos a vencerem suas limita-ções, progredirem na construção de seus saberes, a tornarem-se su-jeitos pensantes, atuantes através de um trabalho dedicado, criativo e comprometido com a transfor-mação de realidades indesejadas.

O papel imprescindível e in-transferível do educador marista, portanto, é o de ser alguém que se importa, que presta atenção

ao processo de desenvolvimento e de aprendizagem e de forma-ção humana e espiritual de seus estudantes, que age com empatia e, por isso, está disposto a inter-vir, de modo construtivo, coope-rativo e solidário, para que pos-sam evidenciar progressos no seu processo de aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e a conviver, conforme dispõem os quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS, 1996).

Na visão de Champagnat, o educador deve ter estilo acolhedor, aceitar os alunos como são, com suas possibilidades, necessidades e limitações e buscar “o mais alto progresso do gênero humano”. Observa-se, em sua pedagogia, o intuito de deixar muito claro que as relações entre educador/edu-cando têm consequências para o desenvolvimento intelectual e para a formação da personalidade. Considera que o respeito mútuo entre esses dois personagens do processo educativo é fundamental e exorta os educadores a terem pa-ciência, persistência e desenvolver competência para enfrentar o de-

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safi o de educar, sobretudo quan-do tem-se que lidar com alunos, “aborrecidos, grosseiros, ingratos, cheios de defeitos” (FAUSTINO JOÃO, 1998, p. 62).

Sobre essa situação, o autor (Ibi-dem, p. 62), referindo-se ao pensa-mento de Champagnat, afi rma: “[...] se os alunos fossem perfei-tos, não precisariam de cuidados, é porque eles têm defeitos que é necessário dar-lhes boa educação [...]”. E ressalta outra máxima de Champagnat: “Para bem educar os alunos é preciso amá-los e amá--los todos igualmente” (Ibidem, p. 61). O amor, é, portanto, a nota distintiva da pedagogia de Cham-pagnat. Para ele, “o educador que não sabe amar seus alunos não será capaz de educá-los”. (COT-TA, 1996, p. 66). E esse sentimen-to que ele nos orienta a exercitar, comporta algumas exigências (Ibi-dem, p. 68-69):

• Amorexigecompetênciacientífica. O que equivale dizer que não basta ter co-nhecimento; indispensável é também saber orientar

os alunos, apresentar-lhes os temas de estudo de maneira concisa e ao alcance de suas capacidades de aprendiza-gem, saber despertar o inte-resse e impulsioná-los à ação.

• Amorexigetambémcom-petência psicológica para perceber as necessidades dos alunos, quando precisam de uma atitude mais fi rme, com o propósito de corrigir desvios de conduta, como também quando precisam de uma palavra de ânimo, de encorajamento. Essa orientação transparece ní-tida na advertência que faz aos educadores: Se aguda intuição psicológica e mui-to amor não nos fi zerem perceber que determinado aluno atravessa momento de crise, de abatimento, de angústia por motivo de problemas familiares ou outros, corremos o risco de ter com ele comporta-mento ou linguagem que o afastarão para sempre de nós.

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• Amor exige respeito re-cíproco entre educar-dor/educando. Esse res-peito deve ser fruto do amor e da estima.

Conforme seu pensamento, (Ibidem, p. 70) “[...] a falta de res-peito, fere, humilha, fecha a por-ta à ação do educador, faz com que o jovem perca o respeito por si mesmo e desenvolva com-plexos e sofrimentos”.

Para Champagnat (p. 70), a ação educativa consiste num ár-duo trabalho de fundamentação, cultivo e orientação e que, para se efetivar com sucesso, pressupõe o conhecimento do educando e isso só será possível na medida em que for fruto de amor e muita dedica-ção por parte do educador.

Na perspectiva de Champagnat, é fundamental que o educador tor-ne-se um entusiasta no trabalho que desenvolve junto aos alunos: “não basta apontar o objetivo, é preciso ainda entusiasmar o educando para atingi-lo e fazê-lo passar do entu-siasmo ao empenho prático” (p. 70).

Lembremo-nos de que a mo-tivação é um processo interno, mas ela pode ser despertada por estímulos externos. Cumpre aos educadores, pois, tornar os atos de ensinar e de aprender, atos de prazer, que suscitem o desejo, a curiosidade, que mobilizem o su-jeito para ação de construir seu próprio saber, a partir das expe-riências que é capaz de realizar.

Vale lembrar as três virtudes que definiram o jeito de ser e de educar de Maria e que Champag-nat exortou-nos a imitar:

a) Humildade – capacidade de nos reconhecer como seres limitados, imperfei-tos, que travam uma luta constante em busca desse ideal de se melhorar a cada dia, de superar-se, de evo-luir como seres humanos, como cristãos e como pro-fissionais que desejam con-tribuir para a sociedade.

Freire (1997, p. 55) enfatiza que o ato de ensinar exige “consciên-cia do nosso inacabamento”. Só

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evolui quem tem humildade sufi -ciente para reconhecer seus erros e desenvolver uma visão construtiva deles, encarando-os como experi-ências propulsoras, no sentido de nos desafi ar a buscar outras for-mas, outros caminhos alternativos para atingir a meta.

b) Simplicidade – precisa-mos ser simples na nossa maneira de ser, de aco-lher, de nos comunicar com nossos alunos. Jesus era muito simples ao lidar com o povo e comunicar as mensagens do Reino de Deus. Buscava, nas pará-bolas que falavam no coti-diano daquelas pessoas, a relação fundamental com os valores do Reino.

Jesus não fazia distinção en-tre as pessoas e priorizava estar junto àqueles que necessitavam de seu auxílio, daqueles que fra-quejavam. Ele afi rmava que as pessoas sadias não necessitam de médico. Com isso, nos dizia que precisamos nos colocar ao lado daqueles alunos que apresentam

difi culdades, que vivenciam pro-blemas. Jesus foi um líder que nos deixou legítimas lições de inclusão. Mostrou-nos que a sim-plicidade e os gestos de acolhida são atitudes que contribuem para ajudar o ser humano a aprender as grandes lições para a vida.

Que mérito teremos em traba-lhar com alunos, turmas exem-plares, as tão procuradas, dese-jadas, esperadas a cada início de ano letivo? Em que isso nos tor-na mais experientes e sábios na profi ssão? Nossa competência se mostra justamente quando en-frentamos o desafi o de contribuir para modifi car o desempenho daqueles alunos que apresentam difi culdades, quer de aprendiza-gem, quer de comportamento.

Seguramente, não é a quanti-dade de anos que exercemos uma profi ssão que nos faz experien-tes e sábios, mas a quantidade de experiências inovadoras que vi-venciamos, os problemas que en-frentamos e resolvemos. Isso sim é aprendizagem construída que resulta em “experiência”.

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c) Modéstia – eis outra virtu-de de Maria que Champag-nat procurou imitar e nos orientou para, também, assim proceder. Compete--nos realizar nosso traba-lho de modo que todos percebam, sintam e reco-nheçam nosso valor pe-los resultados das nossas ações. Saibamos partilhar o que aprendemos com nossos colegas de profis-são, de forma colabora-tiva, e assim, contribuir para que outros também possam fazer bem feito seu trabalho e ajudar as crianças e jovens as terem uma educação de qualida-de, porque isso será um diferencial nas suas vidas. Não esqueçamos nunca que é o conjunto das virtu-des que forma o caráter e é ele que nos define, que nos identifica junto aos demais. Cuidemos, pois, para que nosso modo de ser e de agir se espelhe nas virtudes de Maria, que Champag-nat tão bem imitou duran-

te seu trabalho enquanto educador e religioso e re-comendou-nos que assim também o fizéssemos.

Com essas reflexões, penso ter contribuído para suscitar e animar um debate em nossas realidades de escolas Maristas e acender o desejo de que outros educadores partilhem, também, sua visão, suas concepções, seus anseios e suas es-peranças de fazer da Educação um meio de libertação, um caminho com muitas possibilidades de tor-nar as pessoas realizadas, plenas, fe-lizes, porque aprenderam a voltar-se para dentro de si mesmas e encon-trar Deus e, a partir desse encontro, voltar-se para os outros e neles des-cobrir a presença desse Deus que nos capacita a ser “ à sua maneira e semelhança” e, exatamente por isso, tornamo-nos capazes de aprender, de nos humanizar, de evoluir en-quanto seres humanos.

Quando assumimos o desafio de educar, devemos ter bem claro na mente duas coisas que parecem simples de dizer, mas são muito difíceis de realizar.

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A primeira: que nem sem-pre vamos abrir caminhos sem ter de arredar as pedras que irão surgir e que criam obstácu-los que nos parecem, por vezes, quase intransponíveis.

Necessitaremos garimpar nos-sa força interior bem lá, no mais profundo do nosso ser, somar e assim, reforçar nossos esforços conjuntamente, para atingir a meta desejada e manter acesa a chama da fé no poder que Deus nos concede para superar as difi -culdades e nos tornar mais expe-rientes, mais sábios e poder ofe-recer contribuições de melhor qualidade à educação, à formação do ser humano.

A segunda, e tão importante quanto a primeira: que mesmo que não consigamos o que nos propusemos, do jeito que plane-jamos, é fundamental termos a plena consciência e tranquilidade de saber que empreendemos os nossos melhores esforços nessa causa e que todos os passos que avançamos, por pequenos que pareçam, representam a medida

de nossa capacidade de supera-ção, e isso é a coisa mais bela do ser humano: superar seus pró-prios limites e avançar sempre em direção às metas do seu pro-jeto de vida.

Urge que caminhemos juntos, como corpo docente e diretivo, em sintonia de propósitos, com um forte e determinado desejo enraizado no coração: o de bus-car superar nossos próprios limites, procurando ser pessoas e profi ssionais melhores a cada dia e dando o melhor de nós em busca da concretização dos objetivos da obra Marista.

Creio ser esse, o nosso com-promisso com essa causa, para manter vivo na memória de todas as gerações, o sonho de Champagnat. Tenhamos sempre presente nas nossas mentes e co-rações o lema do ano vocacional Marista de 2004, que é um apelo a todos nós, Educadores Leigos, Irmãos e demais membros da Comunidade educativa das esco-las, engajados na missão Marista deste novo século: viva hoje o sonho de Champagnat.

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REFERÊNCIAS

BRANDEN, Nathaniel. Auto-es-tima e seus seis pilares. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

COTTA, Gildo. Princípios edu-cativos de Marcelino Champag-nat. São Paulo: FTD, 1996.

DELORS, Jacques et al. Educa-ção, um tesouro a descobrir. Relatório da comissão internacio-nal sobre educação para o século XXI. Lisboa: Asa, 1996.

FAUSTINO, João Ir. Pensamen-tos de Marcelino Champagnat: Fundador dos Irmãos Maristas/preparação do texto Ir. Faustino João. Porto Alegre: Centro Marista de Comunicação, 1998.

FURET, Jean-Baptiste, et alii. 1853. Guia das Escolas para uso nas casas dos Pequenos Irmãos de Maria: Documento do 2º Capítulo Geral do Instituto Marista. Tradução João José Sa-gin; Virgílio Josué Balestro. Brasí-lia: UMBRASIL, 2009.

IZQUIERDO MORENO. Educar em valores. São Paulo: Paulinas, 2001.

LANFREY, André. Introdução à vida de M. J. B. Champagnat. Traduzido por Baptista Santos. Brasília: UMBRASIL, 2011.

MARTINS, Ir. FMS Adelino da Costa. Estilo Marista de educar. Porto Alegre: EPECÊ, 2003.

Missão Educativa Marista: um projeto para nosso tempo. Comis-são Interprovincial de Educação Marista (1995-1998). 2ª ed. São Paulo: SIMAR, 2000.

RYAN, Ir. Gregory. Um guia para o educador Marista. São Paulo: FTD, 1989.

VIGNAU, Henri. Ir. Et al. Missão Educativa Marista - Um pro-jeto para o nosso tempo. Belo Horizonte: Casa de Editoração e Arte, 1999.

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22. Anderson Roberto dos Santos – HYPERLINK “mailto:[email protected][email protected] Vice-diretor e Coordenador Pedagógico do Colégio Marista São LuísMestre em Educação, com graduação em Estudos Sociais – História.

Anderson Roberto dos Santos22

ESTUDOS

RESUMOO presente texto é uma síntese das discussões realizadas no Curso de Espiritualidade

e Patrimônio Marista, que suscitaram inquietações e apontaram e necessidade de

aprofundar a pesquisa sobre temas ligados ao patrimônio. A escolha realizada foi

pela Pedagógica Marista e suas contribuições para a sociedade como um todo e

para o campo da educação em especial. Dentre tantas possibilidades que essa

rica história iniciada com o Padre Marcelino aponta, a opção realizada foi pela

formação do coração, termo utilizado no Guia das Escolas. O objetivo é refl etir sobre,

a importância de uma Educação do Coração na atualidade e como ela se insere na

Pedagogia Marista.

CONTEXTO ATUAL

COMO UMA DAS CONTRIBUIÇÕESA EDUCAÇÃO DO CORAÇÃO

MARISTA PARA ODA PEDAGOGIA

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INTRODUÇÃO

O presente texto é uma síntese das discussões realizadas no Cur-so de Espiritualidade e Patrimônio Marista, que suscitaram inquieta-ções e apontaram a necessidade de aprofundar a pesquisa sobre temas ligados ao patrimônio. A es-colha realizada foi pela Pedagogia Marista e suas contribuições para a sociedade como um todo e para o campo da educação em especial. Dentre tantas possibilidades que essa rica história, iniciada com o Pa-dre Marcelino aponta, a opção foi pela formação do coração, termo utilizado no Guia das Escolas. O objetivo deste texto é refletir sobre a importância de uma Educação do Coração na atualidade e como ela se insere na Pedagogia Marista a partir do Projeto Educativo do Brasil Ma-rista, lançado em 2010, e do “Guia das Escolas” de 1853, o primeiro documento oficial impresso que descreve o pensamento pedagógico e educativo dos Irmãos Maristas.

Para realizar essa tarefa o texto

inicia com uma reflexão sobre os cenários contemporâneos, apon-

tando a necessidade de um novo modelo educativo. Num segundo momento, reflete sobre a edu-cação e a importância da experi-ência educativa nas sociedades. Logo passa para a descrição das compreensões acerca da educação do coração, apresentando como esse tema é trabalhado no Guia das Escolas e no Projeto Educati-vo, bem como seu papel enquanto contribuição dos Maristas para a educação na atualidade, concluin-do com algumas considerações que apontam possibilidades para novas pesquisas.

A EDUCAÇÃO DO CORAÇÃO COMO UMA DAS CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA MARISTA PARA O CONTEXTO ATUAL

Cenários Contemporâneos

Em tempo de globalização, ne-oliberalismo, reestruturação pro-dutiva e todas as grandes trans-formações pelas quais o mundo está passando o desenvolvimen-to das tecnologias de comuni-cação tornaram o mundo muito

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pequeno. Segundo Gilberto Gil, na canção Parabólicamará, do ál-bum “Unplugged” de 1993, “an-tes o mundo era pequeno, porque Terra era grande...” David Har-vey, na Condição Pós-moderna (1989), apontou para a com-pressão do tempo e do espaço como característica deste tempo. Muitas terminologias já tentaram apreender as características desta época, porém segundo consta no Projeto Educativo Marista (2010, p. 25): “nunca em nenhum outro período da história a humanidade viu se transformarem ou ruírem de forma tão rápida e contunden-te as certezas sobre as quais os modos de vida são organizados e controlados”. Logo essas percep-ções nada mais são que impres-sões, ou visões que impactam diretamente na nossa compreen-são de educação, homem, mundo currículo, etc., pois todas essas ideias são forjadas neste tempo.

Richard Sennett vai falar em tempos de corrosão do caráter. Para Sennett, (1999, p.11) “Caráter são os traços pessoais a que damos va-lor em nós mesmos e pelos quais

buscamos que os outros nos valo-rizem”. Segundo o autor, as mu-danças no processo de trabalho, as novas tecnologias de comu-nicação e transporte, criam uma mobilidade que difi culta a forma-ção de laços, e o aspecto do longo prazo, nas experiências emocio-nais, a lealdade e o compromisso mútuo, as metas de longo prazo, a prática de adiar a satisfação em troca de um fi m, tornam-se quase obsoletas para uma grande parce-la da população.

Esta é uma época de constan-te mudança. E parece que falar isso, na atualidade, é praticamen-te uma banalidade, pois esse é um dos maiores clichês ou chavões. A mudança sempre esteve presente em todas as épocas, às vezes mais lenta, outras mais rápida, porém as mudanças constituem o pro-cesso histórico das sociedades. As novas gerações carregam as marcas dessa mudança. Aqueles que têm mais experiências convi-vem com os valores dessa tran-sição, entretanto ambos comun-gam do fato de não saberem a que ponto, o novo os conduzirá.

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Todas essas características dão uma singularidade a este tempo, uma particularidade. Ao mesmo tempo novas categorias vão sur-gindo, novos modos de produção, culturas, diversidades. Essa singu-laridade, assentada sobre a globa-lização, as mudanças nos proces-sos produtivos, as tecnologias de comunicação, as redes sociais, as novas ordens política e econô-mica, vai gerando inúmeras pos-sibilidades. Ao passo que novas categorias vão surgindo, proble-mas resolvíveis vão se agravando e novos vão surgindo. Exemplos disso estão na questão ambiental que continua sendo amplamente discutida; outro, as diferenças en-tre pobres e ricos, para citar apenas dois, entre tantos.

Diante desse cenário, em que o futuro passa a ser questionado, as instituições, precisam dar res-postas. A educação, talvez, seja o setor que mais foi chamado a dar respostas nos últimos anos: seja para explicar o sucesso do merca-do e de suas articulações; seja para justificar o fracasso daqueles que estão ficando à margem da socie-

dade. Diante de um mundo em mudança, a educação tem a sua contribuição a dar. Assim a Esco-la, como representante ou tradu-tora das concepções educacionais formais na sociedade, a partir de uma visão restrita de educação, é impelida a apresentar sua propos-ta política, pedagógica para um mundo em movimento. Entretan-to nem sempre a escola desfrutou desse status, e uma compreensão mais ampla da educação pode contribuir nesse caminho.

A educação: da experiência da vida à institucionalização

Ao falar em educação, logo vem a imagem da Escola e parece muito tranquilo este binômio: Educação/ Escola. Mesmo sabendo que a educação está em todos os lugares (igrejas, sindicatos, ruas, casas, por exemplo), não é raro pensar na Es-cola como o lugar único de Educa-ção. Segundo Brandão (1981, p. 7) “todos os dias misturamos a vida com a educação” e de fato a edu-cação é a própria vida, pois durante toda a vida, de certa forma, a pes-soa está se educando.

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Dessa maneira, existe sempre uma série de formas, espaços e tem-pos da educação. Fala-se então de “educações” no plural e não de edu-cação. Brandão (1981, p. 9) aponta que “não há uma forma única nem um único modelo de educação”, ou seja, ela acontece de várias formas, baseada em vários métodos. Cada povo, cada cultura tem o seu modo de educar a partir de seus objetivos. A educação é, como outros proces-sos, uma parte do modo de vida dos grupos sociais e pode ser criada e recriada, entre tantas invenções das sociedades.

Nas sociedades antigas esse pro-cesso educativo ocorria de maneira permanente, associado a tantas ati-vidades quantas houvesse nas al-deias ou comunidades. Nas aldeias dos grupos tribais mais simples, to-das as relações entre a criança e a natureza, guiadas de mais longe ou mais perto pela presença de adul-tos conhecedores, são situações de aprendizagem. Nota-se que o pro-cesso de educação é permanente, envolvendo todos os momentos da vida, e também integral, pois englo-bava todos os aspectos da vida.

