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PAULO MENDES CAMPOS RUBEM BRAGA CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE FERNANDO SABINO 18ª edição 2ª impressão PARA GOSTAR DE LER Volume 3 editora ática crônicas Coordenação da coleção Fernando Paixão Edição de texto Jiro Takahashi Edição de arte Ary Almeida Normanha Mário Cafiero/ilustração da capa Aderbal Moura/ilustrações internas Antônio do Amaral Rocha Paulo César Pereira René Etiene Ardanuy Colaboração na seleção de textos Edson Lima Gonçalves Francisco Marto de Moura Icléa Mello Gonçalves Ilka Brunhilde Laurito Irene Uematsu José Inaldo Godoy José Luís Pieroni Rodrigues Laiz Barbosa Carvalho Sarah Ortiz Capellari Fotos Delfim Fujiwara Cromosete Rua Uhland, 307 - Vila Ema CEP: 03283-000 - São Paulo - SP Tel/Fax: 011 6104-1176 ISBN 85 08 00121 5

Para gostar de ler vol 3

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Para gostar de ler vol 3

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PAULO MENDES CAMPOS RUBEM BRAGA CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE FERNANDO SABINO

18ª edição 2ª impressão

PARA GOSTAR DE LER

Volume 3

editora ática crônicas

Coordenação da coleçãoFernando Paixão Edição de texto Jiro Takahashi Edição de arteAry Almeida NormanhaMário Cafiero/ilustração da capaAderbal Moura/ilustrações internasAntônio do Amaral RochaPaulo César PereiraRené Etiene ArdanuyColaboração na seleçãode textosEdson Lima GonçalvesFrancisco Marto de MouraIcléa Mello GonçalvesIlka Brunhilde Laurito Irene UematsuJosé Inaldo GodoyJosé Luís Pieroni RodriguesLaiz Barbosa CarvalhoSarah Ortiz CapellariFotos Delfim Fujiwara

Cromosete Rua Uhland, 307 - Vila Ema CEP: 03283-000 - São Paulo - SP Tel/Fax: 011 6104-1176

ISBN 85 08 00121 5

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2001

Todos os direitos reservados pela Editora ÁticaRua Barão de Iguape, 110-CEP 01507-900Caixa Postal 2937- CEP 01065-970São Paulo - SPTel.: 0XX 11 3346-3006 - Fax: 0XX 11 32774146Internet http://www.atica.com.bre-mail: [email protected]

PARA GOSTAR DE LER

Entrevista com os autores

São Paulo, maio 78

P.G.L.- Por que você escolheu ser escritor?

(Silvia Cordeiro Mendonça- Escola Estadual de 1.0 e 2.0 Graus Prof.Thomaz Galhardo- São Paulo)

Paulo Mendes Campos- Não escolhi. Quando dei por mim, no 1.º anoginasial, estava a escrever um romance" de aventuras. Durante anos fuipensando: eu não sou um escritor, mas gosto de escrever, e vouescrevendo. Rubem Braga- Não escolhi, aconteceu. A lei do menor esforço, comcerteza. Devo dizer que a minha carreira não é propriamente de escritor,é de jornalista. Até hoje só escrevi para a imprensa. Carlos Drummond de Andrade - Desde garoto senti inclinação pelos livrose vontade de escrever alguma coisa. Fernando Sabino- Quando eu era menino, algumas histórias que eu não mesatisfaziam: imaginava para elas outros episódios e um fim diferente.Então passei a escrever histórias como eu gostaria que elas fossem.

P.G.L.- Em que você se baseia para escrever suas histórias?

(Sandra Alves Gomes - Escola Estadual de 1.0 e 2.0 Graus Prof. ThomazGalhardo- São Paulo)

C. D. A. - Nas coisas que escrevo, nas que me contam, nas que osjornais publicam e nas que imagino. F. S.- Em casos acontecidos na vida real, comigo ou com outros, masmodificados pela imaginação. Muitas vezes as histórias, embora partindoda realidade, passam a ser aquilo que poderia ter acontecido e não o que

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realmente aconteceu. P. M. C.- Sempre nas coisas que aconteceram, dentro e fora de mim. Ascoisas mais fantasiosas também de certo modo acontecem. R.B. - nas coisas que acontecem comigo e em volta de mim. No que vem nojornal, ou se diz no rádio e na TV. No sonho, na lembrança, em nada...

P.G.L. - se não fosse escritor, o que você desejaria ser?

(César Reinaldo e Silva - Escola Estadual de 1o. e 2o. graus Prof.Thomaz Galhardo-São Paulo)

R.B. - Desenhista, pintor. É claro que acharia maravilhoso ser músico,mas isso fica tão fora de meu campo que nem chego a desejar. P. M. C.- Pesquisador, pesquisador de qualquer coisa viva: Medicina,Botânica. Tenho um gosto paciente pela procura, pela comparação, pelaclassificação, pela pequena vitória e pelo fracasso instrutivo. F. S.- Gostaria de ser músico de jazz. Pelo fato de ser uma criaçãocoletiva, à base da improvisação, o jazz sempre exerceu sobre mim umaatração especial. E o instrumento para o qual eu teria mais jeito é abateria. C. D. A.- Gostaria de ser caricaturista.

P.G.L- Como foi a Sua infância?

(Miriam Terezinha Camarotto- Escola Estadual de 1.0 Grau de Vila Izabel- Osasco)

P. M. C.- Boa: pais, irmãos, comida, escola, futebol, leituras. E meioperigosa: gostava das brincadeiras arriscadas. F. S.- Embora fazendo parte de uma familia de seis irmãos e muitounida, contando sempre com a compreensão e carinho de meus pais, o fatode eu ser o caçula fez com que na minha infância as distrações em geralfossem solitárias. R. B.- Boa, normal. Sem luxos nem necessidades, sem dengues nem rigor.Numa cidade do interior, passando as férias de verão na praia, e as de junho numa fazenda. C. D. A.- Foi a infância passada num meio entre cidade pequena efazenda, no começo do século. Tive coisas boas, ou que ficaram boas nalembrança, porque eu não soube curti-las bastante, na ocasião. Mas agoraeu curto.

P.G.L.- Na escola, você era bom aluno?

(Miriam Terezinha Camarotto- Escola Estadual de 1.0 Grau de Vila Izabel- Osasco)

F. S.- Por espirito competitivo, sempre procurei ser dos melhores daclasse, e em geral conseguia estar entre os

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primeiros. Menos em Matemática, para a qual nunca tive jeito e que porpouco não me proporcionou a única reprovaçao. R. B. - Era bem comportado, mas não muito aplicado. Distraído demais.Duas vezes precisei de fazer exames de segunda época para poder passarde ano. C. D. A.- Na escola primária, acho que dei bem o recado. Meu cursomédio foi irregular. P. M. C. - Redação: bom. Gramática: ruim. Línguas: regular. Matemática:péssimo. Ciências: muito bom. Comportamento: abaixo do sofrível.

P.G.L.-Quando você estava na escola já escrevia melhor que seuscolegas?

(Stela Narchi- Colégio Rainha da Paz- São Paulo)

R. B.- Sim. Mais de uma vez um professor desconfiou de que alguémescrevia para mim, ou que eu copiava a composição de algum livro. P.M.C. -Já. F. S.- Na escola revelei inclinação para o estudo do português e asprovas de redação. Não sei se escrevia melhor que meus colegas, masgostava de escrever histórias para o jornalzinho do colégio. C. D. A. - Não sei.

Entrevista com os escritores - 7

P.G.L.- Seus professores o ajudaram para que você se tornasse escritor?Como?

(Paulo Rogério Menna- Escola Estadual de 1,0 Grau Prof. José Liberatti -Osasco)

C. D. A.- Minhas professoras do primário ajudaram, me estimulando. R. B.- Sim, elogiando o que eu escrevia- e mesmo desconfiando que nãofosse eu. Pena que nunca tive um bom professor de literatura. F. S. - Alguns diziam que eu tinha jeito para escrever, mas nãopassavam disso. Houve um a quem dei meus contos para ler e que teve obom gosto de gúardá-los sem dizer o que achava; quando publiquei meuprimeiro livro, anos mais tarde, me disse que os contos do livro erammuito melhores do que os que ele havia lido antes. P. M. C.- No terceiro ano de ginásio, o professor Gilberto Luís deBarros escreveu no meu caderno que eu ainda seria um escritor: isso meajudou muito.

P.G.L.- Você escreve de novo, corrige muito seus trabalhos?

(Heloísa Ramalho- Colégio Rainha da Paz- São Paulo)

C. D. A.- Corrijo muito. F. S.- Para mim, o ato de escrever é muito difícil e penoso, tenhosempre de corrigir e reescrever várias vezes. Basta dizer, como exemplo,que escrevi 1100 páginas datilografadas para fazer um romance no qualaproveitei pouco mais de 300. P. M. C.- Quando escrevo sob encomenda, não Quando escrevo para mim

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mesmo, costumo ficar corrigindo dias e dias- uma curtiçao. Corrigir éestar vivo.

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R. B.- A vida inteira escrevi para a imprensa, e nunca houve muito tempopara corrigir. Mas corrigir sempre melhora. E corrigir quer dizer mudaruma palavra ou outra, e cortar muitas.

P.G.L- Você gosta de futebol? Para que time você torce?

(Armando de Souza Pinheiro Júnior- Colégio Rainha da Paz- São Paulo)

R. B.- Fui mau jogador, enquanto meu irmão Newton chegou a jogar nosegundo time do América, de Belo Horizonte, e depois no primeiro doEstrela do Norte, em Cachoeiro. Sou Flamengo. P. M. C.- Amo o futebol desde menino. Minha paixão era jogar futebol.Fui um medíocre aplicado, cheguei a quase craque. Depois de velho,voltei a jogar futebol. Sonho ainda com futebol. Ainda tenho vontade dejogar futebol. Sou bota foguense no Rio e atleticano em Minas. C. D. A.- Não entendo nada de futebol, mas tenho simpatia pelo Vasco daGama, no Rio; pelo Cruzeiro, em Belo Horizonte, e pelo Corinthians, emSão Paulo. F. S. - Gosto de futebol, pela mesma razão que gosto de jazz: porque éum ato de criação coletiva no qual entra muito de improvisação. Comotodo mineiro residente no Rio de Janeiro, sou um eterno sof redor peloBotafogo.

P.G.L.- Além de escrever, o que você gosta de fazer?

(Elza Maria Abrantes- Escola Estadual de 1.o Grau de Vila Izabel -Osasco)

F. S.- Escrever, para mim, em geral é uma obrigação, da qual tiro o meusustento. O que eu gosto mesmo é de já ter escrito. E de ler, ouvirmúsica de jazz, ficar vadiando pelo bairro onde moro e principalmente deconversar fiado com meus amigos. P. M. C.- De ler poesia e ensaio e de reler alguns romances. De comerbacalhau. De beber vinho no frio. De ver desenhos antigos. De ouvirsamba de morro. De viajar de trem e de avião. De conversar com amigos.De ficar olhando as árvores. De não fazer nada. R. B.- Viajar, pescar, ler, bater papo, ver gente bonita e inteligente,andar à toa, encontrar velhos amigos. Gosto de muita coisa. C. D. A.- Gosto de andar a pé, de comer chocolate, de folhear livrosilustrados, de cultivar meus amigos, de decifrar o jogo dos oito erros,de brincar com crianças pequenas, de desenhar (mal), de ver filmes natelevisão depois de meia-noite.

