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471 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, n.3, p. 471-484, set./dez. 2007 Otobiografia como escuta das vivências presentes nos escritos * Silas Borges Monteiro Universidade Federal de Mato Grosso Resumo Este texto é parte da fundamentação teórica da tese de doutorado intitulada: Quando a Pedagogia forma professores: uma investiga- ção otobiográfica, defendida na Faculdade de Educação da Uni- versidade de São Paulo. O objetivo deste texto é explicitar o sen- tido de otobiografia , abordagem teórica que fundamentou o método da pesquisa. Esse conceito metodológico, construído a partir de Jacques Derrida, busca mostrar o sentido das vivências resultante da escuta que Nietzsche sugere ser feita. Essas vivências operam na produção escrita. Por isso, com a otobiografia, questio- na-se a dynamis do texto, designando-a como a força, a potência virtual e móbil que dão vivência aos escritos. Pela investigação otobiográfica, importa dar outro sentido ao biográfico e sua assi- natura – o autobiográfico. Derrida nos ajuda a pensar a estreita vinculação entre as vivências e a produção textual, amparado pela leitura que faz de Nietzsche. Entende que só artificialmente pode- mos separar um texto da vida de seu autor. Com esse método, é possível – e esse foi o objetivo da tese de doutorado – escutar as vivências de professores em formação por meio dos seus escritos. O pesquisador, nesse caso, coloca-se como ouvinte das vivências de formação, afinal são elas que nos mostram os valores e os sa- beres efetivados ao longo de um tempo de vida. O texto está estruturado da seguinte forma: depois de constituída questão que sustenta este trabalho, o conceito otobiografia é estabelecido a partir do livro homônimo de Derrida e dos textos de Nietzsche. Procuro mostrar o que está em foco na investigação otobiográfica, qual seja: a audição das vivências. Para tal, é forçoso restabelecer a questão geradora da pesquisa: o que quer o autor ao escrever seu texto? A trilha labiríntica sulcada por esse método persegue as vivências presentes nos escritos. Palavras-chave Otobiografia – Filosofia – Nietzsche – Formação de professores. Correspondência: Silas Borges Monteiro Univ. Federal de Mato Grosso Av. Fernando Correa da Costa, s/n e-mail: [email protected] ** Este texto foi apresentado no II CIPA (Congresso Internacional de Pesqui- sa Autobiográfica), Salvador - BA, em setembro de 2006.

Otobiografia como escuta das vivências presentes nos escritos*

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471Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, n.3, p. 471-484, set./dez. 2007

Otobiografia como escuta das vivências presentesnos escritos*

Silas Borges MonteiroUniversidade Federal de Mato Grosso

Resumo

Este texto é parte da fundamentação teórica da tese de doutoradointitulada: Quando a Pedagogia forma professores: uma investiga-ção otobiográfica, defendida na Faculdade de Educação da Uni-versidade de São Paulo. O objetivo deste texto é explicitar o sen-tido de otobiografia, abordagem teórica que fundamentou ométodo da pesquisa. Esse conceito metodológico, construído apartir de Jacques Derrida, busca mostrar o sentido das vivênciasresultante da escuta que Nietzsche sugere ser feita. Essas vivênciasoperam na produção escrita. Por isso, com a otobiografia, questio-na-se a dynamis do texto, designando-a como a força, a potênciavirtual e móbil que dão vivência aos escritos. Pela investigaçãootobiográfica, importa dar outro sentido ao biográfico e sua assi-natura – o autobiográfico. Derrida nos ajuda a pensar a estreitavinculação entre as vivências e a produção textual, amparado pelaleitura que faz de Nietzsche. Entende que só artificialmente pode-mos separar um texto da vida de seu autor. Com esse método, épossível – e esse foi o objetivo da tese de doutorado – escutar asvivências de professores em formação por meio dos seus escritos.O pesquisador, nesse caso, coloca-se como ouvinte das vivênciasde formação, afinal são elas que nos mostram os valores e os sa-beres efetivados ao longo de um tempo de vida. O texto estáestruturado da seguinte forma: depois de constituída questão quesustenta este trabalho, o conceito otobiografia é estabelecido apartir do livro homônimo de Derrida e dos textos de Nietzsche.Procuro mostrar o que está em foco na investigação otobiográfica,qual seja: a audição das vivências. Para tal, é forçoso restabelecera questão geradora da pesquisa: o que quer o autor ao escreverseu texto? A trilha labiríntica sulcada por esse método persegue asvivências presentes nos escritos.

Palavras-chave

Otobiografia – Filosofia – Nietzsche – Formação de professores.

Correspondência:Silas Borges MonteiroUniv. Federal de Mato GrossoAv. Fernando Correa da Costa, s/ne-mail: [email protected]

** Este texto foi apresentado no II CIPA(Congresso Internacional de Pesqui-sa Autobiográfica), Salvador - BA, emsetembro de 2006.

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Otobiography as listening to the experiences presentin the writings*

Silas Borges MonteiroUniversidade Federal de Mato Grosso

Abstract

This text is part of the theoretical foundation of my doctoral thesisentitled When Pedagogy forms teachers: an otobiographicalinvestigation, presented to the Faculty of Education of theUniversity of São Paulo. The purpose of the present article is toexplain the meaning of otobiography, the theoretical approachthat gave support to the research method. This methodologicalconcept, based on the work of Jacques Derrida, seeks to reveal themeaning of experiences, which results from the kind of listeningsuggested by Nietzsche. These experiences take place in thewritten production. Thus, the otobiography questions the dynamisof the text, designating it as the force and the virtual and mobilepower that give life to the writings. Through the otobiographicalinvestigation one is concerned to give new meaning to thebiographical and its signature – the autobiographical. Derridahelps us here to think the close ties between the experiences andthe textual production, supported by the reading he makes ofNietzsche. He understands that only artificially it is possible toseparate a text from its author’s life. With this method it is possible– and this was the objective of our doctoral work – to listen to theexperiences of teachers in formation through their texts. Theresearcher here puts himself as listener of the experiences offormation; after all, they are what reveal to us the values andknowledges developed in a lifetime. The text is structured in thefollowing way: after establishing the question that drives this work,the concept of otobiography is explained based on the book by thesame name by Derrida and on Nietzsche’s texts. We try to showwhat is under focus in an otobiographical study, namely, listeningto experiences. For that, one must resume the research’s foundingquestion: what does the author want when he/she writes his/hertext? The labyrinthine path rutted by this method pursues theexperiences present in the writings.

Keywords

Otobiography – Philosophy – Nietzsche – Teacher education.