Nas sociedades onde já existe uma divisão do trabalho, simples ou mais complexa, também se en-contra esse tipo de educação, po-rém, ela não é reconhecida como tal, e, muitas vezes, é desprezada, pois existem pessoas e instituições que assumem o monopólio da pe-dagogia. Na Grécia, berço da fi lo-sofi a e civilização moderna, estão as bases de algumas das ideias atu-ais e saberes sobre educação. Na pólis grega, a educação pertencia à comunidade – ao coletivo. Como um resultado da consciência de um grupo, sua solidez vinha da so-lidez das normas estabelecidas na tradição. Segundo Aranha (1996, p.50) “a palavra grega para esco-la (scholé) signifi cava inicialmente lugar do ócio”, pois esse ambiente era frequentado apenas pelos que não precisavam se preocupar com seu sustento. A educação ocorria nos banquetes, debates, teatros... A paidéia grega, que segundo Wer-ner Jaeger, é um termo difícil de defi nir, que seria a soma de ex-pressões modernas como cultura, civilização, literatura, educação, propõe a formação de um eleva-do tipo de homem. Esse sujeito é

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formado pela comunidade, no co-letivo, e a escola é uma parte desse processo. Ao discutir as finalidades da Paidéia, os gregos iniciam as re-flexões sobre o papel da educação na sociedade. Esse debate estende--se por muito tempo e chega até a atualidade, mas é na modernidade que ele se acentua.

Na Idade Média, o debate so-bre as finalidades da educação permanece, mesmo com o espaço de reflexão reduzido pelo poder da Igreja. Segundo Aranha (1996, p. 71), “o ponto de partida é sem-pre a verdade revelado por Deus, a autoridade indiscutível do texto sagrado, a que se adere pela fé”, ou seja, o critério é a fé, os Dogmas deixam pouco a que se discutir. As congregações assumem as esco-las, mas com o fim do feudalismo a burguesia começa aos poucos a secularizar essa atividade.

Como época de transição, o Re-nascimento é uma época contra-ditória, ao passo que se desenvol-vem as escolas seculares, também crescem os colégios religiosos e se acentua o debate sobre as finali-

dades da educação. Aranha (1996, p. 90) diz que “é impressionante o interesse pela Educação no Re-nascimento [...] principalmente pela proliferação de colégios e ma-nuais para alunos e professores”. A escola começa a se consolidar como parte de uma proposta, um projeto de civilizar o homem, ou seja, torná-lo parte da civilização que se constitui a partir do olhar da nova classe que surgia.

Desde as propostas de um méto-do de organização do conhecimen-to, o emprego da racionalidade, o cuidado dos manuais, a presença do mestre, podemos perceber que está nascendo a escola tradicional como nós a conhecemos. E diante do estado que nascia, com a com-plexificação da divisão do trabalho, fica como tarefa da escola realizar a educação de todas as classes da sociedade. Começam então os de-bates acerca de qual seria o tipo de educação ideal para cada grupo so-cial, ou se era importante uma úni-ca educação. O que não se discute é que, qualquer que seja o resulta-do, a tarefa de fazer acontecer era da escola.

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A ideia de escola ou de esco-larização está presente nessas discussões sobre os objetivos da educação. Mas é na modernidade que a noção de escola se acentua. O que antes era próprio dos gru-pos e das comunidades, passa a ser unicamente da Escola, que se torna o lugar e o tempo da apren-dizagem na sociedade.

Ao repassar esse monopólio da educação a tarefa complexa da formação que desejavam os gregos, não se completa, pois a escola assume a educação a partir de uma certa idade e com um cur-rículo defi nido, pressupondo al-gumas aprendizagens dos grupos sociais. Talvez muito mais do que metodologias, currículos o debate necessário deveria recair sobre a fi nalidade da educação: para quê devemos educar nossa juventude, nem tanto como, onde e por que, mas para quê? Quanto maior é o dilema, mais urgente é a resposta. Qual seria o possível sentido da atividade educativa? Que tipo de homem e sociedade seriam cons-truídos a partir desse modelo edu-cativo? Todas parecem “perguntas

que não têm resposta” para citar Jorge Trevisol na música “O Segre-do do amor” do álbum, Amor, Mís-tica e Angústia.

Porém, buscando na história do Instituto Marista, encontramos uma possível resposta: somos chamados a realizar uma educação do coração.

A Educação do Coração

O que seria essa educação do coração? Como ela se constitui no âmbito da educação na atualidade? Para auxiliar na construção dessa proposta, a busca realizada con-siderou uma obra que ainda não foi lançada, está em construção, mas que pode ser uma excelente referência nessa discussão e uma inestimável contribuição nesse sentido. A obra em questão é Pe-quenos Grandes Homens: princí-pios fi losófi cos para educação do presente, do fi lósofo, professor e amigo, Flávio Williges, da Univer-sidade Federal de Santa Maria.

A busca pela verdadeira essên-cia da educação nos leva a Descar-tes, que diz, (apud Almeida, 1997,

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p. 157/58): “Os homens, cuja parte principal é o espírito, deve-riam empregar os seus principais cuidados na procura da sabedoria, que é o seu verdadeiro alimento”. Essa concepção de filosofia como sabedoria engloba a inteligência teórica e a inteligência da ação, de ambas resulta uma arte de viver. A filosofia engloba a conhecimento científico e o conhecimento ético, dessa mistura nasce uma forma de viver. Uma sabedoria teórica, que é técnica, científica, e uma sabe-doria da ação, que é ética, que gera a felicidade, o bem comum. A educação do coração teria como ponto de partida a existência hu-mana em seus erros e acertos, po-rém considerando a humanidade como pano de fundo das decisões.

Rompe-se assim com uma cul-tura cerebral e passamos a incor-porar a esses saberes as virtudes. O homem deve usar a razão para fazer seu ajustamento técnico ao mundo, transformando-o se ne-cessário, mas deve também em-preender a sabedoria do coração para garantir a felicidade, sua e dos outros, ou seja, realizar sem-

pre um ajustamento ético ao mun-do, também. Além do ajustamen-to material, haveria uma educação da sensibilidade, um domínio de conhecimentos destinados a pre-parar o homem para lidar com as dificuldades do cotidiano e com questões fundamentais da sua existência, especialmente sua fini-tude e sua própria humanidade.

A educação do coração levaria à construção de uma sabedoria da ação, que considera a ação huma-na, a experiência, como motiva-dora de novas experiências. A re-ferência ao coração e à sabedoria do coração, aparece nas tradições filosóficas e sapienciais de Orien-te e do Ocidente. Nas palavras de um educador indiano, Sri Satya Sai Baba, citado por Williges (s/d): “Educar tem dois aspectos: um material e um espiritual. A edu-cação espiritual destina-se à vida, enquanto a educação material é um meio de vida. A educação ma-terial torna o homem importante, enquanto a educação espiritual o torna bom”. Mais do que a acu-mular títulos e riquezas, a sabedo-ria do coração ensina a bondade.

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Em outras palavras, utilizando a sabedoria popular: “é bom ser importante, porém, mais impor-tante é ser bom...”. Hoje, ao se questionar um grupo de famílias, o que praticamente todas querem é que seus fi lhos sejam felizes, te-nham sucesso, um curso superior, bom emprego, sejam autoridades, ganhem dinheiro, etc.; talvez de poucos ouvir-se-ia o desejo de que os fi lhos sejam bons. Entretanto é também a sabedoria popular que diz, como ouvi muito de minha mãe: “A bondade é duradoura, e a importância é temporária”, ou seja, você pode perder um emprego, um cargo, uma posição, porém o que conquista com a bondade é perene.

Num contexto de uma educa-ção utilitarista, voltada ora para mercado, para os vestibulares ou avaliações externas, pode pare-cer estranho falar em educação do coração. Mas o que seria essa educação? Em que consistiria? Mesmo sem essa base, aparece no senso comum um núcleo de uma sabedoria que se encontraria no coração humano. Uma voz do co-ração que indica o certo e o erra-

do. O coração seria responsável pela manifestação das qualidades humanas. Ralph Waldo Emer-son, em “Homens representati-vos”(1996), apresenta sua dou-trina da supra-alma (over-soul), fazendo uma descrição da exis-tência humana que está profun-damente ligada à educação do coração. Essa supra-alma com-preende uma condição humana partilhada por todos e que está acima dos “eus” individuais.

A sabedoria do coração con-siste em possibilitar o entendi-mento do que Emerson chama de Supra-alma, essa transcen-dência. A educação seria o cami-nho para esse desenvolvimento moral, onde somos capazes de contemplar nossa condição e desabrochar em nossa huma-nidade. A tarefa da educação do coração seria a formação de grandes homens.

A educação do coração seria um caminho para o desenvolvi-mento moral e intelectual, onde somos capazes de contemplar nossa fi nita condição humana.

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Essa condição nos faz perceber a existência de um homem maior que nosso “eu”. Segundo Emer-son, “a Natureza parece existir para a excelência. O mundo é sus-tentado pela veracidade dos ho-mens bons: são eles que tornam a Terra salutar” (1996, p. 48). Para esse autor, todos somos seres re-presentativos de algo que o Uni-verso necessita. Nesse sentido, uma educação apenas técnica ou política seria uma redução do po-tencial da educação. A educação do coração nos engrandece.

O Coração, na anatomia, é o músculo estriado de contração voluntária, que funciona como órgão central na circulação do sangue. Na psicologia, o coração, é o interior da pessoa, a fonte da personalidade, livre. Na teologia, o coração é o lugar da misteriosa ação de Deus na pessoa. É o lugar da decisão vital que comprome-te a pessoa com o todo. É onde acontece a experiência do religio-so, do mortal. É a pessoa como um todo, não apenas um lugar. É a visão do interior e não apenas dos atos externados.

Na tradição Judaico-Cristã, o termo coração é muito utilizado. Ele aparece na Bíblia, 1.024 ve-zes, sendo 869 no Antigo Testa-mento e 166 vezes no Novo Tes-tamento. No Antigo Testamento é o centro principal da atividade emocional, sede da inteligência e da decisão. No Novo Testa-mento é a sede da ação divina. Em toda a história da salvação o coração do povo sempre esteve ligado ao coração de Deus, isso é percebido nos exemplos dos grandes homens das narrativas bíblicas. Eles mostram que a ver-dadeira realização de nossa natu-reza (imagem e semelhança com Deus) consiste na manifestação daquelas qualidades maiores, logo uma educação verdadeira deveria seguir nessa direção.

No Guia das Escolas, no ca-pitulo sobre a Sensibilidade, o primeiro tópico que aparece é a “formação do coração”. Antes de apresentar currículo, metodo-logia, o Pe. Champagnat aponta para a educação do corpo, da mente e do coração.

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A Educação do coração no Guia das Escolas

O Guia das Escolas é o pri-meiro documento ofi cial impres-so que descreve o pensamento pedagógico e educativo dos Ir-mãos Maristas. Foi importante na formação dos primeiros Irmãos, como suporte didático. Foi fruto dos trabalhos do segundo Capí-tulo Geral e, segundo o profes-sor Irmão Ivo Strobino, em sua apresentação “sua edição origi-nal apareceu em 1853 [...] o docu-mento foi fundamental na forma-ção pedagógica e na orientação das praticas educativas de gera-ções e gerações de Irmãos, tanto na França, como no exterior”.23

Qual a concepção de educação presente no documento? Já no seu primeiro capitulo, a questão se encontra respondida: A Edu-cação, segundo consta no Guia das Escolas (2009, p. 24) “... é a arte de formar as crianças, ou, em outros termos, é o conjunto de esforços metódicos, mediante os quais se orienta o desenvol-vimento de todas as suas facul-

dades. [...]deve abranger a vida física da criança, tanto quanto a sua natureza intelectual e moral”. Aqui se apresenta uma concep-ção global ou integral de educa-ção. Ela engloba, em termos da época, a fi nalidade de cuidar do corpo e da alma, formar para o mundo natural e sobrenatural.

Como relata o Irmão Fran-

cisco, na Carta de apresentação da primeira Edição do Guia das Escolas (2009, p. 18): “[...] na elaboração desta obra seguimos fi elmente as instruções deixadas por nosso piedoso Fundador no referente à educação da juventu-de”. Essa obra representa a for-ma de perpetuar entre os Irmãos e, posteriormente, entre todos os maristas os princípios educativos apresentados por Marcelino. O Guia destaca a importância da boa educação bem como apre-senta os deveres do Irmão para desenvolver essa educação. Na educação física encontram-se aspectos ligados à higiene, local das aulas, roupas, posturas, bem como os jogos e ginástica. Na questão intelectual, a inteligência

23. Disciplina Primeiros Irmãos do Curso de Extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista da Província Marista do Rio Grande do Sul, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Módulo I, Porto Alegre, ministrada pelo Prof. Ivo Stobino.

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está dividia em inteligência ge-ral, percepção, atenção, reflexão, espírito de observação, discerni-mento e julgamento, imaginação e memória. Na questão moral, o bloco é dividido em dois capítu-los: a sensibilidade e a vontade. No que tange à questão da sen-sibilidade é que aparece a forma-ção do coração.

Segundo consta no Guia (2009, p.46): “enquanto o edu-cador se ocupa em desenvolver e enriquecer a inteligência da crian-ça, deve formar o coração dela. O que chamamos aqui de cora-ção, em psicologia recebe o nome mais exato de sensibilidade”. Ou seja, desde sempre foi uma preo-cupação do Pe. Champagnat que, além da formação intelectual, outra formação fosse oferecida nas escolas Maristas. A sensibili-dade é apontada no Guia como a porta de entrada para chegar à razão, pois até “desenvolver a razão” a criança era levada pela sensibilidade. Hoje se sabe que a razão se desenvolve ao longo de toda a vida e que é um processo e não um fim. O exemplo citado

pelo Guia é muito interessante: “O aluno preguiçoso é capaz de raciocinar admiravelmente sobre a necessidade do trabalho, sem decidir-se a realizar o seu dever de casa”.

Acreditava-se nessa época que o desenvolvimento da razão leva-ria, por si só, o homem ao bem e por isso era necessário dominar os sentimentos, que eram impul-sos negativos que debelavam a ra-zão. Essa ideia aparece de forma clara na maneira como é exposta a educação do coração no relato do Guia. Além da teoria sobre a formação do coração, o Guia apresenta uma proposta prática (2009, p. 47): “Para formar o cora-ção da criança é preciso empregar os três meios seguintes: 1º moldar as ideias; 2º levá-la a praticar atos bons, 3º colocá-la em ambiente fa-vorável”. Dois aspectos chamam a atenção: a questão da prática dos bons atos e do ambiente favorá-vel. O Pe. Champagnat convida a oferecer uma experiência educati-va que seja significativa e transfor-me a vida dos estudantes. Citando como exemplo as boas maneiras,

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destaca que elas são um verniz, que fala do externo, mas quando elas são demonstração da nos-sa estima pelas pessoas, elas são (2009, p. 49) “[...] obra do cora-ção”. Todo bom habito construí-do deve passar pelo coração.

Ao fundar o Instituto, Marce-lino queria uma educação ampla que fosse além do catecismo e das ciências. Para ele, formar o cora-ção era, segundo o Irmão João Batista, (1989, p. 499): “... fazer germinar e crescer as boas dispo-sições. É adorná-lo de virtudes”. A virtude é fruto da sabedoria do coração. Ainda, segundo FURET (1989, p. 501): “Para bem educar as crianças é preciso amá-las e amá-las todas igualmente”. Des-de a experiência fundante com o jovem Montagne (FURET, 1989, p. 56), fi ca evidente a vontade de Marcelino de formar os jovens de maneira integral para que possam pensar na sua vida, mas também na sua fi nitude, principalmente, e buscar aproximar-se de Deus ou da religião como meio de cultivar as virtudes necessárias ao “bom Cristão e bom cidadão”.

A Educação do coração no Projeto Educativo do Brasil Marista

Lançado em 2010, o Projeto

Educativo do Brasil Marista é uma produção coletiva, tendo sido es-crito a muitas mãos, mentes e co-rações, com o propósito de dar unidade ao processo educativo das escolas maristas, sempre com profundo respeito às experiências e trajetórias de cada Província e do Distrito, dialogando com as di-versidades. Dotado de uma atuali-dade ímpar no que concerne às te-orias educativas e necessidades do tempo atual, o Projeto vem para auxiliar a comunidade marista (2010, p. 15) “no alinhamento de conceitos, intencionalidades e de-mais aspectos presentes nas esco-las maristas, de modo a garantir os princípios e valores institucionais na ação pedagógica-pastoral”.

Após 157 anos seguidos da elaboração do Guia das Esco-las, aparece dentre tantos outros documentos, o Projeto Educati-vo com a fi nalidade de estabele-cer e consolidar a Rede Marista

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de Educação Básica, balizando a ação de pertença de cada sujeito e escola ao projeto; colaborando na defesa, promoção e garantia de uma educação de qualidade, evan-gelizadora, comprometida com as praticas solidárias; subsidiando a avaliação da fecundidade evangé-lica e do compromisso da Rede Marista com a construção da “Ci-vilização do Amor”, termo extre-mamente utilizados pela pastoral; explicitando o compromisso ma-rista com as infâncias e as juventu-des; desafiando para o necessário, o novo, apontando para o “inédi-to viável” no processo educativo; Segundo Freire (2006, p.107), ele “[...] que se concretiza na “ação editanda”. A emancipação é esse inédito, é essa ação editanda, uma possibilidade presente em nossa realidade, que na relação com os outros vai sendo construída.

O Projeto Educativo é dividido em quatro grandes blocos, cada um com suas particularidades. Na Dimensão Contextual, é realizada a articulação das necessidades advindas dos tempos atuais, com o Legado de São Marcelino, a par-

tir da presença do Instituto nos contextos históricos e geográficos, destacando essa relação de esca-la local e global do Instituto. Essa dimensão aponta para a evange-lização como missão de todo o cristão e tarefa central de nossa ação, segundo FURET, (1989, p. 312): “Tornar Jesus Cristo co-nhecido e amado: eis o sentido de nossa vocação e a finalidade de nosso Instituto. Se falharmos nesse propósito, nosso Instituto será inútil”. Assim, promovendo a integração entre fé e vida, no contexto atual buscamos “no-vas e criativas formas de educar, evangelizar e defender os direi-tos das crianças e adolescentes”. (UMBRASIL, 2010, p.38)

Na Dimensão Conceitual, es-

tão apresentados os princípios, valores e teorizações utilizadas pelo projeto educativo. Apresen-ta também a abordagem própria da Pedagogia Marista, “uma pe-dagogia muito prática, focada na presença, no amor à natureza, na solidariedade e no aprender fa-zendo” (UMBRASIL, 2010, p. 42). Uma pedagogia do amor,

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da dedicação, da presença, do respeito e das aplicações práti-cas cotidianas. Com um estilo educativo próprio, diferencian-do-se pela presença, pelo es-pírito de família, pela simplici-dade, pelo amor ao trabalho e pelo agir à maneira de Maria. A educação, de acordo com o Pe. Champagnat: “... é mais do que um processo de transmissão de informações: é o meio podero-sos de formação e transforma-ção das mentes e dos corações das crianças e dos jovens” (UM-BRASIL, 2010, p. 52).

Na Dimensão Operacional,

está a articulação das práticas edu-cativas e de gestão com as concep-ções teóricas assumidas. Segundo consta: “As escolas maristas são espaçostempos privilegiados para o pleno desenvolvimento do ser humano em todas as suas dimen-sões” (UMBRASIL, 2010, p. 66). São espaços de divulgação dos va-lores do Evangelho. Somos desa-fi ados a “integrar rigor cientifi co, excelência acadêmica, formação cristã, cultura da solidariedade e da paz, sensibilidade estética, forma-

ção política e ética, ação pastoral e consciência planetária. Para tanto somos espaçotempo de pastoral que articula fé e vida: da pedagogia do amor, da presença, da escuta/diálogo, do cuidado, da solidarie-dade e do anúncio da Boa-Nova”; Espaçotempo de investigação e de produção de conhecimen-tos: da pedagogia da pergunta, da pesquisa, do questionamento, da refl exão, da sistematização de conhecimentos, de saberes e seus discursos; Espaçotempo da cria-ção: da pedagogia da invenção e produção de arte, ciências, estéti-cas, fi losofi a e discursos; Espaço-tempo do aprendizado político e ético: da pedagogia da negociação e dos acordos, da interação com a diferença; Espaçotempo de cons-trução de projeto de vida: o cui-dado consigo mesmo e com os outros que contempla vocação, missão e solidariedade; Espaço-tempo de formação continuada dos profi ssionais de educação: do perfi l ao profi ssionalismo; Espaçotempo de avaliação con-tínua: de processos, projetos, práticas, sujeitos, instituições” (Projeto Educativo, pp. 67 a 70).

