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PARTE I: O MOVIMENTO O MOVIMENTO SOCIALISTA E AS LUTAS SOCIAIS: O PERCUSSO DO MOVIMENTO NEGRO POLÍTICO “Tudo o que muda a vida vem quieto no escuro sem preparos de avisar.” João Guimarães Rosa No Brasil a questão racial 1 ainda é vista pela ampla maioria dos brasileiros como algo inexistente. O brasileiro tem preconceito de ter preconceito, por outro lado, grande parte dos negros brasileiros não se assume enquanto tal.Ainda é grande o desconhecimento dos heróis negros do Brasil, como a história de Zumbi dos Palmares, líder maior da resistência quilombola no Brasil. Zumbi tombou em combate em 20 de novembro de 1695, após praticamente 100 anos de resistência do Quilombo dos Palmares e por isso esse dia é celebrado como Dia da Consciência Negra. Mas ainda não há de fato uma ampla consciência negra no Brasil. A luta de Zumbi foi parte destacada da luta do povo negro na diáspora. A chegada dos primeiros navios negreiros no Brasil marcou também a chegada da forte resistência contra a escravidão. Até hoje, a história do povo negro no Brasil tem sido de luta contra a discriminação racial em suas várias faces. Esta luta só não é maior que a contribuição deste povo no crescimento, construção e desenvolvimento do Brasil. O sangue e suor negro fizeram o Brasil consolidar-se como uma das maiores economias do mundo. Apesar dos avanços obtidos nos séculos de luta pela liberdade e pela criminalização da prática de racismo, o povo negro segue sendo discriminado e principal vítima das desigualdades sociais, que têm no Brasil um forte componente racial. Ainda é extremamente forte o preconceito contra os negros em nosso país, os próprios negros majoritariamente não assumem sua negritude, geralmente preferindo se auto-intitular de “moreno”, “cor de terra”, “cor de jambo” e até “azulinhos”, menos N-E-G-R-O. É como se assumir a negritude fosse assumir uma doença contagiosa e terrível. 1 Texto adaptado para o momento. Sugiro MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. III Seminário Nacional sobre Relações Raciais e Educação. Rio de Janeiro, novembro de 2003.

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PARTE I: O MOVIMENTO

O MOVIMENTO SOCIALISTA E AS LUTAS SOCIAIS: O PERCUSSO DO MOVIMENTO

NEGRO POLÍTICO

“Tudo o que muda a vida vem quieto no escuro sem preparos de avisar.” João Guimarães Rosa

No Brasil a questão racial

1ainda é vista pela ampla maioria dos brasileiros como algo

inexistente. O brasileiro tem preconceito de ter preconceito, por outro lado, grande parte dos negros

brasileiros não se assume enquanto tal.Ainda é grande o desconhecimento dos heróis negros do

Brasil, como a história de Zumbi dos Palmares, líder maior da resistência quilombola no Brasil.

Zumbi tombou em combate em 20 de novembro de 1695, após praticamente 100 anos de resistência

do Quilombo dos Palmares e por isso esse dia é celebrado como Dia da Consciência Negra. Mas

ainda não há de fato uma ampla consciência negra no Brasil.

A luta de Zumbi foi parte destacada da luta do povo negro na diáspora. A chegada dos

primeiros navios negreiros no Brasil marcou também a chegada da forte resistência contra a

escravidão. Até hoje, a história do povo negro no Brasil tem sido de luta contra a discriminação

racial em suas várias faces. Esta luta só não é maior que a contribuição deste povo no crescimento,

construção e desenvolvimento do Brasil. O sangue e suor negro fizeram o Brasil consolidar-se

como uma das maiores economias do mundo.

Apesar dos avanços obtidos nos séculos de luta pela liberdade e pela criminalização da

prática de racismo, o povo negro segue sendo discriminado e principal vítima das desigualdades

sociais, que têm no Brasil um forte componente racial. Ainda é extremamente forte o preconceito

contra os negros em nosso país, os próprios negros majoritariamente não assumem sua negritude,

geralmente preferindo se auto-intitular de “moreno”, “cor de terra”, “cor de jambo” e até

“azulinhos”, menos N-E-G-R-O. É como se assumir a negritude fosse assumir uma doença

contagiosa e terrível.

1

Texto adaptado para o momento. Sugiro MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo,

identidade e etnia. III Seminário Nacional sobre Relações Raciais e Educação. Rio de Janeiro, novembro de 2003.

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As mazelas do capitalismo são sempre mais dramáticas para o povo negro. O desemprego é

maior e mais irreversível entre os negros.

Quando empregados, os negros recebem salários menores dos que os não-negros. Entre as

mulheres, que já são discriminadas no mercado de trabalho em relação aos homens, os menores

salários são das negras. Entre os estudantes universitários, os negros são uma pequena minoria.

Entre os favelados do país, a maioria é negra. Entre as vítimas da violência policial, a esmagadora

maioria são jovens pobres e negros. Neste quadro, não é difícil perceber que os jovens pobres das

periferias são as vítimas preferenciais do aliciamento para o crime, dos traficantes, das quadrilhas

especializadas em furto de automóveis, arrombamento de residências, assalto a mão armada e

outros delitos. Infelizmente a população carcerária que mais cresce no Brasil é a dos pobres, negros

e excluídos socialmente. Dados publicados pela Anistia Internacional e pela Justiça Global,

organizações que lutam pela defesa dos Direitos Humanos, mostram que entre 1995 e 2003 a

população carcerária no Brasil cresceu 95%, enquanto a média mundial no mesmo período ficou

entre 20% e 30%. Mais de 90% da população presa são negros, pobres, analfabetos e excluídos da

mais elementar dignidade humana.

Recentemente a maior rede de TV do país mostrou um ciclo de reportagens sobre o sistema

penitenciário brasileiro, mostrando um estarrecedor quadro de desrespeito aos direitos humanos,

violência, bestialização dos detentos e transformação das penitenciárias brasileiras em verdadeiros

depósitos de gente. Mas isso tudo ocorre pela indiferença da sociedade que pensa majoritariamente

que o papel das prisões é fazer os indivíduos sofrerem e não serem resocializados.

As mazelas do capitalismo são sempre mais dramáticas para o povo negro. O desemprego é

maior e mais irreversível entre os negros.

Devemos cobrar do Estado a criação de uma política que dê condições para reduzir o

número de desempregados na sociedade brasileira. Faz-se necessário criar mecanismos para melhor

intervir na conjuntura atual. Entretanto, mesmo exigindo a consolidação de tais políticas, não

devemos ser tutelados pelo Estado brasileiro. Assim como outros grupos étnicos discriminados, os

negros organizados, politizados e conscientes de sua negritude também depositaram esperanças

num governo de esquerda, encabeçado por Lula no governo federal e Luizianne no governo

municipal em Fortaleza. Apostaram na construção de um projeto alternativo de governo e de poder

que pudesse iniciar um processo de reversão deste ciclo vicioso.

Apesar de o Brasil ser majoritariamente negro, o racismo é uma das práticas e

comportamentos mais “nojentos” e dissimulados. O povo negro está em todo tipo de função de

trabalho degradante, vivendo nas piores casas, comendo o pão que a miséria amassou, sem condição

de freqüentar a universidade paga, sem plano de saúde, sem respeito e sobrevivendo com os

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programas sociais pífios e assemelhados. Para as populações afro-descendentes só sobraram às

medidas assistencialistas superficiais, e cujos recursos somados são inferiores aos gastos destes

governos com suas propagandas institucionais. Gastam mais recursos para dizer o que supostamente

não são racistas, que estão fazendo alguma coisa do que com o que efetivamente deveria ser feito.

Na década de 70, retomando uma longa e rica trajetória de lutas, o movimento negro sai às

ruas para denunciar o desemprego e o subemprego do negro, vítima do racismo, da discriminação

racial e da violência policial e lutar por melhores condições de vida para a população negra

brasileira. Um dos marcos dessa retomada de luta é a criação do Dia Nacional da Consciência

Negra, no dia 20 de novembro. Nesse dia, no ano de 1695, foi assassinado Zumbi, a principal

liderança do Quilombo de Palmares, um território livre, símbolo da resistência ao regime escravista

e da consciência negra de homens e mulheres como Dandara e Luiza Mahin, em busca da liberdade

e da construção de uma nação.

Em novembro de 1995, no ano das comemorações dos trezentos anos da imortalidade de

Zumbi dos Palmares, o movimento negro brasileiro realizou a Marcha Zumbi dos Palmares - Contra

o Racismo, pela Igualdade e a Vida. Uma manifestação que conseguiu reunir cerca de trinta mil

pessoas, militantes do movimento negro e de outros movimentos sociais no dia 20 de novembro

daquele ano em Brasília.

A marcha de 1995 influenciou os rumos da luta contra o racismo em nosso país. Nos anos

seguintes o movimento negro é fortalecido e a questão racial negra passa a ser vista como um dos

impasses nacionais a serem solucionados para a construção de um Brasil sem racismo, justo e

igualitário.

No período de 1978 a 2005, as mulheres negras avançaram na construção de uma identidade

dentro do movimento negro e feminista, lideranças como Lélia Gonzáles, Beatriz do Nascimento e

outras, levaram a discussão da mulher negra para o conjunto das entidades. Crescemos na luta

contra a violência doméstica, nas políticas públicas buscamos nossos direitos exigindo acesso à

educação, à saúde discutindo nossas especificidades.

Em 1982 surge o Movimento Negro no Ceará liderado por Lúcia Simão. Acontecem a partir

desse ano movimentos freqüentes, como as semanas abolicionistas e semana da consciência negra

em Fortaleza e as missas afros2.

O período, 1995 a 2003, coincidiu com os anos dos primeiros passos da aplicação do

neoliberalismo no Brasil, em que o Estado foi se fechando no atendimento às demandas populares,

afastando-se de suas poucas características de bem-estar social, e se agigantando no financiamento

2 Pesquisar Movimento Negro no Ceará. www.movimentonegro-ce.blogstop.com

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da burguesia financeira e na repressão ao povo sem alternativa. De 2003 para cá os superávits

fiscais vem se ampliando e a manutenção da agiotagem oficial é garantida com zelo por Lula e sua

equipe econômica. Ou seja, o drama dos pobres se aprofunda estruturalmente, a violência também,

e nesse drama todos os negros são as maiores vítimas. A mulher negra, a criança negra, o idoso

negro, o doente negro, o homem negro são discriminados, esquecidos e tripudiados.

A África, em comparação aos outros continentes, foi o que mais sofreu com as

consequências desse modelo enconômico neoliberal durante 500 anos e que por sua vez culminou

na sustentação dos continentes americanos e europeu. É momento de lutarmos para que o estatuto

da igualdade Racial seja de fato transformado em lei. Sua implementação está tramitando no

Congresso Nacional, as políticas de Ações Afirmativas e contra a redução da idade penal, e por fim,

lutar pela consolidação de políticas públicas tais como terra, a questão de políticas para a mulheres,

é emergente e necessária.

A luta dos negros no Brasil é, portanto, a luta por uma sociedade mais humana e racional,

mais justa e democrática. Não há solução possível para o povo negro nos limites da predominância

da lógica das elites, que coloca interesses econômicos de grupos privados acima da vida, da

civilização e da natureza. A luta do povo negro deve ser pela redução da jornada de trabalho, para

ampliar a utilização de mão de obra no mundo do trabalho; deve reivindicar um agressivo projeto de

construção e regularização de moradias populares, de urbanização de favelas; deve reivindicar uma

rigorosa reforma agrária; deve reivindicar o desmonte da atual estrutura das polícias, culturalmente

racistas, desmilitarizando-as e substituindo-as por estruturas democráticas, que sejam responsáveis

perante toda a sociedade; deve exigir educação de qualidade, cultura, esporte e lazer para a

juventude brasileira.

Os negros devemos participar do processo de revolução democrática em nosso país. Temos

de criar um projeto político para a nossa população que tenha como perspectiva a consolidação de

uma sociedade socialista, como expressa o saudoso professor Florestan Fernandes que o povo negro

é duplamente revolucionário, por pertencer a uma classe social empobrecida pelo capitalismo e pelo

racismo.

Faz-se necessário nos perguntar "qual é o projeto político que queremos construir?" Somos

conscientes de que no governo Lula (2003 -2011) e no governo municipal de Fortaleza de Luizianne

(2005 -2012) avançou muito nas políticas públicas em nossa sociedade, o que não se consegue ver

no governo de Dilma ( desde 2011 ) e no governo municipal de Fortaleza de Roberto Claúdio

(desde 2013).

No governo Federal atual apesar de existir diálogo, as políticas para a população negra é

escassa. Na prática não condiz com o que o governo sinaliza para a sociedade civil, devemos

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encarar e compreender que a população negra nesse processo perdeu muito mais: a cidadania, em

troca do abandono e do condicionamento sociocultural ao longo desses anos, portanto o problema

do Brasil é de identidade. Por isso devemos fincar pé na luta a violência do Estado.

Nós não somos privilegiados por aqui estar. Somos convidados a participar desse novo

projeto de vida, de luta e que é necessário que pensemos num projeto para o nosso país. No entanto,

devemos considerar primordial: "Qual é o nosso foco de luta hoje, ou seja, em nossa atualidade?".

Devemos não só buscar unidade entre os diversos segmentos do movimento negro político mas,

sobretudo, concretizar unidade na ação. É momento para o crescimento superar os micro poderes e

ir para o enfrentamento ideológico, desconstruir a visão criada errônea sobre a África, como por

exemplo, que neste continente não havia contradições entre os grupos que habitavam o território.

A luta contra a intolerância religiosa tem sido um dos marcos para discutir o racismo neste

país, a hipocrisia ao se determinar que as religiões de matriz africana são satânicas, mostra a

manipulação e a introjeção do racismo, aqui protagonizados por evangélicos que controlam a

mídiaeletrônica, apesar do silêncio das autoridades, essa prática tem sido enfrentada por ações

unitárias das religiões de matriz africana.

Ao longo desses anos, as lutas pela igualdade de oportunidade no mercado de trabalho,

foram sendo incorporadas pelo movimento sindical, e varias comissões contra a discriminação

racial foram criadas nas centrais sindicais e nos sindicatos de trabalhadores. Os quilombolas têm se

articulado nacionalmente para exigir títulos de posse às terras, políticas econômicas, educacional e

cultural em seus territórios. A juventude negra, especialmente o movimento hip-hop, tem tido

avanços significativos na organização da luta contra a violência racial, desemprego e as péssimas

condições de vida da população da periferia, através de atividades culturais, manifestações públicas

e utilização de mídias alternativas (rádios comunitárias e fanzine). A visibilidade dos maracatus em

Fortaleza nos últimos anos vem fortificando a caminhada dos afro descendentes no estado.A luta

por cotas e ações afirmativas tem tido participação decisiva da juventude negra. Nos governos

municipais, estaduais e federal são criados organismos de combate ao racismo e para a

implementação de políticas para a promoção da igualdade racial. A criação da Secretaria da

Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR, com estatus de ministério no governo do presidente Luiz

Inácio Lula da Silva, representa uma resposta do Estado Brasileiro às demandas históricas da luta

anti-racismo. Em Fortaleza (Ceará) no governo municipal de Luiziane Lins foi criado a COPPIR.

A Coordenadoria de Política de Promoção da Igualdade Racial - COPPIR, está vinculada a Secretaria

de Cidadania e Direitos Humanos - SCDH. A COPPIR tem o papel de coordenar a implantação e

fomentar a políticas públicas de promoção da igualdade racial de forma transversal na cidade de

Fortaleza. Mas sua prática está loge de atingir a população negra espalhada pela cidade. Pois a

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mesma falta compromisso com essa causa. O instrumento está sendo utilizado como ferramenta de

politica de governo, simplemente. Sem foco e prespectiva e desaticulada com o Movimento Social

negro do Estado.

Apesar do avanço da luta do movimento negro, continuamos na base da pirâmide social,

com os piores empregos e salários; menor índice de escolaridade; menor acesso a saúde; somos as

vítimas preferencial da violência do Estado; sofremos com a pobreza e vivemos em um país com

profunda desigualdade econômica e social racializada.

A Pobreza do Movimento Social Negro Construído com a riqueza da luta

de um povo negro ou em busca de que vale essa luta?

“Não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta” Gabriel o pensador

A luta do movimento negro não é de hoje. A trajetória é longa. E hoje estamos nós em

cada canto deste país tentando construir algo diferente para todos em especial para o povo

negro. Não foi fácil chegar até aqui. Não é fácil construir o que denominamos de Movimento

Social Negro.

A construção do movimento negro no Brasil parte da valorização do ser negro, a

princípio. Não se construiu uma teoria social apriori para depois incorpar um ser desbotado e

transgredido. Não se bordou conceitos, modos, meios ou definiu trilhos para que o movimento

negro seguisse em uma só direção e para um só sentido. A edificação é coletiva e com todos. Não

importa como guiar essa teia social ou em que direção tomar ou para onde ir e que rumo tomar.

Assim sempre se respeitou as diferenças, tratando-as diferentemente. O respeito se

edifica com exemplo e não com autoritarismo. A autonomia é um dádiva e não uma imposição.

Uma democracia é o fruto de conquistas de um povo que clama por participação e conquista essa

vontade de fazer juntos e separados cada instante da vida. Pois, a riqueza material, todos

podemos partilhar, acumular ou sonegar, mas a vida não se negocia, não conta no balanço do

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processo político. Ela é inegociável. O governo Brasileiro não pode apagar uma luta do povo

negro, em troca de barganha política. O Movimento Social Negro só sobrevive se contar com a

luta de cada negro e negra desde pais. Ele não é um movimento de classes, ou um movimento

sindical ou político partidário. É, sim uma ação política coletiva de caráter contestador, no

âmbito das relações sociais, objetivando a transformação ou a preservação da ordem estabelecida

na sociedade. O Movimento Social Negro procura enxergar ou traduzir a teoria da tradução

intercultural localizando as identidades comuns que possuem e a necessidade de autonomia para

as especificidades de cada movimento, o que pode contribuir para o aprofundamento democrático

no Brasil. Com isso, o objetivo é o de indicar que esses movimentos podem ter pautas comuns

sem perder as suas da luta.

O movimento Negro Contemporâneo

O movimento negro contemporâneo é um movimento social identitário que agrega

entidades, associações, organizações não governamentais (ONGs), núcleo de estudos

universitários, fundações, associações culturais, agentes pastorais negros (APNs), redes, blocos

afros, famílias. Esta atuação ocorre em diversas frentes seja nos partidos político, nos conselhos

de bairros, em secretarias da administração em governos municipais, estaduais e federal, através

da participação de seus quadros técnicos, tais como: o Conselho do Negro, a Fundação Cultural

Palmares e a Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir),

dentre outros. Os ativistas negros geralmente consideram-se como um grupo unificado, apesar

da multiplicidade característica desse movimento social (CARDOSO, 2008b, p.11-28).

O movimento social negro no Brasil, ou simplesmente movimento negro, insere-se, no

contexto local e global, no que se convencionou denominar Novos Movimentos Sociais (NMSs).

Os NMSs surgem na década de setenta, a partir do enfraquecimento da classe como elemento

chave e agregador na definição identitária da luta dos grupos sociais consequentemente, as

organizações políticas de massa fragmentaram-se em vários e separados movimentos sociais,

entre eles: o movimento feminista, movimento lésbica, gay, bissexual e transgênero (LGBT),

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movimento anti-racista, movimento anti-belicista. Esses movimentos se caracterizam, dentre

outros fatores, por serem monotemáticos e apelarem de modo frequente para uma política de

proteção e promoção da igualdade e do reconhecimento da diferença (SANTOS 2006b, p. 259-

293; GOHN, 2004, p. 119-132).

Ao aproximar o fim da ditadura, com a redemocratização política, a relação entre o

Estado brasileiro, e a pressão política exercida pelo movimento negro reflete-se na atual

Constituição, que criminalizou a prática de racismo; na criação da Fundação Cultural Palmares −

fundada em 1988; e na institucionalização de Zumbi dos Palmares como herói nacional em 1995.

A relação Estado nacional e movimento negro expressasse também na criação do Grupo de

Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra, em 1995; e recentemente na

criação da Secretaria Especial para Promoção da Igualdade Racial (Seppir) em 2003 (COSTA,

2006, p. 246).

Nossa história foi muito influenciada pela ideia de harmonia racial, em grande parte resultante do

esforço de construção da identidade nacional por parte do Estado. Durante o regime presidencial

de Getúlio Vargas (1930 a 1945 e 1951 a 1954) havia a declarada orientação para que as

diferenças se integrassem em uma única identidade mestra – a identidade nacional (MUNANGA,

2004, p.137).

O caso da pertença étnico-racial, o próprio Estado tornava público e notório a ideia de

que o Brasil era um “paraíso racial”, um modelo a ser seguido pelo mundo, principalmente após

as atrocidades racistas praticadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Somente

após os vinte e um anos de ditadura militar no Brasil (1964-1985) é que o Estado brasileiro tem

caminhado no sentido de reconhecer as clivagens existentes no conceito de identidade nacional.

Neste momento cabe-nos uma análise crítica e autocrítica acerca do movimento negro,

porque habitualmente costumamos apontar somente sua força, particularmente em cenários de

disputas políticas. Porém, sem desconsiderar as necessidades e os tempos dos discursos do

momento de embate na práxis social, consideramos ser importante e necessário pensar, apontar,

resgatar e renovar algumas das críticas direcionadas ao movimento social negro. Críticas que

consideramos também como seus desafios atuais.

Para começar diríamos que existe uma crítica antiga da década de cinquenta. Ela

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corresponde ao fato de que a militância negra não atinge os negros que pertencem à massa. Essa é

uma crítica que parte do sociólogo Luis Aguiar Costa Pinto endereçada aos intelectuais do

movimento negro Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos (PINTO, 1998, p. 235-270).

De fato a crítica ainda se aplica, pois o ativismo negro promove eventos que giram em torno de si

mesmos, na maioria dos casos.

Consideramos importante o diálogo com negros que não pertencem e até rejeitam a militância,

é uma necessidade para a sobrevivência e renovação do próprio grupo. Seria produtivo ampliar o

diálogo para pessoas de outras pertenças étnico-raciais, especialmente, os brancos. No caso do

diálogo com outros negros seja feito sem preconceitos advindos da classificação a priori: “negro

consciente” e “negro inconsciente”. Para abreviar diríamos que o discurso repetitivo e quase sempre

dirigido ao mesmo público da militância negra é uma de suas maiores fragilidades.

Novembro, mês da consciência negra. O significado da Semana da

Conciencia Negra no Ceará. O movimento cria a semana para visibilizar a

luta

“A consciência, no seu plano mais simples e básico, permite-nos reconhecer o

impulso irresistível para conservar a vida e desenvolver um interesse por si

mesmo.”António Damásio

O dia 20 de novembro comemora-se a data do falecimento do líder negro Zumvi dos

Palmares. A data foi instituida pela Lei 12.519/2011 e tem apenas dois artigos a saber: A

PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a

seguinte Lei:

Art. 1º - É instituído o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a ser comemorado,

anualmente, no dia 20 de novembro, data do falecimento do líder negro Zumbi dos Palmares.

Art. 2º- Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Ela representa um importante momento da história, especialmente para 72% da população

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brasileira, que é representada por negros e pardos. A data lembra a morte do líder Zumbi dos

Palmares, que lutou pela libertação dos negros escravizados, durante o período colonial no país.

Apesar da data ter sido instituída como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra pela

Lei 12.519/11, ainda não é considerada feriado nacional.A adesão ao feriado ou instituição de

ponto facultativo é decisão legal de cada estado ou município. Mais de 700 cidades já adotaram

feriado, no Dia da Consciência Negra. e Fortaleza será feriado nesse dia?

A data é considerada como uma ação afirmativa de promoção da igualdade racial e uma referência

para a população afrodescendente dedicada à reflexão sobre as consequências do racismo e sobre

a inserção do negro na sociedade brasileira.

Celebrações

As atividades alusivas a este dia, são celebradas ao longo de todo mês de novembro,

ampliando os espaços de discussão sobre as questões raciais. Assim surge no Ceará a Semana da

Consciência Negra no ano de 1082. A semana é, em princípio, uma alusão a Zumbi dos Palmares.

Zumbi foi um dos principais líderes do Quilombo do Palmares, em Alagoas, área usada

pelos escravos para fugir do domínio dos senhores de engenho. As primeiras referências à

Palmares são de 1580, na região da Serra da Barriga, onde fica hoje o Parque Memorial

Quilombo dos Palmares. Há estimativas de que o quilombo resistiu mais de 100 anos. O líder do

Quilombo dos Palmares, no final do século XV, era Ganga Zumba, tio de Zumbi. Em 1678, o

governador da Capitania de Pernambuco ofereceu um acordo de paz a Ganga Zumba, que

aceitou, mas nem todos concordaram. Aconteceu, então, uma rebelião, liderada por Zumbi, que

governou o grupo por 15 anos. Foram necessárias 18 expedições do governo português,

liderados por bandeirantes, para erradicar Palmares. Zumbi adotou uma estratégia de defesa

baseada em táticas de guerrilha. Os bandeirantes descobriram, através de um delator, o

esconderijo do líder. E em 20 de novembro de 1695, eles mataram Zumbi em uma emboscada.

Sem outra liderança, Palmares sobreviveu até 1710, quando se desfez. Desde 1995, Zumbi faz

parte da galeria de Herois da Pátria.

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Hoje, os quilombolas, nome dado aos descendentes dos moradores das comunidades ou

agrupamentos negros espalhados pelo Brasil, são reconhecidos e suas áreas estão sendo

demarcadas, a fim de protegê-los, contribuindo para a manutenção das tradições e a

ancestralidade da cultura negra. Os remanescentes de quilombo são definidos como grupos

étnico-raciais que tenham também uma trajetória histórica própria, dotado de relações

territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à

opressão histórica sofrida, e sua caracterização deve ser dada segundo critérios de auto-

atribuição atestada pelas próprias comunidades, como também adotado pela Convenção da OIT

sobre Povos Indígenas e Tribais.

A chamada comunidade remanescente de quilombo é uma categoria social relativamente

recente, representa uma força social relevante no meio rural brasileiro, dando nova tradução

àquilo que era conhecido como comunidades negras rurais (mais ao centro, sul e sudeste do país)

e terras de preto (mais ao norte e nordeste), que também começa a penetrar ao meio urbano,

dando nova tradução a um leque variado de situações que vão desde antigas comunidades negras

rurais atingidas pela expansão dos perímetros urbanos até bairros no entorno dos terreiros de

candomblé.

Há mais de 2 mil comunidades quilombolas no país, lutando pelo direito de propriedade de suas

terras consagrado pela Constituição Federal desde 1988. A população que morava nessas

comunidade negras geralmente fora abandonadas, não saiam nas estatísticas governamentais

como tal, pelo simples fato de serem negros. Aplicavam a teoria do embranquecimento em todo o

pais e no Ceará a ideologia da invisibilidade. O negro foi coisificado, "desalmado". Assim como o

animal "que também não tem alma" poderia ser subjugado. Além disto, propositalmente fez com

que todas as contribuições das civilizações africanas à humanidade e a resistência do negro à

escravização fosse criminosamente apagada. Uma borracha passada na história e na vida

nacional. A elite escravocrata conseguiu o objetivo. Constitui-se assim a figura do africano como

um povo primitivo, sem cultura ou saberes. Apagaram da história, por exemplo, que as pirâmides

foram construídas por africanos. Que a grande civilização egípcia é uma civilização africana. Que

as tecnologias, os conhecimentos de povos africanos foram fundamentais para o desenvolvimento

dos ciclos econômicos do Brasil colônia. Aliás, havia o cultivo da cana de açúcar, do algodão e

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de café nos países europeus? e a tecnologia dos minérios, ferro, ouro. Hoje sabemos que os

primeiros grandes navegadores não foram os portugueses e sim povos africanos.

O processo proposital de inferiorização do negro não parou por aí. Toda resistência dos

negros ao processo de escravização foi omitido da história. Pouco sabemos dos quilombos. Até

pouco tempo imaginávamos quilombo como uma experiência apenas do nordeste brasileiro.