Contact:Silas Borges MonteiroUniv. Federal de Mato GrossoAv. Fernando Correa da Costa, s/ne-mail: [email protected]

*This text was presented to the 2nd CIPA(International Congress of Autobio-graphical Research) in Salvador – BAin September 2006.

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Constituição da questão quesustenta este trabalho

Este texto parte de um conceito usadopor Derrida (1984), otobiografia, para construirelementos de reflexão e análise acerca do sen-tido de um escrito. É pressuposto que a produ-ção escrita contribui para a construção do sen-tido de vida do escritor. A autoria descreve seuautor. Com Derrida, nesse caso apresentadocomo leitor de Nietzsche, é mostrado que ossentidos das vivências dos autores dinamizamos escritos. Com isso, o filósofo francês questi-ona a dynamis do texto, designando-a como aforça, a potência virtual e móbil que dá ao textovivência. Derrida, auscultador de Nietzsche, aju-da-nos a pensar a vinculação entre a vivência ea produção textual e também a filosófica. Paraele, só artificialmente podemos separar um textoda vida de seu autor. O escrito é a verdade doautor e, portanto, de seu texto. Não perquire pelofundamento último da exposição, mas pelo sen-tido interno dado ao dito. A investigação otobio-gráfica se propõe a ouvir a vida implicada naformação, à medida que a produção escrita éformativa. A metáfora despertada pela escutaconcilia-se com a de labirinto: o ouvido, em suaanatomia, aproxima-se da forma labiríntica; amitologia convida Ariadne para a escuta deseno-velada. Investigar otobiograficamente é procurarpelas vivências da formação presentes nos escri-tos. São essas vivências que nos mostram os va-lores e os saberes efetivados ao longo do proces-so de vida, por que não vitae: currículo.

Otobiografia: o livro de Derrida

Ao que me consta, otobiografia foi umconceito criado por Jacques Derrida, publicadoem livro homônimo. Esse é o texto integral deuma conferência pronunciada na Universidadede Virgínia (Charlottesville), em 1976, EstadosUnidos. Na França, é publicado em 1984. Opretexto1 da elaboração é a comemoração daindependência do Estados Unidos, e divide-seem quatro partes: 1. Declaração de indepen-

dência; 2. Lógica da vivência; 3. Do estado –o signo autógrafo; 4. Omphalos.

Na primeira parte do livro, Derrida (1984)procura mostrar que todo “ato declarativo fundauma instituição” (p. 16), ainda mais que as decla-rações são assinadas, o que lhes dá conotação deum signatário, ou seja, alguém que, por represen-tar um grupo, se afirma por ele: “A declaraçãoque funda uma instituição, uma constituição ouum estado, requisita que um signatário esteja aíengajado” (p. 16-17), de modo que, o nome dadeclaração fala “em nome do povo” (p. 21).Derrida faz a mesma crítica de Nietzsche: essepovo não existe, assim como afirma Zaratustra:“Em algum lugar há ainda povos e rebanhos,mas não entre nós, meus irmãos: aqui há Esta-dos”; esse que afirma a mentira que “sai raste-jando da sua boca: ‘Eu, o Estado, sou o povo!’Onde ainda existe um povo, este não compre-ende o Estado e o odeia como má sorte e umaofensa aos costumes e ao direito”. Como nasce“gente demais”, para os “supérfluos inventou-seo Estado!” Aqueles que se curvam a esse “mons-tro frio”, lhes são peculiar “as orelhas compridase vista curta”. Estado é o lugar onde “o lentosuicídio de todos chama-se – ‘vida’!” E finaliza:

Onde cessa o Estado, somente ali começao homem que não é supérfluo, ali começao canto do necessário, essa melodia únicae insubstituível. Onde o Estado cessa –olhai para ali, meus irmãos! Não vedes oarco-íris e as pontes do além-do-homem?(Nietzsche, 2000, p. 75-77)

De carona no alter ego de Nietzsche, Derridaexamina o sentido do Estado como recolhedor dasvontades de todos. Afirma que, mesmo sob a más-cara do Estado, há assinaturas que por ele firmamintenções, que fundam instituições.

Na segunda parte, Derrida (1984) mos-tra a lógica da vivência dizendo:

1. O uso que faço desse termo encontra-se no sentido que Deleuze e Guatarridão ao plano imanente na elaboração dos conceitos, qual seja, o que serve defundo para a construção dos conceitos, algo próximo de um motif. Por serpré-texto, serve como antecedente do tecido que recolhe a produção.

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Um discurso sobre vida-e-morte deve ocu-par um certo espaço entre o logos e o gra-ma, a analogia e o programa, os diferentessensos do programa e da reprodução. E jáque se trata da vida, o traço que relacionalógica ao gráfico deve funcionar entre obiológico e o biográfico, o thanatológico eo thanatográfico. (p. 39)

Nesse entre dois, encontra-se a elabora-ção crítica da filosofia. Por isso, a biografia,quando é tratada na Filosofia, vai além dosacidentes empíricos dos autores. Entretanto,também vai além dos exames estruturalista dostextos. Opta por questionar a dynamis do tex-to, designando-a como a força, a potência vir-tual e móbil que dão ao texto vivência.

Isso que se chama vida – coisa ou objeto dabiologia e da biografia – não faz face, essa éa primeira complicação, a qualquer coisa queserá por ele um objeto oponível: a morte, athanatológica ou a thanatográfica. A ‘vida’tem também o mal de tornar-se objeto deuma ciência no sentido que a filosofia e a ci-ência dão hoje à palavra, como ao estatutolegal da cientificidade. (Derrida, 1984, p. 41)

Afirma que as ciências são, por seu tipo,ligadas à morte, pois criam objetos recortadosde sua dinâmica, de sua vida. A fisiologia é umexemplo, pois estuda corpos mortos e retalha-dos. Derrida insiste na co-implicação entre obiográfico e biológico para ressignificar as ci-ências “da morte”. Buscar pelas assinaturas éparte integrante dessa revitalização do objetomorto a um sentido de vivência. No entanto,importa dar outro sentido ao biográfico e suaassinatura: o autobiográfico. Não merecem essainscrição as descrições de eventos importantesou significativos dos vivos para que lhes imor-talize. O que está em tela não são os acidentesempíricos que marcam o trajeto do nascimen-to à morte. Para Derrida (1984), autobiográfi-co, ao menos em Nietzsche, relaciona a descri-ção para si mesmo:

Esse relato que enterra a morte e salva osalvo como imortal, ele não é autobiográfi-co porque o signatário conta sua vida, oretorno de sua vida que passa como vida enão como morte; mas porque essa vida elea conta para si, ele é o primeiro senão oúnico destinatário da narração. (p. 41)

Tecnicamente, a filosofia tem chamadoisso de reflexão, pois é retorno do pensamen-to sobre si mesmo, destinando-se sua descri-ção, análise e avaliação.