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Na construção do Projeto de Vida os aprendizados político e ético são essenciais, pois eles de-notam a existência de uma expe-riência educativa que transparece no Projeto. Assumimos o prota-gonismo juvenil e a centralidade do processo no estudante, pois (2010, p. 74): “os estudantes ma-ristas são sujeitos de sua apren-dizagem e têm com uma de suas funções articular os saberes cons-truídos no espaço escolar com as experiências vividas, o que resulta na construção de novos conhe-cimentos e habilidades que os colocam em condições de agir e interagir na sociedade e em suas distintas realidades”.

O Projeto Educativo reconhece

os educandos como protagonistas, sujeitos do processo educativo e não destinatários. Reconhece que nas suas vivências humanas, so-ciais, culturais vão se com-formando, socializando e construindo subje-tividades. Aqui reside a experiên-cia educativa da qual se fala, pois a partir de um processo permanente essa experiência acontece e aponta para a experiência educativa.

Assim como nos primórdios do Instituto Marista, hoje, motivados pelo legado fundante recebido de Marcelino Champagnat que para bem educar é preciso amar, e se-guindo as diretrizes do Projeto Educativo do Brasil Marista, a edu-cação do coração se afirma como processo necessário e vital para uma educação integral e integrado-ra. Essa tarefa de gerar a vida atra-vés de uma educação que encontra nas matrizes curriculares essa for-ma peculiar de se concretizar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Em sua utopia de civilizar o

homem moderno, a sociedade apostou na escola como forma de concretizar esse sonho. O Es-tado ao assumir na modernidade vários monopólios, e dentre eles o da Educação, necessitava regu-lar de certa forma essa atividade a fim de que pudesse dar conta de sua universalização e controle. Ao criar a escola, o espaço para cum-prir esse empreendimento estava garantido. Em relação ao tempo, os debates sobre a aprendizagem e a pedagogia, desde a antiguida-

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de, eram efervescentes. A refl exão sobre a categoria tempo indicava: quando essas aprendizagens acon-teceriam, ou melhor, até quando seriam possíveis essas aprendiza-gens? É nesse sentido que surge a necessidade de se pedagogizar, em primeiro lugar, a infância e fazer dela o tempo da aprendizagem.

Ao produzir este novo sujeito, fala-se da escola como algo que pudesse existir de maneira autô-noma numa sociedade. Na verda-de, um tempo e um espaço, fora do tempo e espaço das sociedades, pois ela tem o dever de preparar os futuros cidadãos. Parece que num certo momento as pesso-as são sequestradas da sociedade para uma Escola que fi ca indepen-dente dos problemas do mundo, alheia a tudo o que acontece. E em seguida serão devolvidas para a sociedade. Parece que fogem do mundo para aprender num lugar que nada tem a ver com o mun-do e que depois vão volver outra vez ao mundo/sociedade. Dessa forma percebemos a idealização dos conceitos modernos da edu-cação. Pretendi apontar como, ao

longo da História, a educação foi retirada da responsabilidade social do grupo para depois se reinserir, na perspectiva de uma sociedade que já não existia. Idealizamos educação e sociedade para depois dialogar com esses dois entes que nada dizem para os grupos. Esses grupos que, por sua vez, intera-gem no espaço mundo, não são mais uma sociedade no sentido localizável. Poderia-se falar de um descolamento da educação da so-ciedade, um afastamento. Se antes a educação era tarefa de todos, agora com essa independência, ela é uma tarefa de um especialista. Precisamos pensar numa escola dentro da sociedade como fruto dela, de suas intenções políticas e pedagógicas.

A educação na atualidade tem sido pautada em valores prag-máticos, vinculados sobretudo na sobrevivência, dentro de um mercado seja como produtores, consumidores ou expectadores desse espetáculo. As escolas re-produzem em seus pátios toda a engrenagem da sociedade, onde os valores deixam de ser a primei-

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ra ordem do dia. Não existe busca pelo melhor das pessoas, simples-mente pelo melhor. Qual esco-la ensina a lidar com os relacio-namentos de modo a não sofrer nem causar sofrimentos? Qual escola ensina métodos de acalmar o espírito diante da terrível tare-fa de viver? Que escola ensina a não querer tudo que pode ser ad-quirido e não adquirir tudo que se deseja? Que escolas retomam as grandes histórias, narrativas que durante anos serviram de guias para a sociedade?

A sabedoria do coração não está vinculada a uma religião ou tradição religiosa. A religião pode ser um meio para desenvolver, porém o essencial é transcender a experiência do “eu”. A educação do coração consiste num proces-so de distanciamento em relação ao eu cotidiano, e do eu como unidade em direção ao eu como humanidade, isso que Emerson chama de supra-alma. Ou seja, a consciência de que somos mais de que nosso “eu” individual. Deve-mos reconhecer que nossa alma é finita, frágil, que marcha em di-

reção a um mistério, diante do qual cabe apenas a contemplação. Toda a criação está assim organi-zada. Uma educação do coração traz isso presente aos nossos estu-dantes e possibilita o desenvolvi-mento de grandes homens, de ho-mens representativos, aqueles que dão gosto à existência e enchem a Terra de alegria.

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FURET, Jean-Batiste. Vida de

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VEIGA, Cynthia Greive. A esco-larização como projeto de civiliza-ção. In: REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. São Paulo: Autores Associados, 2002. nº 21

WILLIGES, Flávio. Pequenos Grandes Homens: princípios fi losófi cos para educação do pre-sente. Obra em construção

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24. Supervisora Educacional da Gerência Educacional da Rede de Colégios Maristas do Rio Grande do Sul e Brasília, mestranda em Gestão Educacional pela UNISINOS-RS, Pedagoga – Orientadora Educacional e Psicopedagoga com Especialização em Psicologia nas Organizações.

Viviane Marie Leal Truda24

ESTUDOS

RESUMOO propósito maior deste estudo foi discutir sobre a disciplina na educação marista,

como possibilidade de ampliação e de transformação de práticas alienantes em

formas alternativas educativo-pedagógicas de pensar e realizar a práxis escolar

de crianças e adolescentes. Partimos da análise do sentido de disciplina e no seu

entorno trabalhamos a tensão dos sentidos e dos limites e o papel do educador

à luz dos princípios de Champagnat. Defendemos a concepção humanizadora,

emancipatória de disciplina na escola marista e apresentamos os pressupostos

teóricos e pedagógicos que sustentam esse posicionamento. Apresentamos o

desenvolvimento da espiritualidade atrelado à disciplina emancipatória como

diferencial qualitativo na formação marista. A disciplina também foi analisada,

considerando que seu equacionamento perpassa por, pelo menos, dois parâmetros

básicos: sentido e limite.

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Eu tenho uma espécie de dever, de dever de sonhar, de sonhar sempre, pois sendo mais do que um expectador de mim mesmo, eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.E assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, invento palco, cená-rio para viver o meu sonho entre luzes brandas e músicas invisíveis.

(Fernando Pessoa)

INTRODUÇÃO

A disciplina na escola é tema recorrente de preocupação entre os educadores, e como educadora há mais de 35 anos, interagindo e acompanhando o cotidiano de professores e estudantes, temos percebido os descaminhos percor-ridos por professores e professo-ras, que no afã de educar em nome da disciplina empreendem, equivo-cadamente, seus esforços no en-gessamento, no autoritarismo e na obediência em detrimento da inte-ração do estudante com o conheci-mento e com a realidade.

Este texto trata o binômio edu-cação e disciplina, e tem como

objetivo refletir sobre a disciplina como componente importante na organização escolar marista, tendo em vista suas finalidades educativas, além de discutir, ain-da que perifericamente, sobre o papel da escola e suas consequ-ências na formação marista de crianças e adolescentes.

Ao considerar que a educação é um processo de humanização, um processo em que as pessoas se organizam de modo intencional, para, na relação inter e intrapes-soal, se apropriar dos avanços da civilização em prol da coletivida-de humana, podemos dizer que é uma ordem consentida livremente entre os interlocutores do proces-so educativo, fundamental na re-gulação das organizações sociais.

Lidar com a disciplina na escola parece difícil, exatamente porque há dificuldade em se chegar à or-dem consentida livremente entre os protagonistas da ação educati-va. Problematizar acerca dos fins da educação e sobre os códigos disciplinares coerentes a esses fins parece ser o primeiro passo para

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a mudança de percepção sobre o tema em tela.

O interesse em compreender e aprofundar estudos na área da edu-cação marista na ótica da discipli-na justifi ca-se como possibilidade de ampliação e de transformação de práticas alienantes em formas alternativas educativo-pedagógicas de pensar e realizar a práxis escolar de crianças e adolescentes.

A intenção deste estudo também foi buscar possibilidades validadas pela interlocução documental ma-rista em favor do cumprimento, dos princípios educativos de Champag-nat como meio de transformação e de avanço na prática pedagógica de educadores maristas.

Na elaboração deste traba-lho, entendemos ter assumido compromisso formal, buscan-do o rigor, a clareza das ideias, a interlocução teórica marista e científi ca, a construção de argu-mentos pertinentes e assumindo também, de forma indissociável, compromisso político, pois de-cidimos, de forma responsável e

coerente, pesquisar um tema que pode contribuir para melhorar a efi cácia das relações socioeduca-tivas da sala de aula.

Discutimos neste texto o sen-tido de disciplina e no seu en-torno trabalhamos a tensão en-tre sentido e limite, e o papel do educador marista.

É na dinâmica entre disciplina imposta e não disciplina que se situam a preocupação, as dúvidas e as incertezas dos professores e estudantes nas escolas e que trazemos à roda de diálogo os documentos maristas inspiradores de uma prática disciplinar amorosa e emancipatória.

PARA COMEÇO DE CONVERSA

A (in)disciplina na escola pare-ce estar bastante atrelada à obedi-ência, pelo menos é nesta direção que grande parte dos educadores apontam para justifi car o baixo rendimento dos estudantes. De-pura-se daí que a concepção de educação que baliza esta ideia é

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25. Vale registrar, que neste estudo, a heteronomia é entendida a partir do viés piagetiano, quando trata do desenvolvimento moral da criança. Para esse autor, a anomia é ausência de regras, a heteronomia quando as regras são impostas pelos adultos, e a autonomia quando o sujeito atingiu sua consciência moral.

a de uma educação em prol da submissão e da heteronomia25. Será que é papel da escola no mundo dinâmico e complexo, em que a agilidade de pensamento e a necessidade de tomada de de-cisões é uma constante, educar para a disciplina? Parece-nos que há uma dicotomia entre educar e disciplinar. Neste momento trago à roda de discussão Paulo Freire (1977, p. 42), que ao refletir sobre a ação cultural para a libertação diz que “toda prática educativa implica uma concepção de seres humanos e de mundo”.

Numa concepção humaniza-dora e emancipatória, a disciplina na escola deve ser tratada como uma ação cuja finalidade é a de ajudar a pessoa a possuir auto-nomia. Evidentemente, que isso pressupõe preparo, mediação dos educadores, possibilitando às crianças e aos jovens a trajetória através de estágios de interdepen-dência, que são distintos entre si conforme a fase de desenvolvi-mento em que se encontram os estudantes. É um processo, que exige de quem educa intenciona-

lidade respeitosa, isto é, consci-ência de que é preciso respeitar o tempoespaço de cada um, para que cada pessoa possa no seu movimento de amadurecimento, ir construindo a autonomia, o que implica capacidade de resistir à manipulação intelectual.

A Educação Marista, de acordo com o Projeto Educativo do Bra-sil Marista (2010, p. 18), assume o compromisso com as infâncias, adolescências e juventudes e vida adulta, propondo-se a atuar na de-fesa, promoção e garantia dos di-reitos de cada uma dessas etapas, considerando tempos, saberes e fazeres e, desse modo, valorizan-do suas culturas e subjetividades. Isso implica em prática educativa voltada à presença, ao cuidado e ao afeto, sem deixar de ser crítica.

Champagnat (FURET, 1989, p. 498), preocupado com a for-mação das crianças e dos jovens postula que:

Se fosse apenas para ensinar as ciências humanas aos jovens, não haveria necessidade de Irmãos: bas-

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26. Ir. Ivo Strobino, professor da disciplina Champagnat e os Primeiros Irmãos. UMBRASIL - Curso de Extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista, Braslândia, 2010.

tariam os demais professores. Se pretendêssemos ministrar apenas a instrução religiosa, limitar-nos--íamos a ser simples catequistas. O nosso objetivo, contudo, é mais abrangente. Queremos educar as crianças, isto é, instruí-las sobre os seus deveres, ensinar-lhes como praticá-los, infundir-lhes o espírito e os sentimentos do cristianismo, os hábitos religiosos, as virtudes do cristão e do bom cidadão. Para tan-to, é preciso que sejamos educado-res, vivamos no meio das crianças e que elas permaneçam muito tempo conosco.

A refl exão de Champagnat nos faz perceber que a formação do ser humano está para além da ideia de sujeitos civilizados. O cultivo da espiritualidade é uma dimensão do ser humano que possibilita ultra-passar e transcender, apurar e subli-mar seus instintos, distinguindo-o do animal. Isso se consolida com a presença interativa do educador, que provoca o pensar, instrui com deveres e sensibiliza ao respeito em todas as suas dimensões, e que é di-ferente de disciplinar.

Inquietação, questionamento, indisciplina são inerentes às crian-ças, adolescentes e jovens de todos os tempos. Essas características, além de esperadas, são saudáveis. Dramático e preocupante é nos depararmos com crianças e jovens passivos, silenciosos, amarrados em suas classes, um atrás do outro. Esse quadro nada tem de pedagó-gico, pois limita, castra, subjuga e, o que é pior, aliena o estudante.

Segundo Strobino26, a discipli-na a que Champagnat se referia tinha como elementos fundantes a educação da consciência, a educa-ção da inteligência e a educação da vontade. Respeitar os processos de cada um dos meninos era elemen-to determinante na pedagogia de Champagnat, ele tinha clareza de que cada pessoa aprende de acor-do com o seu tempo, assim como também considerava importante e tomava como princípio pedagógi-co prioritário, privilegiar e acompa-nhar os estudantes mais frágeis.

Sentir-se bem na escola era um dos focos que tinha em seu traba-lho educativo.

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27. www.maristas.org.br/portal/pagina.asp?IDPag=704 Disciplina um assunto que ultrapassa os muros da escola.

Introduzindo o canto, o Pe. Cham-pagnat propunha-se ainda atrair os alunos e afeiçoá-los à escola, pelo prazer puro e inocente que o canto lhes oferece, mantê-los na alegria e no contentamento, fazer-lhes sabo-rear os encantos da virtude, instruí--los agradavelmente nas verdades da religião, inspirar-lhes sentimentos de piedade e banir os cantos profanos (FURET,1999, p. 490).

Considerava esse princípio fundamental para que o meni-no se sentisse acolhido e com vontade de retornar à escola. Assim como o Padre Champag-nat, muitos educadores e educa-doras têm como objetivo uma educação que estimula o conví-vio escolar humano, o respeito, a alegria, a vivacidade peculiar a pessoas felizes, o desenvolvi-mento intelectual e afetivo. O que não significa ser permissivo a tudo, mas a qualquer tempo es-tar ciente de que:

o limite dado com afeto e diálogo contribui para que a relação se dê permeada de respeito. A garantia

da permanência desse limite, opor-tuniza à criança e ao jovem o seu desenvolvimento e a construção de sua autonomia. Limite é cuidado, é a tradução real de amor que o adulto educador pode manifestar para com o educando (TRUDA, 200927).

CRISE DOS SENTIDOS E DOS LIMITES

É importante o educador se dar conta de que o limite está sempre associado a algum sentido, a alguma finalidade. O que quer dizer, que a questão da disciplina, portanto, não pode ser equacionada fora de dois parâmetros básicos: sentido e limite. Vasconcellos (1995, p. 25) tece uma crítica adequada à insegurança dos educadores frente ao ato educativo e justifica seu posicionamento refletindo sobre a desorientação geral em que se encontra a sociedade ao dizer que:

Há uma crise da racionalidade, cri-se dos projetos sociais, das utopias, crise da autoridade em nível mun-dial, mudança no sistema de valores.

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Constata-se que as agências produ-toras de sentido (partidos, família, escola, ciência) estão em crise. É a crise da disciplina no contexto da Pós-Modernidade” (VASCON-CELOS, 1995, p. 25).

Essa análise leva-nos a olhar a escola de modo mais focado. A alegria de aprender passa pelo sentido que se dá ao que está sendo aprendido. Parece-nos que atualmente a escola não tem muita clareza em relação ao seu papel e, por consequência, este sentido não está socialmente bem defi nido. Sabemos que a crítica à forma de organização da escola não é novidade. Muitos teóricos, desde o século XVIII, já condenavam os métodos uti-lizados que se baseavam na repe-tição e memorização de conteú-dos. Acreditava na experiência direta por parte dos alunos, a quem caberia conduzir pelo pró-prio interesse o seu aprendizado. Mais do que instruir, no entanto, para ele a educação deveria se preocupar com a formação mo-ral e política.

Porém, é importante ressal-tar que essa análise se restringia à dimensão pedagógica. Poste-riormente vários estudiosos da área trouxeram à baila o papel político e social da escola, em contraposição à imagem velada que se passava dela.

Hoje a escola reconhece, ain-da que teoricamente, seu com-promisso político e social na formação de crianças e jovens. Mas junto a esse reconhecimen-to parece vir acompanhando o desconforto de gestores e pro-fessores sobre o que focar como elemento essencial no processo de formação educativa. Afi nal, educamos para quê? Na mesma proporção falta perspectiva ao jovem – estudar para quê?

No discurso afi rma-se que o papel da escola é o da formação de um homem crítico, justo e fraterno. O que pressupõe que essa pessoa deva ter a capacida-de de autogerenciamento, isto é, autonomia moral e intelectual. É a formação de um ser humano responsável pelo seu ser e es-

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28. VASCONCELLOS, Celso dos S. Disciplina – construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. São Paulo: Libertad, 1995.

tar no mundo, comprometido consigo e com a sociedade que o rodeia. Nessa perspectiva, a pedagogia marista, conforme as-segura o Projeto Educativo do Brasil Marista:

[...] promove o diálogo entre as ciên-cias, as sociedades e as culturas sob uma perspectiva cristã da realidade e, dessa forma, permite entender as necessidades humanas e sociais contemporâneas, questioná-las, tra-çar caminhos e modos de enfrentar as problematizações. (PROJETO EDUCATIVO..., 2010, p. 43)

Esse posicionamento requer gestores, professores e famílias trabalhando interativamente na direção de sujeitos responsavel-mente atuantes.

Em regra, a maioria das insti-tuições educativas parece não es-tar com seus autogerenciamentos definidos, ficando os estudantes também desorientados. No conta-to diário com os educadores evi-dencia-se a angústia de como agir frente a situações de indisciplina.

O PAPEL DO EDUCADOR

“Não gosto de ser autoritário, mas não sendo, como reverter a indisciplina?”. “Punir ou não pu-nir?”. “É possível castigar sem conflito?”. “A rigidez é pré-requi-sito da disciplina? Odeio o autori-tarismo!”. Essas e outras questões fazem parte da rotina de educado-res e educadoras de nosso país em relação à disciplina. Dos liberais convictos aos conformados e au-toritários há uma postura frente à disciplina que desvela falta de fir-meza, convicção naquilo que está sendo proposto.

Diante desse panorama, os professores, geralmente op-tam conforme Vasconcellos28

(1995, p. 28) por:

impor uma disciplina “custe o que custar”, recorrendo a instrumentos de coerção como penalidades e, princi-palmente, à nota, ou, por outro lado, deixar como está para ver como é que fica numa verdadeira demissão de sua tarefa de educador (às vezes até como justificativas e discursos sociológicos). (VASCONCELLOS, 1995, 28)

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29. I Capítulo Geral do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria; 1852-1853-1854

A pedagogia marista, partindo do convívio que os estudantes ex-perimentam, procura educar pelo diálogo franco e amoroso e por meio de exemplos e atitudes co-erentes entre o que se diz e o que se faz. O Guia das Escolas (2010, p. 103) sustenta que:

A disciplina fortifi ca a vontade do aluno e dá-lhe energia para resistir ao mal e para combater as inclina-ções viciosas; ela premune-o contra a inconstância e contra o capricho; ela forma-o para o bem, ensina-lhe a querer e faz com que contraia o hábito do dever.

