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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015
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O PROJETO FORMATIVO-EDUCACIONAL DE HUGO DE
SAINT-VICTOR: DIDASCÁLICON E DE SACRAMENTIS
CRHISTIANAE FIDEI (DE SACRAMENTIS)
VIANA, Ana Paula dos Santos
OLIEVIRA, Terezinha
Introdução
Neste estudo apresentamos uma proposta de pesquisa à linha de História e
Historiografia da Educação. Pretendemos, ao desenvolver essa investigação, analisar o
projeto educacional de Hugo de Saint-Victor (1096-1141) para os estudantes da Escola
de Saint-Victor, em Paris, destacando os princípios pedagógicos essenciais à formação
destes. Esses princípios, ainda que voltados aos estudantes, estendem-se, a nosso ver,
aos homens do século XII.
Desde a nossa graduação em Pedagogia (2008-2011) na Universidade Estadual
de Maringá (UEM), procuramos compreender a contribuição da educação para a
formação humana e intelectual. Nesse sentido, a preocupação com o conhecimento, com
a formação humana e docente e com o ensino e a aprendizagem foi alimentada pelas
múltiplas experiências e vivências, seja nos estágios em docência, seja na elaboração
dos trabalhos para as disciplinas ou dos projetos de iniciação científica. Foi com o
referido pensador medieval que tivemos o primeiro contato com a pesquisa e, assim,
iniciamos nossos estudos no intuito de alcançar esse objetivo que é compreender a
educação e sua contribuição para a formação dos sujeitos ao longo da história.
Identificamo-nos com as disciplinas de Fundamentos da Educação,
especialmente Filosofia da Educação nas épocas antiga e medieval. Nessa ocasião,
recebemos o convite para realizar o primeiro Projeto de Iniciação Científica (PIC),
intitulado, A educação no século XII: um olhar da história, da filosofia e da literatura
(01/05/2009 a 30/04/2010). Com o presente trabalho, pudemos compreender a
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importância da leitura como elemento essencial para chegar à sabedoria. Os escritos do
mestre Hugo de Saint-Victor, de Pedro Abelardo e de Chrétien de Troyes brindaram-nos
com suas formulações, cuja compreensão foi fundamental para atingirmos o objetivo ali
proposto: analisar o conhecimento citadino do século XII, priorizando as mudanças
teóricas e comportamentais. As discussões acerca dos ensinamentos de Hugo de Saint-
Victor e de Pedro Abelardo colaboraram para que entendêssemos que o envolvimento
de ambos com a educação medieval contribuiu para o nascimento da Universidade de
Paris1.
Essa compreensão contribuiu para que desenvolvêssemos outro estudo ao
participarmos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
Com o objetivo de compreender as origens da universidade medieval, realizamos a
pesquisa intitulada Um estudo da Universidade medieval por meio da historiografia
francesa (01/08/2010 a 31/07/2011). Com base em seus resultados, redimensionamos o
tema e realizamos o trabalho de conclusão de curso, intitulado Universidade medieval
no século XIII: um estudo de suas origens sob o olhar da historiografia francesa
(UEM/CCH/DFE – 2008-2011).
Nessa oportunidade, investigamos, com base na historiografia francesa, a gênese
do espaço de formação humana e docente na universidade. Nossa preocupação com essa
instituição foi despertada pelos estudos anteriormente mencionados, especialmente os
relacionados à formação docente. Afinal, de acordo com Cambi, “[...] no âmbito das
scholae, serão Pedro Abelardo (1079-1142) e Hugo de Saint-Victor, ambos parisienses
e contemporâneos, que delinearão um primeiro quadro inovador dos processos
educativos” (CAMBI, 1999, p. 187, grifo do autor).
Essas discussões sobre a educação citadina do século XII e sua contribuição no
processo educativo da ambiência universitária no século XIII, nos levaram a refletir,
então, como seria o processo formativo anterior a esse período, o que culminou no 1 É importante observar que embora ambos vivessem na mesma ambiência do século XII, os espaços de atuação eram distintos e ambos contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento do ensino e educação medieval. Afinal não distante da Escola de Saint-Victor em Paris, havia outra escola na Ilha do rio Sena, a de Notre-Dame, a qual se encontrava o ensino e as argumentações do mestre Pedro Abelardo. Posteriormente, Pedro Abelardo ensinará na colina Sainte-Geneviève local onde estava a abadia de Saint-Victor. Segundo estudiosos, destas escolas despontará, no início do século XIII, a Universidade de Paris. Neste contexto, os mestres Hugo de Saint-Victor e Pedro Abelardo brilharam em meados do século XII e abriram caminho para o desenvolvimento do conhecimento no século XIII (MARCHIONNI, 2001).
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desenvolvimento de uma pesquisa de Mestrado em Educação (2012-2014), na área de
História e Historiografia da Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Maringá (PPE/UEM); sendo financiada, desta vez, pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Com essa pesquisa, recuperamos na História da Educação uma autora pouco
divulgada neste campo do saber e pouco estudada no ambiente universitário atual.
Estamos nos referindo à Dhuoda (c. 803-843), uma mãe de origem germânica, nobre,
que viveu no século IX no período da dinastia carolíngia. Essa autora dedicou-se a
escrever um Manual2 intitulado, La educación cristiana de mi hijo, para orientar a
formação de seu primogênito Guilherme quando este completara 16 anos. Ao redigi-lo
procura ensinar a seu filho os valores morais, os comportamentos e as virtudes
necessárias a sua educação (NUNES, 1995). Dentre esses elementos, observamos que a
fidelidade era uma questão tênue no período em que a autora viveu, pois o Império
Carolíngio enfrentava um momento de crise por questões políticas. Desse modo,
procuramos analisar a concepção de fidelidade na obra de Dhuoda, bem como o lugar
que ocupa em sua proposta formativa para o nobre do século IX, tendo como referência
as relações feudo-vassálicas e a concepção aristotélica de virtude moral.
Em face do frágil processo de unidade social que passara o referido Império,
Dhuoda serve-se da fidelidade como fundamento da educação pretendida para
Guilherme, justamente por prezar uma formação íntegra, unitária para ele. Assim, por
perceber que essa fragilidade poderia influenciar seu convívio social, a autora procurou
redigir o Manual com o seguinte objetivo: “[...] desde la primera línea de este pequeño
libro, hasta la última sílaba del mismo, reconoce que todo há sido escrito para tu
2 Com relação à procedência do Manual, cumpre mencionar a respeito da origem e das edições do manuscrito de Dhuoda. Merino (1995), afirmando que existem diversas hipóteses para a origem do texto, refere-se à existência de uma versão do Manual em latim na biblioteca do arcebispo de Tolouse, Pierre de Marca, de uma versão na Biblioteca Municipal de Nîmes e de outra na Biblioteca Central de Barcelona. A primeira edição completa do Manual, segundo o autor, foi publicada em 1887, sob a responsabilidade de Édouard Bondurant, que a organizou com base nas informações contidas nos manuscritos existentes nas bibliotecas de Nîmes e Barcelona, reunindo assim o conteúdo de ambas em uma única publicação. Fundamentado nesta edição, Pierre Riché elaborou uma nova edição, versando o texto latino para o francês. Baseado na versão de Riché, Merino (1995) a traduziu para a língua espanhola. Desse modo, utilizamos como fonte de pesquisa, o Manual de Dhuoda, a versão em espanhol traduzida por Marcelo Merino (Profesor Ordinario de Patrología, del Instituto de Historia de la Iglesia, Universidad de Navarra, Pamplona). Disponível em: <http://www.unav.es/ihi/curriculum/merino/default.html>. Acesso em: 18 set. 2014.
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salvación” (DHUODA, 1995, p. 169), ou em outras palavras “[...] para que sea leído
como modelo de tu formación” (DHUODA, 1995, p. 51).
Visando continuar a investigação e compreensão do processo formativo no
decorrer da história, decidimos apresentar um projeto de doutorado à linha de pesquisa
de História e Historiografia da Educação que trate de temas importantes à Hugo de
Saint-Victor recuperando dois de seus escritos: Didascálicon e De sacramentis. Nosso
objeto de pesquisa é o projeto educacional do mestre vitorino para a formação dos
estudantes da Escola da abadia de Saint-Victor, em Paris, expresso nas obras citadas.
Embora recuperemos Didascálicon, a obra já estudada no primeiro projeto que
realizamos, a abordagem não será direcionada à compreensão das mudanças teóricas e
comportamentais do século XII, ainda que estas sejam pertinentes. A intenção é
verificar a concepção vitorina de formação de pessoas, de estudantes, dos princípios
educacionais e pedagógicos para se ensinar algo a alguém e, por conseguinte, para
aprender algo de alguém. Nesse sentido, o problema que se apresenta está relacionado
aos fundamentos da formação humana e intelectiva, dentre as quais se destaca a
sabedoria, ou nas palavras de Hugo de Saint-Victor a Sapiência3.
De todas as coisas a serem buscadas, a primeira é a Sapiência, na qual reside a forma do bem perfeito. A Sapiência ilumina o homem para que conheça a si mesmo, ele que, quando não sabe que é feito acima das outras coisas, acaba achando-se semelhante a qualquer outra coisa (HUGO DE SAINT-VICTOR, Didascálicon, L. I, c. I, § 1-2).
De acordo com o mestre vitorino a conotação de Sapiência ao qual ele se refere
é chegar à Deus, pois, para os homens do século XII, toda sabedoria procedia de Deus e
alcançá-la significava encontrá-lo por meio do saber, tanto que Hugo de Saint-Victor
esclarece que a Sapiência é a Mente Divina “[...] porque [...] em maneira clara é
expresso o advento de Cristo, que é a Sapiência do Pai” (HUGO DE SAINT-VICTOR,
3 Cumpre mencionar que o termo mais corrente na contemporaneidade para a língua portuguesa seria sabedoria. No entanto, este não apresentaria o significado coerente da tradução do latim Sapientia em que Hugo de Saint-Victor se fundamenta baseando-se na tradição patrística. “Em Agostinho e em Francisco de Assis, por exemplo, Jesus, o Verbo e Filho de Deus, é invocado como a ‘Sapiência do Pai’ (Sapientia Patris), expressão que encontramos também no Didascálicon da arte de ler (IV, 8)” (MARCHIONNI, 2001, p. 10, grifo do autor). Por isso, manteremos o termo Sapiência neste projeto.
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Didascálicon, L. IV, c.VIII, § 10, grifo do autor). Desse modo, a Sapiência não é
qualquer sabedoria ou fase do conhecimento, mas sim alguém: o Verbo, a Mente de
Deus. Nesse sentido, observamos que é necessário buscar a Sapiência porque, de acordo
com este pensador, ela é a nossa origem, conhecendo-a, conheceremos a nós mesmos
(nossa natureza humana).
Somos reerguidos pelo estudo, para que conheçamos a nossa natureza e aprendamos a não procurar fora de nós aquilo que podemos encontrar dentro de nós. A procura da Sapiência é, com efeito, “um grande conforto na vida” (HUGO DE SAINT-VICTOR, Didascalicon, L. I, c. I, § 9).
Compreendemos, assim, que o homem se torna humano a partir do
conhecimento e da virtude, isto é, sua natureza humana, sua racionalidade é adquirida
pelo intelecto por meio de um comportamento virtuoso. Desta forma, inferimos que os
sujeitos tornam-se humanos pela Sapiência e esta deve ser alcançada, para os homens
citadinos do século XII, ao aproximar-se de Deus pelo caminho do estudo das Sagradas
Escrituras, no processo de formação.
Prologus Quare lectionem mutaverit Cum igitur de prima eruditione sacri eloquii quae in Historica constat lectione, compendiosum volumen prius dictassem, hoc nunc ad secundam eruditionem (quae in allegoria est) introducendis praeparavi; in quo, si fundamento quodam cognitionis fidei animum stabiliant, ut caetera quae vel legendo vel audiendo superaedificare potuerint, inconcussa permaneant. Hanc enim quasi brevem quamdam summam omnium in unam seriem compegi, ut animus aliquid certum haberet, cui intentionem affigere et conformare valeret, ne per varia Scripturarum volumina et lectionum divortia sine ordine et directione raperetur4 (HUGONIS DE S. VICTORE, De sacramentis..., Prologus).
4 Prólogo Por que mudar a leitura O primeiro ensinamento do discurso sagrado consiste, historicamente, na sua palavra, na estrutura do livro, do qual já tratamos em um texto anterior, desejamos agora preparar uma introdução ao segundo ensinamento, que o encontra em uma analogia (simbologia), para tanto é preciso estabelecer primeiramente a alma no conhecimento dos mistérios da fé, para que ao serem acrescentadas outras coisas
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E complementa:
Quae sint discenda a principio Quisquis ad divinarum Scripturarum lectionem erudiendus accedit, primum considerare debet quae sit materia, circa quam versatur earum tractatio; quia, si rerum illarum de quibis scriptura facta est notitiam habuerit, facilius post modum dictorum ejus veritatem sive profunditatem perspiciet. [...] Materia divinarum Scripturarum omnium, sunt opera restaurationis humanae5 (HUGONIS DE S. VICTORE, De sacramentis..., c. 1-2).
As palavras de Hugo de Saint-Victor nos permitem inferir que as obras em
questão formam uma unidade: a formação dos homens do século XII. Isso porque
“[...] ele deixou uma obra abundante, onde expressa, ao mesmo tempo, sua espiritualidade de cônego e sua atividade de professor, encarregado de ensinar as artes liberais e a Sagrada Escritura: cerca de cinqüenta títulos, ou seja não menos de três volumes da Patrologia Latina, em que os escritos de espiritualidade e de mística estavam lado a lado com manuais de artes liberais [...] Duas obras maiores dominam o conjunto, o De sacramentis, a primeira grande suma de Teologia da Idade Média ocidental, e [...] o Didascalicon, redigido provavelmente desde os anos de magistério de Hugo [...] o Didascalicon foi definido como um “manual de estudos”, uma verdadeira ratio studiorum para o uso dos Vitorinos e, mais amplamente, de todas as escolas urbanas de seu tempo. O subtítulo (De studio legendi: “Como ler?”, “A aplicação à leitura”) traduz bem sua ambição [...] designam [...] tanto o trabalho do aluno que lê e logo estuda as autoridades, quanto o do professor que as “lê” publicamente, isto é, comenta-as em aula. Livro
pelo estudo ou pela leitura, preserve em sua firmeza. Por isto reunimos nesta obra uma summa de todos os mistérios da fé, para que a alma, firmando-se em coisas certas, pudesse conformar-se e unir-se às mesmas em sua intenção, a fim de não ser tragada sem direção e sem ordem pelos vários volumes e lições das Sagradas Escrituras (HUGONIS DE S. VICTORE, De sacramentis..., Prólogo, tradução nossa). 5O que deve ser aprendido desde o início Quem se apaixona das lições das Sagradas Escritura com o desejo de aprender deve considerar primeiro qual é o assunto de que tratam, pois assim poderá alcançar mais facilmente a verdade e a profundidade de suas sentenças. [...] A matéria de todas as Sagradas Escrituras é a obra da restauração humana (HUGONIS DE S. VICTORE, De sacramentis..., c. 1-2, tradução nossa).
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simultaneamente para o mestre e para o aluno (VERGER, 2001, p. 78-79, grifos do autor).
Essa parece ser a tônica dos escritos que pretendemos analisar, isto é, ao
dedicar-se à escrita, Hugo de Saint-Victor procura ensinar a seus estudantes (com o
Didascálicon) e a seus pares (com De sacramentis) conhecimentos pertinentes à
formação destes: o que, como e em que momento ler para alcançar a Sapiência: é
necessário, ao mesmo tempo, conhecer as ciências profanas (artes liberais) e a ciência
sagrada6 (Sagrada Escritura). Certamente, devem não apenas conhecê-la, mas apropriar-
se dela, com os princípios pedagógicos que investigarem para que esse intuito seja
conquistado.
Desse modo, pretendemos estudar o Didascálicon e De sacramentis para
verificar quais princípios pedagógicos necessários à formação dos estudantes da Escola
de Saint-Victor do século XII que compõe, por assim dizer, o projeto educacional do
mestre Vitorino expresso nesses escritos. Significa dizer, então, que a preocupação do
mestre naqueles expressam em entender e analisar os elementos formadores dos homens
do século XII. Assim, as questões que nortearão esta pesquisa referem-se a
quê/quais/por que (os) princípios pedagógicos e saberes deveriam permear a vida dos
estudantes vitorinos e como deveriam se comportar (agir) na propagação desses
conhecimentos. Enfim, qual a relevância/pertinência desses princípios para a formação
deles?
Justificativas
Uma pesquisa de doutorado sobre o projeto formativo-educacional de Hugo de
Saint-Victor é uma tarefa complexa, porém pertinente e possível à História da
Educação. Se pesquisarmos os livros, artigo, ensaios da História da Educação em nosso
país observamos poucas referências a este campo do saber, até mesmo seus escritos
estão, em sua maioria, traduzidos em outros idiomas. A Patrologia Latina de J. P. 6 A ‘junção’ dessas ciências caracteriza a essência do pensamento medieval: a escolástica, da qual os homens desse tempo obtinham os saberes e valores para regulamentar suas relações sociais, uma vez que esta “[...] pode ser considerada como o estabelecimento e a justificação de uma concórdia entre Deus e o homem” (LE GOFF, 2007, p. 185), isto é, entre fé e razão.
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Magne reúne em três volumes (Tomus 175, 176, 177) o acervo das obras, opúsculos e
cartas de Hugo de Saint-Victor, em um total de 52 títulos, todas, como o próprio título
sugere, em língua latina (MARCHIONNI, 2001; VERGER, 2001); por isso podemos
mencionar ser esta uma tarefa difícil, mas pertinente à História da Educação, uma vez
que este pensador e sua proposta educativa são pouco conhecidos e estudados na
ambiência universitária atual, mas que compõe o processo educativo de determinado
período da história.
Estudar a educação de épocas anteriores ao nosso tempo presente, em especial,
as questões e preocupações presentes nos escritos de Hugo de Saint-Victor se justifica, a
nosso ver, por permitir conhecer e refletir acerca do homem e da sociedade em suas
características fundamentais no curso da história.
O que se produziu que parecera apelar imperiosamente à intervenção da história? Foi que o humano apareceu. Há muito tempo, com efeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel de Coulanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular, favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da diversidade. Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [...] por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que a criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça. (BLOCH, 2001, p.54).
Marc Bloch, historiador do século XX, nos ensina que estudar a história nos
permite entender os homens e as particularidades da organização social essenciais à
convivência e sobrevivência dos sujeitos singulares. O objeto do historiador são os
homens ao longo do tempo.
Nesse sentido, acreditamos que estudar as obras desse importante cônego e
magister do século XII (VERGER, 2001) é um exercício de reflexão sobre os homens,
suas peculiaridades e relações estabelecidas entre seus pares e a sociedade em que estão
inseridos. Além disso, a preocupação em estudar o passado nasce com o interesse do
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pesquisador pelo presente. Compreende-se, assim, que o pesquisador quer entender o
que se passa com os homens de seu tempo e, por isso, busca conhecer outras
experiências, diferentes das suas próprias, pois “[...] A incompreensão do presente nasce
fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja menos vão esgotar-se em
compreender o passado se nada se sabe do presente” (BLOCH, 2001, p. 65). Nesse
sentido, por justamente se preocupar com os problemas do presente que o historiador
busca compreender o passado.
Acreditamos que estudar as questões em tela é importante porque possibilita o
enriquecimento do debate acerca da formação dos sujeitos singulares (estudantes),
propondo-nos a conhecer autores que não são estudados com tanta freqüência, mas que
também trataram da educação e dos processos de ensino e aprendizagem. Com efeito,
olhar para o modo como Hugo de Saint-Victor propunha a formação dos estudantes é,
de certa forma, olhar para o modo como o mestre vitorino entendia o processo de
formação humana e intelectual dos homens do século XII. São experiências que estão
distantes de nós, mas que podem, na perspectiva de Bloch (2001), contribuir para a
compreensão dos homens, das relações sociais e da forma como educam e são
educados.
Portanto, o estudo das obras de Hugo de Saint-Victor, tendo como tese a
necessidade de se conhecer o projeto educacional para a formação de estudantes, torna-
se importante na medida em que nos faz refletir sobre a essência mesma do ser humano
e do ser sábio/intelectual.
Objetivos
Objetivo Geral:
Investigar o projeto educacional vitorino para a formação dos estudantes da
Escola de Saint-Victor no século XII, expressa nas obras Didascálicon e De
sacramentis, a fim de analisar a importância dos princípios pedagógicos para a
formação humana e intelectual.
Objetivos Específicos:
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Analisar o contexto histórico, político e social no século XII, bem como o
ambiente cultural da região na época de composição das obras Didascálicon e
De sacramentis;
Estudar as obras Didascálicon e De sacramentis de Hugo de Saint-Victor, a fim
de compreender seu projeto educacional para a formação estudantes no século
XII;
Compreender os princípios pedagógicos expressos nas referidas obras e refletir
por que o mestre Vitorino assim os concebia;
Breve revisão da literatura e fundamentação teórica
Hugo de Saint-Victor é considerado o grande expoente da Escola de Saint-
Victor, em Paris (STREFLING, 2002; LE GOFF, 2007). Este mestre medieval, segundo
Marchionni (2001), juntamente com outros pensadores contemporâneos7 seus,
interpretaram um novo papel da razão no estudo e este caminho perpassou pela leitura e
a Sapiência.
A Escola de Saint-Victor, em Paris, era formada por cônegos agostinianos que
viviam em uma abadia parisiense chamada Saint-Victor. Esta foi influenciada pela
passagem do simbolismo da natureza para a pesquisa sobre a natureza, assim como da
teologia simbólica para o debate dialético: é uma escola interna e externa, contemplativa
e ativa, espiritual e intelectual, Sapiência e ciência (MARCHIONNI, 2001). Hugo de
Saint-Victor, cônego e mestre desta abadia, absorve essa influência e dela se apropria8.
O mestre Vitorino era descendente de nobre, nasceu por volta de 1095,
provavelmente na Saxônia, chega a Paris por volta de 1115 e morre em 1141. A
fundação da Escola de Saint-Victor é datada de 1108, ano em que o arquidiácono
7 Hugo de Saint-Victor, juntamente com Abelardo, Adelardo de Bath, Thierry de Chartres, Gilberto de Poitiers, Guilherme de Conches, John de Salisbury, Pedro Lombardo e São Bernardo, integra um grupo de pensadores que, na primeira metade do século XII, interpretaram um novo papel da razão no estudo do mundo natural e supranatural. Eles discutiram sobre literatura, medicina, lógica, gramática, dialética, retórica, geografia, preocupados em difundir a razão, a constituição profunda das coisas e as regras da linguagem na interpretação da ciência (MARCHIONNI, 2001). 8 Para compreender melhor essa influência, estudaremos as obras de: SICARD, Patrice. Hugues de Saint-Victor et son École. Brepols, 1991 e HAURÉAU, Jean-Barthélemy. Hugues de Saint-Victor: nouvel examen de L’édition de ses oeuvres. Paris:Libraire-Editeur Pagnerre, 1849.
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Guilherme de Champeaux deixa a Ilha da Cidade (Île de la Cité), onde lecionava e se
acomoda em uma capela em honra de São Vitor. Próximo a estas havia alguns anexos
na margem esquerda do rio Sena, que dera início a então escola de Saint-Victor. Em
1113, o rei Luís VI promove o local a abadia e a entrega aos cônegos de Santo
Agostinho. Em 1114 a abadia é reconhecida pelo papa Pascal II, que nomeia Galduíno
como primeiro prior, enquanto o fundador Guilherme, ordenado bispo de Châlons, lá
morre em 1121. Hugo Saint-Victor foi levado à abadia de São Vitor, por volta de 1115,
pelo arquidiácono Halberstadt. Destaca-se que esta abadia, após alguns anos, foi
anexada à abadia de Sainte-Geneviève. A abadia, como força intelectual e política, foi
protegida pelos reis e pelos papas (MARCHIONNI, 2001).
O século XII – período em que o mestre Vitorino escreve – é considerado como
um período de essencial transformação da Europa9, e pertence a um longo período de
crescimento demográfico e econômico geral, com início ao final do século X e no
decorrer do XI. A base desse crescimento deve-se, segundo Verger (2001), ao
desenvolvimento agrícola, ou seja, com a extensão de terras cultivadas, melhor domínio
dos espaços naturais, progresso das técnicas agrícolas, altas dos rendimentos e, por
conseguinte, desenvolvimento e diversificação da produção que permitiu garantir de
maneira mais ou menos regular a alimentação de uma população cada vez mais
numerosa.
Além disso, Verger (2001) menciona que após séculos de economia-natureza da
Alta Idade Média, houve o retorno, no século em tela, da economia monetária
(moedas/espécies metálicas), a qual serviu de instrumentos essenciais das trocas de bens
e de serviços. Essas alterações provocaram debates, e a Igreja, por sua vez, manteve sua
condenação ao empréstimo a juros, o anti-judaísmo cristão encontrou uma de suas
justificações, heresias e movimentos religiosos de pobreza floresceram no meio urbano,
9 [...] do nascimento ou desenvolvimento decisivo de uma cultura e de mentalidades novas [...] o século XI e sobretudo o XII redefinem para muito tempo noções essenciais que darão forma ao pensamento europeu ocidental: a idéia de natureza e a idéia da razão (LE GOFF, 2007, p. 111-112). Com a natureza também a razão, ainda mais característica da condição humana, é promovida no século XII. [...] Santo Anselmo [...] Propõe aos cristãos o “fides quarens intellectum” (a fé em busca da inteligência). O grande teólogo Vitorino, Hugo de São Víctor, divide, no começo do século XII, a razão em razão superior, voltada para as realidades transcendentes, e razão em razão inferior, voltada para o mundo material e terreno. [...] O cristianismo no caminho da escolástica (LE GOFF, 2007,p. 118).
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influenciados pela monetarização da economia. Esses aspectos permearam as discussões
dos pregadores e comentadores nas disputas universitárias (VERGER, 2001).
Observa-se, assim, que a vida intelectual deparou-se com condições favoráveis
ao seu desenvolvimento e difusão. Houve, segundo Verger (2001), investimentos no
desenvolvimento da escola e cultura com remuneração aos mestres, subsistências dos
escolares e a compilação de livros. Há que se destacar, também, que na Idade Média não
há como distinguir a vida religiosa da cultural e, nesse sentido, as palavras do referido
autor são elucidativas ao mostrar a Reforma da Igreja, também conhecida de
“gregoriana”, influenciou sobremaneira a vida intelectual e o ensino dos séculos XII e
XIII.
A reforma foi inicialmente reforma do clero secular e revalorização de seu papel (predição e sacramentos), ao menos ao nível dos bispos e dos cônegos, das paróquias [...] Isto exigia maior número de clérigos cultos, logo, formadores nas escolas. Isto implicava em um esforço intelectual sistemático de formatação [...] Campos consideráveis se abriram assim à reflexão e à ação dos clérigos instruídos (VERGER, 2001, p. 26-27).
Isso nos leva a pensar que Hugo de Saint-Victor, como homem, teólogo e mestre
de seu tempo tenha sido influenciado por essa reforma apresentando assim De
sacramentis fidei christianae. Para o mestre vitorino, na história humana age o Espírito
Santo, que conduz o diálogo entre os homens e Deus, ao qual, mesmo agindo na
história, respeita a liberdade e a responsabilidade do homem, pois estes ao ler e estudar
as ciências (sagrada e profana), potencialmente, encontrará conhecimento necessário
para alcançar a Sapiência.
Nesse sentido, para Hugo de Saint-Victor, o estudo da Sagrada Escritura e do
seu significado histórico torna possível aos homens conhecer sua estrutura, a ilustração
sistemática das ‘verdades’ e dos dogmas da fé, as quais foram apresentadas pelo mestre
medieval na obra que analisaremos: De sacramentis. Para que os estudantes saibam
como, o que e em que ordem ler é importante, primeiramente, conhecer essa
sistematização, a metodologia do saber que foi amplamente explicitada no Didascalicon
como um currículo medieval de estudos (VERGER, 2001; MARCHIONNI, 2001; LE
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GOFF, 2007). Desta forma, observamos que em sua proposta formativa é necessário a
formação pela união de saberes: de um lado, artes liberais10 (trívio e quadrívio) e do
outro a Sagrada Escritura. Por isso, ambos escritos são pertinentes ao nosso objeto de
pesquisa.
Metodologia
Em razão da perspectiva de análise do objeto, tomamos como referência o
método da História Social. De acordo com a historiografia, essa tendência surgiu com a
Revista dos Annales fundada por Marc Bloch e Lucien Febvre em 1929, na França. Os
autores propunham o tratamento da história como problema, cuja análise deveria
contemplar diferentes campos do conhecimento, como a Sociologia, a Antropologia, a
Literatura e outros. Esses conhecimentos, aliados aos saberes produzidos na sociedade,
possibilitariam, segundo eles, compreender as situações do presente.
Castro (1997) aborda a proposta de Bloch e Febvre para o estudo da história e
afirma que eles apresentam um caminho metodológico norteado pela colaboração das
demais disciplinas (ciências) para desenvolver pesquisas históricas. Com essa
perspectiva metodológica Burke, também, aborda a contribuição dos fundadores dos
Annales: a de diversificar o fazer historiográfico, os quais “[...] fundaram a revista
Annales, com o objetivo de fazer dela um instrumento de enriquecimento da história,
por sua aproximação com as ciências vizinhas e pelo incentivo à inovação temática”
(BURKE, 2010, p. 8).
Desse modo, com base em Burke (2010; 2012), podemos afirmar que Bloch e
Febvre mostraram uma nova forma de produção historiográfica: a interdisciplinar. A
proposta deles era utilizar o estudo de diversas disciplinas para se compreender a
10 Cumpre mencionar que, de acordo com Marchionni (2001, p. 17), Hugo de Saint-Victor introduz em seu livro uma novidade. O mestre divide a filosofia em quatro ciências (teórica, prática, mecânica e lógica). Cada ciência dessas, por sua vez, contém subdivisões. Desde a teórica (teologia, matemática e física) até as artes do trívio (gramática, dialética e retórica), incluídas na lógica. No meio estão o quadrívio (aritmética, geometria, astronomia e música), situados com a matemática, a prática (ética, econômica e política) e as sete artes mecânicas (lanifício, armadura, navegação, agricultura, caça, medicina e teatro). Embora Hugo desmembre as sete artes liberais, caracterizando o quadrívio à matemática, uma parte da filosofia teórica, e incluindo o trívio na lógica, continua a atribuir um papel relevante a estes.
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história; estudar o objeto em seus diversos aspectos, o que implicava considerar os
aspectos geográficos, econômicos, filosóficos, sociológicos, linguísticos, de
sensibilidade, etc.
Com isso, a disciplina histórica passou a ter um novo enfoque. Para Bloch
(2001), se, antes, a história era concebida como a ciência do passado, com o surgimento
dessa abordagem, o entendimento passa a ser o de considerar o percurso do homem ao
longo do tempo tendo como princípio o fluxo da duração11.
Para Políbios (1985), um historiador do século II a. C., a história expressa a
essência humana, o que consideramos como sua natureza corpórea e mental. Essa
concepção de totalidade mencionada pelo autor também pode ser usada para esclarecer
a escolha da metodologia, na medida em que ele nos leva a refletir sobre o estudo da
história. De sua perspectiva, esta seria um conhecimento por meio do qual se pode
compreender o homem e a sociedade não pela fragmentação, mas em sua plenitude12.
Com tal concepção de história, Políbios nos ensina que é importante olhar o todo
para compreendermos as particularidades, o que não ocorreria com o inverso. É, pois,
com essa percepção que nos dedicaremos a compreender o contexto social em que Hugo
de Saint-Victor viveu, escreveu e ensinou. Dessa forma, estudaremos as formulações do
mestre Vitorino considerando seu processo histórico e educativo.
No que tange à escolha das fontes para nossa pesquisa, concordamos com Bloch
(2001) que afirma a necessidade de buscarmos o passado por meio dos vestígios que
deixou à posteridade. Entendemos que o Didascálicon e De sacramentis constituem-se
como documentos fecundos para entendermos como esse pensador concebia a formação
dos homens no século XII, já que estas obras são consideradas por alguns estudiosos
11 Bem além desse segundo recitativo, situa-se uma história de respiração mais contida ainda, e, desta vez, de amplitude secular: a história de longa [...] duração. A fórmula, boa ou má, tornou-se-me familiar para designar o inverso do que François Simiand, um dos primeiros após Paul Lacombe, terá batizado história ocorrencial (événementielle). Pouco importam essas fórmulas; em todo caso, é de uma a outra, de um pólo ao outro do tempo, do instantâneo à longa duração que situará nossa discussão (BRAUDEL, 1978, p.44-45). 12 As histórias parciais, portanto, contribuem muito pouco para o conhecimento do todo e para formar uma convicção quanto à sua veracidade; somente pelo estudo de todas as particularidades, semelhanças e diferenças ficamos capacitados a fazer uma apreciação geral, e assim tirar ao mesmo tempo proveito e prazer da História (POLÍBIOS, 1985, p. 44).
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contemporâneos, como Marchionni13 (2001), Verger14 (2001) e Le Goff15 (2007), como
uma das importantes produções do saber medieval.
Existe uma tradução16 da Didascalicon, realizada por Antonio Marchionni e
publicada em edição bilíngüe pela Editora Vozes, que facilita o acesso para leitores que
conhecem o português. Portanto, esta obra que nos propomos a estudar está disponível e
o acesso é relativamente simples. Com efeito, a segunda obra, De sacramentis, não
encontramos traduções, ao qual faremos um trabalho de tradução ao longo da pesquisa
em colaboração com o prof. Me. João Bacellar de Siqueira.
Originalidade da temática investigada
Para verificar a originalidade da temática investigada, consultamos o Banco de
Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES). Fizemos uma busca a partir das palavras-chave ‘Hugo de Saint-Victor’ e
‘Hugo de São Vitor’, a fim de obter o maior número de trabalhos possíveis em que o
termo aparece. Não foram encontradas teses na área da Educação, ou na História da
Educação, que tenham por objeto a relação projeto educacional e/ou a formação de
estudantes no século XII pelos escritos de Hugo de Saint-Victor.
A única tese que encontramos foi a de doutorado em Filosofia defendida por
Antonio Marchionni, em 1998, na Universidade Estadual de Campinas, sob o título
Trabalho e razão no Didascalicon de Hugo de São Vitor. Nela, o autor trata dos
elementos de uma filosofia do trabalho fundamentado nesse pensador medieval. O autor
identifica Hugo como o primeiro pensador, na história das ideias, a situar dentro da
filosofia as ciências mecânicas, isto é, a ação eficaz do trabalho humano sobre a 13 Sobretudo depois que o famoso pedagogo Ivan Illich escreveu Du lisible au visible, que é um ensaio sobre a revolução intelectual do século XII a partir do Da arte de ler, este livro de Hugo de São Vitor é considerado um divisor de águas no saber mundial [...] (MARCHIONNI, 2001, p. 9). 14 As classificações do saber mais elaboradas produzidas no século XII são provavelmente as de Hugo de Saint-Victor em sua Didascálicon [...] (VERGER, 2001, p. 76). 15 Desta nova arte de ler foi o grande teólogo e sábio do convento suburbano de Saint-victor em Paris, Hugo de São Víctor (LE GOFF, 2007, p.180-181). O grande iniciador Hugo de São Vitor pode ser considerado como o ponto de partida dessa nova produção enciclopédica. Em particular no seu Didascalion, Hugo mistura ciência do sagrado e ciência do profano, situa num primeiro nível de saberes as artes e a filosofia, num segundo, a hermenêutica [...] (LE GOFF, 2007, p. 183). 16 Tradução feita a partir do texto latino da edição crítica de Ch. H. Buttiner, citado na Bibliografia e editado nos Estados Unidos em 1939 a partir da Patrologia de Migne (1879).
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natureza. Para ele, nessa perspectiva, há a revalorização do trabalho manual e do
trabalho em geral que corresponde a filosofia do mesmo: “Hugo oferece a possibilidade
de termos também um significado filosófico do trabalho humano” (MARCHIONNI,
2001, p. 30).
Em Hugo de Saint-Victor o trabalho humano é uma imitação da natureza, que
por sua vez, “[...] é um simulacro do arquétipo divino” (MARCHIONNI, 2001, p. 31).
Para o pesquisador, as formas presentes na forma do bem perfeito, isto é, da Mente
divina (Sapiência), materializam-se nas formas da natureza que são apropriadas pela
mente do homem e, depois, são transmitidas para o objeto do trabalho humano. Isto
significa que o ponto de partida é a Mente divina, que se exterioriza na natureza e, após,
nos homens e, assim, depois nas obras destes. A essência do homem, para o mestre, é
dada antes do trabalho, por obra da Sapiência que é a forma do homem.
Como pudemos observar, o trabalho encontrado na pesquisa que fizemos no
banco de teses e dissertações da CAPES apresenta uma tese e abordagem diferente da
que propomos neste projeto. Com efeito, pretendemos abordar o Didascalicon e De
sacramentis, enquanto obras pedagógicas – além de filosófica e teológica –, como fonte
para desenvolvermos a tese de que a sabedoria é o fundamento para a formação dos
estudantes da Escola de Saint-Victor e que, a nosso ver, estendem-se aos homens
citadinos do século XII.
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