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UNI FMU CURSO DE DIREITO “ESTUDO COMPARATIVO DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS” Paulo Friedrich Wilhelm Löwenthal R.A. 445.315-3 Turma: 3209-H E-mail: [email protected] Telefone: (011) 3622-6958 Orientador: Prof. Nivaldo Sebastião Vícola São Paulo, março de 2004.

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UNI FMUCURSO DE DIREITO

“ESTUDO COMPARATIVO DOS INTERESSESTRANSINDIVIDUAIS”

Paulo Friedrich Wilhelm Löwenthal

R.A. 445.315-3Turma: 3209-H

E-mail: [email protected]: (011) 3622-6958

Orientador: Prof. Nivaldo Sebastião Vícola

São Paulo, março de 2004.

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UNI FMUCURSO DE DIREITO

“ESTUDO COMPARATIVO DOS INTERESSESTRANSINDIVIDUAIS”

Paulo Friedrich Wilhelm Löwenthal

R.A. 445.315-3E-mail: [email protected]: (011) 3622-6958

Monografia apresentada ao Curso de

Direito do UniFMU, como requisito

parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Direito, sob a

orientação do Professor Nivaldo

Sebastião Vícola.

São Paulo, março de 2004.

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Banca Examinadora

Professor Orientador: _____________________________

Nivaldo Sebastião Vícola

Professor Argüidor: ______________________________

Professor Argüidor:_______________________________

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“O fim a que as letras se dirigem, quero dizer, as letras humanas,

é estabelecer com clareza a justiça distributiva,

e dar a cada um o que é seu,

e o procurar e fazer que as boas leis se guardem e se cumpram:

fim por certo este generoso, e digno de louvor.”

(Cervantes, O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la

Mancha, cap.XXXVIII. Em que se trata do curioso discurso

que fez D.Quixote sobre as armas e as letras, 1604, pg.256)

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Dedico este trabalho a todos que contribuíram para o

aperfeiçoamento e estudo durante o curso que está a

se findar.

Especialmente à Magnífica Reitora desta

Instituição, Doutora Labibi Elias Alves da Silva que,

ao nos propiciar uma bolsa de estudos, possibilitou a

trajetória encetada.

Ao Professor Doutor Marco Antônio de Barros, por

vitórias anteriores na Iniciação Científica, abrindo as

portas da pesquisa acadêmica.

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Em tão poucas linhas agradecer a pessoas de quem

somos eternos tributários é quase mal-agradecer.

Contudo, apenas obedecendo a normatização

acadêmica que limita o sentir em avarenta página,

presto minha gratidão à minha primeira professora,

Dra. Anamaria Valiengo Lowenthal, por apoiar

intensamente todas as minhas idéias e planos.

Agradeço também a orientação do Professor Nivaldo

Sebatião Vícola, pessoa mais que gentil em todas as

circunstâncias.

À querida Tatiana, por seu valor e seu amor.

Ao meu caro tio Paulo Valiengo, que me alertou

sobre o interesse no direito e o direito ao interesse.

A meu pai e ao meu avô, por valiosos princípios

passados.

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Sinopse

Trata-se de trabalho de cunho monográfico que tem como

foco principal o estudo do conceito dos interesses transindividuais, quais

sejam, os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Desta forma,

partindo da análise dos significados do termo interesse, tanto na sua acepção

laica bem como na jurídica, verificamos os conceitos de interesse público e de

interesse privado. Ao depois, tratamos do conceito de interesses

transindividuais, reservando o último capítulo para a conclusão, com uma

proposta de comparação dos interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos, tomando por base suas características principais. Observamos,

por meio desta comparação, que as espécies de interesses transindividuais

possuem características que se intercomunicam e ao mesmo tempo

características próprias, que permitem a sua identificação.

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Sumário

Introdução ............................................................................................pg. 01

1 – Conceito de Interesse e de Interesse Jurídico.................................pg. 03

2- Interesse Privado / Interesse Público ...............................................pg. 08

3- Interesses Transindividuais ..............................................................pg. 17

3.1 – Interesses Difusos....................................................pg. 27

3.2 – Interesses Coletivos.................................................pg. 38

3.3 – Interesses Individuais Homogêneos........................pg. 46

4- Conclusão: Análise Comparativa Conceitual dos Interesses

Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos ....................................pg. 56

Bibliografia de Apoio ...........................................................................pg. 61

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Introdução

O presente trabalho teve como marco teórico o estudo de um

importante instrumento da tutela coletiva: a Ação Civil Pública. Instituída que

foi pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, há mais de 18 anos o assunto vem

merecendo inúmeros trabalhos doutrinários e, não obstante a vasta bibliografia

que a configura atualmente, acreditamos que os aspectos a ela inerentes

continuam sendo tema ainda controvertido, seja na academia ou nos tribunais.

Partindo desta inicial interrogação, passamos à pesquisa e cotejamos a

bibliografia pertinente. Ocorre que então recortamos deste universo um tema

que se nos afigurou de relevo: os interesses transindividuais.

Assim, justificada a escolha do tema pinçado do marco teórico

inicial nos dedicamos a enfocar os diversos aspectos conceituais dos aludidos

interesses.

Passemos pois à descrição do presente estudo.

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No primeiro capítulo, se fez necessário conceituar o termo

interesse, no seu sentido meramente gramatical bem com no seu sentido

jurídico.

Feita esta conceituação, no capítulo segundo passamos a uma

análise do conceito de interesse público e de interesse privado e,

posteriormente, analisamos a dicotomia direito público / direito privado,

elaborando um breve histórico desta temática.

Após esta análise, no capítulo terceiro tratamos do conceito de

interesses transindividuais. Verificou-se que tais interesses constituem um

terceiro gênero, não sendo possível enquadrá-los como pertencentes ao ramo

do direito público e nem tampouco como integrantes do direito privado.

Empreendeu-se ainda a análise das espécies de interesses transindividuais,

quais sejam, os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos,

cotejando-se alguns doutrinadores que tratam do tema.

No capítulo reservado às conclusões, desenvolveu-se uma

proposta de sistematização das espécies de interesses transindividuais,

tomando por base suas características principais.

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1 – Conceito de Interesse e de Interesse Jurídico.

Analisando-se o significado meramente gramatical do vocábulo

“interesse”, encontramos como sinônimos os vocábulos vantagem, proveito ou

benefício, e dentre várias definições, ressaltamos a que coloca interesse como

sendo “a relação de reciprocidade entre um indivíduo e um objeto que

corresponde a uma determinada necessidade daquele”1.

Rodolfo Camargo Mancuso, em sua magistral obra “Interesses

Difusos”, nos mostra a definição de Henri Capitant sobre interesse, qual seja,

“un avantage d’ordre pecuniaire ou moral” (uma vantagem de ordem

pecuniária ou moral)2 e ensina que este conceito figura válido tanto para o

plano do mundo fático como para os interesses do mundo jurídico – interesses

jurídicos. Assim, a nota em comum entre o interesse em sentido amplo e o

interesse jurídico é que em ambos ocorre uma busca de situação vantajosa,

nascendo um interesse na posse ou fruição daquela situação3.

1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa . 1a ed. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1975, pg. 780.2 COUTURE, E. Vocabulário Jurídico, Verbete interés. Buenos Aires: Depalma ,1976.apud MANCUSO,Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. 5a ed. São Paulo: RT, 2000, pg.17.3MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. 5a ed. São Paulo:RT, 2000, pg. 17.

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Contudo há que se observar que o termo interesse em seu sentido

amplo e o termo interesse jurídico não podem ser entendidos como sinônimos.

O interesse como termo laico se distingue do interesse jurídico na medida em

que este apresenta “certo valor inscrito na norma.”. 4 Desta forma enquanto

que o interesse em sentido amplo possui conteúdo axiológico vasto e variável,

com valoração deixada ao livre arbítrio do sujeito, o interesse jurídico tem seu

conteúdo valorativo pré-fixado em norma. Tal idéia pode ser sintetizada da

seguinte forma: o interesse ao ser disciplinado pelo direito , terá seu conteúdo

valorativo determinado, passando a configurar um interesse jurídico.