Isso porque a disciplina eman-cipatória trabalha o sujeito para que ele perceba o reconhecimen-to de ser condicionado, mas que consciente do seu inacabamento supera suas fragilidades e trans-cende para além dele. Esse proces-so permite ao estudante perceber que a disciplina requer consciên-cia de que as ações que pratica-mos sempre repercutirão em nós mesmos e no nosso entorno, que brotam das implicações de ser e

estar no mundo de modo respon-savelmente assumido.

A determinação de regras, li-mites são fatores iluminadores na formação de crianças e jo-vens. Dizer o que é permitido fazer e o que não é, justifi cando as consequências, ajuda os estu-dantes a se organizarem e a dis-cernirem sobre os fatos e as situ-ações. Ir. Silveira (1994, p. 155)29

narra que “os próprios Irmãos deverão ser extremamente pon-tuais para entrar em sala às 7h30 da manhã e às 13h, para o período da tarde. [...] A pontualidade dos mestres é o meio mais efi caz para se conseguir a pontualidade e a as-siduidade dos alunos”.

O depoimento do Ir. Silveira ilustra o que Freire (1993) já defen-dia, educa-se pelo exemplo, muito mais do que pelas palavras. Dar parâmetros às crianças e jovens é necessidade educativa. A cultura-lidade, sociabilidade, politicidade da educação faz dela um proces-so por meio do qual se articulam grandes e pequenas ações inten-cionais e se produzem conheci-

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30. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

mentos, saberes, valores e relações de poder. O que faz da educação um processo fundamental no de-senvolvimento das pessoas e neste processo a corresponsabilidade de pais e educadores “por constituir, interativa e culturalmente, as con-dições da criação e da circulação de saberes, de valores, de motiva-ções e de sensibilidades” (BRAN-DÃO, 2002, p. 45)30, dito de outro modo, a disciplina na perspectiva educativa emancipatória é a ex-pressão de ações, cuja finalidade é a socialização de princípios e valores que ajudarão na forma-ção de sujeitos cultural, social e politicamente contextualizados e comprometidos com seu tempo. Essa disciplina é geradora de ho-mens e mulheres que, de acordo com o Ir. Sammon (2008, p. 20), “não aceita verdades acabadas, coloca os sentimentos acima da razão, promove a tolerância, aco-lhe a diversidade e a pluralidade e é marcada pelo retorno à religião e à espiritualidade”.

O pensamento do Ir. Sammon aponta para um repensar dos edu-cadores, no sentido de que perce-

bam, por um lado, a complexidade da disciplina, como participa dele, e, de outro, que, por esta participação mesma, tem um poder em mãos. Parece que o primeiro passo a ser dado pelo professor é a sua assun-ção na participação da condução da disciplina, que está, por uma série de equívocos, contribuindo para a distorção da educação. Participar significa “fazer parte de”, “tomar parte em”; tomar consciência disso implica reconhecer que tem a ver com a disciplina: “A disciplina na escola faz parte também da minha função de educador” (2008, p. 20). Isso pode parecer simples ou mes-mo óbvio, mas a prática tem revela-do a incrível dificuldade de o profes-sor se dar conta da sua participação. Consolidou-se no senso comum educacional, talvez até como uma espécie de defesa psicológica, um conjunto de justificativas e de atri-buição de responsabilidades a ter-ceiros: os pais, as determinações do sistema, os próprios estudantes, etc.

A problematização auxilia o educador a discernir, assim, é pru-dente questionar-se: como é que a disciplina se concretiza objetiva-

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31. SAMMON, Seán D. Ir. Corações novos para um novo mundo. Circulares do Superior-Geral dos Irmãos Maristas, Roma, v.31, n. 4, 8 set. 2008, p.20

mente na sala de aula, na escola? No deslocamento do problema para a questão, estabelece-se a contradição no sujeito: não quero a educação passiva, seletiva, toda-via, estou na prática, contribuindo com ela na medida em que distor-ço seu sentido, através de minhas práticas concretas.

Assumir a contradição é uma necessidade, pois alude à existên-cia de tarefas, de projetos para já e que estão ao alcance do profes-sor. A percepção da contradição em si mesmo, deseja uma coisa, mas faz outra, é um caminho fér-til nas refl exões com os educado-res, mobilizando-os para outras análises e posicionamentos.

O educador tem poder nas mãos, capacidade de intervenção no real; a perspectiva é usar esse poder de forma diferente o en-frentamento da questão educativa na sua especifi cidade acaba con-tribuindo, para o enfrentamento de outras questões pedagógicas, na medida em que o professor vai resgatando o seu real papel. Mas, para isso, dialeticamente, concep-

ção teórica e prática precisam estar afi nadas, pois a mudança de postu-ra implica mudança de ambas. Para mudar a prática é preciso mudar a concepção e vice-versa.

É certo que a disciplina que engessa, tolhe e oprime apresenta deformações na formação das pessoas, assim como, a não disciplina, por sua vez, também deixa sequelas difíceis de serem resgatadas, além de limitarem as possibilidades de avanço na perspectiva humanizadora. No entanto, essas constatações exi-gem que levemos em conta

[...] o reconhecimento de que para atingir nossa meta, nossos corações devem estar abertos à mudança, mas, ao mesmo tempo, precisam ab-sorver a melhor herança do passado. Uma renovação genuína jamais o descarta, ainda que procure liber-tá-lo das armadilhas da história (SAMMON, 2008, p.20)31.

Diante disso, cabe aos adultos educadores permanecerem aber-tos aos apelos da contempora-

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neidade que carecem de bons exemplos e limites, mas também tendo sempre presente em suas ações o amor e o afeto às infân-cias e juventudes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concepção teórica e concei-tual de disciplina adotada neste estudo buscou aproximar, na con-temporaneidade, o nosso com-promisso de educar pela evangeli-zação ao ethos do Instituto Marista.

Mais do que parecer ser, a edu-cação deve desenvolver-se para consolidar ações que expressem nosso jeito marista de pensar e de ser. Nesse sentido, o professor precisa ficar atento ao seu desen-volvimento constante no que se refere à ampliação de suas com-petências e habilidades para um desempenho docente que ilumine os estudantes a serem e a agirem dentro dos princípios experimen-tados, para que possam no futu-ro propagar o que aprenderam e vivenciaram. Porém, isso só será possível se houver disciplina como forma de autogerenciamen-

to do sujeito, isto é, como desen-volvimento da autonomia moral, ética e intelectual.

Educar requer que a ação de quem educa sirva de âncora para que aquele que aprenda possa também desenvolver e propagar competências e habilidades iguais às aprendidas e, talvez, ampliadas para além delas.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola ci-dadã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1993.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros es-critos. Rio de Janeiro: Paz e Ter-ra, 1997.

FURET, João Batista. Vida de José Bento Marcelino Cham-pagnat, 1789-1840: padre funda-dor da Sociedade dos Irmãozi-

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nhos de Maria. São Paulo: Loyola, 1989, p. 498.

PROJETO EDUCATIVO DO BRASIL MARISTA: Nosso jeito de conceber a Educação Básica. Brasília, 2010.

SAMMON, Seán D. Ir. Corações novos para um novo mundo. Cir-culares do Superior-Geral dos Irmãos Maristas, Roma, v.31, n. 4, 8 set. 2008, p. 20

SILVEIRA, Irmão Luiz. II Ca-pítulo Geral do Instituto de Maria: 1852-1853-1854. Belo Horizonte: Centro de Estudos Maristas, 1994.

VASCONCELLOS, Celso dos S. Disciplina: construção da disci-plina consciente e interativa em sala de aula e na escola. São Paulo: Libertad, 1995.

TRUDA, Viviane Marie. Discipli-na um assunto que ultrapassa os muros da escola. Educação em Revista, SINEPE/RS, Porto Ale-gre, n.73, maio. 2009, p. 18. ______, Viviane Marie. Disci-

plina, um assunto que ultrapassa os muros da escola. Portal Ma-rista, Porto Alegre, set. 2009. Disponível em: < http://www.maristas.org.br/portal/pagina.asp?IDPag=704 >. Acesso em: 10.nov.2011.

UNIÃO MARISTA DO BRASIL. Guia das Escolas: Documento do 2º Capítulo Geral do Instituto dos Irmãos Maristas, em 1853. Brasília – DF: UMBRASIL, 2010.

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32. Arlindo Corrent, Irmão Marista. Formado em Pedagogia e Psicologia, realizou cursos de aperfeiçoamento no exterior. Foi Provincial da antiga Província Marista de Porto Alegre por dois mandatos consecutivos, de 1981 a 1987. Foi diretor do Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, e fundador do Marista João Paulo II, em Brasília. De 2009 a 2012 foi Diretor-Presidente da União Marista do Brasil (Umbrasil) e, desde 2009, é assessor da Pró-Reitoria de Administração e Finanças da PUCRS.

Arlindo Corrent32

ESTUDOS

RESUMOA liderança empreendedora e inovadora de Marcelino Champagnat também deixou

legado para o que hoje denominamos de Relações Institucionais. Para garantir a

expansão do projeto de formar cristãos e cidadãos, o fundador do Instituto Marista

dedicou muito do seu tempo para a sensibilização de autoridades políticas e eclesiais.

Os registros das trocas de mensagens por cartas ajudam a entender as estratégias de

Marcelino na criação do Instituto.

EPISTOLAR DEATIVIDADE

CHAMPAGNAT E A DEFESADAS CRIANÇAS E JOVENS

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INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta um estudo das correspondências do Pe. Cham-pagnat com Prefeitos Municipais da sua região.

Ao tomar conhecimento da ati-vidade epistolar de Champagnat, despertou-me a curiosidade a for-ma de relacionamento do Padre com a autoridade civil, até pouco, toda anticlerical, no que concerne a uma atividade que no momento é apenas uma concessão do poder publico, isto é, o Ensino nas esco-las primárias, através da lei da Ins-trução Primária em todo o territó-rio nacional.

Neste breve estudo pretendo focar a intuição primeira de Cham-pagnat, de dedicar-se às crianças e jovens da campanha, que eram os mais abandonados, para, poste-riormente evoluir para a situação que hoje conhecemos.

Em segundo lugar, analisar o re-lacionamento de Champagnat com a autoridade civil no que diz respei-

to ao projeto em que ambos estão envolvidos, a Instrução e a Educa-ção das crianças nas escolas munici-pais da época.

Breve contexto histórico

Champagnat viveu na França, em uma época em que o anticle-ricalismo atinge a Igreja e tudo o que a ela se relaciona. Explode com todo o seu furor na Revo-lução Francesa de 1789 a 1799, quando, bispos, sacerdotes, reli-giosos e simpatizantes são mortos ou expulsos do país. Nesse con-texto nasce Marcelino Champag-nat. O pai, simpatizante das ideias da Revolução, assume um cargo de liderança na sua localidade e leva para casa os ideais e as ideias da Revolução.

Mesmo sendo uma família pro-fundamente religiosa, mesclam-se a isso os ventos da insurreição. Contudo, o bom senso do pai im-pede que seja destruído o respeito e o amor na família. Isso determi-na o estilo de relacionamento de Marcelino, quando adulto.

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O período da pós-revolução tem início do século XVII. O fe-nômeno da ira popular e os ex-cessos da Revolução se haviam acalmado. O Estado tenta orga-nizar-se novamente, mas os estra-gos causados estão nas pessoas, particularmente nas crianças e nos jovens que perderam a oportuni-dade de uma educação a partir da 1ª infância. A ignorância e a de-seducação grassam, de modo es-pecial, nas pequenas localidades e na campanha. Isso repercute for-temente na sociedade.

Contudo, o Estado demonstra aproximação e boa vontade para com a Igreja. Inicia-se uma re-construção do arraso provocado pelas ideias da Revolução. Chama a si a responsabilidade de todo o processo da Educação Primá-ria no país. Em lugar de opor-se, a Igreja tenta somar com a nova realidade. Começam a surgir de-zenas de Congregações Religiosas que querem dedicar-se à Edu-cação, mas deverão fazê-lo em consonância com o Estado que é laico, mas que não se opõe a uma

forma de educação ligada à Igreja Católica.

Champagnat e a realidade da Campanha

A cidade de Lião representa

uma expressiva importância na política e na economia do Sudes-te da França. Situada a 400km de Paris, próxima da Suíça e do Noroeste da Itália, está rodeada de uma vasta campanha com pe-quenas comunas e vilas que não usufruem da mesma qualidade de vida e oportunidades da metrópo-le. Nesse ambiente de Campanha, em 1817, Champagnat, como jo-vem sacerdote, inicia uma obra de educação com dois jovens semi--analfabetos, que, com muito es-forço, transformou em educado-res. Outros se juntaram a eles, e a partir de 1820 começa a abrir es-colas primárias em parceria com as prefeituras locais. Estabeleceu--se um relacionamento necessário e quase obrigatório entre Cham-pagnat e os Edis dessas localida-des em função da situação e do trabalho dos Irmãos.

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Da Campanha às Escolas das Cidades

Depois de La Valla e Marlhes, são as localidades de Tarentaise e de Saint-Sauveur que pedem Irmãos. No fim de 1821 é Bourg-Argental que se dirige ao Pe. Champagnat.

É para ele uma ocasião de ajus-tar sua visão àquela que a Pro-vidência Divina faz surgir, sem deixar de dar continuidade ao atendimento às crianças da Cam-panha, que eram menos privile-giadas, e motivo propulsor de sua missão. Bourg-Argental com seus 4.000 habitantes, é quase uma ci-dade, e, até agora, o humilde fun-dador não teve em vista senão ocupar-se das crianças da Cam-panha. O caso é então embara-çador. Após uma pequena hesita-ção e muitas preces, ele toma seu partido. “As crianças das cidades, diz ele aos seus Irmãos, custaram também elas ao Salvador, todo o seu sangue. Vamos então a elas, já que nos convidam”. A escola foi fundada. Logo tem 200 alunos. Como a frequência escolar não era obrigatória naquele tempo, foi

um grande êxito (INSTITUTO MARISTA, 1947, p. 14).

Muito cedo o Pe. Champag-nat revela uma visão de futuro tomando uma decisão que altera, em parte, o rumo do Instituto que acaba de fundar. Justifica-se, por-tanto, a presença marista em colé-gios de médias e grandes cidades, sem perder a sensibilidade primei-ra para as “crianças mais abando-nadas”, que hoje, são encontradas também nas grandes cidades.

ANÁLISE DE CARTAS EMITIDAS E RECEBIDAS DOS PREFEITOS DE SUA REGIÃO

Analisaremos algumas cartas emitidas por Prefeitos a Cham-pagnat e de Champagnat aos Pre-feitos. Certamente várias cartas foram perdidas. De Champagnat aos Prefeitos Municipais temos 31 (trinta e uma) cartas, escritas a par-tir de 1827 até 1840. Com certeza foram bem mais, mas as Prefeitu-ras, salvo algumas exceções, não arquivaram as missivas recebidas. Das cartas dos Prefeitos a Cham-

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33. St. Symphorien-le-Château, pequeno município, no centro da França, pertencendo ao departamento Eure-et-Loir com 9,44km2 e 859 habitantes, pelo censo de 1999.

pagnat não temos conhecimento do registro de quantas temos em arquivo. As cartas com as respecti-vas análises foram escolhidas pela importância e representativida-de da ação missionária efetivada por Champagnat e os Primeiros Irmãos Maristas, como também pela riqueza de conteúdos no as-pecto relacional e axiológico.

Carta do Prefeito de St. Sym-phorien-le-Château

Um dos primeiros pedidos, que constam nas cartas de solici-tação de Irmãos para abertura de escolas, foi em 1823, quando o Pe. Champagnat recebe a carta-pedi-do do prefeito de St. Symphorien--le-Château.

Carta de M. Etienne de Clerimbert St. Symphorien-le-Château33, 15 de setem-bro de 1823.

Senhor :De há muito tempo tinha vontade

de ter uma escola primária em St. Sym-phorien-le-Château. O Sr. Prefeito deu--me autorização para formar uma. Ouvi falar da instituição que dirige, o bem que se fala dela nos impele a convidá-lo a que se estabeleça também em nosso município.

Asseguro-lhe que para nós será um pra-zer em ver a escola primária dirigida por seus Irmãos.

O município está autorizado a dar a quantia de 400 francos junto com a mora-dia, o mobiliário necessário para dois Ir-mãos. Vejo que a quantia citada é muito pequena, contudo esperamos que muitos alunos estarão em condições de pagar, o que aumentaria os vencimentos.

Se o senhor for bondoso em prestar um serviço aos habitantes de St. Sympho-rien querendo ceder-lhes dois Irmãos para o primeiro ano, temos a esperança que, no próximo ano, poderemos contar com um terceiro. Nós faremos o possível para conservá-los; e a comunidade fará todos os sacrifícios necessários. Se for possível, que entre os dois, haja um que se dedicasse às crianças das famílias mais bem situadas, isto favoreceria a comunidade. No mais, senhor, manteremos contato com o senhor e o Pároco que lhe escreverá seguramente para lhe dizer o que nos convém.

É importante, contudo, que nos man-de um Irmão para nos dizer o que é neces-sário. Tanto para o mobiliário e o modelo de mesa para os alunos, e estando aqui poderá ter uma noção da localidade.

Com prazer ponho-me às suas or-dens, e tenha a certeza, senhor, que é com o maior prazer que veremos a escola pri-mária estar sob a sua direção. Antes de tomar qualquer medida, espero confi ante a sua resposta.

Receba, senhor, a certeza da mais

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distinta consideração do seu humilde e obediente servidor,CLERIMBERT, Prefeito.

Análise

Não foi localizada junto à Prefeitura de St. Symphorien a carta do Pe. Champagnat, que motivou a resposta do prefeito M. de Clerimbert.

Foi certamente um dos primei-ros pedidos, de prefeituras, ao Pe. Champagnat que enviasse Irmãos para abrir uma escola. Supõe-se um pedido da parte do Sr. Prefei-to e do Pároco.

Por decreto do rei Luís XVIII, todos os cantões (prefeituras) deviam zelar, através de um co-mitê, para incentivar a instru-ção das crianças. O comitê era formado obrigatoriamente pelo Pároco local, o Vice-Prefeito, o Juiz e um Procurador do Rei. In-fere-se que houve um pedido ao qual o Pe. Champagnat atendeu enviando para St. Symphorien, dois Irmãos.

As exigências do Pe. Champag-

nat eram bem claras a todos os pedidos que lhe eram feitos. Pela resposta do prefeito, as exigências não foram atendidas. “Vejo com pesar que a quantia de 400 fran-cos/ano, é bem pouca coisa, mas esperamos que alguns alunos pos-sam pagar [...]” (M. de Clerimbert, carta 15/9/1823).

O Prefeito solicita um 3º Irmão

para o ano seguinte. Ao analisar o pedido do prefeito encontramos um diálogo entre o poder públi-co e a Igreja, representada pelo Pe. Champagnat, que desperta a atenção, tratando-se de um gover-no anticlerical, estabelecido pela Revolução Francesa, e uma Igreja que detém ainda os elementos e as condições de realizar um traba-lho educativo que o poder público havia abandonado com os princí-pios da revolução.

Numa análise do teor da carta do Sr. Prefeito, encontramos da-dos de um tratamento respeitoso para com o representante da Igreja (Pe. Champagnat), reconhecendo o valor dos Irmãos educadores, e não quer perdê-los, em função do

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pagamento insufi ciente para a sua manutenção. Numa atitude de hu-mildade, solicita ao Pe. Champagnat que envie um Irmão a St. Sympho-rien para dizer às autoridades o que os Irmãos necessitam para pode-rem continuar na localidade. É cer-tamente uma bela atitude de escuta, colaboração e respeito da parte do poder público para um simples vigá-rio da paróquia de uma vila pequena (La Valla). No fi nal da missiva, ex-pressa uma atitude de humildade e respeito ao dizer: “Fico totalmente às suas ordens. Não vou tomar ne-nhuma decisão sem consultá-lo”. Despede-se do Pe. Champagnat, com expressões que podem ser da etiqueta, mas que demonstram da parte do Prefeito, dignidade e reco-nhecimento ao educador: “Receba a certeza da maior consideração [...], seu humilde e obediente servidor”. Essa atitude e linguagem do Prefei-to revelam com certeza o reconhe-cimento do rei Luís XVIII de que a situação de ignorância das crianças e jovens, sobretudo da campanha, só mudaria através da educação. Re-conhece que a Igreja ainda detém a autoridade e o reconhecimento para realizar essa obra.