Na terceira parte do livro, Derrida trata doEstado e de seu signo autobiográfico, ou seja, suasinstituições. Estas assinam pelo Estado, lhes dãodinâmica. São elas que o Estado procura, a todo omomento, salvar. São elas que lhe dão identidade.E no caso da apresentação do filósofo francês, asinstituições que ele trará em questão são as deensino, sustentado em Nietzsche com seu texto de1872: Sobre o futuro de nossas instituições deensino. No Ecce Homo, é afirmado pelo filósofoalemão: “Algum dia necessitarão de instituiçõesem que se viva e se ensine como eu entendoviver e ensinar; talvez sejam instituídas cátedraspróprias para a interpretação de Zaratustra”(Nietzsche, 1995, p. 52). Por isso, Zaratustra éum mestre, “ele dispensa uma doutrina e inten-ta ser fundador de novas instituições” (Derrida,1984, p. 74). Essas novas instituições de ensi-no, Nietzsche já as tratou bem antes do seuZaratustra. Tanto naquele texto como neste,para ele, o problema é a falta de ouvidos paraseu ensinamento2. Melhor ainda: denuncia a faltade ouvidos para as vivências, afinal, “para aquiloa que não se tem acesso por vivência, não se temouvido” (§1). Por essa que Derrida (1984) afirma-rá: “Com o ensinamento e com suas novas insti-tuições, ele trata também do ouvido. Tudo se en-rola, vocês sabem, no ouvido de Nietzsche, nosmotivos de seu labirinto” (p. 76). O código dolabirinto é duplo, remete a um dobrado: é uma das

2. Nietzsche (1995) admite sua precocidade: “que hoje não se ouça, quehoje não se saiba tirar nada de mim, não é somente compreensível, pare-ce-me até mesmo justo” (Nietzsche, Assim falava Zaratustra, Por queescrevo livros tão bons, §1).

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partes do ouvido, ou seja, é fisiológico3; é cami-nho de Ariadne, tema de Nietzsche4. Ariadne tam-bém é a que aprendeu a ouvir e que, depois de seligar a Dioniso, teve suas orelhas encurtadas.

Derrida desenvolve a idéia do livro deNietzsche de 1872 com dois protocolos. O primei-ro, afirmando a peculiaridade do texto que, apedido de Nietzsche, deveria ser publicado apenaspostumamente, pois o considerava inacabado:pretendia escrever seis conferências, mas redigiuapenas cinco. O segundo protocolo postula que sãoconferências inscritas no âmbito universitário: fo-ram escritas para acadêmicos pelo professorNietzsche em Basiléia; as conferências que postu-lam o futuro das instituições de ensino são diri-gidas a universitários por um acadêmico. A críticade Nietzsche recai sobre a reestruturação da ins-tituição de ensino alemã que deposita sobre oprofessor o papel destacado na formação, restan-do aos estudantes seguirem esse ou aquele, ampa-rados pela liberdade acadêmica. “No entanto, todaa desgraça dos estudantes de hoje em dia explica-se pelo fato de que eles não têm achado umFührer” (Derrida, 1984, p. 91). Derrida mostra quepor trás da “liberdade acadêmica se desenha a si-lhueta de um constrangimento tanto mais feroz eimplacável que ele se dissimula e se disfarça emlasser-faire. Através da dita ‘liberdade acadêmica’, oestado, por ela, controla tudo” (p. 103-104). Derridamostra que o Estado impõe obrigações rígidas de-mais para sustentar a idéia de uma liberdade acadê-mica. Na pseudo-sensação de autonomia, os profes-sores obedecem às normas acadêmicas oriundas doEstado, e não da própria instituição. Por isso,Derrida sugere que leiamos

[...] estas conferências como uma críticamoderna aos aparatos culturais do Estadoque constituía, ontem mesmo, a sociedadeindustrial, o aparato escolar. (p. 104)

No texto, escrito como uma espécie denarrativa autobiográfica, Nietzsche apresentaum professor já afastado da universidade comquem conversa, ainda jovem estudante, sobre oque tem vivido no ambiente acadêmico. Lá

pelas tantas, o sábio professor se dirige aojovem estudante Nietzsche e seu colega, comas seguintes palavras:

Quando um estrangeiro vem conhecer o sis-tema das nossas universidades, ele perguntacom insistência: “De que modo o estudanteestá ligado à universidade?” Nós responde-mos: “Pelo ouvido, como ouvinte”. O estran-geiro se espanta: “Somente através dos ouvi-dos?”, pergunta ele. – “Somente através dosouvidos”, respondemos novamente. O estu-dante escuta. Quando fala, quando vê, quan-do anda, quando está acompanhado, quandotem uma atividade artística, em suma, quan-do vive, ele é autônomo, quer dizer, inde-pendente do estabelecimento de ensino. Combastante freqüência, o estudante escreve en-quanto ouve. Estes são os momentos em queestá preso pelo cordão umbilical à universi-dade. Ele pode escolher o que quer ouvir, nãoprecisa acreditar naquilo que ouve, pode ta-par os ouvidos quando não queira ouvir. Eis ométodo acroamático de ensino. (Nietzsche,2003, p. 125)

O que permite a liberdade de escolher oque ouvir é o fato de já estar atado pelo ouvido.Unido a esse cordão umbilical, a liberdade acadê-mica é realizada. Sua natureza é acroamática, istoé, agradável aos ouvidos.

Na parte final do livro, Omphalos (umbi-go em grego), Derrida explora uma das tesesprincipais do texto: a identificação da morte ao

3. Na introdução de seu livro Margens da filosofia, Derrida desenvolve aanálise da “troca metafísica, a cumplicidade das metáforas do olho e doouvido” (p.13). Ele quer pôr o “ser no limite”. Timpanizar o ser é fazê-loecoar sob diversos martelos, mesmo que com isso seja luxado o ouvidofilosófico; afinal a filosofia pode existir sem margens.4. Deleuze explora as imagens de Ariadne e do labirinto em um ensaiointitulado “Mistério de Ariadne”, publicado em Magazine Litteraire, n. 298,em 1992. Assim ele termina o texto: “O labirinto já não é o caminho ondenos perdemos, mas o caminho que retorna. Já não é o labirinto do conhe-cimento e da moral, mas o labirinto da vida e do Ser como vida. Quanto aoresultado da união de Dioniso e Ariadne, esse resultado é o além-do-ho-mem, o super-herói, o contrário do homem superior. O além-do-homem éaquele que vive nas cavernas e nos cumes, a única criança feita pelasorelhas, o filho de Ariadne e do Touro”. Adiante no texto, serão feitas ob-servações complementares a esse tema.