Sem esta adjetivação – jurídico – o interesse pode representar

simplesmente um querer, um desejo, sem que o portador deste interesse possa

exigir a satisfação de sua vontade. Estes interesses não jurídicos ,que podem

ser chamados de simples, puros ou de fato , possuem como característica uma

tênue proteção econômica ou social. Desta forma, diferentemente do que o

ocorre com o interesse jurídico, o ordenamento jurídico não prevê

mecanismos para a defesa dos interesses puros ou de fato. Na verdade, a

relevância destes interesses não ultrapassa os limites do campo psicológico do

seu possuidor, que não possui meios de impô-los a outras pessoas.

4 Idem, pg. 18.

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Podemos elencar inúmeros exemplos destes interesses, pois

como se trata do plano fático, surgem possibilidades infinitas, tais como

interesse em conseguir um bom emprego ou uma boa classificação em um

concurso público, o interesse de comprar um imóvel adequado, interesse em

ganhar na loteria, e assim por diante.5

Estes interesses, não obstante ficarem em apartado ao mundo

jurídico, não podem contudo, ser desprezados. Na verdade estes interesses

informam qual é o desejo e o pensamento médio de uma dada coletividade,

não raro sendo utilizados pelo legislador como base para a feitura da norma

jurídica. Feitas estas considerações acerca do interesse “simples”, isto é,

daquele que não é disciplinado pela norma, verifiquemos mais detidamente o

conceito de interesse jurídico.

Como já dito, os interesses simples ou de fato ao serem disciplinados

pelo direito têm seu conteúdo valorativo determinado, passando a configurar

um interesse jurídico. Além desta fixação axiológica, veja-se ainda que o

interesse passa a gozar de proteção no ordenamento jurídico. Estas idéias

5 Ibidem, pg. 20.

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remetem ao pensamento de Rudolf Von Ihering, que em sua Teoria do

Interesse, identificou o direito subjetivo como sendo o “interesse

jurídicamente protegido” 6.

Sobre este assunto, o professor Roberto Senise Lisboa, em sua

valiosa obra “Contratos Difusos e Coletivos”, leciona, in verbis:

“De acordo com os adeptos dessa tese, o interesse torna

possível o exercício do direito e a sua reivindicação, para

que se possa efetivamente gozá-lo. O direito seria,

portanto, a segurança jurídica de gozo.” 7

Não obstante as diversas teorias formuladas acerca do tema,

acreditamos que o conceito dado por Ihering, traduz satisfatoriamente o

conceito de interesse jurídico, fixando a idéia do interesse simples que,

ganhando proteção jurídica, permite o gozo e a defesa daquele interesse.

6 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito.3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, pg. 376.7 LISBOA, Roberto Senise.Contratos difusos e coletivos. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, pg. 46.

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A despeito das diversas conceituações que a doutrina traz acerca

do tema interesse, a saber, interesse social e interesse geral8, interesse jurídico

material/processual9, procederemos a um corte metodológico e passamos a

tratar da dicotomia interesse Público/ interesse Privado bem como a inserção

dos interesses transindividuais neste contexto.

8 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. 5a ed. São Paulo:RT, 2000, pg. 25 e 27.9 PRADE, Péricles. Conceito de Interesses Difusos. 2. ed. São Paulo: RT, 1987.

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2 - Interesse Privado / Interesse Público

Helly Lopes Meirelles define Interesse Público como sendo o

conjunto de todas as “aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda

a comunidade administrada, ou por uma parte expressiva de seus membros.”. 10

Desta definição depreende-se que o mestre conceitua o interesse

público considerando o seu conteúdo e ensina ainda que a finalidade maior da

Administração Pública é a defesa deste interesse.

Já alguns autores por nós pesquisados, entre eles Hugo Nigro

Mazzilli e Rodolfo de Camargo Mancuso, que entendem ser a principal

característica do interesse público não necessariamente o seu conteúdo mas,

sim, a presença do Estado. Desta forma quando se depara com a figura do

interesse público logo se infere que o Estado esteja presente. É isto que nos

diz Mancuso: “Quando se lê ou se ouve a expressão ‘interesse público’, a

presença do Estado se nos afigura em primeiro plano”. 11

10 MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21a ed., atualizada por Eurico de AndradeAzevedo, Délcio Balestro Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1996, pg. 8111 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. 5a ed. São Paulo:RT, 2000, pg. 29.

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Por sua vez, a doutrina de Mazzilli complementa a idéia dizendo

que na tradicional distinção que o direito faz entre interesse público e interesse

privado, o titular do primeiro é o Estado e do segundo, é titular o indivíduo.

Assim sendo, temos que o interesse público se consubstancia em uma

contraposição do interesse estatal ao interesse individual. No interesse

privado, diversamente, teremos a contraposição de interesses de indivíduos no

curso de suas inter-relações. 12

Ainda acerca do conceito de interesse público encontramos a

classificação ensinada por Celso Antônio Bandeira de Melo, que considera

dois planos do interesse público, quais sejam, interesse público primário e

interesse público secundário. Esta distinção - corrente na doutrina italiana –

traz os interesses públicos primários como os interesses da coletividade como

um todo e aqui temos, diga-se, identidade com o conceito de interesse público

apresentado por Helly Lopes Meirelles e, interesses públicos secundários.

Estes interesses públicos secundários existem em virtude do Estado ser pessoa

e independentemente de sua qualidade de servidor de interesses da

coletividade, possuir vontade própria.13

12 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outrosinteresses difusos e coletivos. 12. ed. São Paulo : Saraiva, 2000.pg. 4113 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4a ed. São Paulo: Malheiros, 1993,pg. 22.

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Prossegue Bandeira de Mello explicando que o Estado, enquanto

pessoa, poderia ter o interesse secundário de resistir ao pagamento de

indenizações, ainda que procedentes ou de cobrar tributos em valores

elevados. Nestas hipóteses o estado estaria defendendo apenas “seus”

interesses de pessoa jurídica sem, contudo, atender ao interesse público

primário.

Outrossim, o autor alerta que a finalidade precípua do Estado é

atender ao interesse público primário, de tal sorte que o interesse público

secundário, não obstante existir, só pode ser atendido quando coincidente com o

interesse primário. Em virtude desta vedação observa-se que a Administração não

pode ter a mesma desenvoltura e liberdade de atuação de que gozam os

particulares, ocupados apenas na defesa das próprias conveniências, sob pena de

a Administração vir a trair sua missão e a própria razão de sua existência.14

Feitas estas considerações acerca do conceito de interesse

público, passemos a analisar de forma breve o conceito de interesse privado,

para, a seguir, tecer algumas considerações acerca da dicotomia

público/privado.

14 Idem, pg. 22.

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Tomemos para análise as palavras da Professora Maria Helena Diniz

abaixo transcritas:

“O direito privado é o

que disciplina as

relações entre

particulares, nas quais

predomina, de modo

imediato, o interesse

de ordem privada,

como, por exemplo a

compra e venda, a

doação, o usufruto, o

casamento, o

testamento, o

empréstimo etc.”15

A visão da célebre doutrinadora, Professora Maria Helena Diniz,

observa assim o direito privado sob a ótica do interesse de ordem privada e desta

forma o conceito acima transcrito pode ser empregado como descrição, não

apenas do conceito de direito privado, mas também do que seja interesse privado.

15 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1.16. ed. São Paulo:Saraiva, 2000, pg. 17.

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O direito privado seria o conjunto de normas disciplinadoras e o interesse privado

o objeto destas normas. Por “particulares” podemos entender as pessoas físicas

ou naturais; as instituições particulares (associações, fundações, sociedades civis

ou comerciais), enfim as pessoas jurídicas de direito privado e até mesmo o

próprio Estado, quando participa em uma relação jurídica sem estar na qualidade

de poder público, mas na de simples particular. Assim, por exemplo, quando o

Estado for locatário de um prédio, figurará na condição de inquilino, sujeito à Lei

do Inquilinato.16

Feita esta breve análise do conceito de interesse público e

interesse privado trazido por alguns doutrinadores, analisemos a dicotomia

direito público / direito privado. Tal divisão existia já no Direito Romano,

conforme ensina Vicente Ráo, citando Ulpiano:

“O direito público versa sobre o modo de ser do Estado

romano; o privado sobre o interesse dos particulares.