11 Confusões Assalto (C.D.A.) - 12 O homem nu (F.S.) - 15 Salvo pelo Flamengo (P.M.C.) - 18

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Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim (R.B.) - 22

25 Discussões e soluções Negócios de ocasião (F.S.) - 26 Marido e mulher (P.M.C.) - 28 Recenseamento (R.B.) - 32 Esparadrapo (C.D.A.) - 34

37 Compreensões e incompreensões O canarinho (P.M.C.) - 38 "Como se fora um coração postiço..." (R.B.) - 41 A cabra e Francisco (C.D.A.) - 44 O agrônomo suiço (F.S.) - 47

51 Ações e intenções Meu ideal seria escrever... (R.B.) - 52 A menininha e o gerente (C.D.A.) - 54 Na escuridão miserável (F.S.) - 57 Gente bpoa e gente inútil (P.M.C.) - 60

63 Solicitações Telefone (C.D.A.) - 64 Menino de cidade (P.M.C.) - 67 A minha glória literária (R.B.) - 70 Cem cruzeiros a mais (F.S.) - 73

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Confusões Assalto (C.D.A.) O homem nu (F.S.) Salvo pelo Flamengo (P.M.C.) Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim (R.B.)

Assalto Na feira, a gorda senhora protestou a altos brados contra opreço do chuchu: - Isto é um assalto! Houve um rebuliço. Os que estavam perto fugiram. Alguém,correndo, foi chamar o guarda. Um minuto depois, a rua inteira,atravancada, mas provida de admirável serviço de comunicação espontânea,sabia que se estava perpetrando um assalto ao banco. Mas que banco?Havia banco naquela rua? Evidente que sim, pois do contrário comopoderia ser assaltado? - Um assalto! Um assalto!- a senhora continuava a exclamar, equem não tinha escutado escutou, multiplicando a notícia. Aquela vozsubindo do mar de barracas

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Confusões. 13

e legumes era como a própria sirena policial, documentando, por seuuivo, a ocorrência grave, que fatalmente se estaria consumando ali, naclaridade do dia, sem que ninguém pudesse evitá-la. Moleques de carrinho corriam em todas as direções,atropelando-se uns aos outros. Queriam salvar as mercadorias quetransportavam. Não era o instinto de propriedade que os impelia.Sentiam-se responsáveis pelo transporte. E no atropelo da fuga, pacotesrasgavam-se, melancias rolavam, tomates esborrachavam-se no asfalto. Sea fruta cai no chão, já não é de ninguém; é de qualquer um, inclusive dotransportador. Em ocasiões de assalto, quem é que vai reclamar uma pencade bananas meio amassadas? - Olha o assalto! Tem um assalto ali adiante! O ônibus na rua transversal parou para assuntar. Passageirosergueram-se, puseram o nariz para fora. Não se via nada. O motoristadesceu, desceu o trocador, um passageiro advertiu: - No que você vai a fim de ver o assalto, eles assaltam suacaixa. Ele nem escutou. Então os passageiros também acharam de bomalvitre abandonar o veículo, na ânsia de saber, que vem movendo o homem,desde a idade da pedra até a idade do módulo lunar. Outros ônibus pararam, a rua entupiu. - Melhor. Todas as ruas estão bloqueadas. Assim eles não podemdar no pé. - É uma mulher que chefia o bando! - Já sei. A tal dondoca loura. - A loura assalta em São Paulo. Aqui é a morena. - Uma gorda. Está de metralhadora. Eu vi. - Minha Nossa Senhora, o mundo está virado! - Vai ver que está caçando é marido. Não brinca numa hora dessas. Olha aí sangue escorrendo!

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- Sangue nada, tomate. Na confusão, circularam notícias diversas. O assalto fora a umajoalheria, as vitrinas tinham sido esmigalhadas a bala. E havia jóiaspelo chão, braceletes, relógios. O que os bandidos não levaram, napressa, era agora objeto de saque popular. Morreram no mínimo duaspessoas, e três estavam gravemente feridas. Barracas derrubadas assinalavam o ímpeto da convulsão coletiva.Era preciso abrir caminho a todo custo. No rumo do assalto, para ver, eno rumo contrário, para escapar. Os grupos divergentes chocavam-se, e àsvezes trocavam de direção: quem fugia dava marcha à ré, quem queriaespiar era arrastado pela massa oposta. Os edifícios de apartamentostinham fechado suas portas, logo que o primeiro foi invadido por pessoasque pretendiam, ao mesmo tempo, salvar o pêlo e contemplar lá de cima.Janelas e balcões apinhados de moradores, que gritavam: - Pega! Pega! Correu pra lá! - Olha ela ali! - Eles entraram na kombi ali adiante! - É um mascarado! Não, são dois mascarados! Ouviu-se nitidamente o pipocar de uma metralhadora, a pequenadistância. Foi um deitar-no-chão geral, e como não havia espaço, unscaíam por cima de outros. Cessou o ruído. Voltou. Que assalto era esse,

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dilatado no tempo, repetido, confuso? - Olha o diabo daquele escurinho tocando matraca! E a gente comdor-de-barriga, pensando que era metralhadora! Caíram em cima do garoto, que soverteu na multidão. A senhoragorda apareceu, muito vermelha, protestando sempre: - É um assalto! Chuchu por aquele preço é um verdadeiro assalto! (C.D.A.)

Confusões-15

O homem nu Ao acordar, disse para a mulher: - Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação datelevisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece queontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum. - Explique isso ao homem- ponderou a mulher. - Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto decumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier agente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que nãotem ninguém. Deixa ele bater até cansar- amanhã eu pago. Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiropara tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquantoesperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta deserviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou comcautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passosaté o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito.Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos,porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo,impulsionada pelo vento. Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois detocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentroo ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veioabrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão.Bateu com o nó dos dedos:

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- Maria! Abre aí, Maria. Sou eu- chamou, em voz baixa. Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro. Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se,viu o ponteiro subir lentamente os andares. Desta vez, era o homem datelevisão! Não era. Refugiado no lanço de escada entre os andares, esperouque o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento,sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão: - Maria, por favor! Sou eu! Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada,lentos, regulares, vindos lá de baixo.. . Tomado de pânico, olhou aoredor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, pareciaexecutar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada seaproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertouo botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava,vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou

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aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão. Mas eis que aporta interna do elevador se fecha e ele começa a descer. - Ah, isso é que não!- fez o homem nu, sobressaltado. E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e dariacom ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido...Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longede seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka,instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime doTerror. - Isso é que não- repetiu, furioso. Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre osandares, obrigando-o a parar. Respirou fundo,

Confusões - 17

fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depoisexperimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam achamar o elevador. Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. Eagora? Iria subir ou descer? Com cautela desligou a parada deemergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir.O elevador subiu. - Maria! Abre esta porta!- gritava, desta vez esmurrando aporta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás desi. Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentandoinutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamentovizinho: - Bom-dia, minha senhora- disse ele, confuso. - Imagine queeu... A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou umgrito: - Valha-me Deus! O padeiro está nu! E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha: - Tem um homem pelado aqui na porta! Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que sepassava: - É um tarado! - Olha, que horror! - Não olha não! Já pra dentro, minha filha! Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver oque era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, semnem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma láfora, bateram na porta. - Deve ser a polícia- disse ele, ainda ofegante, indo abrir. Não era: era o cobrador da televisão.

(F. S.)

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Salvo pelo Flamengo Desde garotinho que não sou flamengo, mas tenho pelo clube daGávea uma dívida séria, que torno pública neste escrito. Em 1956, passei

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uma semana em Estocolmo, hospedado em um hotel chamado Aston. Eraprimavera, pelo menos teoricamente, havia um congresso internacional nacidade, os hotéis estavam lotados, criando contratempos para turistas dointerior ou estrangeiros. A recepção do Aston, por exemplo, vivia semprecheia de gente implo-

Confusões. 19

rando por um quarto ou discutindo a respeito de uma reserva feita portelegrama ou telefone. Estava há dois ou três dias na cidade, quando me pediram parareceber um brasileiro e encaminhá-lo ao hotel, onde lhe fora reservadode fato um apartamento. Era uma hora da madrugada quando entramos nohotel e me encaminhei até o empregado do balcão, dando-lhe o nome do meuamigo e lembrando-lhe a reserva. O funcionário, homem de uns sessentaanos e de uma honesta cara escandinava, tomou uma atitude estranha edifusa, que a princípio me surpreendeu e ia acabando por me indignar:ele não confirmava a existência da reserva, nem deixava de confirmar.Como começasse a protestar, vi que seu rosto tomava uma expressãoaflita; eu entendendo cada vez menos. Quando passei a exigir oapartamento com alguma energia, o homem, trêmulo, nervoso, pediu-medesculpas e trouxe afinal a ficha de identificação. Foi aí que vilevantar-se da penumbra de uma saleta contígua o gigante. Se o leitor conhece um homem forte, mas muito forte mesmo,imagine uma pessoa duas vezes mais forte, e terá uma vaga idéia dessegigante que veio andando até nós, botando ódio pelos olhos eespetacularmente bêbado. O monstro passou por mim com desprezo e,agarrando o empregado pela gola do uniforme, entrou a sacudi-lo e in-sultá-lo em sueco. Às vezes, éramos arrolados nessa invectiva, pois ogigante nos apontava enquanto dizia coisas. O empregado, demonstrandopossuir um bom instinto de conservação, deixava-se sacolejar à vontade.Rosnando assustadoramente, o ciclope foi sentar-se de novo na saleta,onde só então dei pela presença de outro sujeito, também bêbado, massinistramente silencioso. É hoje, pensei. Sair do meu Brasilzinho tão bom, fazer umaviagem imensa, para ser trucidado sem explicação por um bêbado. O fatode ser na Suécia, onde arbitrários atos

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de violência não são comuns, ainda tornava mais absurdo, um absurdoexistencialista, o meu triste fim. Indaguei do empregado o que se passava. Ficou mudo. Insisti napergunta, e ele, sussurrando desamparadamente, explicou-me que o giganteestava a pensar: primeiro, que não conseguira vaga no hotel por sersueco e estar embriagado; segundo, que nós conseguíramos por seramericanos, norte-americanos. Ora, se meu amigo de fato era meio ruivo,seu jeitão era mineiro; quanto a mim, se fosse americano, só poderia serfilho de portugueses. Por outro lado, o meu inglês amarrado não deixavaa menor dúvida sobre a questão de ser ou não ser americano. Só mesmo umsueco bêbado em uma madrugada de neve e vento iria supor que fôssemosamericanos. Mas agora era o próprio gigante que bradava para nós comsarcasmo e ira: - American! American! Fiquei um pouco mais esperançoso, acreditando que ele falasseinglês, e disse-lhe, exagerando minha alegria e meu orgulho por isso,que não éramos americanos coisa nenhuma, éramos brasileiros.

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Não entendeu ou talvez pensou que estivéssemos covardemente arenegar a nossa pátria, voltando a vociferar, em um esforço lingüísticoque contraía todos os músculos de seu rosto: - American! Dollar! Nolike! As palavras em si significavam pouco, mas a maneira deexprimi-las era de uma eloqüência que teria destruído Catilina muitomais depressa que os discursos de Cícero. Durante alguns minutosmantivemos os dois uma polêmica oratória nestes termos: - American! - No, brazilian! - American! - Brazilian!