No entanto, só aqui no Ceará já foram identificados pelo governo do Estado mais de 110

comunidades remanescentes de quilombos. A resistência negra à escravização se deu de diversas

formas: os quilombos, as irmandades religiosas, as associações de trabalhadores, as rebeliões nas

fazendas, entre outras. Toda esta história foi deliberadamente escondida. Em seu lugar,

aprendemos que os negros eram mais dóceis que os indígenas, que a abolição se deu graças à

benevolência da Princesa Isabel, que as grandes contribuições africanas ao país foram no campo

da capoeira (embora considerada como crime na legislação nacional por décadas), da culinária, da

dança, numa tentativa de folclorização do negro. Estas construções ideológicas deixaram marcas

profundas na estrutura e na consciência nacional do país.

Todo este processo de dominação propiciou um quadro de exclusão da população negra.

Com o fim da escravização, os negros e negras são é jogados à própria sorte. Com o êxito do

mito construído da inferioridade do negro, para a elite um projeto de país desenvolvido só seria

possível com o embranquecimento da população. Setores dominantes da elite nacional defendiam

a necessidade da migração de europeus para o progresso do país. Houve financiamento público

para a vinda de europeus para o país. Houve doação de terras da região sul do país. Não

questiono este fato. Questiono a falta de políticas públicas que tivessem todos os segmentos da

população como destinatários.

Enfim o 20 de novembro, e a semana da consciência negra, que em 2015 se realiza a sua 33ª

versão, nos dará subsídios para discutir esses e outros fatos para poder se traçar uma nova rota

de oportunidades para todos e todas, se é que queiramos um país melhor.

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Exemplo de Luta

Na 32ª Semana da Consciência Negra no Ceará realizada no ano de 2014 teve como tema:

Patrimônio da terra da Luz: diálogo com os povos africanos e suas vivências e da liderança e

grupos culturais

A Semana da Consciência Negra no Ceará se concretiza pela força da mobilização social

surgida pela necessidade de condições dígnas para a população negra nesse estado. Com o

passar dos anos militantes e ativistas desbravam o interior do estado e faz visibilizar as inúmeras

comunidades negras espalhadas pelo território cearense. As ideologias da invisibilidade

implantada no Estado direcionam o contrário: de que não existem negros no Ceará. Mas as

estatísticas do IBGE, hoje comprova o inverso.

Com o tema Patrimônio da terra da Luz: diálogo com os povos africanos e suas vivências e da

liderança e grupos culturais o seminário foi formatado. O encontro trouxe informações sobre

Angola, Cabo Verde, Guiné e Moçambique na visão daqueles que são de lá, mas que aqui

partilham uma nova maneira de ser. O que pode ser pensado, articulado, tramado no tocante a

educação, cultos, trabalho e cultura entre África e Brasil. O Brasil tem o quê, a oferecer?

No caso singular do Ceará que culturalmente teve forte influência da cultura banto, os

Bantos3, cujo culto estava intimamente ligado à adoração dos mortos4, isso significa dizer que os

povos aborígenes e africanos que aqui conviviam estavam acostumados a ligar a dimensão

temporal com as noções de transformação, de envelhecimento, de começo e fim, de passado

imutável. Tudo isso remonta a uma lógica formal, isto é, o fundamental é a coerência e não a

verdade. E, à medida que a vida passa há mesmo tantas e tantas situações que se fixaram, que

não mais podem ser mudadas e nas quais, como Jean Paul Sartre o formulou, o homem fica preso

mesmo a esses costumes que alimenta suas vidas.

Apesar de tudo isso, porém, não podemos esquecer a outra dimensão do tempo que

3 Segundo Walmir Damasceno a cultura Banto está na alma do povo brasileiro. A palavra negra é pertencente

ao dialeto kimbundu, a palavra quitanda que quer dizer ir ao mercado, assim como samba, zumbi, xinga, jinga que é

a corruptela de uma das grandes heroínas que lutaram pela libertação de Angola quando chegou o colonizador Diogo

Cão, a rainha Jinga ou Zinga. 4 A cultura banto trouxe a dimensão temporal e cíclica que acrescentou a cultura brasileira.

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passa. E para o povo negro e indígena essa dimensão que denominamos de cíclica o ajudar a

reergue-se a cada momento. É a dimensão cíclica, pela qual, sempre há novo começo.

Pretendemos com esse siminário iniciar algo, como a troca de um saber popular entre esses

povos tão ricos.

As Matrizes discursivas do Movimento Social Negro no Ceará para se compreender a

Semana da Consciencia negra.5

“A luta não acabou, temos que difundir a ideia da consciência negra na sociedade para que

tenhamos um estado tolerante onde prevaleça a igualdade racial, sem preconceitos”. Mércio Franklin

A história do movimento negro institucionalizado no Ceará começa com a fundação do

Grupo de União e Consciência Negra- GRUCON,através dos contatos pessoais que Lúcia Simão6

mantinha, através de cartas, com a articulação nacional desse grupo em São Paulo, que ainda em

1981 iniciou articulações por todo o país em busca de sua autonomia em relação à Igreja

Católica. Desde 1977 Lúcia Simão conhecia as Irmãs Religiosas da Congregação do Sagrado

Coração de Jesus da qual fizera uma experiência vocacional, e em 1981, viajou a convite delas

5 O presente texto é parte da obra intitulada: “Negrada Negada” a Negritude Fragmentada: O Movimento Negro

e os discursos identitários sobre o negro no Ceará (1982-1995), de Antonio Vilamarque Carnaúba de Sousa

que foi adptado para o resgate da caminhada de Maria Lúcia Simão Pereira como fundadora do movimento Negro

no Ceará e cultivadora da Cultura Negra nesse estado ao longo de 35 anos de sua vida, nesse sentido esse

documento alimenta a solicitação da mesma ser registradada como Tesouro vivo da Cultura Tradicional

Popular. 6 Lúcia Simão é considerada a grande fundadora do Movimento Negro no Ceará. Seu depoimento foi indispensável

para a compreensão da trajetória do grupo, pois Lúcia foi responsável pela difusão da luta dos negros pelo

interior do Estado, através de vistas regulares que fez aos grupos articulados pelo interior. Junto com seu

esposo William coordenam hoje o Maracatu Nação Iracema e são articuladores nacionais do Movimento Negro.

Em sua narrativa não há separação entre sua história de vida e a história do movimento. É uma narrativa feita

na primeira pessoa do singular. Sua origem familiar, na Comunidade Lagoa do Ramo em Aquiraz, uma das

comunidades negras “descobertas” pelos pesquisadores, é apresentada como justificativa e credenciamento para

seu pioneirismo no movimento negro do Ceará.

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para participar da Missa dos Quilombos7 em Recife.

A gente não sabia que existia movimento negro, não sabia que negro se encontrava por ai afora e

as irmãzinhas, elas sabiam desse meu desejo e lendo uma revista chamada SEDOC [Serviço de

Documentação, da Editora Vozes] eu vi um artigo que convidava as pessoas a participarem

daMissa dos Quilombos que ia acontecer em Recife e estava muito no auge, porque quem ia

cantar a Missa era o Milton Nascimento. Elas me convidaram a ir a Recife pra assistir essa missa,

eu fui mais duasirmãs e assistimos a essa missa. Quando eu cheguei lá eufiquei maravilhada,

fiquei besta de ver tanto negro junto e foi lá que eu descobri que negro se encontrava, ai fiquei

meio doida, fiquei doida!8

Em maio de 1982 Lúcia fez os primeiros contatos com os membros do GRUCON em São Paulo e

em novembro deste ano viajou para participar da Semana da Consciência Negra e do Encontro

Nacional do GRUCON, de onde retornou nomeada como articuladora local.

O Grupo de União e Consciência Negra já existia em três estados do Brasil e me

convidaram a formar um núcleo aqui em Fortaleza, tirar um representante para somar com os

representantes que formavam a Comissão Nacional do Grupo de União e Consciência Negra.

Imediatamente, me despertou. Conversamos, quando foi em setembro de 1982 eu escrevi para

São Paulo perguntando como eu poderia fazer para conhecer o movimento de perto (...) A partir

daí eu fiquei participando dos encontros a nível nacional.

Nesse ínterim, articulou no bairro do Jardim Iracema um pequeno grupo de consciência

negra, com seus familiares, alguns vizinhos e membros das pastorais católicas do bairro, que mais

tarde transformou-se na base do GRUCON no Ceará.

E comecei aqui a me encontrar, eu, a Cleide minha irmã e mais duas ou três pessoas, a

mãe, a Margarida e a Graça que era irmã de Eugênio, essas pessoas.(...) Nós começamos assim,

um grupo

7 A Missa dos Quilombos foi celebrada uma única vez a 22 de novembro de 1981 em Recife/PE por Dom José

Maria Pires, Arcebispo Negro da Paraíba, intitulado Dom Zumbi. Parte de seu sermão (Homilia) está

reproduzido no boletim católico Tempos Novos. Ano VI, nº 40, março/1988, p. 7. Há também um registro

fonográfico em LP intitulado Missa dos Quilombos de Milton Nascimento, Dom Pedro Casaldáglia (Bispo de São

Félix do Araguaia) e Pedro Tierra, gravado no Mosteiro de Caraça em Minas Gerais em abril de 1982. A

celebração foi proibida pela Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo Cardeal Ratzinger (Hoje Bento

XVI) como desvirtuamento da fé católica. Só em 1990, a Congregação para o culto divino liberou um modelo de

celebração afro-brasileira com restrições aos possíveis “excessos”. 8 Entrevista realizada com Lúcia Simão, dia 24/08/2003 na cidade de Fortaleza/CE.

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da Pastoral Operária, um núcleo de dentro da Igreja, assim como o [Grupo de União e]

Consciência Negra (...) e vi que era melhor a gente caminhar com o [Grupo de União e]

Consciência Negra porque abrangia o negro na totalidade, não por ele ser crente, nem por ele

ser católico, nem por ele ser espírita, mas por ele ser negro9

Um de nossos depoentes, William Augusto Pereira10, fundador do GRUCON,

desenvolveuumagrande preocupação com a manutenção da do movimento negro local. William foi

responsável pela primeira sistematização da memória e da história do grupo11 . Representa um

daqueles que assumem para si a tarefa de perpetuar a experiência do grupo a que pertencem,

fazendo a passagem da memória para a história, ajudando a redefinir e a revitalizar o passado, um

historiador de si mesmo12Em artigo publicado no Boletim Raízes do Instituto da Memória do Povo

Cearense - IMOPEC, William Pereira inicia um processo de releitura sobre as origens do

Movimento Negro local, descrevendo a fundação do Movimento Negro do Ceará.

O Movimento Negro no Ceará surgiu mediante o despertar de uma consciência crítica

entre algumas pessoas negras que sentiram a necessidade de conhecer suas raízes e o desejo de

se assumirem como negras. (...) Tudo teve início no ano de 1982. A primeira reunião constatada

em ata é do dia 13 de julho, quando um pequeno grupo de pessoas negras se encontrou no bairro

9 Lúcia difere aqui a possibilidade de ter se tornado Agente de Pastoral Negra, optando por uma trajetória mais

social ligada ao Grupo de União e Consciência Negra, pois quando da recusa do GRUCON em continuar

vinculado a CNBB e ser considerado como Pastoral Católica, a Igreja passou a estimular a organização dos

Agentes de Pastoral Negros (APN´s), grupo orientado pela hierarquia católica e que passou a receber os

incentivos financeiros outrora destinados ao GRUCON. 10 William Augusto Pereira é casado com Lúcia Simão e um nome recorrente quando se fala em Movimento Negro o

Ceará. Ingressou no movimento por influência do irmão e de Lúcia com quem casou em 1983 Presidiu a

Coordenação Nacional do Grupo União e Consciência Negra no final da década de 1980. Fez curso de

Especialização em Brasília/DF sobre Políticas Públicas para afro-brasileiros e faz parte de várias comissões

estaduais sobre a questão do negro no Ceará. Na atual gestão municipal é assessor do Vice-prefeito de

Fortaleza Carlos Veneranda e de políticas raciais da Prefeitura de Fortaleza. William possui arquivo pessoal de

fotos e vídeos do movimento e nos forneceu vários recortes de jornais, documentos, cartilhas e

correspondência do movimento. 11 Para a memória do movimento descrita pelo depoente ver PEREIRA, William Augusto. Jardim Iracema – Pioneiro

na organização Negra. In: Raízes. Boletim do Instituto da Memóriado Povo Cearense – IMOPEC. Fortaleza:

IMOPEC, Ano 2, nº 6, p.6, abril/junho de 1993, o texto de sua autoria Resgate das comunidades negras no

Ceará na ótica do movimento negro(mimeo) e a cartilha Resistência Negra: O percurso do Movimento Negro

para a construção de uma identidade afro-descendente. Fortaleza: Edição do autor, 2001, utilizados na

formação de militantes 12 NORA, Pierre. Entre memória e história – A problemática dos lugares. Revista Projeto História. São

Paulo:UNESP, nº 10, p. 17, dez 1993.

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Jardim Iracema13 William Augusto justifica o pioneirismo do bairro do Jardim Iracema na formação

dos grupos de consciência negra pelo fato que ali residir um grande número de negros e

ressaltando que muitos desses negros, moradores do bairro descendem diretamente da família

dos Caetanos de Uruburetama.14 Muitos deles oriundos de Conceição dos Caetanos, do

município de Uruburetama e Água Preta. Nos bairros próximos também residem famílias negras,

como no bairro do Quintino Cunha, Pe. Andrade, Olavo Oliveira e São Francisco. Foi no Jardim

Iracema que iniciaram as reflexões com alguns desses negros. A partir daí, surgiram os núcleos

de Antonio Bezerra e da comunidade do Trilho.15

O fato começou a incomodar os demais estudantes negros da universidade,

especialmente um grupo que se organizara sob a denominação de NEUPI – Núcleo de Estudantes

Universitários do Piauí, em sua maioria negros, que decidiram denunciar o fato através de seus

trabalhos no Curso de Sociologia. A repercussão que esses trabalhos tiveram foi lembrada polo

depóente, especialmente na reação de uma docente do curso16, que na sua interpretação, tentou

desqualificar os trabalhos propostso procurando por um fim aos “conflitos instalados pelo grupo”

com o argumento de que viviam numa Democracia Racial. Acentuou-se ainda mais no grupo o

desejo e a necessidade de mobilização dos estudantes negros africanos e agora também do Piauí,

que mais tarde somaram suas reflexões com aquelas que se processava na periferia do bairro

Jardim Iracema e nos grupos de tradições afro-brasileiras17

A reação docente nesse episódio pode evidenciar posições generalizadas entre

intelectuais desse período, de que não existiam negros nem conflitos raciais no Ceará e que,

portanto, tornava-se

desnecessário evidenciar esse tipo de conflito. Acreditava-se que aquela não era uma situação de

racismo, nem de segregação, e que essas eram questões que vivenciadas além de nossas

fronteiras

13 PEREIRA, William Augusto. Jardim Iracema – Pioneiro na organização Negra., p. 6.

14 Conceição dos Caetanos é o mais famoso e conhecido Agrupamento Negro do Ceará. 15 PEREIRA, William Augusto. Op. Cit., p. 6. 16 A pedido do depoente não citamos nominalmente a referida professora do Curso de Sociologia que ainda hoje

leciona naquele Departamento. 17 Esse episódio está relatado também na cartilha de PEREIRA, William Augusto. Resistência Negra: O percurso

do Movimento Negro para a construção de uma identidade afrodescendente., pp. 26-27.

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geográficas locais e nacionais. A coordenação do curso procurou contornar a

situação,argumentando tratar-se de um caso de xenofobia e não de racismo, motivada por

questões de divergências políticas.Outra hipótese que podemos considerar para a supressão do

conflito dentro da universidade, talvez tenha sido a preocupação em evitar a intervenção

repressiva por parte da política institucionalizada (patrulhamento) no meio acadêmico, realidade

verificada nos anos de vigência do regime militar. Como lembrou José Florêncio18 , que na época

era estudante dessa universidade:

entrevista cedida por Florência19.

Não localizamos em nossa pesquisa nos jornais locais (O Povo e Tribuna do Ceará) durante os

anos de 1978 e 1979 qualquer registro de casos de racismo ou de mobilizações em torno de

questões raciais negras no Ceará. Até o ano de 1978, a imprensa local limitava-se a comentar as

comemorações oficiais. A partir de 1979 surge o primeiro registro da existência de uma

discriminação velada no país20Importante registrar que em 1979, a professora universitária Luiza

de Teodoro, que havia sido perseguida pelo regime político, assina matéria no Jornal O Povo,

intitulada A Consciência Negra quer se manifestar21 onde faz uma análise do momento de

ressurgimento dos movimentos negros brasileiros. Nos anos seguintes, encontramos diversas

referências nos jornais sobre a questão do negro, evidenciando certa preocupação pelo debate na

18 José Florêncio da Silva é Advogado e Microempresário. Formado também em Sociologia e Educação Física.

Piauiense de nascimento veio adolescente para o Ceará. Fundou o NEUPI, participou do GRUCON e articulou o

Instituto Zumbi dos Palmares, instituição que representa até hoje. 19 Entrevistas realizadas com José Florêncio, dias 12/11/2003 e 16/03/2004 em Fortaleza/CE. 20 Velada ou desmentida a discriminação continua. Jornal Tribuna do Ceará. 15/12/1979, pp. 24/25 21 TEODORO, Luiza de. A Consciência negra quer se manifestar. O Povo. 22/11/1979.

Não era raro soldados invadirem o campus quando havia qualquer tipo de manifestação. A

repressão era muito forte e ao mesmo tempo velada. Bastava levantar uma faixa ou um

cartaz que imediatamente apareciam os milicos. (...) As pessoas tinham medo de protestar,

de formar grupos, de se encontrar para conversar. As iniciativas que surgiam eram sempre

muito tímidas porque existia o medo dos militares infiltrados entre os alunos que havia em

cada curso. (...) Formamos o NEUPI porque os negros cearenses acreditavam que no Ceará

ninguém era negro e se ofendiam quando a gente convidava para o grupo. Eles não queriam

se articular, eles não se achavam negros, e diziam que era por causa da polícia.

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imprensa22 . O Jornal O Povo registra ainda, em 1982 - ano em que os militantes cearenses

somente começavam a se articular - alguns debates, bastante politizados com Abdias do

Nascimento e Lélia González, promovidos pela Universidade Federal, que revelam a fecundidade

do tema no meio acadêmico23 .

Com exceção de Florêncio, nenhum dos demais depoentes em Fortaleza mencionou fatos

relacionados a repressão político-militar vigente no país no período em que surgiam os grupos

deconsciência negra. Talvez porque o depoente em questão estivesse inserido numa instituição

intelectual e potencialmente resistente a ideologia em vigor e, conseqüentemente, alvo de

controle político-militar, além do patrulhamento ideológico, e por seu oposto, os demais

militantes estaremvinculados ao espaço religioso católico, salvaguardados da repressão militar.

Entretanto, corroborando com o depoimento de José Florêncio, a dona de casa Graça Pereira

moradora de Tauá,

lembrou que ali também fora forte a repressão militar, assim como a discriminação racial. E entre

vários episódios de discriminação que nos relatou emocionada, um deles aparece como síntese

dessas duas violências. Contou-nos que durante a longa seca de 1979-1983, o governo federal

através do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS, autorizou a construção

do Açude Santa Fé (conhecido no lugar como Açude das Mulheres) entre Crateús e Tauá,

através dos bolsões da seca24 , sob a orientação e comando dos militares do Exército brasileiro.

Como trabalhadora nessesBolsões, Graça lembrou que ali, trabalhavam quase que exclusivamente

mulheres, pois os homens haviam migrado para a capital e para outros estados em busca de

oportunidades de trabalho e, como demoravam em retornar, eram as mulheres que sustentavam

as famílias25 .

22 Negro: Zumbi e as lutas atuais de conscientização. O Povo. 20/11/1980, p. 1. Negros: Libertados da

escravidão mas reprimidos pelo preconceito. O Povo. 25/03/1981. 23 Consciência Negra. O Povo. 20/11/1982, 2º Caderno, p. 19 (entrevista de página inteira com Abdias do

Nascimento) e Consciência Negra. O Povo. 23/11/1982, p. 23 (debate com Lélia Gonzalez), ambos convidados da

Semana da Consciência Negra. 24 Os Bolsões da Seca foram uma forma de aproveitamento da mão-de-obra local desvalorizada economicamente

pelo flagelo seca e miséria, nas obras públicas de irrigação. Sobre essa seca ver especialmente o capitulo 5 em

VILLA, Marco Antonio. Vida e Morte no Sertão. História das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São

Paulo: Ed. Ática, 2001. 25 Um interessante e emocionante relato dessa seca na região de Crateús foi registrado no pequeno livro de

memórias do religioso austríaco conhecido como Alfredinho. KUNZ F.C., Pe. Frédy. À sombra de Nabuco. São

Paulo: Edições Loyola, 1997, pp. 15-16, 76-83.

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O trabalho feminino nessas condições era, por si só, alvo de preconceito - analisava

nossa depoente. Acrescentava-se a isto, o forte preconceito racial, pois em Tauá e em toda a

região de Crateús ainda é forte a presença negra. Os militares do Exército designados para o

comando dessa obra, além de representarem firmemente o governo federal militar, exercitavam a

força coercitiva e a humilhação das operárias pela discriminação sexual e racial. Graça lembrou

de mulheres que abortaram seus filhos, vitimadas pelos trabalhos forçados que realizavam no

transporte de pedras, piçarra e barro, como pelos maus tratos, ofensas e injúrias que sofriam26.

Graça lembrava ainda que, entre os militares havia um tenente negro chamado Muniz, que

apesar de não se diferir dos demais, transformou-se em referência entre as trabalhadoras das

obras e moradores locais para designar a arrogância dos militares, justamente por ser negro.

Lembrava que naquele período tornou comum na cidade o adágio: Se negro fosse gente urubu era

tenente. Reunidas em torno das Comunidades Eclesiais de Base de Crateús,essas mulheres

formaram associações e grupos de consciência negra, assessoradas por pessoas que acolhiam

temporariamente

em suas residências a pedido do bispo diocesano local, Dom Fragoso, que dessa forma lhes

ajudava nas despesas familiares27.

As tensões entre esses espaços diferentes nos quais se localizavam os militantes negros e

os diferentes discursos identitários que daí emergem, se evidenciaram desde a composição inicial

do movimento e podem ser percebidos nos depoimentos de quase todos nossos depoentes.

Na fala de Roserlândio, por exemplo, percebemos uma tentativa de privilegiar a memória

do movimento, a partir das ações de seu grupo de pertencimento, essencialmente católico.

Indagado sobre os primeiros componentes do movimento no Ceará, não mencionou pessoas

ligadas ao espaço político, apenas aqueles com quem mantinha relações afetivas. Quando

questionamos sobre a ação dos demais grupos do movimento, citando-os nominalmente, o

depoente teceu os seguintes comentários: A gente tem que admitir que o Grupo de Negros do

PT era um grupo que existia pro forme ou de nome, porque mesmo dentro dos partidos as

26 Entrevista Coletiva com Grupo Zumbi dos Palmares em Tauá, setembro de 2003 27 Sabe-se que Dom Fragoso, considerado um bispo de esquerda pelo regime militar, recebia políticos de várias

parte do país, dando-lhes abrigo em troca de seus trabalhos de formação pastoral, social e política junto às

comunidades locais.

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questões ligadas à causa da negritude não

eram tão consideradas em termos de bandeiras de luta aqui no Estado, apesar de que recebemos

apoio de políticos profissionais, e isto não resta a menor dúvida. O grupo de negros do Partido

dos Trabalhadores surgido durante a Administração Popular da prefeita Maria Luiza Fontenele

(1985-1989), que promoveu intensa programação de promoção étnica nesta capital28 , não

somente existia como publicava uma coluna no jornal do Partido sobre a questão racial no Brasil

e no Ceará. Nessa mesma época, existia também, o núcleo de negros no PDT, partido de Leonel

Brizola que no Rio de Janeiro inovara na política e na administração pública nomeando e criando

órgãos públicos voltados especialmente para as demandas da população afrobrasileira29.

Vivia-se um momento político nacional de florescimento das questões étnicos-raciais, que

favorecia o aparecimento de novas lideranças negras e o ressurgimento das antigas30 .

A influência e interferência dos partidos políticos no Movimento Negro do Ceará parece ainda

não ter sido dimensionada, até o presente momento, como significativa para compreensão do

Movimento Negro do Ceará, pelos seus próprios militantes, especialmente os pioneiros ligados a

esfera católica. William Augusto Pereira que; como dissemos tornou-se um historiador dentro do

próprio movimento e, por isso, julgamos possuir uma visão mais ampla das tramas que envolvem

o surgimento e desenvolvimento do grupo, ao tentar responder nossa pergunta sobre o apoio e

influência que os partidos políticos tiveram nos primeiros anos de enfrentamentos do grupo,

revelou que tal participação não fora inicialmente percebida.

Não recebíamos apoio dos partidos políticos. Apoio só no sentido de não atrapalhar. Nós

trabalhávamos com o PT, não é nem trabalho, mas o PT de vez em quando... Não sei se o nome

é de vez em quando. Na realidade nós nos envolvíamos com os partidos políticos. Num primeiro

28 Em nossa pesquisa nos jornais da década de 1980, constatamos uma programação cultural e intelectual voltada para as

questões relacionadas à negritude, promovidas pela Prefeitura de Fortaleza na Administração de Maria Luiza Fontenele.

Eram debates, conferências e Shows com artistas negros 29 No retorno às eleições diretas para governador em 1982, Leonel Brizola no Rio de Janeiro, nomeou três secretários negros,

dentro eles, Caó – Carlos Alberto de Oliveira, para a pasta da Secretaria de Trabalho e Habitação. Em São Paulo, os negros

que haviam trabalhado na campanha de Franco Montoro do PMDB exigiram medidas semelhantes, sem sucesso. Montoro, no

entanto, implantou o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (FÉLIX, João Batista de Jesus.

Pequeno Histórico do Movimento Negro Contemporâneo., p. 215). 30 Nessa mesma época, Abdias do Nascimento assumiu a vaga de Deputado Federal e Benedita da Silva foi eleita Vereadora,

em seguida, Deputada Federal Constituinte pelo Rio de Janeiro. Wagner do Nascimento foi um dos primeiros prefeitos

negros eleito em Uberaba/MG e Gilberto Gil assumiu a Secretaria de Cultura de Salvador/BA. Há, evidentemente, nesses

jogos políticos muitas estratégias de cooptação do movimento negro e de captação de votos, mas muito também de atuação

política do Movimento Negro.

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momento, nem eu nem Lúcia e muito pouco o pessoal do Jardim Iracema. Nos envolvíamos muito

pouco, apesar de sermos filiados. Mas não houve envolvimento político em si. O PC do B

também houve uma aproximação, mas eu não consigo identificar que fizemos, que houve uma

manifestação com os partidos, não houve isso não. As manifestações que nós fizemos eram

manifestações sociais, ligadas ao movimento do qual os partidos apareciam e davam apoio, davam

apoio no sentido de que a luta é importante. No PT tivemos, vamos botar uma ressalva, que eu

agora lembro aqui que o PT nos ajudou muito com as questões raciais. O João Alfredo, o próprio

PC do B aqui, usou a tribuna para denunciar diversos casos de racismo. O João Alfredo foi

realmente... o PT fez uma grande parceria e nos ajudou muito. O PT é verdade, o PT nos deu

uma grande ajuda em termos das nossas reivindicações serem atendidas lá na tribuna da Câmara

e também na Assembléia, mas na Câmara de Vereadores, também na época o Durval Ferraz

também houve uma ajuda. É realmente, houve uma ajuda muito boa do PT. O PC do B ficou um

pouco assim, em cima do muro, o PT foi mais atuante [grifos nossos]31 .

Observemos que o apoio dos partidos políticos ao movimento não foi percebido inicialmente na

resposta dada pelo depoente, mas no transcorrer dessa resposta processa-se uma revisão

interna que o faz perceber que as articulações do grupo eram favorecidas por políticos ligados

ao PT, que conclui ter prestado uma ajuda relevante no início do movimento.