Com efeito, algumas coisas são úteis publicamente,

outras privadamente (Hujus studii duae sunt positiones,

publicum et privatum. Publicum jus est, quod ad statum

rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum

16 Idem, pg. 17

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utilitatem; sunt enim quaedam publice utilia, quaedam

privatin).” 17

Ainda segundo Ráo, a maioria dos autores entende que neste

texto de Ulpiano é contraposta a tutela dos interesses gerais como finalidade

das normas de direito público, à tutela dos interesses particulares, como

finalidade do direito privado. Em outras palavras, tomando este ponto de vista

como base, temos que a norma de direito público objetiva tutelar “interesses

gerais” (que podemos entender como o interesse público primário/secundário

da doutrina italiana) e a norma de direito privado pretende a tutela do interesse

particular.

No entanto, tal critério sofre diversas críticas da doutrina, em

virtude de que a divisão direito público e direito privado não trata de

categorias estanques mas de ramos jurídicos que se interpenetram. Assim,

freqüentemente é dificultoso identificar se determinado interesse pertence ao

ramo público ou privado. Embora a divisão de Ulpiano possa ser utilizada até

hoje, o significado que possuía na época em que foi elaborada sofreu

17 RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 4. ed. São Paulo: RT, 1997, pg. 215/216

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profundas e significativas modificações no curso da história humana,

conforme poderemos descrever.

Na cultura da Antigüidade a esfera privada compreendia o reino

da necessidade, ou seja, a atividade humana dirigia-se no sentido de prover as

necessidades básicas – alimentar-se, repousar, procriar, etc. A palavra privado

remetia àquele âmbito em que o homem, submetido às necessidades naturais

buscava sobreviver. Neste sentido não havia espaço para a liberdade, pois

todos, inclusive o pater familias, estavam sob a coação da necessidade.

Aqueles que tinham o privilégio de se libertar desta condição –

os cidadãos, cives – exerciam atividade em plano totalmente diverso. Na pólis

o cidadão encontrava seus iguais e o terreno da ação era o encontro de homens

livres, que se governam. Deste contexto decorre a idéia de ação política, cuja

tônica era a palavra, o discurso, o bem governar, as normas jurídicas, enfim, a

ação política. Esta ação política constituía a esfera pública.18

18 SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, Tercio. Introdução ao Estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3.ed.São Paulo: Atlas, 2001, pg. 131.

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Ulpiano, quando fez a distinção entre direito público e direito

privado, tinha em mente em especial as coisas de Roma pois, naquele período

histórico configurava –se bastante nítida esta divisão de ramos.

A partir da Idade Média iniciou-se um processo de projeção da

esfera privada sobre a esfera pública, em decorrência da introdução de um

novo conceito no âmbito da esfera pública - a noção social. Esta noção, mais

ampla do que o conceito romano de política (atuação de cidadãos livres das

necessidades naturais), envolvia toda a atividade da comunidade (na

fabricação de bens, circulação de mercadorias, relações familiares, etc.) e

encontraria guarida tanto na esfera pública quanto na privada.19

A partir deste processo, a homogeneidade da esfera pública só

pode ser garantida por meio de um elemento novo, um ente artificial : o

Estado. Juridicamente, este Estado guardará perante os indivíduos uma relação

de comando (soberania) e a distinção entre o poder soberano e o poder dos

indivíduos em suas relações marcaria a distinção entre esfera pública e a

privada – interesses públicos/ interesses privados.

19 Idem, pg. 132

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Observemos, contudo, que no correr da Era Moderna, com

repercussão mais intensiva na Era Contemporânea, introduz-se no âmbito da

política a figura do Estado-Gestor (conceito diverso daquele de estado

soberano / comandante absoluto) ocorrendo o fenômeno da intervenção

crescente do Estado no domínio econômico, a socialização da produção e do

consumo. Surgem interesses jurídicos intermediários, não pertencentes à

esfera pública ou privada - como o interesse dos trabalhadores – tornando a

separação entre direito público e privado confusa e sem nitidez.20

Este é o quadro que a dicotomia público/privado apresenta

hodiernamente. Neste viés, podemos inserir a problemática surgida com a

doutrina dos interesses transindividuais, que passamos a estudar no capítulo

que segue.

20 Ibidem, pg.134

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3 - Interesses Transindividuais

Segundo Hugo Nigro Mazzilli21 tem-se reconhecido a existência

de uma categoria intermediária de interesses que, não sendo propriamente

estatais, também não se configuram como interesses individuais. São

interesses peculiares, que não obstante existirem de há muito na sociedade

humana, afloram com grande intensidade na segunda metade do século XX.

Conforme lecionado por Tercio Sampaio Ferraz, tal fenômeno

está ligado ao tipo de sociedade em que vivemos, que é a chamada sociedade

de massa. Este conceito, segundo o renomado mestre, deve ser abstraído de

sua carga pejorativa e analisado como sendo aquela sociedade onde a

tendência é tratar o indivíduo em termos uniformes.22

21 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outrosinteresses difusos e coletivos. 12. ed. São Paulo : Saraiva, 2000.22 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. in A Tutela dos Interesses Difusos. Tutela dos interesses difusos:doutrina, jurisprudência e trabalhos forenses. (coord. Ada Pelegrini Grinover) São Paulo: MaxLimonad,1984. pg.153

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Dentro deste contexto de uniformidade, os interesses passam a

ser compartilhados por um grande número de pessoas, com titularidades

indefinidas. A correlação entre interesses transindividuais e o fenômeno da

sociedade de massa pode ser melhor entendida com alguns dados históricos.

Conforme sistematiza Pedro Lenza23 a Revolução Industrial – iniciada na

Inglaterra e posteriormente difundida para outros países – faz aparecer o

fenômeno da massa, em virtude das profundas alterações estruturais que esta

Revolução promoveu na sociedade. A transformação de uma sociedade

marcadamente agrícola em uma sociedade industrializada e a conseqüente

migração da população dos campos para as cidades cria uma densidade

demográfica nunca antes vista. Deste contexto sobrevieram uma série de

mazelas que passaram a afligir a massa populacional habitante dos centros

urbanos. Destacam-se epidemias, insuficiência de abastecimento de água, falta

de esgoto sanitário, péssimas condições de trabalho, miséria, fome e com o

passar do tempo revoltas.

Neste cenário surge o movimento sindical, com objetivo

precípuo de defender os interesses dos operários contra o grande

poderio industrial. A sociedade se organiza, assim, em torno de novos

23 LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003, pg. 33

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núcleos sociais, que são nomeados pela doutrina como corpos

intermediários, posto que se situam entre o indivíduo isolado de um

lado e o Estado de outro; ou seja, a idéia de intermediariedade decorre

de que não se tratam de organismos estatais mas, por sua vez,

também não se encontram enquadrados na esfera dos interesses

privados.

A existência destes corpos intermediários, contudo, preexiste ao

período em que ocorre a Revolução Industrial. Como alerta Mancuso24, já no

período Medieval, nos feudos e nas corporações de ofício podem ser

observadas características típicas dos corpos intermediários porém, estes

organismos foram totalmente banidos pela Revolução Francesa, que trazia

como uma de suas ideologias básicas o conceito de nação “ une et indivisible”.

Isto porque, dentro dos ideais iluministas prevalecia uma visão marcadamente

individualista, com o Estado composto apenas de cidadãos. Deste ideário

ocorre uma cristalização da dicotomia interesse público / interesse privado

não havendo espaço para a existência de nada que não fosse pertencente a um

ou outro pólo desta dicotomia.

24 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. 5a ed. São Paulo:RT, 2000, pg. 34.

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Com a luta entabulada pelo movimento sindical na era da

Revolução Industrial, os corpos intermediários ressurgem, ganhando

confiança da classe operária e promovendo a união dos indivíduos através dos

sindicatos.