Confusões - 21

Essa versátil discussão ia levar-me ao abismo, quando de súbitome pareceu que a palavra "brazilian" havia penetrado por fim em suatesta granítica. Descontraindo os músculos, o gigante me perguntou: -Brazil?! No american? Brazil? Não tinha certeza se ele estava me gozando, mas sua expressãoera tão estranhamente deslumbrada e infantil, que afirmei cheio deentusiasmo:- Yes, Brazil! Ele se levantou, cambaleou, aproximou-se, apontou meu amigo: -Brazil?- Brazii, Brazil. Veio chegando, sorrindo, em pleno estado de graça, e gritou comalma, como se saudasse o nascimento de um mundo novo: - Flamengo!!Flamengo!! Imediatamente, o gigante entrou em transe e começou a fazerproblemáticas firulas com uma bola imaginária, mas dando a entendercabalmente o quanto ele admirava (admirava é pouco: o quanto ele amava)o malabarismo dos nossos jogadores. O gigante se desencantara, virandomenino. A certa altura, depois de fazer um passe de letra, parou econfessou-me com um orgulho caloroso: - 1 Flamengo! 1 Rubens! Ele não era sueco, não era gigante, não era bêbado, não era umex-campeão de hóquei (conforme soube depois), era Flamengo, era Rubens.Depois cutucou-me o peito, tomado de perigosa dúvida: - You! Flamengo? Que o Botafogo me perdoe, mas era um caso de vida ou de morte, etambém gritei descaradamente:- Flamengo! Yes! Flamengo! The greatestone!

(P. M. C.)

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Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim Conhece o vocábulo escardichar? Qual o feminino de cupim? Qual oantônimo de póstumo? Como se chama o natural do Cairo? O leitor que responder "não sei" a todas estas perguntas nãopassará provavelmente em nenhuma prova de Português de nenhum concursooficial. Mas, se isso pode

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Confusões . 23

servir de algum consolo à sua ignorância, receberá um abraço defelicitações deste modesto cronista, seu semelhante e seu irmão. Porque a verdade é que eu também não sei. Você dirá, meu caroprofessor de Português, que eu não deveria confessar isso; que é umavergonha para mim, que vivo de escrever, não conhecer o meu instrumentode trabalho, que é a língua. Concordo. Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoastocam piano de ouvido. De vez em quando um leitor culto se irrita comigoe me manda um recorte de crônica anotado, apontando erros de Português.Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me porque nãoencontrara, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português;acrescentava que eu produzira uma "pagina de bom vernáculo, exemplar".Tive vontade de responder: "Mera coincidência"- mas não o fiz para nãoentristecer o homem. Espero que uma velhice tranqüila- no hospital ou na cadeia, comseus longos ócios- me permita um dia estudar com toda calma a nossalíngua, e me penitenciar dos abusos que tenho praticado contra a suapulcritude. (Sabem qual o superlativo de pulcro? Isto eu sei por acaso:pulquérrimo! Mas não é desanimador saber uma coisa dessas? Que meaconteceria se eu dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eupoderia me queixar se o seu marido me descesse a mão?) Alguém já me escreveu também - que eu sou um escoteiro aocontrário. "Cada dia você parece que temde praticar a sua má ação -contra a língua." Mas acho que iSSo é exagero. Como também é exagero saber o que quer dizer escardichar. Jáestou mais perto dos cinqüenta que dos qua-

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renta; vivo de meu trabalho quase sempre honrado, gozo de boa saúde eestou até gordo demais, pensando em meter um regime no organismo - enunca soube o que fosse escardichar. Espero que nunca, na minha vida,tenha escardichado ninguém; se o fiz, mereço desculpas, pois nunca tiveessa intenção. Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono, masnão o feminino de cupim. Morrerei sem saber isso. E o pior é que nãoquero saber; nego-me terminantemente a saber, e, se o senhor é um dessescavalheiros que sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade de nãome cumprimentar. Por que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargospúblicos? Por que fazer do estudo da língua portuguesa uma série dealçapões e adivinhas, como essas histórias que uma pessoa conta para"pegar" as outras? O habitante do Cairo pode ser cairense, cairei,caireta, cairota ou cairiri- e a única utilidade de saber qual a palavracerta será para decifrar um problema de palavras cruzadas. Vocês nãoacham que nossos funcionários públicos já gastam uma parte excessiva doexpediente matando palavras cruzadas? No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a línguaportuguesa odiosa; não alguma coisa através da qual as pessoas seentendam, mas um instrumento de suplício e de opressão que ele,gramático, aplica sobre nós, os ignaros. Mas a mim é que não me escardicham assim, sem mais nem menos:não sou fêmea de cupim nem antônimo do póstumo nenhum; e soucachoeirense, de Cachoeiro, honradamente- de Cachoeiro de Itapemirim!

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(R. B.)

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Discussões e soluções Negócios de ocasião (F.S.) Marido e mulher (P.M.C.) Recenseamento (R.B.) Esparadrapo (C.D.A.)

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Negócio de ocasião Quando mandou colocar mármore no chão de seu apartamento, ovizinho de baixo veio reclamar: às oito horas da manhã os operárioscomeçavam a quebrar mármore mesmo em cima de sua cabeça. Durma-se com umbarulho desses! - Está bem, está bem- concordou ele, acalmando o vizinho:- Voumandar começar mais tarde. Mandou que os operários só começassem a trabalhar a partir dasnove horas. Dois dias depois tornava o vizinho: - Assim não é possível. Já reclamei, o senhor prometeu, e obarulho continua! - Mas é só por uns dias- argumentou ele:- O senhor vai terpaciência... E mandou que os trabalhos só se iniciassem a partir de dezhoras. Com isso pensava haver contentado o vizinho. Para surpresa sua,todavia, o homem voltou ainda para protestar e desta vez furibundo,armado de revólver: - Ou o senhor pára com esse barulho ou eu faço um estrago louco. Olhou espantado para a arma e, cordato, convidou-o a entrar:

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- Não precisa se exaltar, que diabo. Vamos resolver a coisa comogente civilizada. Eu disse que era só por uns dias... Se o senhor quiserque eu pare, eu paro. Cuidado com esse negócio, costuma disparar. Qual éo calibre? - Trinta e dois. - Prefiro trinta e oito. Mas esse parece ser muito bom... Quemarca?

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- Smith-Wesson. - Ah! Então deve ser muito bom. Cabo de madrepérola.. . Quanto osenhor pagou por ele? - Cinqüenta. - Não foi caro. Sempre tive vontade de ter um revólver desses.Quem sabe o senhor me venderia? - Não vim aqui para vender revólver- explodiu o outro - mas paralhe avisar que esse barulho... - Não haverá mais barulho, esteja tranqüilo. Agora, quanto aorevólver... Quer vender? - O senhor está brincando... - Não estou não: pela vida de minha mãezinha. Quer saber de umacoisa? Dou cem por ele. Sempre tive vontade. . . Vamos, aceite! Cem, alina bucha, pago na hora. O homem começou a titubear. Olhou o revólver, pensativo: cem eraum bom preço. Já pensara mesmo em vendê-lo... Olhou o dono da casa,tornou a olhar o revólver: - Toma: é seu- decidiu-se. Antes de entrar na posse da arma, o comprador foi lá dentrobuscar o dinheiro e estendeu-o ao vizinho. Depois empunhou o revólver echegou-lhe aos peitos: - Bem, agora ponha-se daqui para fora. E fique sabendo que eufaço o barulho que quiser e quando quiser, entendeu? Venha aqui outravez reclamar e vai ver quem é que acaba fazendo um estrago louco.

(F.S.)

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Marido e mulher - Arnaldo, você é o fino: aqui em casa não tem uma gota d'águahá cinco dias e você está uma pilha. Acho perfeitamente normal, meu bem,que você estej a nervoso. . Mas você está com raiva é de mim, você estáagindo como se fosse eu a responsável pelo fato de não ter água no Riode Janeiro.

Discussões e Soluções - 29

- Teresa, vou ser franco com você: você é a responsável pelofato de não ter água no Rio de Janeiro, tá bem? - Não morei na piada. - Não tem piada nenhuma. Estou falando português claro: você é aculpada pela falta d'água aqui em casa. - Essa, não! - Mas é claro que você é a culpada: toda mulher é culpada quandofalta água em casa. - Essa é a maior! - Pois fique sabendo dum princípio banal: a mulher é aresponsável pelas coisas que acontecem dentro de casa. Ela é asecretária administrativa, a gerente do lar! - Mas o caso é que a água não acontece dentro de casa: a água

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vem lá de fora dentro dum cano. tá? - Teresa: quando um marido chega e as torneiras estão secas, aculpa é exclusivamente da mulher. Você não tenha sobre isso a menordúvida. - Mas isso é uma injustiça que clama aos céus: o que que euposso fazer? - Não sei: o problema é seu. - Você hoje está muito engraçadinho. - Escute, minha filha: a humanidade é dividida em homens emulheres, é ou não é? Tanto numa tribo do Araguaia como no Rio, oshomens cuidam dumas tantas coisas, as mulheres de outras. Na civilizaçãocristã, a mulher toma conta da casa, o homem em geral trabalha fora.Estou certo ou errado? Logo... - Mas espera ai... - Logo, as mulheres são as responsáveis pela falta d'água. - Francamente, você como sociólogo não fazia nem para o café.Que culpa tenho eu, a pobre Teresa, pelo fato dos prefeitos do Rio terempoliticado o tempo todo? - Que culpa? Uma parte da culpa, claro. - Que parte?

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- A parte que afeta a vida de casa. Os homens têm a outra parte.Morou? Falta d'água: culpa das mulheres; bagunça dos transportes: culpados homens. - Estou começando a entender seu ponto de vista. - Não é ponto de vista nenhum: é um fato trivial. - Só não admito que as mulheres sejam culpadas pela faltad'água. Eu não entendo de água! Como é que eu, tomando conta de casa odia inteiro, vou saber se o Governo fez ou não fez a adutora do Sandu? - Do Guandu... Já disse que o problema é seu. Por que você nãosaiu em praça pública, não protestou, não botou fogo na Prefeitura ou noprefeito? O que você devia ter feito eu não sei. - Venha cá: não seria mais lógico que os homens ficassemencarregados dessa parte do abastecimento d'água? O que eu não meconformo é com a água... - Seria se os homens é que ficassem em casa. Aliás, nisso vocêtem inteira razão: sempre achei que os homens deviam tomar conta de casae que as mulheres deveriam sair para trabalhar. Perfeito. - Eu não estou dizendo isto... - Mas eu estou. Não estou brincando, não. A mulher tem muitomais capacidade de trabalhar do que o homem. Sempre admirei a ordem e aeficiência com que trabalham. Mulher exatamente só não tem vocação épara tomar conta de casa. São umas caóticas totais. Você vê um homem noescritório ou na repartição: trabalha chateado, reclamando, esquece ascoisas, confunde tudo. E vê a mulher: mulher trabalha de bom humor!Agora, voce quer ver um homem feliz: manda, por exemplo, ele organizarum almoço. Como é que ele faz tudo direitinho, muito satisfeito, não seesquece de nada, sai tudo uma beleza! Olhe aqui: um homem dentro dumacozinha é a imagem da felicidade! Mas a mulher vai para a cozinha comose fosse para o inferno.