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discurso do pai e a vida à figura da mãe, maisprecisamente, à da mulher: a língua materna.Aproxima-se de uma interpretação psicanalítica deNietzsche.

A grande contradição é que as institui-ções de ensino prendem seus estudantes peloouvido. Os alunos ouvem o tempo todo. Con-tudo, não aprendem a ouvir o que deve ser es-cutado: as vivências.

Otobiografia: o conceito

Derrida nos ajuda a pensar a vinculaçãoentre vivência e produção filosófica. Mais ain-da, a propósito de sua exposição sobre estilofilosófico de Nietzsche, procura demonstrar seuensino compreendido a partir do Zaratustra,como vinculação de seu nome, o nome próprio,como uma assinatura de sua filosofia. Comopoucos, Nietzsche pensa a filosofia fundada emsua própria experiência – o que pode nãomostrar alguma originalidade –, mas a assumecomo sua filosofia, gestada em suas vivências.Ouvir as vivências de seu autor: eis o grandedesafio à filosofia. “O ouvido, então, tambémestá no marco de seu ensino e em sua novainstituição” (Derrida, 1984, p. 75-76).

A tese central de Derrida é que só arti-ficialmente podemos separar um texto da vidade seu autor, o que não significa se prender aopsicologismo peculiar da produção filosófica noinício do século XX. Deve-se reconhecer que foio estruturalismo que permitiu profissionalizar aprodução filosófica na França e por aqui tam-bém. Esse método tem por princípio não sepa-rar as teses dos movimentos lógicos que asproduziram, e refazer o itinerário intelectual doautor por procedimento genético. O que é sus-tentado aqui vincula os movimentos às lógicasque produzem, bem como a busca da gênesedo pensamento dos autores. Com tais procedi-mentos, buscou-se superar o psicologismo quedava tom à produção filosófica, como se essafosse uma espécie de terapia do filósofo, pro-curando cruzar as afirmações feitas com asexperiências psicológicas de seus autores. No

estruturalismo, o principal material de trabalhoé o texto. O labor sobre ele caracteriza a pro-dução filosófica.

O princípio do trabalho no texto não ésem propósito. Como nos lembra Deleuze (1974),

[...] é com razão que se apresenta a lin-güística como origem do estruturalismo:não somente Saussure, mas também a Es-cola de Moscou, a Escola de Praga. [...] sóhá estrutura daquilo que é linguagem, nemque seja uma linguagem esotérica ou mes-mo não verbal. Só há estrutura do inconsci-ente à medida que o inconsciente fala e élinguagem. Só há estrutura dos corpos àmedida que se julga que os corpos falamcom uma linguagem que é a dos sintomas.As próprias coisas só têm estrutura à medi-da que mantêm um discurso silencioso,que é uma linguagem dos signos. (p. 272)

O triunfo do manejo da palavra, que ca-racteriza o trabalho filosófico do século XX,busca mais do que verdades: pesquisa pela es-trutura que sustenta e dá significado ao discur-so. Essa é a verdade do autor e de seu texto. Nãoperquire pelo fundamento último da exposição,mas pelo sentido dado ao dito. Na Filosofia,portanto, o que vale é o corpo-a-corpo com otexto, num trabalho paciente e de anos, queleva ao conhecimento do autor.

Derrida, quando inscreve Nietzsche naotobiografia, aplica o método estrutural, apesar deser também seu crítico. Quer encontrar os sintomas– aliás, este é um conceito-chave em Nietzsche –expressos nos textos e coloca-se como ouvinteatento destes. Busca no autor de Zaratustra as cha-ves de leitura de seus escritos. Sabe que “ninguémpode ouvir nas coisas, inclusive nos livros, mais doque já sabe. Para aquilo a que não se tem acessopor vivência, não se tem ouvido” (Nietzsche, 1995,p. 53). Por isso, pensa sobre uma nova instituiçãoem que se aprenda a ouvir. Não poupa veneno paraas instituições que, mesmo prendendo pelo ouvido,não ensinam a escutar. Alia-se à crítica de Nietzsche,quando esse afirma:

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Todas as questões da política, da ordemsocial, da educação foram falsificadas pelabase e pelo fundamento por tomarem oshomens mais perniciosos por grandes ho-mens – por aprenderem a desprezar as ‘pe-quenas’ coisas, quer dizer, as disposiçõesfundamentais da própria vida. (Nietzsche,1995, p. 50)

O cerne do problema é o desprezo pelasdisposições fundamentais da própria vida, des-prezo compreendido por que não aprenderam aouvir as vivências. Ouvir é marco conceitual, éleitmotiv de seu labirinto. O par conceitual ou-vido-labirinto é fecundo em Nietzsche e aquineste trabalho também. Estando as vivências noâmago da argumentação com a proposta deouvi-las, não cabem trilhas sem rodeios oucircunlóquios, pois a dinâmica não se expressapor traçados lineares, sem relevos: não há ater-rados. Esse trajeto é sinuoso, ondulante, diriatortuoso, porém audível, assim como o labirin-to membranoso permite a audição humana.

O filósofo francês põe em cena a radicalrelação que tem a filosofia com a linguagem ea incompetência auditiva de apreendê-la emsua estrutura. Se ambos ateiam fogo destruidornas instituições e seus ensinos, fazem-no sob olema de fênix que, ao ser incinerada, revive dascinzas. Com a crítica do martelo, destrói parareconstruir. Se denuncia o ensino por seu mé-todo acroamático, percebe Nietzsche pegar,também, a ciência pelo pé, como anota em umde seus fragmentos: “Acroamático. Portanto,ciência!” (Nietzsche, 1977, p. 342)

A referência do labirinto deve serentrecruzada com um ditirambo escrito porNietzsche sobre Ariadne – a personagem quevence o labirinto por amor a Teseu: “por quetuas orelhas não são ainda mais longas?”(Nietzsche, 2006, p. 74). O método de ensinoacroamático cumpre o papel de dilatar orelhas,pois seduz pelo prazer de ouvir sem exigir oempenho da resposta, do diálogo. São ouvin-tes passivos. Não é esse ouvinte que Nietzschequalifica como bom para ouvir as vivências.