Após o surgimento dos sindicatos, apenas recentemente novos

corpos intermediários começaram a aflorar e a proliferar. Desta maneira,

conforme ensina Ada Pellegrini Grinover:

“Novos grupos, novas categorias, novas classes de

indivíduos, conscientes de sua comunhão de interesses,

de suas necessidades e de sua fraqueza individual, unem-

se contra a tirania da nossa época (...).” 25

Os interesses destas novas classes, categorias ou grupos de

pessoas, são interesses que excedem o âmbito estritamente individual, todavia

não chegam a constituir interesse público (interesses transindividuais).26

25 GRINOVER, Ada Pellegrini in A Tutela dos Interesses Difusos:doutrina, jurisprudência e trabalhosforenses. (coord. Ada Pelegrini Grinover) São Paulo: Max Limonad,1984. pg. 3326MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outrosinteresses difusos e coletivos. 12. ed. São Paulo : Saraiva, 2000.

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Em virtude desta circunstância abre-se uma problemática que foi

intensamente debatida pelos estudiosos do assunto. José Marcelo Menezes

Vigliar, por exemplo, aponta bem o cerne da questão, colocando que se os

interesses jurídicos privados são tutelados pelos particulares e os interesses

públicos pela Administração, quem tutelaria em juízo os interesses que não

podem ser enquadrados precisamente em uma ou noutra dessas categorias?

Surgem assim, diversas dificuldades na tutela jurídica destes

interesses. Sobre a proteção jurídica dos interesses transindividuais Mauro

Cappeletti e Bryant Grath27 exemplificam brilhantemente a problemática

atinente ao tema em questão:

“Um exemplo simples pode mostrar por que essa situação

cria especiais barreiras ao acesso. Suponhamos que o

governo autorize a construção de uma represa que ameace

de maneira séria e irreversível o ambiente natural (...)”.

27 CAPPELLETTI, Mauro. Access to justice: the worldwide movement to make rights effective. Milano:Giuffrè, 1978 (em cooperação com Bryant Garth) apud VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses Difusose Coletivos. São Paulo: editado pelo CPC – Curso Preparatório para Concursos, 2003, pg. 23.

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Cabe aqui traçar alguns comentários: no exemplo dos autores o

governo, ao construir a represa, não está, necessariamente, contrariando o

interesse público primário. Pode tratar-se, usando a terminologia de Bandeira

de Mello 28, de perfeita coincidência entre interesse público primário e

secundário, de tal sorte que a finalidade da construção seja a geração de

empregos, o pleno desenvolvimento econômico, etc. Mas continua o exemplo:

“Muitas pessoas podem desfrutar da área ameaçada, mas

poucas – ou nenhuma – terão qualquer interesse

financeiro direto em jogo. Mesmo esses, além disso,

provavelmente não terão interesse suficiente para

enfrentar uma demanda judicial complicada.(...)”.

Veja-se que no exemplo ora transcrito, estes interesses

insuficientes (pode-se dizer individuais) para motivar as pessoas que

desfrutam da área ameaçada a propor ações judiciais, quando considerados em

seu conjunto, configuram um interesse relevante, mas ainda assim, não se

estaria falando de um interesse público. Aqui temos bem caracterizada a

28 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4a ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

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problemática dos interesses transindividuais, que não são públicos e nem

privados.

“Presumindo-se que estes indivíduos tenham legitimação

ativa (que é freqüentemente um problema), eles estarão em

posição análoga à do autor de uma pequena causa, para

quem uma demanda judicial é antieconômica. Um

indivíduo, além disso, poderá receber apenas indenização

de seus próprios prejuízos, porém não dos efetivamente

causados pelo infrator à comunidade.”

O exemplo dos renomados autores introduz alguns dos aspectos

da dificuldade de acesso à justiça e tutela jurisdicional inerentes aos interesses

transindividuais (considerando-se a sistemática processual vigente à época dos

estudos destes autores), em especial a questão da legitimidade (“que

freqüentemente é um problema”) e dos efeitos que a decisão judicial

(indenização não apenas danos dos indivíduos, mas principalmente, os

?sofridos pela comunidade. Estes os principais tópicos problemáticos em se

cuidando da defesa de interesses transindividuais em juízo, sobre os quais a

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doutrina se debruçou intensamente, desenvolvendo uma nova forma de pensar

o direito, com amplos reflexos na legislação que sobreveio a estes estudos.

Passemos a análise das espécies de interesses transindividuais

partindo da forma em que estão descritos e referidos em nossa legislação

cotejando com as observações feitas pela doutrina acerca do tema.

Os interesses transindividuais podem ser subdivididos, tomando

como base a forma que atualmente estão positivados, em a) interesses difusos;

b) interesses coletivos ou d) interesses individuais homogêneos. Isto pode ser

afirmado em decorrência do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor

(Lei n.º 8.078/90) no seu artigo 81, incisos I a III, in verbis:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos

consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo

individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando

se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para

efeitos deste código, os transindividuais, de natureza

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indivisível, de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos,

para efeitos deste código, os transindividuais, de

natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria

ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte

contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos,

assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

(grifos nossos)

O referido artigo, além de subdividir os interesses

transindividuais dá as definições legais do que seja interesse difuso, coletivo e

individual homogêneo. Tais definições apresentadas pelo CDC são singelas,

necessitando-se da interpretação doutrinária para complementá-las e

esclarece-las adequadamente. Observe-se, contudo, conforme salienta Kazuo

Watanabe, que a opção legislativa teve uma razão de ser pois, tendo em vista a

falta de consenso na doutrina sobre os conceitos de interesses difusos e

coletivos, o legislador achou por bem defini-los, objetivando assim evitar

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dúvidas e discussões doutrinárias que poderiam levar ao comprometimento da

efetiva tutela dos interesses transindividuais. 29

As características dos interesses transindividuais podem ser

analisadas levando-se em conta:

a) a titularidade do interesse, que pode ser indeterminável ou determinável;

b) o objeto do interesse, que pode ser indivisível ou divisível

c) a origem do interesse, que pode decorrer de uma circunstância fática ou de

uma relação jurídica base.

Esta classificação, apesar de não comportar todas as

características dos interesses transindividuais, será utilizada para fins de

sistematização do trato dos interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos, nos capítulos que se seguem.

Passaremos a seguir a estudar os interesses difusos e suas

peculiaridades.

29 WATANABE, Kazuo. in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores doanteprojeto. Ada Pellegrini Grinover et al... 7. ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2001, pg. 739.

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3.1 – Interesses Difusos

Quanto a primeira característica dos interesses difusos, qual seja,

a titularidade dos interessados, nos interesses difusos observamos que seus

titulares são indeterminados.

Esta característica - indeterminação de titulares – é incompatível

com alguns dogmas há muito assentados na doutrina jurídica. Isto porque a

doutrina considerava que, em se tratando de interesses juridicamente

protegidos, sempre haveria uma relação direta entre interesse e titularidade.

Desta forma, somente seriam suscetíveis de tutela estatal os interesses que,

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além de relevantes para a ordem jurídica – interesses jurídicos – fossem

referentes a um titular30.

Esta é a “herança individualista” mencionada por Barbosa

Moreira e sobre a qual reflete o seguinte:

“O mais rápido olhar aos esquemas processuais clássicos,

tais como os refletem os grandes monumentos

legislativos e a doutrina tradicional, desde logo os

descobre, com poucas exceções, fundamentalmente

armados à imagem e semelhança das relações jurídicas

interindividuais, a cujo trato se ordena, de maneira

precípua, o aparelho da Justiça.” 31

A indeterminabilidade dos titulares que ocorre nos direitos

difusos contrapõe-se de forma fundamental a essa “herança individualista”,

rompendo-se com a maneira de pensar tradicional. Tal ruptura se fez

necessária em virtude da relevância social destes interesses transindividuais

30 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. 5a ed. São Paulo:RT, 2000, pg. 8531 BARBOSA MOREIRA, José Carlos in A Tutela dos Interesses Difusos:doutrina, jurisprudência e trabalhosforenses. (coord. Ada Pelegrini Grinover) São Paulo: Max Limonad,1984. pg.98

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pois, se o interesse individual merece a proteção do ordenamento jurídico,

com muito mais razão o interesse de muitos - ainda que indetermináveis –

merece e também necessita ser protegido pelo sistema jurídico.