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- Você está ficando biruta. - Biruta é a minha querida sogra. Estou dizendo uma coisa

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simples, uma coisa que a gente pode ver a toda hora. Primeiro: mulher serealiza no emprego; o homem uiva para ganhar a vida. Segundo: o homem éum frustrado porque gosta e tem jeito para cuidar de casa; mulher nãosabe cuidar de casa, mulher detesta cuidar de casa! Isso ninguém me tirada cabeça. - Pois para mim esta sua idéia é novidade. - Novidade ou não, é a pura verdade. Você já olhou bem a caradum homem quando ele lá um dia resolve encerar a casa? É uma cara deabsoluta plenitude. E como os homens enceram bem! Agora, você reparou nacara duma mulher que vai trocar uma lâmpada? É a cara da vítima! A carado casamento fracassado! Ela destorce a lâmpada queimada como seestivesse na cadeira elétrica! - Ah, não, meu filho, isso é porque mulher tem medo de choque. - Pois é: medo de choque... Mulher tem medo de choque mesmo coma eletricidade desligada... Não, minha filha, as coisas estão erradas,mas um ponto é indiscutível: o homem é um animal doméstico e a mulher éum animal social; o homem gostaria de organizar a casa e a mulhergostaria de organizar as coisas públicas; trabalho em casa devia serpara os homens; trabalho fora, para as mulheres. É claro. - Queria ver você lavando as fraldas do Antônio Henrique... - Lavaria, por que não? Lavar fralda é uma coisa chata paraqualquer sexo, é um ônus... Mas isso não tem nada a ver com a história. - Eu ficaria convencida se você fosse lá dentro e me preparasseuma laranjada bem geladinha, com pouco açúcar. - Com o maior prazer!

(P. M. C.)

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Recenseamento São Paulo vai se recensear. O governo quer saber quantas pessoasgoverna. A indagação atingirá a fauna e a flora domesticadas. Bois,mulheres e algodoeiros serão reduzidos a números e invertidos emestatísticas. O homem do censo entrará pelos bangalôs, pelas pensões, pelascasas de barro e de cimento armado, pelo sobradinho e pelo apartamento,pelo cortiço e pelo hotel, perguntando: - Quantos são aqui? Pergunta triste, de resto. Um homem dirá: - Aqui havia mulheres e criancinhas. Agora, felizmente, só hápulgas e ratos. E outro: - Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio, esta sogra ealgumas baratas. Tome nota de seus nomes, se quiser. Querendo levartodos, é favor. E outro: - Eu? Tinha um amigo e um cachorro. O amigo se foi, levandominhas gravatas e deixando a conta da lavadeira. O cachorro está aí,chama-se Lord, tem três anos e meio e morde como um funcionário público.

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E outro: - Oh! sede bem-vindo. Aqui somos eu e ela, só nós dois. Mas nósdois somos apenas um. Breve, seremos três. Oh! E outro: - Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê. Masela está aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de meu quarto e demeu peito! E outro: - Aqui moro eu. Quer saber o meu nome? Procure uma senhoritaloura que mora na terceira casa da segunda esquina, à direita. O meunome está escrito na palma de sua mão. E outro: - Hoje não é possível, não há dinheiro nenhum. Volte amanhã.Hein? Ah, o sr. é do recenseamento? Uff! Quantos somos? Somos vinte,somos mil. Tenho oito filhos e cinco filhas. Total: quinze pestes. Mastodos os parentes de minha mulher se instalaram aqui. Meu nome? Ahn...João Lourenço, seu criado. Jesus Cristo João Lourenço. A minha idade?Oh! pergunte à minha filha, pergunte. É aquela jovem sirigaita que estádando murros naquele piano. Ontem quis ir não sei onde com um patife queela chama de "meu pequeno". Não deixei, está claro. Ela disse que eu souda idade da pedra lascada. Escreva isso, cavalheiro, escreva. Nome: JoãoLourenço; profissão: idiota; idade: da pedra lascada. Está satisfeito?Não, não faça caretas, cavalheiro. Creia que eu o aprecio muito. O sr.pelo menos não é parente da mulher. Isso é uma grande qualidade,cavalheiro! É a virtude que eu mais admiro! O sr. é divino, cavalheiro,o sr. é meu amigo íntimo desde já, para a vida e para a morte! (R . B.)

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Esparadrapo Aquele restaurante de bairro é do tipo simpatia/classe média.Fica em rua sossegada, é pequeno, limpo, cores repousantes, comidarazoável, preços idem, não tem música de triturar os ouvidos. O donosenta-se à mesa da gente, para bater um papo leve, sem intimidades. Meu relógio parou. Pergunto-lhe quantas horas são. - Estou sem relógio. - Então vou perguntar ao garçom. Ele também está sem relógio. - E o colega dele, que serve aquela mesa? - Ninguém está com relógio nesta casa. - Curioso. É moda nova? - Antes de responder, e se o senhor permite, vou lhe fazer, nãopropriamente um pedido, mas uma sugestão.

Discussões e Soluções . 35

- Pois não. - Não precisa trazer relógio, quando vier jantar. - Não entendo. - Estamos sugerindo aos nossos fregueses que façam este pequenosacrifício.

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- Mas o senhor podia explicar... - Sem querer meter o nariz no que não é da minha conta, gostariatambém que trouxesse pouco dinheiro, ou antes, nenhum. - Agora é que não estou pegando mesmo nada. - Coma o que quiser, depois mandamos receber em sua casa. - Bem, eu moro ali adiante, mas e outros, os que nem se sabeonde moram, ou estão de passagem na cidade? - Dá-se um jeito. - Quer dizer que nem relógio nem dinheiro? - Nem jóias. Estamos pedindo às senhoras que nao venham de jóia.É o mais difícil, mas algumas estão atendendo. - Hum, agora já sei. - Pois é. Isso mesmo. O amigo compreende... - Compreendo perfeitamente. Desculpa ter custado um pouco aentrar na jogada. Sou meio obtuso quando estou com fome. - Absolutamente. Até que o amigo compreendeu sem que euprecisasse dizer tudo. Muito bem. - Mas me diga uma coisa. Quando foi isso? - Quarta-feira passada. - E como foi, pode-se saber? - Como podia ser? Como nos outros lugares, no mesmo figurino. Sóque em ponto menor. - Lógico, sua casa é pequena. Mas levaram o quê? - O que havia na caixa, pouquinha coisa. Eram 9 da noite, diameio parado.

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- Que mais? - Umas coisinhas, liquidificador, relógio de pulso, meu, dosempregados e dos fregueses. - An. (Passei a mão no pulso, instintivamente.) - O pior foi o cofre. - Abriram o cofre? - Reviraram tudo, à procura do cofre. Ameaçaram, pintaram ebordaram. Foi muito desagradável. - E afinal? - Cansei de explicar a eles que não havia cofre, nunca houve,como é que eu podia inventar cofre naquela hora? - Ficaram decepcionados, imagino. - Não senhor. Disseram que tinha de haver cofre. Eram cinco,inclusive a moça de bota e revólver, querendo me convencer que tinhacofre escondido na parede, no teto, embaixo do piso, sei lá. - E o resultado? - Este- e baixou a cabeça, onde, no cocuruto, alvejava a estrelade esparadrapo. - Oh! Sinto muito. Não tinha notado. Felizmente escapou, é o quevale. Dê graças a Deus por estar vivo. - Já sei. Sabe que mais? Na polícia me perguntaram se eu tinhaseguro contra roubo. E eu pensando que meu seguro fosse a polícia. Agoraestou me segurando à minha maneira, deixando as coisas lá em casa econvidando os fregueses a fazer o mesmo. E vou comprar um cofre. Cofrepequeno, mas cofre. - Para que, se não vai guardar dinheiro nele? - Para mostrar minha boa-fé, se eles voltarem. Abroimediatamente o cofre, e verão que não estou escondendo nada. Que lheparece?

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- Que talvez o senhor precise manter um estoque de esparadrapoem seu restaurante. (C. D. A.)

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Compreensões e incompreensões O canarinho (P.M.C.) "Como se fora um coração postiço..." (R.B.) A cabra e Francisco (C.D.A.) O agrônomo suiço (F.S.)

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O canarinho Atacado de senso de responsabilidade num momento de descrença desi mesmo, Rubem Braga liquidou entre amigoS, há um ano, a suapassarinhada. Às crianças aqui de casa tocaram um bicudo e um canário. Oprimeiro não agüentou a crise da puberdadC morrendo logo uns diasdepois. O menino se consolou, forjando a teoria da imortalidade dospassarinhoS: não morrera, afirmou-nos, com um fanatismo que impunharespeito ou piedade, apenas a sua alma voara para Pirapora, de ondeviera. O garoto

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ficou firme, com a sua fé. A menina manteve a possessão do canário,desses comuns, chamados chapinha ou da-terra, e que mais cantam por boavontade que vocação. Não importa, conseguiu depressa um lugar em nossaafeição, que o tratávamos com alpiste, vitaminas e folhas de alface,procurando ainda arranjar-lhe um recanto mais cálido neste apartamentobatido por umas raras réstias de sol, pois é quase de todo virado para oSul. Era um canário ordinário, nunca lera Bilac, e parecia feliz emsua gaiola. Nós o amávamos desse amor vagaroso e distraído com queenquadramos um bichinho em nossa órbita afetiva. Creio mesmo que se amacom mais força um animal sem raça, um pássaro comum, um cachorrovira-lata, o gato popular que anda pelos telhados. Com os animais deraça, há uma afetação que envenena um pouco o sentimento; com os bichoscomuns, pelo contrário, o afeto é de uma gratuidade que nos faz bem. Aos poucos surpreendi a mim, que nunca fui de bichos, e na

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infância não os tive, a programá-lo em minhas preocupações. Verificava oseu pequeno cocho de alpiste, renovava-lhe a água fresca, telefonava darua quando chovia, meio encabulado perante mim mesmo com essasentimentalidade serôdia, mas que havia de fazer! Como nas fábulas infantis, um dia chegou o inverno, um invernocarioca, é verdade, perfeitamente suportável. Entretanto, como já disse,a posição do edifício não deixa o sol bater aqui, principalmente nestaépoca do ano. É a gente ficar algumas horas dentro de casa e sentir logouma saudade física dos raios solares. Que seria então do canarinho,relegado agora à área, onde pelo menos ficava ao abrigo da viraçãomarinha. Às vezes, quando sinto frio, vou à esquina, compro um jornal eo leio ali mesmo, ao sol, ao mesmo tempo que compreendo o mistério e ainquietação dos escandinavos, mergulhados em friagens e brumas duranteuma boa temporada de suas vidas.