O que está em questão nainvestigação otobiográfica

Escrito em 1872 com o intuito de serproferido como conferências na universidadeem Basiléia, Nietzsche vale-se do estilo narra-tivo, criando a figura de um filósofo, conheci-do por sua sabedoria, e seu assistente, queencontram um grupo de jovens, entre elesNietzsche, e entabulam uma conversa sobre osapetites experimentados nos estudos: é umaespécie de avaliação dos programas escolares edo sentido que as escolas dão à formação in-telectual de uma geração. O ponto central dadiscussão é a insistência do filósofo sobre aimportância da língua para a cultura. Nietzscheé um jovem, nesse diálogo – que se apresentaautobiográfico – e, ao mesmo tempo, empres-ta suas idéias ao filósofo, crítico da cultura eda formação alemã daqueles dias. Depois demostrar o abuso que estão fazendo com a lín-gua, banalizando-a, o filósofo afirma o víncu-lo umbilical da universidade com seus estudan-tes pelo ouvido, como já mostrei: “`De quemodo o estudante está ligado à Universidade?’Nós respondemos: ‘Pelo ouvido, como ouvin-te’” (Nietzsche, 2003, p. 125). A ironia dasmetáforas de Nietzsche revela sua visão sobrea pobreza da formação acadêmica, pois nãooferecia espaços para que algo mais do que oouvido pudesse ser exercitado, algo mais pu-desse ser dito, além das lições dos professores.Não era a vida que estava em foco nessa ins-tituição. Até mesmo no conteúdo ministrado,havia desqualificação. Nietzsche acentua suacrítica vendo a decadência da formação cultu-ral de seu país.

No entanto, para essa tarefa, usa metá-foras como o ouvir, visto, nesse caso, como oextremo da passividade de um estudante, cujapreocupação é meramente reprodutora, na ver-dade, transcritora. O ouvido, como órgão, estáem seu uso inadequado: funciona como meracaptação acústica, porta de entrada semi-escan-carada, sem intencionalidade ou, por vezes,interesse. O tédio é o que determina o que se

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põe para dentro. O professor, do outro lado,produz a acústica que pretende ser sorvida.Para tanto, gosta de ter grande audiência. In-flama-lhe o ego ser conhecido como culto,sábio, instruído, bem formado. Adora ouvir aprópria voz.

Entretanto, entre eles, a distância é abissal.Derrida (1984) se permite ler esse trecho

psicanaliticamente. Ele transfere às metáforas asfiguras do pai (o mestre), da mãe (a língua) e docordão umbilical que liga ambos ao estudante,mostrando a reprodução de um sistema que pro-cura manter a não-autonomia, privando a criaçãoe valorizando a sujeição. Fará uma nota que podelançar elementos novos nessa interpretação:

O ouvido é misterioso. Misterioso é o que é; odobro é o que se pode tornar; grande ou pe-queno é o que ele pode fazer ou deixar acon-tecer (como em laisser-faire, visto que o ouvi-do é o mais evidente e o órgão mais aberto,aquele que, como Freud nos lembra, a criançanão pode fechar); grande ou pequena comotal, assim é a maneira pela qual se pode ofe-recer ou emprestar o ouvido. (p. 106)

O ouvido é duplo; seu próprio duplo.Pode estar passivo – ligado umbilicalmente aalgo que o sustenta, que o mantém – ou podeestar preparado para receber novos, confusos,irritantes, constrangedores, libertadores ou tan-tos outros sons. Para esses tantos, Nietzsche sediz preparado. Novamente, “uma coisa sou eu,outra são meus escritos. – Aqui, antes que eufale deles próprios, seja tocada a pergunta peloentendimento ou não-entendimento dessesescritos”. O duplo também aparece: ele e seusescritos. Em Nietzsche, são muitas as falas quetomam a palavra. E isso se vê claramente nasdiversas assinaturas que percorrem sua obra: “Ocrucificado”, “Dioniso” e outros. Simplificariamuito imaginar que uma força patológica esta-ria em questão. Perderíamos a riqueza de suacontribuição se ficássemos com essa interpre-tação – risco que pode acometer aquele que lêo poeta português Fernando Pessoa e seus

heterônimos: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos,Ricardo Reis, Bernardo Soares e, porque não,Fernando Pessoa. O ponto é entender que ou-vir implica também as vivências, que suscitamas mais diversas experiências, inclusive as de-nominadas cognitivas. Na mesma sessão deEcce Homo, Nietzsche dirá: “ter entendido seisfrases do meu Zaratustra, isto é: tê-las vivido,eleva, entre os mortais, a um grau superior aoque homens ‘modernos’ poderiam alcançar”,querendo com isso reafirmar a importância dasvivências para o entendimento das coisas. ComNietzsche, julgo que a compreensão é da radi-cal ordem da vivência, para qual temos de terouvidos: em uma palavra, interpretação. Escu-tar a biografia – otobiografia – ainda podecaptar melhor o que quer essa vida ouvida.

A questão de fundo dainvestigação otobiográfica

Uma pesquisa é mobilizada por questões.É de Deleuze que virá a formulação metódica dainvestigação que estou denominando de otobio-gráfica. Em seu livro Nietzsche e a filosofia,Deleuze (s/d) argumenta que o autor de Zaratustraempenha-se em criticar a predominância de con-ceitos passivos, ou como resume: “por todo lado,nas ciências do homem e mesmo da natureza,aparece a ignorância das origens e da genealogiadas forças” (p. 113). Logo, investigar as produ-ções humanas – mais do que nas ciências huma-nas – significa instalar o sentido vetorial das for-ças que mobilizam o conhecimento ou as forçasdas vivências que produzem o texto. A interroga-ção que põe em movimento a reflexão nietzschianaé: “o que quer?” De outro modo: o que querem asforças das vivências ao produzir um texto, umescrito, um conceito, uma idéia, uma teoria, umainterpretação etc.? Aplicada à filologia, Deleuze (s/d) enuncia: “uma palavra só quer dizer qualquercoisa à medida que aquele que diz quer qualquercoisa ao dizê-lo. E só uma regra: tratar a falacomo uma atividade real, colocar-se no ponto devista daquele que fala” (p. 113). Com isso, hásignificativa mudança na fórmula da interrogação

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filosófica. A tradição ocidental estabelece comoquestão de fundo a fórmula “o que é?” Deleuzesugere outra: “quem?” Usa como antecedente: “Oquê? perguntava-me com curiosidade. – Quem?deverias tu interrogar-te! Assim fala Dioniso”.(Nietzsche, 1982, p. 211) Assim a explica:

‘Quem?’, segundo Nietzsche, significa oseguinte: sendo uma coisa dada, quais sãoas forças que dela se apoderam, qual é avontade que a possui? Quem é que se ex-prime, se manifesta, e mesmo se escondenela? Somos conduzidos à essência apenaspela questão: Quem? Porque a essência éapenas o sentido e o valor da coisa; a essên-cia é determinada pelas forças com afinidadecom a coisa e pela vontade com afinidadecom essas forças. Mais ainda: quando colo-camos a questão: ‘O que é?’ caímos apenasna pior metafísica, de fato, não fazemosmais do que pôr a questão: Quem? mas deuma maneira indireta, cega, inconsciente econfusa. (Deleuze, s/d, p. 116-117)

No projeto nietzschiano, interpretado porDeleuze, sempre cairemos no questionamentoacerca das forças vitais que impulsionam a pro-dução humana: calibrar essa questão significa irao âmago do que é interrogado. Sua fórmulamais precisa é “quem?”

