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OPUS OPUS REVISTA DA ANPPOM ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA VOLUME 19 • NÚMERO 2 • DEZEMBRO 2013 • ISSN 1517-7017 REVIST A DA ANPPOM V OLUME 19 NÚMERO 2 DEZEMBRO 2013

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Revista da ANPPOM

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  • OPUS

    OPUS

    REVISTA DA ANPPOMASSOCIAO NACIONAL DE PESQUISA E PS-GRADUAO EM MSICA

    VOLUME 19 NMERO 2 DEZEMBRO 2013 ISSN 1517-7017

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  • OPUS REVISTA DA ANPPOM ASSOCIAO NACIONAL DE PESQUISA E PS-GRADUAO EM MSICA

    Conselho Editorial

    Editora

    Adriana Lopes da Cunha Moreira (Universidade de So Paulo, USP)

    Conselheiros

    Accio Tadeu Piedade (Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC) Bryan McCann (Georgetown University - Estados Unidos)

    Carlos Palombini (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG) Carmen Helena Tllez (Latin American Music Center, Indiana University, IU - Estados Unidos)

    Carole Gubernikoff (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO) Claudia Bellochio (Universidade Federal de Santa Maria, UFSM)

    Cristina Capparelli Gerling (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS) Cristina Magaldi (Towson University - Estados Unidos)

    David Cranmer (Universidade Nova de Lisboa, UNL - Portugal) Diana Santiago (Universidade Federal da Bahia, UFBA)

    Edson Zampronha (Conservatorio Superior de Msica del Principado de Asturias, CONSMUPA - Espanha) Elizabeth Travassos (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO)

    Fernando Henrique de Oliveira Iazzetta (Universidade de So Paulo, USP) Graa Boal Palheiros (Instituto Politcnico do Porto, IPP - Portugal)

    Irna Priore (University of North Carolina at Greensboro, UNCG - Estados Unidos) Joo Pedro Paiva de Oliveira (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG;

    Universidade de Aveiro - Portugal) John P. Murphy (University of North Texas, UNT - Estados Unidos)

    Jos Antnio Oliveira Martins (Eastman School of Music, ESM - Estados Unidos) Manuel Pedro Ferreira (Universidade Nova de Lisboa, UNL- Portugal)

    Norton Dudeque (Universidade Federal do Paran, UFPR) Pablo Fessel (Consejo Nacional de Investigaciones Cientficas y Tcnicas, CONICET;

    Universidad de Buenos Aires, UBA - Argentina) Paulo Castagna (Universidade Estadual Paulista, UNESP) Paulo Costa Lima (Universidade Federal da Bahia, UFBA)

    Silvio Ferraz Mello Filho (Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP)

    Editorao Adriana Lopes Moreira Reviso Geral Adriana Lopes Moreira, Roberto Rodrigues Tratamento das imagens e encarte Roberto Rodrigues Reviso de tradues Kathleen Martin

    Formatao Ronaldo Alves Penteado Projeto Grfico Rogrio Budasz

    Capa As mos do rei do congado mineiro, foto de Mario Espinosa. Opus: Revista da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msica ANPPOM v. 19, n. 2 (dez. 2013) Porto Alegre (RS): ANPPOM, 2013. Semestral ISSN 0103-7412 1. Msica Peridicos. 2. Musicologia. 3. Composio (Msica). 4. Msica Instruo e Ensino. 5. Msica Interpretao. I. ANPPOM - Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msica. II. Ttulo

  • Pareceristas ad hoc do v. 19, n. 1 e 2

    Adriana Giarola Kayama (UNICAMP) Alberto Jos Vieira Pacheco (Universidade Nova de Lisboa, UNL - Portugal)

    Alberto Tsuyoshi Ikeda (UNESP) Angela Elisabeth Lhning (UFBA)

    Carlos Alberto Figueiredo (UNIRIO) Carlos de Lemos Almada (UFRJ) Carole Gubernikoff (UNIRIO)

    Cludia Fernanda Deltregia (UFSM) Cludia Ribeiro Bellochio (UFSM)

    Cristina Maria Pavan Capparelli Gerling (UFRGS) Diana Santiago da Fonseca (UFBA)

    Edson Zampronha (Universidad de Valladolid - Espanha) Emerson de Biaggi (UNICAMP)

    Ernesto Frederico Hartmann Sobrinho (UFES) Fbio Presgrave (UFRN)

    Felipe da Costa Trotta (UFPE) Fernando Iazzetta (USP) Flvio Carvalho (UFU) Fredi Gerling (UFRGS)

    Graa Maria Boal Palheiros (Instituto Politcnico do Porto, IPP - Portugal) Graa Mota (Instituto Politcnico do Porto, IPP - Portugal)

    Graziela Bortz (UNESP) Guilherme Sauerbronn de Barros (UDESC)

    Helena Marinho (Universidade de Aveiro - Portugal) Irna Priore (University of North Carolina at Greensboro, UNCG - EUA)

    Ivan Vilela (USP) Joo Pedro Paiva de Oliveira (UFMG; Universidade de Aveiro - Portugal)

    Jorge Matta (Universidade Nova de Lisboa - Portugal) Jos Antnio Oliveira Martins (University of Rochester - EUA)

    Jos Eduardo Fornari Novo Jr. (UNICAMP) Jos Toms Marques Henriques (Universidade Nova de Lisboa, UNL - Portugal)

    Lia Toms (UNESP) Luciana Marta Del Ben (UFRGS)

    Manuel Pedro Ramalho Ferreira (Universidade Nova de Lisboa, UNL - Portugal) Mara Behlau (UNIFESP)

    Marcelo Campos Hazan (Columbia University - EUA) Marcos da Cunha Lopes Virmond (USC)

    Maria Bernardete Casteln Pvoas (UDESC) Maria Lcia Pascoal (UNICAMP)

    Mrio Videira (USP) Martha Tupinamb de Ulha (UNIRIO)

    Maurcio Alves Loureiro (UFMG) Mikhail Malt (IRCAM - Frana)

    Mnica Isabel Lucas (USP) Norton Eloy Dudeque (UFPR)

    Pablo Fessel (Consejo Nacional de Investigaciones Cientficas y Tcnicas, CONICET; UBA - Argentina) Patrick Schmidt (Florida International University - EUA)

    Paulo Adrio Pereira de Assis Miranda (Universidade Nova de Lisboa, UNL - Portugal) Paulo de Tarso Camargo Cambraia Salles (USP)

    Paulo Tin (UNICAMP) Pedro Rodrigues (Universidade de Aveiro - Portugal)

    Ricardo Ballestero (USP) Ricardo Goldemberg (UNICAMP)

    Ricardo Lobo Kubala (UNESP) Rodolfo Nogueira Coelho de Souza (USP)

    Rogrio Luis de Moraes Costa (USP) Srgio Luiz Ferreira de Figueiredo (UDESC) Silvio Ferraz Mello Filho (UNICAMP; USP)

    Sonia Ray (UFG) Stphan Schaub (UNICAMP; IRCAM - Frana)

    Walter Garcia da Silveira Jnior (USP)

  • OPUS

    REVISTA DA ANPPOM ASSOCIAO NACIONAL DE PESQUISA E PS-GRADUAO EM MSICA

    VOLUME 19 NMERO 2 DEZEMBRO 2013

  • ASSOCIAO NACIONAL DE PESQUISA E PS-GRADUAO EM MSICA

    Diretoria 2011-2013

    Presidente: Luciana Del Ben (UFRGS) Primeiro secretrio: Marcos Vincio Nogueira (UFRJ)

    Segundo secretrio: Eduardo Monteiro (USP) Tesoureiro: Sergio Figueiredo (UDESC)

    Conselho Fiscal

    Claudiney Carrasco (UNICAMP) Ana Cristina Tourinho (UFBA)

    Marcos Holler (UDESC) Antenor Ferreira Corra (UnB) Srgio Barrenechea (UNIRIO)

    Alexandre Zamith Almeida (UFU)

    Editora de publicaes da ANPPOM

    Adriana Lopes Moreira (USP)

  • sumrio volume 19 nmero 2 dezembro 2013

    Editorial 9

    Instrues para autores 10

    Msica fractal: um painel de tcnicas de geometria fractal aplicadas em msica 11 Marcelo Queiroz, Fabio Kon

    Pacific 231 de Honegger e a Tocata Trenzinho do Caipira de Villa-Lobos: 41 um caso de intertextualidade Norton Dudeque

    Nveis de espacializao acstica em recentes estreias internacionais 59 de peras brasileiras Zoltan Paulinyi

    Consideraes sobre o pensamento esttico de Don Ellis: inovao/tradio 87 e o elemento indiano em The Tihai Leandro Gumboski

    Compositores Latino-Americanos and New Paradigms of the 20th Century 115 Classical Music Eliana Monteiro da Silva, Amilcar Zani

    Uma abordagem sobre as tcnicas estendidas utilizadas no fagote e a importncia 137 da cooperao do compositor e do intrprete para o aperfeioamento do repertrio Valdir Caires de Souza, Fbio Cury, Marco Antonio da Silva Ramos

    Expressividade e performance: estratgias prticas aplicadas por pianistas 149 profissionais na preparao de repertrio Alfonso Benetti Jr.