Fundação em Pélussin

No dia 5 de outubro de 1835 o Prefeito de Pélussin envia uma correspondência ao Pe. Cham-pagnat, informado que foi de que Champagnat mandaria alguns Ir-mãos a pedido do Pároco e um dos seus Vigários.

Pélussin, 5 de outubro de 1835.Senhor:O Senhor Pároco de Pélussin e o

Sr. Décultieux, um dos seus vigários, informaram-me da intenção que tem de mandar alguns dos seus Irmãos para a minha Prefeitura para dedicar-se ao en-sino. Essa comunicação me agrada e mais que eu irei ocupar-me muito ativamente da situação da educação primária que é realmente sofrível aqui.

Favorecerei o quanto puder o esta-belecimento projetado se realmente quiser enviar-nos, como o espero, pessoas capazes de igualar, ao menos em saber, os mestres que perdemos.

Se puder dispor de um Irmão que possa ensinar o desenho linear e a geome-tria elementar, faria uma coisa que me seria agradável e muito aproveitável a esta Prefeitura onde há muitos operários.

Depois do bem que os Srs. Pároco e Vigário me disseram da sua Institui-ção, eu não hesito em pedir-lhe, senhor, a nos mandar, o mais cedo possível, Irmãos

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dignos da importância do principal desta região (a educação), à frente do qual te-nho a honra de estar.

Tenho a honra de ser, Senhor Supe-rior, vosso humilde servidor.

Dorrielle – Prefeito e Conselheiro do Departamento

P.S.: Logo que tiver instalado seus Irmãos, comprometerei o Conselho Muni-cipal a depositar uma quantia no caixa.

Análise

M. Louis François Dorrielle, Prefeito, usa em sua missiva um linguajar altamente respeitoso, de-monstrando, além disso, sentimen-tos de satisfação (essa comunicação me traz alegria). De outra parte reconhece que a instrução na sua prefeitura é sofrível. Ele próprio, o Prefeito, vai se ocupar ativamente da instrução primária no município.

Nota-se que o decreto do Rei não fala em “educação”, mas em “instrução”, mas ao mesmo tem-po, o Prefeito, reconhece que nas mãos da Igreja está o projeto de “educação” das crianças. Tanto reconhece o projeto do Pe. Cham-

pagnat, que diz: “Favorecerei, quanto puder, a implantação do projeto”, mas coloca ao mesmo tempo a condição: “espero que me envie pessoas capazes de igualar, ao menos em saber, os professores que perdemos”. Pede até que envie um Irmão formado em desenho li-near e na geometria elementar, pois a cidade é de muitos operários, e precisam desses conhecimentos. O prefeito reitera, em seguida, a im-portância de Irmãos preparados, visto a importância da educação. Promete também influir junto ao Conselho Municipal para que des-tine aos Irmãos um pagamento justo em função do seu trabalho.

Nesta carta, destaca-se a in-fluência do Pároco e seus coad-jutores junto ao poder municipal, bem como o vivo interesse do Sr. Prefeito em atender ao pedido da Igreja em favor de uma educação de qualidade para os jovens do seu município.

Escola de Sorbiers

Se o município oferecer aos Ir-mãos uma casa em boas condições,

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34. Sorbiers, cidade da região do Ródamo – Alpes, do departamento do Loire. Hoje com 7.500 habitantes. Próxima, 6 ou 7km de l’Hermitage.Uma cidade com indústria e pequeno comércio.

eles poderão voltar a Sorbiers. E eles voltaram. O Irmão Denis, com mais um companheiro, vai retomar o trabalho dos Irmãos, mas só no dia 9 de novembro de 1844. Por que só depois de nove anos de espera?

Carta de Pe. Champagnat ao

Sr. Jean François Preynat, Pre-feito de Sorbiers34, Loire, em 6 de novembro de 1837:

Senhor Prefeito:Os trabalhos e o carinho que tive-

ram nossos Irmãos em favor dos meninos de Sorbiers são mais do que sufi cientes para demonstrar aos habitantes do mu-nicípio a contrariedade que experimenta-ram quando se viram obrigados a deixar a escola. Mas, se o senhor deseja chamar de volta os Irmãos, conforme leio em sua carta, estamos dispostos a ir ao encontro de suas intenções a partir de quando o município tiver fornecido a mobília, uma casa para morar, enfi m tudo o que for ne-cessário ao funcionamento de uma escola.

Quanto à casa dos Irmãos, estando ela à venda, já não será possível cedê-la de volta, aliás o senhor mesmo bem sabe que, se pudesse ter servido aos Irmãos, nunca teriam eles saído de Sorbiers.

Em 22 de dezembro de 1836, o Sr. M. Jean François Preiynat,

Prefeito de Sorbiers, responde à carta do Pe. Champagnat:

Senhor,Em resposta a vossa carta de outu-

bro que acabo de receber somente agora, me chamais a atenção que o Conselho, como eu também, impedimos o concur-so do professor para que ele ganhasse a quantia de duzentos francos estabelecida pela lei.

O Conselho votou o orçamento de duzentos francos.

O Sr. Prefeito, não autorizou essa dotação, rejeitando-a, entendendo que M. Chomat não era em 1834 professor primário, e também por falta de fundos.

M. Chomat não parou de reclamar. Apressei-me em justifi car que não era o problema da comunidade, como ele achava que fosse. M. Chomat merece, sem dúvida, o carinho da comunidade, mas o Conselho não quis voltar atrás so-bre uma decisão do Sr. Prefeito. Estou deveras chateado de não poder satisfazer os desejos de todos os meus súditos e so-bretudo os desejos de M. Chomat.

Recebei, Senhor, a certeza verdadei-ra e distinguida consideração.

Análise

Diante da situação de não valorização dos Irmãos, o Pe.

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Champagnat não teve dúvidas em retirá-los.

O impacto causado nas crian-ças moveu o coração de Cham-pagnat. Escreveu então ao Pre-feito, dizendo que voltaria para lá na condição de que os Irmãos tivessem o necessário para cum-prir bem a sua missão. Exigiu uma casa, a mobília, e tudo o que fosse necessário para o bom funcionamento de uma escola. A Prefeitura atendeu às exigências do Fundador, e os Irmãos retor-naram a Sorbiers em 1844.

Duas coisas destacamos nes-te fato. A valorização do Irmão Educador. Sacrifica, temporaria-mente até as crianças, mas sua firmeza fez com que a Comuni-dade e a Prefeitura agissem de uma forma justa para com os Educadores dos seus filhos.

Abertura da Escola de Genas Em 1835, o Prefeito de Ge-

nas35, Sr. Francisco Xavier Quan-tin, juntamente com o Pároco local, Pe. Koening e uma viúva,

Srª Ranvier, conseguiram junto ao Pe. Champagnat, Irmãos para abertura de uma escola na então pequena cidade de Genas. Para tanto, a Srª Ranvier cedeu uma casa para que os Irmãos pudes-sem alojar-se. Isto seria até o momento em que a Prefeitura terminasse a construção do pré-dio e residência dos Irmãos.

O Pe. Champagnat acedeu ao pedido. Em princípio de 1837 a Srª Ranvier solicita a devolução da casa, pois o Prefeito não ha-via honrado com a sua promes-sa de construir a residência. Ao saber do fato, o Pe. Champagnat pede aos Irmãos que retornem a l’Hermitage.

No dia 5 de abril, o Prefeito,

Sr. Quantin, manda uma carta a Champagnat:

Senhor :Nosso bom Irmão veio me dizer an-

teontem o que o senhor queria: que lhe havia dado ordens para retornar à Casa Mãe no decorrer da próxima semana, dado que a casa destinada para a escola e os Irmãos neste município não está termi-nada e que a senhora Ranvier, que houve

35. Genas, cidade da França, localizada na região do Ródano – Alpes, no departamento do Ródano.Hoje com 19.994 habitantes pelo censo de 1999.

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36. O parêntesis é nosso.

por bem emprestar temporariamente sua casa, quer voltar a dela usufruir ; que ele (o Irmão36) voltaria a l’Hermitage na época da abertura das aulas, até o fi nal do ano em curso.

Doeu-me demais esta notícia, tanto mais quanto neste momento todas as crian-ças estão vindo à escola, e continuarão ain-da todo o mês e boa parte do próximo.

Seria transtornar, e talvez destruir uma fundação realizada com tanto sacri-fício, o retirar os Irmãos neste preciso mo-mento.

A maioria dos habitantes, e sobretudo aqueles que se esforçaram por realizar esta fundação, ver-se-iam muito desconfortados, dado que isto proporcionaria argumentos a quem tinha, e talvez ainda tem, a intenção de trazer um professor da escola normal.

É necessário pois, que o senhor se mos-tre bondoso e complacente conosco, e como começou a fazer-nos o bem, convém concluí--lo. Caso contrário, melhor seria não nos termos conhecido. Por isto é preciso que nos deixe os nossos Irmãos pelo menos todo este mês e parte do próximo. Ao expirar este prazo, uma parte das crianças abandona as aulas por causa dos trabalhos no campo. Porém, até então, a maioria ou quase todos permanecem na escola.

A boa e caritativa Sr.ª Ranvier aguentará com paciência e continuará sacri-fi cando-se, como espero, até lá; em absoluto os Irmãos serão desalojados.

Sirva-se, senhor, aceitar o meu pe-dido e ser o intérprete dos meus temores e do que poderia ocorrer em caso contrário.

Ninguém, melhor do que o senhor, está em condições de avaliar a situação.

Quaisquer que sejam as escolas que se fundem e os benefícios que produzam, nun-ca são do gosto de todos.

Para quem não está de acordo, a me-nor coisa converte-se num grande argumento para por-se contra.

Atrevo-me a esperar que o senhor pen-se como eu, em deixar um Irmão pelo menos até o fi nal de maio, e que lhe dará ordens a respeito

Na espera deste ato de bondade e ama-bilidade de sua parte, tenho a honra de ser, com grande consideração, senhor, o seu mui-to humilde servidor.

Em Genas foram os Irmãos alojados em casa cedida pela viúva Dona Ranvier. Enquanto lá mora-vam, a Prefeitura devia construir um prédio apropriado para servir de escola e de moradia para os Ir-mãos. Como a Prefeitura demora-va em executar a obra, Dona Ran-vier ameaçou desalojar os Irmãos; em consequência, o Padre Cham-pagnat deu ordem à comunidade de voltar para l’Hermitage.

Em 4 de abril, o Prefeito escre-veu apelando por um mês a mais de permanência. Dá como razões:

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1. os alunos frequentavam as-siduamente a escola;

2. a população ficaria sentida com a saída dos Irmãos;

3. a bondosa viúva teria ela também paciência para conceder um prazo de mais um mês.

A carta abaixo transcrita é res-posta de Champagnat ao pedido do Prefeito, Senhor François-Xa-vier Quantin, Prefeito de Genas, Isère, no dia 11 de abril de 1837:

Senhor Prefeito:Lemos com muito interesse sua hon-

rosa missiva e foi com muita satisfação que constatamos através dela seu interesse pelo bom andamento de seu estabelecimento, onde trabalham nossos Irmãos, em Genas. Longe de entravar o progresso da escola, o que nós queremos de todo o coração é contri-buir para que aumente.

Se acha que a saída de nossos Irmãos, nesta altura dos acontecimentos, vai causar algum mal-estar, eu deixarei que fiquem lá, enquanto puderem ocupar a casa de Dona Ranvier. Mas então, que ela tenha a paci-ência de esperar.

Eu lhes dei ordem de virem à casa mãe, a fim de evitar as repetidas mudanças da mobília de um lugar para outro, o que pode danificá-la. Não havendo mais ra-

zão para isso, estou perfeitamente de acor-do que continuem suas funções até quando o senhor determinar.

Gostaria de solicitar ao senhor Pre-feito, a bondade de transmitir aos nossos Irmãos as nossas intenções e nossa vontade a respeito, para que eles estejam de acordo comigo e também com o senhor e assim tra-balhem cada vez mais eficazmente para a glória de Deus e para a educação cristã da juventude de seu município.

Termino apresentando-lhe sentimentos de estima e consideração com que tenho a honra de me subscrever, senhor Prefeito, a seu dispor,

Champagnat, Sup. Irs. M.” (CHAMPAGNAT,

1997, p. 229-230)

Análise

Essas duas cartas refletem cla-ramente o espírito que existia na relação Champagnat – Autoridade Civil. Em se tratando de um país que acabava de sair de uma revo-lução anticlerical, demonstra que a situação desastrosa em que ficou a sociedade, e de modo especial a ju-ventude, moveu os sentimentos e a forma das relações a fim de resol-ver o problema da Educação. Uma bela lição para os nossos dias.

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Vemos Champagnat envolvi-do no processo de regeneração da sociedade, mas sem deixar--se envolver pela máquina do Governo, e, como cidadão res-ponsável, exigindo os direitos e as condições para cumprir com sua missão. O linguajar de am-bas as partes é respeitoso, sem ser submisso, cordial sem ceder à verdade. Exemplo de uma ges-tão responsável, independente, mas colaborativa.

ATITUDES DE CHAMPAGNAT DEMONSTRADAS NAS SUAS CARTAS ENVIADAS E RECEBIDAS

Em algumas cartas analisadas poderíamos traçar o perfi l quase completo do homem, sacerdote, fundador e educador Marcelino Champagnat. Algumas das ca-racterísticas marcantes quere-mos ressaltar como conclusão deste breve trabalho.

Muitos outros pontos de refe-rência poderiam ter sido escolhi-dos para admirar a riqueza desta

personalidade. Hoje queremos nos ater apenas na forma de relaciona-mento com as pessoas, sobretudo as autoridades civis e também com os educadores que enviou para a missão de ensinar e educar. Isso visualizamos através de algumas cartas enviadas e recebidas.

Audácia

O Pe. Champagnat tinha um projeto claro com a sua Institui-ção e com os meios que devem ser preservados para o êxito do empreendimento. Junto a um es-pírito de fé na Providência Divi-na e em Maria estava uma dose de audácia que, por vezes, alcan-çava as raias do espanto a quem lesse os documentos.

A fé que o Pe. depositava em Deus era tanta que o autorizava, por vezes, a ser audacioso nas decisões. Fechar uma escola, re-tirar os Irmãos, enfrentar assim as autoridades e a sociedade, era para ele inquestionável para manter os objetivos primeiros da sua fundação: o bem e a edu-cação das crianças, a realização

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dos seus Irmãos como educado-res e religiosos, e tudo isso para a glória de Deus.

Sempre tratou com respeito as autoridades, mas jamais se dobrou ao jogo político ou de interesses. Por isso ele era respeitado e ao mes-mo tempo amado.

Visão de Futuro

Quando Champagnat dizia: “Todas as dioceses do mundo es-tão em nossos planos [...]”(LPC 1, doc. 93, p. 210), não era uma retórica, mas sempre foi parte de sua visão de Fundador, ao per-ceber o estado de ignorância la-mentável em que se encontravam as crianças. Ele bem sabia, na sua vida jamais conseguiria realizar o seu sonho, mas os seus Irmãos o fariam pelo mundo e pelos anos futuros. Hoje, Champagnat está presente pelo seu espírito, e atual no seu projeto de educar crianças e jovens. Mudou a época, perma-nece a necessidade.

Champagnat não sonhou sua obra para a França e o século

XIX, mas para o mundo e os sé-culos vindouros. Por isso, ele está tão presente em nosso século.

Coragem

Para Champagnat a dificuldade não contava. Ao contrário, desper-tava nele novos impulsos. Não ti-tubeou em pôr a mão na picareta, romper a rocha e construir uma casa para seus Irmãos, que ainda hoje testemunha a sua coragem. Não teve medo de enfrentar autoridades para dar condições dignas aos seus educadores e de retirá-los quando os contratos não eram cumpridos.

Na sua simplicidade corajosa, não duvidou de ir a Paris para pedir, às mais altas autoridades civis, a aprovação da sua obra. Escreveu mesmo à Rainha para que intercedesse junto ao Rei em favor das crianças abandonadas, e dos seus educadores.

Numa atitude corajosa, ajoe-lhou-se aos pés do altar da Virgem Maria, e comprometeu-a na con-tinuidade de sua obra: “Senhora, o empreendimento é seu. Se não

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vier em nosso auxílio vamos aca-bar; o que estará acabando não será o nosso projeto, mas o seu” (FURET, 1989, p. 90)

Poderia até parecer desrespei-toso. Mas era a coragem de um fi lho que amava a Mãe e sua Obra.

Fé em Deus e nos seus Irmãos

As cartas de Champagnat reve-lam um homem de fé. Fé em Deus: “Se o Senhor não construir a casa, em vão labutam os construtores”. Essa passagem do Salmo 127 estava constantemente em seus empreen-dimentos. Mas ele depositava uma fé incondicional nos seus Irmãos. De jovens ignorantes formou edu-cadores respeitados. Acreditou que com o auxílio de Deus e o esfor-ço humano poderia construir uma obra, que, aos olhos dos seus cole-gas, era tida como uma loucura, fa-dada ao fracasso.

Jamais em carta ou escrito algum, desmereceu um dos seus Irmãos, mesmo se por vezes o frustrassem.

O Pe. Champagnat revelou no

seu processo de abrir escolas nas pequenas cidades uma fé inques-tionável de que pela Educação, e só por ela, resgataria a dignidade das crianças ignorantes e abandonadas.

Relação com as autoridades

Pela sua personalidade forte, sincera, direta, revestida de sim-plicidade, Champagnat soube imprimir ao seu relacionamento com os Prefeitos um diálogo leal e sincero. Em nenhuma tratativa transpirou qualquer agressividade ou mesmo falta de cortesia.

Mesmo quando a solução se revestia de ousadia, quer no exi-gir os seus direitos ou defender os seus Irmãos, nunca o fazia com palavras ofensivas.

Encaminhava as soluções de forma direta, mas sabia ceder e mesmo voltar atrás, se era para o bem dos seus Irmãos e sobretu-do das crianças. De outra parte, as autoridades constituídas não encontravam motivo para posi-ções radicais, impondo a Cham-pagnat decisões unilaterais. O

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diálogo foi sempre o meio de re-solver situações por vezes delica-das como vimos na retirada dos Irmãos de Sorbiers, em 1837, e seu retorno em 1844.

Para preservar o futuro dos Ir-mãos, o Pe. Champagnat insistia junto às autoridades para livrá--los do serviço militar. Ele bem sabia que, para muitos dos seus jovens educadores, seria o fim do ideal que os levou à Instituição Marista. Eram sete longos anos que, para muitos, significavam o sepultamento de um primeiro so-nho. Contudo, sempre respeitou a decisão das autoridades, mas jamais se omitiu abandonando algum dos seus Irmãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Pe. Champagnat viveu há

mais de 220 anos, e, sua obra vai completar dois séculos no ano de 2017. O que faz sua Fun-dação viver no século XXI não é apenas a sua pessoa, mas so-bretudo seu Carisma. O corpo esvai-se nos caminhos da Histó-ria, a pessoa física vai perdendo

a sua identidade material, mas o Carisma do Espírito perpetua--se.Assim podemos falar: Mar-celino vive hoje no seu Carisma, tão real, como nos caminhos do Pilat em 1820.

Viver é muito mais do que mar-car época no calendário de um de-terminado século e lugar.

Viver é realizar uma Missão,

deixar um rastro luminoso que aponta caminhos, é imantar vidas humanas para futuras gerações, é deixar pegadas que magnetizam ideais de vida. Foi o que fez Mar-celino. Isso caracterizou seu rela-cionamento com as pessoas.

Quando o vemos retirar Ir-

mãos de uma escola pobre, a úni-ca para aquelas crianças, pode pa-recer tudo, menos a personalidade descrita. Mas é engano. Ele o fez, em primeiro lugar, para o bem das crianças que necessitavam de mes-tres e educadores, preparados e em condições dignas de trabalho. O fez também pelos seus Irmãos, que amava com amor de pai. Não suportava injustiças. Em sua ati-

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tude, não desencadeou nenhuma crise de relacionamento com a au-toridade, porque era compreendi-da como justa e coerente.

O retorno dos Irmãos, em vá-rias localidades, só trouxe benefí-cios para a Escola e a sociedade. O fato de não se dobrar a deter-minados caprichos de alguma au-toridade só lhe valeu o merecido respeito e a admiração, que o fi ze-ram abrir 48 escolas em menos de 20 anos.

Diferentemente, o relaciona-mento hoje com a autoridade res-ponsável pela Educação no País, é determinado muito mais pelo fa-tor político do que pelo educacio-nal. Entre a Direção de uma es-cola e a Lei que rege a Educação, interpõem-se interesses: políticos, partidários, sindicais, pessoais, de conveniências, que mascaram o Ato Educativo, no cumprimento de uma enxurrada de leis.

O “negócio” Educação é ex-plorado por determinadas insti-tuições, como se administra uma fazenda. O aluno é simplesmente o objeto do negócio.

Numa escola em que se proí-be pronunciar o nome de Deus, pode-se inferir que produto vai receber a sociedade, já tão caren-te de valores e incapaz de apontar um rumo honesto para os seus fi lhos?! Qual seria o pensamento e quais as atitudes de Marcelino Champagnat, frente ao mundo do hoje?

É o desafi o que resta para nós, os educadores do século XXI.

Marcelino vive hoje!

Através de nossos braços, nós de-vemos continuar o que eles começa-ram. REFERÊNCIAS

FURET, Jean-Baptiste.Vida de Champagnat. Maristas: Edição do Bicentenário, 1989

CHAMPAGNAT, Marcelino. Cartas. São Paulo: SIMAR, 1997.

INTITUTO MARISTA, Eco-nomato-Geral. Histoire de

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l´Institut de Petits Frères de Marie. Saint-Genis-Laval – França: 1947

CEPAM ARCHIVIUM – Centro de Estudos do Patrimônio Maris-ta- Arquivos. Ciudad de México (material em CD).

LANFREY, André, Ir. Introdu-ção à vida de Marcelino José Bento Champagnatg. Brasília, DF: UMBRASIL, 2011.

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Zita Judith Bonai Pedot37

37. Atua no Centro de Pastoral e Solidariedade da PUCRS. É formada em Pedagogia, com orientação educacional e Serviço Social, com especialização em psicologia Social Comunitária.

ESTUDOS

RESUMOOs valores e as práticas da Pedagogia Marista constituem importantes referencias

pedagógicas na educação das crianças e dos jovens da sociedade atual. O objetivo

central desta pesquisa é analisar os valores fundamentais que identifi cam a essência

dessa Pedagogia: amor, ética profi ssional, conhecimento, disciplina, testemunho

de vida, formação integral. Analisamos A partir disso, analisamos o exercício da

pedagogia participativa, da educação a partir da vida e para a vida, através do serviço

e da oração, a exemplo de Maria. Como veremos, para a compreensão desses

aspectos da Pedagogia Marista, importa destacar o papel da devoção mariana,

assinalando o lugar de Maria como mãe educadora e evidenciand alguns elementos

históricos da vida de São Marcelino Champagnat, com o propósito de sublinhar os

traços marcantes da sua prática educativa.

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INTRODUÇÃO

O tema escolhido para este tra-balho de conclusão de Curso so-bre o Patrimônio Marista diz res-peito aos valores e objetivos que marcam a Pedagogia Marista. Esta abordagem pareceu-me bastante importante, visto que os valores e as práticas da Pedagogia Marista constituem referencias pedagógi-cas fundamentais na educação das crianças e dos jovens da socieda-de atual. O objetivo central des-ta pesquisa é, portanto, estudar e analisar os valores fundamentais que identificam a essência da Pe-dagogia Marista.

A Pedagogia Marista surgiu através das vivências partilhadas e dos princípios cristãos plas-mados no cotidiano da vida co-munitária, inaugurada pelo Fun-dador do Instituto Marista, São Marcelino Champagnat (1789-1840). Desde sua fundação, no século XIX, o Instituto Marista é uma organização que congrega Irmãos Religiosos que vivem em comunidade, seguindo a Jesus, no estilo de Maria e dos Apósto-

los e dedicando-se especialmen-te à educação cristã. Conforme Édison Hüttner, o exemplo de Maria foi fundamental para a vivência da comunidade, para a ação filial de seus membros e para a experiência educativa di-fundida pelos Irmãos.

A ação apostólica da comunidade dos primeiros discípulos, que envolve a experiência fundante de Champa-gant, tem a ação apostólica a par-tir da experiência filial, ou seja, a maternidade de Maria que protege e intercede. Esta ação forjada desta comunidade se dá no anúncio funda-do pela via da prática da imitação das virtudes de Maria; no desejo de torná-la amada como caminho para ir a Jesus” (Hüttner, 2000, p. 78).

Um dos elementos fundamen-tais da vocação cristã marista é a prática do amor e de sua ação em todas as dimensões da vida hu-mana, salientando-se em especial o seu papel como base formativa de uma verdadeira educação inte-gral, voltada ao desenvolvimento das potencialidades da juventude.

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Desse modo, o professor deve tanto amparar sua ação pedagógi-ca nos métodos de ensino quanto amar o trabalho a ser realizado, acreditando na sua atuação trans-formadora e nas potencialidades do outro. A segurança nas ações é o que promove o sabor da ale-gria da realização pessoal e pro-fi ssional. A segurança é um dos pilares fundamentais do nosso trabalho. Para isso é fundamen-tal ter presente alguns valores que são indispensáveis no decorrer do nosso trabalho: amor, ética profi s-sional, conhecimento, disciplina, testemunho de vida, a formação integral do aluno. É importan-te criar um ambiente favorável à aprendizagem, ter presente a essência mesma do aluno e não a aparência. A partir disso, exer-citar a pedagogia participativa, educar a partir da vida e para a vida, através do serviço e da ora-ção, a exemplo de Maria.

Como veremos a seguir, para a compreensão desses aspectos da Pedagogia Marista, importa tam-bém destacar o papel da devoção mariana, assinalando o lugar de

Maria como mãe educadora e evi-denciando alguns elementos his-tóricos da vida de São Marcelino Champagant, com o propósito de sublinhar os traços marcantes da sua prática educativa.

A FÉ MARIANA DE CHAMPAGNAT: MARIA COMO EDUCADORA

A Fé Mariana de São Marce-lino Champagnat orientou toda a sua ação apostólica na socie-dade de seu tempo e revelou-se como guia primordial de seus ideais religiosos e base de suas práticas educativas. Afi nal, na vivência cotidiana e profunda da fé religiosa de São Marceli-no Champagnat, Maria era um modelo de virtudes e exemplo maior da mãe educadora. O ele-mento fundamental da missão de Champagnat era uma fé pro-funda em Deus e em Maria. Di-zia ele: “Quando sós e sem Deus em nosso trabalho educativo, seremos como barcos jogados à deriva em alto-mar; fi caremos inseguros; porém, com Deus, nós faremos proezas”.

VALORES DA PEDAGOGIA MARISTA: DESAFIOS PARA OS DIAS DE HOJE

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Essa certeza que Champag-nat tinha em Deus e em Maria, é protótipo de valores que inspi-ram aqueles que seguem e vivem o carisma marista como base de uma educação evangelizadora. A exemplo de Champagnat, ter fé em Deus e ter Maria como modelo de educadora, dão se-gurança e alimentam a educação baseada em valores cristãos. A intimidade de Maria com Deus, sua coragem e fortaleza frente os desafios, sua presença jun-to à família de Nazaré e junto aos Apóstolos são inspiração de comprometimento com a missão de educar.

Na visão de São Marcelino Champagnat:

Se fosse apenas para ensinar as ciências humanas aos jovens, não haveria necessidade de Irmãos; bas-tariam os demais professores. Se pretendêssemos ministrar somente a instrução religiosa, limitar-nos-ía-mos a ser simples catequistas, reu-niríamos as crianças uma hora por dia, para transmitir-lhes as verdades cristãs (FURET, 1999, p. 498).

Nosso objetivo, contudo, é mais abrangente: queremos edu-car as crianças, isto é, instruí-las, sobre seus deveres, ensinar-lhes a praticá-los, infundir-lhes o es-pírito e os sentimentos cristãos, os hábitos religiosos, as virtudes dos cristãos e do bom cidadão. Para tanto, é preciso que sejamos educadores, vivamos no meio das crianças e que elas permaneçam muito tempo conosco.

VALORES DA PEDAGOGIA MARISTA

Com relação aos dados da bio-grafia do Fundador do Instituto Marista, Marcelino Champagnat, é preciso dizer, antes de tudo, que era um homem determinado em seus propósitos, voltado às novas necessidades da educação cristã. Desse modo, a partir de uma sólida fé em Cristo e Maria, direcionava seus sublimes ideais religiosos, principalmente, atra-vés de ações concretas na vida comunitária. Marcelino não foi um pensador de doutrinas para a educação, mas um religioso de forte sentido vital e pragmático,

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direcionado por uma missão de-dicada aos cuidados da juventude do seu tempo. O seu foco era es-pecialmente fomentar a educação das crianças e dos jovens, além de garantir e dar orientação bási-ca aos futuros professores de sua comunidade de Irmãos Maristas. Para isso, procurava proporcionar a seus discípulos os recursos edu-cacionais mais atualizados de sua época, desde as teorias pedagógi-cas e metodológicas até materiais didáticos para o dia a dia das es-colas. E é sobre esse assunto que irei discorrer nas próximas páginas. Conforme Vieira (2011), a pedago-gia marista foi idealizada por Mar-celino Champagnat, que fundou o Instituto dos Irmãos Maristas, em 1817, com base na vida comunitá-ria cristã, valorizando a simplicida-de e o agir solidário, com a missão de garantir a vivência espiritual e a boa instrução das crianças e jovens da sociedade de sua época.

Foi nesse contexto de inicio

do século XIX, que Marcelino desenvolveu suas primeiras vivên-cias e ações vocacionais. Marceli-no Champagnat nasceu em 1789,

durante o período da Revolução Francesa, na aldeia de Rosey, dis-trito de Marlhes, departamento do Loire, a 35 quilômetros ao sul de l’Hermitage, próximo a Saint--Etienne. Nasceu numa região po-bre do território da França e, des-de cedo, vivenciou a precariedade da instrução religiosa da popula-ção local e dos meios de vida so-cial do seu tempo. O problema do ensino e da evangelização era uma realidade marcante da vida da po-pulação francesa. Essa circunstân-cia foi observada por Marcelino. Tal foi o caso do célebre encontro que teve com o jovem Jean Baptis-te Montagne, um jovem analfabeto e carente de toda a instrução e ex-periência da fé em Deus.

Segundo os estudiosos, pode-se compreender melhor a breve bio-grafi a de Champagnat, salientando os seguintes aspectos de suas pri-meiras experiências de vida, num episódio do ano de 1816:

Em fi ns de outubro de 1816, foi chamado à cabeceira do jovem Jean Baptiste Montagne que, com 17 anos, morria analfabeto e sem ja-

VALORES DA PEDAGOGIA MARISTA: DESAFIOS PARA OS DIAS DE HOJE

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mais ter ouvido falar de Deus. Foi esse acontecimento que levou Marce-lino Champagnat à ação.Em 1817, Champagnat, com 28 anos, Jean Marie Granjon (Ir-mão João Maria), com 23, e Jean - Baptiste Audras (Irmão Luís), com 14 anos e meio, instalaram-se numa pequena casa e “começaram a viver em comunidade, lançando assim os fundamentos do Instituto dos Irmãos Maristas” (VIEIRA apud FURET, 1989, p. 60).

Desde os primeiros tempos de sua atuação na vida escolar, Marcelino procurou orientar a formação docente dos Irmãos de sua comunidade Marista. Dessa maneira, construiu a sua casa de formação, que recebeu a denominação de Notre Dame de l’Hermitage. Foi assim que teve inicio um processo de aprimo-ramento e formação dos jovens dedicados ao ensino escolar das crianças pobres da sua região.

Em La Valla, Champagnat ini-ciou então uma escola primária, que serviu de centro de formação

docente para os seus primeiros jo-vens Irmãos, camponeses mais ha-bituados ao trabalho do campo do que à reflexão intelectual e ao tra-balho educacional. Champagnat ensinou-lhes a leitura, a escrita e a aritmética, a rezar e a serem mestres educadores. “Tornar Jesus Cristo conhecido e amado” era a missão dos Irmãos, sendo a escola o meio privilegiado para essa mis-são evangelizadora. Estava fun-dado o Instituto Marista. Mais tarde, em 1825, num vale perto de Saint - Chamond, construiu uma casa de formação denomina-da Notre Dame de l’Hermitage, que era, ao mesmo tempo, mostei-ro e centro de formação docente, e veio a tornar-se o centro de uma rede de escolas primárias cada vez mais numerosas e bem organiza-das. (VIEIRA apud FURET, 1989, p. 60).

Em toda a história de vida de São Marcelino Champagnat pode-se perceber o amor e o in-teresse que apresentava pela boa formação moral e educacional dos jovens.

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O amor, o cuidado, a paciên-cia, a bondade e o zelo para cada um dos educandos, constituía a base primordial de toda a forma-ção educativa dos Irmãos. Para Marcelino Champagnat: “Amar as crianças é jamais esquecer que elas são seres frágeis e, portanto, devem ser tratadas com bondade, caridade e indulgência, e serem instruídas e formadas com paci-ência”. (FURET, 1999, p. 501)

Champagnat foi um homem inserido em sua realidade, um observador das necessidades de sua época. Ele possuía um olhar responsável, um senso grande de justiça, mas também apresenta-va uma postura ousada, crítica e inovadora. Esmerava-se para que a aprendizagem ocorresse de for-ma atrativa. Ensinava a partir da vida e para a vida. Queria ter uma escola de excelência para formar Irmãos professores e catequistas, para bem educar as crianças.

Champagnat viveu numa época

em que o emprego do castigo físico era um método normal utilizado no sistema de ensino. Porém, Marce-

lino não compartilhava com essas tendências que regiam a realidade escolar do seu tempo, ao contrário, opunha-se a isso, proibindo aos Ir-mãos qualquer punição corporal. Preocupava-se em dar uma educa-ção em que as possíveis falhas do comportamento fossem prevenidas antes que acontecessem, de fato. Furet descreve um fato ocorrida na infância de Champagnat, que se transformaria em lição importante na trajetória do mestre.

No primeiro dia, como era tímido, não ousava sair de seu lugar; o mestre o chamou junto a si para a leitura, mas outro aluno apresentou-se e pos-tou-se à frente de Marcelino. O mes-tre, tomado de nervosismo, pensando talvez em agradar ao jovem Marceli-no, deu uma bofetada no rapaz que se adiantara e mandou-o para o fun-do da sala, chorando. Tal atitude não era de molde a tranquilizar o novo aluno, menos ainda levá-lo a curar sua timidez. Ele diria mais tarde que tremia todo e tinha mais vontade de chorar do que de ler. Essa brutali-dade revoltou-lhe o espírito de justiça. Pensou consigo: “Não volto à escola de tal mestre; o tratamento injusto

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dado àquele menino prova o que pos-so esperar dele. Na primeira ocasião poderá tratar-me de igual maneira. Não me interessam, pois, nem suas lições e menos ainda seus castigos”. De fato, apesar das instâncias dos pais, não quis mais voltar a estudar com aquele professor. Centenas de vezes, mais tarde, contou o incidente aos Irmãos para fazê-los compreen-der o quanto a brutalidade e as cor-reções intempestivas podem afastar as crianças da escola, indispô-las contra o professor e levá-las a detestar suas lições (FURET, 1999, p. 5).

A outra experiência bastante sig-nificativa na vida de Champagnat, que contribuiria enormemente para evidenciar o seu alto espírito de jus-tiça e preocupação com as atitudes sóbrias dos educadores face aos jo-vens, sem dúvida, refere-se ao seu período de catequese, quando se deparou com a humilhação de um menino pelo sacerdote responsável por sua instrução religiosa.

Quando Marcelino frequentava o catecismo, preparando-se para a primeira comunhão, o sacerdote catequista, enervado com a distra-

ção e as travessuras de um garoto que já fora advertido, repreendeu--o energicamente e aplicou-lhe um apelido humilhante. Para livrar-se das zombarias mordazes e da per-seguição, o infeliz viu-se obrigado a fugir, ficando isolado, indo ao ca-tecismo quase às escondidas. Essa prática, com o tempo, tornou-lhe o caráter sombrio, duro, difícil e meio selvagem. Diria mais tarde o Pe.. Champagnat: “Aí está uma educa-ção falha. E a criança exposta a se tornar, por seu mau caráter, o tor-mento de seu lar e, quem sabe, o fla-gelo de seus vizinhos! Tudo isso por causa de uma palavra dita leviana-mente num momento de nervosismo e de impaciência que não teria sido difícil dominar (idem, p. 6).

Tal episódio lhe causara tama-nha impressão que incluiu na Re-gra de 1837 um artigo proibindo aos Irmãos darem apelidos aos alunos. Todos esses episódios sig-nificativos de sua vida, certamente contribuíram para que os valores educativos maristas tivessem, prin-cipalmente, como pressupostos fundamentais o amor e o respeito

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da comunidade escolar aos jovens sob sua guarda e responsabilidade.

Desde o inicio da missão edu-cativa marista, pode-se perceber a preocupação dos Irmãos do Instituto com uma formação humana voltada para o apri-moramento e integralidade do crescimento dos jovens. Des-sa maneira, as escolas Maristas procuraram sempre estabelecer valores que estimulassem o ple-no desenvolvimento dos jovens, proporcionando ambientes fa-voráveis ao convívio solidário e à aprendizagem. Em decorrência disso, Marcelino Champagnat es-tabeleceu práticas educativas no-vas baseadas no trato respeitoso e confi ante. Assim, estimulava o canto para criar um ambiente de alegria, tão favorável à educação. Queria uma educação integral, possibilitando o desenvolvimen-to de todas as potencialidades da criança, naquilo que a metodo-logia da época possibilitasse: es-porte, música, recreação, méto-do silábico, entre outras. O que importava era que a criança, ao sentir-se amada e valorizada em

suas experiências, desenvolvesse o amor e o respeito por si pró-pria e pelos outros.

A preocupação das escolas Ma-ristas era proporcionar igualmente boas relações entre alunos e mes-tres. Champagnat evidencia em suas atitudes que era um homem de visão, possuindo um olhar além do seu tempo, pois colocava em prática um método de educa-ção baseado na inteira formação do caráter e da conduta, a qual existia apenas em discurso naque-la época. Advertia os Irmãos para que as crianças e os jovens fossem educados para o mundo, não es-quecendo o que era mais impor-tante: amar, educar, e ensinar o catecismo; conduzir a criança e o jovem para Deus.

De acordo com Vieira, Mar-celino Champagnat era: “um homem prático e inovador” (VIEIRA apud CIEM, 2003, p. 21), dotado de uma excepcional capacidade de educar crianças e jovens; ele tinha clareza da im-portância da catequese, do ensi-no dos valores cristãos e da im-

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portância de se formar cidadãos críticos e conscientes da sua mis-são. A missão educativa marista é a de evangelizar pelo testemu-nho e pela presença. Isso signifi-ca estar presente junto às crian-ças e aos jovens, demonstrando preocupar-se com eles, estando atento às suas necessidades. Não uma presença excessivamente vi-gilante, mas que se faz notar pela simplicidade de atitudes.

Uma educação integral, elabo-rada a partir de uma visão cristã da pessoa humana e do seu de-senvolvimento (VIEIRA apud SILVEIRA, I. L., 1994, p. 216-218). Para Champagnat, Maria, mãe de Jesus, é o modelo perfei-to de educador marista. Essa mu-lher, leiga, como educadora de Jesus em Nazaré, inspira o estilo educativo marista. Maria experi-mentou as alegrias e dificuldades da vida mantendo, em todos os momentos, sua missão de mãe e educadora. Sua ternura, sua for-ça, sua constância na fé, devem orientar os passos dos educa-dores maristas (VIEIRA apud CIEM, 2003, p. 54-55).

Champagnat, nos seus escritos, mostra também claramente o ca-minho que almejava para o ensino, buscando novos meios que pudes-sem contribuir para a realização dos seus objetivos. Era um homem de caráter forte, determinado, huma-no, focado na formação de crianças e jovens, ético, trabalhador, sensível às necessidades dos mais necessita-dos, um homem de muita oração. Ele tinha um amor muito grande pelos Irmãos e chamava atenção quando fosse necessário, mas sem-pre com uma atitude de humildade.

As decisões de Champagnat eram sempre muito bem refletidas e precedidas de oração. Além de colocar tudo nas mãos da Boa Mãe, procurava aconselhar-se com pes-soas sábias para evitar falhas e não cometer erros , sobretudo para ter também a certeza de que não esta-va sendo guiado pela vaidade.

A pedagogia de Champagnat pode inspirar a tantos educado-res que buscam uma educação integral e integradora, favore-cendo a presença e o cuidado das crianças e jovens. É necessá-

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rio cultivar o amor e a responsa-bilidade, acreditar em si mesmos e nos outros. Estar sempre se atualizando para que o nosso fa-zer corresponda aos propósitos e necessidades de hoje.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, pode-se compre-ender a contribuição importante da Pedagogia Marista para o aper-feiçoamento da vida educacional e humana. Este trabalho de conclu-são de curso sobre o Patrimônio Marista procurou, antes de tudo, mostrar e partilhar uma rica experi-ência de vida e aprendizado de co-nhecimentos, que foram adquiridos, durante o período de formação, na casa da Juventude Marista (CAJU), em Porto Alegre. O período de for-mação possibilitou e fortifi cou a compreensão da importância de se aprofundar, cada vez mais, a riqueza espiritual e educacional do Patrimô-nio Marista.

O curso contribuiu para am-pliar os conhecimentos sobre a vida, a obra e legado de São Mar-celino Champagnat. O conteúdo

das palestras e das práticas de es-tudo atendeu às principais expec-tativas sobre o Patrimônio Maris-ta. Além disso, o próprio grupo de formação contribuiu através das experiências, partilhas de vida, em que os coordenadores, sempre atentos às necessidades de cada um, favoreceram um ambiente de convívio e aprendizagem.

Dessa maneira, ao escolher para o meu trabalho de conclusão o tema da Pedagogia Marista pude ampliar minha compreensão acerca da obra educativa de Marcelino Champag-nat. Ao demarcar esta temática de estudo foi possível também avançar no crescimento pessoal e profi s-sional porque, além de Assistente Social, também sou Pedagoga. Em vista disso, tive o interesse maior de conhecer, principalmente, a manei-ra e a visão de Marcelino Champag-nat sobre a educação das crianças e dos jovens. Tudo isso contribui para o meu exercício profi ssional.

Muitas vezes buscamos inovar. Isso faz parte do nosso processo de educar. Frequentemente nos de-paramos com vários exemplos prá-

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ticos de ensino que deram certo e que podem ser adotados nos dias de hoje. Basta termos um olhar hu-mano e humilde que, com certeza, conseguiremos atingir nossos ob-jetivos, sem muito esforço. Pois, a vida acontece e deve ser valorizada num clima de amor e de acolhida.

Este estudo da Pedagogia Ma-rista despertou-me a vontade de aprofundar a pesquisa sobre o tema. Amor por aquilo que se faz, acolhida, senso de responsabilidade tanto por parte do aluno como tam-bém do professor, presença, respei-to, simplicidade e humildade, sem dúvida, são valores fundamentais, também nos dias atuais. Educar o aluno pensando na sua integridade, nos valores éticos, na sua forma-ção humana, revela uma postura responsável tanto para o aprimora-mento da educação quanto para o crescimento da vida social. Precisa-mos preparar os nossos alunos para serem cidadãos conscientes, mas também humanos e sensíveis à re-alidade do próximo.

É um desafio a cada um de nós: contribuir para que o sonho de

Champagnat seja cultivado e per-maneça entre nós, por uma educa-ção da presença e do amor.

REFERÊNCIA

FURET, Jean-Baptiste. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat. São Paulo: Loyola; SIMAR, 1999.

HÜTTNER, Édison. São Marce-lino Champagnat dos braços ao coração de Maria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

VIEIRA, Alboni Marisa Dudeque Pianovski – Marcelino Cham-pagnat, fundador do Instituto dos Irmãos Maristas - A Pe-dagogia Marista na Educação Superior – X Congresso Nacio-nal de Educação – EDUCERE – PUCPR: 2011

TREVISAN, Albino. Curso de ExtensãoemEspiritualidadeePatrimônio Marista. Porto Ale-gre: 2012

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AS DESORDENS DA REVOLUÇÃO E DO IMPÉRIO

PRODUÇÕES DIVERSAS

UM CANTO DE AMOR –MARCELINO E A ESPIRITUALIDADE

INSPIRADORA

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38. Jurema Sausen possui curso de graduação em Pedagogia pela URI, campus Santo Ângelo/RS e Especialização em Psicologia nos Processos Educacionais pela PUC/RS. Atua há 15 anos no Colégio Marista Santo Ângelo como professora de Ensino Religioso, Musicalização Infantil, Regência de Coral e nos últimos 5 anos é Coordenadora de Pastoral da mesma Instituição.

Jurema Sausen38

RESUMOO artigo expressa o encantamento da autora pela obra marista, após anos de

experiência e vivência do carisma marista junto às crianças, jovens e adultos,

estudos e aprofundamento da história de Champagnat. Relata, ainda, impressões e

sentimentos por uma comunidade de educação cuidadora e inovadora. Através da

composição de uma canção, procura-se demonstrar as aprendizagens construídas

na convivência com a Instituição Marista, mas, principalmente, o fortalecimento

na fé, o cuidado consigo mesmo e com o outro, conquistados pela colaboração e

participação na missão marista.

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INTRODUÇÃO

A história de vida e missão de Marcelino José Bento Champag-nat, fundador do Instituto dos Ir-mãos Maristas, trazem presentes a certeza de que um sonho pode se tornar realidade. Conhecer os caminhos percorridos por ele, os desafi os enfrentados, as conquistas realizadas torna-se, ao educador de hoje, uma força inspiradora para a produção de novos saberes e cons-trução de relações signifi cativas.

O artigo a seguir, trabalho de conclusão do curso de extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista, realizado pela Província Marista do Rio Grande do Sul39, expressa o encantamento da auto-ra pela obra marista, após anos de experiência e vivência do carisma marista junto às crianças, jovens e adultos, estudos e aprofundamento da história de Champagnat. Relata, ainda, impressões e sentimentos por uma comunidade de educação cuidadora e inovadora.

Através da composição de uma canção, procura-se demons-

trar as aprendizagens construídas na convivência com a Instituição Marista, mas, principalmente, o fortalecimento na fé, o cuidado consigo mesmo e com o outro, conquistados pela colaboração e participação na missão marista.

A primeira estrofe da músi-ca apresenta Jesus, o centro da espiritualidade, da vida e missão marista. A segunda aborda Ma-ria, exemplo de ser humano, a quem Champagnat dedicou sua obra e inspirou suas atitudes. A terceira estrofe traz o fundador Champagnat, seu cuidado com o outro, seu amor e apelo por uma vida em comunidade, num espírito de família. E, no refrão, os Maristas, fruto dos sonhos do jovem Marcelino, o anseio em tornar Jesus Cristo conhecido e amado do jeito de Maria.

A CANÇÃO

UM CANTO DE AMORLetra: Jurema SausenMúsica: Jurema Sausen e Letícia Ma-ria SausenArranjo e gravação: Jonas Demeneghi

39. Rede Marista RS, DF e Amazônia

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Jesus, és a luz da minha vida, Inspiração para os meus passos,Em ti, Senhor, encontro a paz.Quero em tuas mãos entregarA minha vida, o meu trabalhoE em teus braços ficar.

Refrão: No meu olhar resplandece a Tua luz.Um canto de amor venho a Ti oferecer./: Marista, Maria junto a Champagnat,Com Jesus, fonte de graça para o meu viver. :/

Maria, Mulher de fé, doce mãe,No Teu terno colo Eu quero repousar.Champagnat, a obra Te confiou,Com ele sigo o chamado De com amor educar.

Refrão: No meu olhar...

Marcelino, uma vida em comunhão,O teu carisma e cuidadoConquistaram meu coração.Hoje, o teu exemplo vou seguir,Anunciar Jesus CristoE vida nova construir.

Texto explicativo da composição

Com o coração repleto de amor e admiração pela beleza da obra marista, a canção foi composta sobre pensamentos e sentimentos da autora por fazer parte da his-tória do legado deixado por Mar-celino Champagnat. Emili Turú, no documento “Deu-nos o nome de Maria”, escreve sobre a beleza: “(...) de que necessita nosso mun-do, tão estruturalmente injusto e com tanta violência? Abrir-se à beleza do silêncio, da admiração, da gratuidade. O coração humano está sedento disso (...)” (TURÚ, 2012, p. 64).

A citação nos leva a pensar o quão belo foi o olhar de Marce-lino Champagnat. Olhar atento e cuidadoso, seu coração de pai e protetor, sua audácia e coragem, o seu amor pelo trabalho! Quão bela foi sua vida de fé e oração, alicerçada em Cristo e na Boa Mãe, Maria, em quem se inspirou a seguir o caminho da escuta, do silêncio e da acolhida! Tudo isso é facilmente percebido na obra ma-

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rista, no trabalho de cada educa-dor comprometido com a práti-ca educativa e de todos os leigos maristas envolvidos na tarefa de cuidar do cuidador.

Cada vez mais vemos a im-portância e a necessidade de uma equipe de profi ssionais atentos e preocupados em dar suporte àquelas pessoas que estão na ges-tão de suas unidades. Um apoio tanto no que é específi co do seu trabalho diário, como também, e, essencialmente, na possibili-dade de momentos de oração e silêncio. Segundo Afonso Mu-rad (2007), é fundamental nutrir a interioridade, desligar-se por um instante dos problemas, para realizar um encontro com Deus, consigo mesmo, refl etindo sobre seus valores, suas atitudes e a vi-vência da espiritualidade.

Hoje, somos invadidos por muitas ocupações, informações, pensamentos agitados, ansiedade e angústia para conseguirmos re-alizar tudo aquilo que nos cabe. Muitas são as difi culdades, mas maior ainda pode ser a nossa for-

ça de sabermos lidar com elas. Por meio do cultivo da espiritualidade, vamos à busca do que é essencial à vida. Segundo Afonso Murad: “do ponto de vista da fé, a espirituali-dade é como a seiva que circula no interior da árvore. As pessoas não a veem, mas ela garante a vida e a fecundidade” (2007, p. 129).

O fundador do Instituto Maris-ta deixou-nos seu exemplo de cul-tivo da fé, amor por Jesus e Maria e as horas dedicadas ao silêncio, à oração para ser fortalecido como apóstolo de Cristo, junto às crian-ças e jovens. Sabia que, para reali-zar um bom trabalho e conseguir levar adiante sua obra, necessitava da luz de Deus, do colo materno de Maria e das bênçãos de Jesus sacramentado. Diante do sacrário elevava a Cristo suas preces, suas alegrias e preocupações. Segundo Jean Baptiste Furet (1999), quan-do o Pe. Champagnat estava com alguma difi culdade, diante de al-gum acontecimento desagradável, colocava-se diante do altar, jamais tomava decisão, mesmo que fosse de pouca importância, sem reco-mendá-la a Jesus.

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Diante dessas atitudes de Mar-celino e sabendo do valor do cul-tivo pessoal, do autoconhecer-se, podemos nos perguntar como es-tamos vivendo a espiritualidade, se estamos abrindo espaços em nossas vidas para o recolhimento, para o cultivo da vida interior que fortale-ce o amor pela humanidade e nossa comunhão com ela.

Embora no nosso dia a dia, de-vido ao excesso de tarefas, não va-lorizamos o suficiente esses mo-mentos de parada e reflexão, temos a oportunidade de participar de encontros e cursos disponibilizados pela Instituição marista, pensados e preparados, a fim de que possamos, no silêncio, na escuta, na acolhida e na comunhão, revitalizarmos nosso ser, nossa fé e nossos valores. São instrumentos, que também nos tornam presença significativa entre crianças, jovens e colegas e, princi-palmente, por nos tornarem pesso-as melhores, trazerem paz, equilí-brio e força para a vida.

Com certeza, essas experiên-cias animam o nosso coração na vivência do carisma marista e nos

conduzem a querer partilhar essa alegria de estarmos encantados, apaixonados por uma história de coragem, luta e fé. São aprendi-zados valiosos que não podem ficar guardados, pois expressam um jeito de ser, a espiritualidade marista, o amor em educar, em le-var a mensagem de Jesus, Maria e Champagnat a muitas pessoas.

Jesus, Maria e Champagnat

Ao longo da nossa vida, sen-timos, em algum momento, a ne-cessidade de irmos ao encontro de um ser superior, uma força que nos impulsiona a seguirmos o nos-so caminho. A Bíblia nos mostra a presença de Deus na história da humanidade, representado na pes-soa de Jesus Cristo, humano e di-vino, enviado a propagar o Reino de Deus a todos os povos e levar esperança, confiança e vida nova aos mais sofridos e discriminados.

A mensagem de Jesus faz-nos ir ao encontro do Deus-amor, que acompanha, orienta, protege e ilumina a vida. No livro, “Jesus: Aproximação histórica”, o autor

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José Antônio Pagola (2011), escre-ve sobre a vida de Jesus, o contex-to em que viveu, as aprendizagens com seu povo. A leitura dessa obra é encantadora e apaixonante, pois apresenta Jesus, que cresceu na aldeia simples de Nazaré, desco-nhecida e pequena, habitada por trabalhadores que dividiam o mes-mo pátio, lugar de brincadeiras, descanso e conversas. Era a vida em comunidade, onde partilhavam difi culdades e alegrias.

Jesus, tendo nascido e crescido, vendo a vida humilde e sofrida do seu povo, vai espalhar a sua men-sagem de maneira simples:

Para entender Jesus não é necessá-rio ter conhecimentos especiais; não é preciso ler livros. Jesus lhes falará a partir da vida. Todos poderão cap-tar sua mensagem: as mulheres que põem fermento na massa de farinha e os homens que voltam para casa depois de semear o trigo. Basta viver intensamente a vida de cada dia e ouvir com o coração simples as ou-sadas consequências que Jesus delas extrai para acolher um Deus Pai. (PAGOLA, 2011, p. 64)

Ele expressou os seus ensina-mentos através de histórias com-paradas com a vida das pessoas da sua época e convidou-as a tirar dos seus corações o Deus que cas-tiga e julga, para aproximá-las do Deus misericordioso, que acolhe, perdoa. Jesus quer que todos pos-sam entrar no Reino de Deus.

Cristo é o Deus da vida que es-teve no meio do povo, caminhou por várias aldeias e foi ao encon-tro dos camponeses oprimidos e pobres, entrou em suas casas, sen-tou-se à mesa, partilhou refeições, abriu-lhes os corações para uma vida nova, trouxe Deus presente nas suas vidas como cuidador, guia e amigo. Assim, segundo Pagola:

Jesus não se dedica a expor àque-les camponeses novas normas e leis morais. Anuncia-lhes uma notícia: Deus já está aqui buscando uma vida mais ditosa para todos. Pre-cisamos mudar nosso olhar e nosso coração. (2011, p.115)

Esse Deus, representado por Jesus, hoje está no nosso meio e

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traz luz, inspiração e paz para nos-sas vidas. Cristo, “caminho, ver-dade e vida” (Jo 14,6), conseguiu realizar a sua missão, pois teve ao seu lado a sua mãe, Maria, mulher corajosa e simples, que soube aco-lher, cheia de graça, o convite de Deus: ser a mãe do Salvador, o en-viado de Deus Pai.

Segundo a Espiritualidade Ma-rista em Água da Rocha, com hu-mildade, Maria deixou Deus guiar a sua vida, primeiro com medo, mas logo acalmou seu coração ao sentir a presença amorosa de Deus e a confiança e ternura que Ele depositou nela. O Irmão Su-perior-Geral, Emili Turú, mencio-na que “Maria, na Anunciação, é nosso modelo de abertura ao Es-pírito, a quem escuta atentamente no silêncio e a cuja ação se aban-dona. Com ela, “que guardava e meditava todas as coisas em seu coração”, busquemos ser contem-plativos na ação” (2012, p. 63).

Maria nos ensina a acolher o amor de Deus e a dizer sim ao seu projeto. Através do cântico de Ma-ria, “O Senhor fez em mim mara-

vilhas” (Lc 1,48-50), aprendemos a reconhecer as obras do Senhor sobre nós, a superar as dificulda-des e descobrir que nossa ação diária junto às crianças, jovens e adultos, nossas atitudes de escuta, serviço, atenção e amor para com as pessoas são manifestações da presença de Deus.

Nos acontecimentos cotidia-nos, Deus se revela. Segundo a Espiritualidade Marista (2007), quanto mais estivermos perto de Deus, mais entenderemos o sen-tido profundo de nossa existên-cia: fazemos parte do projeto de Deus para o mundo. Champagnat inspirou a sua missão em Maria, a Boa Mãe, e, como ela, discípula de Jesus, levou o Evangelho aos mais necessitados. O irmão Seán Sam-mon, na circular “Em Seus Braços ou Em Seu Coração”, escreve:

Maria foi a primeira missionária, a primeira mensageira do Evangelho, a primeira pessoa a anunciar a Boa--Nova de Jesus Cristo ao outro. E realizou isso simplesmente acolhen-do o Senhor em seu seio. Maria nos adverte de que a missão pouco tem a

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ver com transmitir a mensagem por palavras; mas tem tudo a ver com o movimento ao encontro do outro, com Jesus no coração (2009, p. 43).

Nosso fundador não fi cou so-mente nas palavras, mas tornou realidade seu sonho por meio da ação, sua vontade e persistência no trabalho diário, sua alegria de estar com os jovens, ensinando--os a integrar oração, fé e vida. Vida esta, segundo Jean Baptiste Furet (1999), dedicada às práticas da vida religiosa, ou seja, oração em comunidade, celebração euca-rística, meditação, estudo, traba-lho braçal e convivência. Cham-pagnat encantou muitos jovens Irmãos com seu jeito simples de agir e falar, seu amor pela vida em comunidade e seu amor em edu-car. Ensinou esses jovens a serem educadores atentos aos apelos das crianças, a agirem como cuidado-res e, com muito amor, instruí-las a conhecer e amar Jesus.

Todas essas atividades eram dedicadas a Maria, Boa Mãe e ao Sagrado Coração de Jesus. Cham-pagnat fazia da sua vida uma vida

em oração. Sobre isso, falou a um de seus Irmãos: “Aquele que sabe rezar bem, sabe viver bem. Ora, viver bem é saber santifi car todos os seus atos, aplicar-se às coisas ex-teriores por espírito de fé e fazer de sua atividade, seja qual for, uma oração constante” (1999, p. 73).

Champagnat, para nós, hoje, é exemplo de superação, coragem e determinação. Homem inovador, sempre procurou manter as boas relações, no diálogo, na abertura ao outro, exercendo com amor uma vida em comunhão. Apren-demos com ele a cada dia viver-mos essa comunhão, estabele-cendo relações signifi cativas, na partilha da fé para superarmos as difi culdades e celebrarmos as alegrias, na busca de realizações, conquistas e vínculos fortalecidos no perdão e no amor.

Somos continuadores da obra de Marcelino e, na condição de Irmãos ou Leigos Maristas, de-vemos estar sempre atentos e abertos aos outros, dispostos a escutar, aprender e partilhar, com o propósito de sermos comuni-

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dade em missão, num espírito de família e na vivência da acolhida e da fraternidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto educacional em que vivemos hoje, quando se fala em educação marista, vem à men-te de muitas pessoas um ensino de qualidade e uma educação evange-lizadora. Fazer parte da Rede Ma-rista significa aprender um novo jeito de ser, conhecer e amar a Jesus, descobrir-se. Significa viver em comunhão com o outro, com a natureza e com Deus. Significa estar conectado com a realidade e construir novos conhecimentos, cultivar valores e atitudes basea-das no cuidado e no amor.

A bela história construída pela instituição marista se dá, através da parceria de Irmãos e Leigos que continuam a espalhar, por todo o mundo, a pedagogia marista, mas principalmente, pela coragem do jovem Marcelino em iniciar e acre-ditar na sua obra, em uma época de revoltas e crises, em que a edu-cação era baseada no autoritarismo

e nos castigos físicos. Ele demons-trou que, através da oração, diálo-go, persistência, amor ao trabalho e cuidado com as pessoas, consegue--se superar as dificuldades, tornan-do sonhos em realidade.