O momento propositivo da pesquisaotobiográfica é o questionamento de quemtoma a palavra na produção, por exemplo, deum escrito. Qual é a vida, a vontade, as vivên-cias que são postas em movimento? Quem fala?O que se quer, quando algo é dito?

Interrogar ao que fala, ou ao que escreve,põe em ação, talvez, uma espécie de métodoclínico, que pode ser efetivado sob três formas:

Uma sintomatologia, à medida que interpretaos fenômenos, tratando-os como sintomas,cujo sentido é necessário ser procurado nasforças que os produzem. Uma tipologia, àmedida que interpreta as próprias forças doponto de vista da sua qualidade, ativa ou

reativa. Uma genealogia, à medida que avaliaa origem das forças do ponto de vista dasua nobreza ou da sua baixeza, à medidaque encontra a sua ascendência na vontadede potência e na qualidade desta vontade.As diferentes ciências, mesmo as ciências danatureza, têm a sua unidade numa tal con-cepção. Mais do que isso, a filosofia e a ci-ência possuem a sua unidade. Quando a ci-ência deixa de utilizar conceitos passivos,deixa de ser um positivismo, mas a filosofiadeixa de ser uma utopia, uma quimera sobrea atividade que compensa este positivismo.O filósofo enquanto tal é sintomatologista,tipologista, genealogista. Reconhece-se atrindade nietzschiana, do ‘Filósofo do futu-ro’: filósofo médico (é o médico que inter-preta os sintomas), filósofo artista (é o artistaque modela os tipos), filósofo legislador (é olegislador que determina a ordem, a genea-logia). (p. 114-115)5

Talvez, no limite, o que se produz daotobiografia é uma filosofia ou ao menos umexercício de filosofia de estirpe nietzschiana.Talvez. Aqui a tomo como ferramenta de traba-lho de escuta dos escritos.

Otofisiologia: labirinto

Quero retomar uma afirmação feita porDerrida (1984): “Como vocês sabem, todas ascoisas chegam a termo no ouvido em Nietzsche,nos refrãos de seu labirinto” (p. 98). Comosabemos, o ouvido é formado de três partes:ouvido externo, médio e interno. Externo refe-re-se ao que vemos: a orelha, em forma depavilhão, que capta as ondas sonoras e astransportam pelo meato acústico externo até amembrana do tímpano, ou seja, está em ação arecepção e o transporte acústico. O tímpano (umdos elementos do ouvido médio) transfere asondas, pela cavidade timpânica, ao ouvido inter-

5. Estas figuras do filósofo (médico, artista, legislador), Nietzsche asconstrói ao longo de suas obras.

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no, onde encontrará o labirinto membranoso quepossui receptores nervosos, ligados ao cérebro,para a interpretação das ondas sonoras.

Essa otofisiologia é metafórica: Derridabrinca com os termos. Quando fala do ouvido deNietzsche, recreia-se em lembrar do labirintoque, nesse caso, possui duas conotações: umorgânulo do ouvido e um termo caro ao poetade Ariadne, oriundo da mitologia grega. Comosabemos, a idéia de labirinto está relacionada aomito do Minotauro. A figura de destaque domito é Ariadne, filha de Minos, rei de Creta.Teseu veio à Creta como uma das quatorze ví-timas que os atenienses anualmente eram obri-gados a oferecer ao Minotauro, um monstrometade touro, metade homem, que vivia confi-nado no labirinto construído pelo arquitetoDédalo. Quando Ariadne viu Teseu, apaixonou-se pelo rapaz. Ofereceu-se a ajudá-lo a sair dolabirinto caso ele vencesse a besta-fera. Pelaajuda, Ariadne pede em troca que o jovem aleve para Atenas. Ela então lhe deu um novelo delinha que havia conseguido com Dédalo. Amar-rando uma das extremidades do novelo na entra-da do labirinto e outra em seu corpo, após ma-tar o Minotauro, ele seria capaz de escapar dolabirinto enrolando o novelo novamente. Com osucesso do plano, Teseu e companheiros fugirampelos mares em direção à Atenas, levando Ariadnecom eles. No meio do caminho, pararam na ilhade Naxos. De acordo com a lenda, Teseu aban-donou Ariadne na ilha, enquanto ela dormia.Conta outra versão que ela foi resgatada porDioniso, com quem, a contragosto, casou-se.Atinemos: Dioniso é herói de Nietzsche.

A figura do Fio de Ariadne tornou-se, parao ocidente, a metáfora da solução para problemasdifíceis de resolver. Descartes (1984) a usa emsuas Objeções e respostas. Está em questão o rigordo uso de procedimentos para sair de problemasemaranhados ou de difícil solução. É a apostamoderna de que procedimentos rigorosos soluci-onam impasses. Se por um lado temos Ariadnecomo a solução de enigmas, por outro, temosDédalo como criador deles. É curioso notar comoNietzsche trata essas personagens mitológicas.