    Msica nas escolas de educao bsica: a produo acadmica dos cursos 173 de ps-graduao stricto sensu no Brasil (1972-2011) Nair Pires, ngela Dalben

    Classificao vocal: um estudo comparativo entre as escolas de canto 211 italiana, francesa e alem Maurcio Machado Mangini, Marta Assumpo de Andrada e Silva

    Identidades transatlnticas da cultura hip-hop: estudos de caso no Brasil 225 e em Portugal Rosana Martins

    Msica e religio: interfaces na produo da performance 245 Fbio Henrique Ribeiro

  • editorial

    ste nmero 19.2 da OPUS reflete a diversidade da pesquisa em msica.

    Nesse momento em que recursos computacionais e matemticos tm sido de grande relevncia prtica da composio e da anlise musical, Marcelo Queiroz e Fabio Kon nos trazem um painel de conceitos e tcnicas de geometria fractal aplicadas msica. Valendo-se do conceito e da prtica da intertextualidade, Norton Dudeque estabelece uma comparao entre Pacific 231 de Honegger e o Trenzinho do Caipira de Villa-Lobos. Zoltan Paulinyi apresenta consideraes sobre espacialidade musical, aplicadas composio das peras Biblioteca e Preo do perdo. Trazendo contribuies para o estabelecimento de estilos composicionais, Leandro Gumboski tece consideraes estilsticas sobre a pea The Tihai e sobre Don Ellis. Eliana Monteiro e Amilcar Zani delineiam processos composicionais recorrentes no conjunto de 54 peas para piano gravadas por Beatriz Balzi na referencial serie Compositores Latino-americanos. No campo das prticas interpretativas, Valdir Caires, Fbio Cury e Marco Antonio Ramos voltam-se importncia da cooperao do compositor e do intrprete para a prtica de tcnicas estendidas. Com base em uma srie de entrevistas, Alfonso Benetti Jr. discute estratgias de estudo pertinentes a qualidades expressivas da msica aplicadas por pianistas de excelncia durante a prtica instrumental.

    Atravs de consultas amplas a bases de dados especficas, Nair Pires e ngela Dalben trazem os resultados de uma pesquisa sobre a produo acadmica dos cursos brasileiros de ps-graduao stricto sensu entre 1972 e 2011, tendo como tema a educao musical nas escolas de educao bsica. Maurcio Mangini e Marta de Andrada e Silva realizam uma reviso bibliogrfica de trabalhos que discutem aspectos da classificao vocal e escolas de canto. Partindo de pesquisas de campo e tendo como objetivo analisar aes culturais juvenis perifricas do hip-hop como possveis mediaes para novas prticas polticas na contemporaneidade, Rosana Martins traz estudos de caso no Brasil e em Portugal. Fbio Ribeiro busca refletir sobre a relao entre msica e religio na construo da performance musical no contextos de grupos de Congado.

    Agradeo Fnia Espinosa pela belssima imagem fotogrfica da capa, de autoria de seu pai, Mrio Espinosa, cuja carreira fortemente marcada pelo registro sensvel de imagens das comunidades quilombolas brasileiras.

    Adriana Lopes Moreira

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  • instrues para autores

    Criada em 1989, a Revista OPUS uma publicao seriada semestral, cujo objetivo divulgar a pluralidade do conhecimento em msica, considerados aspectos de cunho prtico, terico, histrico, poltico, cultural e/ou interdisciplinar - sempre encorajando o desenvolvimento de novas perspectivas metodolgicas. Por constituir o peridico cientfico da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msica (ANPPOM), tem como foco principal compor um panorama dos resultados mais representativos da pesquisa em msica no Brasil.

    Indexada pelo Rpertoire International de Littrature Musicale (RILM) e classificada no estrato A2 do Qualis Peridicos, da CAPES (2012), a Revista OPUS est aberta a colaboraes do Brasil e do exterior. Atualmente, veiculada em verso online. Publica artigos, resenhas e entrevistas em portugus, espanhol e ingls, recebidos em fluxo contnuo.

    O endereo para envio [email protected].

    Para que possam ser publicados na Revista OPUS, os artigos, resenhas e entrevistas devem se adequar aos requisitos, normas tcnicas e cesso de direitos que constam no site www.anppom.com.br/opus/.

    Cada artigo, resenha ou entrevista avaliado por pareceristas ad hoc, atravs do processo de avaliao cega por pares (double blind review).

    Os textos submetidos precisam necessariamente ser originais. O contedo de cada artigo, resenha ou entrevista de inteira responsabilidade de seu autor.

    ISSN 0103-7412 (verso impressa) ISSN 1517-7017 (verso online)

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    QUEIROZ, Marcelo; KON, Fabio. Msica fractal: um painel de tcnicas de geometria fractal aplicadas em msica. Opus, Porto Alegre, v. 19, n. 2, p. 9-38, dez. 2013.

    Msica fractal: um painel de tcnicas de geometria fractal aplicadas em msica

    Marcelo Queiroz (USP) Fabio Kon (USP)

    Resumo: Este artigo apresenta um painel de trabalhos de autores diversos que utilizam conceitos e tcnicas relacionados geometria fractal aplicados msica. So tratadas tcnicas de anlise de obras musicais voltadas deteco de padres fractais em repertrio musical pr-existente, bem como tcnicas que utilizam construes fractais na sntese de elementos musicais, tais como notas, acordes, melodias e ritmos, ou sinais sonoros. As principais contribuies so apresentadas resumidamente, bem como algumas ferramentas de software relacionadas ao tema. Ao final do texto so expostas perspectivas futuras de pesquisa envolvendo msica e fractais.

    Palavras-chave: Geometria fractal. Modelos matemticos. Anlise musical. Composio fractal.

    Title: Fractal Music: A Panel of Techniques in Fractal Geometry Applied to Music

    Abstract: This article presents an overview of works by several authors who use concepts and techniques from fractal geometry applied to music. It covers analysis techniques of musical works aimed at identifying fractal patterns in pre-existing musical repertoire, as well as techniques that use fractal building blocks in the synthesis of musical elements such as notes, chords, melodies and rhythm, or sound signals. The article presents the main contributions, as well as related software tools. Finally, the text presents some future perspectives in research involving music and fractals.

    Keywords: Fractal Geometry. Mathematical Models. Musical Analysis. Fractal Composition.

  • Msica fractal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus

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    interesse pelo estudo de relaes entre msica e fractais surgiu na dcada de 1970, pouco aps a publicao dos primeiros trabalhos de Benot Mandelbrot sobre dimenso fracionria, rudos 1/f (onde f representa a frequncia) e autossimilaridade (MANDELBROT, 1967. MANDELBROT; VAN NESS, 1968). Os

    trabalhos de Richard Voss e John Clarke (1975, 1978) trazem anlises de sinais de udio de fragmentos musicais os mais diversos, todos revelando as mesmas caractersticas de rudos 1/f, o que sugere o caminho inverso: o da composio musical (estocstica) a partir da informao contida nos mesmos rudos. A discusso chegou a um pblico mais amplo atravs de revistas de divulgao cientfica, como a Scientific American (GARDNER, 1978), e do livro The Fractal Geometry of Nature (MANDELBROT, 1983).

    Esses trabalhos atraram a ateno de msicos e cientistas e, a partir de ento, diversos autores propuseram as mais variadas associaes entre conceitos musicais e fractais para fins de anlise e composio (BOLOGNESE, 1983. SCHROEDER, 1986. DODGE; BAHN, 1986. HS; HS, 1990. GOGINS, 1991. LEACH; FITCH, 1995. MADDEN, 1999. BIGERELLE; IOST, 2000. JOHNSON, 2003, entre muitos outros). As associaes incluem a transposio de construes geomtricas (como a curva de Koch ou o tringulo de Sierpinsky) para o plano meldico, o uso de rudos com caractersticas fractais na gerao de parmetros musicais, tais como altura, durao, intensidade e timbre, e o uso de sistemas dinmicos, sistemas de funes iteradas e atratores para a construo de partituras completas.

    Nas sees seguintes, cada uma destas tcnicas ser abordada de forma resumida, comeando-se pelas abordagens analticas (Seo 2), que se ocupam da deteco de padres fractais em repertrio pr-existente, para, em seguida, considerar as tcnicas de sntese (Seo 3), que utilizam mapeamentos de construes fractais na gerao de elementos musicais. Os termos Anlise e Sntese so utilizados aqui sempre em sentido amplo, ou seja, para se referirem extrao de informao e gerao de informao, respectivamente. A Seo 4 apresenta uma lista de programas e ferramentas de software relacionados a msica e fractais, com uma breve discusso de cada um deles, e a Seo 5 apresenta algumas consideraes finais e perspectivas de pesquisa futura na rea.

    importante ressaltar que este artigo tem como objetivo apresentar uma viso geral da rea de fractais em msica e no pretende, de forma alguma, abranger exaustivamente todos os trabalhos j realizados na rea. No se tratou aqui de apresentar uma reviso sistemtica da literatura, mas sim de apresentar ao leitor uma viso geral da rea. Em particular, alguns trabalhos no foram includos ou discutidos detalhadamente, seja

    O

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . QUEIROZ; KON

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    por exigirem uma exposio muito longa, ou por apresentarem um recorte ou uma aplicao excessivamente especficos. Alm disso, limitou-se propositalmente o escopo a trabalhos que mencionam fractais de forma explcita; sendo assim, no foram includos trabalhos que mencionam apenas conceitos relacionados, tais como autossimilaridade ou sistemas caticos, sem apresentar uma conexo direta com a geometria fractal. O leitor interessado poder encontrar muitos outros textos de carter geral sobre o assunto (BERAN, 2004. CHAPEL, 2003. CHIROLLET, 2002. DARBON, 2006. JOHNSON, 2003. MADDEN, 1999. MIRANDA, 2001. MOORE, 1990).