Percebemos assim, que na história do Movimento Negro cearense, apesar das insistentes

tentativas em contrário, os questionamentos em torno da realidade social do negro e a

possibilidade discursiva em torno de uma negritude estavam já em curso e surgiam em vários

locais e em vários espaços de atuação socio-político, promovendo discursos que procuravam re-

significar a própria negritude ao mesmo tempo em que ensejavam a necessidade de congregação

desses grupos que surgiam com o propósito de contrapor-se a diversas situações de

discriminação. Esses grupos de Consciencia negra que articulados promovem o que chamamos de

Movimento Negro Cearense, surgidos no in[icio da década de 1980, estavam ligados, direta ou

indiretamente, através de seus militantes e líderes, a algumas matrizes discursivas: a Igreja

católica, a Universidade, os partidos políticos de esquerda( Partidos dos trabalhadores, Partido

31 Entrevista com William Augusto Pereira, realizada em Fortaleza, Agosto/2003.

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comunista do Brasil e Partido Democrático Trabalhista) ou a movimentos sociais.

As influências que essas matrizes discursivas exerceram (e ainda exercem) na prática e no

discurso do Movimento Negro cearense podem ser percebidas de diversas formas, pelos métodos

de articulação, através dos diversos grupos de consciência negra espalhados pelo estado do

Ceará, servindo-se de outras instituições como apoio, pela suas buscas de institucionalizações

junto às organizações governamentais ou nãogovernamentais, nacionais e estrangeiras, e pelas

formas de arregimentação da população negra que lhes garantem representatividade como

segmento organizado dessa população.

Essa forma institucional, e por vezes burocrática, com que essas matrizes discursivas

costumam se estabelecer socialmente e promover ações para a concretização de suas metas

determinaram, em muito a forma de articulação do Movimento Negro cearense e sua forma de

agir.

Isso por um lado, possibilitou ao grupo uma certa solidez institucional em meio as

matrizes as quais se vinculava, estabelecendo-se como demanda particular legítima nas ações da

Igreja Católica, a qual destinou, desde a formação do GRUCON atenção especial à causa da

população negra cearense.

E da mesma forma, nas ações dos partidos políticos de esquerda, que passaram a constituir

núcleos específicos para o tratamento da questão racial em seus programas político-sociais, e

nas Universidades, onde a recorrência do tema racial e anti-racial aparece cada vez mais

freqüente, determinando, ultimamente questões como a necessidade das cotas raciais.

Notadamente, a Igreja Católica, foi a matriz que, numericamente e discursivamente, mais influenciou e forneceu os militantes negros nesse período inicial

do Movimento Negro Cearense, primeiramente porque representou nesse estado, espaço de atuação privilegiado e de certa forma, protegido, num período em que

ocorreu uma grande retração de outros espaços de atuação política em decorrência da repressão militar32 . Nesse sentido, percebemos que os primeiros integrantes

32 Esse caráter privilegiado de atuação dos militantes católicos deve-se em muito à presença firme e ativa dos bispos do

Ceará, como Dom Aloísio Lorscheider de Fortaleza e Dom Fragoso de Crateús, junto aos movimentos sociais na década de

1970. Dom Aloísio Lorscheider chegou a Fortaleza em 1971 e se transformou em personalidade nacional, quando presidiu a

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do GRUCON e dos grupos de consciência negra no Ceará eram membros ou estavam diretamente ligados às Comunidades Eclesiais de Base, as CEB´s e às pastorais

sociais da Igreja Católica. Essa superioridade numérica dos militantes vindos do catolicismo assume uma significativa importância na interpretação dos discursos, das

práticas e tensões no interior do Movimento Negro cearense.

Isto implica reconhecer que os discursos identitários sobre a negritude cearense

comportam uma dimensão constituída pelas concepções cristãs e católicas, intra e extra-eclesial,

ou seja, por um discurso identitário negro permeado de referências morais defendidas no espaço

católico e por valores requeridos de seus adeptos, pelas críticas e divergências externas que

questionavam se o catolicismo se prestava como espaço de atuação militante de negros

conscientes33 .

Além disso, alguns militantes negros que faziam parte das pastorais e mesmo da

hierarquia católica enfrentaram problemas de ordem institucional e hierárquica revelando ser o

campo católico também, um espaço de disputas políticas e sociais internas 34.

Sem desconsiderarmos as naturais afinidades existentes entre os militantes negros cearenses situados num mesmo espaço de atuação militante e de

articulação discursiva – afinidades que surgem da amizade, da solidariedade e da cumplicidade no desenvolvimento de ações e da história particular de cada grupo -

percebemos, nos diversos depoimentos coletados, tentativas de localizar e ressaltar a importância das próprias experiências e da relevância do grupo ao qual

pertencem os depoentes para a memória coletiva do movimento35.

CNBB enfrentando frontalmente as forças repressivas do regime militar.

33 Sobre essa questão, argumentavam que a Igreja Católica agia somente como cooptadora do Movimento Negro e que sua

participação na instituição da escravidão negra e na legitimação das relações sociais escravista no período colonial lhe

descredenciavam dentro da luta antiracial. Sobre o assunto ver dentre outros WILLECKE, Frei Venâncio. Senzalas dos

Conventos. São Paulo: Revista de História nº 106, 1976, MIRA, João Manoel Lima. A Evangelização do negro no período

colonial brasileiro. São Paulo: Loyola, 1983, TERRA, João E. Martins. Bíblia, Igreja e Escravidão. São Paulo: Loyola, 1983,

VALENTE, Ana Lúcia E. F. O Negro e a Igreja Católica. Campo Grande: CESITEC/UFMS, 1994, e no Ceará CAMPOS,

Eduardo. Imprensa Abolicionista, Igreja, Escravos e Senhores. Fortaleza: Sec. Cult. e Desp./BNB, 1984. 34 Caetana Maria Damasceno realizou diversos estudos sobre o relacionamento entre católicos e os adeptos dos cultos afro-

brasileiros. Entende que para aproximar esses dois universos, diminuindo as discrepâncias naturais desses universos

religiosos, os “agentes do enegrecimento da Igreja Católica entendiam que o Candomblé fornecia os elementos culturais para

que a fé católica se expressasse...”. Afirma que os militantes negros católicos tiveram que fazer uma opção preferencial pelo

Candomblé como única expressão da religiosidade afro-brasileira. Para ela, essa escolha evidencia uma opção político-

ideológica do grupo para viabilizar o enegrecimento da fé católica. DAMASCENO, Caetana Maria. Ritual e conflito: Quando

se canta para subir. Estudos Afro-asiáticos nº 18, 1990, p. 48. 35 Apesar de ser um fenômeno natural dentro de uma perspectiva de utilização da memória, na perspectiva que hoje se

apresenta ao Movimento Negro cearense, esses recursos surgem como indicativo de uma disputa pelo pioneirismo histórico,

que pode representar também, legitimidade ou superioridade discursiva dentro do movimento. Do ponto de vista desse

trabalho, nossa perspectiva interpretativa pode aparecer para um ou outro grupo ou militante como defesa de determinados

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Essa, como as demais formas de controle da memória do Movimento Negro local, que

pudemos verificar em nossa pesquisa – a busca por um pioneirismo quase mítico, a maior

capacidade de arregimentar e mobilizar membros, a capacidade de melhor interpretar e de se

posicionar mediante a situações emergentes da negritude e a repercussão que tiveram as ações

de certos grupos - representam estratégias de manutenção dos espaços de representatividade

política, em meio a uma diversidade institucional do movimento junto às organizações

financiadoras de projetos e de políticas públicas voltadas aos afrodescendentes, que caracteriza a

fase atual do Movimento Negro local.

Essa constante busca por legitimidade e representatividade, verificada durante a

realização dessa pesquisa, surge como uma questão fundamental para a compreensão do

Movimento Negro no Ceará durante os anos de sua existência. Não somente porque isso

representou para determinados grupos, alguns ganhos financeiros e de credibilidade junto às

esferas do poder público e a sociedade como um todo (dimensão mais recente entre os grupos do

movimento), influindo nas formas como os grupos aparecem mais destacadamente num panorama

social mais amplo, mas, principalmente, pela percepção de que o Movimento Negro cearense só

ganhou legitimidade, como representante da

população afro-cearense, a partir do momento em que fez reconhecer-se socialmente, pela

comprovada existência de uma presença da população

como indicativo de uma disputa pelo pioneirismo histórico, que pode representar também,

legitimidade ou superioridade discursiva dentro do movimento. Do ponto de vista desse

trabalho, nossa perspectiva interpretativa pode aparecer para um ou outro grupo ou militante

como defesa de determinados interesses, o que definitivamente não corresponde aos nossos

objetivos. Negra presente neste estado, independentemente de qualquer percentual dessa

população, vivendo sob condições de exclusão social.

Esse enfrentamento, que surgiu quase que simultaneamente ao apareceu desse grupo militante, impôs para a constituição e afirmação do movimento, duas

frentes principais de atuação, primeiramente, a afirmação de uma negritude genuinamente cearense, a fim de questionar o mito daausência do elemento negro no

Ceará, cristalizado na sociedade cearense através dos meios de comunicação social, dos aparelhos culturais e de educação.

interesses, o que definitivamente não corresponde aos nossos objetivos.

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E paralelamente, a necessidade de denunciar e combater as práticas racistas,

preconceituosas e discriminatórias presentes no cotidiano e na cultura populares cearense, o que

impedia a afirmação da negritude por parte dos afrodescendentes locais e dessa forma a

superação do racismo interiorizado nos próprios negros, o que se daria através da elevação da

auto-estima do próprio negro, pela criação e resignificação dos elementos culturais

estigmatizados.

Antes de discorrermos sobre como o Movimento Negro pode se afirmar como um grupo

étnico e promover um discurso identitário reabilitador da negritude cearense, faz-se necessário

evidenciarmos a existência de um outro discurso étnico, tornado hegemônico através da

historiografia tradicional cearense, que interferia decisivamente na estigmatização dos negros

pela influencia que exercia no senso comum, permeando relações sociais preconceituosas no

cotidiano da população cearense.

COMUNIDADE QUILOMBOLA,

IDENTIDADE PARA UM NOVO TEMPO

O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por

isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.36

O Estado brasileiro optou em ser um organismo institucional onde não se discute a questão

étnico-racial, por entender que existe no país uma democracia racial. Tal posicionamento,

maquinado, planejado e estruturado se desenvolveu e consolidou ao longo dos séculos. O

resultado é que o país construiu um racismo camuflado, sitil. Uma discriminação invisível, onde

negros e índios são sumariamente violentados em seus direitos, mortos, eliminados por não

estar nos padrões étnicos racial pautados. E que só beneficia os povos de pele clara, branca,

especialmente os descendentes europeus, e punindo com atos arbitrários outras etnias. Cria-se

a ideologia do embranquecimento, alimenta-se a ideologia da invisibilidade e padroniza, no

Brasil , através de Gilberto Freire a partir da sua “casa grande e senzala” a ideologia da

missigenação, do pardo, do mulato. Surge o povo brasileiro de Darcy Ribeiro. Aquele do cabelo

36 https://pt-br.facebook.com/pages/Comunidade-sobre-Frases-Pensamentos-e-Afins/202336526541153 –

visitado em 08/06/2015.

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espichado, parecido um abestado, sendo negro querendo ser branco. Um povo sem consciência

negra, apático, submisso, convencido, atrelado a conceitos fundamentalistas e moralistas. Aquele

com uma consciência mágica, onde tudo é bom e belo, o que não reclama de nada. Esse é

pacífico e calmo e gosta de tudo, principalmente de futebol, escuta Roberto Carlos, assiste aos

domingos pela manhã a fórmula 1 e a tade o Faustão na globo e adora uma birita e um banho de

praia.

Ter consciência de que é afrodescendente ajuda a levar a vida com mais suavidade. Ignorar

essa possibilidade é baixar a cabeça e ser levado, manipulado, condicionado e engolido por essa

ideologia eurocêntrica perveça e discriminatória.

Nesse caso você se encontra com uma realidade distorcida, mas real, acontecendo aos seus

pés, na sua vida. Portanto, carece refletir continuamente e exaustivamente sobre essa

possibilidade real que é encenado e posta para que você engula e tente viver.

Pode-se, sim, visualizar um cenário étnico social possível a partir do visualizado e lincado

no desejado. O cenário étnico desejado – deve ter informações mínimas, como: quem sou eu, de

onde descendi? que povo é esse? Quais seus pontos fortes e fracos?

Ser negro é ser diferente, ser gente é ser diferente, e é essa diferença que se soma

tornando-se unidade.

Na teoria Kartesiana o número um (1) representa positivo, aceso, ligado, e o zero,

representa negativo, apagado, desligado. É um conceito binário, lógico, como bem explicita

Heráclito de Éfeso: “o mundo dizia Heráclito, é um fluxo perpétuo onde nada permanece idêntico

a si mesmo, mas tudo se transforma no seu contrário. A luta é a harmonia dos contrários,

responsável pela ordem racional do universo”. Sim , não, quente-frio. Utilizado muito bem na

eletrônica digital. A unidade, em um contexto étnico social, pode ser entendida como algo

positivo em todos os aspectos, desde que sua construção seja pautada em infinitas partes, forças,

crenças, conceitos, atributos, aportes e convicções. Não dar para se chegar a uma unidade, por

exemplo: em pardo ou mulato, pois, esse termo está diluído socialmente. Ser pardo é não ter

identidade étnica nenhuma, nem é branco, nem negro. O pardo não acrescenta ao branco, assim

não é igual a ele. Ele está mais para o negro.

Pois, os iguais acrescentam, não somam, se diluem, chegam até saturar, prejudicando um

processo natural de uma unidade. A unidade é caracterizada pela soma das diversidades. Ser

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diferente conta para a dialética do todo.

Nesse sentido o que conta é a infinidade de variedades do ser para que se possa formar o

círculo. As partes, cada uma conta, e elas somam para se ter um círculo completo. As etnias só

são ricas se conseguirem apreender uma com as outras. Misturar-se sem se diluir, tornar-se

unidade na diversidade.

O QUE É QUILOMBO

A palavra quilombo é originária do idioma africano quimbundo, que significa : “sociedade

formada por jovens guerreiros que pertenciam a grupos étnicos desenraizados de suas

comunidades”.

Quilombo é uma noção que nos remete a um passado de nossa história, ligado ao período no

qual houve escravidão no país. Quilombo eram aldeias que refugiavam os negros escravizados

que fugiam das fazendas e casas de família. É um termo de origem angola.

Os quilombos eram lugares de difícil acesso, geralmente distantes das civilizações. O

quilombo servia de esconderijo para os fugitivos, mas também eram moradias para os que

permaneciam. Os lugares eram em matas fechadas sem estradas definidas para chegar no local,

no alto das montanhas e grutas. Lá abrigavam todos, não só negros e negras escravizadas mas,

índios perseguidos ou qualquer viajante ou aventureiro que resolvia ficar. Eles se reuniam e

conseguiam levar uma vida livre.

As pequenas aldeias eram também chamadas mocambos, e tanto eles como os quilombos

duraram todo o período da escravidão no Brasil. Existia no Brasil, também, as comunidades

negras ou agrupamentos negros. Eram lugares de maioria negra onde muitos negros adqueriram

a posse da terra.

O termo quilombo, originalmente era utilizado apenas para chamar um local utilizado por

populações nômades, ou então pequenos acampamentos de comerciantes, e com o início da

escravidão, os escravos adotaram o termo para o lugar que eles fugiam, e foi no Brasil que o

termo ganhou o sentido que tem atualmente.

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Foi principalmente com a Constituição Federal de 1988 que a questão quilombola entrou na

agenda das políticas públicas. Fruto da mobilização do movimento negro, o Artigo 68 do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) diz que: “Aos remanescentes das

comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade

definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos.”

A concretização desse direito suscitou logo de início um acalorado debate sobre o conceito de

quilombo e de remanescente de quilombo. Trabalhar com uma conceituação adequada fazia-se

fundamental, já que era isso o que definiria quem teria ou não o direito à propriedade da terra.

No texto constitucional, utiliza-se o termo “remanescente de quilombo”, que remete à noção de

resíduo, de algo que já se foi e do qual sobraram apenas algumas lembranças. Esse termo não

corresponde à maneira que os próprios grupos utilizavam para se autodenominar nem tampouco

ao conceito empregado pela antropologia e pela História.

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), na tentativa de orientar e auxiliar a aplicação

do Artigo 68 do ADCT, divulgou, em 1994, um documento elaborado pelo Grupo de Trabalho

sobre Comunidades Negras Rurais em que se define o termo “remanescente de quilombo”:

“Contemporaneamente, portanto, o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação

temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente

homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados,

mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de

seus modos de vida característicos num determinado lugar.”

Deste modo, comunidades remanescentes de quilombo são grupos sociais cuja identidade

étnica os distingue do restante da sociedade.

Hoje, pode notar a importância dessas comunidades para o crescimento do país. Elas foram

responsáveis de abrigar inúmeras famílias que foram deserdadas pelo sistema.

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O QUE É SER COMUNIDADE QUILOMBOLA?

As comunidades quilombolas são grupos étnicos – predominantemente constituídos pela

população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o

parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se

que em todo o País existam mais de três mil comunidades quilombolas.

O Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento para

identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por

remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68, do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias. A partir do Decreto 4883/03 ficou transferida do Ministério da

Cultura para o Incra a competência para a delimitação das terras dos remanescentes das

comunidades dos quilombos, bem como a determinação de suas demarcações e titulações.

Conforme o artigo 2º do Decreto 4887/2003, “consideram-se remanescentes das comunidades

dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de

autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com

presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.

Em 12 de março de 2004, o Governo Federal lançou o Programa Brasil Quilombola (PBQ) como

uma política de Estado para as áreas remanescentes de quilombos. O PBQ abrange um conjunto

de ações inseridas nos diversos órgãos governamentais, com suas respectivas previsões de

recursos, bem como as responsabilidades de cada órgão e prazos de execução. Dessas ações, a

política de regularização é atribuição do Incra.

COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS NO ESTADO DO CEARÁ37

MAPA SITUACIONAL DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS DO CEARÁ

MUNICÍPIOS COMUNIDADE

QUILOMBOLA

INÍCIO

DA

Nº DE FAMÍLIAS

37 Centro de Defesa da Vida e Resgate da Cultura Negra no Ceará . Pesquisa coordenada pelo Prof. William

Augusto Pereira.

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OCUPAÇ

ÃO

01 Aquiraz Catolé dos Pereiros,

Estrada Nova,

Goiabeiras, 1924

Lagoa do Ramo,

Lagoa do Mato

Pereiral

02 Aiuaba Zumbi

03 Arneiroz Chatinho

04 Baturité Serra do Evaristo

Castelo

Bananeiras

Jordão

05 Crato Luanda

06 Caucaia Tucunduba

07 Crateús Queimadas 145

Ingá,

Poti,

Tucuns

08 Chaval Mucambo

Coreaú - Moraújo Timbaúba de baixo 59

Timbaúba de Cima

09 Ererê Tomé Vieira

10 Fortaleza Pirambu,

Mucuripe

Bom Jardim

Jardim Iracema

Paupina

Genibaú

Barra do Ceará.

11 Horizonte Alto alegre 821

Alto Estrela

Cajueiro da Malhada

Vila Nova

Alto da Boa Vista

12 Independência Barragem

Pelo Sinal,

Jucás

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Traqueiras

13 Ipueiras Coité

Cobras

Sitio dos Negros

Feijão,

Pau D’arco

14 Iracema Bastiões 400

15 Itapipoca Nazaré

16 Monsenhor Tabosa Jacinto de Dentro

Mundo Novo

Lagoa dos Santos

Serra Velha

Tourão

17 Novo oriente Barra

Barrigudinha

Bom Sucesso

Lagoa de Dentro

Mirador

Santo Antônio

Paraná

18 Pereiro Crioulos

Trindade

19 Porteiras Sousa

20 Pacajus Base

21 Parambú São Consolo

Silveira

São Roberto

Saco Virgem

Quiterianópolis

Uruburetama

22 Quixeramobim Mearim

23 Salitre Lagoa dos Criolos

24 Tururu Água preta, 82

Conceição dos Caetanos

25 Tamboril Açudinho

Torres

Possidônio,

Serra dos Mates

Santo Antônio

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26 Uruburetama Parandu

total 25 municípios 77 comunidades

AUTODEFINIÇÃO

É a própria comunidade que se auto reconhece “remanescente de quilombo”. O amparo legal

é dado pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, cujas determinações

foram incorporadas à legislação brasileira pelo Decreto Legislativo 143/2002 e Decreto Nº

5.051/2004.

Cabe à Fundação Cultural Palmares emitir uma certidão sobre essa autodefinição. O processo

para essa certificação obedece norma específica desse órgão (Portaria da Fundação Cultural

Palmares nº 98, de 26/11/2007).

Para acessar a política de regularização de territórios quilombolas, as comunidades devem

encaminhar uma declaração na qual se identificam enquanto comunidade remanescente de

quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma Certidão de Autoreconhecimento em

nome da mesma.

AÇÃO DO INCRA

Por força do Decreto nº 4.887, de 2003, o Incra é o órgão competente, na esfera federal, pela

titulação dos territórios quilombolas. Os estados, o Distrito Federal e os municípios têm

competência comum e concorrente com o poder federal para promover e executar esses

procedimentos de regularização fundiária. Para cuidar dos processos de titulação, o Incra criou,

na sua Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária, a Coordenação Geral de Regularização

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de Territórios Quilombolas (DFQ) e nas Superintendências Regionais, os Serviços de

Regularização de Territórios Quilombolas.

Com base na Instrução Normativa 57, do Incra, de 20 de outubro de 2009, cabe às comunidades

interessadas encaminhar à Superintendência Regional do Incra do seu Estado uma solicitação de

abertura de procedimentos administrativos visando à regularização de seus territórios.

Para que o Incra inicie os trabalhos em determinada comunidade, ela deve apresentar a Certidão

de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos, emitida pela

Fundação Cultural Palmares. A primeira parte dos trabalhos do Incra consiste na elaboração de

um estudo da área, destinado à confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação

(RTID) do território. Uma segunda etapa é a de recepção, análise e julgamento de eventuais

contestações. Aprovado em definitivo esse relatório, o Incra publica uma portaria de

reconhecimento que declara os limites do território quilombola.

A fase seguinte do processo administrativo corresponde à regularização fundiária, com

desintrusão de ocupantes não quilombolas mediante desapropriação e/ou pagamento de

indenização e demarcação do território. O processo culmina com a concessão do título de

propriedade à comunidade, que é coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores

da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade

beneficiada.

QUILOMBO URBANO UM CONCEITO

Como já mencionado, a questão quilombola entrou de fato para a agenda política

institucional brasileira somente a partir da Constituição Federal de 1988, como resultado da

forte atuação do movimento negro em busca da garantia de direitos e de reconhecimento e

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valorização do seu papel na formação social, cultural e econômica de nosso país.

Esta Constituição difere das anteriores, principalmente, pelo reconhecimento de direitos a

grupos culturalmente diferenciados, incluindo os direitos sociais e coletivos. No que se refere às

terras quilombolas, a propriedade será reconhecida para a comunidade e não individualmente. É

importante ressaltar que a definição da forma coletiva de propriedade e o reconhecimento dos

direitos territoriais de grupos étnicos, até então inexistentes, representaram avanços

significativos na legislação brasileira. De acordo com o texto constitucional, o sujeito é o grupo e

não o indivíduo.

Assim, o que viria a ser contemplado nas ações, seria então o modo de vida coletivo, a

participação de cada um no dia a dia da vida em comunidade. Não é a terra, portanto, o elemento

exclusivo que identificaria os sujeitos de direito, mas sua condição de membros do grupo. Dessa

maneira, o direito jurídico‐institucional à propriedade da terra trouxe à tona a discussão sobre

quem são, de fato, os titulares desse direito, assegurado no dispositivo constitucional.

Num terreno bastante fértil para inúmeras teorizações e debates, colocam‐se questões

como: quem são os remanescentes de quilombos no Brasil?; o que é, na atualidade, um

quilombo?; que tipos de situações fundiárias se enquadram na garantia do direito garantido pelo

artigo 68 da Constituição?; quais os critérios utilizados para reconhecê‐los?

Nesses e outros inúmeros questionamentos nos mostram que a definição da expressão

“comunidades remanescentes de quilombos” como categoria jurídica, geradora de direitos, não

eliminou os obstáculos e dificuldades para sua aplicação prática.

Para o cumprimento do direito constitucional exige‐se, a partir de então, a aplicação de

procedimentos que viabilizem a incorporação de elementos relativos às diferenças étnicas e

culturais no processo de regularização dessas terras.

Contudo, são muitos os estereótipos construídos ou almejados na busca de encontrar

nas comunidades do presente ou nos sujeitos sociais atuais os traços intocados de africanidade

do passado. Ou seja, de uma maneira geral, a sociedade quer encontrar traços fidedignos de

tradição africana nas comunidades do presente para legitimar sua origem, como se os costumes,

tradições e modos de vida ficassem congelados no tempo sem a necessidade de (re)construções

ao longo da história. Nesse contexto, o processo de reconhecimento das comunidades e de

titulação de suas terras não é tarefa simples, pois não se trata apenas de questão fundiária,

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compreende aspectos históricos, antropológicos e culturais.

Muitos são os apontamentos em torno do debate sobre os remanescentes de comunidades

de quilombos no Brasil. O direito à propriedade da terra aos remanescentes de comunidades de

quilombos representa, em nosso país, um importante avanço no reconhecimento da pluralidade

cultural, da formação socioespacial e, fundamentalmente, desses sujeitos sociais como portadores

de um direito imemorial. O direito fundiário é uma forma de “reverter” a dívida histórica para

com esses segmentos de populações que foram e em muitos casos ainda são marginalizados. No

entanto, há um longo caminho a percorrer na busca da aplicação prática dos dispositivos

constitucionais.

QUILOMBO URBANO DE QUE JEITO?

O CASO DO JARDIM IRACEMA.

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A realidade brasileira revela grandes desigualdades sociais principalmente quanto à

garantia dos direitos de acesso e permanência na escola e preparação das pessoas para o

trabalho e renda. A falta de investimento na juventude, especificamente das comunidades negras

urbanas no que se refere a educação e muito menos em capacitação profissional que envolva as

pessoas como sentido para suas vidas, acarreta um grande prejuízo para o país.

Divulgado pelo Banco mundial, o Brasil deixará de ganhar R$ 300 bilhões nos próximos 40

anos, valor correspondente ao que a juventude poderia produzir no país se não deixasse de

estudar e ingressar no mercado de trabalho. "Essa realidade expõe a juventude a uma situação

de risco constante." Se buscarmos dados sobre os jovens e pessoas oriundas das comunidades

negras urbanas, no particular o caso do Jardim Iracema em Fortaleza, a exclusão é mais

assustadora. Por elas estarem excluídas do processo real das políticas públicas, pois, falar de

quilombos urbanos diz de uma noção que nos remete a um passado remoto de nossa História,

ligado exclusivamente ao período no qual houve escravidão no País. Quilombo Urbano seria, pois

uma forma de rebelar contra esse sistema, seria o lugar onde a população negra em sua maioria

buscam sobreviver como podem. E, é assim que a comunidade do Jardim Iracema está: com um

índice de violência e exclusão social muito grande. As condições de vida e sobrevivência dessa

comunidade com quase 320 mil habitantes apresenta-se como uma das comunidades mais

violenta da região, pois persistem práticas de discriminação racial e sociocultural excludente que

geram condições de extrema pobreza e marginalidade principalmente nas famílias de origem

afrodescendentes como é o caso de vários grupos de negros dos Caetanos que habitam o bairro.

Foi principalmente com a Constituição Federal de 1988 que a questão quilombola entrou

na agenda das políticas públicas. Fruto de mobilização do movimento negro, o artigo 68 do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias ( ADCT) diz que: "aos remanescentes das

comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade

definitiva, devendo o Estado emitir-lhes o respectivos títulos" A concretização desse direito

suscitou logo de início uma acelerado debate sobre o conceito de quilombo e de "remanescente

de quilombo". Assim com o passar do tempo compreende-se que uma comunidade onde sua

maioria seja negra e que esteja no território da sede do distrito denomine-se de quilombo

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urbano. O bairro do Jardim Iracema em Fortaleza é um caso típico. A comunidade ao longo do

tempo vem construindo sua identidade étnica.

É importante explicitar que, quando se fala em identidade étnica, trata-se de um processo

de auto-identificação bastante dinâmico, e que não se reduz a elementos materiais ou traços

biológicos distintos, como cor da pele, por exemplo. A identidade étnica de um grupo é a base

para sua forma de organização, de sua relação com os demais grupos e de sua ação política. A

maneira pela qual os grupos sociais definem a própria identidade é resultado de uma confluência

de fatores, escolhidos por eles mesmos: de uma ancestralidade comum, formas de organização

política e social a elementos lingüísticos e religiosos.