Inicialmente, ignora Dédalo, mas não faz o mes-mo com Ariadne, dando-lhe, ao longo de suaobra, conotações levemente diferentes. Nos escri-tos da fase helenística, o autor de O nascimentoda tragédia a vê do modo como foi vista namodernidade: aquela capaz de trazer luz para asaída do túnel, aquela que dissipa a névoa, aquelaque é capaz de esclarecer as mentes a respeitodos problemas impostos pelo conhecimento. EmAlém de bem e mal, Ariadne é apresentada comonoiva de Dioniso – assumindo uma das versões domito – vivendo na ilha de Naxos – lugar onde foiabandonada por Teseu e resgatada pelo deus.Embora, assim, ainda carregue conotação seme-lhante à da fase helenista, visto que Dioniso amaem Ariadne aquilo que ama nos mortais: “animalagradável, valente, inventivo, que não tem igualsobre a Terra, em todo labirinto ele é capaz de seachar” (Nietzsche, 1996, p.197). Já em Crepúscu-lo dos ídolos, de 18886, nas Incursões de umextemporâneo, ao tratar do “Belo e feio”, lemosum Nietzsche com suas reflexões antimetafísicasdestinadas ao belo: denuncia o absurdo do “belo-em-si”, evidencia o juízo “belo” como “vaidadegenérica” e sentencia: “nada, absolutamente nadanos garante que justamente o homem forneça omodelo da beleza”. Cria, então, para seu filósofoestimado, Dioniso, o seguinte diálogo com a belae sábia princesa Ariadne:

‘Oh Dioniso, divino, por que tu me puxas asorelhas?’, perguntou Ariadne certa vez aseu amante filosófico, em um daqueles cé-lebres diálogos por sobre a ilha de Naxos.‘Eu vejo algo de gracioso em tuas orelhas,Ariadne: por que elas não são ainda maislongas?’ (Nietzsche, 2006, p. 74)

Ao longo da sua produção, Nietzsche foiencurtando as orelhas de Ariadne. Por fim, elasnão são mais longas.

De modo mais diverso desse anterior, nospoemas da coletânea Ditirambos de Dioniso, o

6. Marton (1993) distingue três períodos nos textos de Nietzsche: 1870-1876,denominado de “pessimismo romântico”; 1876-1882, denominado de “positivismocético”; 1882-1888, denominado de “transvaloração dos valores”.

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divino fala à sua amada mortal: “tens orelhas pe-quenas, tens as minhas orelhas” (Nietzsche, 2000a,p. 71). A ambigüidade auditiva por que passaAriadne fascina o deus. Todavia, não seria essadubiedade a melhor condição do caminhar nolabirinto? Não seriam os ambíguos aqueles prepa-rados para as trilhas tortuosas? Talvez, por essasrazões, Nietzsche julgaria mal-feita a leitura que dáao mito conotação apenas de resolução de pro-blemas. Acentua a ambigüidade presente na con-dição humana, mostrando que é justamente essehumano, demasiado humano que encontra suastrilhas no labirinto, afinal, “quem além de mimsabe o que é Ariadne?” (Nietzsche, 1995, p. 93)

Por coerência, quando trato do métodootobiográfico, pelas sugestões ilustradas na fi-siologia e na mitologia, o labirinto é uma figuraque pode colaborar para a sua compreensão,lembrando que a palavra método é usada nes-se momento com a conotação de caminho, apartir da etimologia na língua grega. Estouciente que mesmo a palavra caminho, por ve-zes, leva-nos a pensar em uma estrada, trilha,o que pressupõe estar percorrendo um rastroanterior, já realizado, montado, feito, pronto, jáefetuado, eficiente: reta; com sentido e desti-no conhecido previamente; funciona por cau-sa e efeito: se vou por aqui, chego acolá; le-vará, certamente a lugar conhecido. Parece-meraro pensar em labirinto como caminho, poisestá fortemente fincada à idéia de que ele éfeito para perder-se.

Ao mesmo tempo, pensar num métodocuja metáfora é o labirinto, dificilmente pode-ria proceder por raciocínio hipotético-dedutivoou empírico-indutivo. Não é possível tal cone-xão. O que nos coloca a questão: como pensarnão-linearmente? Essa superfície complexa, decaminhos e velocidades múltiplos, exige sabe-res e riscos, sem a garantia de um caminhodefinitivo. Não responde ao registro da verda-de, a não ser que tenhamos em mente seusentido etimológico: não-esquecimento. Por-tanto, é verdade nos escritos aquilo que estáregistrado, pois não-esquecido. Se o vernáculodetermina mentira como oposto à verdade, isso já

não funciona para a indicação etimológica nalíngua grega. Verdade é alêtheia. Sem a partícu-la negativa, lêthê é esquecimento. Mentira épseydos. Quando uso o termo, dou-lhe conotaçãopeculiar, de modo que a língua portuguesa nãonos ajuda muito para investigarmos seu alcance.Também não podemos trazer à discussão ooposto do esquecimento, lembrança. Essesconceitos funcionam muito bem na cosmovisãoplatônica, na qual cabe à filosofia fazer umareminiscência das idéias perfeitas. Com isso,pretendo esvaziar o sentido dado à verdadenesse tipo de pesquisa, pois seu conceito nãoauxilia muito na minha elaboração.

A metáfora despertada pela escuta concilia-se com a de labirinto: o ouvido, em sua anatomia,aproxima-se da forma labiríntica. O elemento decomposição ot(o), no dicionário Aurélio, tem, en-tre outros, o sentido de “labirinto membranoso” -parte da fisiologia do ouvido interno. Escutar,portanto, é percorrer o labirinto das significaçõesdas forças presentes na produção humana, nosescritos, na autobiografia.

Escuta das vivências presentesnos escritos

Quando tomo o pensamento de Nietzschecomo operador de conceitos, procuro elementosque contribuam para a compreensão de um deter-minado tipo de fenômeno que julgo complexo osuficiente para evitar dar-lhe um tipo de tratamentoque perderia toda a potencialidade de produção ecriação, própria dos escritos. Otobiografia permiteaproximações para além dos tratamentos estatísti-cos, das análises de discurso, das tabulações derecorrências ou outros procedimentos que o se-jam. Não se procuram as recorrências, pois sócom elas é que podemos dar tratamento esta-tístico. Abro-me às diferenças, ao intempestivo,à assinatura. Isso não significa desprezar repe-tições, mas devem ser tratadas como sugereDeleuze (1988): “a repetição só é uma condu-ta necessária e fundada apenas em relação aoque não pode ser substituído. Como conduta ecomo ponto de vista, a repetição concerne a

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uma singularidade não trocável, insubstituível”(p. 22). Por isso, não cabe outro tratamento àpoesia a não ser repeti-la exatamente como foiescrita, pois é insubstituível. Assim, procurofidelizar-me ao conhecimento produzido nosescritos, repetindo a diferença que possui cadaprodução, respeitando e publicando suas assi-naturas. Também, buscam-se os vestígios dasforças atuantes na produção textual, que sãoentrevistas ou explicitadas nos textos. Não hápretensão de tratar escritos como dados, por pres-supor uma relação que não está estabelecida: a dopesquisador neutro e distante de seu objeto. Co-loca-se como ouvinte desses conhecimentos pro-duzidos por autores. Instrumentalizam-se, portan-to, os ouvidos para ouvir as vivências presentes nosescritos para recolher assinaturas e estilos. Quan-do um texto é produzido, as vivências são anota-das, fertilizadas, alimentadas7.