A oportunidade de conhecer e aprofundar o Patrimônio e a Es-piritualidade Marista faz com que se fortaleçam os laços de estima e amor pela obra. A presença ca-rismática de Marcelino junto às crianças e jovens, o modo como se relacionava com eles, o seu jeito simples e humilde de agir e a sua fé e confiança em Jesus e Maria, tor-nam-se, hoje, exemplos a serem se-guidos e fontes iluminadoras para a ação evangelizadora e pedagógica.

A Espiritualidade Marista nos aproxima de Jesus, que se colocou no meio do povo, defendeu suas lutas e, em seus corações, plantou o amor de Deus e a esperança de um mundo melhor. Mostra que hoje, este Jesus está entre nós, sendo luz e força na nossa vida e missão.

A Espiritualidade Marista nos faz ver Maria como mulher e mãe

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corajosa, primeira discípula de Je-sus, que na confi ança em Deus, abriu-se ao novo, para dedicar-se a educar o Filho de Deus e viver com Ele alegrias e sofrimentos. A Boa Mãe nos impulsiona, hoje, a dizermos sim ao projeto de Deus e irmos ao encontro do outro, do jeito dela, para anunciar o Reino de Deus com audácia, júbilo e fé.

Enfi m, a vivência dessa Espi-ritualidade nos torna seres mais plenos, abertos a Deus e ao co-nhecimento de si mesmo e do outro. O seu cultivo, nos motiva à interiorização, a momentos de escuta e refl exão sobre atitudes e relações, no intuito de qualifi car a nossa vida e sermos fonte de gra-ça, sabedoria, acolhida e luz para todos aqueles que encontrarmos no caminho.

REFERÊNCIAS

ESTAÚN, Ir. A. M.(orgs). Água da Rocha: Espiritualidade Ma-rista, fl uindo na tradição de Mar-celino Champagnat. Roma, Itália: FTD S.A., 2007.

FURET, Jean-Baptiste. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat. São Paulo: Loyola: SIMAR, 1999.

MURAD, Afonso. Gestão e Espi-ritualidade: uma porta entreaber-ta. 4ª ed. São Paulo: Paulinas, 2007.

PAGOLA, José Antônio. Jesus: Aproximação histórica. 3ª ed. Pe-trópolis, RJ: Vozes, 2011.

SAMMON, Seán D. . Em Seus Braços ou em Seu Coração. Roma: Instituto dos Irmãos Ma-ristas, Casa Geral – Roma, 2009.

TURÚ, Ir. Emili. Deu-nos o nome de Maria. Roma, Itália: Instituto dos Irmãos Maristas – Casa Geral, Roma, 2012.

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A MISSÃO MARISTAEM UM HOSPITALUNIVERSITÁRIO

PRODUÇÕES DIVERSAS

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40. Graduada em Engenharia Mecânica e com pós- graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho pela PUCRS e pós-Graduação em Administração Hospitalar pela Faculdade Porto-Alegrense. Atua no Hospital São Lucas da PUCRS.

Carmen Ferrari40

O Hospital São Lucas da PUCRS foi inaugurado no dia 29 de outubro de 1976 com

a finalidade de atender a Faculdade de Medicina. Uma obra gigantesca e audaciosa

idealizada pelo Irmão José Otão, na época era reitor da PUCRS, foi a primeira

experiência Marista no mundo, na área da saúde, confirmando o compromisso da

instituição com a educação integral. Neste artigo buscamos compreender a audácia

e a inovação como legados de São Marcelino Champagnat como fonte de inspiração

para a idealização e viabilização da obra do Hospital Universitário.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por ob-jetivo a apresentação de uma síntese das reflexões e leituras realizadas, no decorrer do Curso de Espiritualidade e Patrimônio Marista, edição 2012.

O trabalho foi desenvolvido com base na realidade da Missão Marista no Hospital São Lucas da PUCRS e nos conteúdos apresentados nos três módulos no decorrer do curso.

O Hospital São Lucas da PUCRS foi inaugurado no dia 29 de outubro de 1976 com a finalidade de atender à Faculdade de Medicina. Uma obra gigantesca e audaciosa, idealizada pelo Irmão José Otão, que na época era reitor da PUCRS, foi a primeira experiência Marista no mundo, na área da saúde, confirmando o com-promisso da instituição com a edu-cação integral.

A audácia e a inovação são um legado de São Marcelino Cham-pagnat. Seu carisma espiritual está presente em seus seguidores, e se perpetua no tempo, com fé e soli-dariedade, e nos faz acreditar que

quando o Irmão José Otão ideali-zou e viabilizou a obra do Hospital Universitário da PUCRS, tinha em mente o espírito solidário e auda-cioso que motivou Champagnat quando fundou o Instituto Marista.

O Espírito empreendedor e a au-dácia da obra do Irmão José Otão podem ser comparados à trajetória de Champagnat. Mesmo em tempos diferentes, os desafios e as dificulda-des são semelhantes.

Champagnat foi ordenado sa-cerdote em 22 de julho de 1816 e enviado como coadjutor da pa-róquia de La Valla. Mesmo sendo um homem do interior acostu-mado com as incongruências da vida, se comoveu com a pobreza e o isolamento cultural dos jovens e adultos da sua paróquia.

As escolas na zona rural eram mantidas pela caridade, pois a municipalidade não tinha recursos para isso. As instalações eram pre-cárias, muitas vezes improvisadas em galpões e até em estábulos. Os professores eram escassos e com formação deficiente. A situação era caótica e sem organização.

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O Padre Champagnat, homem de senso prático e personalidade forte, forjados pela dureza da lida do campo, onde cresceu e passou seus primeiros anos de vida, logo percebeu que não bastava ensinar o evangelho, precisava recuperar a dignidade e a autoestima das pes-soas para que pudessem enfrentar os desafios da vida. Isso seria pos-sível através da educação e que, além de escolas para educar, pre-cisava formar bons professores e recuperar a autoestima dos jovens.

No dia 28 de outubro de 1816 o Padre Champagnat foi chamado para ir até a casa de um carpintei-ro, em Le Palais, em um povoa-do que fica um pouco além de La Valla, para atender um jovem de dezessete anos, João Batista Montagne. O jovem se encontra-va muito doente e sem nenhum conhecimento cristão. Então Champagnat ficou tocado pela miséria e ignorância. Naquele dia Champagnat saiu para visitar ou-tros doentes na mesma localidade e ao regressar à casa do Montag-ne, soube que João Batista havia morrido. (SAMMON, 1999 p. 29)

A lembrança da miséria e deses-pero do jovem Montagne motivou a fundação da Sociedade de Irmãos Educadores, e no dia 2 de janeiro de 1817 o Padre Champagnat, com mais dois jovens, fundou o Institu-to dos Pequenos Irmãos de Maria (os Irmãozinhos de Maria), hoje o Instituto Marista. A confirmação do empreendimento consta na ci-tação da carta que Champagnat en-viou ao Rei Luís Filipe:

“Majestade, nascido no cantão de Saint-Genest-Malifaux, Departa-mento do Loire, só vim a aprender a ler a escrever com inúmeras dificulda-des, por falta de professores competen-tes. Compreendi desde então a urgen-te necessidade de uma instituição que pudesse, com menor custo, proporcio-nar aos meninos da região rural o grau satisfatório de ensino que o Ir-mão das Escolas Cristãs proporciona aos meninos carentes das cidades.Elevado à dignidade sacerdotal em 1816, fui destacado para coadjutor numa paróquia rural. O que vi com meus próprios olhos ma faz sentir mais vivamente a importância de pôr em execução, sem mais detença, o pro-jeto que há muito vinha acalentando.

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Comecei, pois, a preparar alguns pro-fessores. Dei-lhes o nome de Irmãozi-nhos de Maria, convencidíssimo de que este nome bastaria para atrair muitas pessoas. O êxito rápido em poucos anos justificou e superou as expectati-vas (CARTAS, 1997, P. 91).

Hoje, às vésperas do bicen-tenário de fundação, o Instituto Marista traz o carisma e a espiritu-alidade de seu fundador, presente em mais de 80 países. Seus segui-dores, os Irmãos Maristas, cum-prem a sua missão perpetuando o sonho de Champagnat: tornar Je-sus Cristo conhecido e amado em todas as dioceses do mundo.

O Hospital São Lucas da PU-CRS, inaugurado há trinta e seis anos, impregnado pelo Carisma da Espiritualidade de Champagnat, cumpre sua missão, atendendo aos anseios da sociedade através da educação integral na formação de profissionais para atuar na área da saúde, na prestação de serviços de saúde e na inovação, através da pesquisa e divulgação das novas descobertas da medicina.

HOSPITAL SÃO LUCAS DA PUCRS (HSL/PUCRS) E A MISSÃO MARISTA

A origem do Hospital e sua missão está embasada na intera-ção, Assistência, Ensino e Pesqui-sa, em consonância com a filoso-fia Marista, orientada por valores sociais e éticos, e pela interação interdisciplinar e o compromisso com a comunidade.

Atualmente o Hospital São Lu-cas da PUCRS, dentre os hospitais universitários da rede privada, é o maior do Brasil. Seu conjunto de valores, aliado a um corpo clínico, integrado por médicos e profes-sores da Faculdade de Medicina, além de prestar a assistência médi-ca, atua na formação de médicos em nível de graduação, pós-gra-duação e residência médica em 26 especialidades. Conta ainda com a contribuição do Instituto de Ge-riatria, Instituto de Pesquisas Bio-médica, Centro de Pesquisas Clí-nicas, o que constitui um valioso campo para estágio das faculdades da área da saúde.

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O modelo de gestão desenvol-vido no HSL/PUCRS tem como base fundamental a viabilização das condições para o desenvolvimento do ensino e da pesquisa e, de forma simultânea, qualificar a assistência.

Hoje o Hospital serve de campo de estágio para todas as faculdades da área da saúde da PUCRS. A edu-cação integral e de qualidade vem da concepção do Instituto e o ensi-no está implícito no motivo da cria-ção do Hospital, ou seja, viabilizar o campo de estágio para a Faculdade de Medicina. Nesse sentido foi pro-jetado como um Hospital Univer-sitário, e assim era conhecido nos seus primeiros anos de atuação.

A sua estreita ligação com o ensino foi um determinante para a qualificação da assistência. A presença dos alunos estimula a atualização constante do corpo técnico, bem como dos recursos tecnológicos, construindo diretri-zes com rigor cientifico em todas as áreas. A presença do ensino confere um diferencial técnico e científico expressivo ao Hospital, conferindo uma visibilidade ex-

terna e um referencial na busca de serviços médico-hospitalares especializados e de referência.

ESTRUTURA DO HOSPITAL

O hospital conta com uma estru-tura de 560 leitos, instalados em seis pavimentos, dos quais 492 leitos são destinados para a internação clínica, cirúrgica, pediátrica, obstetrícia, ge-riatria e psiquiatria, em acomodações com quartos privativos, e enferma-rias. 102 leitos de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) locados em cinco unidades com as especializa-ções: UTI Geral, UTI Coronariana, UTI Pós-Operatória Cirurgia Cardí-aca, UTI Pediátrica e UTI Neona-tal. Um amplo e moderno Centro Cirúrgico com 16 salas de cirurgia, 3 salas de parto, sala para recupera-ção pós-anestésica. O ambulatório ocupa uma área específica com 106 consultórios, atendendo em todas as especialidades. O Serviço de urgên-cia e emergência, com uma área de 1872 m², está equipado com duas unidades para atendimentos de ur-gência (UCE Adulto e UCE Pedi-átrica). Seu quadro funcional é de 2.891 funcionários, 1.196 médicos

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do corpo clinicam e um acolhimen-to diário de 18.000 pessoas.

Em 2011 o Hospital realizou 231.830 atendimentos ambulato-riais, 27.943 internações, 20.589 cirurgias, 3.427 partos, 148.365 atendimentos de urgência e emer-gência, 2.572.567 exames.

A HUMANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS

Um Hospital Universitário de uma instituição cristã, e de longa experiência na área da educação, tem características próprias e um jeito diferente de cuidar da vida, o jeito solidário e cristão.

O destaque de seu diferencial não está em suas instalações e em seus equipamentos modernos e de ultima geração, nem tampouco em seu parque tecnológico. O diferen-cial está nas pessoas que dedicam o dia a dia no seu trabalho nas diver-sas atividades do Hospital.

Sabe-se que para cuidar da vida precisamos ter uma vocação especial de querer servir, que significa estar disponível e atento às necessidades

do outro, e requer muita sensibilida-de e doação pessoal que vai além do aprendizado da técnica e do conhe-cimento científico. Cuidar da vida é um ato de amor ao próximo e para bem cuidar é preciso amar.

A humanização dos Serviços do Hospital tem por base os prin-cípios de sua missão, cuidar da vida através dos princípios éticos e cristãos visando à assistência de forma integral com um atendi-mento digno e humano.

As ações de humanização são desenvolvidas por uma equipe multiprofissional que envolve os serviços: Serviço de Pastoral da Saúde; Serviço Social; Comitê de bioética; Comissão de defesa da criança e do adolescente e Cuida-dos Hospitalares; Voluntariado da AVESOL que desenvolvem ativi-dades através da Associação das Voluntárias de Câncer de Mama; ABA – Associação dos Bebês Apressados; Associação dos vo-luntários da Pediatria com atua-ção no atendimento às crianças internadas e aos pais das crianças internadas. Entre as atividades

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desenvolvidas destacam-se: a mu-sicoterapia, a hora do conto e as campanhas beneficentes.

O serviço religioso, a cargo do Serviço da Pastoral da Saúde, é pres-tado por 2 sacerdotes e 6 religiosas e conta com a participação ecumênica de pastores de outros credos.

Além das visitas aos pacien-tes internados e distribuição da eucaristia, prestam serviço de atendimento aos familiares dos pacientes e aos funcionários, também realizam as celebrações das missas semanais: Domin-go às 10 horas, terças, quintas e sábado às 16 horas, e as ce-lebrações nas datas de come-morações especiais, tais como: Semana Santa, Páscoa, Semana da Enfermagem, SIPAT (Se-mana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho), Dia das Mães. Dia dos Pais, Dia do Mé-dico, aniversário do Hospital, Dia Nacional de Ações de Gra-ças e a celebração do Natal com a participação dos funcionários na encenação do presépio vivo.

Humanização dos ambientes

Visando ao bem-estar dos pa-cientes e da equipe de trabalho, em cada projeto de revitalização e/ou de reforma da área física, sempre que possível, o ambiente externo é incorporado ao ambiente inter-no e, nesse sentido, vários projetos foram viabilizados através de aber-turas projetadas para a visualização da natureza, no intuito de diminuir a ansiedade e o estresse da rotina hospitalar e propiciar mais conforto aos pacientes. O destaque está na criação de jardins internos com mo-vimento de água, trazendo lumino-sidade, aeração e conforto para os ambientes, bem como a abertura de janelas na UTI Geral.

Atividades do Voluntariado

Os voluntários, ligados à AVE-SOL, atuam no Hospital e desen-volvem suas atividades através de 15 projetos distribuídos em 2 pro-gramas conforme o que segue:

Programa Amor, Alegria: O Programa Amor Ale-gria contempla os Projetos:

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Projeto Esperança; Projeto Espiritualidade da Pastoral da Saúde; Projeto Histórias de Vida; Projeto Maninho; Projeto Oi; Projeto Ouvir; Projeto Pense Bem.Programa Luz Agrega: O Programa Luz Agrega con-templa os projetos: Projeto Acolhida; Projeto Cami-nho; Projeto Começar de Novo (voluntária de câncer de mama); Projeto Enxo-val; Projeto Fralda; Proje-to Messe Fraterna; Projeto Transporte.Universo de Atendimen-to: O universo de atendi-mento se estende para os pacientes, familiares e para as equipes técnicas e admi-nistrativas.Setores de Abrangência: A abrangência de atuação dos programas dos voluntá-rios abrange todos os seto-res do Hospital, com ênfa-se especial nos setores que prestam serviços assisten-ciais que são os Setores de Internação, Ambulatórios e Laboratórios.

Atividades Desenvolvi-das em 2012

Em 2012 o público atendido através dos programas do volun-tariado somam 493.680 pessoas e a distribuição de itens, entre os quais: refeições, passagens, enxo-vais, próteses, perucas, e materiais para as ofi cinas, somam 184.500.

Eventos Multiplicadores

Os eventos multiplicadores constituem ações desenvolvidas pelos voluntariados, visando irma-nar as ações solidárias, tais como:

• Integração interna entre a Pastoral Universitária da PUCRS, AVESOL, e a UTI Neonatal.

• Parcerias externas visando transferir nossa experiência de voluntariado para o volun-tariado da AACD de Porto Alegre no que tange ao proje-to Acolhida e Projeto Alegria.

• Parceria com o voluntaria-do do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), tendo por objetivo a capa-

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citação de voluntários da-quela organização, no Pro-jeto Esperança.

• Parceria com o Colégio Ma-rista Champagnat, para a realização de oficinas para o voluntariado, com a partici-pação de, aproximadamen-te, 800. Parceria com o Co-légio Marista Rosário, para a realização de oficinas para o voluntariado, com a partici-pação de, aproximadamen-te, 100 alunos.

• Parceria com a Comuni-dade Marista, para a rea-lização de oficinas para o voluntariado, organizado no encontro de Jovens Ma-ristas, realizado no Colégio Marista Champagnat.

• Parceria do voluntariado do HSL e ONG Doutorzinho, viabilizando o evento inter-nacional, “vivendo uma vida de alegria”- 13 de dezembro de 2012 com a participação de PATCH ADMAMS.

• Parceria com a formação da ABA (Associação dos Bebês Apressados) de Alegrete, vinculada ao voluntariado

da Santa Casa de Alegrete. • Doações Recebidas.

A doação recebida em benefí-cio de nossos pacientes tem por origem diversas fontes, formando uma corrente de solidariedade e amparo conforme o que segue: Empresas, escolas, faculdade, co-munidade, ex-pacientes, familia-res de ex-pacientes, funcionários de toda a universidade, médicos, familiares de médicos, estudantes estrangeiros, e outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como trabalho de conclusão, procurei demonstrar, de forma re-sumida, a grandiosidade e impor-tância social e solidária da missão Marista realizada através do Hos-pital São Lucas da PUCRS. Certa-mente estava no propósito se seu fundador, quando em 1817, como-vido pela situação de miséria e igno-rância do jovem Montagne, toma a decisão de fundar uma congregação de Irmãos para que se dediquem à educação dos jovens, sobretudo dos mais necessitados. Consta na cons-tituição do Instituto:

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Artigo 85 Trabalhando em institui-ções escolares ou em outras estruturas de educação, consagramo-nos a serviço da pessoa humana, por amor do Reino.

Artigo 88 Partilhamos nossa espi-ritualidade e nossa pedagogia com os pais, professores e outros membros da comunidade educativa.

Um hospital universitário de-

senvolve atividades de assistência, ensino e pesquisa, por isso tem características próprias e peculia-res que o diferenciam dos hospi-tais que atuam só na assistência. Os professores e pesquisadores que desenvolvem suas atividades em um hospital de ensino, tam-bém educam pelo exemplo e pela presença, ensinam, pesquisam e realizam novas descobertas im-portantes, contribuindo para o desenvolvimento da ciência e da medicina, atuando sempre na pre-sença dos alunos.

Champagnat selecionou os jo-vens que ingressaram no Instituto e para ajudá-los na formação, viveu entre eles como um deles. Ensi-nou-lhes a leitura, escrita, aritméti-

ca, a rezar e viver o Evangelho no cotidiano, e a serem mestres e reli-giosos educadores (Apostila PEN, Módulo 1, p.30, 2012).

Além do ensino e da pesquisa, os mestres prestam serviços de assis-tência, desenvolvendo em seus dis-cípulos as condutas de atendimento e a maneira de servir, pela escuta, pelo respeito e pelo atendimento humanizado. Tudo isso nos repor-ta aos exemplos de Champagnat quando iniciou a formação de seus primeiros discípulos e seguidores.

REFERÊNCIAS

Apostila Pem, Curso de extensão em espiritualidade e patrimônio Marista, Edição 2012.

Relatório Social 2011, Pucrs e Hospital São Lucas.

Relatório do voluntariado no Hospital São Lucas da Pucrs, 2012.

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