Ainda segundo a doutrina mais tradicional, a terminologia

“direito” era reservada para as hipóteses de interesses juridicamente

protegidos pertencentes a sujeitos determinados ou determináveis. Neste ponto

cabe fazer algumas considerações com relação a terminologia empregada na

presente monografia.

Quando se trata de tema afeto à transindividualidade

encontramos na doutrina ora a utilização do termo “interesses” ora a utilização

do termo “direitos”. Tal distinção fazia sentido na visão da doutrina

tradicionalista na medida em que apenas o interesse com titularidade

determinada assumia o status de direito subjetivo. Com o desenvolvimento da

doutrina, tal conceito de direito subjetivo foi paulatinamente alargado,

abrangendo também os interesses cuja titularidade é indeterminada. Desta

forma, os termos “interesses” transindividuais ou “direitos” transindividuais

terminaram por possuir significado equivalente32.

32 WATANABE, Kazuo. in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores doanteprojeto. Ada Pellegrini Grinover et al... 7. ed. Rio de Janeiro : Forense Universitaria, 2001, pg. 739.

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Esta equivalência dos termos “interesses” e “direitos” pode ser

observada no ordenamento pátrio, seja na Constituição Federal ou em leis

ordinárias. Em âmbito constitucional verificamos que o poder constituinte

originário, no dispositivo que disciplina o mandado de segurança coletivo,

estabeleceu a possibilidade de defesa dos “interesses” dos membros ou

associados das organizações sindicais, in verbis:

“Art. 5° (...)

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser

impetrado por:

(...)

b) organização sindical, entidade de classe ou

associação legalmente constituída e em

funcionamento há pelo menos um ano, em defesa

dos interesses de seus membros ou associados;”

(sublinhamos)

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O dispositivo supra transcrito trata de tema relacionado à

transindividualidade, cuja defesa pode ser feita via mandado de segurança e é

tratado na Constituição sob a rubrica “interesses”.

Também no art. 129, inciso III da Constituição Federal, que trata

das funções institucionais do Ministério Público encontramos a utilização do

termo “interesse”, in verbis:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério

Público:

(...)

III - promover o inquérito civil e a ação civil

pública, para a proteção do patrimônio público e

social, do meio ambiente e de outros interesses

difusos e coletivos;“ (grifos nossos)

Por outro lado, a Constituição Federal, no seu art. 8°, inciso III,

quando disciplina a associação profissional ou sindical, estabelece que aos

sindicatos competirá a defesa dos “direitos e interesses coletivos”, in verbis:

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“Art. 8º É livre a associação profissional ou

sindical, observado o seguinte:

(...)

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e

interesses coletivos ou individuais da categoria,

inclusive em questões judiciais ou

administrativas;” (grifos nossos)

Desta perfunctória análise do texto constitucional podemos

extrair que a Constituição ora usa o termo “interesses”, ora usa o termo

“direitos”, parecendo conferir a ambos idêntico status jurídico. Isto porque

seja sob a rubrica “interesse” ou sob a rubrica “direito”, a Constituição prevê a

possibilidade de tutela jurisdicional de ambos.

Esta paridade dos termos “interesses” e “direitos” no que tange à

tutela transindividual, foi consolidada com o advento do Código de Defesa do

Consumidor , que em seu art. 81, incisos I a III, traz a locução “direitos ou

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interesses” ao se referir às espécies de direitos/interesses transindividuais

(difusos, coletivos e individuais homogêneos).

Considerando esta equivalência de termos, resta esclarecer - para

fins metodológicos - que no presente trabalho utilizaremos o termo “interesse”

quando for feita referência aos direitos/interesses transindividuais.

Após verificarmos o aspecto relativo à titularidade indeterminada

dos interesses difusos e depois de termos tecido a similitude dos usos legais da

terminologia interesse e direito, quando esclarecemos como iremos empregar-

la no presente trabalho, passaremos a analisar o objeto do interesse difuso.

O interesse difuso possui objeto indivisível, na medida em que há

uma impossibilidade fática de se atribuir quotas partes do objeto aos

interessados. Desta forma, a fruição do objeto bem como a sua defesa, deverá

ser feita de forma conjunta. Esta indivisibilidade decorre da própria essência

do interesse difuso, de forma que se for possível fracionar o objeto do

interesse, atribuindo-se quotas partes aos interessados, significa que não se

trata em verdade de um interesse difuso.

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A indivisibilidade do objeto e a indeterminabilidade dos sujeitos

são as características dos interesses difusos que são mais facilmente

entendidas por meio de exemplos. A doutrina costuma exemplificá-las

valendo-se dos interesses relativos à proteção do meio ambiente que, via de

regra, se consubstanciam em interesses difusos.

Utilizemos mais uma vez o exemplo dado por Mauro Cappelletti

e Bryant Grath, qual seja, a hipótese da construção de represa que ameace

seriamente o meio ambiente de dada região. Teremos neste caso, a

indeterminabilidade dos sujeitos pois, como danos ao meio ambiente causam

reflexos em ampla escala, não apenas os moradores da região terão interesse

na interdição da obra. Ademais, considerando que tais danos geralmente são

irreversíveis, certamente gerações futuras sofrerão seus efeitos ou mesmo, em

dependendo da intensidade da atividade depredatória, pode-se chegar à

conclusão que a interdição da construção da represa interessa a toda a

humanidade.

Tal interesse pode se revelar com maior ou menor intensidade em

cada indivíduo, mas de qualquer maneira, trata-se de interesse impossível de

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ser individualmente fruído. Isto porque, com a interdição da obra, todos os

interesses são imediatamente atendidos.

Desta forma podemos concluir -nos termos da fundada doutrina

de Barbosa Moreira - que, em virtude da indivisibilidade do objeto dos

interesses difusos, sua satisfação necessariamente aproveita em conjunto a

todos, e sua postergação a todos em conjunto prejudica.33

Tendo sido feitas as considerações necessárias à titularidade e

objeto, passamos a seguir a analisar os interesses difusos com relação à sua

origem.

Os interesses difusos têm como origem circunstâncias fáticas (ou

“ circunstâncias de fato” como traz o art. 81, I do CDC) que ocasionam a

união ou ligação dos titulares indeterminados. Retomando o exemplo de

Cappelletti e Grath, observamos que por mais díspares que sejam as

características de cada um dos interessados (moradores da região,

ambientalistas, etc.) todos orbitam em torno da mesma circunstância fática – a

iminente construção de obra danosa ao meio ambiente. Não há uma relação

33 BARBOSA MOREIRA, José Carlos in A Tutela dos Interesses Difusos:doutrina, jurisprudência e trabalhosforenses. (coord. Ada Pelegrini Grinover) São Paulo: Max Limonad,1984. pg.99

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jurídica base a unir os interessados, mas sim uma situação fática que faz

convergir todos os interesses.

Acerca deste conceito de relação jurídica base, maiores

considerações serão tecidas no capítulo referente à interesses coletivos, mas

pode-se adiantar que a presença ou ausência desta relação jurídica base é um

dos aspectos diferenciadores dos interesses difusos e dos interesses coletivos.

Para fins de síntese do que até aqui foi analisado com

relação aos interesses difusos, é possível verificar que esta categoria de

interesses possui: a) titulares indeterminados; b) objeto indivisível e c) origem

decorrente de circunstâncias de fato.

Afora as características relativas à titularidade, objeto e

origem do interesse difuso, a doutrina traz ainda outras características dos

interesses difusos, dentre as quais podemos destacar a existência de uma

intensa litigiosidade presente nesta classe de interesses. Conforme ensina José

Geraldo Brito Filomeno, o interesso difuso “é por si só intrinsecamente

conflituoso, devendo sempre se buscar o equilíbrio, baseado na natureza das

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coisas e no bom senso.” 34 A realidade fática nos apresenta muitos exemplos

desta conflituosidade: tomemos como um destes exemplos as diversas ações35

propostas pelo Ministério Público Federal questionando o traçado utilizado

para o projeto de duplicação da rodovia federal Regis Bittencourt. A

duplicação da estrada certamente proporcionará grande aumento na segurança

dos seus usuários - haja vista o elevado número de acidentes no trecho objeto

da duplicação – bem como benefícios de cunho econômico. Contudo, como o

trecho delineado atravessa área com flora e fauna remanescentes da outrora

exuberante Mata Atlântica temos, em contrapartida, sérios riscos para o meio

ambiente ecologicamente equilibrado. Desta forma questiona-se judicialmente

alternativas para o traçado da rodovia, objetivando minimizar o impacto

ambiental das obras. Antinomias de interesses juridicamente protegidos, como

a existente no exemplo em tela, estão freqüentemente presentes em demandas

envolvendo interesses difusos, acarretando dificuldades para a solução dos

litígios. Isto porque a sujeição completa de um dado interesse a um outro

contraposto, termina por não ser a solução mais adequada aos anseios da

sociedade globalmente considerada.

34 FILOMENO, Jose Geraldo Brito. in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autoresdo anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover et al... 6. ed. Rio de Janeiro : Forense Universitaria, 2000, pg. 6035 Ação cautelar n.º 2002.61.00.029895-3 e ação principal n.º 2003.61.00.023370-7 em trâmite perante a 16a

Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo.

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Adentraremos em seguida à analise dos traços essenciais que

configuram os interesses coletivos.

3.2 – Interesses Coletivos

Esta classe de direitos transindividuais vem definida no art. 81, inciso

II do CDC e possui, como elementos caracterizadores três aspectos, quais

sejam:

a) titulares determinados ou determináveis;

b) objeto do interesse indivisível e

c) origem decorrente da existência de uma relação jurídica base a ligar os

interessados entre si ou liga-los com a parte contrária.

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Vejamos, por conseguinte, cada um destes aspectos com mais

vagar.

Antes de mais nada, é urgente que se explique o que poderia à

primeira vista parecer um engano metodológico. Apesar da ordem

apresentada acima, onde figura em primeiro lugar a descrição dos titulares,na

verdade torna-se mais fácil a compreensão destes aspectos, iniciando-se pela

análise do objeto do interesse coletivo.

Com relação à indivisibilidade do objeto do interesse coletivo, as

considerações tecidas no momento em que abordamos os interesses difusos

devem ser observadas. Isto porque o conceito de indivisibilidade do objeto dos

interesses difusos e dos interesses coletivos é essencialmente o mesmo, qual

seja, os interessados não podem, individualmente, fruir do objeto do interesse

jurídico.

O exercício do interesse coletivo – tal como acontece nos

interesses difusos – deverá ser feito, necessariamente, de forma coletiva.

Ademais, atendido o interesse de um dos componentes do grupo, classe ou

categoria, o interesse dos demais integrantes será atendido. José Marcelo

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Menezes Vigliar exemplifica esta indivisibilidade dos interesses coletivos com

o direito dos alunos de uma determinada escola a ter assegurada a qualidade

de ensino. 36 As providências da escola para assegurar a qualidade, tais como

a contratação de professores mais qualificados, revisão do conteúdo

programático, aumento da quantidade de horas aula, e tantas outras que vem a

compor a conceituação da referida qualidade de ensino, serão providências

que atenderão a toda a coletividade de alunos indivisivelmente.

Acerca da origem dos interesses coletivos, diversamente do que

ocorre nos interesses difusos - em que teremos há uma circunstância fática

como ponto de convergência dos interesses - nos coletivos o interesse se

originará de uma relação jurídica base comum aos seus titulares.

Esta relação jurídica base caracterizadora dos interesses coletivos

pode ser entendida, conforme o ilustre magistério de Kazuo Watanabe, como

uma relação jurídica preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou

direito do grupo, categoria ou classe de pessoas.37 Para exemplificar o

conceito dado, o autor faz alusão aos interesses ou direitos dos contribuintes

36 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: editado pelo CPC – CursoPreparatório para Concursos, 2003, pg.41.37 WATANABE, Kazuo. in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores doanteprojeto. Ada Pellegrini Grinover et al... 7. ed. Rio de Janeiro : Forense Universitaria, 2001, pg. 742 e 743.

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do imposto de renda. Há entre o fisco e os contribuintes do referido imposto

uma relação jurídica base e, desta forma, ocorrendo qualquer medida ilegal ou

abusiva relativa ao tributo, será perfeitamente possível a determinação das

pessoas atingidas pela medida. Não se trata assim, de relação jurídica nascida

com a própria lesão ou ameaça de lesão mas sim uma relação jurídica

preexistente ao evento danoso.

Ada Pellegrini Grinover esclarece que o conceito de relação

jurídica base, pode ser compreendido como aquele vínculo jurídico definido,

que congrega uma coletividade de pessoas com interesses comuns (coletivos).

A insigne doutrinadora, aludindo a alguns exemplos de

coletividades de pessoas tais como a sociedade comercial, o condomínio e a

família, afirma que estas coletividades “dão margem ao surgimento de

interesses comuns, nascidos em função da relação-base que congrega seus

componentes, mas não se confundindo com os interesses individuais.” 38.

Para a correta identificação da relação base, há que se levar em

conta a correta correspondência entre a relação jurídica base e o interesse

38 GRINOVER, Ada Pellegrini in A Tutela dos Interesses Difusos:doutrina, jurisprudência e trabalhosforenses. (coord. Ada Pelegrini Grinover) São Paulo: Max Limonad,1984. pg. 30

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coletivo. Isto traz relevância pois, sempre é possível encontrar-se um vínculo a

unir as pessoas, mas este vínculo pode não guardar relação como o interesse

coletivo. Assim reutilizando o exemplo dos alunos que objetivam melhoria do

ensino de determinada escola, o vínculo jurídico da nacionalidade - existente

entre todos os brasileiros natos ou naturalizados - não terá correlação com o

interesse coletivo em análise.

Diante do exposto pode-se concluir que, para a adequada

identificação e tratamento do interesse coletivo, há que ser considerada como

relação jurídica-base do interesse coletivo aquela que possuir a ligação mais

próxima com a lesão ou ameaça de lesão. No exemplo supra mencionado, a

relação jurídica base a ser considerada é a relação jurídica alunos/escola, na

medida em apresenta correlação com o interesse coletivo de lograr melhores

condições para o ensino.

Ainda acerca do conceito de relação jurídica-base é necessário

dizer que a mesma pode ocorrer entre os interessados, ou entre os

interessados e a parte contrária.

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Conforme ensina Watanabe, nos interesses ou direitos

pertencentes a grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si por uma

relação jurídica base haverá organização dos interessados. Melhor dizendo,

havendo ligação entre os interessados, a própria relação jurídica base

proporcionará a organização como, por exemplo, quando se fala em classe

sindical dos metalúrgicos. Contudo, tal organização não é indispensável nas

hipóteses de interesses coletivos cuja relação jurídica base interliga os sujeitos

do interesse transindividual com a parte contrária (causadora da lesão ou

ameaça de lesão). Preleciona Watanabe:

“Mesmo sem organização, os interesses ou direitos

‘coletivos’, pelo fato de serem de natureza indivisível,

apresentam identidade tal que, independentemente de sua

harmonização formal ou amalgamação pela reunião de

seus titulares em torno de uma entidade representativa,

passam a formar uma só unidade, tornando-se

perfeitamente viável, e mesmo desejável, a sua proteção

jurisdicional de forma molecular.” 39

39 WATANABE, Kazuo. in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores doanteprojeto. Ada Pellegrini Grinover et al... 7. ed. Rio de Janeiro : Forense Universitaria, 2001, pg. 744.

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Para entendermos melhor as palavras do renomado jurista,

retomemos ainda o exemplo dos alunos que objetivam melhoria do ensino da

escola em que estudam. Neste exemplo pode ser observado que não há – ou

não precisa haver – uma organização entre os alunos para a configuração do

interesse coletivo.