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E o canarinho, pois? Levá-Lo comigo dentro da gaiola, isso não,eu não tinha coragem. Não devo ter reputação de muito sensato, e lá seiria (como diz Mário Quintana) o resto do prestígio que no meu bairro euinda possa ter. Assim, vendo o passarinho encorujado a um canto,decidimos doá-lo a um amigo comum, nosso e dos passarinhos, dono de umsítio. A comunicação foi feita às crianças depois do café. Pareciamestar de acordo, mas o menino, sem dar um pio, dirigiu-se até a área esoltou o canarinho. A empregada viu e veio contar-nos. Mas, cadê o menino? Voado? Foi um susto que demorou algunsminutos, pois não o achávamos em seus esconderijos habituais, enroladona cortina, debaixo da cama, atrás da porta. Restava um armário muitoestreito a ser investigado, e lá estava ele, quieto e encolhido noescuro como no útero materno, com uma cara de expressão tão dividida,que o choro da menina se desfez em uma gargalhada cheia de lágrimas. O canário também tinha sumido e, embôra fosse quase certa a suaimpossibilidade de ganhar a vida por conta própria, melhor assim, nãovoltasse nunca mais. Mas voltou. Na hora do almoço, a empregada veio dizer-nos queele estava na janela do edifício que se constrói ao lado, muito triste.É verdade. Lá está o canarinho, sem saber de onde veio, sem saber aondeir, sem saber ao certo se gostamos dele, triste, arrepiado e com fome.Um ponto amarelo no paredão esbranquiçado, lá está o nossocanário-da-terra, a doer em nossos olhos. Vai-te embora, canarinho, que não te quero mais. Mas ele fica,brincando de corvo, dizendo never more. Este refrão (never more) medeixa meio esquisito. Estou triste. Todo mundo aqui de casa está triste,ridiculamente triste, nesta manhã luminosa de junho. (P. M. C.)

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Como se fora um coração postiço... Nasceu, na doce Budapest, um menino com o coração fora do peito.Porém- diz um dr. Mereje- não foi o primeiro. Em São Paulo, há 7 anos,

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nasceu também uma criança assim. "Tinha o coração fora do peito, como sefora um coração postiço." Como se fora um coração postiço. . . O menino paulista viveuquatro horas. Vamos supor que tenha nascido às cinco horas. Cinco horas!Um meu amigo, por nome Carlos, diria: a hora em que os bares se fecham etodas as virtudes se negam. . Madrugada paulistana. Boceja na rua o último cidadão que passoua noite inteira fazendo esforço para ser boêmio. Há uma esperança debonde em todos os postes. Os sinais das esquinas - vermelhos, amarelos,verdes

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- verdes, amarelos, vermelhos- borram o ar de amarelo, de verde, devermelho. Olhos inquietos da madrugada. Frio. Um homem qualquer, paradopor acaso no Viaduto do Chá, contempla lá embaixo umas pobres árvoresque ninguém nunca jamais contemplou. Humildes pés de manacá, lá embaixo.Pouquinhas flores roxas e brancas. Humildes manacás, em fila, pequenos,tristes, artificiais. As esquinas piscam. O olho vermelho do sinalsonolento, tonto na cerração, pede um poema que ninguém faz. Apitos lálonge. Passam homens de cara lavada, pobres com embrulhos de jornaisdebaixo do braço. Esta velha mulher que vai andando pensa em outrasmadrugadas. Nasceu, em uma casa distante, em um subúrbio adormecido, ummenino com o coração fora do peito. Ainda é noite dentro do quartofechado, abafado, com a lâmpada acesa, gente suada. Menino do coraçãofora do peito, você devia vir cá fora receber o beijo da madrugada.Vamos andar pelas praças desertas, onde as estátuas molhadas cabeceiamde sono. Menino do coração fora do peito, os primeiros bondes estrondam.Vamos ouvir de perto esses barulhos da madrugada. 6 horas. O coração fora do peito bate docemente. 7 horas - ocoração bate... 8 horas- que sol claro, que barulho na rua!- o coraçãobate... 9 horas- morreu o menino do coração fora do peito. Fez bemmorrer, menino. O dr. Mereje resmunga: "Filho de pais alcoólatras esifilíticos. . ." Deixe falar o dr. Mereje. Ele é um médico, você é omenino do coração fora do peito. Está morto. Os "pais alcoólatras esifilíticos" fazem o enterro banal do anjinho suburbano. Mas que anjinhoengraçado!- diz Nossa Senhora da Penha. O anjinho está no céu. Está nolimbo, com o coração fora do peito. Os outros anjinhos olham espantados.O que é isso, "seu paulista? Mas o menino do coração fora do peito estáse rindo. Não responde nada. Podia contar a

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sua história: "o dr. Mereje disse que. . ."- mas não conta. Está rindo,mas está triste. Os anjinhos todos querem saber. " Então o menino diz: - Ora, pinhões! Eu nasci com o coração fora do peito. Queria queele batesse ao ar livre, ao sol, à chuva. Queria que ele batesse livre,bem na vista de toda a gente, dos homens, das moças. Queria que elevivesse à luz, ao vênto, que batesse a descoberto, fora da prisão, daescuridão do peito. Que batesse como uma rosa que o vento balança... Os anjinhos todos do limbo perguntaram: - Mas então, paulistinha do coração fora do peito, pra que é quevocê foi morrer? O anjinho respondeu: - Eu vi que não tinha jeito. Lá embaixo todo mundo carrega ocoração dentro do peito. Bem escondido, no escuro, com paletó, colete,

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camisa, pele, ossos, carne cobrindo. O coração trabalha sem ninguém ver.Se ele ficar fora do peito é logo ferido e morto, não tem defesa. Os anjinhos todos do limbo estavam com os olhos espantados. Opaulistinha foi falando: - E às vezes, minha gente, tem paletó, colete, camisa, pele,ossos, carne, e no fim disso tudo, lá no fundo do peito, no escuro, nãotem nada, não tem coração nenhum... E quando eu nasci, o dr. Merejeolhou meu coração livre, batendo, feito uma rosa que balança ao vento, edisse, sem saber o que dizia: "parece um coração postiço". Os homenstodos, minha gente, são assim como o dr. Mereje. Os anjinhos estavam cada vez mais espantados. Pouco depoiscomeçaram a brincar de bandido e mocinho de cinema, e aí, foi, acabou ahistória. Porém o menino estava aborrecido, foi dormir. Até agora, eleestá dormindo. Deixa o anjinho dormir sono sossegado, dr. Mereje!

(R.B.)

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A cabra e Francisco Madrugada. O hospital, como o Rio de Janeiro, dorme. O porteirovê diante de si uma cabrinha malhada, pensa que está sonhando. - Bom palpite. Veio mesmo na hora. Ando com tanta prestaçãoatrasada, meu Deus. A cabra olha-o fixamente. - Está bem, filhinha. Agora pode ir passear. Depois você volta,sim? Ela não se mexe, séria. - Vai, cabrinha, vai. Seja camarada. Preciso sonhar outrascoisas. É a única hora em que sou dono de tudo, entende?

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O animal chega-se mais para perto dele, roça-lhe o braço.Sentindo-lhe o cheiro, o homem percebe que é de verdade, e recua. - Essa não! Que é que você veio fazer aqui, criatura? Dê o fora,vamos. Repele-a com jeito manso, porém a cabra não se mexe, encarando-osempre. - Aiaiai! Bonito. Desculpe, mas a senhora tem de sair comurgência, isto aqui é um estabelecimento público. (Achando poucosatisfatória a razão.) Bem, se é público devia ser para todos, mas vocêcompreende.. . (Empurra-a docemente para fora, e volta à cadeira.) - Oquê? Voltou? Mas isso é hora de me visitar, filha? Está sem sono? Que éque há? Gosto muito de criação, mas aqui no hospital, antes do diaclarear... (Acaricia-lhe o pescoço.) Que é isso! Você está molhada? Essacoisa pegajosa... O que: sangue?! Por que não me disse logo, cabrinha deDeus? Por que ficou me olhando assim feito boba? Tem razão: eu é que nãoentendi, devia ter morado logo. E como vai ser? Os doutores daqui são umestouro, mas cabra é diferente, não sei se eles topam. Sabe de umacoisa? Eu mesmo vou te operar! Corre à sala de cirurgia, toma um bisturi, uma pinça; àfarmácia, pega mercúrio-cromo, sulf a e gaze; e num canto do hospital,

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assistido por dois serventes, enquanto o dia vai nascendo, extrai dopescoço da cabra uma bala de calibre 22, ali cravada quando o bichinho,ignorando os costumes cariocas da noite, passava perto de uns homens queconversavam à porta de um bar. O animal deixa-se operar, com a maior serenidade. Seus olhosenvolvem o porteiro numa carícia agradecida. - Marcolina. Dou-lhe este nome em lembrança de uma cabra quetive quando garoto, no Icó. Está satisfeita, Marcolina?

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- Muito, Francisco. Sem reparar que a cabra aceitara o diálogo, e sabia o seu nome,Francisco continuou: - Como foi que você teve idéia de vir ao Miguel Couto? OHospital Veterinário é na Lapa. - Eu sei, Francisco. Mas você não trabalha na Lapa, trabalha noMiguel Couto. - E daí? - Daí, preferi ficar por aqui mesmo e me entregar a seuscuidados. - Você me conhecia? - Não posso explicar mais do que isso, Francisco. As cabras nãosabem muito sobre essas coisas. Sei que estou bem a seu lado, que vocême salvou. Obrigada, Francisco. E lambendo-lhe afetuosamente a mão, correu os olhos para dormir.Bem que precisava. Aí Francisco levou um susto, saltou para o lado: - Que negócio é esse: cabra falando?! Nunca vi coisa igual naminha vida. E logo comigo, meu pai do céu! A cabra descerrou um olho sonolento, e por cima das barbasparecia esboçar um sorriso: - Pois você não se chama Francisco, não tem o nome do santo quemais gostava de animais neste mundo? Que tem isso, trocar umaspalavrinhas com você? Olhe, amanhã vou pedir ao Ariano Suassuna queescreva um auto da cabra, em que você vai para o céu, ouviu? Que um diaFrancis Jammes abra lá no alto seu azul aprisco. Mande entrar Marcolina,a cabra, e seu bom amigo Francisco. (C.D.A.)

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O agrônomo suíço O poeta estava calmamente no bar, tomando um aperitivo, quandolhe telefonaram. Quem o chamava era eu. O poeta não tem telefone em casa e hádias que eu o vinha procurando: a menos que me tivesse enganado, elesabia de um amigo seu que conhecia um agrônomo suíço, interessado emadministrar fazendas. Ora, outro amigo meu, a quem dei conhecimento

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da existência desse suíço, me disse que estava precisando exatamente de

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uma pessoa assim. E me pediu que conseguisse maiores informações com opoeta. No bar, àquela hora, fazia um barulho infernal. O poeta veio aotelefone e mal conseguiu ouvir o meu nome: - Quem? - Eu, rapaz! Então não está conhecendo a minha voz? - Eu quem? Levou uns bons cinco minutos para descobrir com quem estavafalando. Talvez já tivesse tomado mais de um aperitivo, é possível. - Que houve? Aconteceu alguma coisa? Eu mal conseguia escutá-lo e ele não me ouvia de todo: - Você se lembra daquele agrônomo que um conhecido seu... - Daquele o quê? - Daquele AGRÓNOMO! - Você está enganado, não conheço ninguém com esse nome. - Eu nem falei ainda o nome dele! É um suíço. - Luís? - SUÍÇO! Você um dia me falou...