A missão maior da Associação Nação Iracema é trabalhar com a população negra

concentrada no Jardim Iracema e seu entorno, bairro pertencente a região Metropolitana de

Fortaleza (RMF) com uma população estimada em 3.200.000 habitantes. Região com problema de

pobreza e desigualdade étnico social. Existe uma pobreza setorial dentro da cidade de Fortaleza,

onde quando uma parte da população desfruta de elevados níveis de renda enquanto a outra

parte (região oeste) vive na miséria e em condições sociais ruins ( Jardim Iracema), sofrendo de

pobreza e desemprego.

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JARDIM IRACEMA VISTA POR DENTRO

O Jardim Iracema é um dos bairros de Fortaleza localizado na parte oeste da cidade.

Sua população de acordo com senso de 2010 é de 23.184 habitantes.

A população masculina do Jardim Iracema representa 10.968 hab, e a população feminina,

12.216 hab. O gráfico abaixo demonstra essa relação:

No bairro do Jardim Iracema, Fortaleza, existem mais mulheres do que homens. Sendo a população composta de 52.69% de mulheres e 47.31%

de homens.

Faixa etária da população de Jardim Iracema - Fortaleza

O Gráfico abaixo demonstra a faixa etária, agrupando em grupos de 0 a 4 anos, 0 a 14 anos,

15 a 64 anos e 65 anos e +:

_______________

___________________________

* Historiador, ex-secretário da Comissão Cearense de Folclore e Presidente da Associação

Homens -10.698 hab. Mulheres.12.216

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Mulheres

Mulheres

Homens

15 a 64 anos -70,3 -65,8%

0 a 4 anos - 22,6 - 21,2%

65 e +: 7,1-6,6%

0 a 14 anos - 22,6 -21,2%

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Maracatu Nação Iracema

O bairro do Jardim Iracema apesar de existir de fato só se tornou bairro de direito a

partir do decreto 285/2007 que o oficializa como tal.

O projeto de Lei nº 0115/2008 da camara municipal de Fortaleza estabelece o 21 de

setembro como aniversário do Bairro. Ele foi oficializado através do decreto legislativo nº 285 de

10/10/2007, publicado no DOM nº 13.684, de 24/10/2008.

Mas sabemos que a formação do Bairro do Jardim Iracema é muito mais complexa que

uma simples data. O bairro era composto por grandes áreas de sítios. Onde seus moradores

cultivavam plantações de verduras que abasteciam os mercados consumidores. E que sua

população foi formada por pessoas que fugiam das estiagem que assolavam o estado. Segundo

Cruz:

Nos anos de 1915 e 1932, outras situações de seca no Ceará expulsaram para a capital milhares de pessoas oriundas do

sertão. Em Fortaleza, a concentração de retirantes desprovidos de condições necessárias à sobrevivência e o temor de

epidemias implicou em decisões drásticas do governo como a criação, na periferia.

O traçado de Fortaleza está, portanto, intimamente relacionado à situação socioeconômica

vivenciada em cada período, o que demonstra que a cidade e suas linhas são fruto de inúmeros

aspectos. Dentre outros elementos, as matizes da cidade são, por conseguinte, resultado do sucesso

da exportação algodoeira, pois, à medida que tal produção obtinha êxito, Fortaleza dinamizava sua

economia e pedia investimentos de cunho simbólico e material como, por exemplo, o

embelezamento e a racionalização de seus espaços públicos e a construção de ferrovias.

O impulso dos negócios algodoeiros, juntamente com a construção de ferrovias

capazes de facilitar a comunicação com o sertão central, acelerou a função comercial da cidade,

o que representou um aumento significativo de seu contingente habitacional. A ferrovia, assumiu

grande importância no processo de organização espacial da cidade, pois provocou a integração

de Fortaleza com outras localidades, como também abriu caminhos até então não explorados.

Além disso, foi a partir do advento das ferrovias que Fortaleza se torna o foco de atração da

população migrante, pois a existência da ferrovia associada à presença da mão-de-obra favoreceu

a constituição de indústrias que estavam ligadas direta ou indiretamente ao algodão. Aos poucos,

a espacialidade de Fortaleza ganhava nuances, já que, nas franjas das ferrovias, surgiam novos

bairros, uma vez que os operários buscavam residir próximo dos meios de locomoção e do

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trabalho. No caso particular do Jardim Iracema a estação do Padre Andrade era o local de

escoamento das verduras do bairro para o mercado Central e para o mercado de Caucaia, além

da estação ser usada pela população como meio de transportes para o centro da cidade. A

população do Jardim Iracema foi formada por muitas pessoas que fugiam da seca do interior e

procuraram a capital como saída emergencial. Isso foi um outro aspecto de peso para definir o

projeto espacial do bairro. A seca impeliu a mudança de um contingente significativo de pessoas

para a capital. A migração para Fortaleza foi tamanha durante a seca de 1877 a 1879, que o

governo, diante de tal situação, adotou o alistamento em frentes de trabalho para a construção

de obras públicas, como medida para auxiliar essa população. Aqui cabe pontuar que, com a

abolição da escravatura no Ceará, em 1884, muitos ex-escravos sem moradia e sem emprego

contribuíram significativamente para o processo de formação das periferias. Muitos

empreeendimentos locais e informais pode ser visitados no bairro do Jardim Iracema. Artesãos

como seu Raimundo e Seu Valdeci que contaram sobre o oficio de fazer vassouras de garrafas pet

além de mostrar como se faz as vassouras. Eles contam como surgiu a ideia de fazer vassouras

que foi a partir de um projeto da Cáritas e que exercem o oficio com muito gosto. Dona Maria do

Nascimento a moradora mais antiga, uma contadora de história do bairro que fez a sua caixa de

memória selecionando suas lembrança. Contou de quando fugiu da seca de 1958 no sertão de

Pacajus, de quando chegou no Bairro Jardim Iracema e sua luta por moradia, da sua participação

nos mutirões do Jardim Iracema. E como fica feliz em poder contar a história da comunidade para

os jovens. O Jardim Iracema também recebeu grandes quantidades de negros vindo de

Conceição dos Caetanos. No bairro fixaram moradias. Hoje concentram-se tanto no bairro

quanto em bairro vizinhos. Esse povo buscava melhoria de vida, emprego e subexistencia.

Poucos conseguiram, pois, lhes faltava o essensial, o estudo, a educação.

O Movimento negro entra em cena

Nesse sentido precisa-se repensar a comunidade para um novo modelo de atitude

para o trabalho e renda. Mas para isso é preciso encarar a necessidade de romper a cultura do

emprego criado ao longo do século XX. Temos de encarar o desafio de romper o modelo

educacional, igual a ensino fundamental mais superior. Esse modelo qualifica as pessoas como

mero procuradores de empregos. Devemos criar uma nova perspectiva para as pessoas, baseada

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na idéia da educação continuada. E isso que devemos focar para se ter um futuro para a nossa

juventude. Com um olhar no trabalho e renda mas, com ideais de cidadania. Por isso deve-se

alimentar essa persistência em uma comunidade de quilombo urbano, como é o caso da

comunidade do Jardim Iracema e outros da grande Fortaleza, bairro da periferia. Alijado do

processo econômico da cidade de Fortaleza. A negritude nesse contexto social é importante para

a formação desse novo cidadão e cidadã desses territórios tradicionais. A busca à sua identidade

social, étnica, pessoal.

Nossos atos deve está tanto em sintonia com a territórios de quilombos urbanos

quanto com o Movimento Negro38 e quilombola rurais.

A associação Nação Iracema como uma mecanismos de luta vem nesse anos como o carro chefe

do empreendimento social, por ser uma experiência que deu certo já há 12 anos. Alguns,

especialmente os dirigentes, falavam que o Nação Iracema era “diferente dos outros maracatus”,

uma vez que nele os brincantes39 eram “comprometidos com a militância negra”; “um grupo

consciente”, que busca “preservar as nossas raízes negras”. De acordo com uma dirigente, “o

Nação Iracema mostra várias faces do negro: o negro que chora, que dança, que luta ...”

À medida que a comunidade empreender afinidades e comprometimentos com o projeto

dos quilombos urbanos, tecerá laços preciosos de confiança com os educadores sociais e

participação das demais atividades presentes nessa prática social.

Nesse contexto, novas questões surgiram ampliando o foco e a caminhada desse

povo.

Seu conceito de identidade constrastiva traz um valioso recurso metodológico para a

realidade desse projeto. Evidentemente, alguns pontos devem ser relativizados, pois o autor

construiu tal categoria em referência a sociedades tribais, quando o conceito ainda era marcado

pela noção de totalidade e homogeneidade e sua politização passava por questões relativas às

sociedades indígenas no Brasil e às disputas territoriais. Entretanto, a riqueza do conceito está

no entendimento do autor de que as identidades se constroem em oposição a outras, o que

38

Quando uso a expressão Movimento Negro, refiro-me às pessoas, organizadas em associações, com objetivos culturais,

políticos, religiosos ou acadêmicos voltadas às discussões sobre a negritude. (FERREIRA, 1951). 39 A denominação brincantes é uma categoria nativa, ou seja, atribuída pelos sujeitos da pesquisa para se referir a todos aqueles

que participam dos maracatus.

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implica em negação ou aceitação. Segundo o autor, a afirmação da identidade ocorre em uma

situação de confronto, de acirramento das diferenças.

Refino o olhar para as estratégias de manipulação das identidades num contexto

relacional, pois os processos de auto-identificação dos participantes no projeto não serão fixos.

Dependendo do contexto, distintas identidades serão acionadas. Também observaremos

atentamente como e quais sinais diacríticos serão construídos, modelados e ressignificados pelos

participantes com a finalidade de expressar “o que é ser negro”, “o que é ser comunitário”. E,

mais especificamente, buscaremos entender de que modo tais marcadores identitários implicarão

em todo o processo nas atividades das ações. Será uma construção coletiva de busca de

trabalho e renda em um novo foco. Partiremos de ações localizadas e predeterminadas de

trabalho e renda com foco na cidadania. Reflexões tais com: “ quem sou eu”, e o “que eu posso

fazer para o grupo”, surgirão no processo. É o comprometimento consciente. Seria redefinir o

significado do ser no mundo. Logo, o conceito de ressignificação adotado por Sahlins (1990) foi

significativo no que diz respeito ao entendimento dos sentidos atribuídos à negritude pelos

indivíduos.

É importante pontuar que o termo negritude é polissêmico e que, a noção de negritude

está ancorada nas reflexões de Kabengele Munanga (1986). Segundo Munanga (1986), ao longo

do tempo o conceito de negritude reuniu uma multiplicidade de interpretações (cultural,

biológica, psicológica, política etc), sendo, portanto, passível de muitas leituras. Ancorado na

definição biológica, a negritude seria o sentimento de pertença com aqueles que possuem

atributos fenotípicos considerados da raça negra. Já na definição cultural, diz Munanga, a

negritude é entendida como uma afirmação do negro por meio da valorização de sua cultura.40

De acordo com Munanga (1986), o termo negritude, como ação política, começa a ser formulado

quando intelectuais negros dispersos em distintas partes do mundo, exceto no continente

africano, iniciam reflexões sobre a recusa de muitas pessoas negras em aceitar-se como tal, e,

diante de tal sentimento, passam a se identificar com elementos culturais tidos da etnia branca, o

que Munanga (1986) entende como embranquecer-se.

Diante dessas circunstâncias inicia-se em diversos lugares, particularmente após a Segunda

40 Cultura aqui entendido no sentido que Geertz (1989) faculta ao termo, ou seja, como um contexto dentro do qual as ações

adquirem significados.

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Guerra Mundial, um movimento cultural liderado por intelectuais negros que tem como premissa

a “volta às origens”, ou seja, a “valorização da cultura negra”. Para os integrantes de tal

movimento era imprescindível que ações coletivas fossem organizadas com a intenção de exigir

das pessoas, de um modo geral, o reconhecimento dos negros como cidadãos plenos de direitos e

de capacidades intelectuais, como também conclamar a todos aqueles que não se reconhecessem

como negros a afirmar essa identidade étnica. O interessante era que no entendimento desses

intelectuais, os elementos constitutivos do “orgulho negro” deitava raízes no continente

africano, como mencionou Munanga. Dentre outras coisas, o objetivo de etnólogos, filósofos,

poetas, historiadores, dentre outros, era “[...] restituir à África o orgulho do seu passado,

afirmar o valor de suas culturas, rejeitar uma assimilação que teria sufocado a sua personalidade”

(MUNANGA, 1986, p. 44).

O movimento foi difundido inicialmente nos Estados Unidos com Du Bois41, considerado o pai da

negritude, depois no Haiti e na Europa, manifestando-se na Inglaterra e na França42 e

sucessivamente por vários países africanos e pelas Américas. De acordo com os intelectuais que

alavancaram o movimento, era preciso que as pessoas negras experimentassem a identidade

negra não somente como afirmação positiva do ser negro, mas, sobretudo no aspecto político.

Ou seja, com ações coletivas que desembocassem em movimentos organizados politicamente que

reivindicassem os direitos dos negros à cidadania e também conclamassem aqueles que não se

reconhecem como negros a afirmar sua identidade étnica.

Diante dessas considerações, esse projeto, como foco de busca de alternativas de

trabalho e renda para a comunidade do Jardim Iracema, está convencido em discutir no

processo das ações uma noção de identidade fluida, estratégica, plural, como produto de

negociações entre distintos sujeitos que selecionam traços culturais para, em determinados

contextos, afirmar suas identidades, ou negá-las ou, ainda, manipulá-las. Assim, a discussão

não se guiará no sentido de encontrar uma única maneira de ser negro, mas sim distintas

formas de partilhar esse pertencimento; diferentes formas de se sentir uma pessoa negra;

41 W.E.B. Du Bois, nasceu em 1863, estudou nas Universidades de Fusk, Harvard e Berlim, onde se doutorou em Filosofia. Seus

trabalhos como historiador revelaram aos companheiros negros um passado africano do qual não deveriam se envergonhar. Du

Bois exerceu profunda influência sobre os escritores negros americanos. Além de ser considerado o pai da negritude, Du Bois é

tido também como pai do pan-africanismo. (MUNANGA, 1986). 42 Cumpre destacar que o movimento surgido por volta de 1934, em Paris, e que foi definido pelo poeta antilhano Aimé Césare

como uma revolução na linguagem e na literatura que permitiria reverter o sentido pejorativo da palavra negro para dele extrair

um sentido positivo, só foi batizado com o nome de negritude em 1939, quando foi utilizado em um trecho do Cahier d’um

retour au pays natal (caderno de um regresso ao país natal), poema de Césare que se tornou a obra fundamental da negritude.

(BERND, 1988, p.17).

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distintos meios de viver essa identidade.

Na perspectiva de integrar propostas para o etnodesenvolvimento com equidade e

integrar a esse processo efetivamente a comunidade do Jardim Iracema, a comunidade quilombola

do Jardim Iracema vem com o propósito de fazer nova reeleitura de agrupamentos em Fortaleza e

aprofundar a análise das formas de discriminação étnica e racial existente na capital do Ceará e

na sociedade como um todo, que – de maneira paradoxal – se contrastam com os discursos

oficiais de igualdade, democracia e equidade que agitam os Estados Nacionais com base em seus

conceitos de cidadania e organização política.

TERRITÓRIOS REMANESCENTES DE QUILOMBOS

Os remanescentes de quilombo são definidos como grupos étnico-raciais que tenham

também uma trajetória histórica própria, dotado de relações territoriais específicas, com

presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida, e

sua caracterização deve ser dada segundo critérios de auto- atribuição atestada pelas próprias

comunidades, como também adotado pela Convenção da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.

A chamada comunidade remanescente de quilombo é uma categoria social relativamente recente,

representa uma força social relevante no meio rural brasileiro, dando nova tradução àquilo que

era conhecido como comunidades negras rurais (mais ao centro, sul e sudeste do país) e terras

de preto (mais ao norte e nordeste), que também começa a penetrar ao meio urbano, dando nova

tradução a um leque variado de situações que vão desde antigas comunidades negras rurais

atingidas pela expansão dos perímetros urbanos até bairros no entorno dos terreiros de

candomblé.

Atualmente, há mais de 2 mil comunidades quilombolas no país, lutando pelo direito de

propriedade de suas terras consagrado pela Constituição Federal desde 1988. A tabela abaixo

especifica o número de comunidades por estado, atualizado até 2006.

COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO BRASIL (Total =2847)

Região Sul 175 Região Norte 442 Região Nordeste 1.724

Rio Grande do 148 Pará 403 Maranhão 734

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Sul

Santa Catarina 19 Tocantins 16 Bahia 469

Paraná 8 Amapá 15 Piauí 174

Região

Sudeste

375 Rondônia 05 Pernambuco 102

Minas Gerais 204 Amazonas 03 Ceará 79

São Paulo 85 Região Centro

Oeste

131 Rio Grande do Norte 68

Rio Grande do

Sul

148 Pará 403 Maranhão 734

Rio de Janeiro 34 Goiás 33 Sergipe 29

Mato Grosso do Sul 25 Paraíba 17

Fonte: Fundação Palmares

RECONHECIMENTODOS TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS

Embora desde 1988 a Constituição Federal do Brasil já conceituasse como patrimônio

cultural brasileiro os bens materiais e imateriais dos diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira, foi no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que foi reconhecido o direito

dos remanescentes das comunidades dos quilombos que estivessem ocupando suas terras ter a

propriedade definitiva da mesma, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos.

Entretanto, foi apenas em 2003, através do Decreto Federal nº 4.887 que foi regulamentado o

procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras

ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo o Incra o órgão competente

na esfera federal, havendo competência comum aos respectivos órgãos de terras estaduais e

municipais. A identificação dos limites das terras das comunidades é feita a partir da avaliação

conjunta das indicações da própria comunidade e de estudos técnicos e científicos, inclusive

relatórios antropológicos, constituindo na caracterização espacial, econômica, ambiental e

sociocultural da terra ocupada pela comunidade.

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CONVENÇÃO 169 da OIT

O direito de os povos indígenas e tribais serem consultados, de forma livre e informada, antes

de serem tomadas decisões que possam afetar seus bens ou direitos, ou a chamada obrigação

estatal de consulta, foi prevista pela primeira vez, em âmbito internacional, em 1989, quando a

Organização Internacional do Trabalho - OIT adotou sua Convenção de número 169. Desde essa

época, o chamado direito de consulta prévia tem demonstrado ser uma poderosa ferramenta

política na defesa dos direitos desses povos ao redor do mundo, especialmente na América

Latina, onde está o maior número de países que já ratificaram e incluíram em sua legislação

nacional as disposições da Convenção 169. O direito de consulta prévia pode ser resumido como

o poder que os povos indígenas e tribais têm de influenciar efetivamente o processo de tomada

de decisões administrativas e legislativas que lhes afetem diretamente. A consulta deve sempre

ser realizada por meio de suas instituições representativas e mediante procedimentos adequados

a cada circunstância. Já há diversas experiências concretas nas quais esse direito foi invocado,

sobretudo na América Latina. Estas experiências, que incluem questionamentos à política de

erradicação de cultivos ilícitos na Colômbia, à exploração de petróleo na Amazônia equatoriana,

e à exigência de participação dos povos interessados na definição dos limites político-

administrativos do Estado do Amazonas na Venezuela, demonstram diferentes formas de

aplicação do direito de consulta prévia. Em alguns casos, tem sido instrumento que dilata e barra

decisões. Em outros, um eficiente espaço de negociação e, em alguns outros, vulgar manipulação

que pretende legitimar decisões arbitrárias adotadas unilateralmente pelo Estado muito antes da

consulta. Por isso, este direito, na sua dimensão de instrumento político, deve ser avaliado

sempre no marco de uma estratégia mais ampla, que não pode começar e terminar nele.A

definição das regras para a aplicação do direito de consulta prévia está na ordem do dia na

América do Sul. Atualmente, na Colômbia se discute a regulamentação da consulta prévia para

assuntos legislativos, depois que, em janeiro de 2008, a Corte Constitucional, que no Brasil

equivale ao Supremo Tribunal Federal, declarou inconstitucional a lei geral sobre florestas,

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exatamente por não haver sido adequadamente consultada junto aos povos indígenas e tribais

que seriam diretamente afetados por ela. Em outro caso, a Corte Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) condenou o Suriname, entre outras razões, por ter omitido a consulta prévia na

execução de um empreendimento hidrelétrico em terras quilombolas. Essas experiências fizeram

com que surgissem reflexões jurídicas e políticas sobre o tema, tanto nas cortes constitucionais

de países latino-americanos, como na Corte Interamericana de Direitos Humanos, e na própria

OIT, por meio de pareceres, observações e recomendações.

O NEGRO NA LUTA

"Não há nada melhor do que a adversidade. Cada derrota, cada mágoa, cada perda, contém sua própria semente, sua própria

lição de como melhorar seu desempenho na próxima vez." Malcom X

Como já se sabe no Brasil a história do voto é bastante antiga. De 1500 à 1580 e de 1640 à 1822

o Brasil era colônia de Portugal. De 1580 à 1640, o Brasil ficou sob o domínio da Espanha. Em todo

esse período, logicamente, não houve democracia no Brasil. Mas houve algumas eleições.

Durante o tempo em que o Brasil era colônia , houve eleições para “vereadores” ( na realidade, eram

eleições para um conselho de homens “bons”43

.Nesta eleição ficaram excluídos os pequenos lavradores

independentes, artesãos, comerciantes e os escravos.

Na independência do Brasil de Portugal no ano de 1822, D. Pedro I convocou eleições para

escolha dos representantes que iriam escrever as leis para o país. Só podia quem tivesse renda superior a

100 mil réis e só podia ser votado quem ganhasse mais de 200 mil réis por ano. Resultado: foram

excluídos do processo de votação todos os negros escravizados e livres e todos os pobres. Em outras

palavras, a maioria da população não podia votar ou ser votada.44

Para a comunidade negra essa constituição nada mudou. Tratada como escravos enquanto

mandava Portugal e D. João VI e continuava escrava quando passou a mandar o brasil D. Pedro I. Para

os negros nada, absolutamente nada mudou. A constituição de 1824 e que continuou vigorando até

1889, declarava que o ensino de 1º grau no Brasil passava a ser obrigatório para todos os brasileiros.

Mais à frente, porém, declarava que dois grupos de pessoas estavam proibidas de frequentar a escola: os

leprosos e os escravos. Para os brancos a educação era obrigatória, para os negros escravizados,

43 A história do voto no Brasil – FNT – Frente Nacional do Trabalho. 44 A constituição e os trabalhadores – DIEESE.

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proibida. O resultado é que muito poucos negros escravos sabiam ler e escrever quando foi abolida a

escravatura.45

Pelo censo de 1872 havia apenas 958 escravos alfabetizados sobre 804.212 e apenas 445

escravas alfabetizadas sobre 705.191. No total, 1.403 escravos que sabiam ler e escrever sobre

1.509.403, ou seja, menos de um para cada mil escravos (Conrad. p.358).

Nota-se que o negro não participou desta constituição, pois, eram considerados objetos, peças e

não seres humanos. A constituição de 1824 contribui para a marginalizar ainda mais a comunidade

negra brasileira, excluindo dos negros o direito à educação, proibindo-os de praticar suas religiões vinda

da terra mãe, a África. Seus cultos reais, sinceros onde através deles aproximava-se de Oxalá, o Deus

supremo. Impediram, também, o direito a reunião. Mesmo após o duro dia de trabalho forçado, ou de

até mesmo um pate-papo informal para trocar ideias, pensar um pouco, meditar, sonhar com a liberdade

que havia na terra onde nasceram.

COMPREENDENDO A LDB/lei 10.639/200346

:O OLHAR PARA A EDUCAÇÃO AFRO-

BRASILEIRA

"A educação é um elemento importante na luta pelos direitos humanos. É o meio para ajudar os nossos filhos e as pessoas a

redescobrirem a sua identidade e, assim, aumentar o sua auto-respeito. Educação é o nosso passaporte para o futuro, pois o

amanhã só pertence ao povo que prepara o hoje." Malcom X

LDB/Lei 10.639/2003 - A Lei na íntegra.

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 10.639, de 9 de JANEIRO de 2003

Mensagem de veto: Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e

bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da

temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a

seguinte Lei:

45 Beozzo, José Oscar – situação do negro na sociedade Brasileira – vozes. 1984. 46 http://www.ceert.org.br/programas/educacao/lei10639/LDB-lei10639.pdf visitado em 08/06/2015.

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Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A,

79-A e 79-B:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se

obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África

e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da

sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política

pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o

currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

§ 3o (VETADO)"

"Art. 79-A. (VETADO)"

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência

Negra’."

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 10.1.2003

MENSAGEM DE VETO – Nº 07, DE 09 DE JANEIRO DE 2003

Senhor presidente do Senado Federal,

Comunico a vossa excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição Federal, decidi vetar

parcialmente, por contrariedade ao interesse público, o projeto de lei nº 17, de 2002 9Nº 259/99 (na

Câmara dos Deputados), que “altera a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as

diretrizes e bases da educação nacional,para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a

obrigatoriedade da temática” História e Cultura Afro-brasileira” e dá outras providências”.

Ouvido, o Ministério da educação manisfetou-se pelo veto aos seguintes dispositivos:

§ 3o do art. 26-A, acrescido pelo projeto à lei nº 9394, de 1996:

§ 3o As disciplinas História do Brasil e Educação Artística, no ensino médio, deverão dedicar,,pelo

menos, dez por cento de seu conteúdo programático anual ou semestral à temática referida nesta lei.”

Razão do veto:

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“Estabelece o parágrafo sob exame que as disciplinas História do Brasil e Educação Artística, no ensino

médio, deverão dedicar pelo menos, dez por cento de seu conteúdo programático anual ou semestral à

temática História e Cultura Afro-brasileira.

A Constituição de 1988, ao dispor sobre a Educação, impôs claramente à legislação infraconstitucional

o respeito às peculiaridades regionais e locais. Essa vontade do constituinte foi muito bem concretizada

no caput do art. 26 da lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, que preceitua: “Os currículos do ensino

fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada

diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da

clientela.”

Parece evidente que o § 3o do novo art. 26 – A da lei nº 9394, de 1996, percorre caminho contrário

daquele traçado pela Constituição e seguido pelo caput do art. 26 transcrito, pois, ao descer ao

detalhamento de programático à temática mencionada, o referido parágrafo não atende ao interesse

público consubstantivo na exigência de se observar, na fixação dos currículos mínimos de base nacional,

os valores sociais e culturais das diversas regiões e localidades do nosso país.

A Constituição, em seu art. 211, caput, ainda firmou como de interesse público a participação dos

Estados e dos Municípios na elaboração dos currículos mínimos nacionais, preceito esse que foi

concretizado no art. 90 , inciso IV da Lei nº 9.394, de 1996, que diz caber à União "estabelecer, em

colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a

educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos

mínimos, de modo a assegurar formação básica comum".

Esse interesse público também foi contrariado pelo citado § 3 , já que ele simplesmente afasta essa

necessária colaboração dos Estados e dos Municípios no que diz respeito à temática História e Cultura

Afro-Brasileira."

Art. 79-A, acrescido pelo projeto à Lei nº 9.394, de 1996:

"Art, 79-A. Os cursos de capacitação para professores deverão contar com a participação de entidades

do movimento afro-brasileiro, das universidades e de outras instituições de pesquisa pertinentes à

matéria."

Razões do veto:

"O art. 79-A, acrescido pelo projeto à Lei nº 9,394, de 1996, preceitua que os cursos de capacitação para

professores deverão contar com a participação de entidades do movimento afro-brasileiro das

universidades e de outras instituições de pesquisa pertinentes à matéria.

Verifica-se que a Lei nº 9 394, de 1996, não disciplina e nem tampouco faz menção, em nenhum de seus

artigos, a cursos de capacitação para professores. O art. 79-A, portanto, estaria a romper a unidade de

conteúdo da citada lei e, conseqüentemente, estaria contrariando norma de interesse publico da Lei

Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, segundo a qual a lei não conterá matéria estranha a

seu objeto (art 7º, inciso II).”

Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do

projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso

Nacional.

Brasília, 9 de janeiro de 2003

A Lei 10.639/2003: um breve histórico e seus conceitos

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O negro na sociedade brasileira sofre discriminação47 desde a colônia, permanecendo no

império e na república, consolidando - se até os dias atuais. Antes possuíam decretos de lei que

cerceavam o direito dos negros de se evoluírem educacionalmente como: "Decreto n° 1.331, de

17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas públicas do país não seriam admitidos

escravos, e a previsão de instrução para adultos negros dependia da disponibilidade dos

professores. O decreto n° 7.031 - A, de 6 setembro de 1878, estabelecia que os negros só

podiam estudar no período noturno.48 Já nos dias atuais o preconceito e o racismo são

mascarados pela democracia racial, apresenta os negros como desvalorizados de forma implícita

em imagens, aparições sem importância na mídia ou associada a algo de ruim. Segundo Pereira

(2009, p.74 ):

os movimentos sociais afro-brasileiros.

Com base em estudos foi analisado que a população negra em diversos aspectos sofre

desigualdades em detrimento aos não negros como: menor tempo de estudos, a diferença na taxa de

analfabetismo, as crianças negras no mercado de trabalho é maior do que as não negras, a taxa de

mortalidade também é maior por parte da população negra. Esses dados reforçam e respaldam o que o

Movimento negro vem, ao longo do século XX lutando, que é reparar as desigualdades e valorizar a

cultura afro – brasileira. O livro didático, segundo o Movimento, é uma forte ferramenta transmissora de

ideologia, saberes, crenças e valores seja ela para a raça negra ou não negra.

Neste contexto o movimento negro49 luta contra as desigualdades e a discriminação sofrida e

conquistou junto ao governo a reparação dos "erros" cometidos no passado através da lei

sancionada: "Em março de 2003, a lei n ° 10.639/03, que altera a LDB (Lei Diretrizes e

47 Sendo assim, torna-se possível compreendermos que há um caráter histórico nas próprias narrativas históricas. O estudo das

relações que se estabelecem quando em um determinado tempo são eleitos temas que originarão narrativas históricas pode

possibilitar que se identifique o lugar que o historiador ocupa na sua função de fazer história, produzir fontes e levantar

problematizações. As fontes históricas, a exemplo dos documentos submetidos a análises, são de extrema importância no

processo de construção de uma narrativa histórica. A conservação das fontes ao longo do tempo, por um determinado grupo,

pode dizer mais sobre a participação desse grupo nas narrativas históricas de um povo, do que de outros sobre os quais as

fontes não foram conservadas, organizadas e consultadas. Esse fato pode ser um dos aspectos que fazem pensar que alguns

povos sejam mais sujeitos históricos que outros, dando a estranha impressão de haver povos sem história. A problemática da

carência de abordagens históricas sobre as trajetórias educacionais dos negros no Brasil revela que não são os povos que

não têm história, mas há os povos cujas fontes históricas, ao invés de serem conservadas, foram destruídas nos processos de

dominação. 48 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico raciais e para Ensino de História e Cultura Afro

Brasileira e Africana, ano 2005, p.02 49

O movimento de liderança negra surgiu a muito tempo. Manteve-se, também, no Ceará no período da

ditadura implantada no país a partir de 1964, ora de forma clandestina, ora de forma semi clandestina a resistência ao golpe

militar de 1964, foi se afirmando constituindo embriões organizadores tipo ficados no chão rebelde de terra cearense. Surgem os

povoados quilombolas em grande parte do sertão do Ceará e do Brasil. Neste cenário de resistência, surgiu em 1980 a federação

de entidades de bairros e favelas de Fortaleza (FBFF), fruto do processo e mobilização e luta em diversos bairros da cidade,

principalmente em torno dos conflitos de ocupação do solo urbano.

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Bases) e estabelece as diretrizes curriculares para a implementação da mesma. A 10.639 institui

a obrigatoriedade do Ensino da História da África e dos Africanos no currículo escolar do ensino

fundamental e médio. Essa decisão resgata historicamente a contribuição dos negros na

construção. É um pré conceito, ou seja, um julgamento prévio de algo que não se tem um

conhecimento suficiente que fundamenta a sua conceituação, em outras palavras, preconceito –

opinião adotada sem exame, somente imposta pelo meio. O preconceito racial se refere,

especificamente, a um julgamento negativo, previamente concebido de um grupo racial. É a

manifestação ideológica do conceito científico de raça para justificar e confirmar a suposta

superioridade cultural de uma raça. Ideário difundido de que brancos, negros e mestiços se

relacionam harmonicamente e todos os brasileiros, em geral, possam gozar / usufruir de

oportunidades semelhantes.

De acordo com Gomes (2003 p. 161), é necessário:

É um conceito carregado de ideologia, pois, assim como todas as ideologias, esconde uma coisa

não – proclamada: a relação de poder e de dominação. A raça, sempre apresentada como

categoria biológica, Isto é, natural, é de fato uma categoria etnossemântica.

De outro, modo, o campo semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura global da

sociedade e pelas relações de poder que a governam. O que existem são as raças fictícias e outras

construídas a partir das diferenças fenotípicas como a cor da pele e outros critérios morfológicos. É a

partir dessas raças fictícias ou “raças sociais” que se reproduzem e se mantêm os racismos populares.

Ou seja, justificam o uso do conceito como realidade social e política, considerando a raça como uma

construção sociológica e uma categoria social de dominação e de exclusão. E formação da sociedade

brasileira." (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico - Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro - Brasileira e Africana, ano 2005, p. 08).

Criou - se ainda a SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade

[...] uma maior compreensão do que significa a produção das diferenças. Seria importante

debatermos mais e compreendermos que as diferenças fazem parte de um processo

social e cultural e que não são, simplesmente, mais um dado da natureza. Pensar a diferença

é mais do que explicitar que homens e mulheres, negros e brancos, distinguem-se entre si;

é, antes, entender que ao longo do processo histórico, as diferenças foram produzidas e

usadas socialmente como critérios de classificação, seleção, inclusão e exclusão.

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Racial) que "instituiu a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

" ( Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico - Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro - Brasileira e Africana, ano 2005, pg 08).

Com isso, colocou - se em evidência em nível nacional o debate sobre a questão do negro

com objetivo de transversalizar o assunto nos vários meios e democratizar as relações dialogando

com os Estados, os Municípios e as instituições privadas e não governamentais a situação de

preconceito e discriminação secular vivida pelo negro, ou seja, o objetivo da SEPPIR é:

O parecer que se destina a valorizar a história e cultura afro - brasileira foi pensado não somente, porém,

exclusivamente para todos os colaboradores que possuem algum objetivo de estudo sobre a cultura

negra. Este pensamento começa com os alunos com o objetivo de pensar em uma sociedade mais justa e

democrática, perpassando por todos envolvidos com a questão negra e educacional até chegar a todos os

responsáveis pelos os estabelecimentos de ensino. Este pensamento tem como objetivo fazer com que

toda a população brasileira, composta de suas diversas etnias, possam se reconhecer e reconhecerem, se

valorizar e valorizarem respeitando a diversidade do povo brasileiro através do (re) conhecimento e da

(re) educação. Não restam dúvidas de que mesmo existindo sérias barreiras à cultura negra na sociedade

e principalmente nas escolas, os avanços alcançados até hoje são importantíssimos, a lei 10.639/03 que

visa reparar, reconhecer e valorizar a historia e a cultura Afro - Brasileira e Africana, é uma prova disso.

A escola é um dos campos onde as manifestações racistas e discriminatórias deveria ser amplamente

combatidas. É preciso trabalhar a discussão da diversidade já na infância. Se a criança não for preparada

desde cedo dificilmente romperá com os preconceitos, possivelmente presentes em seu meio, e, tenderá

a repetir os padrões de discriminação que aprender.A luta pela superação do racismo e da discriminação

racial é, pois, tarefa de todo educador, independente do seu pertencimento étnico / racial, crença

religiosa ou posição política. Em um país como o Brasil que ainda conserva uma herança escravocrata

enorme, as desigualdades enraizadas pelas políticas econômicas e públicas, principalmente na área

social, revestem-se de uma importância que não podem ser desconsideradas.

Dentro destes princípios, algumas reflexões parecem necessárias quando se tenta

compreender a trajetória das políticas públicas no Brasil, na promoção da equidade social e a

superação dos desequilíbrios e a garantia de direitos fundamentais e cidadania.

"Estabelecer parcerias para o cumprimento desse desafio, que é, de uma vez

por todas, combater o racismo e promover a igualdade de oportunidades entre

os diferentes grupos étnicos que compõe a rica nação brasileira” (Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico - Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro - Brasileiro e Africana, ano 2005, p. 08)

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O Brasil, a partir da sua história de colonização, nunca obteve uma identidade autêntica.

Há um pluralidade de identidades construídas por diferentes grupos sociais em diferentes

momentos históricos. Nesse sentido é com certeza um desafio desenvolver, na escola, novos

espaços pedagógicos que propiciem a valorização das múltiplas identidades que integram a

identidade do povo brasileiro. Mesmo existindo estas dificuldades pode-se perceber nas escolas

algumas mudanças básicas nos currículos e nos relacionamentos escolares e em sala de aula.

Percebe-se que desde a educação infantil aos cursos superiores, a educação, enquanto espaço de

socialização, de instrução e de aquisição de conhecimentos, vem sendo cada vez mais

democratizada e universalizada.

A educação das relações étnico / raciais tem por objetivo divulgar e produzir

conhecimentos, atitudes, posturas e valores que enfatizem a pluralidade étnico / racial e

capacitar as crianças para interagir no sentido de respeitar as diferenças e valorizar as

identidades. Tendo em vista população brasileira e sua evidente pluralidade, não se pode mais

permitir que tantas crianças e jovens neguem sua identidade porque não conhecem sua história.

A escola brasileira precisa conhecer e vivenciar a diversidade de seus alunos, e, principalmente,

permitir que a escola seja um instrumento de alfabetização além de instrumento de crescimento

cultural e descoberta de experiências étnicas / raciais.

O fato é que o preconceito racial e a discriminação se proliferam nas escolas, através de

mecanismos ou funcionamento do ritual pedagógico entendido como a materialização da prática

pedagógica, excluindo dos livros didáticos as histórias de luta dos negros na sociedade

brasileira50, utilizando - se, em sua maioria, de dados negativos como negros sendo açoitados,

negros sendo comercializados, passagens superficiais sobre quilombos etc. Dados sobre religião,

as revoltas, comidas típicas etc., não são citados com a devida importância.

Segundo SILVA (2001):

50

No âmbito estadual, no caso do Ceará, em maio de 1990, foi realizado no centro de convenções um

congresso no qual foi fundada a federação de associações de moradores do estado do Ceara. Tendo como a primeira líder de

associação a Senhora Salete Monteiro com trabalho no bairro do lagamar e militância política reconhecida mais por problemas de

organização a entidade não conseguiu se viabilizar. Após grandes avanços surgiu o fórum municipal das creches mais logo foi

desestruturada em virtude da falta de recursos por parte dos governos. Logo após, foi realizado um mapeamento da realidade

local da população dos bairros e do município. Surgiram problemas estruturais como: o analfabetismo, desemprego, migração,

falta de saneamento básico, trafico de drogas violência etc. Problemas pessoais como: deficiências mentais, dependência química,

abuso de crianças etc.

Os problemas e deficiências podem ser vistos ainda nas questões curriculares. As escolas

adotam currículos que encobrem e/ou mascaram os principais objetivos do ensino e

aprendizagem. O currículo adotado é invisível, ele promove a transmissão de valores, de

princípios de conduta e das normas de convívio, dos padrões sócio-culturais inerentes à

vida comunitária, no entanto o faz de maneira informal e não explícita permitindo sempre

uma afirmação positiva da identidade de um determinado grupo social em detrimento de

outro.

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As crianças reproduzem e recriam, por intermédio de suas experiências cotidianas na vida

familiar e nas celebrações grupais, os valores que são passados de geração em geração. A

educação brasileira diante disso tudo precisa, no contexto das salas de aula, partir da idéia de

que o aluno é um ser social dotado de uma cultura que o define. Para tanto é preciso reconhecer

a importância da afirmação da identidade, levando em consideração os valores culturais dos

alunos e respeitando a história de seu grupo étnico/social. Em relação à literatura infanto-

juvenil, podemos dizer que as imagens ilustradas também constroem enredos e cristalizam

percepções. Sendo assim, é importante perceber como os negros são representados nas histórias

infantis. Geralmente, quando personagens negros entram nas histórias, aparecem vinculados à

escravidão.

O problema não está em contar histórias de escravos mas sim na abordagem do tema que,

na maioria das vezes, faz com que crianças negras se sintam constrangidas. Devesse trabalhar na

perspectiva de construir uma identidade negra positiva e somente através de uma releitura dos

elementos que compõem as culturas negras no Brasil51 é que poderemos tentar um meio de

aprofundamento pedagógico que nos encaminhe para uma pedagogia genuinamente brasileira,

capaz de resgatar para todos os brasileiros uma cultura nossa, considerada até agora marginal,

mas que responde pela identidade cultural do país, estando presente em todos os setores da

sociedade.

Neste sentido devemos destacar a necessidade de se formar educadores preparados para

lidar com a diversidade cultural em sala de aula, de se rever materiais didáticos que contenham

mensagens depreciativas, mas acima de tudo, viabilizar a utilização de novos currículos, novas

abordagens e preparar os docentes para criticar o currículo e suas práticas.

Não se trata de educar todos como iguais mas sim educar na diferença, ressaltando as

51 A mobilização deve ser compreendida como uma ação de um grupo, uma comunidade ou uma sociedade que se reúne e

atua com um objetivo comum buscando no cotidiano, os resultados desejados por todos. A mobilização pressupõe uma certeza

coletiva da importância daquilo que se deseja alcançar. Algumas idéias são importantes no processo de mobilização. Desenvolvem

uma prática participativa fortalecendo o protagonismo da população na construção da cidadania e da democracia. Conquistar a

confiança das pessoas no trabalho comunitário com transparência e ética nas ações. Criar e consolidar práticas e valores que

representam um novo tipo de convivência e organização social, onde interesse coletivo se sobreponha ao individual. Esta atento

aos conflitos construir relações de igualdade e de solidariedade.

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especificidades52. Não se trata apenas de respeitar a consciência negra mas de resgatar as demais

etnias de uma educação envenenada pelos preconceitos. As memórias que vieram da África e que

hoje se encontram intimamente entrelaçadas em várias dimensões do simbolismo brasileiro

pertencem a todos sejam brancos ou negros.

Em 1944, Abdias Nascimento funda o Teatro Experimental do Negro (TEN), a fim de

inserir no teatro o elemento negro. Nos anos de 1950/60, o TEN produziu muitos espetáculos

sobre a temática negra. Em 1954, surge a Associação Cultural do Negro (ACN), que reuniu

nomes como Abdias Nascimento, Solano Trindade e Fernando Góis, tinha também como objetivo

a preocupação de construir uma ideologia para o negro brasileiro. As escolas de samba também

tiveram um papel de destaque, pois foram considerados centros que congregam negros,

proporcionando um espaço de sociabilidade. Dos anos 60/70, fatos como a luta dos negros

norte-americanos pelos direitos civis, as guerras de libertação dos países africanos colonizados e

o fechamento político da sociedade brasileira imposta pela ditadura militar, a partir do golpe civil

militar de 1964, espalharam a militância negra organizada pelos movimentos sociais de resistência

e luta contra a ditadura. Nas brechas políticas que surgiam, eram formadas organizações

culturais como: SINBA (Sociedade de Intercâmbio Brasil-África), no Rio de Janeiro, o Movimento

Negro Unificado (MNU) que se consolida como entidade negra nacional. No Ceará o movimento

negro tem início em 1982 liderado por Maria Lúcia Simão. Eram um pequeno grupo de 5 jovens

da periferia que sonhavam em dias melhores para os negros desfigurados ou invisibilizados no

estado.

Com o centenário da abolição, em 1988, o Brasil já possuía um amplo leque de

organizações sociais preocupadas com a luta da população negra. Na USP, um grupo de

funcionários e professores da universidade fundou o Núcleo e Consciência Negra, que

empreendeu uma luta pelas cotas na universidade, isto em 1993/94. As mulheres negras também

começam a se organizar, em várias partes do Brasil. Essas são algumas das organizações negras

que continuam na luta contra o racismo e buscando uma melhoria na qualidade de vida dos

negros brasileiros. Segundo Jocéli Domanski53 ao afirmar:

52 Desenvolver ações descentralizadas tendo como metodologia diversidade de modalidade de trabalho métodos dinâmicos

e técnicas. Utilização de múltiplas linguagens, comunicação e expressão. Valorização do prazer e do lazer como parte das ações

coletivas dos movimentos negros, valorizações das idéias e dos sabores das pessoas da comunidade. 53 A lei10.639/03 e a importância de sua implementação na educação básica. Jocéli Domanski Gomes dos Santos . O presente

artigo pretende abordar a questão que estabelece a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana na Educação Básica, discorrendo sobre os problemas para sua aplicação, especialmente os relacionados à falta de

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A partir de 1980, a ONU faz uma campanha mundial contra a discriminação racial e todas

as formas de intolerância. Uma das conseqüências foram as políticas públicas de ações afirmativas

para mulheres, portadoras de necessidades especiais, negros e indígenas. O projeto de lei n° 18

de 1995, de autoria da senadora Benedita da Silva (PT/RJ) propunha

a inclusão de História da África nos três níveis de ensino.

Na Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as

Formas Conexas de Intolerância (África do Sul, 31 de agosto a 07 de setembro de 2001)- uma

das propostas defendidas e aceitas pelo governo brasileiro foi a de se introduzir no currículo

escolar a disciplina “História Geral da África e do Negro no Brasil.

Porém, a proposta do movimento social negro, só veio a ser atendida, em grande parte,

em 09 de janeiro de 2003, com a assinatura da lei 10639/03, oriunda do Projeto de Lei no 259,

apresentado em 1999 pela deputada Esther Grossi e pelo deputado Benhur Ferreira.

A nova legislação acrescentou dois Artigos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(Lei 9.394/96):

formação dos professores para trabalharem estes temas. A dificuldade também está no campo dos educadores não

reconhecerem a importância da história da cultura africana para a compreensão da história do Brasil. Apesar dos seus

limites, a implementação a lei nos ajudará a cumprir nossos grandes objetivos como: levar a reflexão sobre a discriminação

racial, mudar a mentalidade preconceituosa e superar as desigualdades raciais.

Após este breve relato sobre a história dos movimentos negros, voltemos para a lei, desde

a década de 1970 o movimento negro, luta para incluir a história do negro no currículo

escolar. Essas primeiras iniciativas foram impulsionadas pela constatação, por parte do

movimento negro, de que os PCNs abordam a temática racial/étnica na “pluralidade

cultural“ em forma de orientação genérica, sem maiores conseqüências na produção de

políticas educacionais. O Movimento Negro já alertava que a evasão escolar se dava além

do déficit financeiro, também pela questão do racismo presente nos livros didáticos, além da

falta de conteúdos que valorizassem a identidade da criança negra no currículo escolar.

Art.26-A- Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,

torna-se obrigatório o ensino sobre história e Cultura Afro- Brasileira.

Parágrafo Primeiro - O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá

o estudo da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e

o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas

áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil.

Parágrafo segundo - Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro- Brasileira serão

ministrados no âmbito de todo currículo escolar em especial, nas áreas de Educação

Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras.

Art.79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da

Consciência Negra”.

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PARECER 003/2004

A partir da publicação da Lei 10.639/003, em março de 2003 e no ano seguinte do

Parecer 003/004 que regulamenta a implantação da lei, os debates sobre relações raciais no

Brasil, tornaram-se mais intensos. Por um lado estudiosos de uma visão mais crítica defendendo

a necessidade de uma reorganização de currículo, que contemple a cultura africana e afro-

brasileira como elemento fundamental da nossa cultura e, em defesa de políticas sociais

compensatória, por outro lado conservadores, principalmente da imprensa falada e escrita

condenando as cotas raciais, justificando que as mesmas causariam um racismo reverso. Explicito

parte do texto do Parecer como forma de explicação de um dos motivos do reavivamento dos

debates acirrados sobre relações raciais no Brasil.

O Parecer procura oferecer uma resposta, na área da educação, á demanda da população

afro descendente, regulamentando políticas de ações afirmativas, políticas de

reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura e identidade.

Tratam de política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da

realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os

negros. Nesta perspectiva, propõe a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes,

posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial (descendentes

de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos) para interagirem na construção

de uma nação democrática, em que todos igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade

valorizada. Estas políticas têm como meta o direito dos negros se reconhecerem na cultura nacional,

expressarem visões de mundo próprio, manifestar com autonomia, individual e coletiva, seus

pensamentos. É necessário salientar que tais políticas têm, também, como meta o direito dos negros,

assim como todos os cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino, em escolas

devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino das diferentes

áreas do conhecimento; com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e

discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos

étnico-raciais, ou seja, entre descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, e povos indígenas. A

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formação de professores torna-se indispensável para uma educação que vise o reconhecimento e a

valorização da história, cultura e identidade dos diferentes povos que habitam o Brasil, particularmente

os descendentes de africanos. Conforme a relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva:

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de História (...) destacam os

compromissos e as atitudes de indivíduos, de grupos e de povos na construção e na reconstrução

das sociedades, propondo estudos das questões locais, regionais, nacionais e mundiais, das

diferenças e semelhanças entre culturas, das mudanças e permanências no modo de viver, de

pensar, de fazer e das heranças legadas por gerações. Tal perspectiva parece ser contemplada

também pelas indicações de que o estudo sobre as relações estabelecidas entre sociedades e

grupos – localizados em dimensões temporais e espaciais sincrônicas ou diacrônicas – devam ser

caracterizadas pelo respeito e reconhecimento das “semelhanças e diferenças, continuidades e

descontinuidades, conflitos e contradições sociais”. Talvez envolvendo esta iniciativa esteja um

outro princípio: o do entendimento sobre a alteridade. A percepção da alteridade está

relacionada à distinção, de modo consciente, das diferenças, das lutas e dos conflitos internos

aos grupos sociais ou presentes entre aqueles que vivem ou viveram em outro local, tempo ou

sociedade. E está relacionada à construção de uma sensibilidade ou à consolidação de uma

vontade de acolher a produção interna das diferenças e de moldar valores de respeito por elas.

A LEI 10639/03: uma luta do movimento Social negro.

A preocupação do movimento social negro com a educação teve reflexos nas suas

reivindicações efetuadas junto às estruturas do Estado. Destacam-se aqui algumas atuações do

movimento no último período. Um primeiro registro a ser lembrado é a atuação do movimento

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de educação

étnico-raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os

brancos a consciência negra. Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança

para orgulharem-se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que

identifiquem as influências, a contribuição a participação e a importância da história e da

cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, se relacionar com outras pessoas,

notadamente as negras. (Parecer CNE/CP 3/2004 )

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durante o processo constituinte de 1988. Várias atividades e debates foram realizados pelas

organizações negras, a fim de apresentação de propostas para serem incluídas no novo texto

constitucional. Um dos grandes focos de atuação foi o da educação, cujo objetivo era o de que a

nova constituição incluísse no capítulo da educação ações visando ao combate ao racismo.

Um dos grandes acontecimentos de luta do movimento negro brasileiro foi sem dívida a

realização da Marcha Zumbi dos Palmares, em 20 de dezembro de 1995. No documento entregue

durante a Marcha ao governo federal “Programa de superação do racismo e da desigualdade

racial”, a temática da educação é destacada. O movimento reivindica alterações nos currículos

escolares.

Em 1996, durante o debate sobre a nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional),

a então Senadora Benedita da Silva, representando o movimento negro, traz de volta a proposta

de alteração curricular, apresentada no processo constituinte. Sendo assim, o Parágrafo 4° do

Artigo 26 da nova LDB ficou com a seguinte redação:

LEI N° 10.639, de 9 de janeiro de 2003 Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que

Refletindo os valores da sociedade, a escola se afigura como espaço privilegiado de

aprendizado do racismo, especialmente devido ao contéudo eurocêntrico do currículo

escolar, aos programas educativos, aos manuais escolares e ao comportamento

diferenciado do professorado diante de crianças negras e brancas. A reiteração de

abordagens e estereótipos que desvalorizam o povo negro e supervalorizam o branco

resulta na naturalização e conservação de uma ordem baseada numa suposta superioridade

biológica, que atribui a negros e brancos papéis e destinos diferentes. Num país cujos

donos do poder descendem de escravizadores, a influência nefasta da escola se traduz não

apenas na legitimação da situação de inferioridade dos negros, como também na

permanente recriação e justificação de atitudes e comportamentos racistas. De outro

lado, a inculturação de imagens estereotipadas induz a criança negra a inibir suas

potencialidades, limitar suas aspirações profissionais e humanas e bloquear o pleno

desenvolvimento de sua identidade racial. Cristaliza-se uma imagem mental padronizada

que diminui, exclui, sub-representa e estigmatiza o povo negro, impedindo a valoração

positiva da diversidade étnico-racial, bloqueando o surgimento de um espírito de respeito

mútuo entre negros e brancos e comprometendo a idéia de universalidade da cidadania”.

(MARCHA ZUMBI DOS PALMARES, 1995)

Artigo 26 - Parágrafo 4a: O ensino de história do Brasil levará em contaas contribuições das

diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes

indígena, africana e européia.

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estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de

Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro- Brasileira", e dá outras

providências. Eis a Lei:

A redação da Lei 10639/03 é sintética e direta - como de fato deveria ser - em relação as suas

determinações – “O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o

estudo da História da África e dos Africanos (...)” (Lei Federal 10639/03) -, ficando a tarefa de

especificar ou regulamentar a temática a cargo de outras instâncias, como o Conselho Nacional

de Educação. O conselho Nacional de Educação assim o faz em 2004:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos

seguintes

arts. 26-A, 79-A e 79-B: "Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e

médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-

Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da

História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e

o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas

áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação

Artística e de Literatura e História Brasileiras.

§ 3o (VETADO)"

"Art. 79-A. (VETADO)"

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia Nacional da

Consciência Negra'."

Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque

Atos do Poder Legislativo

(DOU no 8, 10/1/2002, Seção 1, p. 1)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS DA PARTE I

A lei veio como uma conquista das reivindicações sociais, devido ao processo histórico,

que fez com que hoje, descendentes de um povo que foi, no passado, tratado de forma violenta,

e que até nos dias atuais estão marcados pela negação de sua cultura e a dificuldade na inserção

social, exigissem que sua trajetória não fosse apagada e que fossem reconhecidos como um dos

pilares mais importantes para a formação da cultura brasileira. Observamos hoje que apesar de

existirem várias bibliografias e vários materiais didáticos de apoio ao professor, que talvez ainda

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não atendam totalmente às necessidades de quem irá trabalhar com a história da África. Assim,

percebemos que não é por falta de material didático que este trabalho não é feito, mas sim por

falta de interesse.

Neste sentido o objetivo desta monografia que era de visibilizar os mecanismos de prática

pedagógica da lei na escola, foi confirmada, pois percebemos que, mesmo com a existência de

material didático, os objetivos expressos na Lei 10.639/03 ainda não foram alcançados; não há

projeto político e pedagógico que acolha a questão, somente se desenvolvem as ações pontuais,

que pouco têm a ver com o que foi instituído pelas lei.

A pesquisa indica para esse foco. Existe no corpo da escola um não cumprimento das

determinações legais devido à falta de elaboração de um projeto pedagógico para que seja

implementada a lei. Há uma ausência de investimento por parte dos governos para dar a devida

estrutura para a sua aplicação: livros, mapas, vídeos, e mesmo capacitações. Um outro fator

determinante é a resistência em incentivar a produção de novos materiais didáticos com

conteúdo adequado para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígenas, e qualificar

os professores para trabalharem este conteúdo.

Para finalizar, concluímos que apesar das fontes bibliográficas consultadas terem nos

levado a perceber que os temas da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, ainda caminham

lentamente como área de pesquisa e estão longe de alcançar o espaço que lhes é devido tanto no

meio social como também nos currículos escolares.

PARTE II: O ENSINO

O ENSINO NO PÓS REFORMA DE 1971

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Se os teus projetos forem para um ano, semeia o grão. Se forem para dez anos, planta uma árvore. Se forem

para cem anos, educa o povo. (Provérbio chinês)

Em 11 de agosto de 1971, o presidente Emílio Garrastazu Médici assinou a lei 5.692 que

reformava o ensino de primeiro e segundo grau no Brasil. Esta lei visava o ensino

profissionalizante e atentrar em uma visão étnica, pouco observada. Mas o intuito é subsidiar

uma reflexão nesse sentido. Assim, tem a intenção de folheiar os três primeiros anos após a lei

5.692 e detectar como ela influencia o fazer pedagógico da educação e pontuar resultados

obtidos de causa e efeitos. A implantação da lei em momento onde a militarização dominava o

estado é um fato concreto.

Este fato se deu em um período político de exceção quando a repressão era a palavra de

ordem. Essa palavra caracterizava e resumia a sensação política no Brasil. No entanto, o fato de

o período ser marcado pelo regime ditatorial não determinava, ato contínuo, a ausência de

disputa pelo poder político entre grupos rivais naquele período, pois, a inexistência de uma

autêntica democracia não significava a ausência de disputas ou mesmo de acomodações políticas,

e nem que estas ficassem restritas ao âmbito militar.

O Estado de Exceção se caracterizou pela presença dos militares no poder e por visar

tolher o cidadão dos direitos naturalmente cedidos por um Estado de Direito. Para tanto os Atos

Institucionais foram baixados e se tornaram o instrumento para a constante vigilância e opressão

dos cidadãos que fossem suspeitos de subversão. Constituíram-se em decretos que serviam

como mecanismos de legitimação e legalização das ações espúrias dos militares, estabelecendo

diversos poderes extraconstitucionais. Foram, portanto, um mecanismo para manter a legalidade

de atos ilícitos.

Neste texto de pesquisa buscou-se esclarecer quais as principais características norteadoras

do Estado ditatorial, que conformou as práticas educacionais.

Neste levantamento de intenções constatou-se que também ele sofreu resistência dos

encarregados de tornar efetiva a lei do regime no cotidiano do ambiente escolar.

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Quanto aos autores que escreveram sobre o regime temos: Borges (1999), Cardoso (1982),

Collier (1982), Martins Filho (1999), O’Donnell (1980), Poulantzas (1977) e Schwartzman (1988)

e Horizontes, v. 26, n.2, p. 103-112, jul./dez. 2008104 eles unânimes caracterizam o Estado

brasileiro do período como autoritário. No entanto, dialeticamente, mesmo sem contestar tantos

e tais autores, este trabalho de pesquisa busca também compreender os reflexos desse regime

sobre a vida individual dos cidadãos que apresentam um olhar diferenciado quanto aquele

período.

Entre as medidas previstas nesses Atos Institucionais, estavam a criação de comissões

especiais de inquérito, a serem instauradas em todos os níveis de governo, dos ministérios, e das

universidades. Os inquéritos policiais e militares deveriam investigar as atividades de

funcionários civis e militares independentemente dos cargos que ocupassem. Deveriam ainda

investigar a população em geral, objetivando a identificação dos que estivessem ligados a

atividades subversivas. Os suspeitos de atividades subversivas seriam presos, torturados,

extraditados ou, às vezes, até exterminados sumariamente. Isto na prática e não na letra.

No entanto, além desses mecanismos de opressão, o Estado de Exceção utilizou diversos

instrumentos no intento de impedir qualquer participação ou representação política dos cidadãos.

Esses mecanismos eram aplicados de forma tácita, eram apenas mostrados para a população

como regras necessárias para a boa organização do sistema social. Entre os principais recursos

coercitivos estavam a propaganda, a educação escolar, a burocracia e, falhando estes, a violência

física.

A propaganda foi uma das principais armas de boa parte dos regimes autoritários e

totalitários ao longo do século XX. A partir dos meios de comunicação de massa, pretendia-se

garantir o apoio popular suficiente para que o governo militar tivesse legitimidade. Geralmente,

as campanhas de propaganda dos regimes totalitários tinham um forte apelo nacionalista. Esse

meio constituiu-se num importante instrumento do Estado de Exceção, pois tornava possível

suprimir parte da liberdade da população sem recorrer à violência, fazendo com que o apoio ao

regime fosse a melhor garantia da sua lealdade aos governantes. Conforme nos mostra Berg

(2002, p. 56), a propaganda buscava não o enaltecimento do regime, mas o de valores: falava-se

em mobilizar a juventude, em fortalecer o caráter nacional, em estimular o amor à pátria, a

coesão familiar, a dedicação ao trabalho, a confiança no governo e a vontade de participação.

Entre os autores estudiosos sobre o assunto, tais como Rezende (2001) e Toledo (1978), é

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comum a assertiva de que essa ideologia encobria a violência dos encarceramentos, das

perseguições e dos extermínios. Convivia-se em um ambiente de crimes, mas parte da população

não tinha consciência destes fatos neste período. O cidadão comum, em geral, não sabia o que

de fato estava acontecendo e não compreendia o contexto político em sua dimensão ampla.

Em seu estudo sobre as favelas do Rio de Janeiro, Perlman (1977, p. 215) revelou que, até mesmo

entre o grupo de marginalizados, 80% manifestavam aceitação do governo de então. Tal fato decorria,

segundo a explicação da autora, de uma campanha publicitária de Educação Moral e Cívica que já vinha

endo empreendida, havia tempo, no sentido de:

[...] encorajar o sentimento patriótico. Além de todos os graus de ensino, um dos

elementos da campanha é a intensa distribuição de flâmulas, bandeiras e decalques com

dizeres “Segurança, “Brasil, Ameo-o ou Deixe-o”, ou simplesmente “Pode contar comigo”. É

frequente a propaganda pelo rádio, televisão e jornais, sobre a glória e o progresso da

nação. Os maiores especialistas do mundo inteiro foram contratados para elaborar este material

publicitário (Ibidem, p. 219).

Portanto, pode-se dizer que o Estado de Exceção foi, em termos, consentido por boa parte da

população brasileira, que assumia – conforme assinalam alguns estudos – uma postura de

submissão às autoridades governamentais e de conformismo ante os fatos políticos do país

(Perlman, p. 218).

Todavia, Perlman explica que esse comportamento deve ser percebido menos como um sinal de

ignorância popular, e mais como uma forma de sobrevivência. Tais atitudes eram, segundo a

autora, “realistas”, pois se encontravam fundamentadas numa realidade política de opressão e de

resistência a qualquer movimento popular. Não demonstravam

apatia ou ignorância, mas uma compreensão aguda daquele contexto sociopolítico. Conforme a

autora, o próprio fato de os indivíduos reconhecerem sua vulnerabilidade “era em si mesmo um

sinal de astúcia política” (Ibidem, p. 228). Nota-se, portanto, que eram poucos aqueles que

estavam realmente dispostos a assumir riscos extremos ou a acalentar ilusões ideológicas.

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA EDUCACIONAL .

ASPECTOS FUNDAMENTAIS ATÉ A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO 20

Os analistas da educação brasileira afirmam que somente no final do Império e começo da

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República delineia-se uma política educacional estatal, fruto do fortalecimento do Estado. Até

então, a política educacional era feita quase que exclusivamente no âmbito da sociedade civil, pela

Igreja Católica. Durante a Colônia (1500-1822), a educação assegurava o domínio dosportugueses

sobre os índios e os negros escravos. No final deste período e durante o Império (1822-1889),

delineia-se uma estrutura de classes, e a educação, além de reproduzir a ideologia, passa a

reproduzir também a estrutura de classes. A partir da Primeira República (1889-1930), ela passa a

ser paulatinamente valorizada como instrumento de reprodução das relações de produção. Até os

anos 20, a educação brasileira comportou-se como um instrumento de mobilidade social. Os estratos

que detinham o poder econômico e político utilizavam-na como distintivo de classe. As camadas

médias procuravam-na como a principal via de ascensão social, prestígio e integração com os

estratos dominantes. Nesta sociedade, ainda não havia uma função «educadora» para os níveis médio

e primário, razão pela qual eles não mereceram atenção do Estado, senão formalmente. A oferta de

escola média, por exemplo, era incipiente, restringindo-se, praticamente, a algumas iniciativas do

setor privado.

Na transição de uma sociedade oligárquica para urbano-industrial, redefiniram-se as

estruturas de poder, e o esforço para a industrialização resultou em mudanças substantivas na

educação. Foi criado o Ministério da Educação e Saúde, em 1930; estruturou-se a universidade pela

fusão de várias instituições isoladas de ensino superior; criou-se o sistema nacional de ensino, até

então inexistente.

A Constituição de 1934 foi a primeira a estabelecer a necessidade de elaboração de um

Plano Nacional de Educação que coordenasse e supervisionasse as atividades de ensino em todos os

níveis. Foram regulamentadas as formas de financiamento do ensino oficial em cotas fixas para a

Federação, os Estados e os Municípios, fixando-se ainda as competências dos respectivos níveis

administrativos. Implantou-se a gratuidade e obrigatoriedadedo ensino primário, e o ensino religioso

tornou-se optativo. Parte dessa legislação foi absorvida pela Constituição de 1937, na qual estiveram

presentes dois novos parâmetros: o ensino profissionalizante e a obrigação das indústrias e dos

sindicatos de criarem escolas de aprendizagem, na sua área de especialidade, para os filhos de seus

funcionários ou sindicalizados. Foi ainda em 1937 que se declarou obrigatória a introdução da

educação moral e política nos currículos. Portanto, paulatinamente, a sociedade brasileira passou a

tomar consciência da importância estratégica da educação para assegurar e consolidar as mudanças

econômicas e políticas que estavam sendo empreendidas.

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Assim, em 1933, as escolas primárias contavam com 21.726 estabelecimentos de ensino

oficiais (estaduais e municipais) e 6.044 particulares (inclusive os confessionais). Em 1945, são

33.423 e 5.908, respectivamente. Quanto às matrículas, eram de 1.739.613 na rede oficial e

368.006 na rede particular, em 1933. Em 1945, esses números haviam se alterado, respectivamente,

para 2.740.755 e 498.085 (Sinopse Retrospectiva do Ensino no Brasil, SEEC/MEC, s.d., citado por

Freitag, s.d., p. 45).

Do início até meados do século 20, uma grande parte dos brasileiros ainda era analfabeta. Em

1900, a população brasileira era da ordem de 17.438.434, sendo que 65,3% daqueles que tinham

quinze anos ou mais não sabiam ler e escrever. Em 1950, a população havia crescido para

51.944.397 habitantes, e a metade dos que tinham, no mínimo, quinze anos, era analfabeta. O que se

verifica é que a intensificação do processo de urbanização e o crescimento demográfico, combinados

com o crescimento da renda per capita, foram acompanhados pela diminuição da taxa de

analfabetismo (tabela 1). Assim, a urbanização e a industrialização foram fatores que influenciaram a

escolarização da população, pois, entre os anos de 1920 e 1940, a taxa de urbanização dobrou e o

analfabetismo sofreu uma sensível queda. Ademais, levando-se em conta a evolução da população ao

longo do período, verifica-se que a sociedade brasileira empreendeu um significativo esforço para

diminuir o número de seus analfabetos – uma tarefa que será intensificada nos anos posteriores.

Tabela 1

INDICADORES DEMOGRÁFICOS E ECONÔMICOS

E TAXA DE ALFABETIZAÇÃO, 1900/1950

INDICADORES 1900 1920 1940 1950

População Total 17.438.434 30.635.605 41.236.315 51.944.397

Densidade Demográfica 2,06 3,62 4,88 6,14

Renda per capta em dolar 55 90 180 -

% população urbana 10 16 31 36

% de analfabetos ( 15 anos a mais) 65,3 69,9 56,2 5

Outro aspecto importante do período refere-se à expansão do ensino depois de 1920.

Nestemomento, a taxa de escolarização da população entre cinco e 19 anos era de apenas 9%. Já em

1940, ela passou para 21,43% e atingiu 26,15% em 1950 (tabela 2). Apesar de seraindainsuficiente,

verificase que o país despertou para o problema da extensão da escolarização, empenhando-se por

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incorporar cada vez mais um contingente maior de pessoas na escola. Tal processo se completará muito

recentemente, quando o país passou a enfocar, prioritariamente, a permanência da criança da escola.

Tabela 2

EVOLUÇÃO DO CRESCIMENTO POPULACIONAL E DA ESCOLARIZAÇÃO;

POPULAÇÃO DE 5 A 19 ANOS, 1920/1950

Ano População

de 5 a 19

anos

Matrícula

no ensino

primário

Matrícula

no ens.

Médio

Total de

matrícula

Taxa

de

escolar

ização

Cresc.

Populacio

nal

Crescimen

to da

matrícula

1920 12.703.077 1.033.421

(*)

109.281

(*)

1.142.281

(*)

8,99 100 100

1940 15.530.819 3.068.269 260.202 3 3.328.471 21,43 122,26 291,28

1950 18.826.409 4.366.792 477.434 4.924.226 26,15 148,20 430,92

Fontes: Fundação IBGE, Séries Estatísticas Retrospectivas, 1970; INEP/MEC; Revista Brasileira de Estudos

Pedagógicos, n. 101.

Nota: (*) Dados estimados.

DESCRIÇÃO DO SISTEMA EDUCACIONAL A PARTIR DOS ANOS 50

A economia de substituição de importações, iniciada em 1930, acelerase e diversificase entre

1945 e o início da década de 1960. A Constituição de 1946 já havia fixado a necessidade de novas leis

educacionais que substituíssem as anteriores, consideradas ultrapassadas para o novo momento

econômico e político que o país passava a viver. O final da Segunda Guerra também imprime ao país

novas necessidades que a educação não podia ignorar. Era um período de transitoriedade em que havia

intensa manifestação a respeito dos rumos do sistema educacional.

Dos muitos debates travados, foi aprovada em 1961, finalmente, a Lei n.º 4.024, que estabelecia as

diretrizes e bases da educação nacional. Seus dispositivos mais significativos eram:

• Tanto o setor público como o setor privado têm o direito de ministrar o ensino em todos os

níveis.

• O Estado pode subvencionar a iniciativa particular no oferecimento de serviços educacionais.

• A estrutura do ensino manteve a mesma organização anterior, ou seja:

- Ensino pré-primário, composto de escolas maternais e jardins de infância.

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- Ensino primário de quatro anos, com possibilidade de acréscimo mais dois anos para

programa de artes aplicadas.

- Ensino médio, subdividido em dois ciclos: o ginasial, de quatro anos, e o colegial, de três anos.

Ambos compreendiam o ensino secundário e o ensino técnico (industrial, agrícola, comercial e de de

professores).

- Ensino superior.

• Flexibilidade de organização curricular, o que não pressupõe um currículo fixo e único em todo o

território nacional. Entre 1950 e 1960, o país conheceu as maiores taxas de expansão da

alfabetização. Isto se deve ao fato de que, a partir de 1947, foram instaladas classes de ensino supletivo

na maior parte dos municípios. De certa forma, tal ensino incentivou a matrícula em cursos profissionais

ou pré-profissionais de nível primário. As classes de supletivo e as de ensino complementar (pré-

profissional e profissional) em conjunto foram freqüentadas por mais de 400 mil alunos cada ano, por

treze anos consecutivos. Assim, o supletivo composto por duas séries escolares, entre 1947 e 1959,

alfabetizou cerca de 5,2 milhões de alunos (tabela 3). A taxa de analfabetos que, em 1950, era de 50%,

atingiu 33,1% em 1970. Assim, as mudanças foram sensíveis: a população total quase atingiu a casa dos

100 milhões, a população urbana cresceu e o índice de alfabetização acompanhou a modificação do

perfil populacional.

Tabela 3

INDICADORES DEMOGRÁFICOS E ECONÔMICOS E TAXA DE ALFABETIZAÇÃO,

1950/1970

Indicadores 1950 1960 1970

População Total 51.944.397 70.119.071 94.501.554

Densidade

Demográfica

6,14 8,39 11,18

Renda per capta em

dolar

- 236 -

% população urbana 36 46 56

% de analfabetos ( 15

anos a mais)

50,0 39,5 33,1

Um dos aspectos que mais marcaram o sistema educacional a partir de 1950 foi a expansão geral do

ensino. No Brasil, as matrículas de ensino primário e de ensino médio, entre 1920 e 1970, ultrapassaram

os índices de crescimento populacional (tabela 4). Em outros termos, boa parcela da população que

estava à margem do sistema foi incorporada.

Observa-se que, entre aqueles que freqüentavam a escola primária em meados do século 20,

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encontravam-se crianças com mais de 12 anos. Isto ocorria devido a dois fatores: atraso na procura de

escolas por parte da população – o que determinava que o primário fosse iniciado commais de sete anos

– e o alto índice de reprovação, que retinha na escola boa parte da população além da idade própria.

Tabela 4

EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO E DA ESCOLARIZAÇÃO; POPULAÇÃO DE 5 A 19 ANOS,

1950/1970

Ano População

de 5 a 19

anos

Matrícula

no ensino

primário

Matrícula

no ens.

Médio

Total de

matrícula

Taxa

de

escolar

ização

Cresc.

Populacio

nal*

Cresc. Da

matrícula

(*)

1950 18.826.409 4.366.792 477.434 4.924.226 26,15 148,20 430,92

1960 25.877.611 7.458.002 1.177.427 8.635.429 33,37 203,71 755,70

1970 35.170.643 3 13.906.484 4.989.776 18.896.260 53,72 276,86 1.653,64

Fontes: IBGE, Séries Estatísticas Retrospectivas, 1970; IBGE, Estatísticas da Educação Nacional, 1960-1971;

INEP/MEC, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, n. 101.

Nota: (*) Tomando-se como base 100 o ano de 1920.

Outro importante aspecto caracterizava a expansão do ensino no Brasil: o seu baixo rendimento

interno. Em que pese os altos índices de expansão das matrículas, o sistema era incapaz de assegurar o

acesso da população escolar do nível elementar de ensino aos níveis médio e superior. Assim, o sistema

era marcado por um alto grau de seletividade, que se traduzia no fato de que a cada 1.000 alunos

admitidos na primeira série da escola primária em 1960 apenas 56 conseguiam ingresso no ensino

superior em 1971 (tabela 5).

Tabela 5

RENDIMENTO DO SISTEMA EDUCACIONAL, 1961-1972

Ano Ensino Médio série Números de alunos

1962

Ensino primário

1ª série 100

1962 2ªsérie 446

1963 3ª série 328

1964 4ª série 239

1965

Ensino médio:

1º ciclo - Ginasial

1ª série 152

1966 2ªsérie 124

1967 3ª série 106

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1968 4ª série 91

1989 Ensino Médio:

2º ciclo - colegial

1ª série 96

1970 2ªsérie 74

1971 3ª série 64

1972 Ingresso no superior 1ª série 56

Fonte: MEC, Estatísticas da Educação Nacional, 1960-1971. Do ponto de vista de sua organização interna, o atual sistema brasileiro de ensino é resultado de

modificações importantes, introduzidas em 1971, 1988 e 1996. Até a década de 70, o sistema

compreendia quatro níveis básicos, que atendiam a diferentes faixas etárias, enquanto o ensino

obrigatório restringia-se à escola primária de quatro anos (quadro 1).

Quadro 1

ESTRUTURA DO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO ANTERIOR À

REFORMA DE 1971

Nível Duração Faixa Etária

Pré-escola 3 anos de 4 a 6 anos

Escola primária 4 anos de 7 a 10 anos

Ginásio (Lower High School) 4 anos de 11 a 14 anos

Colégio (High School) 3 anos de 15 a 17 anos

Ensino superior Variável Após 18 anos

Fontes: Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e Lei n.º 5.540, de 28 de novembro de 1968.

Com a Lei n.º 5.692/71, a escola primária e o ginásio foram fundidos e denominados de ensino

de 1º grau. O antigo colégio passou a se chamar ensino de 2º grau. O ensino obrigatório estendeu-se,

assim, para oito anos, embora a terminologia unificada não correspondesse a uma organização

integrada das oito séries. As quatro primeiras séries continuaram a ser atendidas por um único

professor, do qual não era exigido nível superior, mas apenas formação para magistério em nível médio.

As quatro séries finais do 1º grau e o 2º grau permaneceram divididas emdisciplinas ministradas por

diferentes docentes, dos quais se exigia, ao menos formalmente, educação superior. A organização

passou a ser, então, conforme especifica o quadro 2.

Quadro 2

ESTRUTURA DO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO APÓS A REFORMA DE

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1971

Nível Duração Faixa Etária

Pré-escola 3 anos De 4 a 6 anos

Primeiro Grau 8 anos De 7 a 14 anos

2º Grau 3 anos De 15 a 17 anos

Ensino superior Variável Após 17 anos

Esta modificação tornou difícil a comparação entre os indicadores brasileiros e os dos demais países.

As principais diferenças são a longa duração do ensino fundamental obrigatório (oito anos) e seu início

aos 7 anos de idade (e não aos 6, como é o mais comum). Com a promulgação da Constituição Federal

de 1988, o sistema educacional brasileiro passou por um processo de modificação, culminando com a

aprovação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/96), que alterou a

organização do sistema escolar, bem como a sua denominação (quadro 3).

Níveis e subdivisões Duração Duração

Educação

básica

Educação infantil

Creche 4 anos De 0 a 3 anos

Pré-

escola

3 anos De 4 a 6 anos

Ensino fundamental (obrigatório) 8 anos De 7 a 14 anos

Ensino médio 3 anos De 15 a 17 anos

Educação

superior

Cursos por área variável Acima de 17

anos

O atendimento de 0 a 3 anos (creches) e de 4 a 6 anos (pré-escola) passou a ser denominado Educação

Infantil. Os antigos 1º e 2º graus passaram à denominação Ensino Fundamental e Ensino Médio,

respectivamente. A LDB reduz a dois os níveis de educação escolar: o da educação básica (composta

por educação infantil, ensino fundamental e médio), e a educação superior. Apresenta a educação

profissional como modalidade de ensino articulada com esses níveis, embora a admita, como habilitação

profissional, nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições

especializadas em educação profissional. Outras modalidades de ensino; como a educação especial e a

educação indígena, ganharam especificidade dentro da nova forma de organização.

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Um histórico das reformas educacionais na segunda metade da década de 1960 e a disciplina de

história como matéria que busca nivelar a consciência do aprendiz.

A compreensão que se tem hoje sobre o que é história e qual a sua função na

sociedade é bastante diferente daquela entendida pela historiografia tradicional, embora alguns

traços desta história tradicional ainda possam ser percebidos na sociedade. A História deve ser

compreendida como Disciplina/ciência realizada pelos homens, é ela que representa a

transformação humana. É necessária a consciência de que todos são sujeitos históricos, e por

meio da história o sujeito compreende as condições sociais em que vive. É por meio da história

que a sociedade adquire capacidades de entender a si mesma, ela nos apresenta um campo de

possibilidades e não de certezas, assim a História busca compreender as transformações pelas

quais passaram as sociedades humanas, suas mudanças e permanências, e para isso se utiliza da

dimensão temporal, ou seja, a história é o estudo das ações humanas no tempo.

Neste sentido pode-se dizer que o ensino de História se faz imprescindível a medida

que é através desta disciplina que o aluno adquiri capacidades e potencialidades que lhe

permitirão assumir uma postura mais autônoma e critica frente as realidades sociais que lhe

permeiam, não que as demais disciplinas do curriculo escolar não exerçam também papel

importantissimo, ocorre que é por meio do ensino de historia que o aluno conhece os percursos e

mecanismos que construiram as relações sociais e o mundo tal qual o conhecemos hoje, ou seja,

a disciplina de história sozinha não forma cidadãos críticos porém ela é determinante na

construção da leitura de mundo deste aluno.

A Lei º 5.692/71, reflexões sobre a legislação em um olhar positivista

No dia 11 de agosto de 1971 foi promulgada a Lei nº 5.692, que regulamentava o ensino de

primeiro e segundo graus. Entre outras determinações, ampliou a obrigatoriedade escolar de

quatro para oito anos, aglutinando o antigo primário com o ginasial, suprimindo o exame de

admissão e criando a escola única profissionalizante. A legislação complementar que acompanhou

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a Lei de Diretrizes e Bases foi imediatamente organizada pelo Conselho Federal de Educação

(CFE), por meio da Resolução nº 8, e fixava o núcleo comum para os currículos do ensino de 1º

e 2º graus, definindo seus objetivos e amplitude, e o parecer 853 do CFE, que definiu a doutrina

de currículo, indicando os conteúdos de núcleo comum, apresentando o conceito de matéria,

orientando suas formas de tratamento e integração, indicando os objetivos das áreas de estudo e

os do processo educativo e remetendo-os ao objetivo geral do ensino de 1o e 2o graus e aos fins

da educação.

O Parecer 45/72 do Conselho Federal de Educação teve como relator o padre José de

Vasconcellos, também participaram Esther Figueiredo Ferraz, Paulo Nathanael e Maria

Terezinha Tourinho Saraiva. O documento criticou a omissão da Lei de Diretrizes e Bases, de 20

de dezembro de 1961, acerca da habilitação profissional, avaliando que nova Lei representou

uma mudança de mentalidade em relação ao ensino do 1º e 2º graus. O parecer definiu que a

qualificação para o trabalho era um componente básico do processo de formação integral do

adolescente, objetivo específico do 2º grau. Assim, a qualificação tomou forma de sondagem de

aptidões e iniciação para o trabalho no ensino de 1º grau, e no 2º grau teve papel predominante.

A diretriz que orientava o objetivo da qualificação para o trabalho era a necessidade do mercado.

Assim, o parecer partiu das recomendações da Lei nº 5.692/1971, art. 5º, inciso 2, alínea b, de

que“[...] a iniciação ao trabalho e a habilitação profissional, sem menosprezar as aptidões do

educando [...] deve levar em conta as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, a

vista de levantamentos periodicamente renovados”.

O objetivo do parecer era reafirmar a profissionalização compulsória no 2º grau. A

habilitação profissional foi entendida como uma condição resultante do processo de capacitação

para uma ocupação técnica de formação em nível médio. O parecer definiu a duração dos estudos

gerais e técnicos, assegurando a predominância da tendência tecnicista, tendo em vista a

predominância, prescrita na LDB, da parte de formação especial sobre a de educação geral.

O Parecer 76/75, do Conselho Federal de Educação, flexibilizou a tonalidade

profissionalizante da Lei nº 5.692/1971. O Parecer definiu habilitações básicas referentes a

determinadas áreas profissionais e trouxe mudanças na divisão entre a educação geral e a

formação especial. O Parecer redefiniu o conteúdo da Lei nº 5.692/1971, permitindo aumentar a

carga horária acerca de disciplinas de caráter geral. Neste sentido, o Parecer acabava por

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desestruturar o postulado da profissionalização compulsória no 2º grau, preparando mudanças

legislativas mais profundas.

No ano de 1982, a ditadura alterou os dispositivos da Lei 5.692/71 referentes à

profissionalização do ensino de 2º grau, implicando em algumas mudanças na proposta curricular,

dispensando as escolas da obrigatoriedade da profissionalização, voltando a ênfase à formação

geral. Pela Lei 7.044/82, a qualificação para o trabalho, antes visada pela Lei 5.692/71, foi

substituída pela preparação para o trabalho, um termo impreciso que mantém, na letra, a imagem

do ensino profissionalizante, mas retirou, de uma vez por todas, a obrigatoriedade da habilitação

profissional no 2º grau, mesmo a tal habilitação básica. Agora, o ensino de 2º grau poderá

ensejar habilitação profissional.

A legislação complementar à Lei 7.044 foi formada pelo Parecer nº 618/82 do Conselho

Federal de Educação, que explicava as alterações introduzidas pela nova Lei e o Parecer nº

108/83 do Conselho Federal de Educação, que esclarecia a questão da habilitação profissional

após a Lei 7.044/82.

As mudanças das condições de trabalho docente, a partir dos 70, foram consideráveis, pois

“[...] a degradação física das instalações escolares, fruto das contenções no investimento público

em educação, bem como a queda do salário, geraram uma nítida sensação de decréscimo no

padrão de qualidade do ensino”.

O Decreto-lei nº 399, de 30 de abril de 1938, definiu em termos físicos a quantidade mínima

de alimentos que um trabalhador deve ingerir para repor suas energias. Pesquisa realizada em

São Paulo mostra que uma cesta básica para uma família com dois filhos custava cerca de Cr$

320,37, diante de um salário mínimo de Cr$225,60, “[...] pesquisa do mesmo tipo realizada no

Estado da Guanabara pelo Jornal do Brasil, em 1974, estimou em Cr$ 228,72 o custo alimentar

previsto pelo Decreto-lei nº 399/38. Multiplicando este valor por 3, de modo a calcular uma

família virtual, obtém-se o custo mensal da alimentação; Cr$686,16. Como o salário mínimo

vigente no Estado [...] era de Cr$ 414,40, o trabalhador deveria receber um salário 65% mais

elevado do que o mínimo para custear a alimentação ou, então subalimentar a si próprio e à sua

família”.

Os professores, privados do direito de escolher os dirigentes de escola, passaram a conviver

com a imposição dos calendários cívicos, do patriotismo formal e com a revolta dos alunos, que

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contribuíram para a conformação de uma situação delicada para os profissionais da educação. O

ensino sentiu o golpe, e os professores, tomados pelo medo, pela desconfiança e pela sobrecarga

de trabalho, eram afetados particularmente em um contexto geral da sociedade, no qual aderir ou

calar-se são as únicas modalidades de servir aos alvos postos pelas exigências econômicas e

políticas da doutrina oficial.

As décadas de 60 e 70 foram caracterizadas por um incremento da produtividade do

trabalho, que era acompanhada por queda no padrão de vida e das condições de trabalho ou

insegurança ante a ameaça de desemprego. A demanda por novos docentes serviu de justificativa

para a precarização de sua formação com a proliferação dos cursos de formação de professores

no segundo grau, tornado obrigatoriamente “profissionalizante” mediante a instauração da lei nº

5.692/71, e as licenciaturas curtas incentivadas na Reforma Universitária. A tradição do ensino

fundamental, como repassador de conteúdos estabelecidos nas distantes instâncias produtoras do

saber oficial, foi reforçada.

Os professores tiveram dificuldades em relacionar-se com os códigos dos estudantes no

contexto de cultura repressiva ditatorial; diante da resistência dos alunos ao sistema, houve o

problema do fracasso escolar e da reprovação em massa. Esta realidade derivou, segundo Cunha,

1978, justamente, da condução da política promovida pelo Estado:

[...] a condução das políticas educacionais pelos órgãos burocráticos das Secretarias de

Educação e do MEC ampliava entre os professores a sensação de desqualificação. Ainda

mais porque ganhavam cada vez menos. Com uma remuneração que ao longo dos anos 80

oscilou entre 1,5 e 3 salários mínimos (em alguns momentos os pisos só não ficaram abaixo

do salário mínimo pela inclusão de abonos), os professores passaram a viver a estranha

realidade de ter na rede pública – antes um emprego bem remunerado – um “bico”. A

garantia da sobrevivência demandaria o aumento da carga horária de trabalho, [...] ou com

outras atividades profissionais.

O ensino da História no pós reforma de 1971

A palavra "História" é de origem grega "historie", que significa "conhecimento através

da investigação". A História é uma ciência que investiga o passado da humanidade e o seu

processo de evolução, tendo como referência um lugar, uma época, um povo ou um indivíduo

específico. Seu surgimento provem da necessidade da pessoa humana de explicar sua origem,

sua vida.

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O ensino da história, até a década de 70, centrava-se na concepção diríamos, positivista

e reprodutivista da História. Positivista pela crença de que o desenvolvimento histórico e

resultante de uma "ordem" e de um "progresso" naturais, desdobrando-se numa sucessão de

fatos explicados para uma relação lógica de causas e efeitos, cujos atores são sempre os grandes

nomes da História política. Reprodutivista porque tal modelo, ao destituir o aspecto dialético e

crítico dessa disciplina, serviu como instrumento de reprodução ideológica do Estado Militar.

A penetração da análise econômica da História, nos níveis Fundamental e Médio,

sobretudo a partir da década de 80, subverteu esse modelo, abrindo o campo da explicação

social para uma visão de totalidade histórica. Sob influência do Marxismo, da Nova História e da

Historiografia Inglesa, alguns livros didáticos se renovaram e outros surgiram, incorporando

avanços acadêmicos que contribuíram para maior criticidade na abordagem histórica.

Outro fator determinante para a mudança no ensino de História foi a própria

exigência do Vestibular. Desde os anos oitenta, principalmente nas Universidades públicas, por

meio dos Exames Seletivos dos Vestibulares, passou-se a exigir do aluno maior capacidade

crítica na interpretação da História, minimizando, cada vez mais, a necessidade de memorização

dos tradicionais nomes, datas e fatos isolados de seus contextos sócio-econômicos. Esse fator,

certamente somou-se aos esforços que ajudaram até certo ponto, a romper com o ensino

alienado de História em sala de aula. Dessa forma, muitos professores ao incorporarem uma visão

crítica de sua disciplina, deixaram de ser meros reprodutores para assumirem o papel de

pesquisadores do conhecimento histórico.

O aluno por sua vez, também se modificou. Em razão das mudanças internas do país,

dos avanços pedagógicos e das consequências do contexto da revolução informacional mundial

(era da informação), perdeu seu caráter de receptor passivo, na medida em que pelas mesmas

razões, o professor perdia o monopólio absoluto do saber (se é que de fato o possuía).

Evidentemente, não significa que o professor desaprendeu ou que não conhece mais o

suficiente para ensinar. Ao contrário, o professor aprendeu mais, exatamente pela consciência

que adquiriu sobre suas próprias limitações e pela complexidade que se revelou o conhecimento

histórico com os novos estudos e enfoques. Entretanto, a História foi destituída de seu status de

consolidadora do passado, tomando-se o que de fato ela é: uma ciência em construção.

Nesse sentido, o papel do professor de História (e das outras disciplinas) extrapola o

conteúdo de sua disciplina, levando-o à condição de mestre e de aprendiz. A lousa não deixa de

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existir, as provas continuam a ser cobradas, o livro didático permanece como ferramenta de

aprendizado, mas o conhecimento, pela dinâmica transdisciplinar adquirida na

contemporaneidade, não se limita a esses elementos.

Ocorre de certa forma, uma desterritorialização do espaço de aprendizado, visto que,

sem eliminar a aula expositiva e os exercícios de sala de aula, aprende-se e ensina-se História

em muitos espaços e por muitos meios: pela ida ao museu ou exposição de arte, pelo uso de um

vídeo, por uma pesquisa ou um programa em multimídia, por leituras paradidáticas ou de revistas

e jornais, etc. Práticas que têm se tornado cada vez mais comuns no cotidiano das aulas de

História em nossa escola.

Neste novo cenário, ensinar História significa impregnar de sentido a prática pedagógica

cotidiana, na perspectiva de uma escola-cidadã. Vale dizer, que a escola é reprodutora, na

medida em que trabalha com determinados conhecimentos produzidos e acumulados pelo mundo

científico, mas transformadora, visto que promove uma apropriação crítica desse mesmo

conhecimento tendo em vista a melhoria da qualidade de vida da sociedade global.

A LEI 5.692/71

A Lei 5.692 começou a ser elaborada por um grupo de trabalho delegado pelo ministro da

Educação Jarbas Passarinho em junho de 1970. Ao contrário da Lei 4.024, a votação da nova LDB foi

rápida e em agosto de 1971 já havia sido aprovada, sem que fosse feita nenhuma modificação do texto

no congresso ou sofresse algum veto presidencial.

O ensino de 1º grau passou a ser de 8 anos, atendendo as crianças e adolescentes de 7 a 14

anos, em substituição ao antigo primário e ciclo ginasial. Tanto o 1º grau como o 2º grau deveriam ter

um núcleo comum de disciplinas obrigatórias, fixadas pelo Conselho Federal de Educação, além de

uma parte diversificada, de acordo com as necessidades de cada localidade. A maior mudança

estabelecida pela nova Lei foi em relação ao 2º Grau, que se tornou profissionalizante.

A relação entre escola e democracia depende de diferentes aspectos presentes na sociedade.

Contudo, parece que o problema aparece realmente nas teorias de educação. Isso se expressa pelo

elevado índice de analfabetismo funcional, configurando uma marginalidade desses indivíduos

analfabetos. Por outro lado, segundo Saviani:

“no segundo grupo, estão as teorias que entendem ser a educação um instrumento de

discriminação social, logo, um fator de marginalização” (SAVIANI, 2003: 04).

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Deste modo, podemos constatar que ambos os grupos explicam a questão da marginalidade a partir de

uma determinada concepção da relação entre educação e sociedade. Assim, ambos os grupos destoam

partindo de um mesmo referencial, com isso, para os não-críticos (primeiro grupo). A sociedade é

concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo a integração de seus membros. A marginalidade

é, pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente um número maior ou menor de seus

membros, o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que não pode como deve ser corrigida

na visão de Saviani:

A reforma educacional de 1971 é levantada dentro de seu contexto histórico nacional e agora local,

como me proponho, ganhando status de fato histórico, passando aser construída desde uma análise que a

envolva como documento, não se limitando a extrairsomente suas especificidades legais – já que se trata

de uma lei – ou apenas enfocá-la dentro da realidade educacional. Conferir-lhe uma dimensão que

possibilite construir, paracompreender uma época, através de fatos que fazem parte de sua elaboração e

construção,atingindo as questões políticas, sociais, teóricas que envolvem educação e os governos

militares na década em questão.

Segundo Mazza:

A superação dessa distorção far-se-ia por intermédio da educação. Tendo por função “reforçar os laços sociais,

promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social” (SAVIANI, 2003: 04),

permitindo a superação da marginalidade. Por outro lado, os que defendem uma postura critica entendem que a

sociedade como sendo essencialmente marcada pela divisão entre grupos ou classes antagônicas que se

relacionam à base da força, a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida

material. Nesse quadro a marginalidade é entendida como um fenômeno inerente à própria estrutura da sociedade

(SAVIANI, 2003: 04).

A reforma educacional de 1971 é levantada dentro de seu contexto histórico nacional e agora local, como

me proponho, ganhando status de fato histórico, passando a ser construída desde uma análise que a envolva

como documento, não se limitando a extrair somente suas especificidades legais – já que se trata de uma lei

– ou apenas enfocadentro da realidade educacional. Conferir-lhe uma dimensão que possibilite construir,

para compreender uma época, através de fatos que fazem parte de sua elaboração e construção, atingindo as

questões políticas, sociais, teóricas que envolvem educação e os governos militares na década em questão.

A rede de relações que se estabelecem com esse fato, não só com ele, como também, a partir dele,

permite-nos estabelecer uma compreensão do passado: Assim como o fato não é “dado”, o passado não é

“dado”: o passado e o fato histórico dados não engendram o historiador e a história, mas é o historiador em

seu presente que reabre o passado e constrói os dados necessários, a partir dos documentos, à prova de

suas hipóteses, que responderiam aos problemas postos, ligados à sua experiência do presente. A

aproximação com esse passado, parte das estruturas reguladoras e normatizadoras dos estabelecimentos

educacionais, que envolvem leis, pareceres técnicos, trazem uma possibilidade a mais na relação com o

período em questão. Sua superação, que nos permitirá revisitar esse momento, apesar do aparente

tecnicismo que envolve essas ações, só será possível através do confronto com outras fontes, com outros

documentos, a memória, através da oralidade, e os jornais da época – que serão fruto de reflexões futuras

servindo, agindo, como instrumentos, meios que nos leve a aproximação e do “problema para os

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Essa ação não deve torná-lo imóvel, nem ser compreendido de forma rígida, essa

aparente rigidez reside no fato de que a lei assume nas sociedades letradas uma ação que lhe

confere um certo grau de autoridade, e em alguns casos, sua intocabilidade:

A lei é igual ao costume, sabedoria dos mais velhos, em sociedades iletradas; os documentos que

consagram esse passado, e que, com isso, adquirem certa autoridade espirirtual, fazem o mesmo

em sociedades letradas ou parcialmente letradas (HOBSBAWM, 2001, P.23).

Buscar as relações que levaram à elaboração da reforma educacional de 1971, sua

implementação, as articulações políticas que acarretaram a sua construção, seus mecanismos de

legitimação e aparente inovação além de levantar suas contradições, sugerem a evidência de um

passado capaz de se ausentar de seu tempo, fazendo parte não só da realidade social brasileira

de uma determinada época. Esse mesmo passado que caminha entrelaçado com a sociedade, não

há aparente dúvida com relação a essa evidência, que nos conduz a uma certa obviedade, mas

denuncia o: Sentido do passado como uma continuidade coletiva de experiência que mantém-se

surpreendentemente importante, mesmo para aqueles mais concentrados na inovação e na

crença de que a novidade é igual a melhoria. (HOBSBAWM, 2001, P.32).

E ainda:

Paradoxalmente, o passado continua a ser ferramenta analítica mais útil para lidar com a

mudança constante, mas é uma nova forma. Ele se converte na descoberta da História como um

processo de mudança direcional, de desenvolvimento ou evolução. A mudança se torna, portanto

sua própria legitimação, mas com isso ela se ancora em um sentido do “passado” transformado

(HOBSBAWM, 2001, p.30).

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Salientamos que levantar uma discussão histórica que envolva a Lei 5692/71 é

compreendê-la como elemento do passado, retirando-a da condição de um mero acontecimento

histórico, alardeado pelos interlocutores do regime, inserindo-a em uma teia de significados,

devidamente delimitados em um momento histórico, identificando alguns

aspectos nela contidos, evidenciam-se, estruturas de permanência de reformas anteriores,

situando-as em seus respectivos contextos, abrindo um leque de variáveis na análise histórica.

A reforma educacional é posta à sociedade através da estrutura curricular elaborada por

seus artífices, bem como as ações burocráticas, na grande maioria das vezes hierarquizadas,

postas em prática por meio de um planejamento rigoroso e fiscalizado que envolvem Ministério

da Educação, Conselho Federal de Educação e Conselho Regional de Educação. Sendo essa

mesma reforma, legitimada na sociedade, via discursos de seus interlocutores, um mero agente,

ainda que mais silencioso, de repressão, não causando um impacto cerceador de liberdades

individuais e coletivas, de imediato, fato visível em legislações mais específicas levadas à

sociedade pelos regimes de exceção, quer como Atos Institucionais, quer com Inquéritos Policiais

Militares, além de outros, comuns no período posterior ao Golpe de 1964.

Isso nos credencia a compreender que a realidade educacional traduzida, a partirda

legislação em questão, na realidade, se torna um instrumento a mais na tentativa decompreender

os mecanismos que influenciariam nas experiências vividas por milhares deestudantes brasileiros,

deixando possíveis marcas, vestígios, construções ideológicas, queainda devem ser melhor

compreendidas, afinal, chegar ao passado, por meio do presente,nos possibilita:

melhor condição de entender o passado, do que mesmo o passado teve condições de entender a si mesmo. A

história, portanto, trabalha no campo dos sentidos e das significações e, por esta razão, existem filosofias da história

capazes de avaliar as diferentes tendências e significados dos eventos humanos (...) O maior problema para a

história é o que seu objeto de investigação, isto é, as ações humanas ressignificam as experiências vividas, e ao

mesmo tempo, imprimem determinados significados aos eventos, que nem sempre são apreendidos pelos quadros de

referências de nossa cultura (de DECCA, 2000, p.19)

ANEXO I

ESTATUDO DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO JARDIM IRACEMA

TÍTULO I – DA DENOMINAÇÃO, SEDE E FINALIDADES

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Artigo 1o. - A " ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA ", é

uma associação civil, sem fins econômicos, apartidária, livre e sem discriminação de qualquer natureza, de duração

indeterminada, sendo regida pelo presente Estatuto e pelas leis em vigor ao que lhe for aplicável.

Artigo 2o. – A "ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA ",

terá sua sede e foro na cidade de Fortaleza, capital do Ceará, podendo criar representações, núcleos, agências,

sucursais e filiais em qualquer parte do país e exterior.

Artigo 3o. - A "ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA ", tem

por finalidade apoiar e desenvolver ações e projetos nas áreas social, cultural, artística e esportiva, promovendo a

reinserção e tendo como público-alvo todos os segmentos (família, criança, adolescente, adulto e idoso) e em

especial os que se encontram em situação de risco social.

PARÁGRAFO ÚNICO: As finalidades abaixo discriminadas configuram-se por meio de doações de recursos físicos,

humanos e financeiros à "ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM

IRACEMA ":

I. Levantar e coletar informações e dados sociais, culturais e científicos de toda a região onde atua a associação;

II. Fazer parte integrante da rede de Assistência Social no município e região, defendendo e garantindo os direitos

sociais da comunidade inclusive no âmbito cultural, seguindo os Princípios e Diretrizes daLei Orgânica de

Assistência Social – LOAS (Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993);

III.

IV. Motivar e estabelecer convênios com entidades governamentais ou não governamentais nacionais e estrangeiras nos

âmbitos cultural, científico, educacional, esportiva e congêneres, com interesses similares à ASSOCIAÇÃO

CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA, para o desenvolvimento de projetos

comuns, troca de informações, tecnologias e conhecimentos, para a realização de pesquisas, trabalhos de campo,

exposições, palestras, cursos e atividades educativas sempre ligados ao interesse dessa Associação.

V. Elaborar, debater e implantar projetos, programas e planos de ação que promovam o desenvolvimento social, cultural

e esportiva, fomentem o empreendedorismo cultural e que sejam do interesse da população de Fortaleza e Região.

VI. V. Fortalecer a cultura local e seus valores históricos, participando do mercado globalizado, sem perder a sua

identidade.

VII. VI. Contribuir para o fortalecimento do associativismo e cooperativismo das entidades sociais e culturais da região.

VIII. VII. Incentivar o voluntariado nas ações de caráter sócio cultural.

IX. VIII. Impulsionar a geração de trabalho e renda através do fortalecimento da cadeia de produção cultural (III - a

promoção da integração ao mercado de trabalho, Cap. I - Art. 2º - LOAS).

X. Promover o intercâmbio com entidades que compartilhem de interesses comuns.

XI. Executar serviços de Radiodifusão comunitária.

XII. A proteção e conservação ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico e cultural,

parcelamento do solo urbano e defesa do consumidor, nos termos do que dispõe o artigo 5, XXI da constituição

Federal e da Lei Federal nº 7347/85, aos direitos da criança e do adolescente, e, especificamente, a defesa

judicial da igualdade racial, incluindo a propositura de ações civis coletivas e /ou pública destinadas à proteção dos

direitos e interesses difusos e coletivos da população afrodescendente e de qualquer outros segmentos vitimados

por discriminação injusta.

XIII. Promover o esporte como meio de lazer e cidadania para a comunidade.

TÍTULO II – DOS SÓCIOS, SEUS DIREITOS E DEVERES

Artigo 4o. - A " ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA ", é

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constituída por número ilimitado de sócios, os quais serão das seguintes categorias: efetivos, colaboradores e

beneméritos.

Artigo 5o. - São sócios efetivos as pessoas físicas ou jurídicas, sem impedimento legal, que assinaram os atos

constitutivos da entidade e outros que venham a ser admitidos nos termos do artigo 7º, Parágrafo Segundo do

presente Estatuto.

Artigo 6o. - São sócio colaboradores pessoas físicas ou jurídicas , sem impedimento legal, que venham a contribuir

na execução de projetos e na realização dos objetivos e que forem apresentados e aprovados pela Assembléia Geral.

Artigo 7o. - São considerados sócios beneméritos pessoas ou instituições que se destacarem por trabalhos que se

coadunem com os objetivos e que forem apresentados e aprovados pela Assembléia Geral.

PARÁGRAFO PRIMEIRO: Na categoria Sócios beneméritos e colaboradores serão admitidas pessoas físicas e

jurídicas, devendo no caso de pessoa jurídica ser designado por esta um representante perante a Associação.

PARÁGRAFO SEGUNDO: Os sócios beneméritos ou colaboradores poderão vir a ser sócios efetivos, observando-

se os seguintes critérios:

I. Ser um associado há pelo menos dois anos com participação e freqüência em 75% ( setenta e cinco por cento ) nas

reuniões ordinárias e extraordinárias.

II. Ser indicada pela Diretoria e Conselho Consultivo e votada em Assembléia Geral com aprovação de 2/3 (dois

terços) dos votos dos presentes.

III.Ter prestado trabalhos relevantes à Associação.

Artigo 8o. - Constituem direitos dos sócios desta Associação:

I. Comparecer às Assembléias Gerais;

II. Participar de todas as atividades associativas;

III. Propor a criação e tomar parte de comissões e grupos de trabalhos, quando designados para estas funções;

IV. Requerer convocação de Assembléia, justificando convenientemente o pedido, desde que subscrito por 25%

(vinte e cinco por cento) dos sócios;

V. Ter acesso a todos os livros de natureza contábil e financeira, bem como a todos os planos, relatórios, prestação

de contas e resultados de auditoria independente;

VI. Apresentar propostas, programas e projetos de ação para a Associação Maracatu Estrela Bela;

PARÁGRAFO PRIMEIRO: Poderão votar todos os associados, sendo que, apenas os sócios efetivos poderão ser

votados para cargos da diretoria executiva.

PARÁGRAFO SEGUNDO: Os associados, qualquer que seja sua categoria, não respondem individualmente, solidária ou subsidiariamente pelas obrigações da ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA, nem pelos atos praticados pelo Presidente ou pela Diretoria Executiva.

PARÁGRAFO TERCEIRO: Os direitos dos associados, previstos neste estatuto são pessoais e intransferíveis.

Artigo 9o. - Constituem deveres dos sócios desta Associação:

I. Observar e respeitar o estatuto, regulamentos, regimento, deliberações e resoluções da diretoria e conselhos da

ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA; II. Cooperar para o desenvolvimento e difusão dos objetivos e ações da ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO

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QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA; III. Comunicar por escrito mudança de domicílio e telefone; IV. Em caso de necessidade de afastamento dos membros da diretoria executiva ou dos conselhos da associação, comunicar por escrito com antecedência de 30 dias;

TÍTULO III – DA ADMISSÃO, DEMISSÃO E EXCLUSÃO DOS ASSOCIADOS

Artigo 10o. – A admissão de novos sócios benemérito e/ou colaboradores dar-se-á pela indicação de algum dos

sócios e aprovado em Assembléia Geral, através dos seguintes critérios:

I. Apresentação por escrito a diretoria do nome da pessoa indicada com antecedência de no mínimo 20 dias da

Assembléia Geral;

II. Ter um perfil compatível com o da Associação; III. Ser aprovada pela Assembléia Geral com pelo menos 2/3 (dois terços) dos votos;

Artigo 12o. – Os Associados serão excluídos, quando e por decisão da Assembléia ocorrerem:

I. Infrações à quaisquer disposições estatutárias e/ou regimentais;

II. Formas de expressão pública que prejudiquem a Associação ou que venham a provocar a desarmonia de seu

funcionamento;

III. Delitos, desvio de numerário e/ou patrimônio a Associação, devidamente comprovados;

IV. Atos que impliquem em desabono e/ou descrédito a Associação e/ou de seus membros.

PARÁGRAFO ÚNICO : A exclusão de um associado implicará em sua demissão caso esteja com vínculo

empregatício com a ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA;

TÍTULO IV – FONTES DE RECURSOS PARA MANUTENÇÃO:

Artigo 13o. - O patrimônio social será constituído por bens móveis e/ou imóveis adquiridos e/ou recebidos em

doação pela Associação, e pela contribuição dos sócios, cujo produto será revertido em benefício da Associação:

Artigo 14o. – A Associação obterá recursos financeiros através de patrocínios, donativos, subvenções, legados e

verbas especiais de órgãos públicos ou privados, pessoas físicas ou jurídicas.

Artigo 15o. – Todo recurso financeiro que ingresse na Associação será destinado integralmente ao seu sustento, à formação de seu patrimônio, e à realização de seus projetos e objetivos, que terão sua ordem prioritária determinada pela Diretoria.

Artigo 16o. - A Associação não aceitará doações com encargos contrários aos seus objetivos, à sua natureza e à lei.

As pessoas físicas e jurídicas que contribuírem para a Associação com doações, contribuições pecuniárias,

renunciarão expressamente por si, seus herdeiros e sucessores, no ato de formalização da doação ou contribuição

feita, a qualquer tipo de reembolso, mesmo no caso de extinção e/ou liquidação da Associação.

Artigo 17º. – Também serão receitas da Associação todas as que se originarem das atividades inerentes ao seu

objetivo.

PARÁGRAFO ÚNICO: A ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM

IRACEMA não poderá receber qualquer tipo de doação ou subvenção que possa comprometer sua independência e

autonomia perante os eventuais doadores ou subventores.

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TÍTULO V – CONSTITUIÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS ORGÃOS DELIBERATIVOS E ADMINISTRATIVOS

Artigo 18o. –Constituem poderes da Associação:

Assembléia Geral

Diretoria

Conselhos Consultivo e Fiscal

Artigo 19o. - A Assembléia Geral será constituída pelos sócios e as decisões serão tomadas por 2/3 (dois terços)

dos presentes não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com

menos de um terço nas convocações seguintes;

PARÁGRAFO PRIMEIRO: A Assembléia Geral se reunirá 02(duas) vezes por ano, nos meses de janeiro e julho e,

extraordinariamente quando se fizer necessário, ou por solicitação dos Sócios e Diretoria. Durante a reunião da

Assembléia Geral serão discutidos programas a serem desenvolvidos no período seguinte, bem como será avaliado o

desempenho da Associação no período anterior, sendo julgadas a contabilidade apresentada pela Diretoria. A

convocação das Assembléias Gerais será realizada através de carta circular, com antecedência mínima de 08(oito)

dias. Será, contudo dispensada esta formalidade se houver comparecimento da totalidade dos sócios com direito a

voto, comprovada pela assinatura no livro de presença.

PARÁGRAFO SEGUNDO: - As Assembléias serão instaladas pelo Presidente da Associação ou seu substituto legal,

em caso de impedimento do primeiro.

PARÁGRAFO TERCEIRO: - As decisões das Assembléias Gerais serão sempre tomadas por maioria de votos

apurados entre os sócios Efetivos e Beneméritos, salvo nos casos previstos anteriormente nestes estatutos.

Artigo 20o. – Compete à Assembléia Geral:

I. Eleger por 2/3(dois terços) dos votos a Diretoria, Os membros do Conselho de Administração e do Conselho

Consultivo; II. Aprovar por maioria dos votos, a reforma dos Estatutos, quando proposta pela Diretoria ou por 2/3 (dois terços)

dos sócios, quando por estes proposta; III. Deliberar sobre qualquer outro assunto de interesse da Associação.

IV. Destituir a Diretoria, assim como os Conselhos e aprovar as contas da Associação.

Artigo 21o. – Um quinto (1/5) dos associados poderão promover a convocação da Assembléia Geral.

Artigo 22o. – A ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA será

dirigido pela Diretoria Executiva eleita em Assembléia Geral, para um período de 03 (três) anos, podendo ou não ser

reeleita e será composta de Presidente, Vice-Presidente, Diretor Financeiro, Vice-Diretor Financeiro, Secretario e

( 1º ) primeiro Vice-Secretário.

PARÁGRAFO ÚNICO: Os membros da Diretoria não serão remunerados no exercício das suas funções.

Artigo 23o. – A administração caberá ao Presidente o qual representará a Associação em Juízo ou fora dele ativa e

passivamente, bem como perante terceiros em geral. Concede ainda poderes para nomear procuradores em nome da

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Associação, com poderes específicos e mandato em prazo determinado, o qual nunca ultrapassará a data de extinção

do mandato do Presidente que outorgou a procuração. Neste caso, a nomeação se fará mediante e após aprovação

da Diretoria Executiva.