A relação jurídica base se forma em virtude de cada aluno possuir

vínculo jurídico com a escola . Este conjunto de relações jurídicas apresentará

unidade na medida em que o interesse na melhoria do ensino é indivisível.

Assim, quando Watanabe fala em proteção jurídica do interesse

coletivo “de forma molecular” deve ser entendido que, em virtude da unidade

do interesse (que é indivisível e possui identidade de relações jurídicas base),

a tutela jurídica deve ser feita de forma coletiva em oposição a uma forma

atomizada, ou seja, por meio de demandas individuais. Entendemos que,

apesar de ser possível o ingresso de demanda individual neste caso, em

decorrência das peculiaridades da tutela coletiva “tradicional”, os efeitos da

demanda poderiam não ser satisfatórios, provavelmente deixando de alcançar

os interessados que não participaram da ação, com a descaracterização da

essência do interesse coletivo, qual seja, a sua indivisibilidade.

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Tratando-se por fim dos interesses coletivos em relação aos seus

titulares, observamos que estes interesses possuem titulares determinados, ou

ao menos determináveis.

Esta determinabilidade será possível justamente em razão da

existência da relação jurídica base - seja quando ocorre entre os interessados

ou entre estes e a parte contrária - que permite a identificação dos titulares do

interesse. Exemplificando, no caso da escola que apresenta deficiências no

ensino das matérias, já vimos que a relação jurídica base a ser considerada é a

relação aluno/escola. Assim, utilizando esta relação jurídica base, torna-se

possível identificar quem são os titulares do interesse coletivo, bastando

observar quem é e, quem não é aluno da instituição de ensino.

Por fim observe-se ainda que os interesses coletivos podem ser

afetos a um conjunto de interessados bastante amplo, tornando mais complexa

a determinação dos interessados (ex. contribuintes) mas, se houver a presença

de relação jurídica-base, não se estará ainda na esfera dos interesses difusos.

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Desta forma, por mais que haja inúmeros mutuários de um

mesmo sistema de habitação, ocorrendo reajuste abusivo é possível a

identificação dos lesados em virtude da identidade de relações jurídicas

existentes entre os mutuários e o órgão financiador e da indivisibilidade do

objeto do interesse dos mutuários.

3.3 – Interesses Individuais Homogêneos

Nos capítulos precedentes vimos as características básicas dos

interesses difusos e dos interesses coletivos sob a ótica da titularidade dos

interessados, objeto do interesse e origem do interesse. Resta analisar a última

classe de interesses transindividuais, sejam os interesses individuais

homogêneos.

No que tange à titularidade, os interesses individuais homogêneos

possuem titulares determináveis ou determinados, tal como ocorre nos

interesses coletivos. Quanto ao objeto, o interesse individual homogêneo é

divisível, sendo perfeitamente possível atribuir quotas partes aos interessados.

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Em virtude da determinabilidade dos titulares e da divisibilidade do

objeto, é possível afirmar que os interesses individuais homogêneos são, em

essência, interesses individuais (escusando-se o possível pleonasmo). Tal

individualidade os afasta dos interesses coletivos e dos difusos.

Analisemos as características até aqui apresentadas por meio de

exemplo trazido por Vigliar40, qual seja, a circunstância em que se encontram

os “compradores de veículos produzidos com o mesmo defeito de série”,

ocorrendo mal funcionamento no sistema de ar-condicionado.

Observamos que o objeto do interesse é divisível e, desta forma,

não é possível a adoção de uma única providência que venha a atender, de

uma só vez, a todos os interesses. Melhor explicando, vimos que nos

interesses difusos e coletivos, em face da indivisibilidade do objeto, a

satisfação do interesse necessariamente aproveita em conjunto e sua

postergação a todos prejudica. Já nos individuais homogêneos não há a

aplicação desta regra, pois é possível a satisfação de apenas alguns dos

interessados. Retomando o exemplo, é possível que apenas alguns ou mesmo

um dos compradores, levando o veículo defeituoso á loja revendedora, consiga

40 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: editado pelo CPC – CursoPreparatório para Concursos, 2003,pg. 44.

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a reparação do defeito do ar condicionado. Esta reparação em nada aproveita

aos demais compradores que continuarão a sofrer com o calor.

Ademais cada um dos compradores sofre prejuízos variáveis. Por

exemplo, um dos compradores poderia ser um taxista que usa seu veículo

diuturnamente, auferindo ganhos. Teria, portanto, um prejuízo de maior vulto,

pois os passageiros por ele transportados reclamariam. Já o prejuízo sofrido

por um outro comprador que usasse seu veículo apenas como um meio de

transporte, no seu ir e vir diário ao trabalho, seria consideravelmente menor.

Veja-se ainda, que algum comprador poderia ter adquirido dois veículos,

fazendo jus a um dúplice ressarcimento. Cada uma dessas hipóteses

configurará um “quantum” diferente na apreciação do ressarcimento,

reforçando a idéia de divisibilidade do objeto do interesse individual

homogêneo.

É possível ainda, com base no exemplo retro citado, analisar a

titularidade determinada ou determinável presente nos interesses individuais

homogêneos. Cada um dos compradores é titular de um interesse possível de

ser exercido em juízo de forma individual, podendo demonstrar, através de

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todos os meios de prova admitidos em direito, a aquisição do veículo e os

prejuízos decorrentes do mal funcionamento do ar-condicionado.

Observando estas características - titulares determinados e

divisibilidade do objeto – seria possível questionar se os interesses individuais

homogêneos realmente se enquadrariam na classe dos interesses

transindividuais. De fato, apesar dos interesses individuais homogêneos

guardarem muitas semelhanças com os interesses individuais de ordem

privada, o seu enquadramento na classe dos interesses transindividuais é

justificado em virtude da possibilidade de defesa judicial dos individuais

homogêneos na forma coletiva.

Assim, como ensina Vigliar, os interesses individuais

homogêneos não obstante serem individuais em sua origem, são “passíveis de

serem tutelados coletivamente em juízo (...)” 41 sendo possível a utilização dos

mesmos meios processuais cabíveis para a tutela dos interesses difusos e

coletivos.

41 Idem, pg. 44

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A possibilidade de tutela coletiva destes interesses com

titularidade determinada e objeto divisível é possível em decorrência de

características relativas à origem dos interesses individuais homogêneos.

Passemos a analisar os interesses individuais homogêneos quanto a sua

origem.

O art. 81, inciso III do CDC preleciona que os interesses

individuais homogêneos, são aqueles “ decorrentes de origem comum”. Sobre

a fixação do conteúdo e alcance desta locução empregada pela lei, qual seja,

“origem comum” , é necessária uma breve revisão bibliográfica dos autores

que interpretaram a referida norma.

Segundo Watanabe, a origem comum pode ser de direito ou de

fato e a expressão não significa, necessariamente uma unidade factual e

temporal. Ademais, o célebre doutrinador ensina que o fato dos interesses

advirem de uma origem comum, não significa que serão necessariamente

homogêneos.

Também no mesmo sentido, Ada Pellegrini Grinover, após

profundos estudos acerca da correlação existente entre os interesses

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transindividuais homogêneos e o instituto norte-americano da class action for

damages, o qual inclusive inspirou a introdução dos interesses individuais no

ordenamento jurídico pátrio, reflete que a class action for damages possui

como requisito de admissibilidade a “prevalência da dimensão coletiva” , in

verbis:

“Em tese, a prevalência da dimensão coletiva sobre a

individual poderia ser útil para aferir, do ponto de vista

prático, se efetivamente os direitos individuais são ou não

homogêneos. Inexistindo a prevalência dos aspectos

coletivos, os direitos seriam heterogêneos, ainda que

tivessem origem comum.” 42 (grifos nossos)

Segundo as lições destes insignes doutrinadores podemos extrair

que a “origem comum” a que se refere o CDC pode decorrer de uma situação

fática ou jurídica e que apenas a origem comum não assegura homogeneidade

aos interesses individuais.

42 GRINOVER, Ada Pelegrini. in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores doanteprojeto. Ada Pellegrini Grinover et al... 7. ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2001, pg. 794

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Por outro lado, José Marcelo Menezes Vigliar analisa que a

“origem comum” mencionada no CDC significa que os interesses individuais

homogêneos são oriundos de uma mesma situação fática. Aduz ainda que, in

verbis:

“Aliás, é justamente a circunstância de que a união dos

titulares de interesses individuais homogêneos tenham a

sua origem numa situação fática, que esses interesses se

aproximam dos difusos e se afastam dos coletivos em

sentido estrito.”

Esta proximidade existente entre os interesses individuais

homogêneos e os interesses difusos também é adotada por Hugo Nigro

Mazzilli que assinala que “tanto os interesses individuais homogêneos como

os difusos originam-se de circunstâncias de fato comuns.” 43

Pedro Lenza também adota igual posicionamento analisando que nos

interesses difusos “não se percebe qualquer vínculo jurídico, mas apenas uma

43 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outrosinteresses difusos e coletivos. 12. ed. São Paulo : Saraiva, 2000, pg. 48.

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situação fática a unir os sujeitos titulares dos interesses difusos” 44, também

nos interesses individuais homogêneos a “(...) aglutinação decorre, no mesmo

sentido, de uma situação fática (origem comum)” 45.

Luiz Paulo Araújo Filho, em obra que analisa de forma

meticulosa e detida os interesses individuais homogêneos, também identifica

que o termo “origem comum” trata de uma mesma circunstância fática, in

verbis:

“Os interesses individuais homogêneos (...) embora sejam

individuais e divisíveis, caracterizando típicos direitos

subjetivos, admitem tratamento geral e coletivizado, por

serem ‘decorrentes de origem comum’ , ou seja, por

decorrerem de um mesmo fato ou de fatos idênticos.” 46

Desta forma, analisando estes autores supra indicados (Vigliar,

Mazzilli, Lenza e Araújo Filho) é possível verificar que o significado do termo

44 LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003, pg. 68.45 Idem, pg. 68.46 ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Ações Coletivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuaishomogêneos. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pg. 70.

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“origem comum” 47 e o termo empregado pelo CDC quando trata dos

interesses difusos, qual seja, “circunstâncias de fato” 48, são bastante próximos.

Sem olvidar as interessantes e fundadas conceituações feitas por

Watanabe e Grinover, analisemos o exemplo dos compradores de automóveis

com defeito no ar-condicionado, sob a ótica do posicionamento que entende

que a “origem comum” dos interesses individuais homogêneos pode ser

compreendida como uma mesma circunstância fática. Os interesses dos

compradores do veículo defeituoso, que têm por objeto o ressarcimento dos

danos causados, tiveram uma “origem comum”, qual seja, a contingência

fática de terem adquirido bens de uma série defeituosa. Assim, nada une os

interessados, a não ser uma circunstância fática comum, que confere ainda a

todos os interesses individuais a homogeneidade necessária para a defesa

coletiva. Vigliar explica que cada um dos interessados podem formular uma

demanda judicial individual – graças à indivisibilidade do objeto e da

determinabilidade dos titulares- mas esta pluralidade de demandas

apresentaria as seguintes características:

47 CDC, art. 81, III48 CDC, art. 81, I

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“Se imaginássemos um universo de 30, 40 ou 500

consumidores desse produto, teríamos a possibilidade do

ajuizamento de 30, 40 ou 500 demandas.(...) Teríamos em

todas as demandas o mesmo réu e cada um dos pedidos

realizados repousaria no mesmo suporte fático

identificador da causa de pedir. ” 49

Assim, prossegue o autor explicando que em todas estas

demandas variariam os autores e também os pedidos, mas a causa narrada,

qual seja, o defeito de fabricação do ar-condicionado daquela série de

veículos, seria a mesma em todas as demandas. Desta forma, poderia ocorrer

decisões conflitantes, com o reconhecimento da veracidade da causa narrada

em algumas demandas, mas não em outras. O legislador pátrio, objetivando

minimizar a ocorrência de decisões conflitantes, que poderiam por em

descrédito a atividade jurisdicional, instituiu esta possibilidade de defesa

coletiva para interesses essencialmente individuais. Ademais, tal tutela

coletiva atende ao princípio da economia processual pois - sem adentrar nos

aspectos processuais específicos deste tipo de tutela - uma única demanda será

suficiente para a tutelar os interesses individuais.

49 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: editado pelo CPC – CursoPreparatório para Concursos, 2003,pg. 45.

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4- Conclusão: Análise Comparativa Conceitual dos Interesses Difusos,

Coletivos e Individuais Homogêneos

Feita a análise de cada uma das espécies de interesses

transindividuais passamos, à guisa de conclusão, a compara-los, apresentando

um sistema gráfico que represente as semelhanças e diferenças existentes entre

cada um dos interesses.

Nos capítulos antecedentes, referentes à conceituação das

espécies de interesses transindividuais nos utilizamos de uma classificação

que leva em conta a titularidade do interesse, (indeterminada ou determinada),

o objeto do interesse (indivisível ou divisível) e a origem do interesse

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(circunstância fática ou relação jurídica base). Com base nesta classificação é

possível sistematizar o assunto até aqui apresentado da seguinte forma:

1- Quanto à titularidade do interesse:

2- Quanto ao objeto do interesse:

3- Quanto à origem do Interesse:

Indeterminada: Difusos

Determinada:Coletivos

IndividuaisHomogêneos

Divisível: Individuais Homogêneos

Indivisível:Difusos

Coletivos

Relação Jurídica Base: Coletivos

CircunstânciasFáticas

Difusos

IndividuaisHomogêneos

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A presente sistematização oferece importância e utilidade ao

estudo pois leva à identificação de um aspecto peculiar aos interesses

transindividuais analisados de forma conjunta. Em cada um dos tópicos da

classificação (titularidade, objeto e origem) cada espécie de interesse

transindividual possui uma característica que lhe é peculiar e ao mesmo tempo

possui dois pontos em comum com as outras espécies de interesses.

Esta característica presente nos interesses transindividuais, qual

seja, uma recíproca comunhão e dessemelhança entre as espécies de interesses

pode ser melhor compreendida com a seguinte forma gráfica:

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Na figura triangular temos cada um dos interesses com a

respectiva característica que lhe é única, peculiar. Assim temos as seguintes

notas características de cada um dos interesses:

1- Apenas os interesses difusos possuem titulares indeterminados;

2- Só os interesses coletivos possuem origem decorrente de uma relação

jurídica base;

3- Os individuais homogêneos têm possuem como nota característica

possuírem objeto divisível.

Ainda observando a figura supra mencionada, temos sobre as três

setas, em letras azuis, as características em comum aos interesses que cada

uma das setas indicam. Desta forma, temos que:

1- A indivisibilidade do objeto é característica comum aos difusos e

coletivos;

2- A titularidade determinada ou determinável é comum aos coletivos e

individuais homogêneos;

3- A origem decorrente de circunstâncias fáticas ocorre nos interesses

individuais homogêneos e nos interesses difusos.

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As conclusões atingidas com o presente trabalho têm como finalidade

uma sistematização do tema dos interesses transindividuais, bem como

auxiliar na identificação das suas espécies nos casos concretos. Assim, por

exemplo, em se verificando haver impossibilidade de identificar os titulares de

um interesse, muito provavelmente se estará tratando de interesse difuso.

Decerto que as demais características irão auxiliar a correta identificação, mas

pode-se afirmar que, ao se analisar o caso concreto, o operador do direito

deverá, inicialmente, buscar a presença de característica peculiar a cada

espécie de interesse.

Ademais, com base na sistemática utilizada, podemos concluir

que não é possível agrupar as espécies de interesses transindividuais em

subcategorias na medida em que cada uma das espécies guarda, de forma

isonômica, semelhanças e dessemelhanças com as outras. Desta maneira, da

forma que atualmente estão positivados no nosso ordenamento jurídico pátrio,

as classes de interesses transindividuais devem ser encaradas, por um lado,

como um conjunto de interesses com características que se intercomunicam,

mas por outro lado como possuidores de características próprias, delimitadora

e identificadora de cada uma das espécies de interesses transindividuais.

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