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  99 PESQUISA QUALITATIVA E ESTUDOS URBANOS: UMA ANÁLISE SOBRE AS PRÁTICAS ESPACIAIS DO LAZER 1  MARES, Rizia Mendes [email protected] Mestranda no Programa de Pós-graduação em Geografia-PPGG Universidade Estadual Paulista-Campus de Presidente Prudente Bolsista CNPq RESUMO Com o presente texto prop omo-nos discutir o uso de metodol ogias qual itativas nos estudos urbanos pela relevância desse tema para o desenvolvimento de nossas pesquisas. A exiguidade do debate metodológico recente na Geografia foi enfatizada por Turra Neto (2011) ao discorrer sobre sua experiência no âmbito da pesquisa qualitativa, destacando a necessidade de refletirmos como fazemos o campo, como construímos nosso objeto, desvendamos os sujeitos, produzimos os dados. Para tanto, destacaremos o uso de entrevistas semiestruturadas como ferramenta metodológica por nós utilizada em nossa pesquisa científica a qual nos auxiliou a compreender a subjetividade da prática de sujeitos sociais ao realizarem atividades voltadas para o lazer. Nossa análise se dá na cidade de Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia, onde verificamos haver uma contradição no uso dos espaços concebidos no planejamento da cidade para as práticas de lazer e daqueles onde a apropriação de fato acontece. São questões abordadas, sinteticamente, num bloco, seguidas de conclusões preliminares as quais indicam mudanças na sociabilidade entre esses sujeitos em virtude duma produção desigual de espaços voltados à prática do lazer que compreende modos distintos de acessibilidade aos mesmos e não interação entre diferentes grupos sociais no plano da apropriação. INTRODUÇÃO Escolher um tema de pesquisa traz um agregado de valores e convicções que retiram dessa escolha qualquer neutralidade e está, de algum modo, amparada em uma base teórica de referência, isto é, a realidade empírica que se deseja analisar deve relacionar-se a uma abordagem teórica e a escolha já é um passo na construção do objeto, tanto metodológico quanto de método. (MARRE, 1991). Assim, para o presente, apresentamos reflexões sobre os problemas de acessibilidade enfrentados pelos sujeitos sociais, em aspectos da sua vida cotidiana que estão além da produção compreendida em seu sentido mais restrito, ou seja, implicam em pensar suas formas de apropriação 2  e consumo através das práticas espaciais 3  do lazer 4 . 1  Esse texto integra o debate que vem sendo desenvolvido em nossa pesquisa de mestrado intitulada: “A produção do espaço urbano em Vitória da Conquista/BA: lógicas e práticas espaciais do lazer”, sob orientação do prof. Dr. Arthur Magon Whitacker e financiada pelo CNPq. 2  Pensamos a apropriação em que o uso, precisa acontecer coletivamente como condição de possibilidade à apropriação individual. (LEFEBVRE: 1991, 2000). 3  Segundo Lefebvre (2000) a prática espacial  representa a espacialização das práticas sociais e, ainda, abarca a produção e reprodução, os lugares e espaços especificados a cada formação social 4  Utilizamos como referência teórica, apontamos de Dumazedier para o qual “O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-

Pesquisa Qualitativa e Estudos Urbanos_uma Análise Sobre as Práticas Espaciais Do Lazer_rmmares_ Unesp

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Com o presente texto propomo-nos discutir o uso de metodologias qualitativas nos estudos urbanos pela relevância desse tema para o desenvolvimento de nossas pesquisas. A exiguidade do debate metodológico recente na Geografia foi enfatizada por Turra Neto (2011) ao discorrer sobre sua experiência no âmbito da pesquisa qualitativa, destacando a necessidade de refletirmos como fazemos o campo, como construímos nosso objeto, desvendamos os sujeitos, produzimos os dados. Para tanto, destacaremos o uso de entrevistas semiestruturadas como ferramenta metodológica por nós utilizada em nossa pesquisa científica a qual nos auxiliou a compreender a subjetividade da prática de sujeitos sociais ao realizarem atividades voltadas para o lazer. Nossa análise se dá na cidade de Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia, onde verificamos haver uma contradição no uso dos espaços concebidos no planejamento da cidade para as práticas de lazer e daqueles onde a apropriação de fato acontece. São questões abordadas, sinteticamente, num bloco, seguidas de conclusões preliminares as quais indicam mudanças na sociabilidade entre esses sujeitos em virtude duma produção desigual de espaços voltados à prática do lazer que compreende modos distintos de acessibilidade aos mesmos e não interação entre diferentes grupos sociais no plano da apropriação.