Artigo 24o. – O Presidente da ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM

IRACEMA visando imprimir maior operacionalidade às ações da Associação, deverá assumir as seguintes atribuições:

I. Coordenar e dirigir as atividades gerais especificas da ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO

URBANO DO JARDIM IRACEMA;

II. Celebrar convênios e realizar a filiação da Associação, à instituições ou organizações congêneres;

III. Representar a Associação em eventos, campanhas, reuniões e demais atividades do interesse da Organização;

IV. Encaminhar anualmente aos sócios efetivos, relatórios de atividades e demonstrativos contábeis das despesas

administrativas e de projetos; bem como os pareceres de Auditores Independentes, ou Conselho Fiscal, se este

estiver constituído, sobre os balancetes e balanço anual;

V. Contratar, nomear, licenciar, suspender e demitir funcionários administrativos e técnicos da ASSOCIAÇÃO

CULTURAL E SOCIAL DO QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA;

VI. Elaborar e submeter aos sócios efetivos o orçamento e plano de trabalho Anuais;

VII. Propor aos sócios efetivos reformas ou alterações do presente Estatuto;

VIII. Propor aos sócios efetivos a fusão, incorporação e extinção da Associação, observando-se o presente Estatuto

quanto ao destino de seu patrimônio;

IX. Adquirir, alienar ou gravar os bens imóveis da Associação, mediante autorização expressa da Assembléia Geral;

X. Elaborar o regimento interno e o organograma funcional da ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL DO

QUILOMBO URBANO DO JARDIM IRACEMA, e submetê-lo à apreciação e aprovação da Assembléia Geral;

XI.Convocar o conselho fiscal, sempre que julgar necessário;

XII. Exercer outras atribuições inerentes ao cargo, e não previstas expressamente neste Estatuto;

XIII.Representar a Associação em juízo e fora dele, ativa e passivamente, podendo delegar poderes a um ou mais

procuradores;

XIV. Convocar e presidir as reuniões da Diretoria e das Assembléias Gerais;

XV. Autorizar as despesas necessárias à manutenção da Associação;

XVI. Prover, interinamente, qualquer cargo que venha a vagar na Diretoria;

XVII. Resolver todos os caso omissos nestes Estatuto, depois de ouvir os sócios;

XVIII. Assinar, com o Secretário, toda a correspondência da Associação;

XIX. Assinar, em conjunto com o tesoureiro, todos os cheques e demais documentos que importem em obrigações

sociais;

XX. Usar o voto de desempate, quando necessário;

XXI. Assinar escritura de aquisição e venda de bens da Associação, com o Diretor Financeiro, após aprovação da

Assembléia Geral;

XXII. Cumprir e fazer cumprir os presentes estatutos, regulamentos que vierem a ser editados e as decisões das

Assembléias Gerais;

Artigo 25o. - Ao Vice-Presidente compete:

I. Substituir o Presidente em seus impedimentos;

II. Colaborar com o Presidente em seus trabalhos;

III. Organizar, planejar e dirigir a execução dos serviços administrativos da Associação.

Artigo 26º. – Ao Diretor Financeiro compete:

I. Assinar isoladamente ou em conjunto com o Presidente, todos os cheques e saques em bancos, bem como

quaisquer documentos expedidos pela Tesouraria;

II. Escriturar em forma contábil o livro caixa;

III. Efetuar, mediante comprovante, os pagamentos determinados pelo presidente;

IV. Manter depositados, em estabelecimento oficial de crédito, os valores da Associação;

V. Assinar escrituras de aquisição e/ou recebimento de doação de bens da Associação, juntamente com o

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Presidente, desde que autorizados pela Assembléia;

VI. Submeter mensalmente à Diretoria, anualmente à Assembléia Geral, um relatório pormenorizado da situação

financeira da Associação.

Artigo 27º. - Ao Vice-Diretor Financeiro compete assumir todas as atribuições do Diretor Financeiro na sua

ausência ou impedimento.

Artigo 28º. - Ao Secretário compete:

I. Lavrar e assinar atas das reuniões da Diretoria e Assembléias;

II. Fazer toda a correspondência da Associação;

III. Dirigir os trabalhos da secretaria, tendo a seu cargo o arquivo da Associação;

IV. Manter em dia o registro de sócios e controle de presença.

Artigo 29º. - Ao Vice-Diretor Secretário compete assumir todas as atribuições do Diretor Financeiro na sua

ausência ou impedimento.

Artigo 30º. – Ao Conselho Consultivo compete:

I. Como órgão de assessoria, opinar sobre todos os assuntos para os quais for consultado;

II. Sugerir medidas à Diretoria para o desenvolvimento de negócios sociais;

III. Reunir-se ordinariamente, e extraordinariamente, quando convocado pelo Presidente da Associação;

IV. Participar das Assembléias Gerais;

PARÁGRAFO ÚNICO: O Conselho Consultivo é composto por três membros da Associação aprovados em

Assembléia Geral para um mandato de dois anos.

Artigo 31º. – Ao Conselho Fiscal compete:

I.Dar parecer formal sobre os relatórios e demonstração contábil-financeiras da Associação, oferecendo as ressalvas

que julgarem necessárias;

II.Opinar sobre qualquer matéria que envolva o patrimônio da Associação, sempre que necessário;

III. Comparecer, quando convocado, às Assembléias Gerais, para esclarecer seus pareceres;

IV. Opinar sobre a dissolução e liquidação da Associação.

PARÁGRAFO ÚNICO: O Conselho Fiscal é composto por três membros da Associação aprovados em Assembléia

Geral para um mandato de três anos.

TÍTULO VI – DAS ALTERAÇÕES DAS DISPOSIÇÕES ESTATUTÁRIAS

Artigo 32º.- As disposições estatutárias sofrerão alterações mediante apresentação pelo Presidente, Diretoria e/ou

Conselho Consultivo e aprovada com 2/3 (dois terços) dos presentes em Assembléia Geral.

TÍTULO VII – DA DISSOLUÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

Artigo 33º. - A Associação só será dissolvida com a aprovação de 2/3 (dois terços) da totalidade dos sócios,

especialmente convocados, com antecedência mínima de 20(vinte) dias, para deliberar a respeito.

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Artigo 34º. - Dissolvida a Associação e satisfeitas todas as obrigações, seu patrimônio imóvel e seu patrimônio de

bens móveis será destinado à outra(s) entidade(s) afim(ns), escolhida(s) pela Assembléia Geral, por maioria de votos.

TÍTULO VIII – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 35º. - É expressamente proibido o uso da denominação social em atos que envolvam a Associação em

obrigações relativas a negócios estranhos ao seu objetivo social, especialmente a prestações de avais, endossos,

fianças e caução de favor.

Artigo 36o. - Na falta de disposições expressas neste Estatuto, o processamento das reuniões da Diretoria e

Assembléias será suprido pelos usos, costumes e pela legislação específica que rege as Associações da espécie.

Artigo 37o. - O presente Estatuto foi revisto conforme a nova legislação civil (Lei nº 10.406, de 11 de janeiro de

2003) e aprovado pelos sócios conforme ata de Assembléia Geral de _____de setembro de 2013 a qual constam os

nomes dos mesmos, bem como os dos membros da Diretoria.

Fortaleza, ____ de _________ de 2013

ANEXO II

Lei no. 9.956 DE 24 DE DEZEMBRO DE 2012

Cria o Plano Municipal de Politica de Promocao da Igualdade Racial

FORTALEZA DIARIO OFICIAL DO MUNICIPIO - ANO LX

FORTALEZA, 28 DE DEZEMBRO DE 2012

PODER EXECUTIVO - GABINETE DA PREFEITA

Lei nº 9.956 DE 24 DE DEZEMBRO DE 2012

Cria o Plano Municipal de Política de Promoção da Igualdade Racial e da outras providências.

FACO SABER QUE A CÂMARA MUNICIPAL DE FORTALEZA APROVOU E EU SANCIONO

A SEGUINTE LEI:

Art. 1º - Fica criado o Plano Municipal de Política de Promoção da Igualdade Racial, cujo tema e

Igualdade e pra Valer, com a finalidade de consolidar as Políticas Públicas de Igualdade Racial

enquanto política de Estado e garantir que haja um conjunto de diretrizes e objetivos

estratégicos norteando a elaboracao e execuao das ações e programas direcionados aos grupos

étnicos que historicamente foram discriminados, a saber, população negra e indígena.

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§ 1º - O plano constante do Anexo Único da presente Lei no. destina-se a orientar as políticas

públicas desenvolvidas pelo Município e pela sociedade, voltada a este segmento populacional

fortalezense.

§ 2º – O Plano Municipal de Política de Promoção da Igualdade Racial terá a duração de 10

(dez) anos.

Art. 2º - O Plano Municipal de Política de Promoção da Igualdade Racial reger-se-á pelas

diretrizes e objetivos estratégicos, estabelecidos no Anexo Único desta Lei.

Art. 3o - A Prefeitura Municipal de Fortaleza deverá a cada ano, no período de elaboração da

Lei orcamentaria anual, apresentar suas metas de resultados e seu respectivo plano de ação para

a efetivação das diretrizes e objetivos constantes no Plano Municipal de Política de Promoção da

Igualdade Racial.

§ 1º - Cabera a Coordenadoria de Política de Promoção da Igualdade Racial (COPPIR), órgão

ligado a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, a partir das ações propostas pelas secretarias

e orgãos da Prefeitura Municipal de Fortaleza, compor um plano de ações que servirá de

referencia para o monitoramento da politica.

§ 2º – A Prefeitura Municipal de Fortaleza devera a cada ano realizar audiências públicas, no

período de elaboração e discussão da Lei no. orcamentaria anual, para apresentar suas metas de

resultados e seu respectivo plano de acao a efetivacao das diretrizes e objetivos constantes no

Plano Municipal de Política de Promoção da Igualdade Racial, como condição obrigatória para a

aprovação da Lei no. orcamentaria anual (LOA) pela Camara Municipal.

Art. 4º - Compete a Coordenadoria de Política de Promoção da Igualdade Racial (COPPIR),

orgão ligado a Secretaria Municipal de Direitos Humanos, elaborar um relatório anual de

acompanhamento e avaliação das ações implementadas pela administração municipal para a

execução do Plano Municipal de Política de Promoção da Igualdade Racial.

Paragrafo Unico - O relatório de avaliação de que trata este artigo realizar-se-a anualmente a

contar da publicação da presente Lei.

Art. 5o - Esta Lei nº. entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposicoes em

contrário.

PAÇO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, em 24 de dezembro de 2012.

Luizianne de Oliveira Lins – PREFEITA MUNICIPAL DE FORTALEZA.

ANEXO ÚNICO

Nº 14.946

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1. DOS PRESSUPOSTOS, DIRETRIZES E OBJETIVOS:

1.1.DOS PRESSUPOSTOS: 1.1.1 São essupostos do Plano Municipal de Promoção da Igualdade

Racial:

I. Ser uma política de Estado com ações permanentes, sendo incorporada na agenda pública, não

estando a merce dos interesses circunstânciais dos governos;

II. Garantir a participação da população negra e indígena através da criação e manutenção de

espaços nos quais a sociedade civil possa contribuir na elaboração, implementação, fiscalização e

avaliação das Política de Promoção da Igualdade Racial;

III. Reconhecer as demandas especificas dos segmentos da população negra e indígena, que

advem da diversidade eticoracial existente na sociedade brasileira retratada sobre formas das

desigualdades raciais;

IV. Centrar no desenvolvimento das vpotencialidades destas populacoes, na tentativa de romper

com as práticas do racismo, da visibilidade estereotipada e/ou de sua invisibilidade;

V. Consolidar uma política transversal que perpasse de maneira articulada todas as áreas do

governo, pois a responsabilidade sobre as Política de Promoção da Igualdade Racial deve ser

compartilhada por diversos orgaos.

1.2 DAS DIRETRIZES:

1.2.1 Sãoo Diretrizes do Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial:

I. Transversalidade: garantir balizamento nas oportunidades para aquelas pessoas que tem sua

existência marcada por discriminações e opressões, como as assentadas na classe social, gênero,

etnia e diversidade sexual, para garantir uma ação integrada e sustentável entre as diversas

instâncias governamentais, assegurando uma governabilidade mais democrática e inclusiva;

II. Descentralização: aproximar as demandas sociais, a gestão delas e o envolvimento popular,

mediante a criacao de canais institucionais democraticos de participacao da populacao;

III. Gestão Democrática: participação na elaboração das políticas de ação municipais, através de

acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos públicos;

IV. Fortalecimento Institucional: empenho no aperfeicoamento de marcos legais que deem

sustentabilidade as políticas de promoção de igualdade racial e na consolidação de cultura de

planejamento, monitoramento e avaliação;

V. Informação e Monitoramento: informação da população acerca dos problemas derivados das

desigualdades raciais, bem como das políticas implementadas para eliminar as referidas

desigualdades, por intermédio da mídia, da promoção de campanhas nacionais de combate a

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discriminação, difundindo-se os resultados de experiências exitosas no campo da promoção da

igualdade racial.

1.3 DOS OBJETIVOS:

1.3.1 Dos objetivos do Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial:

I. Reduzir as desigualdades raciais em Fortaleza, com ênfase na população negra e indígena,

mediante a realização de ações exequíveis a longo, médio e curto prazo, com reconhecimento das

demandas mais imediatas, bem como das áreas de atuação prioritária;

II. Promover o exercício da cidadania e fortalecer a democracia, garantindo a integridade dos

povos indígenas e população negra, mediante o respeito de sua identidade cultural e organização

economica, social e politica;

III. Garantir o crescimento com geração de trabalho, emprego e renda dos povos indígenas e da

população negra;

IV. Promover políticas de ação afirmativa;

V. Promover a equalização do acesso aos servicos públicos e aos direitos sociais básicos para a

população negra e indígena;

VI. Garantir a participação social e democratica no âmbito das políticas de promoção da

igualdade racial e de genero;

VII. Afirmar o carater plurietnico da sociedade fortalezense;

VIII. Valorizar a cultura indígena e afrobrasileira, como elementos integrantes da nacionalidade e

do processo civilizatório fortalezense;

IX. Reconhecer a diversidade religiosa como um direito dos afro-brasileiros e indígenas;

X. Implementar o currículo escolar que reflita a pluralidade ético-racial brasileira, nos termos da

Lei

10.639/2003; XI. Implementar ações que assegurem de forma eficiente e eficaz a proibição de

ações discriminatórias em ambientes de trabalho, de educação, respeitando-se a liberdade de

crença religiosa, no exercício dos direitos culturais, de qualquer outro direito ou garantia

fundamental;

XII. Favorecer a eliminação de qualquer fonte de discriminação e desigualdade racial direta ou

indireta, mediante a geração de oportunidades.

2. DA EDUCAÇÃO: 2.1. DA IMPLEMENTAÇÃO DAS LEIS 10.639/2003 E 11.645/2008:

I. Oferecer Cursos de Formação para professores da rede municipal de ensino sobre a história e

cultura africana e afro-brasileira capaz de preparar os profissionais da educação para aplicar os

dispositivos das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 no cotidiano escolar;

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II. Promover projetos culturais e pedagógicos de valorização da cultura afro-brasileira e

indígenana escola, de modo a utilizar a escola nos fins de semana como espaço de difusão e

produção das culturas tradicionais em parceria com associação de pais e mestres, conselhos

comunitários e de políticas, grêmio estudantil e comunidade; III. Promover ações educativas e

culturais referenciadas nas datas históricas significativas da população negra e indígena e da luta

contra o racismo;

IV. Publicar materiais didáticos adequados à construção de práticas pedagógicas antirracistas;

V. Fornecer material didático aos profissionais da educação para trabalhar os conteúdos das Leis

10.639/03 e 11.645/08; VI. Analisar o material didático evitando a reprodução de estereótipos

com relação a elementos da história e da cultura africana, afrobrasileira e indígena;

VII. Criar o feriado municipal do dia 20 de novembro - Dia da Consciência Negra;

VIII. Trabalhar pedagogicamente a data do dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra

nas escolas, conforme a Lei 10.639/03, organizando ações educativas e culturais, bem como,

seminários, debates, shows cênicos, artísticos e musicais por meio da realização anual da Semana

da Consciência Negra;

IX. Realizar cursinhos de pré-vestibular voltados para a população afro-descendente e indígena,

com participação dos movimentos negros e indígenas com valorização de atividades artísticas e

culturais;

X. Apoiar as propostas de ação afirmativas nas universidades públicas sediadas na cidade de

Fortaleza;

XI. Produzir e distribuir material socioeducativo (cartilha) que aborde as questões étnico-raciais

para as escolas públicas do ensino básico, incluindo práticas pedagógicas desenvolvidas pelo

movimento negro e indígena e incentivar tais ações no ensino privado;

XII. Incluir a capoeira no currículo escolar como um mecanismo de inclusão social resgatando

aspectos históricos e culturais desta;

XIII. Mapear as comunidades indígenas e os quilombos urbanos existentes em Fortaleza para

que nestes territórios sejam construídos escolas para essa população;

XIV. Garantir a formação de gestores públicos do segmento educacional e da cultura de combate

ao

racismo institucional;

XV. Garantir a inclusão digital nas comunidades quilombolas, indígenas e de maioria

afrodescendente na cidade de Fortaleza.

3. DA CULTURA E RELIGIÃO:

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I. Produzir um mapa georreferenciado dos territórios de matriz africana, bem como à elaboração

de

estudos sobre os procedimentos adequados para a regularização fundiária dos territórios

relacionados aos terreiros de candomblé e de umbanda, visando à isenção de IPTU garantido em

lei municipal;

II. Preservar o patrimônio material e imaterial presente na memória coletiva dos afro-brasileiros

e indígenas em Fortaleza;

III. Documentar e registrar a produção do conhecimento das matrizes culturais e artísticas

afrobrasileiras e indígenas, contribuindo decisivamente para a formação de um acervo histórico,

bibliográfico, musicológico e audiovisual em Fortaleza;

IV. Promover capacitação técnica de artistas negras(os), indígenas, produtores, técnicos e

agentes

culturais no âmbito da cultura afro-brasileira e indígena, do planejamento e da gestão;

V. Apoiar às religiões de matriz africana e outras instituições religiosas de origem afro-brasileira

e indígena, por meio da realização de oficinas nas 6 (seis) Secretarias Executivas Regionais

(SER), bem como o encontro municipal para garantir a visibilidade dessas expressões culturais e

religiosas, mantendo viva a memória desse legado cultural;

VI. Apoiar com condições institucionais e financeira as festas religiosas do calendário oficial

relacionados à população negra e indígena, em especial à festa de Iemanjá em 15 de agosto na

Praia do Futuro;

VII. Promover ações intersetoriais de fomento à criação cultural da juventude negra visando à

redução da violência por meio da realização de oficinas de produção e criação cultural nas 6 (seis)

Secretarias Executivas Regionais de Fortaleza;

VIII. Fortalecer e difundir o S.O.S. Racismo;

IX. Valorizar a cultura e religião afro-brasileira e indígena, através de capacitações no âmbito da

educação para a saúde com a participação dos sacerdotes e sacerdotisas (pai e mãe-de-santo,

babalorixá e Ialorixá) das religiões de matriz africanas e indígenas;

X. Criar imediatamente o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial;

XI. Criar o Museu Municipal do Maracatu, com a utilização do acervo já existente no Teatro São

José em Fortaleza/CE.

4. DA SAÚDE:

I. Fortalecer a implementação da Política Nacional e Municipal de

Atenção à Saúde Integral da População Negra;

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II. Contribuir com a erradicação do racismo institucional na atenção integral à saúde da

população negra no SUS;

III. Garantir formação, capacitação e treinamento dos(as) profissionais da saúde de modo a

afastar as práticas racistas e favorecer a compreensão das relações étnico-raciais e as

especificidades da saúde da população negra, visando o atendimento não discriminatório

deste segmento;

IV. Promover ações de prevenção e atenção integral à saúde da população negra com foco nas

doenças como anemia falciforme, hemoglobinopatias, diabetes, hipertensão arterial, miomatoses,

DST-AIDS, entre outras;

V. Incorporar a variável raça/cor nos sistemas de informação epidemiológica, como SINAN,

SINASC, SIM, prontuários e formulários para a consolidação de dados que retratem as condições

de saúde dessa população;

VI. Ampliar o Sistema de Notificação de doenças do SUS, identificando a raça/cor, orientação

sexual e religião a qual pertence o(a) usuário(a);

VII. Realizar campanhas anuais de Prevenção e Atenção à Saúde da População Negra e Indígena,

com a produção de uma cartilha anual de 50.000 exemplares e 2 (dois) boletins por ano, 50.000

exemplares;

VIII. Produzir, analisar e divulgar informações sobre a saúde da população negra e indígena;

IX. Realizar oficinas anualmente em cada Distrito Sanitário de Fortaleza, envolvendo os

religiosos de matriz africana e indígena, os movimentos sociais e osgestores para planejar as

ações;

X. Fortalecer o Programa Estratégia de Saúde da Família (PSF) nas comunidades com especial

atenção para as famílias negras, saúde da mulher negra como segmento que sofre os impactos do

racismo, sexismo e machismo de modo mais contundente;

XI. Garantir ações que contribuam para redução da morbimortalidade materna e infantil,

incluindo a

progressiva eliminação das desigualdades étnico- raciais até o ano de 2022; XII. Garantir nos

conselhos de saúde e nos comitês de morbimortalidade materna a discussão da política de

atenção à saúde da população negra e indígena através de comissões específicas;

XIII. Garantir o cumprimento do Plano Nacional de Humanização (PNH) no atendimento às

populações negras e indígenas nos equipamentos de saúde;

XIV. Fortalecer a implementação de ações da coordenação de saúde da população negra na SMS

através da criação de uma coordenadoria;

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XV. Garantir recursos para a implantação e implementação da farmácia viva nas comunidades

indígenas, quilombolas e terreiros de religiões de matriz africana;

XVI. Criar um Comitê Gestor para promover ações de intersetorialidade na política pública de

saúde da população negra e indígena, conforme o Estatuto da Igualdade Racial.

HABITAÇÃO, DESENVOLVIMENTO URBANO E INFRAESTRUTURA:

I. Capacitar os(as) profissionais da política de desenvolvimento urbano (HABITAFOR.

SEINF/PMF), nas temáticas de racismo institucional, racismo ambiental, política habitacional de

interesse social, questões urbano-ambientais voltadas para favelas e áreas de riscos;

II. Incentivar investimentos progressivos para integrar a favela na estrutura formal da cidade, por

meio da ampliação dos recursos aplicados nos programas habitacionais de interesse social e de

desenvolvimento urbano, urbanização de áreas, deslocamento, remanejamento de famílias de área

de riscos entre outros;

III. Garantir a moradia e urbanização com posse legal e definitiva das terras afro-brasileira e

indígenas através dos processos de reconhecimento, demarcação e titulação criando legislação

municipal com garantias orçamentárias;

IV. Incorporar a variável raça/cor nos levantamentos, estudos e cadastros técnicos das políticas

de desenvolvimento urbanos e na produção de dados e informações dos planos e programas

urbano-ambientais, de modo a criar possibilidade degeorreferenciamento para identificar a

origem da demanda e avaliar o efeito das ações na promoção da igualdade racial;

V. Implantar e incorporar nos programas, projetos e ações já existentes o recorte étnico-racial

visando promover a igualdade de acesso às políticas de desenvolvimento urbano;

VI. Fomentar a participação da população negra e indígena nas esferas públicas de deliberação da

política de desenvolvimento urbano e habitação de interesse social, fazendo parte na

representação nos conselhos de política;

VII. Garantir uma urbanização preservando e tombando os aspectos

socioculturais das áreas ocupadas pelas comunidades afrobrasileiras e indígenas;

VIII. Garantir áreas reservadas para horta comunitária na entrega de conjuntos habitacionais e

fortalecer o programa nas escolas e comunidades gerando renda e alimentação saudável para a

população afro-brasileira e indígena.

6. DIREITOS HUMANOS, ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA E SEGURANÇA PÚBLICA:

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I. Articular e monitorar junto aos governos estadual e municipal a criação e funcionamento da

delegacia de combate ao racismo, sexismo, à homofobia, lesbofobia, transfobia, intolerância

religiosa, pessoas com deficiência, possibilitando o fácil acesso à proteção judicial;

II. Promover a capacitação dos (as) profissionais da gestão municipal que realizam o atendimento

jurídico à população negra, indígena e comunidades de terreiros, com foco ao combate ao

racismo, discriminação e intolerância religiosa, bem como o encaminhamento nas situações de

violações de direitos;

III. Efetivar os instrumentos educativos e programas de valorização da cultura negra e indígena

que permitam a socialização das experiências positivas dessas populações, em nível municipal, no

sentido de valorizar e evidenciar positivamente essas culturas;

IV. Realizar campanha publicitária anual nos meios de comunicação (jornais, boletins

informativos, cartilhas, programa de radio e TV) contra o racismo e violência institucional;

V. Capacitar, de forma continuada, os agentes de segurança pública que atuam no município de

Fortaleza, mediante parceria entre a guarda municipal, a polícia civil e militar com o objetivo de

combater quaisquer tipos de abordagens e/ou manifestações de racismo, de homofobia, de

intolerância religiosa;

VI. Criar o Centro de Referência de combate à discriminação racial, com equipe multidisciplinar

que realize atendimento jurídico e psicossocial, instituindo conjuntamente um disque-racismo no

município de Fortaleza, bem como fortalecer o Programa de Combate ao Racismo Institucional

em Fortaleza (PCRI);

VII. Realizar capacitações com os titulares de cargos de gestão ecoordenação dos equipamentos

e órgãos da Prefeitura de Fortaleza sobre relações de gênero, raça-etnia, diversidade sexual e

combate à discriminação institucional;

VIII. Ampliar o acesso aos editais de valorização das diferentes manifestações culturais étnico-

raciais nos meios de comunicação;

IX. Criar novos programas municipais de inserção humanizada da população negra c indígena

egressa do sistema carcerário e das pessoas em situação de rua com o objetivo de integrá-los

e/ou reintegrá-los ao convívio social e à atividade econômica;

X. Inserir mecanismos de controle social do uso depreciativo de imagem da população negra e

indígena nos meios de comunicação;

XI. Promulgar lei municipal que agrave a penalidade de servidor público municipal que, mediante

sentença de processo administrativo, se verifique prática discriminatória, racista ou de violência

institucional contra a população negra ou indígena.

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7. TRABALHO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO:

I. Criar o Núcleo da Igualdade Racial cm cada Secretaria Executiva Regional (SER) do Município

de Fortaleza, subordinado à Coordenadoria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade

Racial (COPPIR);

II. Garantir espaços públicos para o escoamento da produção da Economia do Negro (a), bem

como fortalecer a suafiscalização através de órgãos competentes e da sociedade civil;

III. Garantir cotas para as diversas etnias (população negra, indígena e ciganos), no

funcionalismo público, nas empresas contratadas pelo poder público municipal e nas empresas

privadas, com percentual proporcional às estatísticas oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE);

IV. Expandir a formação de empreendimentos ecologicamente sustentáveis vinculados às

potencialidades socioculturais, étnico-raciais, ao turismo comunitário, à agroecologia entre

outros, a qual irá fortalecer o Fórum da Economia do Negro Com o investimento do percentual

mínimo de 0,5% do orçamento municipal na formação profissional na área de gestão ambiental,

tecnologias limpas e renováveis, reciclagem de resíduos sólidos, polos energéticos focado na

população negra e indígena;

V. Isenção e/ou redução do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN ou ISS-

sobreQualquer Serviço relacionado ao Fórum da Economia do Negro;

VI. Mapear os projetos locais já existentes nas comunidades voltados para as populações negra

e indígena, fortalecendo-os e incentivando a criação de novos empreendimentos coletivos,

aproveitando a mão-de-obra local;

VII. Realizar cursos através do Núcleo da Igualdade Racial direcionados às populações negra e

indígena com encaminhamento direto para estágios;

VIII. Criar fundo de investimento ou crédito diferenciado para o desenvolvimento de empresas,

cuja sociedade apresente 50% de negros(as) e indígenas ou representantes de outras etnias

historicamente excluídas;

IX. Fomentar através de incentivo e financiamento cooperativas de produção, bem como a

garantia de compra dos produtos fabricados por negros(as) e indígenas;

X. Criar programas e projetos que possibilitem a articulação entre as culturas negras e indígenas

voltadas para a qualificação profissional e a inserção no mercado de trabalho;

XI. Criar Lei de Incentivo Fiscal e Financiamento de empreendimento da economia solidária com

recorte étnico - racial voltado para o Fórum da Economia do Negro;

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XII. Efetivar e difundir redes e cadeias produtivas solidárias, articuladas com o Fórum da

Economia do Negro;

XIII. Intensificar a ação continuada da formação profissional com alocação, estabelecendo sistema

de cotas para as populações negras e indígenas garantindo a diversidade ético-racial;

XIV. Fortalecer as ações de trabalho e renda nas áreas de pisciculturas e arte, fomentando o

aproveitamento das lagoas urbanas;

XV. Fortalecer o combate à discriminação pela aparência na contratação de pessoal e de

serviços; XVI. Garantir espaços para os artesãos da população negra e indígena em eventos,

locais públicos, em particular na Feirinha da Beira mar.

DIARIO OFICIAL DO MUNICÍPIO FORTALEZA, 28 DE DEZEMBRO DE 2012 SECRETARIA

DE ADMINISTRAÇÃO

LUIZIANNE DE OLIVEIRA LINS

Prefeita de Fortaleza

IMPRENSA OFICIAL DO MUNICÍPIO

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