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- Não conheço nenhum Luís. Eu estava pensando que ... - Fale mais alto! Sua voz está sumindo. - Não, estou por aí mesmo... Você é que anda sumido. Respirei fundo e voltei à carga: - Eu sei que você não conhece o suíço. Um conhecido seu é queconhece. - Escuta, que brincadeira é essa? Eu estava aqui tomando o meuuísque... - Desculpe incomodá-lo no bar, mas você não tem telefone emcasa... - Não tem importância. Só que está parecendo brincadeira.Entendi você falar num suíço... - Isso! - Isso? Ah, eu tinha entendido suíço, imagine. - Pois é isso mesmo, quer dizer: é suíço mesmo. O homem está emcima de mim para arranjar... - Que homem? Não estou entendendo nada, muito barulho aqui. - Um amigo meu, você não conhece. Está precisando de um agrônomopara a fazenda dele. - Fazendo o quê? Perdi a paciência: - Olha, telefona para minha casa amanhã de manhã, está bem?

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Mas o poeta agora estava interessado: - Não precisa se zangar! Aconteceu alguma coisa com você? - Conversar com bêbado dá é nisso. - Você está bêbado? - Bêbado está você, essa é boa! - Espera! Entendi direitinho você falar que estava bêbado. Deveser o barulho. Espera um pouco. Ouvi pelo fone sua voz para os que orodeavam: - Vocês aí, querem fazer o favor de falar um pouco mais baixo?Um amigo meu está em dificuldades, e eu não escuto nada. De novo paramim:

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- Alô! Pode falar agora que estou ouvindo perfeitamente. Vocêestá precisando de alguma coisa? - Estou: que você me telefone amanhã de manhã. E desliguei. Nodia seguinte era ele quem me procurava: - Você talvez não se lembre, mas ontem eu estava calmamente nobar, tomando um aperitivo, quando você me telefonou no maior pilequepara me contar que estava sendo perseguido por um sujeito chamado Luís.Que você quis dizer com isso? - Isso, não: suíço- arrematei.

(F.S.)

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Ações e intenções Meu ideal seria escrever... (R.B.) A menininha e o gerente (C.D.A.) Na escuridão miserável (F.S.) Gente bpoa e gente inútil (P.M.C.)

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Meu ideal seria escrever... Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquelamoça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha históriano jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse- ôai meuDeus, que história mais engraçada!" E então a contasse para a cozinheirae telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos aquem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados devê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol,irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa,enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso,e depois repetisse para si própria- "mas essa história é mesmo muitoengraçada!" Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o maridobastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com omarido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. Omarido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação damulher. Mas depois que esta, apesar de sua má-vontade, tomasseconhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os doisrindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um,ouvindoaquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e

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reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos. Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera aminha história chegasse- e tão fascinante de graça, tão irresistível,tão colorida e tão pura que todos lim-

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passem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário dodistrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbadose também aquelas pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse -"por favor, se comportem, que diabo! eu não gosto de prender ninguém!"E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes eseus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história. E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada demil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a umaustraliano, em Dublin, a um japonês, em Chicago- mas que em todas aslínguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encantosurpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muitopobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma históriaassim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena tervivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventadapor nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aosouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto;sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nossoconhecimento; é divina". E quando todos me perguntassem- "mas de onde é que você tirouessa história?"- eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi poracaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, eque por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar umahistória.. ." E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventeitoda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristezadaquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está deluto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.

(R. B.)

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A menininha e o gerente - Não, paizinho, não! Quero ir com você! - Mas meu bem, não posso levar você lá. O lugar não é próprio.Não vou demorar nada, só dez minutos. Seja boazinha, fique me esperandoaqui. - Não, não!- a garotinha soluçava. Agarrou-se a calça do paicomo quem se agarra a uma prancha no mar. Ele insistia: - Que bobagem, uma menina de sua idade fazendo um papelãodesses. - Você não volta! - Volto, ora essa, juro que volto, meu amor. Prometendo, ele passeava o olhar pela rua, impaciente. Elabaixara a cabeça, chorando. Estavam diante da papelaria. O gerenteassistia à cena. O homem aproximou-se dele:

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- Faz-me o obséquio de tomar conta de minha filha por algunsinstantes? Vou a um lugar desagradável, não posso levá-la comigo. - Mas... - Quinze minutos no máximo. É ali adiante. Muito obrigado, bem?

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E sumiu. A garotinha continuava de olhos baixos, imóvel, o dorsoda mão esquerda junto à boca. O gerente passou-lhe a mão nos cabelos, deleve. - Vem cá. Ela não se mexeu. - Como é que você se chama? Carmen? Luísa? Marlene? Como não respondesse, o gerente foi desfiando nomes, semesperança de acertar. Mas ao dizer "Estela", a cabecinha moveu-se,confirmando. - Estela, você sabe que está com um vestido muito bonito? Estela tirou a mão dos olhos, examinou o próprio vestido e nãodisse nada. Mas o gelo fora rompido. Daí a pouco o gerente mostrava-lhe acaixa registradora e autorizava-a a marcar uma venda de 200 cruzeiros. - Olha um gatinho. Ele mora aqui? - Mora. - E que é que ele come? - Papel. - Mentiroso! - Então pergunte a ele. O gato acordou, deixou-se afagar e tornou a dormir, desta veznos braços de Estela. O gerente olhou o relógio; tinham se passado quinze minutos, ohomem não aparecia. "Bonito se ele não vier mais. Que vou fazer com estagarotinha, na hora de fechar?" Tentou lembrar o rosto do desconhecido; impossível. Já pensavaem telefonar para a polícia, quando Estela o puxou pela perna: - Além da máquina e do gatinho, você não tem mais nada para memostrar?

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Ele abarcou com a vista a loja toda e sentiu-a mal sortida,pobre. "Eu devia ter aberto uma loja de brinquedos, pelo menos umbazar." Experimentou com Estela o apontador de lápis, o grampeador. E ohomem não vinha. É, não vem mais. Estela andava de um lado para outro,dona do negócio. Ele, inquieto. - Não mexa nas gavetas, filhinha. - Não sou sua filhinha. - Desculpe. - Desculpo se você deixar eu abrir. - Então deixo. Dentro havia balões, estrelinhas, saldo do último Natal. E eleque não se lembrava daquilo. Estela riu de sua ignorância, e o homemnão vinha. O movimento de fregueses declinava. Na calçada, as filas delotação iam crescendo. Daí a pouco, a noite. Estela soprou um balão, outro, quis soprar dois ao mesmo tempo.Um estourou. Ela assustou-se. Ele riu. "Se o homem não aparecesse mais, que bom! Aliás a cara dele erade calhorda. Ainda bem que me escolheu." Levaria Estela para casa, a

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mulher não ia estranhar, fariam dela uma filha - a filha quepraticamente não tinham mais, pois casara e morava longe, no Peru. E seo pai reclamasse depois? Ora, quem entrega sua filha a um estranho, dizque vai demorar quinze minutos, passa uma hora e não volta, merece terfilha? O empregado arniava a cortina de aço quando apareceram duaspernas, um tronco inclinado, uma cabeça. - Dá licença? Demorei mais do que pensava, desculpe. Muitoobrigado ao senhor. Vamos, filhinha. O gerente virou o rosto, para não ver, mas chegou até ele adespedida de Estela: - Até-logo, homem do balão! E a filha ficou mais longe ainda, no Peru.

(C . D. A.)

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Na escuridão miserável Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no JardimBotânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o motor emmovimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de umbicho, a me espiar, através do vidro da janela, junto ao meio-fio. Eramde uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao postecomo um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobreo banco, abaixando o vidro:

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- O que foi, minha filha?- perguntei, naturalmente, pensandotratar-se de esmola. - Nada não senhor - respondeu-me, a medo, um fio de vozinfantil. - O que é que você está me olhando aí? - Nada não senhor- repetiu.- Tou esperando o ônibus... - Onde é que você mora? - Na Praia do Pinto. - Vou para aquele lado. Quer uma carona? Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta: - Entra aí, que eu te levo. Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto ocarro ganhava velocidade, ia olhando duro para a frente, não ousavafazer o menor movimento. Tentei puxar conversa: - Como é o seu nome? - Teresa. - Quantos anos você tem, Teresa? - Dez. - E o que estava fazendo ali, tão longe de casa? - A casa da minha patroa é ali. - Patroa? Que patroa? Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de umafamília no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a mesa.Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.

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- Hoje saí mais cedo. Foi jantarado. - Você já jantou? - Não. Eu almocei. - Você não almoça todo dia?

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- Quando tem comida pra levar, eu almoço: mamãe faz um embrulhode comida pra mim. - E quando não tem? - Quando não tem, não tem- e ela até parecia sorrir, me olhandopela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança,esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não mecontinha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos - umengasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam desentimentalismo burguês: - Mas não te dão comida lá?- perguntei, revoltado. - Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado, mamãedisse pra eu não pedir. - E quanto é que você ganha? Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro. Elamencionara uma importância ridícula, uma ninharia, não mais que algunstrocados. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher emeter-lhe a mão na cara. - Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessacasa?- perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon,se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar: - Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eucarregar as compras e aí noutro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar nacasa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhostodos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já sãosoldados pode parar que é aqui moço, obrigado. Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo,perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto. (FS.)

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Gente boa e gente inútil Conheci um rapaz que, há uns vinte anos, ganhou uma bolsa paraestudar anatomia patológica nos Estados Unidos, e nunca mais voltou.Americanizou-se? Encantou-se? Ficou rico? Não, nada disso, mora numacidadezinha gelada quase na fronteira do Canadá, tem um ordenado que lhebasta apenas para as despesas fundamentais, não se diverte, gasta osdias e boas horas da noite metido num laboratório.

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Foi incorporado aos pesquisadores de câncer. Notaram-lhe o talento,pediram-lhe que ficasse, ele ficou. Brilhante entre os mais brilhantesalunos que passaram pela Faculdade de Medicina de Belo Horizonte,desistiu do futuro, largou tudo, fez-se anônimo e pobre, ingressou numclaustro leigo, só deixando o seu trabalho para gemer um pouco de frio e

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saudade do Brasil, antes de dormir. Homens como o Doutor Albert Schweitzer, capazes de trocar umdestino artístico ou literário por um devotamento humanitário, são ossantos de nosso tempo. A frieza de um laboratório, no entanto, ainda meparece um mundo mais estranho, e árido do que a África EquatorialFrancesa. Amar os h'omens por detrás de um microscópio, sem sentir nuncaa reciprocidade do gesto generoso, é fantástico e humilhante para mim,tíbio comodista. Os fatos são duros. Aperta-se o cerco contra o câncer nosEstados Unidos e em outros países. A conquista do espaço interplanetárionão é tão emocionante quanto essa luta contra a morte. Antigamente, asepidemias chegavam de repente e dizimavam povos inteiros. As pestesmodernas tomam aspecto moderno. As estatísticas sabem que 450 milamericanos serão vítimas do câncer este ano; destes, 260 mil estãocondenados à morte. Sabe-se ainda, por exemplo, que no Norte dos EstadosUnidos diminui a mortalidade por leucemia, mas no Sul aincidênciamortal vem sendo acrescida. O mal é misterioso e aterroriza. Só nãoaterroriza o cientista escondido entre paredes assépticas, a isolarvírus, a traçar esquemas táticos, a vislumbrar esperanças, a chocar-secontra desilusões, a repetir, com o poeta, que cada nova tentativa é umfracasso diferente. É preciso usaí nesta guerra - fala agora umcientista famoso- de todas as coisas que conquistaram mundos. Admiro gente assim com a mais pura e selvagem simpatia de meuespírito.

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Visitei há alguns anos o Instituto Pavlov, perto de Leningrado.Lá, em uma sala modesta e também fria, fui apresentado a um homem muitomagro, desleixado no vestir, cabelos despenteados e de uma timidez dequem não tem o hábito de falar muito. Era um cientista famoso,chamava-se Victor Fiodorov. Pacientemente, ele me explicou a natureza dasexperiências que vinha realizando há longos anos, no sentido de tentarobter uma informação mais precisa sobre o câncer e a transmissão doscaracteres adquiridos. Contou-me com certa ternura a vida dos ratinhosassustados, que eu via dentro de um aparelho cheio de labirintos,detalhou-me suas idas e vindas, indutivas e dedutivas, pistas falsas,equívocos, surpresas repentinas, observações novas para a ciência,fez-me enfim um relatório completo daquilo que era a sua própriaexistência. Depois calou-se. Nesse ponto, naturalmente, ocorreu-meperguntar-lhe a que conclusão final chegara. O homem magro sorriu umsorriso decepcionado de criança que não ganhou presente, erespondeu-me: "Ainda não cheguei a qualquer conclusão; não há nada queme diga que eu haja contribuído para a cura do câncer. Quando cheguei lá fora, num silêncio agravado pela neve e pelogrito estrídulo das gralhas no alto dos abetos, compreendi que nãopoderia esquecer aquele sorriso nunca mais. Não faço nada pelo bem deninguém e, decerto, faço mal a algumas pessoas. Mas o sorriso docientista Fiodorov, ao revelar-me a sua frustração ao longo de tantosanos de trabalho, pelo menos me acusa e não me deixa esquecer de que vimao mundo causando dores e sem procurar diminuir a dor de ninguém. Uminútil. Resta-me a vaidade vulgar de saber que não presto para nada,pois o bonito entre os intelectuais de hoje é não ter compaixão dahumanidade. Azar meu, que tenho, e nada faço. (P. M. C.)

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Solicitações Telefone (C.D.A.) Menino de cidade (P.M.C.) A minha glória literária (R.B.) Cem cruzeiros a mais (F.S.)

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Telefone - O senhor é que é o senhor mesmo? - Como? - Estou perguntando quem é o senhor, afinal. - Evaristo Pestana de Matos, seu criado. - Isso estou vendo na carteira de identidade. Mas o talão deinscrição diz Abel Setembrino de Matos.

Solicitações - 65

- É meu avô paterno. - Então fala pra seu avô vir ele mesmo, trazendo a carteira. - Isto eu não posso falar não senhor. - Não pode por quê? - Porque ele já é falecido desde 1952. - Se já é falecido, nada feito. A inscrição está cancelada. - Cancelada como, se ele foi chamado pela Companhia no jornalde hoje? - Olha, moço, a Companhia chamou na suposição dele estar vivo.Não estando, fica sem efeito a chamada. Compreendeu? - Compreendi não. A Companhia chamou, tá chamado. Eu vim emnome de meu saudoso avô pagar a primeira cota do telefone que elepediu há 24 anos, quando eu era menino de colo, aliás afilhado dele. - O senhor está é brincando. Seu avô não precisa mais detelefone. - Mas preciso eu, que sou neto dele, será que o senhor tambémnão mora? Este talão aqui foi conservado pela famiia durante um quartode século. Meu avô, sentindo uma dor do lado esquerdo, chamou meu pai edisse: "Etelberto, tira da gavetinha do criado-mudo minha inscrição detelefone e guarda ela com cuidado. Não pude deixar um aparelho paravocê, mas deixo essa esperança. Não vende a inscrição por dinheironenhum, meu filho. Satisfaz minha última vontade". Disse e morreu.

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- É comovente, mas... - Espera aí. Tem mais. Meu pai guardou o papel 13 anos e tambémembarcou, coitado. Na hora de despedida, me fez a mesma recomendação.Estou cumprindo

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um mandado de família, uma coisa sagrada para mim. Já lhe dei o talão.Me dá meu telefone, cidadão. - Esse talão é de Abel Setembrino de Matos, homem! - Eu sei. Meu avô, pai de meu pai. Me tocou como bem de família. - Tocou como? Por acaso entrou em inventário, o senhor temformal de partilha provando isso? - Formal eu não tenho, mas tenho o talão. Quem mais senão eupodia ficar com o talão, se sou filho único de filho único de meu avô? - Eu sei lá se o senhor é único ou se faz parte de escadinha.Nem interessa à Companhia saber quem é filho único de quem. Sabe quemais? A conversa já esticou demais. Vou chamar o próximo. - Me atenda antes, por favor. Não vai me obrigar a ir para atelevisão reclamar o direito de meu avô, nem contratar advogado. Pois euvou, eu contrato. - Faça o que quiser. - O que eu quero é o telefone de meu avô, pedido em 1943! - Retire-se, o senhor está enchendo! - Hein?! - Está enchendo, já disse! - Estou é me sentindo mal... Uma coisa do lado esquerdo.., umanuvem .. . uma vertigem. -. A gente esperando desde a Segunda GuerraMundial, e na hora de receber o telefone, ah meu Deus, o Senhor me chamapara o seu seio... Não faz isso comigo, deixa pelo menos eu tomar umtáxi, ir em casa entregar a meu filho Tonico este talão... Quem sabe seele um dia... Cai. (C.D.A.)

Solicitações - 67

Menino de cidade Papai, você deixa eu ter um cabrito no meu sítio? Deixo. E porquinho-da-índia? E ariranha? E macaco? E quatro cachorros?E duzentas pombas? E um boi? Um rinoceronte? Rinoceronte não pode. Tá bem, mas cavalo pode, não pode?

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O sítio é apenas um terreno do Estado do Rio, sem maioresperspectivas imediatas. Mas o garoto precisa acreditar no sítio comooutras pessoas precisam acreditar no céu. O céu dele é exatamente o dafesta folclórica, a bicharada toda, e ele, que nasceu no Rio e, demá-vontade, vive nesta cidade sem animais. Aliás, ele mesmo desmente que o Rio seja uma cidade sem bichos,

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possuindo o dom de descobri-los nos lugares mais inesperados. Se entrana casa de alguém, desaparece ao transpor a porta, para voltar depois detrês segundos com um gato ou cachorro na mão. A gente vai andando poruma rua de Copacabana, ele some e ressurge com um pinto em flor. Échegar na Barra da Tijuca, e daí a cinco minutos, já apanhou um sirivivo. Localiza eletronicamente todos os animais da redondeza, andapela rua em disparada, cumprimentando aqui um papagaio, ali um ganso,mais adiante um gato, incansável e frustrado. Não distingue marcas de automóvel, em futebol não vai além deGarrincha e Nilton Santos, mas sabe perfeitamente o que é um mastif 1,um boxer, um doberman. Dá informações sobre as pessoas de acordo com osbichos que possuam: aquele é o dono do Malhado, aquela é a dona do...Ao telefone, pergunta por patos, gatos, e outros cachorros,centenas, milhares de cachorros, cachorros que prefere aos companheiros,cachorros que o absorvem na rua, na escola, na hora das refeições,cachorros que costumam latir e pular em seus sonhos, cachorros mil. Sua literatura é rigorosamente especializada: livros coloridossobre bichos. Engatinha mal e mal na leitura, mas fala com umaproficiência um pouco alarmante a respeito de répteis, batráquios, etc.Filho de mãe inglesa confunde fork e knife, mas sabe o que é seal ewalrus. Se pede um pedaço de papel é para desenhar a zebra ou a baleia.

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É claro que sua frustração causa pena. Por isso mesmo, háalgum tempo ganhou como consolo um canarinho-da-terra. Um dia, comolhe dissessem que iam dar o passarinho, caso continuasse acomportar-se mal, correu para a área e abriu a porta da gaiola. Deram-lhe um bicudo, mas o bicudo morreu de tanto alpiste.Ganhou mais tarde uma tartaruga, pequenina e estúpida, que recebeu napia do banheiro o nome de Henriqueta. Nunca qualquer outro quelôniodeu tanto serviço. Foi ao dentista na cidade, e, ao voltar, disse ao paipela primeira vez uma palavra horrível: estou desesperado. Tinha perdidoa tartaruguinha no lotação. Ficou o vazio em sua vida. O alívio era ligar o telefoneinterurbano para a avó e indagar pelos patos que "possuía" em outracidade. Ou fazer uma visita à futura mãe de Poppy, este é um poodle quedeverá nascer daqui a meio ano, prometido de pedra e cal para ele. Outro expediente: caçar borboletas, mariposas, grilos, alojarcarinhosamente os insetos nas gaiolas vazias, chamar-lhes pelos nomesdos antigos bichos mortos ou desaparecidos. Um tio deu-lhe outra vez um canário, o carinho foi demais, opassarinho morreu. Não há nada a fazer, por enquanto, e ele dedicou-se àarte de desenhar bichos. De vez em quando ainda se anima e entra em casaafogueado, mostrando alguma coisa quase invisível nas mãos: "Olha queestouro de grilo!" Mas os grilos e as borboletas "legais" morrem ou saemtranquilamente das gaiolas, e ei-lo novamente de mãos e alma vazias. Deu um jeito: arranjou alguns pires sem uso e plantou sementesde feijão. O banheiro está cheio de brotos verdes, tímjdos. E ele jásabe que possui uma fazenda.

(P. M. C.)

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A minha glória literária "Quando a alma vibra, atormentada..." Tremi de emoção ao ver essas palavras impressas. E lá estava omeu nome, que pela primeira vez eu via em letras de forma. O jornal eraO Itapemirim, órgão oficial do Grêmio Domingos Martins, dos alunos doColégio Pedro Palácios, de Cachoeiro de Itapemirim, Estado do EspíritoSanto. O professor de Português passara uma composição: "A lágrima".Não tive dúvidas: peguei a pena e me pus a dizer coisas sublimes. Ganhei10, e ainda por cima a composição foi publicada no jornalzinho docolégio. Não era para menos:

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"Quando a alma vibra, atormentada, às pulsações de um coraçãoamargurado pelo peso da desgraça, este, numa explosão irremediável, numdesabafo sincero de infortúnios angústias e mágoas indefiníveis,externa-se, oprimido, por uma gota de água ardente como o desejo eCOnsoladora como a esperança; e esta pérola de amargura arrebatada pelador ao oceano tumultuoso da alma dilacerada é a própria essência dosofrimento: é a lágrima". É claro que eu não parava aí. Vêm, depois, outras belezas; euchamo a lágrima de "traidora Inconsciente dos segredos d'alma", descubroque ela "amolece os corações mais duros" e também (o que é maisestranho) "endurece os corações mais moles". E acabo com certo exagerodizendo que ela foi "sempre, através da História, a realizadora dosmaiores empreendimentos, a salvadora miraculosa de cidades e nações,talismã encantado de vingança e crime, de brandura e perdão". Sim, eu era um pouco exagerado; hoje não me arriscaria aafirmar tantas coisas. Mas o importante é que minha composição abafara,e tanto que não faltou um colega despeitado que pusesse em dúvida asua autoria: eu devia ter Copiado aquilo de algum almanaque. A Suspeita tinha seus motivos: tímido e mal falante, meioemburrado na conversa, eu não parecia capaz de tamanha eloqüência. Ofato é que a suspeita não me feriu, antes me orgulhou; e a recebi comdesdém, sem querer desmentir a acusação. Veriam, eu sabia escrevercoisas loucas; dispunha secretamente de um imenso estoque de "coraçõesamargurados", "pérolas da amargura" e "talismãs encantados" paraembasbacar os incréus; veriam. Uma semana depois o professor mandou que nós todos escrevêssemossobre a Bandeira Nacional. Foi então que- dá-lhe, Braga! - meti umabossa que deixou todos mara-

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ravilhados. Minha composição tinha poucas linhas, mas era nada menos queuma paráfrase do Padre-nosso, que começava assim: "Bandeira nossa, queestais no céu..." Não me lembro do resto, mas era divino. Ganhei novamente 10, oprofessor fez questão de ler, ele mesmo, a minha obrinha para a classeestupefata. Essa composição não foi publicada porque O Itapemirim

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deixara de sair, mas duas meninas- glória suave- tiraram cópias porqueacharam uma beleza. Foi logo depois das férias de junho que o professor passou novacomposição: "Amanhecer na fazenda". Ora, eu tinha passado uns quinzedias na Boa Esperança, fazenda de meu tio Cristóvão, e estava muito beminformado sobre os amanheceres da mesma. Peguei da pena e fui contandocom a maior facilidade. Passarinhos, galinhas, patos, uma negra jogandomilho para as galinhas e os patos, um menino tirando leite da vaca,vaca mugindo . . . e no fim achei que ficava bonito, para fazer pendantcom essa vaca mugindo (assim como "consoladora como a esperança"combinara com "ardente como o desejo"), um "burro zurrando". Depoisfiz parágrafo, e repeti o mesmo zurro com um advérbio de modo, parafecho de ouro: "Um burro zurrando escandalosamente". Foi minha desgraça. O professor disse que daquela vez o senhorBraga o havia decepcionado, não tinha levado a sério seu dever e nãomerecia uma nota maior do que 5; e para mostrar como era ruim minhacomposição leu aquele final: "Um burro zurrando escandalosamente". Foi uma gargalhada geral dos alunos, uma gargalhada que era umagrande vaia cruel. Sorri amarelo. Minha glória literária fora por águaabaixo. (R. B.)

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Cem cruzeiros amais Ao receber certa quantia num guichê do Ministério, verificou queo funcionário lhe havia dado cem cruzeiros a mais. Quis voltar paradevolver, mas outras pessoas protestaram: entrasse na fila.

Esperou pacientemente a vez, para que o funcionário lhe fechassena cara a janelinha de vidro:

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- Tenham paciência, mas está na hora do meu café. Agora era uma questão de teimosia. Voltou à tarde, paraencontrar fila maior- não conseguiu sequer aproximar-se do guichêantes de encerrar-se o expediente.

No dia seguinte era o primeiro da fila: - Olha aqui: o senhor ontem me deu cem cruzeiros a mais. -Eu? Só então reparou que o funcionário era outro. - Seu colega, então. Um de bigodinho. - O Mafra. - Se o nome dele é Mafra, não sei dizer. - Só pode ter sido o Mafra. Aqui só trabalhamos eu e o Mafra.Não fui eu. Logo... Ele coçou a cabeça, aborrecido: - Está bem, foi o Mafra. E daí? O funcionário lhe explicou com toda urbanidade que não podiaresponder pela distração do Mafra:

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- Isto aqui é uma pagadoria, meu chapa. Não posso receber, sóposso pagar. Receber, só na recebedoria. O próximo! O próximo da fila, já impaciente, empurrou-o com o cotovelo.Amar o próximo como a ti mesmo! Procurou conter-se e se afastou,indeciso. Num súbito impulso de indignação- agora iria até o fim -dirigiu-se à recebedoria. - O Mafra? Não trabalha aqui, meu amigo, nem nunca trabalhou. - Eu sei. Ele é da pagadoria. Mas foi quem me deu os cemcruzeiros a mais.

Solicitações - 75

Informaram-lhe que não podiam receber: tratava-se de umadevolução, não era isso mesmo? e não de pagamento. Tinha trazido a guia?Pois então? Onde já se viu pagamento sem guia? Receber mil cruzeiros atroco de quê? - Mil não: cem. A troco de devolução. - Troco de devolução. Entenda-se. - Pois devolvo e acabou-se. - Só com o chefe. O próximo! O chefe da seção já tinha saído: só no dia seguinte. No diaseguinte, depois de fazê-lo esperar mais de meia hora, o chefeinformou-lhe que deveria redigir um ofício historiando o fato edevolvendo o dinheiro. - Já que o senhor faz tanta questão de devolver. - Questão absoluta. - Louvo o seu escrúpulo. - Mas o nosso amigo ali do guichê disse que era só entregar aosenhor- suspirou ele. - Quem disse isso? - Um homem de óculos naquela seção do lado de lá. Recebedoria,parece. - O Araújo. Ele disse isso, é? Pois olhe: volte lá e diga-lhepara deixar de ser besta. Pode dizer que fui eu que falei. O Araújosempre se metendo a entendido! - Mas e o ofício? Não tenho nada com essa briga, vamos fazerlogo o ofício. - Impossível: tem de dar entrada no protocolo. Saindo dali, em vez de ir ao protocolo, ou ao Araújo paradizer-lhe que deixasse de ser besta, o honesto cidadão dirigiu-se aoguichê onde recebera o dinheiro, fez da nota de cem cruzeiros umabolinha, atirou-a lá dentro por cima do vidro e foi-se embora. (F.S.)

Referências bibliográficas das crônicas utilizadas

Paulo Mendes Campos " Salvo pelo Flamengo " In O Cego de Ipanema. Rio deJaneiro, Ed. Autor, 1960. p. 193-98. Marido e Mulher. In: Homenzinho naVentania. Rio de Janeiro, Ed. Autor, 1962. p. 81-85. "O Canarinho." In:O Cego de Ipanema. Rio de Janeiro, Ed. Autor, 1960. p. 97-100.

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"GenteBoa e Gente Inútil." In: Homenzinho na Ventania. Rio de Janeiro, Ed.Autor, 1962. p. 19-22. "Menino de Cidade." In: Homenzinho na Ventania. Rio de Janeiro, Ed.Autor, 1962. p. 68-71.

Rubem Braga "Nascer no Cairo, Ser Fêmea de Cupim." In: Ai de Ti,Copacabana. Rio de Janeiro, Ed. Autor, 1960. p. 197-200. "Recenseamento." In: 50 Crônicas Escolhidas. Rio de Janeiro, JoséOlympio, 1951. p. 17-18."Como se Fora um Coração Postiço..." In: 50 Crônicas Escolhidas. Rio deJaneiro, José Olympio, 1951. p. 11-13. "Meu Ideal Seria Escrever... " In: A Traição das Elegantes. Rio deJaneiro, Ed. Sabiá, 1967. p. 91-93.

Carlos Drummond de Andrade "Assalto " In: O Poder Ultra jovem e mais 79Textos em Prosa e Verso. 4. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1975. p.75-76. "Esparadrapo." In: De Notícia & Não-Notícias Faz se a Crônica. 2. ed.,Rio de Janeiro, José Olympio, 1975. p. 144-46. "A Cabra e Francisco." In: Cadeira de Balanço. 81 ed., Rio de Janeiro,José Olympio, 1976. p. 95-97. "A Menininha e o Gerente." In: A Bolsa & A Vida. 6. ed., Rio deJaneiro, José Olympio, 1974. p. 181-84 "Telefone." In: Caminhos de João Brandão. 2. ed., Rio de Janeiro, JoséOlympio, 1976. p. 13-15.

Fernando Sabino "O Homem Nu." In: O Homem Nu. 13. ed.. Rio de Janeiro,Ed. Record, 1976. p. 65-68. "Negócio de Ocasião." In: A Mulher do Vizinho. 73 ed., Rio de Janeiro,Ed. Record. p. 177-79 "O Agrônomo Suíço." In: A Companheira de Viagem. 2. ed., Rio deJaneiro, Ed. Sabiá, 1972. p. 20-23. "Na Escuridão Miserável." In: A Companheira de Viagem. 2. ed., Rio deJaneiro, Ed. Sabiá. 1972. p. 143-46."Cem Cruzeiros a Mais." In: A Companheira de Viagem. 2. ed., Rio deJaneiro, Ed. Sabiá, 1972. p. 28-30.

COLEÇÃO PARA GOSTAR DE LER Não tem quem não goste Sempre uma seleção de textos de grandes autores feitaespecialmente para o leitor jovem.

* Volumes de 1 a 5 - Crônicas Fernando Sabino, Rubem Braga, CarlosDrummond de Andrade e Paulo Mendes Campos

Page 38: Para gostar de ler vol 3

* Volume 6 - Poemas Cecilia Meireles, Henriqueta Lisboa, Mário Quintanae Vinícius de Moraes

* Volume 7 - Crônicas Carlos Eduardo Novaes, José Carlos de Oliveira,Lourenço DiaFéria e Luís Fernando Veríssimo

* Volume 8 - Contos Graciliano Ramos, Lima Barreto, Ignácio de LoyolaBrandão e outros

* Volume 9 - Contos Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, MoacyrScliar e outros

* Volume 10 - Contos Ivan Angelo, Otto Lara Resende,Mário de Andrade e outros

* Volume 11 - Contos universais Edgar Allan Poe, Miguel de Cervantes,Franz Kafka e outros

* Volume 12 - Histórias de detetive Conan Doyle, Edgar Allan Poe, MarcosRey e outros

* Volume 13 - Histórias divertidas Fernando Sabino, Machado de Assis,Luís Fernando Veríssimo e outros

* Volume 14 - O nariz e outras crônicas Luís Fernando Veríssimo

* Volume 15 - A cadeira do dentista e outras crônicas Carlos EduardoNovaes

* Volume 16 - Porta de colégio e outras crônicas Affonso Romano deSant'Anna

* Volume 17 - Cenas brasileiras- crônicas Rachel de Queiroz

* Volume 18 - Um pais chamado infando- crônicas Moacyr Scliar

* Volume 19 - O coração roubado e outras crônicas Marcos Rey

* Volume 20 - O golpe do aniversariante e outras crônicas WaldyrCarrasco

* Volume 21 - Histórias fantásticas Edgar Allan Poe, Franz Kafka, MuriloRubião e outros

* Volume 22- Histórias de amor Wiiliam Shakespeare, Lygia FagundesTelles, Machado de Assis e outros

* Volume 23 - Gol de padre e outras crônicas Stanislaw Ponte Preta

* Volume 24 - Balé do pato e outras crônicas Paulo Mendes Campos

* Volume 25 - Histórias de aventuras Jack London, O. Henry, DomingosPellegrini e outros

* Volume 26 - Fuga do hospicio e outras crônicas Machado de Assis

Page 39: Para gostar de ler vol 3

* Volume 27 - Histórias sobre Ética Voltaire, Machado de Assis, MoacyrScliar e outros

* Volume 28-O comprador de aventuras e outras crônicas Ivan Angelo

* Volume 29 - Nós e os outros- histórias de diferentes culturas

Marisa Lajolo (org.)