E o que escutar? Ora, nada mais apropriadodo que as forças presentes nos escritos, reveladas eaprendidas pelas vivências. Portanto, o pesquisadorse coloca como ouvinte das vivências na produçãoescrita. Estas não estão no divã. Não as coloco sobrea bancada farmacêutica da análise clínica. Não sãomeus objetos. Fazer otobiografia é saber escutar asvivências. São elas que nos mostram os valores e ossaberes efetivados, as afeições dos seus autores.

É necessário mais do que ouvidos paraescutar as vivências: ninguém tem acesso a elasse não houver vivências em comum, pois nin-guém escuta mais do que já sabe. Não sendoacessado por vivências, não se tem ouvido, re-pito mais outra vez. Também não basta acor-do acerca do uso das palavras:

Não basta utilizar as mesmas palavras paracompreendermos uns aos outros; é precisoutilizar as mesmas palavras para a mesmaespécie de vivências interiores, é preciso,enfim, ter a experiência em comum com ooutro. (Nietzsche, 1996, p.182)

Um escrito nada mais é do que a mobi-lização de suas vivências, significadas pelostextos lidos e pelos discursos ouvidos. São im-

pulsos que “tomam a palavra, dão as ordens”,diz o filósofo alemão,

[...] isso determina por fim a sua tábua debens. As valorações de uma pessoa denunciamalgo da estrutura de sua alma, e aquilo emque ela vê suas condições de vida, sua autên-tica necessidade. (Nietzsche, 1996, p.183)

Considerações finais

Estabeleci a otobiografia como um tipode investigação de escritos. Seu método dequestionamento é dado pela fórmula Quem?Torna-se o otobiográfico um sintomatologista,um tipologista, um genealogista visto que sepõe à procura das origens das forças ativas ourelativas na labiríntica produção escrita.

Como alguém se torna o que é? Essatrilha de investigação, Nietzsche a estabelece apartir de si mesmo. Apresenta ao público EcceHomo8. Ao prever que deve dirigir-se, em bre-ve, à humanidade com séria exigência, julga in-dispensável dizer quem é, ou melhor, como setornou o que é. Como se tornou tão sábio?Quando fez de sua filosofia sua vontade devida, ou seja, quando se tornou livre do ressen-timento, tornou-se guerreiro para superar-se,para ir além-do-homem, experimentou na vidadas alturas longe da pequenez do pensamen-to que não põe o corpo em movimento. Comose tornou tão esperto? Quando refletiu sobreproblemas realmente sérios: alimentação, lugar,clima, distração, toda casuística do egoísmo.Aplicou para si a fórmula para a grandeza dohomem: nada querer diferente do que se vive.Como escreveu livros tão bons? Ele escreveu oque viveu. Teve as menores orelhas que existi-ram. Em sua arte de estilo, comunicou estadosinteriores, um pathos mais rico de si mesmo,mais novo do que nunca, cheio de vontade eenergia, relutância e apatia, vontade de potên-

7. Nietzsche desenvolve essa idéia no seu livro Aurora, § 119.8. O livro é estruturado em quatro capítulos: 1) Por que sou tão sábio; 2)Por que sou tão esperto; 3) Por que escrevo livros tão bons; 4) Por que souum destino.

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cia – nome que dá à vida. Como se tornou umdestino? Quando se viu dinamite, transvalorandotodos os valores: destruiu as verdades, chamoude bem o que é mal, que de mau o que é bom.Foi além de bem e mal. Ele criou valores, tor-nou-se moralista, pois sempre disse sim!

Ir além dos modelos investigativos esta-belecidos, a partir de Nietzsche, se fará peloaprendizado da ausculta dos sintomas, dos ti-pos, das origens das forças e das afeições dasvivências. Elas encharcam os escritos.

O termo que estou usando para esse mé-todo é otobiografia. Reconheço ser um termoambivalente: ao mesmo tempo em que se propõecrítico, mostra a passividade do ouvir, como foicontado por Nietzsche no texto O futuro de nos-sas instituições de ensino. O método otobiográficose propõe a ouvir a vivência implicada nos esti-los do texto. Uma pesquisa que se pretendaotobiográfica não coleta dados; recolhe e espa-lha: emprega, mesmo sob a pena de contrafação,conceitos já fabricados, experimentando-os emoutros espaços. Nessa subversão, almeja depararcom o novo, o original: aquilo que é gerado emnovo ambiente: uma espécie de abiogênese.Nessa tensão entre a tradição e a novidade, sebusca fundar a intenção de ouvir as vivências.

Alguns pontos precisam ser estabelecidos.Para ouvir as vivências deve-se assumir o emis-sor como produtor de conhecimento qualifica-do. Portanto, as produções escritas não podemser tomadas como objeto, pois na coincidênciaentre obra e autor estaríamos, no limite, tratan-

do-os como objeto de pesquisa. Teríamos umproblema ético ao tratar sujeitos como objetos:haveria prática de violência. Em segundo lugar,esse outro modo de ouvir as vivências é estabe-lecedor de diálogo, pois interpola a crítica àprodução escrita, à medida que entende críticacomo momento de diálogo que procura mostraras possibilidades e os limites de determinadoargumento, de determinada produção. Diálogo éo que se faz com a produção escrita.

Para concluir, transcrevo um discurso deZaratustra acerca “Do ler e escrever”:

De tudo o que se escreve, aprecio somenteo que alguém escreve com seu próprio san-gue. Escreve com sangue; e aprenderás queo sangue é espírito. Não é fácil compreendero sangue alheio; odeio todos os que lêempor desfastio. [...] Aquele que escreve emsangue e máximas não quer ser lido, masaprendido de cor. [...] Máximas, cumpre quesejam cumes; e aqueles aos quais são ditasdevem ser altos e fortes. O ar rarefeito epuro, a vizinhança do perigo e o espíritoimbuído de uma alegre malvadez: coisasque combinam bem uma com a outra. [...] Éverdade: amamos a vida, porque estamosacostumados não à vida, mas a amar. [...] Euacreditaria somente num deus que soubessedançar. [...] Agora, estou leve; agora vôo;agora, vejo-me debaixo de mim mesmo;agora, um deus dança dentro de mim. Assimfalou Zaratustra. (Nietzsche, 2000, p. 66-67)

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Recebido em 23.10.06

Aprovado em 21.05.07

Silas Borges Monteiro, graduado em filosofia e doutor em Educação pela USP, é professor adjunto do Departamento deTeoria e Fundamentos da Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, atendendo aos cursos de Pedagogia e Filosofia,e também professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT.