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Curso de Direito A A T TU UT TE EL L A A D DO O C CO ON NH HE EC CI I M ME EN NT TO O T TR RA AD DI I C CI I O ON NA AL L E E A A B BI I O OP PI I R RA AT T A AR RI I A A - - U UM MA A A AB BO OR RD DA AG GE EM M S SO OB BR RE E O OS S Í Í N ND DI I O OS S - - Walquiria Nakano Eloy de Oliveira R.A. 441646-1 Turma 329G Telefone: (11) 5614-2654/9537-4093 Email: [email protected] [email protected]

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Curso de Direito

AA TTUUTTEELLAA DDOO CCOONNHHEECCIIMMEENNTTOO TTRRAADDIICCIIOONNAALL EE AA BBIIOOPPIIRRAATTAARRIIAA

-- UUMMAA AABBOORRDDAAGGEEMM SSOOBBRREE OOSS ÍÍNNDDIIOOSS --

Walquiria Nakano Eloy de OliveiraR.A. 441646-1Turma 329GTelefone: (11) 5614-2654/9537-4093Email: [email protected]

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Curso de Direito

AA TTUUTTEELLAA DDAA DDOO CCOONNHHEECCIIMMEENNTTOO TTRRAADDIICCIIOONNAALL EE AA BBIIOOPPIIRRAATTAARRIIAA

-- UUMMAA AABBOORRDDAAGGEEMM SSOOBBRREE OOSS ÍÍNNDDIIOOSS --

Walquiria Nakano Eloy de OliveiraR.A.: 441646-1Prof.º Orientador: Rodolfo Machado NetoSão Paulo, 05 de março de 2004

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WALQUIRIA NAKANO ELOY DE OLIVEIRA

AA TTUUTTEELLAA DDOO CCOONNHHEECCIIMMEENNTTOO TTRRAADDIICCIIOONNAALL EE AA BBIIOOPPIIRRAATTAARRIIAA

-- UUMMAA AABBOORRDDAAGGEEMM SSOOBBRREE OOSS ÍÍNNDDIIOOSS --

Monografia apresentada ao Curso de

Direito da Uni-FMU como requisito

parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Direito, sob orientação do

Prof.º Rodolfo Machado Neto.

SÃO PAULO2004

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AVALIAÇÃO DA MONOGRAFIA:

Prof.º Orientador: Rodolfo Machado Neto

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Nota: ________ ( __________ )

Examinadores

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DEDICATÓRIA

“Uma das finalidades do Estado de direito éque todos os cidadãos possam gozar daidêntica dignidade e da igualdade perante a lei.Não obstante, a existência de minorias, comogrupos identificáveis no interior dum Estado,levanta a questão dos seus direitos e deveresespecíficos.”

(Mensagem de Sua Santidade João Paulo IIpara celebração do dia Mundial da Paz - 1 ° dejaneiro de 1989 – “PARA CONSTRUIR A PAZ,RESPEITAR AS MINORIAS”)

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AGRADECIMENTO

Agradeço ao Prof.º do Uni-FMU Marco Antonio

Barbosa, que gentilmente cedeu suas obras

para colaboração neste trabalho. Agradeço à

Viviane Ribeiro Gago pelo seu sempre apoio e

especialmente a Fabricio Favero por toda ajuda

prestada.

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SINOPSE:

O presente trabalho traz a problemática que envolve a Biopirataria e o

Conhecimento Tradicional Associado, bem como trata sobre o uso do

Conhecimento Tradicional Associado à Diversidade Biológica em patentes e

pesquisas, face à Convenção da Diversidade Biológica.

Os princípios da Soberania, da Divisão Justa e Eqüitativa e do

Consentimento Prévio, reconhecidos neste diploma legal, devem ser respeitados

e praticados mundialmente pelos países que ratificaram o diploma em seu

ordenamento jurídico interno. O Brasil possui legislação própria sobre o assunto,

onde, entre outros, institui o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético como o

órgão responsável para conceder autorizações às pesquisas, tenham eles fins

lucrativos ou não.

Visa-se assim no presente trabalho analisar as tutelas legais do

conhecimento tradicional e a birataria da Diversidade Biológica.

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SUMÁRIO:

Introdução........................................................................................... 011. A BIODIVERSIDADE BRASILEIRA................................................... 032. A SOCIODIVERSIDADE BRASILEIRA.............................................. 06 2.1 A Relação destes Povos e a Natureza.......................................... 073. BIOPIRATARIA................................................................................... 104. A TUTELA CONSTITUCIONAL.......................................................... 12 4.1 Da Tutela Constitucional dos Conhecimentos.............................. 12 4.2 Da Tutela Constitucional do Meio Ambiente................................. 14 4.3 A Tutela Constitucional dos Índios............................................... 16 4.3.1. Da capacidade processual dos índios................................. 205. A AGENDA 21................................................................................... 216. A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA........................... 25 6.1 Princípio da Soberania................................................................. 28 6.2 Princípio do Consentimento Prévio.............................................. 29 6.3 Princípio da Repartição Justa....................................................... 30 6.4 O Conhecimento Tradicional Indígena e a Convenção da

Diversidade Biológica................................................................. 31

6.5 A solução de conflitos e a Convenção da DiversidadeBiológica..................................................................................... 33

7. A REGULAMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO DA DIVERSIDADEBIOLÓGICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO............... 35

7.1 A Proteção do Conhecimento Tradicional Associado................. 37 7.2 O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético......................... 39 7.2.1 O Acesso com potencial de uso econômico....................... 44 7.2.2 O Acesso sem potencial de uso econômico....................... 46 7.3 Da Repartição de Benefícios....................................................... 51 7.4 Das Sanções Administrativas...................................................... 528. LEGISLAÇÕES ESTADUAIS........................................................... 56 8.1 Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Acre......... 58 8.1.1 Dos Princípios.................................................................... 59 8.1.2 Do Poder Público................................................................ 61 8.1.3 Acesso aos Recursos Genéticos........................................ 62 8.1.4 Proteção ao Conhecimento Tradicional Associado............ 64 8.2 Lei Estadual do Acre................................................................... 67 8.2.1 Dos Princípios.................................................................... 67 8.2.2 Do Poder Público................................................................ 68 8.2.3 Acesso aos Recursos Genéticos........................................ 69 8.2.4 Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia.............. 70 8.2.5 Das Sanções Administrativas............................................. 719. BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DA PROPRIEDADE

INTELECTUAL E O CONHECIMENTO TRADICIONALASSOCIADO À DIVERSIDADE BIOLÓGICA..................................

73

9.1 TRIPs – Acordo sobre aspectos de direitos de PropriedadeIntelectual relacionados ao comércio......................................... 75

9.1.1 O artigo 27 do TRIPS............................................................... 76 9.2 Propriedade Intelectual no Brasil................................................. 78

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9.2.1 Lei da Propriedade Industrial............................................. 79 9.2.2 Requisitos essenciais à patentialidade das ivenções e do

modelo de utilidade.......................................................... 80

9.2.3 Da patentialidade da Diversidade Biológica...................... 81 9.2.4 Do Conhecimento Tradicional ao processo de obtenção

ou modificação de patentes provenientes daDiversidade Biológica.......................................................

84

10. DA CRIAÇÃO DE UM SISTEMA “SUI GENERIS” PARAREGULAMENTAÇÃO DO CONHECIMENTO TRADICIONAL........ 86

11. CONCLUSÃO................................................................................... 8812. BIBLIOGRAFIA................................................................................. 91

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Índice de Anexos:

ANEXO I – Utilização Sustentável dos Recursos Biológicos e dosConhecimentos Tradicionais.............................................. 98

ANEXO II – Denúncias de Biopirataria.................................................. 108ANEXO III – Nova legislação................................................................. 117

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho traz a problemática que envolve a Biopirataria e o

Conhecimento Tradicional Associado, bem como trata sobre o uso do

Conhecimento Tradicional Associado à Diversidade Biológica em patentes e

pesquisas, face à Convenção da Diversidade Biológica.

A pesquisa foi baseada em revistas especializadas da área, livros, revistas,

jornais, internet e entrevistas com profissionais. Haja vista o tema ser muito atual,

ainda não há julgados em nossos Tribunais sobre a matéria.

O Brasil é um país de megadiversidade e o mais rico no mundo em

biodiversidade, possui 30% das florestas tropicais, sendo também o líder mundial

em diversidade de plantas, primatas e anfíbios. Entretanto, esta biodiversidade é

pouco utilizada. A civilização depende de menos de 1% das espécies vivas. Há

portanto, um grande mercado a ser explorado.

Populações tradicionais, como os Índios, têm uma relação de dependência

com o habitat natural. Seus conhecimentos tradicionais, passados e

aperfeiçoados de geração a geração têm sido utilizados como chave de acesso à

própria diversidade, principalmente pela indústria farmacêutica, química ou de

alimentos, sem que, em muitos casos haja uma repartição dos benefícios

advindos desta utilização.

Além do mais, o registro no exterior, sem autorização do governo brasileiro,

não traz nenhum retorno ao país, o que caracteriza plena infração à disposição da

Convenção da Diversidade Biológica.

A Convenção da Diversidade Biológica estabelece princípios-base como a

soberania dos Estados sobre os seus recursos naturais, a repartição justa e

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eqüitativa dos benefícios, assim como o consentimento prévio. Ela é

regulamentada no âmbito do ordenamento jurídico interno M.P. 2.186-16 e pelo

Decreto 3.945, de 2001.

Há também duas leis estaduais anteriores a promulgação das leis federais

mencionadas, que, em função disso, têm questionada a sua constitucionalidade e

validade de dispositivos que contrariam a lei federal.

Já o TRIPs – Tratado sobre direitos de Propriedade Intelectual Relacionado

ao Comércio Internacional, estabelece em seu artigo 27.3, inciso 3, que não são

patenteáveis plantas ou animais em estado natural, ou seja, não modificados pelo

homem.

Nem todos os países signatários do TRIPS, são signatários às disposições

da Convenção da Diversidade Biológica, motivo pelo qual, estes países pautam-

se no artigo acima mencionado na defesa de patentes de processos que

envolvam recursos naturais. Nestes casos, é possível que haja um conhecimento

tradicional associado a esta biodiversidade patenteada.

O tema é complexo e exige a análise de todas as legislações acima

mencionadas para uma melhor compreensão das tutelas existentes ao

Conhecimento Tradicional em face da Biopirataria.

1 A BIODIVERSIDADE BRASILEIRA

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O Brasil tem uma área de 8,5 milhões km², ocupando quase a metade da

América do Sul.1 Essa área possui várias zonas climáticas que contribuem para

as diferenças ecológicas formando zonas distintas, chamadas biomas. A maior

floresta tropical úmida (Floresta Amazônica) e a maior planície inundável (o

Pantanal) do mundo se encontram nesses biomas, além do Cerrado (savanas e

bosques), da Caatinga (florestas semi-áridas) e da Mata Atlântica (floresta tropical

pluvial).

A variedade de biomas reflete a riqueza da flora e fauna brasileira,2

tornando-a uma das mais diversas do mundo. Muitas das espécies brasileiras são

exclusivas no mundo (endêmicas). O Brasil é o país com a maior biodiversidade

do mundo, contando com um número estimado de mais de 20% do número total

de espécies do planeta.

Diversas espécies de plantas de importância econômica mundial são

originárias do Brasil, destacando-se dentre elas o abacaxi, o amendoim, a

castanha do Brasil (também conhecida como castanha do Pará), a mandioca, o

caju e a carnaúba.

O país também é agraciado com a mais diversa flora do mundo, número

.superior a 55 mil espécies descritas, o que corresponde a 22% do total mundial.

Segundo a ONG Conservation International, dos 17 países mais ricos do mundo,

o Brasil está em primeiro disparado pois detém 23% do total de espécies do

planeta.

1 Dados do Ministério do Meio Ambiente.2 A Diversidade Biológica é definida pela Convenção da Diversidade Biológica como “avariabilidade entre seres vivos de todas as origens, inter alia, a terrestre, a marinha e outrosecossistemas aquáticos e complexos ecológicos dos quais fazem parte: isso inclui a diversidadeno interior das espécies, entre outras espécies e ecossistemas” (Artigo 2º, Decreto nº 2..519, de16 de março de 1998). Pode também ser definida como a variação biológica de determinado lugar

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Estudos mostram que apenas 5% da flora nacional foi estudada até hoje e

só 1% é utilizada como matéria-prima.3 A biodiversidade brasileira é, portanto, um

patrimônio químico inexplorado de remédios, alimentos, fertilizantes, pesticidas,

cosméticos, solventes, fermentos, têxteis, plásticos, celulose, óleos e energia,

além de moléculas, enzimas e genes em número infinito.

Tanto a comunidade científica internacional, governos e entidades não-

governamentais ambientalistas vêm alertando para a perda da diversidade

biológica em todo o mundo. A perda da diversidade biológica envolve aspectos

sociais, econômicos, culturais e científicos.

Em anos recentes, a intervenção humana em habitats que eram estáveis

aumentou significativamente, gerando perdas maiores de biodiversidade. É

necessário que sejam conhecidos os estoques dos vários habitats naturais e dos

modificados existentes no Brasil, de forma a desenvolver uma abordagem

equilibrada entre conservação e utilização sustentável da diversidade biológica,

considerando o modo de vida das populações locais.

Neste sentido, o Princípio da Precaução, aprovado na Declaração do Rio

durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento-CNUMAD (Rio-92), estabelece que devemos agir já e de forma

preventiva, ao invés de continuarmos acomodados aguardando a confirmação

das previsões para então tomar medidas corretivas em geral, que possuem um

alto custo e são ineficazes.

ou, em termos mais genéricos, como o conjunto de diferentes espécies de seres vivos de todo oplaneta (Dicionário Virtual do Cenargem, Embrapa).3 Essas cifras fazem parte da reportagem de capa da revista Exame, de 2 de maio de 2001,entituada de “Tesouro Verde”. A revista traz também adicionalmente, um quadro demonstrativoque especifica o montante movimentado por setores de desenvolvimento biotecnológico –farmacêutico, medicina botânica, sementes agrícolas, horticultura ornamental, defensivosagrícolas, cosméticos e enzimas industriais.

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2 A SOCIODIVERSIDADE BRASILEIRA

O Brasil não é um país rico somente em Biodiversidade, mas também em

sociodiversidade.

Desta forma, a legislação constitucional brasileira de 1988 já reconheceu o

direito à diferença cultural e estipula como “direitos coletivos”, o direito a seu

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território tradicional, o direito à sociodiversidade, o direito ao patrimônio cultural,

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao direito à biodiversidade.

Estudos estimam que existam no país mais de 500 áreas indígenas

reconhecidas pelo Estado, habitadas por cerca de 200 sociedades indígenas

culturalmente diferenciadas, as quais desenvolveram, ao longo dos séculos de

sua existência, formas de adaptação a toda variedade dos ecossistemas

presentes no território nacional.4

Existe um consenso advindo da Constituição Federal de 1988 sobre a

conceituação do termo “população indígena” significando “etnia”, ou seja, povos

que guardam uma continuidade histórica e cultural desde da conquista européia

da América. Desse modo, há uma distinção mais clara entre as populações

indígenas e as não – indígenas baseadas no conceito de etnia e no

reconhecimento de uma continuidade sociocultural e culturas indígenas,

claramente distintas da sociedade envolvente.5

Para José Afonso da Silva, o sentimento de pertinência a uma comunidade

é que identifica o índio.6

É importante ressaltar que quando tratamos de sociodiversidade, além das

populações indígenas, tratamos também dos caiçaras, dos jangadeiros, dos

caipiras, dos sertanejos/vaqueiros, dos caboclos, ribeirinhos amazônicos, dos

sitiantes, dos babaçueiros, dos pescadores, dos quilombolas, do pastoreio, dos

pantaneiros, dos varjeiros (ribeirinhos não-amazônicos e os açorianos).

No presente trabalho trataremos apenas no que pertine às comunidades

indígenas.

4 Antonio Carlos Diegues; Rinaldo Sérgio Vieira Arruda et al, Os Saberes Tradicionais e aBiodiversidade no Brasil, p. 16-17.5 José Afonso da Silva, Direito Constitucional Positivo, p. 827- 828.

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2.1 A Relação destes Povos e a Natureza

O elemento mais importante na relação entre essas populações e a

natureza é a sua relação com seu território, que pode ser definido como a porção

da natureza e espaço sobre o qual uma sociedade determinada reivindica e

garante a todos, ou a uma parte dos seus membros, acesso, controle e uso sobre

a totalidade ou parte de seus recursos existentes que ele deseja ou é capaz de

utilizar.

Há assim, dentro destas culturas um respeito aos ciclos naturais, marcada

pela sua exploração dentro da capacidade de recuperação das espécies de

animais e plantas utilizadas. Ao mesmo tempo, há uma relação de dependência

destes recursos como fonte de sobrevivência às próprias populações.

Os sistemas tradicionais de manejo não são somente formas de exploração

econômica dos recursos naturais, mas revelam a existência de um complexo de

conhecimentos adquiridos pela tradição herdada dos mais velhos, aperfeiçoada

continuamente por cada geração, e que levam à manutenção e ao uso

sustentável dos ecossistemas naturais.

Neste último século, estes conhecimentos tradicionais, passados e

aperfeiçoados de geração a geração, foram descobertos principalmente pela

indústria farmacêutica, química e de alimentos, que têm utilizado destes como

chave de acesso à própria diversidade, a fim de desenvolver novas práticas,

novos produtos com base na biodiversidade brasileira e neste conhecimento

associado.

6 Ibid., p. 26 - 27.

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Não raro, o conhecimento tradicional tem sido utilizado como pista para se

chegar a uma potencial utilização farmacêutica de alguma planta medicinal.

Recentemente, o Jardim Botânico de Nova York fez uma pesquisa mostrando que

a utilização do conhecimento tradicional como porta de acesso aos recursos da

Biodiversidade, seja para a identificação de plantas com potencial utilização

farmacêutica, alimentícia ou agrícola, aumenta em mais de 400% a eficiência

deste processo.7

Na maioria das vezes, a biodiversidade nativa brasileira, associada a estes

conhecimentos tradicionais, resulta em descobertas de princípios ativos novos e,

por serem registradas no exterior sem autorização do governo brasileiro, não

trazem nenhum retorno ao país de origem, caracterizando assim a chamada

biopirataria.8

7 Juliana Santille, A Propriedade Intelectual no Meio Ambiente, na Biodiversidade e nosConhecimentos Tradicionais, p. 1-3.

8 Este termo foi lançado em 1993 pela ONG RAFI (hoje ECT – Group) para alertar sobre o fatoque recursos biológicos e conhecimento indígena estavam sendo apanhados e patenteados porempresas multinacionais e instituições cientificas e que as comunidades que durante séculosusam estes recursos e geraram estes conhecimentos, não estão participando nos lucros. De modogeral, biopirataria significa a apropriação de conhecimento e de recursos genéticos decomunidades de agricultores e comunidades indígenas por indivíduos ou por instituições queprocuram o controle exclusivo do monopólio sobre estes recursos e conhecimentos. Porenquanto, ainda não existe uma definição padrão sobre o termo biopirataria (baseado no relatóriofinal da Comissão sobre direitos de propriedade intelectual -CIPR). Conceituação de biopiratariaconforme o Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da Informaçãoe Desenvolvimento - CIITED: Biopirataria consiste no ato de aceder a ou transferir recursogenético (animal ou vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem aexpressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional quedesenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática esta que infringeas disposições vinculantes da Convenção das Organizações das Nações Unidas sobreDiversidade Biológica). A biopirataria envolve ainda a não-repartição justa e eqüitativa - entreEstados, corporações e comunidades tradicionais - dos recursos advindos da exploraçãocomercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos.Fonte: www.amazonialink.org

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3 BIOPIRATARIA

A descoberta dos recursos oferecidos pela Biodiversidade, a utilização dos

Conhecimentos Tradicionais associados a ela, bem como a necessidade da

descoberta novos genes e produtos pelas indústrias, acaba, na maior parte das

vezes por resultar na chamada Biopirataria.

A falta de uma legislação realmente aplicável, junto a divergências de

entendimento entre a Convenção da Diversidade Biológica e o TRIPS – Tratados

da Propriedade Intelectual, também agravam ainda mais a situação de

impunidade, e ainda pior, concedem patentes sobre princípios ativos sem critério

de proteção das origens da invenção.

A Organização não Governamental Amazonlink,9 registrou em seu site

alguns casos de Biopirataria, que estão relatados no Anexo II deste presente

estudo, dentre outros.

Denota-se, assim, a difícil comprovação da origem da invenção. Sabe-se

que as frutas, plantas e animais têm de origem brasileira, porém a comprovação

da Biopirataria, bem como o cancelamento das patentes internacionais torna-se

muito difícil, quanto mais para as próprias comunidades indígenas que possuem o

referido conhecimento sobre a utilização dos frutos de forma oral, pois vem de

geração a geração.

9 A Amazonlink é uma organização não governamental sem fins lucrativos. Ela foi fundada emSetembro de 2001 com sede em Rio Branco, Acre (C.N.P.J. 04.739.253/0001-32) e tem porobjetivo oferecer um serviço de notícias sobre a Amazônia; alertar sobre alguns casos de registrosde patentes e marcas, tais como Cupuaçu, Açaí, Andiroba e Copaíba que eles considerampreocupantes no tocante aos impactos negativos tanto para as comunidades tradicionais quequerem comercializar seus produtos, quanto para as propostas de políticas públicas pautadas nodesenvolvimento sustentável da região Amazônica.

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Todos estes fatores favorecem a impunidade dos infratores e também aos

beneficiários das patentes, que auferem milhões sem remeter nada ao país de

origem tanto da biodiversidade, quanto do conhecimento associado.

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4 A TUTELA CONSTITUCIONAL

A Constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos

constitutivos do Estado. As Constituições têm por objeto estabelecer a estrutura

do Estado, a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a

forma de seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias

dos indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins sócio-econômicos do

Estado, bem como os fundamentos dos direitos sócio-econômicos, sociais e

culturais.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 é rígida. Isto significa dizer que

ela é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela

encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais.

Podemos depreender que todas as normas que integram o ordenamento

jurídico nacional só serão válidas se estiverem em consonância com as normas

da Constituição Federal.

A tutela constitucional inerente aos conhecimentos tradicionais, à

biodiversidade e às comunidades indígenas estão dispostas nos artigos 215, 216,

225 e 231 e 232, respectivamente, da Constituição Federal.

4.1 Da Tutela Constitucional dos Conhecimentos

A Constituição Federal, em seu artigo 215, determina que: “O Estado

garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da

cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização da difusão das

manifestações culturais.

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§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,

indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo

civilizatório nacional.”

Dispõe ainda o artigo 216: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os

bens da natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – As criações científicas, artísticas e tecnológicas;....”.

Podemos depreender do texto supra exposto que a Constituição Federal

estatui que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o

acesso às fontes de cultura nacional, apoiará e incentivará a valorização e a

difusão das manifestações culturais, destacadamente às populares, indígenas e

afro-brasileiras e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

Ela também define o que vem a ser o patrimônio cultural brasileiro, como

sendo constituído dos bens de natureza material e imaterial, tomados

individualmente ou em conjunto, desde que portadores de referência à identidade,

à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos

quais se incluem as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as

criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, os documentos,

patrimônio esse que terá que ser protegido pelo Poder Público, com a

colaboração da comunidade, por meio de inventários, registros, vigilância,

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tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e

preservação.10

Assim, podemos notar que a questão da preservação do conhecimento

tradicional trata-se de um direito difuso.

4.2 Da Tutela Constitucional do Meio Ambiente

O Capítulo do meio ambiente é um dos mais avançados e mais

importantes da Constituição Federal de 1988. Inseriu-se pela primeira vez em

uma Constituição Federal Brasileira o tema Meio Ambiente.

O Meio Ambiente está previsto como sendo de competência da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de forma concorrente (Artigo 24).

Esta concorrência enseja a possibilidade de iniciativa da área da legislação

ambiental para os Estados e para o Distrito Federal, se a União se mantiver

inerte. A competência concorrente pode exercer-se não só quanto à elaboração

de leis, mas de decretos, resoluções e portarias.

Desta forma, os Estados poderão exercer a competência legislativa plena,

desde que não exista lei federal sobre normas gerais (artigo 24, § 3º da C.F.).

Entretanto, esta competência plena sofre dupla limitação: qualitativa e

temporal, ou seja, a norma estadual não pode exorbitar da peculiaridade ou do

interesse próprio do Estado e terá que se ajustar ao disposto em lei federal

superveniente.

Depreende-se então que a competência dos Estados para legislar em

matéria ambiental é suplementar (artigo 24, § 2º).

10 Ibid., p. 818 e 819.

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A Constituição define o meio ambiente ecologicamente equilibrado como

direito de todos e lhe dá a natureza de bem comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Assim, o artigo 225 da Constituição Federal reza da seguinte forma: “Todos

têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

II – preservar a diversidade e à integridade do patrimônio genético do País e

fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”.

E ainda o artigo 225, § 4º: “A floresta Amazônica brasileira, a Mata

Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são

patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro das

condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao

uso dos recursos naturais”.

A Constituição declarou como patrimônio nacional a Floresta Amazônica

brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona

Costeira, não para torná-las estaticamente preservadas; ao contrário, sua

utilização econômica, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais, é admissível,

na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio

ambiente.

Destarte, o texto constitucional instituiu que a qualidade do meio ambiente

se transformou em um bem, num patrimônio, cuja preservação, recuperação e

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revitalização se tornaram num imperativo do Poder Público, para assegurar a

saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu desenvolvimento.

4.3 A Tutela Constitucional dos Índios

A Constituição Federal de 1988 dedicou um capítulo único para tratar dos

índios. Este fato único em termos de Constituição Federal na história do direito

brasileiro, revela um grande esforço do constituinte no sentido de preordenar um

sistema de normas que pudesse efetivamente proteger os direitos e os interesses

dos índios.

A Constituição prevê expressamente que compete privativamente à União

legislar sobre legislar sobre as populações indígenas (Artigo 22, inciso XIV).

Assim, o constituinte reservou a competência exclusiva da tutela legislativa do

índio à União Federal.11 e 12

11 Neste sentido, o STF em entendimento unânime na votação do RE 183188, de 10/12/1996, teveo seguinte entendimento: E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - REINTEGRAÇÃO DEPOSSE - ÁREA DEMARCADA PELA FUNAI - DEMARCAÇÃO ADMINISTRATIVAHOMOLOGADA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA - AÇÃO POSSESSÓRIA PROMOVIDAPOR PARTICULARES CONTRA SILVÍCOLAS DE ALDEIA INDÍGENA E CONTRA A FUNAI -INTERVENÇÃO DA UNIÃO FEDERAL - DISPUTA SOBRE DIREITOS INDÍGENAS -INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL - NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS -ENCAMINHAMENTO DO PROCESSO À JUSTIÇA FEDERAL - RE CONHECIDO E PROVIDO.AÇÃO POSSESSÓRIA - INTERVENÇÃO DA UNIÃO FEDERAL - DESLOCAMENTONECESSÁRIO DA CAUSA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. - O ingresso da União Federal numacausa, vindicando posição processual definida (RTJ 46/73 - RTJ 51/242), gera a incompetênciaabsoluta da Justiça local (RT 505/109), pois não se inclui na esfera de atribuições jurisdicionaisdos magistrados e Tribunais estaduais o poder para aferir a legitimidade do interesse da UniãoFederal, em determinado processo (RTJ 93/1291 - RTJ 95/447 - RTJ 101/419). A legitimidade dointeresse manifestado pela União só pode ser verificada, em cada caso ocorrente, pela própriaJustiça Federal (RTJ 101/881), pois, para esse específico fim, é que ela foi instituída (RTJ 78/398):para dizer se, na causa, há ou não há interesse jurídico da União. FUNDAÇÃO NACIONAL DOÍNDIO (FUNAI) - NATUREZA JURÍDICA. - A Fundação Nacional do Índio - FUNAI constitui pessoajurídica de direito público interno. Trata-se de fundação de direito público que se qualifica comoentidade governamental dotada de capacidade administrativa, integrante da Administração Públicadescentralizada da União, subsumindo-se, no plano de sua organização institucional, ao conceitode típica autarquia fundacional, como tem sido reiteradamente proclamado pela jurisprudência doSupremo Tribunal Federal, inclusive para o efeito de reconhecer, nas causas em que essainstituição intervém ou atua, a caracterização da competência jurisdicional da Justiça Federal (RTJ126/103 - RTJ 127/426 - RTJ 134/88 - RTJ 136/92 - RTJ 139/131). Tratando-se de entidadeautárquica instituída pela União Federal, torna-se evidente que, nas causas contra ela instauradas,

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O capítulo VIII, título VIII – da ordem social – trata da questão indígena no

âmbito constitucional. Por meio dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal13,

foram reconhecidos os seguintes direitos aos povos indígenas:

a) organização social indígena;

b) costumes indígenas;

c) línguas indígenas;

d) crenças indígenas;

e) tradições indígenas.

Os direitos supra mencionados, somente eram reconhecidos anteriormente

na Lei Federal n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, intitulada Estatuto do Índio.

incide, de maneira plena, a regra constitucional de competência da Justiça Federal inscrita noartigo 109, I, da Carta Política.

12 DISPUTA SOBRE DIREITOS INDÍGENAS - ÁREA DEMARCADA PELA FUNAI -DEMARCAÇÃO ADMINISTRATIVA HOMOLOGADA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. - AConstituição promulgada em l988 introduziu nova regra de competência, ampliando a esfera deatribuições jurisdicionais da Justiça Federal, que se acha, agora, investida de poder para tambémapreciar "a disputa sobre direitos indígenas" (CF, artigo 109, XI). Essa regra de competênciajurisdicional - que traduz expressiva inovação da Carta Política de l988 - impõe o deslocamento,para o âmbito de cognição da Justiça Federal, de todas as controvérsias, que, versando a questãodos direitos indígenas, venham a ser suscitadas em função de situações específicas. - Aimportância jurídica da demarcação administrativa homologada pelo Presidente da República - atoestatal que se reveste de presunção "juris tantum" de legitimidade e de veracidade - reside nacircunstância de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, embora pertencentes aopatrimônio da União (CF, artigo 20, XI), acham-se afetadas, por efeito de destinaçãoconstitucional, a fins específicos voltados, unicamente, à proteção jurídica, social, antropológica,econômica e cultural dos índios, dos grupos indígenas e das comunidades tribais. A QUESTÃODAS TERRAS INDÍGENAS - SUA FINALIDADE INSTITUCIONAL. - As terras tradicionalmenteocupadas pelos índios incluem-se no domínio constitucional da União Federal. As áreas por elasabrangidas são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição aquisitiva. A CartaPolítica, com a outorga dominial atribuída à União, criou, para esta, uma propriedade vinculada oureservada, que se destina a garantir aos índios o exercício dos direitos que lhes foramreconhecidos constitucionalmente (CF, artigo 231, §§ 2º, 3º e 7º), visando, desse modo, aproporcionar às comunidades indígenas bem-estar e condições necessárias à sua reproduçãofísica e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. A disputa pela posse permanente epela riqueza das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios constitui o núcleo fundamental daquestão indígena no Brasil. A competência jurisdicional para dirimir controvérsias pertinentes aosdireitos indígenas pertence à Justiça Federal comum.

13 Artigo 231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças etradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo àUnião demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.Artigo 232: Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar emjuízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos doprocesso.

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Houve assim uma grande evolução por parte do constituinte a introdução

da garantia constitucional ao índio destas prerrogativas.

No artigo 231, a Constituição Federal reconheceu aos índios os direitos

originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Tal fato é de extrema

relevância vez que desta forma o constituinte esclareceu que este direito é

originário, ou seja, já existia até mesmo anteriormente ao próprio Estado

brasileiro.

Neste sentido, comenta Marco Antonio Barbosa “É necessário que o

raciocínio jurídico se curve às imposições constitucionais claras e explicitamente

consagradas: que o Estado brasileiro reconhece a existência de povos autóctones

com direitos territoriais originários, relativamente aos quais assumiu o dever de

proteção”.14

Podemos concluir que o artigo 231 da Constituição impôs três obrigações à

União, quais sejam: a de demarcar terras; proteger todos os bens indígenas e

fazer respeitar todos os bens indígenas.

O §2° do artigo 231 da Constituição Federal prevê o direito ao usufruto

exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos existentes nas terras que

tradicionalmente ocupam. 15

É importante ressaltar que a Constituição tratou de usufruto exclusivo,

portanto, cabe somente aos índios o uso e a fruição dos minerais, vegetais ou

animais que se encontrem dentro de seu direito de propriedade.

14 Marco Antonio Barbosa, Direito Antropológico e Terras Indígenas no Brasil, p. 86 - 87.

15 Artigo 231, §2°: As tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua possepermanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelasexistentes.

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A extensão desta proteção encontra-se no §6° deste mesmo artigo16 e 17,

que prevê a nulidade de quaisquer atos que tenham por objeto a exploração das

riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos da propriedade indígena,

excepcionando-se apenas os casos de relevante interesse público da União,

segundo o que dispuser lei complementar.

Note-se que o constituinte instituiu a nulidade expressa de quaisquer atos

de exploração das riquezas naturais do solo.

4.3.1 Da capacidade processual dos índios

A questão da capacidade processual indígena é muito controvertida. Em

que pese o artigo 232 da Constituição Federal reconhecer a legitimação de

defesa em juízo aos próprios índios, às suas comunidades e às organizações

antropológicas e pró-índios, intervindo o Ministério Público em todos os atos do

16 § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto aocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração dasriquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interessepúblico da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinçãodireitos à indenização ou ações contra a União, salvo na forma da lei, quanto às benfeitoriasderivadas da ocupação de boa fé.

17 Neste sentido, o Informativo nº 268 do STF, trouxe uma síntese do voto do Ministro Ilmar Galvãosobre um ACO do Rio Grande do Sul, entitulado Terras Indígenas – Ocupação Tradicional, quetem o seguinte texto: Iniciado o julgamento de ação cível originária ajuizada pela FUNAI e pelaUnião visando a nulidade dos títulos dominiais expedidos pelo Estado do Rio Grande do Sul emfavor de agricultores na área do Toldo Indígena Ventarra, bem como a reintegração dos índiosKaingang na terra em questão, em face do § 6º do artigo 231 da CF, que prescreve como nulos eextintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio ea posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. O Min. Ilmar Galvão, relator, proferiuvoto no sentido de julgar procedente em parte a ação para o fim de declarar a nulidade dos títulosde propriedade expedidos pelo referido Estado e dos assentamentos imobiliários realizados nocartório de imóveis de Erechim, sob o fundamento de que a área em questão, desde o séculoXVII, era ocupada pelos índios Kaingang, de maneira que nunca deixou de ser do domínio daUnião, não podendo ser confundida com terras devolutas atribuídas aos Estados pela Constituiçãode 1891. O Min. Ilmar Galvão salientou, ainda, que a ausência dos índios do local após a suaexpulsão ou transferência compulsória na década de 60, como parece que aconteceu, nãoacarretaria a transferência do domínio da área da União para o Estado. Após, o julgamento foiadiado em virtude do pedido de vista do Min. Nelson Jobim. ACO 469-RS, rel. Min. Ilmar Galvão,15.5.2002.(ACO-469).

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processo, visto os direitos e interesses dos índios terem natureza de direito

coletivo, o artigo 4º, parágrafo único dispõe que a capacidade relativa dos índios

será regulada por lei especial.18

Desta feita, a legislação aplicável em relação à capacidade indígena é o

Estatuto do Índio, que em seu artigo 37 determina que as comunidades indígenas

devem ser tratadas como sujeitos coletivos de direitos, no qual se reconhece à

existência de direito e capacidade processual ativa, independentemente de

qualquer formalismo de constituição em associação e com registro, para que

pudessem assim recorrer ao Judiciário.19

18 Artigo 232 da CF: Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas paraingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público emtodos os atos do processo.

19 Ibid. p. 103 e ss.

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5 A AGENDA 21

A Agenda 21 é um documento consensual, o qual contribuíram governos e

instituições da sociedade civil de 179 países num processo preparatório que

durou dois anos e culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, no Rio de

Janeiro, também conhecida por ECO-92.

Baseada num documento de 40 capítulos, constitui a mais ousada e

abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um novo

padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça

social e eficiência econômica.

A comunidade internacional, durante a Rio-92, acordou a aprovação de um

documento contendo compromissos para mudança do padrão de

desenvolvimento no próximo século, denominando-o Agenda 21.

A Agenda 21, é mais que um documento, trata-se de um processo de

planejamento participativo que analisa a situação atual de um País, Estado,

Município e/ou Região, e planeja o futuro de forma sustentável.

É importante destacar, que a Conferência do Rio, em contraste com a

Conferência de Estocolmo de 1972, orientou-se para o desenvolvimento, e que a

Agenda 21 não é uma Agenda Ambiental e sim uma Agenda de Desenvolvimento

Sustentável, onde, evidentemente, o meio ambiente é uma consideração de

primeira ordem.

Na oportunidade do Rio 92, além da Agenda 21, cinco outros acordos

foram elaborados: a Declaração do Rio, a Declaração de Princípios sobre o Uso

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das Florestas, o Convênio sobre a Diversidade Biológica e a Convenção sobre

Mudanças Climáticas.

A Agenda 21 traduz em ações o conceito de desenvolvimento sustentável.

Trata-se de uma declaração política firmada pelos Estados e não tem força

obrigatória, muito embora seus signatários venham desenvolvendo toda uma

série de ações para a sua implementação.

Cada um dos capítulos da Agenda 21 busca definir um conjunto de ações e

atividades a serem cumpridas na ordem internacional que se materializarão em

tratados e convenções específicos.

O Capítulo 15 da Agenda 21 trata da Convenção da Diversidade Biológica.

O item 15.2 dispõe que “os bens e serviços essenciais ao nosso planeta

dependem da variabilidade dos genes, espécies, populações e ecossistemas. Os

recursos biológicos nos alimentam e nos vestem, e nos proporcionam moradia,

remédios e alimento espiritual. Os ecossistemas naturais de florestas, savanas,

pradarias e pastagens, desertos, tundras, rios, lagos e mares contêm a maior

parte da diversidade biológica da Terra. Os campos agrícolas e os jardins também

têm grande importância como repositórios, enquanto os bancos de genes, os

jardins botânicos, os jardins zoológicos e outros repositórios de germoplasma

fazem uma contribuição pequena mas significativa. O atual declínio da

diversidade biológica resulta em grande parte da atividade humana, e representa

uma séria ameaça ao desenvolvimento humano”.

Entre outros objetivos da Agenda 21, está bastante caracterizada a

importância das comunidades locais e indígenas, naquilo que concerne à

produção dos conhecimentos tradicionais associados. O item 15.5. dispõe que os

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diferentes atores do cenário internacional devem levar em consideração as

populações indígenas e suas comunidades.

Sobre a proteção do conhecimento tradicional, o item 15.5 (e) da Agenda

21 dispôs o seguinte: “Em conformidade com a legislação nacional, adotar

medidas para respeitar, registrar, proteger e promover uma maior aplicação dos

conhecimentos, inovações e práticas das comunidades indígenas e locais que

reflitam estilos de vida tradicionais e que permitam conservar a diversidade

biológica e o uso sustentável dos recursos biológicos, com vistas à partilha justa e

eqüitativa dos benefícios decorrentes, e promover mecanismos que promovam a

participação dessas comunidades, inclusive das mulheres, na conservação e

manejo dos ecossistemas”.

Previu ainda à adoção de medidas para a repartição justa e eqüitativa dos

benefícios advindos da pesquisa e desenvolvimento, bem como do uso dos

recursos biológicos e genéticos, inclusive da biotecnologia, entre outras fontes

destes recursos e daqueles que as utilizam.20

Note-se que o texto adotado pelos governos e instituições da sociedade

civil elaboradores da Agenda 21, refere-se sempre aos governos, organismos

competentes internacionais, populações indígenas e suas comunidades,

20 Agenda 21, item 15.7: Os Governos, no nível apropriado, com a cooperação dos organismoscompetentes das Nações Unidas e, conforme apropriado, de organizações intergovernamentais, ecom o apoio das populações indígenas e suas comunidades, de organizações não-governamentais e outros grupos, inclusive os círculos financeiros e científicos, e em conformidadecom as disposições do Direito Internacional, devem, conforme apropriado: (c) Promover acooperação técnica e científica no campo da conservação da diversidade biológica e do usosustentável de recursos biológicos e genéticos. Especial atenção deve ser dedicada aodesenvolvimento e fortalecimento das capacitações nacionais por meio do desenvolvimento dosrecursos humanos e do fortalecimento institucional, inclusive com transferência de tecnologia e/oudesenvolvimento de centros de pesquisa e manejo, como herbários, museus, bancos de genes elaboratórios, relacionados à conservação da diversidade biológica; (d) Sem prejuízo dosdispositivos pertinentes da Convenção sobre Diversidade Biológica, facilitar, no que diz respeito aeste capítulo, a transferência de tecnologias relevantes para a conservação da diversidadebiológica e o uso sustentável dos recursos biológicos ou tecnologias que façam uso dos recursosgenéticos e não causem danos significativos ao meio ambiente, em conformidade com o Capítulo34 e reconhecendo que a tecnologia inclui a biotecnologia.

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organizações não-governamentais entre outros. Denota-se assim a preocupação

destas entidades em elaborar princípios justos a todas estas comunidades, com

participação ativa de todas estas comunidades.

A Agenda 21 também proveu 27 princípios fundamentais para se atingir o

desenvolvimento sustentável. Destaca-se no presente trabalho o princípio 22, que

assim dispõe: “Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras

comunidades locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no

desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas

tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua

identidade, cultura e interesses, e oferecer condições para sua efetiva

participação no atingimento do desenvolvimento sustentável”.

6 A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA

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A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi elaborada em 05 de

junho de 1992 no Rio de Janeiro, em consonância com a Agenda 21, quando da

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Ela

ingressou inteiramente no ordenamento jurídico interno por meio da promulgação

do Decreto 2.519, de 16 de março de 1998.21

Hoje, a CDB conta com 175 países, sendo que somente 168 são

signatários. Só a assinatura do texto da CDB não faz de um país uma Parte, nem

dá o direito a voto nas decisões. Para se tornar uma Parte e ter o direito a voto, é

preciso que o país tenha ratificado a adesão à Convenção, ou que já tenha

iniciado o processo de ratificação em seus ordenamentos jurídicos internos. É

importante ressaltar que os Estados Unidos não ratificou a CDB, portanto, as

normas previstas nesta, não se aplicam no território americano.

O alcance da CDB vai além da conservação e utilização sustentável da

diversidade biológica. Ela abrange, também, o acesso aos recursos genéticos,

objetivando a repartição justa e eqüitativa dos benefícios gerados pelo seu uso,

incluindo a biotecnologia.

A biodiversidade deve ser uma preocupação comum da humanidade. A

CDB estabelece objetivos a serem atingidos pelos países que a assinaram. Cabe

a estes países determinarem como implementar a CDB para proteger e usar sua

biodiversidade de uma maneira sustentável para não comprometer, hoje, a

possibilidade de seu uso para amanhã.

A Convenção é aberta, não estabelece, por exemplo, uma lista de espécies

a serem protegidas. O Artigo primeiro da CDB estabelece os objetivos da

Convenção. O Artigo sexto exige das Partes a criação de estratégias e programas

21 Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998. Artigo 1º. A Convenção sobre Diversidade Biológica,assinado no Rio de Janeiro em 05 de junho de 1992, apensa por cópia ao presente Decreto,

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nacionais para o uso sustentável da diversidade biológica. Os demais artigos

estabelecem diretrizes.

A CDB leva também em consideração o fato de que hoje a biodiversidade

está distribuída de forma desigual no mundo. O Norte empobreceu sua

biodiversidade esgotando a matéria bruta ao longo dos anos, mas, por outro lado,

cresceu sua tecnologia e economia formando o grupo de países mais

desenvolvidos. O Sul, menos desenvolvido é rico em biodiversidade, porém pobre

em tecnologia. Cabe então ao Sul, o grande e vital desafio de conciliar o

desenvolvimento com a conservação e utilização sustentável da diversidade

biológica.

Esta tarefa não terá êxito, no entanto, sem a ajuda tecnológica e financeira

que o Norte pode propiciar. Por outro lado, o norte não pode fazer pesquisas sem

os recursos genéticos do Sul. A CDB trata dessas assimetrias e propõe diretrizes

para equalizá-las.22

A CDB estabeleceu pela primeira vez, no relacionamento entre as partes, a

ligação entre a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento da

biotecnologia, reconhecendo o princípio do rateio dos benefícios advindos da

comercialização dos produtos resultantes do intercâmbio Norte/Sul, isto é, da

integração das tecnologias mais desenvolvidas com o acesso aos recursos

genéticos indispensáveis à consecução dos produtos almejados.

A Convenção estabeleceu ainda, o princípio de rateio dos custos de

conservação da biodiversidade, com os países mais ricos se comprometendo a

arcar com parcelas significativas do custo da conservação.

deverá ser executada tão inteiramente como nela contém.22 Dados do Ministério do Meio Ambiente.

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O princípio supra mencionado, entre outros, está previsto no preâmbulo do

diploma legal. Como já sabido, o preâmbulo de um diploma legal não tem força

vinculante, pois não se trata propriamente de uma norma jurídica. Entretanto, ele

define os termos que as partes concordaram e, principalmente, estabelece alguns

critérios a serem observados quando for preciso dirimir alguma controvérsia.

Dos elementos dispostos no preâmbulo da CDB, como o parágrafo 4º do

preâmbulo que assim dispõe: “Reafirmando que os Estados têm direitos

soberanos sobre os seus próprios recursos biológicos”, e ainda o parágrafo 12º,

que assim determina “Reconhecendo a estreita e tradicional dependência de

recursos biológicos de muitas comunidades locais e populações indígenas com

estilos de vida tradicionais, e que é desejável repartir eqüitativamente os

benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional, de inovações e de

práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e à utilização

sustentável de seus componentes”, foram elaborados, entre outros, os princípios

abaixo elencados, que se desdobram na Convenção em si, mediante normas

contidas em diversos artigos:

a) Soberania;

b) Princípio do Consentimento Prévio

c) Princípio da Repartição Justa e Eqüitativa

Estes princípios alicerçam-se no reconhecimento de que, embora

jurisdicionados aos Estados nacionais, que sobre ela exercem direitos soberanos,

a preservação da diversidade biológica é matéria de preocupação de todos os

integrantes da comunidade internacional.

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6.1 Princípio da Soberania

Antes da elaboração da Convenção da Diversidade Biológica, países como

os Estados Unidos, Japão e Alemanha pretendiam ter um acesso livre à

diversidade biológica mundial, sendo que, pretendiam ainda que os recursos

genéticos fossem reconhecidos como patrimônio da humanidade.

Entretanto, é sabido que estes países e a maior parte da Europa, possuem

tecnologias modernas, porém são carentes em diversidade biológica para ser

explorada. Por este motivo, a procura em países pobres em tecnologia, porém

ricos em biodiversidade, como Brasil, Índia, Malásia, China, Paquistão e os países

limítrofes do Brasil, como Peru, Colômbia e Venezuela tornava-se necessária.

Houve assim um grande avanço com a elaboração da Convenção da

Diversidade Biológica que passou a dispor como um de seus objetivos princípios-

base a Soberania dos Estados sobre seus recursos naturais, ou seja, a

autoridade para determinar um acesso aos recursos genéticos pertence aos

governos nacionais.

O artigo 3º da CDB estabelece ainda a forma pela qual os Estados

exercerão o direito soberano de explorar seus próprios recursos naturais. Este

deve ser exercido em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os

princípios de Direito Internacional e ainda no artigo 15º, item 1, que dispõe que

“Em reconhecimento dos direitos soberanos dos Estados sobre os seus recursos

naturais, a autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos pertence

aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional”.

Podemos depreender que qualquer exploração deverá dar-se segundo as

políticas ambientais adotadas pelos Estados parte da CDB.

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O reconhecimento de que os Estados têm direitos soberanos sobre seus

próprios recursos biológicos afasta de plano a idéia de que a diversidade biológica

existente em cada um dos Estados é um patrimônio comum da Humanidade.

Se aceita a tese de patrimônio comum, a conseqüência lógica seria o

estabelecimento de algum mecanismo internacional que se encarregasse de geri-

lo.

Não há, portanto, uma gestão internacional sobre a diversidade biológica

de cada um dos países.

6.2 Princípio do Consentimento Prévio

O artigo 15º, item 5, determina que o acesso a recursos genéticos deve

estar sujeito ao consentimento prévio fundamentado da Parte Contratante

provedora desses recursos, a menos que de outra forma determinado por essa

parte.

Assim, de acordo com este princípio, todo e qualquer acesso aos recursos

genéticos somente poderá dar-se com autorização prévia e fundamentada do país

de origem, do país provedor do recurso genético.

6.3 Princípio da Repartição Justa e Eqüitativa

A diversidade biológica sempre foi utilizada como matéria-prima para

biotecnologia, produção de medicamentos ou alimentos, e que os direitos de

propriedade intelectual resultantes da biodiversidade não eram, na maior parte

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das vezes, compartilhados de forma justa e eqüitativa com os países originários

destes recursos.

Este princípio dispõe que os benefícios derivados da utilização e

exploração comercial do recurso genético deve ser repartido justo e

eqüitativamente entre o país de origem, conforme os textos abaixo:

Artigo 1º da CDB, que determina os Objetivos da CDB, dispõe que os

objetivos da CDB, a serem cumpridos de acordo com as disposições pertinentes,

são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus

componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da

utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive o acesso adequado aos

recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes,

levando em conta todos os direitos sobre os tais recursos e tecnologias, e

mediante financiamento adequado.

O artigo 15º, item 2, determina que cada parte contratante deve procurar

criar condições para permitir o acesso a recursos genéticos para utilização

ambientalmente saudável por outras Partes Contratantes e não impor restrições

contrárias aos objetivos desta Convenção; e no item 7 deste mesmo artigo,

dispõe que cada parte contratante deve adotar medidas legislativas,

administrativas e políticas, conforme o caso e em conformidade com os artigos 16

e 19 e, quando necessário, mediante mecanismo financeiro estabelecido pelos

arts. 2 e 21, para compartilhar de forma justa e eqüitativa os resultados da

pesquisa e do desenvolvimento de recursos genéticos e os benefícios derivados

de sua utilização comercial e de outra natureza com a Parte Contratante

provadora desses recursos.

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O artigo 19º, item 2, vem a complementar as disposições deste princípio,

determinando que cada Parte deve adotar todas as medidas possíveis para

promover e antecipar acesso prioritário, em base justa e eqüitativa das Partes

Contratantes, especialmente países em desenvolvimento, aos benefícios

derivados de biotecnologias baseadas em recursos genéticos providos por estas

Partes Contratantes.

6.4 O Conhecimento Tradicional Indígena e a CDB

A CDB prevê expressamente a proteção do conhecimento tradicional das

populações indígenas, bem como a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos

da utilização deste conhecimento.

Assim, o artigo 8º, que trata da Conservação in situ,23 determina na alínea

“j”, que cada Parte Contratante, em conformidade com sua legislação nacional,

deverá preservar, respeitar e manter o conhecimento, as inovações e práticas das

comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais

relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e

incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos

detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição

eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e

práticas.

Este artigo traz a necessidade de respeitar, preservar e manter o

conhecimento, inovações e práticas das comunidades indígenas com o estilo de

23 O artigo 2º da CDB define Conservação in situ como sendo a conservação dos ecossistemas ehábitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seusmeios naturais e, no caso espécies domesticadas e cultivadas, nos meios onde tenhamdesenvolvido suas propriedades características.

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vida tradicional, relevantes à conservação e à utilização sustentável da

diversidade biológica, bem como prevê a repartição justa e eqüitativa dos

benefícios oriundos deste conhecimento.

Ao mesmo tempo que trata desta proteção, a CDB também prevê em seu

artigo 18º, que trata da Cooperação Técnica e Científica, em item 4, que as Partes

Contratantes devem, em conformidade com sua legislação e suas políticas

nacionais, elaborar e estimular modalidades de cooperação para o

desenvolvimento e a utilização de tecnologias, inclusive tecnologias indígenas e

tradicionais, para alcançar os objetivos da CDB, promovendo a cooperação para

capacitação de pessoal e o intercâmbio de técnicos.

Podemos depreender do exposto que, em que pese a Convenção da

Diversidade Biológica preveja em seu bojo de forma expressa a proteção ao

conhecimento tradicional, ela não proíbe a exploração deste conhecimento, bem

como da diversidade biológica associada a este conhecimento, deste que haja a

preservação desta diversidade biológica, bem como haja a repartição justa e

eqüitativa dos benefícios decorrentes desta exploração.

Um bom exemplo de exploração dos recursos da biodiversidade e do

conhecimento tradicional da forma que rege a CDB é a empresa Natura. O anexo

I traz a reportagem que mostra os novos processos de desenvolvimento de

produtos por parte desta empresa, onde eles relatam que dificilmente

conseguiriam explorar os recursos amazônicos sem o conhecimento tradicional.

A contra-prestação oferecida pela empresa, é a remuneração à

comunidade indígena. Entretanto, há relatos sobre a dificuldade em se mensurar

o quanto vale o conhecimento tradicional utilizado.

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6.5 A Solução de Conflitos e a CDB

A CDB determina como forma de solução de conflitos aos países

signatários dela, no caso de controvérsias no que tange à interpretação ou à

aplicação da CDB, primeiramente a negociação.

Caso não haja acordo por meio da negociação, as Partes podem solicitar

os bons ofícios ou a mediação de uma terceira parte.

Determina também, que o Estado, ao ratificar ou aprovar esta Convenção,

pode declarar por escrito ao Depositário que, nos casos de controvérsias não

resolvidas pelos modos acima, será intentado:

a) Arbitragem de acordo com o Anexo II, parte 1 da CDB; ou

b) Corte Internacional de Justiça.

Se as Partes não tiverem previsto o disposto no parágrafo acima quando

da ratificação da CDB, a controvérsia deverá ser submetida então à conciliação,

nos termos da CDB.

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7 A REGULAMENTAÇÃO DA CDB NO ORDENAMENTO JURÍDICO

INTERNO

A regulamentação da Convenção da Diversidade Biológica, no que diz

respeito ao acesso ao patrimônio genético,24 a proteção e o acesso ao

conhecimento tradicional associado,25 a repartição dos benefícios e o acesso à

tecnologia e a transferência de tecnologia para sua conservação e utilização,

deram-se por intermédio da Medida Provisória 2.186-16, de 23 de agosto de

2001.

A Medida Provisória 2.186-16, em consonância com o Princípio da

Soberania, regulamenta os bens, direitos e obrigações relativos ao acesso a

componentes do patrimônio genético existente no território nacional, na

plataforma continental e na zona econômica exclusiva, ao conhecimento

tradicional a ele associado e relevante à conservação da diversidade biológica, à

integridade do patrimônio genético do País, à utilização de seus componentes e à

24 O patrimônio genético é definido pela MP 2.186-16 em seu artigo 7º, inciso I, como sendoinformação de origem genética, contida no todo ou em parte de espécie vegetal, fúngico,microbiano ou animal, em substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e deextratos obtidos destes organimos vivos ou mortos, encontrados em condições in situ, inclusivedomesticados, ou mantidos em coleções ex situ desde que coletados em condições in situ, noterritório nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva.

25 O conhecimento tradicional associado é definido pela MP 2.186-16 em seu artigo 7º. Inciso II,como sendo a informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena oucomunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético.

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repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados de sua exploração e sobre o

acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para a conservação e utilização

da diversidade biológica, com exceção aos seres humanos e seus componentes

genéticos.

Fica sob os ditames desta Medida Provisória o acesso ao patrimônio

genético para fins de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico,

bioprospecção26 ou conservação, que visem à aplicação industrial ou de outra

natureza.

É importante ressaltar que em todo o corpo da norma jurídica é abordado o

Princípio da Repartição Justa e Eqüitativa dos benefícios da exploração da

Diversidade Biológica, determinando assim aos proprietários e detentores de bens

e direitos, a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados do acesso ao

patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados, criando,

inclusive, um capítulo para tratar somente desta disposição.

Posteriormente, foi publicado o Decreto 3.945, de 28 de setembro de 2001,

que definiu a Composição do Conselho de Patrimônio Genético, estabelecendo

normas para seu funcionamento, em consonância com os artigos 10, 11, 12, 14,

15, 16, 18 e 19 da Medida Provisória acima referida, dispondo ainda sobre o

acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento

tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e

transferência de tecnologia para sua conservação e utilização.

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7.1 Da Proteção do Conhecimento Tradicional Associado

Já verificamos que a Convenção da Diversidade Biológica reconheceu os

direitos das comunidades indígenas e das comunidades locais sobre seus

conhecimentos tradicionais.

A Medida Provisória 2.186-16/2001 prevê a proteção do conhecimento

tradicional das comunidades indígenas e das comunidades locais, associadas ao

patrimônio genético, contra a exploração ou utilização ilícita, bem como outras

ações lesivas, ou não autorizadas pelo Conselho de Gestão de Patrimônio

Genético de que trata o Decreto 3.945/2001.

Assim, reconhece primeiramente o direito que estas comunidades

indígenas e locais têm para decidir sobre o uso de seus conhecimentos

tradicionais associados ao patrimônio genético do País. A forma como se dará à

autorização verificaremos mais adiante.

Neste primeiro momento, depreende-se que a MP concebeu uma

autonomia e reconheceu a capacidade das comunidades indígenas.

Verificaremos que na regulamentação do Decreto 3.945/2001, a autorização

poderá ser exercida pelo Órgão representante competente da Comunidade

Indígena, no caso a FUNAI – Fundação Nacional do Índio, ou pela própria

comunidade indígena, conforme o caso.

26 O Artigo 7º, inciso VII desta MP define bioprospecção como atividade exploratória que visaidentificar componentes do patrimônio genético e informação sobre o conhecimento tradicionalassociado, com potencial de uso comercial.

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Outra questão reconhecida pela MP, é a integração do conhecimento

tradicional associado ao patrimônio genético ao patrimônio cultural brasileiro,

conforme o artigo 216 da Constituição Federal, já estudados anteriormente.

O Artigo 9º da MP, determina que às comunidades indígenas e

comunidades locais que criam, desenvolvem, detenham, conservam ou

preservam conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, é

garantido os seguintes direitos:

a) ter indicada a origem do acesso ao conhecimento tradicional em todas

as publicações, utilizações, explorações e divulgações;

b) impedir a terceiros não autorizados de utilizar, realizar testes, pesquisas

ou exploração, relacionados ao conhecimento tradicional associado;

c) impedir terceiros não autorizados de divulgar, transmitir ou retransmitir

dados ou informações que integram ou constituem o conhecimento

tradicional associado;

d) perceber benefícios, remuneração ou “royalties” pela exploração

econômica por terceiros, direta ou indiretamente, de conhecimento

tradicional associado, cujos direitos são de sua titularidade.27

O artigo 10º da MP determina ainda que a pessoa de boa fé que, até 30 de

junho de 2000, utilizava ou explorava economicamente qualquer conhecimento

tradicional no País, será assegurado o direito de continuar a utilização ou

exploração, sem ônus, na forma e condições anteriores.

27 Artigo 9º, inciso IV, parágrafo único da MP 2.186-16/2001 determina que qualquer conhecimentotradicional associado ao patrimônio genético poderá ser de titularidade da comunidade, ainda quede apenas um indivíduo, membro desta comunidade, detenha este conhecimento. Verifica-se atentativa do legislador de criar um regime “sui generis”de direito autoral.

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7.2 Do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético

O Decreto 3.945, de 28 de setembro de 2001, definiu a composição do

Conselho de Patrimônio Genético, que vinculado a Casa Civil da Presidência da

República, tem as seguintes finalidades:

i) Conceder autorização de acesso à amostra de componente do

patrimônio genético existente em condições in situ, no território

nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva;

ii) Conceder autorização de acesso ao conhecimento tradicional

associado, mediante anuência prévia de seus titulares;

iii) Fiscalizar, em articulação com órgãos federais, as atividades de

acesso à amostra de componente do patrimônio genético e ao

conhecimento tradicional associado;

iv) Conceder autorização para remessa de amostra de componente do

patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado para

instituição nacional, pública ou privada, ou para instituição sediada

no exterior;

v) Fiscalizar, em articulação com órgãos federais, qualquer remessa de

amostra de componente de patrimônio genético e do conhecimento

tradicional associado;

vi) Acompanhar e avaliar o acesso à tecnologia e a transferência de

tecnologia para a conservação e utilização do patrimônio genético e

do conhecimento tradicional associado;

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vii) Divulgar listas de espécies de intercâmbio facilitando constantes

acordos internacionais, inclusive sobre segurança alimentar, dos

quais o País seja signatário;

viii) Criar e manter base de dados para registro de informações obtidas a

campo durante a coleta de amostra de componente genético;

ix) Criar e manter base de dados para registro de informações sobre o

conhecimento tradicional associado;

x) Criar, manter e divulgar base de dados para registro de informações

sobre as autorizações de acesso e remessa de amostra de

componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional

associado;

xi) Conceder à instituição pública ou privada nacional, que exerça

atividade de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas ou

afins, e a universidade nacional, pública ou privada, autorização

especial de acesso, com prazo de duração de até dois anos,

renovável por iguais períodos;

xii) Credenciar instituição pública nacional de pesquisa e

desenvolvimento, delegando-lhe, mediante convênio, competência

ara autorizar remessa de amostra de componente do patrimônio

genético para instituição nacional, pública ou privada, para

instituição sediada no exterior;

xiii) Credenciar instituição pública ou privada nacional para, mediante

convênio, ser fiel depositária de amostra representativa de

componente do patrimônio genético a ser remetida para instituição

nacional, pública ou privada, ou sediada no exterior.

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O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético é formado por um

representante e um respectivo suplente dos seguintes órgãos e entidades da

Administração Pública Federal:

a) Ministério do Meio Ambiente;

b) Ministério da Ciência e da Tecnologia;

c) Ministério da Saúde;

d) Ministério da Justiça;

e) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

f) Ministério da Defesa;

g) Ministério da Cultura;

h) Ministério das Relações Exteriores;

i) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

j) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis – IBAMA;

k) Instituto de Pesquisas Jardim Botânico Rio de Janeiro;

l) Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –

CNPq;

m) Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA;

n) Empresa de Pesquisa Agropecuária – Embrapa;

o) Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz;

p) Instituto Evandro Chagas;

q) Fundação Nacional do Índio - Funai;

r) Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI;

s) Fundação Cultural Palmares.

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O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético é presidido por um membro

do Ministério do Meio Ambiente, e reunem-se uma vez por mês ordinariamente, e,

em caráter extraordinário, a qualquer momento. Suas funções não são

remuneradas e seu exercício é considerado como serviço público relevante.

O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético exerce sua competência

segundo os dispositivos da Convenção da Diversidade Biológica, da Medida

Provisória 2.186-16, de 2001 e do Decreto 3.945/2001.

Na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, por meio do Decreto

3.945/2001, foi criado o Departamento Genético, que exerce a função de

Secretaria-Executiva do Conselho de Gestão, e tem, entre outras também as

seguintes funções:

i) implementar as deliberações do Conselho de Gestão;

ii) promover a instrução e a tramitação dos processos a serem

submetidos à deliberação do Conselho de Gestão;

iii) dar suporte às instituições credenciadas;

iv) emitir, de acordo com a deliberação do Conselho de Gestão e em

seu nome, Autorização de Acesso de Remessa de amostra de

componente do patrimônio genético existente no território nacional,

na plataforma continental e na zona exclusiva, bem como

Autorização de Acesso a conhecimento tradicional associado;

v) emitir, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em seu

nome, Autorização Especial de Acesso e de Remessa de amostra

de componente do patrimônio genético, e Autorização de Acesso a

conhecimento tradicional associado, com prazo de duração até dois

anos, renovável por iguais períodos, a instituição pública ou privada

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nacional que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento nas

áreas biológicas e afins e a universidade nacional, pública ou

privada;

vi) acompanhar, em articulação com os demais órgãos federais, as

atividades de acesso e de remessa de amostra de componente do

patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado;

vii) promover, de acordo com Deliberação do Conselho de Gestão e em

seu nome, o credenciamento de instituição pública nacional de

pesquisa e desenvolvimento, ou instituição pública federal de

gestão, para autorizar instituição nacional de pesquisa e

desenvolvimento, ou instituição pública federal de gestão, para

autorizar instituição nacional, pública ou privada, a acessar amostra

de componente de patrimônio e de conhecimento tradicional

associado, e bem assim a enviar amostra de componente do

patrimônio genético a instituição nacional, pública ou privada, ou

para instituição sediada no exterior;

viii) promover, de acordo com deliberação do Conselho de Gestão e em

seu nome, o credenciamento de instituição pública nacional para ser

fiel depositária de amostra de componente do patrimônio genético;

ix) descredenciar instituições, de acordo com deliberação do Conselho

de Gestão e em seu nome, pelo descumprimento das disposições

da MP 2.186-16;

x) Registrar os Contratos de utilização do Patrimônio Genético e de

Repartição de Benefícios, após anuência do Conselho de Gestão;

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xi) Divulgar lista de espécies de intercâmbio facilitado constantes de

acordos internacionais, inclusive sobre segurança alimentar, dos

quais o País seja signatário;

xii) Criar e manter cadastro de coleções ex situ; Criar e manter base

dados para registro de informações obtidas durante a coleta de

amostra de componente do patrimônio genético; Criar e manter base

de dados relativos às Autorizações de Acesso de remessa de

amostra de componente de patrimônio genético e de acesso a

conhecimento tradicional associado, aos Termos de Transferência

de Material e aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e

de Repartição de Benefícios; e

xiii) Divulgar, periodicamente, lista das Autorizações de Acesso e de

Remessa, dos Termos de Transferência de Material e dos Contratos

de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios.

7.2.1 O Acesso com potencial de uso econômico

As instituições, nacionais ou não, públicas ou privadas, que pretendam

obter autorização de acesso à amostra de componente do patrimônio genético,

bem como de conhecimento tradicional associado com potencial de uso

econômico, como ocorre nas atividades de bioprospecção e desenvolvimento

tecnológico, deverão preencher os requisitos abaixo, que serão avaliados pela

Comissão de Gestão do Patrimônio Genetético, sem prejuízo de outros

eventualmente requeridos por este órgão:

i) Comprovação de que a instituição:

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a) Constitui-se sob as leis brasileiras;

b) Exerce atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas

biológicas e afins.

ii) qualificação técnica para o desempenho das atividades de acesso e

remessa de amostra de componente do Patrimônio Genético ou de

acesso a conhecimento tradicional associado, incluindo informação

sobre o uso pretendido;

iii) apresentação das anuências prévias de que trata o artigo 16, §§ 8º e

9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

iv) apresentação da anuência prévia da comunidade indígena ou

comunidade local envolvida, quando se tratar de acesso a

conhecimento tradicional associado, em observância aos artigos 8º,

§1º, artigo 9º, inciso II, e artigo 11, inciso IV, alínea “b”, da Medida

Provisória nº 2.186-16, de 2001;

v) indicação do destino das amostras de componentes do patrimônio

genético ou das informações relativas ao conhecimento tradicional

associado;

vi) indicação da instituição fiel depositária credenciada pelo Conselho

de Gestão onde serão depositadas sub-amostras de componente do

patrimônio genético;

vii) apresentação de Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de

Repartição devidamente assinado pelas partes;

A instituição beneficiada pela autorização deverá encaminhar ao Conselho

de Gestão ou à instituição credenciada na forma do artigo 14 da Medida

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Provisória nº 2.186-16, de 2001, relatórios sobre o andamento do projeto, em

prazos a serem fixados na autorização de acesso.

7.2.2 O Acesso sem potencial de uso econômico

As instituições interessadas em obter autorização especial para acesso a

componente do patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado,

para fins de pesquisa científica sem potencial de uso econômico, deverão

preencher os seguintes requisitos que serão apreciados pelo Conselho de Gestão

do Patrimônio Genético, sem prejuízo de outros eventualmente requeridos por

este órgão:

i) Comprovação de que a instituição:

a) Constitui-se sob as leis brasileiras;

b) Exerce atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas

biológicas e afins.

ii) qualificação técnica para o desempenho das atividades de acesso e

remessa de amostra de componente do Patrimônio Genético ou de

acesso a conhhecimento tradicional associado, quando for o caso;

iii) estrutura disponível para manuseio de amostras de componentes de

patrimônio genético;

iv) portofólio dos projetos e das atividades de rotina que envolvam

acesso e remessa a componentes do patrimônio genético

desenvolvidas pela instituição;

v) apresentação das anuências prévias de que trata o artigo 16, §§ 8º e

9º, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001;

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vi) apresentação da anuência prévia da comunidade indígena ou

comunidade local envolvida, quando se tratar de acesso a

conhecimento tradicional associado, em observância aos artigos 8º,

§1º, artigo 9º, inciso II, e artigo 11, inciso IV, alínea “b”, da Medida

Provisória nº 2.186-16, de 2001;

vii) indicação do destino do material genético ou das informações

relativas ao conhecimento tradicional associado e da equipe técnica

e da infra-estrutura disponível para gerenciar os termos de

transferência de material a serem assinados previamente à remessa

de amostra para outra instituição nacional, pública ou privada, ou

sediada no exterior;

viii) termo de compromisso assinado pelo representante legal da

instituição, compromentendo-se a acessar patrimônio genético ou

conhecimento tradicional associado apenas para fins de pesquisa

sem potencial de uso econômico;

O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, publicou ainda em

21 de janeiro de 2004, a Resolução nº 9, que estabelece diretrizes para

que instituições nacionais obtenham a anuência prévia junto a

comunidades indígenas e locais, a fim de acessar componente do

patrimônio genético situados em terras indígenas, áreas sob posse ou

propriedade de comunidades locais ou Unidades de Conservação da

Natureza de domínio público, onde haja comunidades locais residentes

cuja permanência seja permitida em lei, para fins de pesquisa científica,

sem potencial ou perspectiva comercial.

O processo de anuência prévia deverá pauter-se em:

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i) esclarecimento à comunidade anuente, em linguagem a ela

acessível, sobre o objetivo da pesquisa, a metodologia, a

duração, o orçamento, os possíveis benefícios, as fontes de

financiamento do projeto, o uso que se pretende dar ao

componente do patrimônio genético a ser acessado, a área

geográfica abrangida pelo projeto e as comunidades

envolvidas;

ii) respeito às formas de organização social e de representação

política tradicional das comunidades envolvidas, durante o

processo de consulta;

iii) esclarecimento à comunidade sobre os impactos sociais,

culturais e ambientais decorrentes do projeto;

iv) esclarecimento à comunidade sobre os direitos e as

responsabilidade de cada uma das partes na execução do

projeto e em seus resultados;

v) estabelecimento, em conjunto com a comunidade, das

modalidades e forma de contrapartida derivadas da execução

do projeto;

vi) garantia de respeito ao direito da comunidade de recusar o

acesso ao componente do patrimônio genético, durante o

processo de anuência prévia

A Resolução ainda dispõe que o órgão indigenista oficial estabelecerá os

procedimentos administrativos necessários ao ingresso em terra indígena para

obtenção da devida anuência prévia pelo interessado.

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Ademais, quando o componente do patrimônio genético a ser acessado

situar-se em Unidade de Conservação da Natureza de domínio público onde haja

comunidades locais residentes cuja permanência seja permitida em lei, a

anuência prévia deverá ser emitida pelo órgão ambiental competente, ouvidas as

comunidades envolvidas e observados os requisitos acima elencados. Neste

caso, o órgão ambiental competente poderá ouvir as comunidades envolvidas

diretamente, por meio de seus representantes, ou do respectivo Conselho

Consultivo ou Deliberativo, quando constituído. Quando a incidência da Unidade

de Conservação da Natureza não implicar supressão dos direitos de propriedade

ou posse das comunidades locais sobre suas terras, a anuência prévia será

obtida pelo interessado diretamente junto aos detentores da área, observado

cumulativamente o disposto no artigo 16, §§ 8º e 9º, inciso III, da Medida

Provisória nº 2.186-16, de 2001.

A MP 2.186-16, de 2001, prevê, no entanto, que em casos de relevante

interesse público, assim caracterizado pela autoridade competente, o ingresso em

terra indígena, área pública ou privada para acesso a recursos genéticos,

dispensará prévia anuência das comunidades indígenas locais e de proprietários,

garantindo-lhes todavia, a repartição justa e eqüitativa dos benefícios decorrentes

do acesso.

É importante ressaltar que o Termo de Anuência deverá conter as

condições de acesso estabelecidas entre as partes, sendo que, o

descumprimento de quaisquer dos procedimentos estipulados nesta Resolução

sujeitará o infrator às sanções previstas na legislação vigente.

Todo este processo requerido para pesquisas que envolvam acesso a

patrimônio genético, ou a conhecimento tradicional associado tem gerado muitas

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críticas pelos cientistas sob os argumentos da dificuldade em cumprir todos os

requisitos gerados pelo Decreto 3.945/2001 e pela Resolução 9º do Conselho de

Gestão do Patrimônio Genético, pelos custos gerados para o cumprimento das

exigências, bem como pela crítica análise do referido Conselho.

Outro ponto a ser observado é a viabilidade do diálogo entre

pesquisadores e as comunidades indígenas. No programa de televisão

“Biodiversidade em Debate” 28 da TV Cultura de 04/05/2003, foi abordado o tema

“O acesso ilegal aos recursos naturais do Brasil”, e contou com a participação de

Elaine Elisabetsky, professora da Universidade do Rio Grande do Sul e presidente

da Sociedade Internacional de Etnofarmacologia; Marcos Terena, membro da

FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e do Conselho do Inbrapi (Instituto Indígena

Brasileiro de Propriedade Intelectual); Beto Ricardo, antropólogo e diretor do ISA

(Instituto Socioambiental); e do jornalista debatedor Washington Novaes,

supervisor do Repórter Eco e consultor de meio ambiente da TV Cultura.

No aludido programa, Marcos Terena disse: “nós não tínhamos

conhecimento de que os saberes tradicionais e manejo desses valores naturais

estavam sendo manipulados e transferidos para outras pessoas. Recentemente,

começamos a nos preocupar com essa questão”.

O antropólogo Beto Ricardo ainda ressaltou que os índios, na maioria dos

casos, não possuem assessoria jurídica, não compreendem o português e não

protegem seus conhecimentos em bases que possam viabilizar um diálogo

respeitoso com outros seguimentos do mercado.

7.3 Da Repartição de Benefícios

28 Este programa deriva de uma parceria entre a TV Cultura e a Natura do Brasil e é vinculado aosdomingos no Programa Repórter Eco.

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A Medida Provisória 2.186-16, de 2001, prevê que, os benefícios da

exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra

de componente do patrimônio genético, serão repartidos de forma justa e

eqüitativa entre a União e as partes contratantes.

Ela ainda prevê que quando o benefício decorrer da exploração econômica

do patrimônio genético acessado em terras indígenas ou em área de comunidade

local, a respectiva comunidade fará jus a percentual de sua repartição.

A repartição destes benefícios poderá dar-se das seguintes formas:

a) divisão de lucros;

b) pagamento de royalties;

c) acesso e transferências de tecnologias;29

d) licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos; e

e) capacitação de recursos humanos.

Não há na legislação qualquer proibição de concessão de mais de uma

forma de remuneração simultaneamente.

Alguns autores entendem que o rol do artigo 25 é meramente

exemplificativo, sendo que para eles qualquer outro tipo de benefício estabelecido

entre as partes contratantes é válido e legal.

7.4 Das Sanções Administrativas

29 A MP 2.186-16, em seu artigo 7º, VI, define acesso à tecnologia e transferência de tecnologiacomo sendo a realização de ações que tenham por objetivo o acesso, o desenvolvimento e atransferência de tecnologias para a conservação e utilização da diversidade biológica ou queutilizem o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional associado.

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A MP considera como infração administrativa contra o patrimônio genético

ou o conhecimento tradicional associado, toda ação ou omissão que viole as

regras dispostas nesta, que poderão ser punidas da seguinte forma:

i) advertência;

ii) multa;

iii) apreensão dos produtos e de componentes do patrimônio genético;

iv) suspensão de venda do produto;

v) embargo da atividade;

vi) interdição total ou parcial do estabelecimento, atividade ou

empreendimento;

vii) suspensão de registro, licença ou autorização legalmente exigidos;

viii) cancelamento de registro, licença ou autorização legalmente

exigidos;

ix) perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo

governo;

x) perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em

estabelecimentos oficiais de crédito;

xi) intervenção no estabelecimento;

xii) proibição de contratar com a Administração Pública, por período de

até 5 anos.

Estas sanções administrativas serão aplicadas sem prejuízo das sanções

civis e penais cabíveis, sendo que a multa supra referida, será arbitrada pela

autoridade competente de acordo com a gravidade da infração e na forma do

regulamento, podendo variar de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 100.000,00

(cem mil reais), quando se tratar de pessoa física, ou se praticada por pessoa

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jurídica ou em concurso com esta, a multa será de 10.000,00 (dez mil reais) e R$

50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).

A exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de

amostra de componente do patrimônio genético, acessada em desacordo com as

disposições previstas na MP, sujeitará o infrator ao pagamento de indenização

correspondente a, no mínimo, vinte por cento do faturamento bruto obtido na

comercialização de produto ou dos royalties obtidos de terceiros pelo infrator, na

hipótese de licenciamento de processo ou de uso de tecnologia, protegidos ou

não por propriedade industrial, sem prejuízo das penalidades administrativas na

forma acima exposta e sanções penais da legislação vigente.

Estes recursos serão utilizados na conservação da diversidade biológica,

na promoção do uso sustentável de seus componentes, no fomento a pesquisa

científica, no desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio genético e na

capacitação de recursos humanos.

Considerando que como a Constituição Federal define, bem como a MP

2.186-16, de 2001, que regulou a Convenção da Diversidade Biológica no

ordenamento jurídico interno, entendemos que, ante a um eventual caso de

acesso a conhecimento tradicional associado que cause danos irreversíveis à

comunidade indígena, privando outras instituições de pesquisar, bem como de

acessar o patrimônio genético, é cabível dano moral à coletividade decorrente aos

danos ambientais culturais.30

30 Neste sentido, a promotora de justiça Liliane Garcia Ferreira concluiu em matéria entitulada “Odano moral à coletividade decorrente dos danos causados a bens ambientais culturais, assimcomo da privação do direito de fruição desses bens”, publicada no site do Ministério Público doEstado de São Paulo, da seguinte forma: 1. O ordenamento jurídico brasileiro protege os valoresmorais individuais, assim como os valores morais coletivos. Portanto, toda vez que houver ofensaa valores morais coletivos, será devido pagamento de indenização pelos danos causados peloresponsável direto ou indireto. 2. Sempre que houver dano tecnicamente irreversível a bensambientais culturais, a par da indenização devida em razão da perda total ou parcial do bem –dano patrimonial ambiental – será devida, adicionalmente, indenização à coletividade pelos danos

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Os especialistas da área de Direito Ambiental e os próprios representantes

do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético reconhecem que a falta de

previsão legal da possibilidade de punição com prisão aos infratores que

cometem a biopirataria favorece a impunidade.

Neste sentido, foram publicadas uma matéria no Jornal Gazeta Mercantil

de 19 e 20 de julho de 2003 entitulada “Biodiversidade vai ao Congresso”, e outra

no Jornal Valor Econômico de 01 de outubro de 2003, entitulada “É preciso tornar

a biopirataria um crime ambiental”. Na primeira, o secretário executivo do

Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, Eduardo Vélez, relata que “A

legislação que vai substituir a Medida Provisória 2.186-16, de 2001, será uma das

mais avançadas do mundo”.

Ele relata também que no projeto de lei há previsão da pena de prisão para

os crimes de biopirataria.

Já na segunda, os especialistas da área jurídica ambiental criticam a não

previsão de punição com reclusão para os crimes de biopirataria.

morais ambientais decorrentes do mesmo fato, os quais são presumidos. 3. Toda vez que, emrazão de ausência de conservação, má conservação, deterioração ou degradação de bensambientais culturais ou por qualquer atividade comissiva ou omissiva, a coletividade for privada doacesso a essas fontes de cultura, sem prejuízo da obrigação de fazer a recuperação, restauraçãoe conservação desses bens, assim como da obrigatoriedade do pagamento de indenização pelosdanos extrapatrimoniais decorrentes de sua perda parcial ou total (dano tecnicamente irreversível),se for o caso, será devida, ainda, indenização por danos morais ambientais decorrentes da lesãoao direito de todos à plena fruição desse patrimônio.

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8 AS LEGISLAÇÕES ESTADUAIS

O legislador, até o ano de 2001 não havia avançado muito com relação à

regulamentação da Convenção da Diversidade Biológica, naquilo que diz respeito

ao acesso aos resursos da diversidade biológica, bem como da repartição

eqüitativa em relação a este acesso.

Assim, dois estados, Acre e Amapá, se anteciparam frente à legislação

federal e regularam a matéria em seus territórios.

Entre, vários aspectos relevantes tornam a matéria complexa no que se

refere à regulamentação do tema. Por exemplo:

1) Existe um alto grau de interdisciplinariedade do assunto, o que resulta

na impossibilidade de classificá-la no universo jurídico de forma inequívoca. O

resultado do enquadramento jurídico da matéria, a legislação poderá ser

constitucional ou inconstitucional.

Paulo Bessa Antunes31, entende que “Penso que a matéria tem aspectos

ambientais, embora não seja de Meio Ambiente, explico-me melhor. Como já tive

oportunidade de me manifestar previamente, uma norma de Direito Civil ou de

Direito Administrativo que incida sobre um bem jurídico ambiental deve estar

fundada nos princípios implícitos e explícitos da tutela ambiental previstos na

31 Ibid., p. 80-81.

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Constituição e na legislação ordinária.32 O que ocorre, em minha opnião, é que,

conforme o caso, estaremos diante de matéria que se enquadra em direito

comercial, outras vezes no campo da propriedade intelectual, muitas vezes no

campo do comércio exterior e, assim, sucessivamente. Isto faz com que as

normas estaduais, em meu ponto de vista, tenham muitos dispositivos

constitucionalmente discutíveis. Com efeito, o artigo 22 da Constituição Federal

determina que compete privativamente à União legislar sobre: Direito Civil,

Comercial; sobre Comércio Exterior, populações indígenas. A competência

privativa, como se sabe, somente pode ser exercida pela própria União, salvo na

hipótese em que uma lei complementar autorize os estados a legislar sobre

questões específicas das matérias relacionadas no artigo 22 da Constituição

Federal. A lei complementar mencionada na Lei Fundamental da República ainda

não existe, motivo pelo qual é de ser inconstitucional toda e qualquer lei estadual

que invada a competência privativa da União, conforme o Supremo Tribunal

Federal reiteradamente vem decidindo. É fato, contudo, que a

inconstitucionalidade não fere mortalmente a totalidade dos textos legais

estaduais mas, única e exclusivamente, dispositivos específicos que extrapolam o

âmbito das competências estaduais”.

Considerando ainda que a Medida Provisória 2.186-16 é superveniente às

legislações, houve mais um fator complicador quanto à constitucionalidade das

normas jurídicas em questão.

Em matéria de Meio Ambiente e de Patrimônio Cultural, onde entendemos

que neste segundo o conhecimento tradicional esteja inserido, a competência é

concorrente, conforme anteriormente explicamos. Assim, cabe à União o

32 Antunes, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 5ª ed., 2001, p. 37apud. Paulo Bessa Antunes.

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estabelecimento de normas gerais e, aos estados, cabe suplementar a referida

legislação.

Devemos ainda lembrar que a Constituição determina que a

superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei

estadual naquilo que esta contrarie a lei federal. O artigo 59 da CF determina que

a Medida Provisória, por ter força de lei, exerce o papel de normas gerais,

devendo estar assim as legislações estaduais em consonância com a Medida

Provisória 2.186-16.

É importante lembrar, entretanto, que o sistema jurídico brasileiro somente

declara a ineficácia de uma norma jurídica quando declarada inconstitucional pelo

Poder Judiciário, devendo até então, ser cumprida integralmente até tal

declaração.

Até o momento, não há discussão de inconstitucionalidade das legislações

estaduais no Supremo Tribunal Federal.

8.1 Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Acre

A Lei estadual nº 1.235, de 09 de julho de 1997 do Acre, que dispõe sobre

os instrumentos de controle de acesso aos recursos genéticos do Estado do Acre

e dá outras providências, buscou, nos limites de sua competência regular as

condições de acesso aos recursos genéticos no seu território.

Esta lei é bastante longa e buscou adequar os princípios, normas e regras

constantes da Convenção da Diversidade Biológica à realidade local do estado.

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8.1.1 Dos Princípios

Em seu artigo 5º, a norma estabelece os seguintes princípios a serem

observados:

i) soberania sobre os recursos genéticos existentes e seus produtos

derivados na circunscrição do Estado;

ii) necessidade de consentimento prévio e fundamentado das

comunidades locais e dos povos indígenas, para as atividades de

acesso aos recursos genéticos situados nas áreas que ocupam, aos

seus cultivos agrícolas domesticados e aos conhecimentos

tradicionais que detém;

iii) integridade intelectual do conhecimento tradicional detido pela

comunidade local ou população indígena, garantindo-se-lhe o

reconhecimento, a proteção e a compensação justa e eqüitativa pelo

seu uso e a liberdade de intercâmbio entre seus membros e com

outras comunidades ou populações análogas;

iv) inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade dos direitos

relativos ao conhecimento tradicional associado detido pelas

comunidades locais ou população indígena e aos seus cultivos

agrícolas domesticados, possibilitando-se, entretanto, o seu uso,

após o consentimento prévio e fundamentado da respectiva

comunidade local ou população indígena e mediante justa e

eqüitativa compensação;

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v) participação estadual nos benefícios econômicos e sociais

decorrentes das atividades de acesso, especialmente em provento

do desenvolvimento sustentável das áreas onde se realiza o acesso

aos recursos genéticos e/ou das comunidades locais e populações

indígenas provadores do conhecimento tradicional;

vi) prioridade, no acesso aos recursos genéticos, para os

empreendimentos que se realizem no território estadual;

vii) promoção e apoio às distintas formas de geração de conhecimentos

e tecnologias dentro do Estado, dando prioridade ao fortalecimento

da capacidade estadual respectiva;

viii) proteção e incentivo à diversidade cultural, valorizando-se os

conhecimentos, inovações e práticas das comunidades locais sobre

conservação, uso, manejo e aproveitamento da diversidade

biológica e genética;

ix) compatibilização com as políticas, princípios e normas relativas à

biossegurança;

x) compatibilização com as políticas, princípios e normas relativas à

segurança alimentar do Estado;

xi) integridade do patrimônio genético e da diversidade biológica

estadual.

8.1.2 Do Poder Público

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O poder de polícia exercido pelo Poder Público Estadual tem por objetivo a

proteção, a conservação e a utilização sustentável do patrimônio natural do

Estado, aplicando-se as disposições da Lei a todas as pessoas físicas ou

jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que extraiam, usem, aproveitem,

armazenem, comercializem, liberem ou introduzam recursos genéticos em

território estadual, conforme estabelecido pelo artigo 6º da lei, sendo a lei

aplicável a:

i) aos recursos genéticos e seus produtos derivados ocorrentes no

território estadual;

ii) aos conhecimentos tradicionais associados das comunidades locais

e populações indígenas;

iii) às espécies migratórias que, por causas naturais, encontrem-se no

território estadual.

No artigo 11, a lei ainda determina que, em caso de existência de perigo de

dano grave e irreversível decorrentes de atividades praticadas sob o amparo da

lei nº 1.235, de 9 de julho de 1997, o Poder Público deverá adotar medidas, com

critérios de proporcionalidade, ou seja, uma dimensão do dano sofrido ou a ser

evitado e a penalidade aplicada, sob pena de invalidade da pena, a fim de impedir

o dano. A lei ainda elenca oito situações em que o Poder Público poderá sustar às

atividades.

Podemos depreender que a norma estadual em epígrafe, tem foco aos

princípios do direito ambiental, bem como, tem em seu bojo o objeto mais extenso

que o da Medida Provisória 2.186-16, pois houve neste caso uma preocupação do

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legislador com relação à questão da Biossegurança, assunto este que atualmente

tramita no Congresso em projetos de lei na forma de norma federal.

A lei ainda estabeleceu obrigações à Secretaria Estadual de Meio

Ambiente, Ciência e Tecnologia, determinando a estas obrigações relativas à

gestão estadual do acesso e do conhecimento tradicional associado.

À referida Secretaria deve planejar, coordenar, supervisionar, controlar e

avaliar o desenvolvimento das atividades de acesso aos recursos genéticos,

sendo, por exemplo, incubida de produzir, anualmente, o relatório dos níveis de

ameaça à biodiversidade estadual e dos impactos potenciais de sua deterioração

sobre o desenvolvimento sustentável; acompanhar pesquisas e inventários da

diversidade biológica estadual e desenvolver um sistema para organizar e manter

esta informação, entre outras funções.

8.1.3 Acesso aos Recursos Genéticos

A norma estabelece que o acesso aos recursos genéticos, assim como a

da Medida Provisória 2.186-16, terá duas espécies: condições in situ e condições

ex situ.

Os contratos para acesso aos recursos genéticos in situ dividem-se em três

categorias:

a) Contratos de acesso;

b) Contratos acessórios; e

c) Contratos Conexos.

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O Contrato de acesso viabiliza o acesso aos recursos genéticos mediante

acordo mútuo entre o Estado, o provedor dos recursos genéticos ou do detentor

do conhecimento tradicional associado.

O contrato acessório assegura a utilização do conhecimento tradicional

associado e prevê a repartição dos benefícios decorrentes de sua utilização.

Já os contratos conexos são aqueles indispensáveis à implantação e ao

desenvolvimento de atividades relacionadas ao acesso aos recursos genéticos.

Com relação aos contratos de acesso aos recursos genéticos em

condições ex situ, a lei do Estado do Acre autoriza a Secretaria do Meio Ambiente

a celebração de contratos com terceiros para acesso a recursos genéticos que

estejam depositados nos centros de conservação ex situ localizados no território

nacional, aplicando-se às normas relativas ao acesso in situ.

As condições para obtenção da autorização são menos rígidas do que as

requeridas pelo Decreto 3.945/2001. Entretanto, quando se tratar da hipótese de

acesso a conhecimento tradicional, além da documentação disposta na lei, o

projeto deverá ser acompanhado de um protocolo de visitas à comunidade local

ou à população indígena e das informações recolhidas de fonte, oral ou escrita,

relacionadas ao conhecimento tradicional.

As partes do contrato serão, obrigatoriamente, o Estado, representado pela

Secretaria Estadual da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente, o solicitante do

acesso, bem como o provedor do conhecimento tradicional ou do cultivo agrícola

domesticado, nos casos de contrato de acesso que envolvam estes componentes.

No caso de contratos que envolvam o conhecimento tradicional ou cultivo agrícola

domesticado, o contrato de acesso deverá ser seguido de um contrato acessório

de utilização de conhecimento tradicional ou de cultivo agrícola domesticado.

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Neste contrato, deve estar pactuada a compensação justa e eqüitativa relativa

aos benefícios provenientes da utilização deste conhecimento.

O Contrato de acesso terá prazo de vigência não superior a cinco anos.

A execução do contrato será acompanhada por uma instituição técnico-

científica brasileira de detentora de reconhecido conceito na área de

conhecimento referente ao contrato que será designada pelo órgão gestor da

diversidade biológica estadual, tendo por objetivo de verificar se os termos do

contrato de acesso estão sendo cumpridos, assim como velar pela observância

da autorização.

O artigo 31, em seu parágrafo único ainda determina que tal instituição

responderá solidariamente pelo cumprimento das obrigações assumidas pela

pessoa física ou jurídica autorizada ao desenvolvimento dos trabalhos.

A ainda admite que, o Estado poderá exigir, das pessoas físicas ou

jurídicas autorizadas a realizar trabalhos de levantamento e de coleta de recursos

da diversidade biológica, compensação financeira ao Estado por este uso (artigo

33 da norma). Os recursos arrecadados serão destinados ao Fundo Especial de

Meio Ambiente do Estado do Acre.

8.1.4 Proteção ao Conhecimento Tradicional associado aos

Recursos Genéticos

O artigo 41 da Lei do Estado do Acre determina que o Poder Executivo

Estadual reconhece e protege os direitos das comunidades locais de se beneficiar

coletivamente por suas tradições e conhecimentos e de serem compensadas pela

conservação dos recursos biológicos e genéticos, seja mediante direitos de

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propriedade intelectual ou de outros mecanismos. Ainda no parágrafo único deste

mesmo artigo, ainda determina que a proteção aos conhecimentos, inovações e

práticas desenvolvidas mediante processos cumulativos de conservação e

melhoramento da biodiversidade, nos quais não é possível identificar um indivíduo

responsável diretamente por sua geração, obedecerá as regras específicas para

direitos coletivos de propriedade intelectual.

Inobstante a intenção do legislador em proteger o conhecimento tradicional

associado aos recursos genéticos, não há previsão da figura “direitos coletivos de

propriedade intelectual” na legislação que regula a propriedade industrial no

ordenamento jurídico interno – a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, bem na

legislação que regula os Direitos Autorais, a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de

1998. Neste sentido, a Constituição determina que compete à União legislar sobre

esta matéria.33

Em que pese este ponto, o artigo 42 da lei estadual determina que

constituem direitos coletivos de propriedade intelectual o reconhecimento de

direitos de propriedade industrial adquiridos ancestralmente, englobando direitos

de propriedade industrial, direitos do autor, direitos de melhoria, segredo e outros.

O artigo 44 da lei assegura o direito das comunidades locais de não

permitir a coleta de recursos biológicos e genéticos e o acesso ao

reconhecimento tradicional em seus territórios, assim como o de exigir restrições

a estas atividades fora de seus territórios, quando se demonstre que estas

atividades ameacem a integridade de seu patrimônio natural ou cultural.

33 Artigo 22 da Constituição Federal: Compete privativamente à União legislar sobre: I – direitocivil, direito comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e dotrabalho.

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Por fim, o artigo 45 não reconhece direitos de propriedade intelectual,

registrados dentro ou fora do Estado, relativos à recursos biológicos ou genéticos,

derivados deles quando:

i) utilizem conhecimento coletivo de comunidades locais;

ii) tenham sido adquiridos sem o certificado de acesso e a licença de

saída do Estado.

Por todo exposto em relação à legislação estadual do Acre, podemos

concluir que a falta da legislação federal à época da elaboração da lei deste

estado, bem como com a edição da Medida Provisória 2.186-16 e do Decreto nº

3.945/2001, a referida legislação ficou eivada de incongruências em relação à

legislação federal, tornando-as inaplicáveis.

Ademais, a referida legislação tentou normatizar questões relacionadas

aos povos indígenas e também a propriedade intelectual, matérias estas que são

privativas da União Federal.

No entanto, é louvável o esforço do legislador em regular a matéria em

âmbito estadual principalmente, pois esta legislação está em consonância com os

princípios assumidos pela Convenção da Diversidade Biológica.

8.2 Lei de Acesso à Diversidade Biológica do Estado do Amapá

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A Lei do Estado do Amapá nº 388, de 3 de dezembro de 1997, dispõe

sobre os instrumentos de controle do acesso à biodiversidade do Estado do

Amapá e dá outras providências.

Assim como a legislação Acre, ela veio a preencher a lacuna que havia

com a falta de lei federal no ordenamento jurídico interno.

Ela é uma lei com apenas 19 artigos, que inicia estabelecendo que é

obrigação do Poder Público preservar a diversidade, a integridade e a utilização

sustentável dos recursos genéticos localizados no Estado do Amapá e fiscalizar

as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.

8.2.1 Dos Princípios

O artigo 1º da Lei estabeleceu quatro princípios, quais sejam:

i) inalienabilidade dos direitos sobre a diversidade e sobre os recursos

genéticos existentes no território do Estado do Amapá;

ii) participação das comunidades locais e dos povos indígenas nas

decisões que tenham por objetivo o acesso aos recursos genéticos

nas áreas que ocupam;

iii) participação das comunidades locais e dos povos indígenas nos

benefícios econômicos e sociais decorrentes dos trabalhos de

acesso a recursos genéticos localizados no Estado do Amapá;

iv) proteção e incentivo à diversidade cultural, valorizando-se os

conhecimentos, inovações e práticas das comunidades locais sobre

a conservação, uso, manejo e aproveitamento da diversidade

biológica e genética.

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Esta lei se aplica a todas as pessoas físicas e jurídicas que extraiam,

usem, aproveitem, armazenem, comercializem, liberem ou introduzam recursos

genéticos no Estado do Amapá.

O artigo 3º determina que a lei é aplicável aos recursos biológicos e

genéticos continentais, costeiros, marítimos e insulares presentes no Estado do

Amapá.

8.2.2 Do Poder Público

Conforme o artigo 5º da Lei Estadual do Amapá, compete ao Poder

Público, com vistas a assegurar o cumprimento da norma em questão:

i) criar comissão por representantes do Governo Estadual, dos

municípios, da comunidade científica e de organizações não-

governamentais, com o objetivo de coordenar, avaliar e assegurar o

desenvolvimento das atividades de preservação da diversidade e da

integridade do patrimônio genético do Estado do Amapá, valendo-se

da colaboração de empresas privadas;

ii) elaborar diretrizes técnicas e científicas para o estabelecimento de

prioridades para a conservação de ecossistemas, espécies e genes,

baseadas em fatores como a riqueza e o interrelacionamento de

espécies e seu valor ecológico e, ainda, nas possibilidades de

gestão sustentável;

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iii) desenvolver planos, estratégias e políticas para conservar a

diversidade biológica e assegurar que o uso de seus elementos seja

sustentável;

iv) estimular a criação e o fortalecimento de unidades de conservação,

a fim de conservar espécies habitats, ecossistemas representativos

e a variabilidade genética dentro das espécies; e

v) capacitar pessoal para proteger, estudar e usar a biodiversidade.

8.2.3 Acesso aos Recursos Genéticos

A Lei Estadual do Amapá, assim como a Lei Estadual do Acre, também

prevê que os trabalhos de levantamento e de coleta de recursos da diversidade

biológica realizados no território do Amapá deverão ser previamente autorizados

pela autoridade competente, após a apresentação de requerimento pela pessoa

física ou jurídica solicitante.

Todos os trabalhos somente poderão ser desenvolvidos se,

obrigatoriamente, contarem com acompanhamento de instituição técnico-científica

brasileira de reconhecido conceito na área objeto de pesquisa e que tenha sido

especialmente designada para tal tarefa pela autoridade competente. A lei

determina ainda que a responsabilidade será solidária entre a instituição científica

encarregada do acompanhamento das pesquisas e a pessoa física ou jurídica

autorizada ao desenvolvimento dos trabalhos.

A autorização emitida pela autoridade competente deverá conter, além das

informações prestadas pelo solicitante, todas as outras obrigações a serem

cumpridas, por exemplo: garantia de participação estadual e nacional nos

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benefícios econômicos, sociais e ambientais dos produtos e processos obtidos

pelo uso dos recursos genéticos encontrados no território do estado do Amapá;

garantia às comunidades tradicionais indígenas, entre outras, da remuneração por

acesso aos direitos intelectuais coletivos, que se darão na forma especificada no

contrato de acesso, sem que isso represente qualquer tipo de transferência sobre

o controle do conhecimento.

8.2.4 Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia

O artigo 15 da norma determina que cabe ao Poder Público promover e

apoiar o desenvolvimento de tecnologias nacionais sustentáveis para o uso e

melhoramento de espécies, estirpes e variedades autóctones, dando prioridade

aos usos e práticas tradicionais dentro dos territórios das comunidades locais, de

acordo com suas aspirações próprias. Esta ação deve ser encetada após a

catalogação e avaliação das “biotecnologias tradicionais locais”. A lei admite o

uso de “biotecnologias estrangeiras”, desde que elas se submetam à legislação

nacional local.

8.2.5 Das Sanções Administrativas

O artigo 17 da Lei, determina que o Poder Executivo estabeleça em

regulamento o sistema de sanções que deverão ser aplicados aos infratores, que

poderão ser:

i) admoestração por escrito;

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ii) apreensão preventiva do recurso coletado, assim como de materiais

e equipamentos utilizados na ação irregular;

iii) multa diária cumulativa;

iv) suspensão da permissão ou licença para acesso ao recurso;

v) revogação da permissão ou licença para acesso ao recurso.

vi) Apreensão definitiva do recurso coletado, dos materiais e

equipamentos utilizados na ação irregular.

Concluímos, por fim que a legislação do Estado do Amapá, a exemplo da

legislação do Acre, contém em seu bojo matérias nas quais a União Federal é

competente privativamente, tornando discutíveis a validade destas normas frente

à Constituição Federal.

Outro ponto relevante a ser observado é que, como a presente norma foi

elaborada em data anterior à norma federal, vários pontos de seu bojo tornaram-

se inaplicáveis face à incompatibilidade com a norma federal.

A referida legislação estadual não regulou de forma inequívoca a questão

da autorização pelas comunidades indígenas e tradicionais, para efeitos da

repartição justa e eqüitativa dos benefícios advindos da utilização dos

conhecimentos tradicionais, pois como verificamos anteriormente, há uma

dificuldade tanto por parte dos pesquisadores em contactar as comunidades

indígenas, como por parte da comunidade indígena em compreender os direitos e

deveres que a legislação estabelece.

A lei ainda traz em seu conteúdo normas relativas à Biossegurança, que

como todos sabemos, não há legislação federal em consenso vigorando

atualmente, sendo que futuramente, é muito provável que este ponto também

conflite com a norma federal.

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9 BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL E

O CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO À DIVERSIDADE

BIOLÓGICA

A proteção dos direitos de propriedade intelectual teve dois momentos

históricos distintos: o modelo tradicional histórico, que teve início no fim do século

XIX com as Convenções das Uniões de Paris e de Berna (1883/1886), e o modelo

atual, iniciado com a OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual –

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organismo das Nações Unidas (1967) e revigorado com a OMC – TRIPS -

Organização Mundial do Comércio – Acordo sobre aspectos de direitos de

Propriedade Intelectual relacionados ao comércio (1994).

Durante mais de cinqüenta anos, o sistema internacional de proteção dos

direitos de propriedade intelectual das Uniões de Paris e de Berna permaneceu

quase inalterado, com apenas revisões e emendas a fim de adaptá-las às novas

necessidades.

Somente após a Segunda Guerra Mundial a matéria passou por importantes

transformações. O sistema introduzido pelas Nações Unidas alterou o regime

internacional de proteção dos direitos de propriedade intelectual, frente à

ineficiência dos princípios e regras ultrapassadas das Uniões de Berna e de Paris.

Com o aparecimento das organizações internacionais no século XX e seu

desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial, não era mais possível manter

Uniões com as suas estruturas e características originárias. A sociedade

internacional se encontrava frente a uma tarefa difícil: como as Uniões,

oficialmente reunidas desde 1892, poderiam ser reestruturadas a fim de

responder às transformações ocorridas após a Segunda Guerra Mundial.

A resposta veio através da Convenção de Estocolmo, que criou a OMPI –

Organização Mundial da Propriedade Intelectual.

A OMPI, além de assumir a administração das Uniões de Paris e de Berna,

unificou os direitos de propriedade intelectual, abolindo a tradicional divisão entre

direitos dos autores e dos inventores e passou a administrar os tratados pré-

existentes sobre a matéria.

Nos anos 70, impulsionados pelos países industrializados, teve início o

movimento de revisão dos tratados internacionais de propriedade intelectual que

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estavam sob administração da OMPI, com vistas a dotá-los de dois mecanismos

importantes: verificação do adimplemento dos deveres internacionalmente

assumidos pelos Estados e prevenção e solução de disputas.

Duas posições divergentes então surgiram: os países desenvolvidos queriam

proteger suas indústrias da pirataria e da contrafação, e os em desenvolvimento

buscavam provisões que estimulassem o seu progresso tecnológico.

Tais divergências ensejaram o fracasso das várias tentativas de revisão das

Convenções de Paris e de Berna.

O tema da proteção dos direitos de propriedade intelectual foi incluído na

Rodada do Uruguai do GATT – Acordo Geral sobre Tarifas Alfandegárias e

Comércio, iniciada em 1986. Os Estados-Partes visavam fortalecer o modelo atual

de proteção iniciado pela OMPI e, através do GATT, as relações entre

propriedade intelectual e comércio internacional não eram precisas e nem

percebia a importância de sistema mais eficaz de proteção que poderia trazer

maior desenvolvimento tecnológico, mais investimentos diretos e comércio.

O TRIPS, parte integrante do Acordo Constitutivo da OMC, conjuga acordos

internacionais e acrescenta mecanismos que faltavam ao regime internacional de

proteção dos direitos de propriedade intelectual.

9.1 TRIPs – Acordo sobre aspectos de direitos de Propriedade

Intelectual relacionados ao comércio

O TRIPS é resultado das insatisfações dos movimentos, iniciados nos anos

70, de revisão dos tratados administrados pela OMPI, e da realidade dos anos 80,

quando a tecnologia de informática ligada às telecomunicações facilitou o acesso

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às criações intelectuais, tarefa até então desempenhada pelas artes, filosofia e

ciência.

O Acordo final foi elaborado na última rodada das negociações do GATT e

representa uma tentativa de regular e proteger diferentes bens imateriais no

mundo como os direitos de autor e conexos, marcas, indicações geográficas,

desenhos industriais, patentes, topografias de circuitos integrados, proteção do

segredo de negócio e controle da concorrência desleal.

Ele também estabelece princípios básicos, quanto à existência,

abrangência e exercício dos direitos de propriedade intelectual.

O Acordo possui dois mecanismos básicos contra as infrações à

propriedade intelectual: a elevação do nível de proteção em todos os Estados

membros e a garantia da observação dos direitos de propriedade intelectual.

O Brasil promulgou as disposições do TRIPS no ordenamento jurídico

interno por meio do Decreto 1.355, de 30 de dezembro de 1994.34

9.1.1 O artigo 27 do TRIPS

34 Decreto nº 1.355, de 30.12.94Promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de NegociaçõesComerciais Multilaterais do GATT.O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições, e Considerando que o CongressoNacional aprovou, pelo Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994, a Ata Final queIncorpora aos Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT,assinada em Maraqueche, em 12 de abril de 1994;Considerando que o Instrumento de Ratificação da referida Ata Final pela República Federativa doBrasil foi depositado em Genebra, junto ao Diretor do GATT, em 21 de dezembro de 1994;Considerando que a referida Ata Final entra em vigor para a República Federativa do Brasil em 1ºde janeiro de 1995,DECRETA:Artigo 1º A Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações ComerciaisMultilaterais do GATT, apensa por cópia ao presente decreto, será executada e cumprida tãointeiramente como nele contém.Artigo 2º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições emcontrário.Brasília, 30 de dezembro de 1994; 173º da Independência e 106º da República.ITAMAR FRANCO CelsoLuiz Nunes AmorimPublicado no D.O.U. de 31.12.94, Seção I, pág. 21.394.

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A grande discussão que se instaura em relação ao patenteamento de

recursos biológicos, funda-se da interpretação, bem como do modo de

regulamentação da matéria pelos países signatários do TRIPS em seus

respectivos ordenamentos jurídicos, sobre o artigo 27 deste Acordo.

Isto por que, o artigo 27 assim dispõe:

“ARTIGO 27 - Matéria Patenteável

1 - Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2º e 3º abaixo, qualquer

invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será

patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de

aplicação industrial.35 [...]

3 - Os Membros também podem considerar como não patenteáveis:

[...] b) plantas e animais, exceto microorganismos e processos

essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se

os processos não biológicos e microbiológicos. Não obstante, os Membros

concederão proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por

meio de um sistema "sui generis" eficaz, seja por uma combinação de ambos.

[...]”.

Na maioria dos casos de patentes de recursos naturais, fundamenta-se por

parte do inventor que houve uma melhoria da planta, como o alegado pelo

empresário norte-americano Loren Miller, da International Plant Medicine

Corporation sobre a Ayahuasca.

Por lógico, este artigo depende da regulamentação do assunto em cada país.

O fato destes países serem signatários da Convenção da Diversidade Biológica

35 (5) Para os fins deste Artigo, os termos "passo inventivo" "passível de aplicação industrial"podem ser considerados por um Membro como sinônimos aos termos "não óbvio" e "utilizável".

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ou não é fundamental para o rastreamento da origem deste recurso natural

quando do patenteamento.

Assim, no caso da Ayahuasca, os Estados Unidos da América, por não

serem signatários da Convenção da Diversidade Biológica, não requer

informações acerca da origem do recurso biológico.

9.2 A Propriedade Intelectual no Brasil

Após a ratificação do TRIPS, foram introduzidas no ordenamento jurídico

interno, leis federais que objetivam a regulamentação da propriedade intelectual

no Brasil e tratam respectivamente:

i) Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que trata da Propriedade

Industrial, regulando os interesses dos inventores, designers e

empresários em relação às invenções, modelo de utilidade, desenho

industrial e marcas;

ii) Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, que regula a Propriedade

Intelectual de Programas de Computador (Lei de Software);

iii) Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os Direitos

Autorais.

Há ainda a Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997, que se enquadra na matéria

de Propriedade Intelectual, porém regula a questão dos Cultivares. O Brasil,

diferentemente de outros países, preferiu adotar uma legislação específica para

proteção de variedades vegetais, sendo que, para estes casos, o Ministério da

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Agricultura e Abastecimento é o encarregado de efetuar registros por meio do

Serviço Nacional de Proteção aos Cultivares (SNPC).

9.2.1 A Propriedade Industrial no Brasil

Conforme verificamos acima, a Lei vigente no ordenamento jurídico brasileiro

sobre a Propriedade Industrial é a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que

regula os direitos e obrigações relativas à Propriedade Industrial.

Esta Lei substituiu o Código da Propriedade Industrial de 1971, e encontra

base na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXIX, que estabelece o

direito à propriedade industrial, mediante privilégio temporário concedido pelo

Estado.

A lei de Propriedade Industrial, como o nome indica, trata exclusivamente das

invenções e criações de caráter industrial. Neste sentido, o conceito de indústria

se entende em seu sentido mais amplo, englobando toda e qualquer atividade

humana de produção de bens e serviços, que resultem em invenções, modelo de

utilidade, desenho industrial ou marcas.

Não há nesta legislação definição do que vem a ser invenção. O legislador

preferiu utilizar-se do recurso da exclusão, apresentando uma lista de

manifestações do intelecto humano que não se consideram abrangidas no

conceito, estas dispostas no artigo 10 º da lei, que assim elencam:

i) as descobertas e teorias científicas;

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ii) métodos matemáticos;

iii) concepções puramente abstratas;

iv) esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis,

financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;

v) obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer

criação estética e programas de computador;

vi) apresentação de informações, regras de jogo, técnicas e métodos

operatórios ou cirúrgicos, terapêuticos ou de diagnóstico, e seres vivos

naturais.

O modelo de utilidade por sua vez, é uma espécie de aperfeiçoamento da

invenção, sendo que a lei o define como sendo objeto de uso prático, ou parte

deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição,

envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em

sua fabricação (Artigo 9º).

Já o desenho industrial é a alteração da forma dos objetos, definido em lei

como sendo “a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental

de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado

visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de

fabricação industrial” (artigo 95).

A marca é definida como o sinal distintivo, suscetível de percepção visual,

que identifica, direta ou indiretamente, produtos e serviços (artigo 122).

9.2.2 Requisitos essenciais à patentialidade das invenções e do modelo

de utilidade

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O artigo 8º da Lei de Propriedade Industrial determina que é patenteável a

invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação

industrial.

Já o artigo 9º da mesma lei, reza que é patenteável o modelo de utilidade o

objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que

apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em

melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.

São considerados novos, tanto a invenção quanto o modelo de utilidade

quando não compreendidos no estado da técnica (artigo 11). A novidade é o

requisito primordial na concessão da patente, e em geral, entende-se que há

novidade sempre que a invenção ou modelo de utilidade não é antecipado por um

único documento do estado da técnica36.

O conceito de atividade inventiva decorre que a invenção ou o modelo de

utilidade não podem ser decorrências óbvias dos conhecimentos técnicos

existentes à época da criação, e ainda considerando que, em sendo considerada

independente, será considerada invenção. Em sendo acessória a uma invenção,

será considerado um modelo de utilidade.

Já o requisito de aplicabilidade industrial, conforme o próprio nome já o

descreve, que a invenção ou o modelo de utilidade tenham aplicabilidade

industrial.

9.2.3 Da patentialidade da Diversidade Biológica

36 Artigo 11, § 1º da Lei de Propriedade Industrial: O estado da técnica é constituído por tudoaquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descriçãoescrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nosartigos 12, 16 e 17.

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Conforme já verificamos, o artigo 10º da Lei de Propriedade Industrial elenca

o que não se considera nem invenção nem modelo de utilidade, e prevê a

seguinte redação em seu inciso IX: “o todo ou parte de seres vivos naturais e

materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados,

inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos

biológicos naturais”.

A palavra naturais tanto para qualificar os seres vivos quanto para qualificar

processos biológicos, significa “que se refere ou pertence à natureza, produzido

pela natureza ou de acordo com suas leis, sem o trabalho ou a intervenção do

homem”.37

O mesmo se aplica, quando o texto alude o material biológico encontrado

na natureza”, portanto não tocado pela criatividade do homem.

O genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural, que em outras

palavras representa a estrutura básica dos seres vivos e não resultam de ato

criativo do homem, não é considerado uma invenção.

Apesar da exclusão explícita daquilo que é isolado da natureza, o processo

usado para isolamento, caso preencha os requisitos de patentealidade (novidade,

atividade inventiva e aplicação industrial), poderá ser patenteado, uma vez que o

artigo 18, que trata das invenções não patenteáveis, não os exclui da proteção

patentária. O mesmo se aplica aos processos biotecnológicos para obtenção dos

seres vivos. A lei reconhece que seres vivos não encontrados na natureza podem

constituir invenções, por definição, proibindo sua patentealidade no artigo 18.

Ainda no que se refere a material isolado da natureza, a Diretiva 98/44/CE

do Parlamento Europeu e do Conselho da União Européia, em seu artigo 3º, item

2 diz: “Uma matéria biológica isolada de seu ambiente natural ou produzida com

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base em um processo técnico pode ser objeto de uma invenção, mesmo que

preexista no estado natural”.38

Os processos não naturais que se utilizam de seres vivos naturais ou

material biológico ou o seu uso não estão incluídos neste inciso, portanto, podem

ser patenteados, desde que satisfaçam os requisitos de patentealidade.

A Lei de propriedade industrial ainda determina expressamente em seu artigo

18, que não são patenteáveis, inciso III: “o todo ou parte dos seres vivos, exceto

os microorganismos transgênicos que atendam os três requisitos de

patentealidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – previstos

no artigo 8º e que não sejam mera descoberta”.

Neste sentido, a lei reproduziu o artigo 27 do Acordo TRIPS, inciso 3(b),

conforme já verificamos, apesar de admitir a exclusão da patentealidade de

plantas e animais, estabelece a obrigação de se protegerem as variedades de

plantas através de patentes ou de um sistema sui generis eficaz, ou de uma

combinação destes sistemas, onde o Brasil optou pela segunda opção, criando a

Lei de Cultivares.

O supra citado artigo 27, inciso 3º, alínea “b”, do Acordo TRIPS, admite a

exclusão da patentealidade de plantas e animais; no entanto, não inclui, nessa

exclusão, nem partes de plantas, nem partes de animais.

Entretanto, devemos considerar que a Lei de Propriedade Industrial não

exclui a patentealidade dos processos não naturais para sua obtenção ou

modificação. Portanto, se um tal processo satisfizer os três requisitos de

patentealidade, conforme anteriormente dissemos, o processo será patenteável.

37 Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa, p. 651.38 Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira. Propriedade Intelectual no Brasil. p. 48 e49.

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Ademais, o artigo 42 da lei assegura, ao titular de patente de processo, o

direito de impedir terceiros não autorizados de produzir, usar, vender, etc., o

produto obtido diretamente por processo de patenteamento, sob pena de cometer

crime contra a propriedade industrial.

O supra citado artigo 27, inciso 3º, alínea “b”, do Acordo TRIPS, admite a

exclusão da patentealidade de plantas e animais, mas ressalva a patentealidade

de microorganismos. Neste aspecto, o artigo 18 da Lei de Propriedade Industrial

faz uma proibição adicional, diversa do TRIPS, ao excluir a patentealidade de

microorganismos não transgênicos.

9.2.4 Do Conhecimento Tradicional Associado ao processo de obtenção

ou modificação de Recursos da Diversidade Biológica

A questão do envolvimento de comunidades tradicionais, bem como de seus

conhecimentos tradicionais associados à determinada diversidade biológica, em

processos de invenção de novos químicos ou medicamentos, por exemplo, ainda

não está regulamentada na nossa legislação de Propriedade Industrial.

Tal fato é explicado pois esta legislação é de 1996, e a Medida Provisória

que regulamentou o princípio da divisão justa e eqüitativa dos benefícios, o

princípio da soberania, bem como o princípio do consentimento prévio previstos

na Convenção da Diversidade Biológica, é do ano de 2001.

Além do mais, conforme anteriormente explicitado, a matéria envolve uma

gama de disciplinas, como Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Comércio

Exterior e Justiça, por exemplo, o que dificulta a definição de um sistema único

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para regular o Conhecimento Tradicional Associado a recursos biológicos e o

sistema de patentes brasileiro.

Entretanto, com a atual Administração pelo Conselho de Patrimônio Genético

na Concessão de autorizações para pesquisas, com fins econômicos, bem como

no que se refere ao contrato com as respectivas comunidades indígenas da

divisão eqüitativa dos benefícios advindos da exploração destes conhecimentos

relacionados à diversidade biológica, tendem a ser um grande passo neste tema.

Outro ponto a ser observado é com relação às tentativas do Instituto Nacional

de Propriedade Industrial de tentar cooperar com o tema. É notório que o próprio

órgão, a exemplo do próprio Judiciário, encontra-se em situação de acúmulo de

processos de marcas e patentes. A administração de um banco de dados da

diversidade biológica e do conhecimento tradicional associado hoje é uma idéia

praticamente impraticável.

10 DA CRIAÇÃO DE UM SISTEMA “SUI GENERIS” PARA

REGULAMENTAÇÀO DO CONHECIMENTO TRADICIONAL

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Muitas organizações que atuam na área ambiental e em defesa do direito das

populações tradicionais, o próprio Conselho de Gestão do Patrimônio Genético,

entre outros, entendem que a forma mais adequada de proteção não é através de

mera adaptação no regime de leis de propriedade intelectual e, sim, através da

criação do chamado sistema “sui generis”.

O Anexo III deste trabalho traz a entrevista do secretário executivo do

Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. Nesta oportunidade, ele relatou

quais são as alterações que estarão previstas na nova legislação que substituirá a

MP 2.186-16.

Recentes reportagens sobre a elaboração do projeto de lei que regulará a

matéria, que tem como autores um grupo de trabalho ligado ao Conselho de

Gestão do Patrimônio Genético, tem como principal missão à elaboração de uma

nova regulamentação do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento

tradicional associado.

Em linhas gerais, o grupo tem trabalhado com a idéia de que os

conhecimentos tradicionais são de natureza coletiva e, portanto, os direitos de

propriedade intelectual, pela sua própria essência, outorgam a proteção a

criações individuais, ou se não são individuais e são produzidas por um grupo,

são individualizáveis, onde é possível identificar o autor, o que não acontece no

caso dos conhecimentos tradicionais, que são produzidos de forma coletiva e são

transmitidos de geração a geração, sendo desenvolvidos constantemente, sendo

também impossível de determinar portanto, a sua origem no tempo, outro

requisito essencial à matéria da propriedade intelectual atual.

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Eles estão trabalhando na regulamentação legal do conhecimento tradicional

associado à diversidade com o conceito de conhecimentos, inovações relativas a

propriedades, usos e características da diversidade biológica, detidos e

produzidos por povos indígenas, quilombolas ou comunidades locais dentro de

contextos culturais que possam ser assim identificados.39

39 Juliana Santilli é Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal com atuação naárea de meio ambiente, patrimônio cultural e defesa do consumidor. É sócia-fundadora do InstitutoSocioambiental e membro da comissão de elaboração da nova legislação que regulamentará oacesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado.

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11 CONCLUSÃO

Desde o final da década de 90, as indústrias farmacêuticas, de cosmético,

química e alimentícias estão cada vez mais pressionadas a lançar produtos novos

no mercado, que ofereçam qualidade e benefício diferenciado aos consumidores,

a fim de serem mais competitivas.

Verificou-se assim que a solução para este problema estava nas florestas,

cerrados, plantas e animais dos países considerados ricos em megadiversidade

mundial, onde o Brasil encontra-se como líder, sendo o país mais rico do mundo

em matéria de novos genes e produtos e serem explorados pelas indústrias.

A exploração desta diversidade biológica em matéria de pesquisas e

desenvolvimento de produtos poderia durar anos e anos, e, por este motivo, as

indústrias e pesquisadores viram no conhecimento das comunidades tradicionais

associado a estas diversidades a dica necessária de como se utilizar destas

diversidades biológicas de forma econômica e rápida.

Entretanto, desta exploração, não havia uma retribuição a estas

comunidades, nem mesmo regulamentação legal do tema.

O texto constitucional reconhece um arcabouço de direitos às populações

indígenas, ao meio ambiente e à proteção ao conhecimento que devem ser

contempladas nas legislações infraconstitucionais.

A preocupação mundial quanto à utilização sustentável do Meio Ambiente,

também levou aos países elaborarem a Agenda 21, e com relação à Diversidade

Biológica, a Convenção da Diversidade Biológica.

Os princípios da Soberania, da Divisão Justa e Eqüitativa e do

Consentimento Prévio, reconhecidos neste diploma legal, devem ser respeitados

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e praticados mundialmente pelos países que ratificaram o diploma em seu

ordenamento jurídico interno. O Brasil possui uma legislação própria sobre o

assunto, onde institui o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético como o

órgão responsável para conceder autorizações às pesquisas, tenham eles fins

lucrativos ou não.

Em que pese às reclamações dos pesquisadores sobre a documentação

requerida, bem como sobre a burocracia na concessão de autorizações, tal

medida é necessária, pois como pudemos verificar em experiências como a da

Natura, a divisão justa e eqüitativa dos benefícios advindos da exploração deste

conhecimento é difícil de ser mensurada.

Outro fator importante a ser observado, é que todo o processo para a

concessão da autorização, onde constam o objetivo da pesquisa e do produto a

ser desenvolvido, deve ser requerido também pelo Instituto Nacional de

Propriedade Industrial quando do requerimento de patentes advindos da

diversidade biológica brasileira.

Apesar do esforço do legislador na regulamentação do tema, verificamos

que a legislação atual é insuficiente para tutelar este direito. As legislações

estaduais do Amapá e Acre, conforme verificamos, não são aplicáveis pois além

de não em consonância com a legislação federal, possui em seu bojo vários

pontos inconstitucionais.

A criação de um banco de dados da diversidade biológica brasileira e de

um banco do conhecimento tradicional brasileiro, defendido por muitos

especialistas, apesar de uma alternativa viável, prevista na Convenção da

Diversidade Biológica, onde se traria uma segurança jurídica contra a Biopirataria

internacional e nacional, principalmente no que se refere aos países que não

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ratificaram a Convenção da Diversidade Biológica, em face de interesses

econômicos próprios, demanda muito tempo para operacionalizar-se, o que

poderia causar um prejuízo maior a estas comunidades.

Assim, entendemos que os princípios de proteção à Diversidade Biológica,

ao uso sustentável desta, bem como do reconhecimento da proteção ao

conhecimento tradicional, previstos na Convenção da Diversidade Biológica, no

que tange à alteração da legislação da propriedade intelectual, deva ser discutida

no âmbito do GATT e da OMC, pois o regime de proteção ao conhecimento

tradicional, diferencia-se do amparo legal previsto nesta legislação e deve ser

reconhecido mundialmente, inclusive no que tange ao reconhecimento de

sanções legais, como ressarcimento por perdas e danos e até prisão em casos de

biopirataria.

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ANEXO II

Denúncias de Biopirataria da Organização Amazonlink40

O CUPUAÇU

O Cupuaçu (Theobroma Grandiflorum) é uma árvore de porte pequeno a

médio que pertence à mesma família do Cacau e pode alcançar até 20 metros em

altura. Essa fruta tornou-se conhecida por sua polpa cremosa de sabor exótico. A

polpa é usada no Brasil inteiro e no Peru para fazer sucos, cremes de sorvete,

geléia e tortas.

Povos indígenas assim como comunidades locais ao longo do Amazonas

cultivaram Cupuaçu como uma fonte primária de alimento desde gerações. Nos

tempos antigos, sementes de Cupuaçu foram negociadas ao longo do Rio Negro

e Orinoco onde o suco de Cupuaçu, depois de ser abençoado por um pajé foi

utilizado para facilitar nascimentos difíceis. O povo Tikuna utiliza as sementes do

Cupuaçu para dores abdominais.

Existem várias patentes sobre a extração do óleo da semente do cupuaçu

e a produção do chocolate do cupuaçu, o quadro abaixo ilustra o número de

patentes depositadas sobre a fruta.

A ASAHI Foods Co., Ltda., empresa japonesa, depositou no escritório de

Registros de Propriedade Industrial no Japão, na União Européia e na OMPI –

40 A Amazonlink sempre ao final das suas reportagens faz menção a seguinte frase: “ Nãosabemos se, ou até que grau o termo biopirataria se aplica para cada um dos detentores depatentes e marcas aqui mencionados. Porém, consideramos questionável a pratica depatenteamento e registro de marcas de plantas tradicionalmente usadas pelas comunidades daAmazônia e convidamos os detentores destes direitos a se justificarem. A Amazonlink.org por suavez, não se responsabiliza por quaisquer erros ou omissões nas informações fornecidas nessesite.”

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Organização Mundial do Comério várias patentes da produção de gordura do

Cupuaçu.

Recentemente, no dia 23 de fevereiro de 2004, o Jornal SP TV da Rede

Globo, vinculou reportagem que sobre a denegação da patente do Cupuaçu pela

Asahi Foods no Escritório Japonês de Propriedade Industrial.

De acordo com esta reportagem, a EMBRAPA havia recorrido quando do

pedido de registro pela Asahi Foods, alegando que este processo de produção e

uso do óleo de Cupuaçu já era conhecido por esta dois anos antes da Asahi

Foods, alegando portanto a Prioridade Unionista.

Trata-se de uma vitória contra a Biopirataria, em que pese as comunidades

indígenas utilizadoras anteriores do Cupuaçu não recebam o reconhecimento por

esta utilização.

A Asahi Foods depositou também em seu nome o "Cupuaçu" como marca

registrada para várias classes de produtos (incluindo chocolate) no Japão, na

União Européia e nos Estados Unidos.

PATENTES SOBRE O CUPUAÇU

Registradopor

Registradoonde

Data depublicação Titulo Número

The BodyShopInternationalPic*

Reino Unido 05/08/1998

COSMETIC COMPOSITION COMPRISINGCUPUACU EXTRACT(Composição cosmética incluindo extratode Cupuaçu)

GB2321644A

Asahi FoodsCo., Ltd* Japão 30/10/2001

LIPIDS ORIGINATING FROM CUPUAÇU,METHOD OF PRODUCING THE SAMEAND USE THEREOF(Gordura do Cupuaçu - método paraproduzir e uso)

JP2001299278

Asahi FoodsCo., Ltd* Japão 18/12/2001 OIL AND FAT DERIVED FROM CUPUACU

– THEOBROMA GRANDIFLORUM SEED,JP2001348593

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METHOD FOR PRODUCING THE SAMEAND ITS USE(Óleo e gordura derivados da semente docupuaçu – theobroma grandiflorum,método para produzi-lo e )

Asahi FoodsCo., Ltd*

UniãoEuropeia 03/07/2002

FAT ORIGINATING IN CUPUASSU SEED,PROCESS FOR PRODUCING THE SAMEAND USE THEREOF(Produção e uso da gordura da semente doCupuaçu)

EP1219698A1

Asahi FoodsCo., Ltd*

OMPI -mundial 03/07/2002

FAT ORIGINATING IN CUPUASSU SEED,PROCESS FOR PRODUCING THE SAMEAND USE THEREOF(Produção e uso da gordura da semente doCupuaçu)

WO0125377

CupuacuInternationalInc*

OMPI -mundial 17/10/2002

CUPUA SEED-ORIGIN FAT, PROCESSFOR PRODUCING THE SAME AND USETHEREOF(Produção e uso da gordura da semente doCupuaçu)

WO02081606

O AÇAÍ:

O Açaí (Euterpe precatoria) é uma palmeira que ocorre em várias regiões

da Amazônia. A procura pela polpa dos frutos para fabricação de sucos, sorvetes,

licores, entre outros, é ainda alavancada devido ao seu delicioso sabor e altíssimo

potencial energético cientificamente comprovado.

O caroço pode ser usado para produzir artesanato e adubo orgânico de

excelente qualidade. O cacho serve para fazer vassoura e adubo orgânico, e

quando queimado produz uma fumaça que é utilizada como repelente de insetos

como o carapanã e maruim. O palmito é bastante empregado no preparo de

saladas, recheios e cremes e serve também como alimento para os animais. As

raízes combatem a hemorragia e verminoses.

A potencialidade da utilização da fruta para os mercados no alimentício é

grande, e já existem várias marcas para a comercialização do produto.

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Geralmente, estas marcas são conjuntos de palavras que, entre outras, contêm o

nome da planta, como por exemplo "Amazon Açaí" ou "Açaí Power".

Porém, desde março de 2001, o próprio nome da planta "Açaí" se tornou

marca registrada na União Européia. Nos Estados Unidos, a marca "Acaí" (neste

sistema, a letra "ç" não é válida) foi registrada em março 2001.

A ANDIROBA

A Andiroba (Carapa guianensis Aubl.) é uma árvore que cresce a uma

altura de até 25 metros. As sementes de Andiroba fornecem um óleo amarelo

com propriedades insetífugas e medicinais.

O óleo de Andiroba é usado pelos indígenas misturado com corante de

urucum (Bixa orellana L.) para repelir insetos, e como medicamento contra

parasita do pé.

A casca é utilizada para o preparo de um chá contra febre, o qual também

serve como vermífugo. Transformada em pó, trata feridas e é cicatrizante para

afecções da pele. Os caboclos fazem um sabão medicinal com o óleo bruto, cinza

e resíduos da casca de cacau. O óleo é muito usado na medicina doméstica para

fricção sobre tecidos inflamados, tumores e distensão muscular. Além disso,

sabe-se aindaque o óleo da andiroba é utilizado como protetor solar e a casca e a

folha servem contra reumatismo, tosse, gripe, pneumonia, depressão.

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A andiroba forma parte do elenco de plantas medicinais sendo estudados

pela "Central de Medicamentos" (CEME) do Brasil. Ela pode ser utilizada no

combate as infecções do trato respiratório superior, dermatites, lesões dermáticas

secundárias, úlceras, escoriações, e tem propriedades cicatrizantes e

antipiréticas. O óleo de Andiroba é utilizado em vários produtos para tratamento

de cabelo, deixando o cabelo sedoso e brilhoso.

Na indústria farmacêutica homeopática, onde está sendo comercializado na

forma de cápsulas, é utilizado para diabetes e reumatismo, e o bálsamo para uso

tópico de luxações e na fabricação de sabonetes medicinais.

PATENTES SOBRE A ANDIROBA

Registrado por Registradoonde

Data depublicação Titulo Número

ROCHER YVESBIOLOGVEGETALE*

França, Japão,União Européia,Estados Undios

28/09/1999Composição cosmética oufarmacêutica contendo extrato deAndiroba

US5958421CA2235057JP10287546EP0872244

MORITAMASARU * Japão 21/12/1999

Agente repellente para formigas einsetos com utilização do óleo dafruta de Andiroba

JP11349424

A COPAÍBA

Da Copaíba (Copaifera sp), é possível a extração do óleo de copaíba, um

líquido transparente e terapêutico. O uso mais comum é o medicinal, sendo

empregado como anti-inflamatório e anticancerígeno. Em função de suas

propriedades químicas e medicinais, o óleo de copaíba é bastante procurado nos

mercados regional, nacional e internacional.

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Em algumas regiões, o chá da casca da Copaíba é bastante utilizado como

anti-inflamatório. Em Belém, a garrafada da casca é utilizada como substituto do

óleo de copaíba. Isto porque é cada vez mais difícil encontrar o óleo. Nos Andes

do Peru, o óleo de copaíba é utilizado para estrangúria, sífilis e catarros.

A Medicina tradicional no Brasil, recomenda óleo de copaíba hoje como um

agente antiinflamatório, para tratamento de caspa, todas tipos de desordens de

pele, além da utilização da planta para úlceras de estômago. A Copaíba também

tem propriedades diuréticas, expectorantes, desinfetantes, e estimulantes, e vem

sendo utilizado nos tratamentos de bronquite, dor de garganta, anticoncepcional,

vermífugo, dermatose e psoríase, e ainda, como combustível para clarear a

escuridão da noite, substituindo a função do tradicional óleo diesel nas

lamparinas.

Na indústria, esse óleo pode ser usado para fabricação de vernizes, perfumes,

farmacêuticos e até para revelar fotografias.

PATENTES SOBRE A COPAÍBA

Registradopor

Registradoonde

Data depublicação Titulo Número

TECHNICO-FLOR (S.A.)* França 24/12/1993

NOUVELLES COMPOSITIONSCOSMETÍQUES OU ALIMENTAIRESRENFERMANT DU COPAIBA(Novas composições cosméticas oualimentares incluindo Copaíba)

FR2692480

TECHNICO-FLOR (S.A.)*

WIPO -mundial 06/01/1994

COSMETIC OR FOOD COMPOSITIONSCONTAINING COPAIBA(Composições cosméticas ou alimentaresincluindo Copaíba)

WO9400105EP0601160

AVEDACORP*

EstadosUnidos 30/03/1999

METHOD OF COLORING HAIR OREYELASHES WITH COMPOSITIONS WHICHCONTAIN METAL CONTAINING PIGMENTSAND A COPAIBA RESIN.(Método de colorir cabelo ou pestanas comcomposições com metal contendo pigmentas eresina de Copaíba. )

US5888251

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