    Anlise musical e fractais

    O uso do computador na anlise sonora e musical abrange diversas disciplinas e aplicaes, como a acstica musical (anlise tmbrica de instrumentos, anlise de caractersticas acsticas de recintos), a transcrio musical (produo de uma partitura ou equivalente a partir de um registro de udio), a transcrio textual (reconhecimento da fala), a minerao de dados (reconhecimento de estilos, classificao de gneros) e a performance interativa (sincronizao da performance de um msico com processamento e sntese sonoros em tempo real), entre outros.

    Os primeiros trabalhos envolvendo anlise sonora e fractais se devem a Voss e Clarke (1975, 1978), e tm importncia seminal para a pesquisa nesta rea. Neles observou-se, pela primeira vez em gravaes e transmisses de msica, uma caracterstica comum a certos processos estocsticos, tais como a energia residual de vlvulas, semicondutores, membranas nervosas, manchas solares e as flutuaes do nvel de gua do rio Nilo, quando observados por longos perodos de tempo: a caracterstica de que o espectro de potncia (ou de energia) destes sinais decai em proporo inversa frequncia (ou seja, segundo uma funo 1/f, onde f representa a frequncia).

    Mais especificamente, os autores calcularam o espectro de potncia de sinais x(t) (aqui t representa o tempo, e x(t) a amplitude instantnea do sinal) consistindo de gravaes de execues de obras de diversos compositores, entre eles Johann Sebastian Bach, Elliot Carter, Milton Babbit, Karlheinz Stockhausen e Scott Joplin, bem como longas sequncias de transmisso radiofnica de estilos diversos, como msica clssica, jazz e blues, rock e at mesmo noticirios. Todas apresentavam a caracterstica de que o espectro nas baixas frequncias (abaixo de 1Hz) decaa conforme a funo 1/f (VOSS; CLARKE, 1978: 260. Cf. figura 5, reproduzida na Fig. 1 abaixo, esquerda). Tal observao facilitada quando os valores de frequncia (f) e de energia (E) so representados em escala logartmica, de tal

  • Msica fractal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus

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    forma que a relao E=1/f se torna log(E)=-log(f), ou seja, a queda se assemelha a uma funo linear. Um exemplo anlogo aos de Voss e Clarke foi recriado aqui a partir da anlise da execuo do primeiro Preldio e Fuga, BWV846, do Cravo Bem Temperado de J. S. Bach, na execuo de Rosalyn Tureck, em 1953 (Fig. 1, direita).

    Fig. 1: Esquerda: Espectro de baixa frequncia relacionado a transmisses radiofnicas: (a) msica clssica, (b) rock, (c) jazz e blues, (d) noticirio (extrado da figura 5 de VOSS; CLARKE, 1978: 260).

    Direita: Espectros de baixa frequncia da obra Preldio e Fuga n. 1, BWV846, do Cravo Bem Temperado de J. S. Bach, gravada em 1953 por Rosalyn Tureck.

    interessante observar que essas frequncias baixas (abaixo de 1Hz) refletem variaes de longo prazo (> 1 segundo) do sinal de udio, entre elas o perfil dinmico e o perfil meldico, que variam muito mais lentamente do que a forma de onda propriamente dita. O contedo espectral entre 1Hz e 10Hz est associado principalmente estrutura rtmica da pea, enquanto o contedo harmnico propriamente dito influencia a parte do espectro correspondente faixa audvel (dos 20Hz aos 20kHz), que naturalmente no segue uma funo do tipo 1/f, mas sim distribuies relativas a cada linguagem musical, como a tonalidade (ou ausncia dela) e os padres de escrita meldica correspondentes.

    Uma interpretao do que significa esta distribuio 1/f pode ser obtida por comparao com dois processos estocsticos muito conhecidos: o rudo branco e o

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . QUEIROZ; KON

    opus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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    movimento browniano.

    O rudo branco pode ser aproximado por um sinal de tempo discreto x(n)=Zn, para todo instante n inteiro, onde Zn so variveis aleatrias independentes com distribuio normal, mdia 0 e varincia 1. Seu espectro de potncia pode ser calculado como a transformada de Fourier de sua funo de autocorrelao, definida pela expresso

    mnmZZ=mnxmx=nx , e que em virtude da independncia das variveis Zn tem como valor esperado 10 =xE e 00 k=kxE , que corresponde funo conhecida como delta de Dirac discreto (definida pelas condies (0)=1 e (k)=0 sempre que k0). Assim, o espectro de potncia de x(n) a transformada de Fourier do delta de Dirac, que uma funo constante, ou em outros termos, se comporta como a funo 1/f d com d=0. interessante observar que o termo rudo branco vem da analogia com a luz branca que tambm possui espectro constante, pois ela contm todas as frequncias visveis em igual intensidade.

    O movimento browniano, associado neste contexto ao rudo vermelho, pode ser aproximado por uma verso discreta (passeio aleatrio) dada pela expresso x(n)=x(n-1)+Zn, para todo n inteiro, onde Zn so variveis aleatrias independentes e com distribuio uniforme. Seu espectro de potncia |X()|2 em funo da frequncia angular pode ser calculado a partir da expresso x(n)=x(n-1)+Zn como X()=eiX()+Z(), ou seja X()=Z()/(1-ei), onde Z() o espectro do rudo branco (que tem mdia igual a uma constante K). Para pequeno 1-ei aproximadamente igual a , de onde |X()|2(K/)2, ou seja, o espectro de potncia |X()|2 cai com o quadrado da frequncia. Lembrando que a frequncia f em Hertz satisfaz 2f=, temos que |X(f)|2(K/2)2(1/f ), ou seja, o espectro de potncia decai como uma funo 1/f para frequncias baixas.

    Um rudo com espectro 1/f tambm conhecido como rudo rosa (pela sua caracterizao espectral intermediria entre o rudo branco 1/f 0 e o vermelho 1/f ) e tem a propriedade de possuir iguais quantidades de energia em qualquer faixa do espectro logartmico de frequncia. Assim, por exemplo, entre duas frequncias f1 e f2 que formem um intervalo musical de oitava (f2/f1=2), a energia total ser

    constante==ff=ff=df

    ff

    f2lnlnln ln 1

    1

    212

    2

    1

    , independentemente da regio

    considerada do espectro, o mesmo valendo para qualquer outro intervalo musical.

  • Msica fractal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . opus

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    Este comportamento do espectro pode ser relacionado com a memria do processo estocstico: o espectro da forma 1/f 0 est relacionado a um processo em que cada novo valor gerado de forma independente de seu histrico (processo sem memria), enquanto o espectro da forma 1/f 2 est associado a um processo que acumula todos os valores anteriores (afinal x(n)=x(0)+Z1+Z2++Zn), e a memria do processo infinita. Pode-se demonstrar que um espectro da forma 1/f est associado a um processo em que novos valores dependem dos anteriores de acordo com um decaimento exponencial e-t (aqui uma constante e t representa o lapso de tempo em relao ao presente). Em termos de memria do processo, pode-se falar que a memria infinita, porm a dependncia maior em relao ao passado recente do processo

    (correspondente a 0t ). As observaes de Voss e Clarke no se limitaram amplitude dos sinais x(t), mas

    tambm compreendem a frequncia instantnea f(t), estimada por eles atravs da contagem de ocorrncias da condio x(t)=0 (zero-crossings). Foi observado o mesmo padro de decaimento 1/f do espectro dos sinais f(t) em todos os casos analisados. A medida de frequncia instantnea, intuitivamente ligada ideia de melodia, impulsionou os autores a aplicar geradores de rudo 1/f composio automtica; este tpico ser retomado na Seo 3.

    Uma abordagem analtica substancialmente diferente, proposta por Hs e Hs (1990), estudar as frequncias relativas com que notas ou intervalos musicais aparecem em uma composio. Estes autores argumentam que determinadas peas e/ou compositores utilizam (implicitamente ou inconscientemente) uma distribuio que obedece a uma expresso da forma F=K/I D, onde F a frequncia de apario do intervalo musical I (medido em nmero de semitons), K uma constante e D interpretado como a dimenso fractal da pea (cf., p.ex., BERAN, 2004, seo 3.2). Os autores analisam partituras (e no gravaes em udio como Voss e Clarke) de peas para piano de Bach, Mozart, Stockhausen - nomeadamente, Inveno n. 1, em D maior, BWV 772, de Bach; Sonata, em F maior, KV 533, de Mozart e Capricorn, de Stockhausen - e tambm canes populares, contando as frequncias de intervalos entre notas sucessivas (separadamente para mo direita e esquerda), e obtm valores de D (e K) por regresso linear a partir dos pares (I,F) observados. Especificamente so considerados os valores log(I) e log(F), que devem obedecer expresso log(F)=log(K)-Dlog(f), que linear em D. Os valores de D assim obtidos so em geral fracionrios, como D=2,4184 para a obra BWV 772 de Bach ou D=1,7322 para a obra KV 533 de Mozart, ao passo que a distribuio de intervalos na pea Capricorn de Stockhausen no se ajusta bem a uma reta (HS; HS, 1990: 940. Cf. figura 1,

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    reproduzida na Fig. 2 abaixo). Os autores concluem destas anlises que peas tonais como as de Bach e Mozart e as canes populares analisadas possuem estrutura fractal, enquanto a pea de Stockhausen no possuiria a mesma estrutura.

    Fig. 2: Distribuio dos intervalos em 3 peas: (esquerda) BWV 772 de Bach, (centro) KV 533 de Mozart

    e (direita) Capricorn de Stockhausen. Imagem extrada do original de Hs e Hs (1990: 940, figura 1).

    interessante notar que os autores observam desvios significativos dos valores medidos em relao ao modelo linear, como a relativa infrequncia do semitom (valores 1 nos eixos horizontais da Fig. 2) e do trtono (6 semitons) e a abundncia de intervalos de quinta (7 semitons) e oitavas (12 semitons), desvios estes atribudos a preferncias estticas daqueles compositores. J no caso da composio de Stockhausen a distribuio no permite uma regresso linear razovel, o que segundo os autores se deve notvel deficincia de teras maiores e excesso extremo de trtonos (sic), que seriam (mais uma vez segundo estes autores) os responsveis pela atonalidade da msica moderna.

    Poder-se-ia contra-argumentar atravs de outra explicao natural (mas no vislumbrada no artigo de Hs e Hs), que corresponde a reconhecer o fato (histrico) de que os primeiros compositores trabalhavam em um contexto tonal que, por construo,

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    privilegiava 7 notas de uma escala diatnica versus 12 notas da escala cromtica. Isso naturalmente introduz uma distribuio desigual de intervalos, com uma abundncia de segundas maiores, teras maiores e menores, e quartas e quintas justas, em detrimento de segundas menores ou trtonos. Tomando, por exemplo, um trecho diatnico de duas oitavas (notas sem acidentes entre o D3 e o D5, por exemplo) e contando a quantidade de intervalos de segunda menor (F1 = frequncia de intervalos de 1 semitom), de segundas maiores (F2 = frequncia de intervalos de 2 semitons) e assim por diante at os intervalos de stima maior (F11), obtm-se o vetor de frequncias F=[4,10,7,6,10,3,10,4,6,6,3]. Aplicando o mtodo da regresso linear a estes dados (ignorando o valor F1=4 referente a 1 semitom, como Hs e Hs) pode-se estabelecer uma relao fractal com D=0,4422 e K=12,874, ilustrada pela linha tracejada na Fig. 3.

    Fig. 3: Aproximao fractal da sequncia de intervalos da escala diatnica.

    A aproximao revela as mesmas nuances observadas em relao aos intervalos

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    deficitrios (unssono = 1 semitom e trtono = 6 semitons) e em excesso (quarta = 5 semitons e quinta = 7 semitons), e seria ainda mais rica e informativa se levasse em conta tambm fatores histricos e estticos, considerando restries usuais da escrita meldica tonal, como a predominncia de intervalos de segundas e teras e a compensao de saltos intervalares maiores (por grau conjunto em movimento contrrio). J em relao escrita de Stockhausen, pode-se dizer que existe uma intencionalidade em se abandonar o cnone da escrita diatnica e buscar construes que tornem a distribuio de notas e intervalos menos previsvel. Ao invs de corroborar a viso de Hs e Hs, estes argumentos evidenciam o fato de que tais modelos de regresso expressam caractersticas intencionais e, at certo ponto, planejadas pelo compositor.

    Esta abordagem diferencia-se da de Voss e Clarke principalmente por operar sobre um conjunto pequeno (vetor de frequncias dos intervalos) obtido por reduo das peas analisadas e por eliminar a dimenso temporal da anlise. Muito provavelmente, os mesmos padres 1/f de Voss e Clarke seriam observados tanto nas sequncias temporais formadas pelas alturas (que so anlogas frequncia instantnea f(t) em funo do tempo) quanto nas sequncias de intervalos entre notas consecutivas (o que corresponderia a uma

    verso discretizada da derivada f (t)t da frequncia instantnea).

    Um mapeamento entre anlise musical redutiva e o conceito de autossimilaridade em geometria fractal foi proposto pelos mesmos autores um ano mais tarde (HS; HS, 1991). Nesse novo trabalho, so consideradas a sequncia temporal de notas de uma partitura e suas redues obtidas pela filtragem das notas de ndices mltiplos de k, para k=2,3,etc. Assim so geradas partituras com metade das notas (k=2), um tero das notas (k=3) e assim por diante. Os autores se referem a estas verses filtradas como redues fractais e ressaltam o fato de que elas apresentam verses suavizadas do mesmo perfil original, porm no chegam a formalizar a relao deste procedimento com o conceito de autossimilaridade. Em termos da teoria de processamento de sinais, o procedimento para obteno destas verses filtradas anlogo a um processo de sub-amostragem, que pode introduzir rebatimentos (aliasing) no domnio da frequncia, mas em princpio no modifica substancialmente o perfil do sinal no longo prazo (perfil este determinado pela poro inicial do espectro, correspondente s frequncias mais baixas).

    Em 1995, Jeremy Leach e John Fitch buscaram uma forma automtica de anlise estrutural inspirada no trabalho de Lerdahl e Jackendoff para msica tonal (LERDAHL; JACKENDOFF, 1983). Um dos objetivos desta anlise construir uma rvore de eventos que represente simultaneamente diversos nveis de reduo da pea original e que permita

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    reconhecer a importncia estrutural de cada evento (LEACH; FITCH, 1995). Ao invs de considerar todas as regras de classificao de Lerdahl e Jackendoff (como a posio mtrica de cada evento e o contexto harmnico), a anlise baseada apenas em perfis de mudana: mudanas de valores rtmicos (relaes entre duraes), mudanas de altura musical (intervalos) e mudanas de escala musical (relaes entre subconjuntos da escala cromtica de 12 notas), entre outros. Atravs da anlise destes parmetros pode-se criar uma hierarquia onde a importncia de um evento dada pela quantidade de mudanas introduzidas por aquele evento. A ideia ilustrada no fragmento inicial do tema da Sinfonia n. 40 de Mozart e, posteriormente, aplicada em composio automtica (mais detalhes na Seo 3).

    Tendo em vista a classificao automtica de msica em relao ao gnero, Bigerelle e Iost retomam o mtodo de anlise de Voss e Clarke, considerando o espectro dos sinais de udio correspondentes (BIGERELLE; IOST, 2000). Este trabalho apresenta dois mtodos distintos para o clculo da dimenso fractal d dos sinais (o expoente na expresso 1/f d), o mtodo da variao e o mtodo ANAM (mtodo da autocorrelao normalizada mdia), e apresenta medies da dimenso d para amostras de msica de concerto, msica eletrnica, heavy metal, jazz, noturnos de Chopin, rock progressivo, quartetos de cordas, msica para relaxar, rock'n'roll, msica sinfnica, msica tradicional francesa e msica punk. Aps constatar sobreposies nos valores de dimenso fractal destas gravaes, os autores propem uma classificao de gneros baseada em uma anlise multifractal, que calcula uma sequncia de valores de d por regresso linear de diferentes trechos do espectro. Utilizando-se 10 medies de d para cada amostra foi possvel classificar os diversos gneros atravs do teste estatstico de Duncan.

    Outra pesquisa que utiliza diversas medidas da taxa de decaimento do espectro para fins de anlise e classificao (MANARIS et al., 2003) parte de registros simblicos (arquivos MIDI) e, para cada msica, considera os espectros de diversas sequncias: altura (pitch), classe de altura (pitch class ou nome da nota), duraes, altura durao, intervalos meldicos, intervalos harmnicos, bigramas e trigramas (agrupamentos de dois e trs valores) meldicos e harmnicos e intervalos de ordem superior (intervalos de intervalos e construes anlogas). So analisadas 220 peas de estilos e gneros diversos e, para todas elas, so obtidos valores de inclinao entre 0 e - (valor negativo do expoente em 1/f d) e de qualidade entre 0 e 1 (que representa o quo bem os valores se ajustam curva 1/f d) para cada um dos critrios. Para todos os exemplos musicais foram obtidos valores mdios de inclinao prximos de -1 (relao 1/f ) e valores mdios de qualidade prximos de 0.8 (ajuste excelente), enquanto para exemplos de rudos branco, rosa e sequncias obtidas de

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    DNA, os valores de inclinao eram substancialmente menos negativos (mais prximos da distribuio 1/f 0 que corresponde ao rudo branco, sem memria). Alm disso, menciona-se o fato de que em relao ao critrio classe de altura as composies dodecafnicas de Schnberg apresentaram inclinao -0,3168, mais prxima do rudo branco do que do rosa, o que no deveria ser uma surpresa j que se trata de um pressuposto composicional, embora o texto de Manaris no deixe isso claro (na msica dodecafnica todas as 12 notas deveriam comparecer com igual frequncia, o que corresponderia a uma distribuio 1/f 0).

    Vrias outras tcnicas para obteno de medidas fractais de melodias foram utilizadas na anlise de msica tradicional turca (GNDZ; GNDZ, 2005), entre elas diagramas de espalhamento (scattering diagrams), estrutura espiral, grafos, diagramas de animais e entropia, que sero discutidos a seguir.

    Diagramas de espalhamento (cf. BERAN, 2004, sees 2.4 e 2.7) representam relaes entre valores consecutivos em uma sequncia, ou no caso deste estudo, entre notas consecutivas em uma cano tradicional, representadas numericamente. Cada sucesso NiNi+1 de notas na melodia gera um ponto (Ni,Ni+1) no diagrama.

    Sequncias geradas por rudo branco apresentam espalhamento uniforme no diagrama, enquanto melodias compostas por intervalos musicais pequenos apresentaro uma concentrao ao longo da diagonal no diagrama. Rudos 1/f apresentam um espalhamento com distribuio gaussiana ao redor da diagonal. Diagramas de espalhamento podem ser utilizados para se obter aproximaes da dimenso fractal da sequncia a partir da razo entre o nmero de quadrados que contm os pontos do diagrama e o nmero total de quadrados utilizados numa dada discretizao do plano meldico. Os autores apresentam como ilustrao um par de diagramas para a cano Bana Bir Ak de Erol Sayan (GNDZ; GNDZ, 2005: 571. Cf. figura 4, reproduzida na Fig. 4 abaixo), para a qual a dimenso obtida foi 0,5.

    O raio de giro (RG) um conceito emprestado da anlise de polmeros e est relacionado ao ngulo formado pela diagonal e pela reta obtida por regresso linear dos pontos do diagrama. No mesmo exemplo, esse raio foi calculado como RG=0,766. Outra medida utilizada nesse trabalho a aproximao das quantidades de cada uma das notas presentes na melodia, atravs de uma representao circular, por uma espiral representada na forma polar como r=ecot(), onde e so constantes, o ngulo e r o raio. Na mesma melodia do exemplo anterior, o valor de =88,8 produz a curva com melhor ajuste representao do diagrama de espalhamento (GNDZ; GNDZ, 2005: 575, figura 7. GNDZ; GNDZ, 2005: 577, figura 8. Cf. a reproduo de ambas na Fig. 5 abaixo).

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    Fig. 4: Diagramas de espalhamento para a cano Bana Bir Ak, de Erol Sayan, em duas discretizaes diferentes, representadas pelas escalas numricas nos eixos horizontal e vertical, ambas em semitons:

    em (a) so usados quadrados de 55 semitons, e em (b) so usados quadrados de 22 semitons. Imagem extrada do original de Gndz e Gndz (2005: 571, figura 4).

    Fig. 5: Esquerda: representao circular da melodia original. Direita: representao das quantidades de cada uma das notas e aproximao por um modelo espiral. Imagem extrada do original de Gndz e

    Gndz (2005: 575, figura 7; 577, figura 8).

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    Outras anlises das mesmas canes analisadas por Gndz e Gundz incluem a representao dos diagramas de espalhamento como grafos dirigidos, com arestas entre os pontos (Ni-1,Ni) e (Ni,Ni+1), e a inspeo de subgrafos formados por trechos menores da melodia, com a inteno de identificar padres ou figuras reconhecveis. Trechos iniciais da melodia Bana Bir Ak com 9, 18, 30, 40 e 80 notas produzem subgrafos (denominados animais) que mostram, segundo os autores, uma forma em evoluo que estaria associada cano (GNDZ; GNDZ, 2005: 581. Cf. figura 13 e outras, reproduzidas aqui na Fig. 6 abaixo).

    Fig. 6: Grafo associado melodia original (no alto esquerda) e subgrafos referentes a trechos iniciais

    com 9, 18, 30, 40 e 80 notas (figuras seguintes). Segundo os autores, a sequncia acima permite observar a evoluo do animal associado cano. Imagem extrada do original de Gndz e Gndz

    (2005: 581, figura 13; 579, figura 10; 585, figura 16).

    Finalmente, medidas de entropia podem ser associadas ao grafo de transio entre notas consecutivas numa melodia. Especificamente, considera-se um grafo com um vrtice para cada nota da escala e uma conexo para cada sucesso de notas na melodia

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    (permitindo-se mltiplas arestas entre os mesmos dois ns). Seja pi o nmero de arestas saindo do n correspondente nota i no grafo; a entropia (S) da melodia caracterizada pelo vetor p (cujas componentes so os valores pi) definida por ii pp=pS 2log e medida em bits. Na melodia Bana Bir Ak este valor calculado como 2,57 bits, que pode ser interpretado como o tamanho mdio ocupado por cada nota da melodia numa representao compactada tima (como a codificao de Huffman, que utiliza rvores binrias construdas a partir das frequncias observadas de cada smbolo, neste caso a partir das frequncias das notas na melodia).

    Depois de discutir todas estas formas de representao e anlise das melodias, os autores concluem que possvel caracterizar e comparar melodias usando-se estas representaes. O artigo no chega a discutir a relevncia musical destas anlises, nem apresenta um mecanismo para integrar todas estas informaes e utiliz-las na comparao das melodias.

    Outro trabalho que utiliza a tcnica de anlise multifractal utiliza expoentes de Hlder e Hurst para a caracterizao de melodias (SU; WU, 2006, 2007). Nesse trabalho, o contedo meldico e rtmico transformado em duas sequncias no temporais de pontos dispostos em uma linha, onde a posio de um ponto reflete o intervalo meldico ou a diferena de durao em relao nota anterior. O clculo do espectro multifractal das melodias feito atravs de medidas locais dos aglomerados de pontos obtidos e, para as melodias consideradas (Gavotte de Gossec, Le Cygne de Saint-Sens e Ave Maria de Gounod), o espectro possui sempre forma parablica, porm com curvaturas distintas. Segundo os autores, essa uma caracterstica que poderia ser utilizada na classificao de diferentes estilos de msica.

    Um livro que apresenta algumas das tcnicas de anlise discutidas nesta seo Fractals in Music: Introductory Mathematics for Musical Analysis (MADDEN, 1999). Trata-se, segundo o prprio autor, de uma espcie de projeto em aberto, onde muitos tpicos matemticos so apresentados e poucas anlises musicais so oferecidas. Estas serviriam de subsdio para fomentar o interesse em aprofundar a pesquisa em cada um destes tpicos; o prprio autor pretende desenvolver esses tpicos em livros separados e convida o leitor a participar da construo de sua teoria. So particularmente interessantes as crticas escritas a respeito deste livro (BORTHWICK, 2000. QUAGLIA, 2000).

    J em seu Les Musiques du Chaos, Nicolas Darbon apresenta uma viso geral das ferramentas matemticas da teoria do caos e seus relacionamentos, sejam eles metafricos ou cientficos, com a msica (DARBON, 2006). Em particular, a 3 parte, Fractalisme,

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    apresenta conceitos bsicos de fractais e discute formas de aplicao anlise e composio musicais.

    Sntese e composio usando fractais

    O computador vem sendo usado na composio eletrnica e eletroacstica desde a dcada de 1950. Uma das primeiras composies algortmicas foi a Illiac Suite for String Quartet resultante dos trabalhos de Lejaren Hiller, entre 1955 e 1957, que programou o computador Illiac da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign para gerar a partitura de um quarteto de cordas (HILLER; ISAACSON, 1957). Para tanto, ele utilizou diversas tcnicas matemticas, como sorteios aleatrios simples, sorteios com crivos para implementao de regras de contraponto tradicional, variaes de ritmo e timbre em uma mesma nota e cadeias de Markov. A partitura deveria ser ento executada por intrpretes humanos.

    Outros usos do computador na composio envolviam o processamento de material acstico pr-gravado ou a sntese direta de sinais de udio usando modelos matemticos. Esse material poderia ser trabalhado exclusivamente por um compositor humano ou ainda ser submetido a diversas tcnicas de composio automtica (o que no deixa de ser tambm uma forma de controle por um compositor/programador humano).

    Os trabalhos de Voss e Clarke com sntese de melodias a partir de rudos 1/f (apresentados na Seo 3) trouxeram a preocupao de como estruturar uma sequncia aleatria de tal modo que ela apresente alguma caracterstica que pudesse ser considerada musical. A partir da observao do comportamento de longo prazo dos sinais acsticos parecia natural sugerir que os padres macroscpicos da composio automtica (principalmente alturas, duraes e intensidades) imitassem a caracterstica dos espectros 1/f observados no repertrio tradicional, sem abrir mo da imprevisibilidade pretendida com os sorteios aleatrios. Para isso, bastaria mapear sequncias discretas de rudo rosa (rudo 1/f ) aos parmetros musicais desejados.

    Existem vrias maneiras de utilizar geradores aleatrios convencionais (com distribuio uniforme e espectro constante) para gerar rudo rosa. Possivelmente o caminho mais simples multiplicar o espectro constante do rudo branco por uma funo 1/f. Especificamente isso pode ser feito no computador calculando-se a FFT (abreviao de Fast Fourier Transform ou Transformada Rpida de Fourier) de um vetor de N valores aleatrios representando k segundos de rudo branco, multiplicar cada posio do vetor de

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    espectro (que representa as frequncias 1kHz , 2

    kHz ,... , N /2

    kHz ) pelo inverso da frequncia

    correspondente e aplicar a iFFT (inversa da FFT) para se recuperar um sinal no domnio do tempo que ter as mesmas caractersticas do rudo rosa. Outra forma utilizar k geradores de rudo branco atualizados a diferentes taxas: o primeiro atualizado a cada amostra, o segundo a cada 2 amostras, e o k-simo a cada 2k amostras. A soma destes geradores ter o espectro da forma 1/f (GARDNER, 1978. MOORE, 1990).

    Voss e Clarke utilizaram um computador PDP-11 para criar melodias aleatrias utilizando diversos geradores (rudos branco, rosa e vermelho), mapeando os valores gerados em alturas da escala cromtica de 12 notas e duraes equivalentes a mltiplos inteiros de uma durao mnima (representada pela figura musical de uma colcheia). Exemplos dessas melodias podem ser vistos na Fig. 7.

    Fig. 7: Melodias geradas por rudo branco (1/f 0, primeira coluna), rudo rosa (1/f, segunda coluna) e rudo vermelho (1/f 2, terceira coluna). Imagem adaptada a partir do original de Voss e Clarke (1978).

    Os autores apresentaram essas melodias para centenas de pessoas em nove universidades diferentes e coletaram respostas e opinies sobre o interesse gerado por elas. Suas concluses foram de que as melodias brancas (1/f 0) eram demasiadamente aleatrias, as melodias vermelhas/Brownianas (1/f 2) eram muito simples e as melodias rosas (1/f ) possuam um certo equilbrio entre previsibilidade e surpresa, gerando o resultado

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    mais interessante para os ouvintes.

    Vale a pena ressaltar o fato de que este mapeamento entre os grficos ou sequncias de nmeros gerados aleatoriamente e a sequncia de notas na partitura nada tem de natural (no sentido literal de corresponder a algum mapeamento observado na natureza); pelo contrrio, esta traduo completamente arbitrria (tambm no sentido literal, que no depende de uma lei ou regra pr-estabelecida). Trata-se de uma deciso composicional e que nesse caso se relaciona evidentemente com a prpria notao musical ocidental, que representa o tempo no eixo horizontal (da esquerda para a direita) e a altura musical no eixo vertical (de acordo com a posio da nota no pentagrama). Vrios outros mapeamentos so possveis e o prprio trabalho de Voss e Clarke utiliza um mapeamento diferente dos rudos 1/f para gerar os valores rtmicos do exemplo acima.

    O algoritmo para gerao de rudo 1/f a partir do lanamento de vrios dados com taxas diversas de atualizao foi generalizado por Tommaso Bolognesi, atravs de uma aleatorizao da sequncia de atualizaes dos geradores (BOLOGNESI, 1983). Isso foi feito com a finalidade de quebrar a estrutura binria implcita no algoritmo original. Nele, a cada 2k amostras todos os geradores so atualizados, o que acarreta uma ruptura brusca da sequncia como efeito colateral. Em menor medida existem rupturas a cada 2k-1 amostras, quando k-1 geradores so atualizados, e tambm a cada 2k-2 amostras, e assim por diante, por um argumento anlogo. Bolognesi props que o k-simo gerador continuasse sendo atualizado aproximadamente uma vez a cada 2k amostras, porm esta deciso seria tomada a cada amostra a partir de um sorteio com probabilidade 2-k. Isto torna mais rara a ocorrncia de todos os k dados serem atualizados simultaneamente, mas preserva a caracterstica do espectro 1/f.

    Outra generalizao foi a introduo de uma estrutura de pesos aplicada aos resultados dos geradores aleatrios de acordo com a frmula igeradorpi , onde p um parmetro positivo e gerador[i] uma sequncia produzida por um gerador pseudo-aleatrio de rudo branco. O algoritmo original corresponde a p=1; valores maiores de p suavizam o perfil da sequncia gerada (BOLOGNESI, 1983: 30. Cf. figura 6, reproduzida na Fig. 8 abaixo). A coleo de melodias geradas por sorteios ponderados com diferentes valores de p apresentam uma estrutura de similaridade, porm os espectros destes sorteios no so 1/f.

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    Fig. 8: Melodias geradas pelo algoritmo de Bolognesi com atualizaes aleatrias e pesos crescentes.

    Imagem extrada do original de Bolognesi (1983: 30, figura 6).

    Outra contribuio de Bolognesi foi o estudo de voos de Levy (Levy flights) para a gerao de melodias com a caracterstica de autossimilaridade, que possuem grau de

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    concentrao de sua estrutura hierrquica controlado por um parmetro D (que representa a dimenso fractal do voo). Especificamente, uma trajetria discreta em um espao n-dimensional construda a partir de um ponto inicial x, e saltos de tamanho r so permitidos de acordo com uma funo de densidade de probabilidade r -D. Os valores das diversas coordenadas do vetor x podem ser mapeados em parmetros distintos, como altura musical, durao ou intensidade, mas tambm podem ser utilizados para controlar diversas vozes de uma composio polifnica. O autor utiliza este processo para gerar composies a 4 vozes em estilo de coral homofnico (com todas as duraes e intensidades constantes).

    Charles Dodge comps diversas peas musicais de inspirao fractal durante a dcada de 1980 e, em relao pea Profile (1984), escreveu um artigo detalhando os procedimentos utilizados (DODGE; BAHN, 1986. DODGE, 1988). Inspirado pelos rudos 1/f de Voss e Clarke e tambm pelas construes geomtricas recursivas de fractais como a curva de Koch, o autor utiliza um gerador de melodias 1/f tambm de forma recursiva. Num primeiro momento, uma melodia gerada por um rudo rosa at que o nmero de notas distintas seja igual a 3 (a melodia poder possuir repeties de notas, e nesse caso ter comprimento maior do que 3). Em seguida, para cada nota da primeira melodia, uma segunda melodia gerada at que o nmero de notas distintas seja igual a 5. Essa segunda melodia ser tocada juntamente com a primeira, porm as duraes sero adaptadas para que todas as notas da segunda melodia aconteam durante a primeira nota da primeira melodia (outras melodias serviro de acompanhamento s demais notas da primeira melodia). Este processo ilustrado na Fig. 9.

    Fig. 9: Acima: melodia principal ( esquerda) gerada por um rudo 1/f e melodia secundria ( direita) de acompanhamento primeira nota da melodia principal. Abaixo: fragmento inicial de composio a 3

    vozes. Imagem adaptada a partir do original de Dodge (1988).

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    Ao se completar o segundo nvel de melodias, um terceiro nvel criado, desta vez com melodias subordinadas a cada nota do segundo nvel. O tamanho das sequncias do terceiro nvel tambm varivel, garantindo uma diversidade de 4 notas distintas para cada sequncia. Um quarto nvel gerado (com sequncias de diversidade 5 para cada nota do terceiro nvel), porm apenas o tamanho das sequncias utilizado. Com eles definem-se as duraes das notas do terceiro nvel, duraes estas que se refletem nos segundo e primeiro nveis.

    Atravs destes artifcios, o compositor pde aliar sua deciso esttica de criar uma msica estocstica com a vontade de criar vnculos estreitos entre os diversos nveis da composio. Estes vnculos no s aparecem na distribuio espectral das sequncias de alturas, como tambm refletem e definem a forma global da pea, que remete estrutura autossimilar caracterstica dos fractais.

    Kevin Jones, em um artigo cuja contribuio principalmente didtico-pedaggica, apresenta tcnicas de composio atravs de modelos generativos de material musical. Jones descreve a gerao de melodias fractais a partir de movimentos brownianos e similares, e apresenta texturas para sntese granular, geradas a partir da sobreposio de passeios aleatrios (JONES, 1989).

    Como visto na Seo 2, Hs e Hs (1991) discutem a possibilidade de reduzir o nmero de notas de uma composio de modo a preservar o contedo espectral da obra. Embora isso no seja exatamente uma tcnica composicional (a sugesto dos autores se restringe a criar verses mais simples de obras de Bach, Mozart e Chopin), suas ideias poderiam ser utilizadas para se criar composies estratificadas apresentando estrutura de autossimilaridade. Em comparao com a proposta de Dodge, isso seria apenas um caso particular em que utilizado um nico gerador aleatrio nos diversos nveis da composio.

    Um artigo bastante curioso de Michael Gogins (1991) trata do uso de sistemas de funes iteradas (IFS) para composio algortmica. Nele, o autor apresenta de forma bastante poetizada diversos conceitos matemticos relativos a sistemas dinmicos, atratores, medidas de conjuntos e teoremas de geometria fractal (como o teorema da colagem e o teorema de Elton). A releitura do teorema da colagem pelo autor sugere que sistemas de funes iteradas seriam composicionalmente universais, isto , serviriam para gerar toda e qualquer composio existente. Um de seus projetos futuros consiste em encontrar um conjunto de Mandelbrot para msica, o que, de acordo com o autor, permitiria a localizao de qualquer msica possvel a partir da informao local do conjunto. O vislumbre de tal possibilidade surgiu (segundo o autor) da considerao da

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    relao entre cada ponto do conjunto de Mandelbrot e o conjunto de Julia correspondente, porm o contexto extrapolado para uma espcie de verso musical da biblioteca de Babel (como no conto de Jorge Luis Borges).

    Devaneios parte, o artigo apresenta um mtodo para construir partituras a partir de colees de transformaes afins. O mtodo parte de um ponto inicial (x0,y0) no plano e, a cada iterao k, uma das transformaes sorteada para gerar um novo ponto (xk+1,yk+1). A aplicao recursiva destas transformaes cria uma trajetria que, sob determinadas hipteses, est associada a um conjunto atrator. Pode-se ento estimar o atrator a partir da trajetria, criando-se uma matriz M(x,y) com valores proporcionais quantidade de vezes que o ponto (x,y) foi visitado. O mapeamento proposto entre este conjunto de pontos do plano e as caractersticas musicais da partitura segue o modelo cannico: x interpretado como o tempo, y como altura, e os valores M(x,y) so mapeados em valores de intensidade dos eventos. Pela natureza recursiva das transformaes, os atratores apresentam estrutura autossimilar, o que se reflete tanto graficamente quanto no resultado acstico.

    Muitos trabalhos no tratam especificamente de fractais, mas de sistemas que compartilham com estes algumas propriedades afins, como caos e autossimilaridade. Este o caso, entre muitos outros, do trabalho de Mason e Saffle (1994), que trata da gerao de melodias a partir de sistemas de Lindenmayer (L-systems). Estes sistemas so definidos por regras de transformao a partir de elementos geomtricos, numricos ou simblicos, e assim se prestam sntese de parmetros musicais tais como alturas e duraes. O artigo discute, ainda, a identificao de padres autossimilares como um recurso analtico, utilizando como exemplo a Fuga em Sol menor BWV 542 de Johann Sebastian Bach. O compositor Stelios Manousakis (2009) estende o uso de sistemas de Lindenmayer manipulao de trechos de sinais de udio.

    Jeremy Leach e John Fitch (1995) tambm propem o uso de sistemas caticos para a determinao de uma estrutura de eventos em suas peas. Algumas das vises pessoais destes autores so a de que a msica imita a natureza e que repeties de temas nos diversos parmetros musicais um requisito necessrio da estrutura de uma pea. O mtodo descrito gera composies utilizando apenas uma escala diatnica de 7 notas (por exemplo, D maior), e um repertrio fixo de sistemas caticos que podem ser explorados para gerar uma estrutura de eventos. Essa estrutura ir moldar a gerao de parmetros aleatrios de forma a conferir atributos diferenciados para notas de importncia hierrquica

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    maior, como pontos culminantes em relao ao perfil meldico ou intensidade, ou ainda associados a cadncias rtmicas.

    Tratando mais especificamente da sntese de sinais de udio com caractersticas espectrais fractais, Pietro Polotti e Gianpaolo Evangelista (2001) propuseram um mtodo de sntese aditiva para sons vozeados (como vogais na fala humana) com espectros pseudoperidicos com caracterstica 1/f, a partir da anlise de sons reais e usando ondaletas (wavelets) de banda harmnica. O mtodo proposto tambm pode ser usado em anlise, permitindo a decomposio de sinais nas partes harmnica e estocstica.

    Outro trabalho que utiliza um sistema dinmico catico para a composio de msica com caractersticas tonais apresentado por Robert Sherlaw Johnson em sua composio Fractal in A flat (JOHNSON, 2003). Nele, o sistema de duas variveis

    xaycbxxsignyx

    onde x e y so coordenadas de um ponto no plano e a, b e c so constantes, utilizado para gerar uma sequncia de pontos no plano que so diretamente traduzidos em eventos sonoros no plano tempofrequncia. O compositor utilizou livremente os fragmentos musicais gerados, selecionando aqueles que o interessavam e combinando os materiais seguindo sua intuio.

    Em seu artigo From Strange to Impossible: Interactive Attractive Music (PETERS, 2010), o compositor Michael Peters apresenta uma viso histrica do uso de fractais na msica indicando compositores que na dcada de 1980 compuseram peas inspiradas pela representao grfica do conjunto de Maldelbrot, entre eles figuras bem conhecidas como Charles Wuorinen (Bamboula Squared, 1984) e Gyrgy Ligeti (Klavier tude n. 1: Dsordre, 1985). Peter destaca que, com a evoluo da velocidade dos computadores, recentemente passou a ser possvel no s utilizar dados gerados a partir de fractais em composies, mas tambm gerar, em tempo real, composies baseadas em algoritmos fractais.

    Peters aponta, por outro lado, que embora as representaes grficas de fractais sejam muitas vezes consideradas esteticamente interessantes, quando nos voltamos ao material musical bruto gerado algoritmicamente por fractais, raramente o resultado interessante sem uma reelaborao composicional posterior. Essa viso corroborada pelos desenvolvedores das ferramentas Well-Tempered Fractal e FractMus, bem como pelo compositor e desenvolvedor Rick Bidlack, que afirmam que a sada das ferramentas de

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    composio fractal no deveriam ser consideradas como material musical final, mas sim como um material pr-composicional a ser moldado pela inventividade do compositor (BIDLACK, 1992). Talvez por isso, especula Peters, o grande interesse inicial por msica fractal no incio da dcada de 1990 foi diminuindo ao final dessa mesma dcada.

    Em meados da dcada de 1990, Peters inicia seu projeto de msica fractal com o objetivo de buscar o que ele chama de msica fractal pura, ou seja, aquela gerada diretamente pelos algoritmos escritos pelo compositor, sem a necessidade de um ps-processamento manual ou atravs de outras ferramentas. O papel do compositor seria, ento, selecionar as sadas que lhe soassem esteticamente interessantes e tambm trabalhar no mapeamento das estruturas fractais em parmetros musicais. Peters passou ento a explorar mapeamentos dos nmeros gerados pelo Atrator de Gumowski-Mira, tambm conhecido como Fractal de Mira, para valores de notas e outros parmetros musicais. O passo seguinte foi ento criar uma interface com algumas poucas teclas para controlar os parmetros do material produzido. Dessa forma, o resultado controlado em tempo real pelo compositor, que agora tambm se transforma em um instrumentista, executando o que Peter chamou de Hiperinstrumento do Atrator de Gumowski-Mira (PETERS, 2010).

    Muitos outros compositores, no mencionados aqui, fizeram uso de ideias fractais em suas peas, ainda que nem sempre tenham deixado documentada tal utilizao. O leitor interessado poder buscar material adicional na forma de peas ou textos analticos de compositores como Tristan Murail, Barry Truax, Horacio Vaggione, Per Nrgrd, Rolf Wallin e Tom Johnson (entre muitos outros).

    No Brasil, no final dos anos 1980 e incio dos 1990, os trabalhos de Voss, Charles Dodge e Michael Gogins (entre outros) inspiraram compositores como Rodolfo Coelho de Souza, Jnatas Manzolli, Frederico Richter e Fabio Kon a realizar experimentos com msica fractal (KON, 1992. KON, 1992b. MANZOLLI, 1993. MANZOLLI, 1993b. RICHTER, 1998. MANZOLLI et al., 2000. SOUZA; FARIA, 2011).

    O compositor brasileiro Jnatas Manzolli desenvolveu sua tese de doutorado na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, com o tema de dinmica no linear e fractais como modelo para sntese de som e composio em tempo real (MANZOLLI, 1993). Seu mtodo de sntese sonora digital, denominado FracWave, foi ento aplicado em composies musicais de diferentes maneiras, permitindo a gerao de formas dinmicas de comportamento sonoro (MANZOLLI, 1993b). Este mtodo foi posteriormente aprimorado, gerando sinais sintetizados caracterizados pela produo de espectros ricos com baixo custo computacional (MANZOLLI et al. 2000).

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    Parte das pesquisas em composio com fractais tem como objetivo a criao de obras musicais ou instalaes especficas de um compositor particular (que pode ser um pesquisador ou colaborador), enquanto outra parte promove a ideia de que as tcnicas de gerao de material musical usando fractais deveriam ser utilizadas como um laboratrio experimental de produo sonora, no necessariamente comprometido com um resultado artstico. Isso inclui a utilizao ldica de programas interativos para gerar msica automaticamente, que possuem como nico pr-requisito a curiosidade do usurio, bem como a experimentao com timbres e sonoridades que eventualmente podem encontrar aplicao em uma composio. A seo a seguir trata de programas desenvolvidos com esta finalidade.

    Software para msica fractal

    A lista de programas a seguir foi obtida em parte no livro Mathematics and Music (BENSON, 2004) e em parte na Internet. Foram selecionados apenas programas disponveis gratuitamente na Internet, com a finalidade de tornar o assunto e a experimentao mais acessveis. Todos os links foram acessados e estavam ativos em outubro de 2013.

    Fmusic. Disponvel em: . Este um programa desenvolvido por David H. Singer, que utiliza autmatos celulares para a gerao de arquivos MIDI. A gerao de melodias fractais est restrita a uma escala de 7 notas (dentre as 12 da escala cromtica) que definida pelo usurio. O programa controla 8 vozes (que podem utilizar instrumentos diferentes) e permite a definio de composies com at 3 sees interligadas (atravs de ajuste dos parmetros).

    Fractal Tune Smithy. Disponvel em: . Uma biblioteca de programas envolvendo msica e fractais. Um dos mdulos permite a gerao de melodias utilizando um procedimento anlogo curva de Koch; outro cria imagens de curvas de Lissajour a partir de acordes, utilizando as relaes de frequncia. Outros mdulos permitem a explorao de composies microtonais, a anlise espectral de timbres, o uso do teclado de um PC convencional como instrumento musical ou do mouse como um Theremin. O site apresenta muitos exemplos de udio gerados pelo programa.

    FractMus. Disponvel em: . Desenvolvido por Gustavo Diaz-Jerez, utiliza mapas bidimensionais como o mapa de Henon ou o fractal

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    apelidado de gingerbread man para produzir arquivos MIDI. As trajetrias so mapeadas apenas em valores de frequncia: o usurio deve escolher uma das 15 escalas disponveis, uma durao fixa para cada nota da melodia, uma intensidade, alm do timbre do instrumento. O programa permite a utilizao de at 16 vozes simultneas.

    MandelMusic. Disponvel em: . Pgina web desenvolvida por Nick Didkovsky que implementa applets Java para gerao de msica a partir do conjunto de Mandelbrot, utilizando o sintetizador Jsyn.

    QuasiFractal Music. Disponvel em: . Programa desenvolvido por Paul Whalley para a composio de msica com tcnicas fractais e seriais.

    Tangent. Disponvel em: . Outro programa de Paul Whalley, que incorpora tcnicas de composio algortmica no fractais.

    Well-Tempered Fractal. Disponvel em: . Um aplicativo escrito para o sistema MS-DOS por Robert Greenhouse, que permite a gerao de melodias a partir de certo nmero de fractais. O usurio pode selecionar o tipo de fractal, a escala musical e alguns padres de simetria.

    Alguns programas antigos so mencionados em diversas pginas da web, mas no estavam disponveis para download no perodo em que este artigo foi escrito. Entre eles esto: MusiNum e MusiGen, disponveis no CD que acompanha o livro Composing Music with Computers (Miranda, 2001); Mandelbrot Music, de Yo Kubota; Fractal Music Lab, de David Strohbeen; e Gingerbread 2.0, de Phil Thompson, que lanou, em 1998, um CD chamado Organized Chaos, disponvel para escuta em http://www.lastfm.com.br/music/ Phil+Thompson/Organised+Chaos.

    Concluso

    Este artigo teve por objetivo oferecer uma viso panormica da interface entre as reas de anlise e composio musicais e a geometria fractal. Foram apresentadas diversas tcnicas para obteno de caractersticas matemticas inspiradas por fractais para descrever sinais sonoros e musicais, e tambm algumas tcnicas de gerao de material musical a partir de fractais.

    Uma leitura crtica e atenta das referncias ponto de partida essencial para quem se interessa por uma rea de pesquisa multidisciplinar como esta. Ainda que publicados em

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    revistas especializadas e com arbitragem sria, vrios textos aqui resenhados possuem deficincias em uma ou outra rea: h textos matematicamente slidos que se abstm de buscar uma justificativa musical para seus desenvolvimentos (HS; HS, 1990. GNDZ; GNDZ, 2005. SU; WU, 2006), bem como textos musicalmente criativos, mas que se apoiam em uma releitura subjetiva do ferramental matemtico (GOGINS, 1991). Por outro lado, o fato de que nem todos os autores esto igualmente habilitados em todas as disciplinas que a pesquisa demanda no pode ser visto como impedimento pesquisa multidisciplinar. Neste contexto o trabalho colaborativo entre pesquisadores das diversas reas pode atuar simultaneamente como catalisador e depurador do processo de pesquisa e desenvolvimento.

    Vrias questes em aberto existem na utilizao de medidas fractais na anlise musical. Por exemplo, em relao caracterstica dos espectros 1/f, seria relevante entender como estes resultados se relacionam com o aspecto cognitivo da recepo musical, integrando conceitos como persistncia da memria musical de curto e de longo prazo, e da percepo de forma musical. Ainda que rudos 1/f sejam observados em situaes naturais (em princpio no moduladas por alguma forma de conscincia ou de interpretao humanas), a observao deles em produtos culturais deveria admitir explicaes mais substanciais do que a mera imitao da natureza.

    Nas medidas de dimenso fractal de sequncias extradas de uma pea, h sobreposio frequente dos valores em estilos e gneros diferentes; mais ainda, a relevncia musical destes valores no a mesma em todos os exemplos estudados. Por exemplo, a dimenso fractal de uma sequncia de classes de altura em uma composio dodecafnica e em um rudo branco prxima, e isso no acrescenta nenhuma informao relevante do ponto de vista de anlise musical, dado que isto um pressuposto composicional (essa medida serve na melhor das hipteses para reconfirmar o pressuposto). De modo anlogo, a sequncia meldica de uma msica predominantemente rtmica (por exemplo, a pea Clapping Music do compositor Steve Reich, para dois msicos batendo palmas) ser tipicamente uma sequncia montona, o que ter um impacto em sua dimenso espectral, sem que isso tenha qualquer relao com a complexidade da pea. Compreender tais caractersticas essencial para se chegar a uma interpretao fundamentada dos valores obtidos.

    Em relao a outras medidas propostas na literatura, como diagramas de espalhamento, grafos e entropia, no resta dvidas de que possvel obter essas informaes a partir de uma melodia. Permanecem em aberto as questes da relevncia e

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    finalidade dessas medidas na anlise musical.

    Em relao produo musical a partir de fractais, foram vistas vrias tcnicas para a construo de sequncias numricas com caractersticas fractais e mapeamentos possveis destas sequncias em parmetros musicais. O fato da msica se desenvolver no tempo, e no no espao como os objetos geomtricos, bem como o fato de caractersticas fractais como a autossimilaridade demandarem longas sequncias para se fazerem perceber explicam o fato da maioria dos mapeamentos ter como ponto de chegada caractersticas musicais macroscpicas (associadas a notas, motivos, frases e sees). Pelo menos duas alternativas a este paradigma se apresentam. A primeira consiste em tratar os parmetros musicais no do ponto de vista da representao tradicional, mas como parmetros que podem ser controlados continuamente, atravs da sntese sonora propriamente dita (ou seja, a sntese de udio no lugar da sntese de representaes simblicas como partituras, arquivos MIDI etc.). A segunda consiste em utilizar mapeamentos dos processos fractais em sinais de controle da sntese microssonora, utilizando estes sinais para controlar parmetros de tcnicas tais como a sntese FM, mecanismos de anlise-ressntese (como os vocoders) e de outras tcnicas de processamento digital de sinais (como filtros de efeitos), o que abriria espao para a pesquisa de timbres fractais.

    Na composio a partir de objetos fractais deve-se ter em mente que a meta a construo de um objeto ou processo esttico, e que a relevncia e a qualidade deste objeto ou processo so subjetivamente determinadas. Interessa saber se o material gerado musicalmente til, o que vai depender fortemente do mapeamento entre os espaos matemtico e musical. Este sempre um mapeamento arbitrrio, que representa uma vontade composicional, e influenciado por questes estticas, histricas e estilsticas. Cabe ao compositor resolver estas questes encontrando mapeamentos que tragam luz sonoridades novas, que despertem a curiosidade e causem prazer esttico, no sentido mais amplo e livre de pr-concepes.

    Referncias

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    opus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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    Marcelo Queiroz Professor Associado do Departamento de Cincia da Computao, do Instituto de Matemtica e Estatstica (IME) da Universidade de So Paulo (USP). Possui doutorado e livre-docncia em Cincia da Computao pela USP e graduao em Msica (Composio Musical) pela USP. Tem experincia de pesquisa nas reas de computao musical e otimizao contnua, atuando principalmente nos seguintes temas: processamento de sinais sonoros digitais, espacializao sonora, simulao acstica e sistemas musicais interativos. [email protected]

    Fabio Kon Professor Titular do Departamento de Cincia da Computao do IME-USP. Graduou-se em Computao pela USP (1990) e em Msica pela UNESP (1992). Obteve seu doutoramento na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (2000), onde estudou composio musical com Heinrich Taube. Sua principal rea de pesquisa sistemas distribudos, tendo recebido o prmio 10-Year Best Paper Award na International Middleware Conference em 2010. Realiza tambm pesquisas em computao musical, software livre e Desenvolvimento gil de Software. membro da diretoria internacional da Open Source Initiative (OSI), vice-diretor do Centro de Competncia em Software Livre (CCSL) do IME-USP e Editor-Chefe do Springer Journal of Internet Services and Applications. [email protected]

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    DUDEQUE, Norton. Pacific 231 de Honegger e a Tocata Trenzinho do Caipira de Villa-Lobos: um caso de intertextualidade. Opus, Porto Alegre, v. 19, n. 2, p. 39-56, dez. 2013.

    Pacific 231 de Honegger e a Tocata Trenzinho do Caipira de Villa-Lobos: um caso de intertextualidade

    Norton Dudeque (UFPR)

    Resumo: A referncia s obras do passado como estratgia de desenvolvimento de ideias musicais comum entre inmeros compositores da primeira metade do sculo XX. Villa-Lobos no exceo e no ciclo de nove Bachianas Brasileiras, podem ser encontradas vrias referncias linguagem musical de J. S. Bach, do perodo Barroco, mas tambm aluses, estilizaes e adaptaes de outras obras musicais que extrapolam o mundo bachiano e passam pela msica popular urbana da poca, assim como pela msica de concerto que abrange um longo perodo, do sculo XVIII primeira metade do sculo XX. Para ilustrar esta questo, realizo uma comparao entre Pacific 231 (1923) de Arthur Honegger e a Tocata Trenzinho do Caipira da Bachianas Brasileiras n. 2 (1930). Para tal comparao considera-se a teoria da intertextualidade e de alguns de seus conceitos, tais como: pardia, ou seja, a releitura que inverte o sentido do objeto parodiado; apropriao, articulao de textos alheios num contexto diverso. Alm disso, tambm consideram-se tcnicas musicais que sugerem uma releitura do texto original, tais como compresso, ou seja, quando elementos musicais que, originalmente, ocorriam diacronicamente so comprimidos em algo sincrnico ou em menor espao de tempo.

    Palavras-chave: Villa-Lobos. Honegger. Pacific 231. Tocata Trenzinho do Caipira. Intertextualidade na msica.

    Title: Honeggers Pacific 231 and Villa-Loboss Tocata Trenzinho do Caipira: a case of intertextuality

    Abstract: The reference to musical works of previous composers as a strategy to the development of musical ideas is common among composers on the first half of twentieth century. Villa-Lobos is no exception and in his cycle of nine Bachianas Brasileiras, may be found not only references to J. S. Bachs music and to baroque music, but also allusions, stylisations and adaptations of other musical works that do not fit in the Bachian music, and these range from the popular urban music of this period, to the concert music ranging from 18th century to the first half of 20th century. To illustrate this matter, I compare Arthur Honeggers Pacific 231 (1923) to Villa-Loboss Tocata Trenzinho do Caipira from Bachianas Brasileiras n. 2 (1930). In order to accomplish such comparison I take some concepts from Intertextuality theory such as: parody, that is, when the rereading inverts the meaning of the original object; appropriation, the articulation of other texts into a diverse context. Furthermore, musical techniques that may suggest a rereading of the