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    PESQUISA QUALITATIVA E ESTUDOS URBANOS: UMA ANLISE SOBRE AS PRTICAS ESPACIAIS DO LAZER1

    MARES, Rizia Mendes [email protected]

    Mestranda no Programa de Ps-graduao em Geografia-PPGG Universidade Estadual Paulista-Campus de Presidente Prudente

    Bolsista CNPq RESUMO Com o presente texto propomo-nos discutir o uso de metodologias qualitativas nos estudos urbanos pela relevncia desse tema para o desenvolvimento de nossas pesquisas. A exiguidade do debate metodolgico recente na Geografia foi enfatizada por Turra Neto (2011) ao discorrer sobre sua experincia no mbito da pesquisa qualitativa, destacando a necessidade de refletirmos como fazemos o campo, como construmos nosso objeto, desvendamos os sujeitos, produzimos os dados. Para tanto, destacaremos o uso de entrevistas semiestruturadas como ferramenta metodolgica por ns utilizada em nossa pesquisa cientfica a qual nos auxiliou a compreender a subjetividade da prtica de sujeitos sociais ao realizarem atividades voltadas para o lazer. Nossa anlise se d na cidade de Vitria da Conquista, sudoeste da Bahia, onde verificamos haver uma contradio no uso dos espaos concebidos no planejamento da cidade para as prticas de lazer e daqueles onde a apropriao de fato acontece. So questes abordadas, sinteticamente, num bloco, seguidas de concluses preliminares as quais indicam mudanas na sociabilidade entre esses sujeitos em virtude duma produo desigual de espaos voltados prtica do lazer que compreende modos distintos de acessibilidade aos mesmos e no interao entre diferentes grupos sociais no plano da apropriao.

    INTRODUO

    Escolher um tema de pesquisa traz um agregado de valores e convices que retiram dessa escolha qualquer neutralidade e est, de algum modo, amparada em uma base terica de referncia, isto , a realidade emprica que se deseja analisar deve relacionar-se a uma abordagem terica e a escolha j um passo na construo do objeto, tanto metodolgico quanto de mtodo. (MARRE, 1991). Assim, para o presente, apresentamos reflexes sobre os problemas de acessibilidade enfrentados pelos sujeitos sociais, em aspectos da sua vida cotidiana que esto alm da produo compreendida em seu sentido mais restrito, ou seja, implicam em pensar suas formas de apropriao2 e consumo atravs das prticas espaciais3 do lazer4.

    1 Esse texto integra o debate que vem sendo desenvolvido em nossa pesquisa de mestrado intitulada: A

    produo do espao urbano em Vitria da Conquista/BA: lgicas e prticas espaciais do lazer, sob orientao do prof. Dr. Arthur Magon Whitacker e financiada pelo CNPq. 2 Pensamos a apropriao em que o uso, precisa acontecer coletivamente como condio de

    possibilidade apropriao individual. (LEFEBVRE: 1991, 2000). 3 Segundo Lefebvre (2000) a prtica espacial representa a espacializao das prticas sociais e, ainda,

    abarca a produo e reproduo, os lugares e espaos especificados a cada formao social 4 Utilizamos como referncia terica, apontamos de Dumazedier para o qual O lazer um conjunto de

    ocupaes s quais o indivduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-

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    Os interesses dos sujeitos no espao da cidade, no ato da reproduo da vida cotidiana, so mltiplos e, por isso, seu deslocamento deve ser pensado de forma a possibilitar o acesso e uso dos mesmos, porm, no o que se v na prtica. Os espaos de interesses esto cada vez mais distantes em virtude das dificuldades de deslocamento e acessibilidade que esto deteriorando o cotidiano desses.

    Nesse sentido, direcionamos tal problemtica para Vitria da Conquista, terceiro municpio em tamanho populacional do Estado da Bahia, atualmente com 340.199 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE/2014), distribudos numa rea de 3.356 km a uma distncia de 509 km da capital, Salvador. O municpio integra o Territrio de Identidade5 homnimo (Figura 01) e apresenta-se como um centro de influncias desempenhando importantes funes na rede urbana. Compreendemos trata-se de uma cidade mdia baiana que tem passado por transformaes no mbito de sua produo.

    Tais transformaes se fazem notrias por aspectos como a maior (des)integrao entre urbano e o rural, superposio de territorialidades urbanas e disperso de processos espaciais, como resultados da nova face da urbanizao contempornea. As cidades mdias baianas passaram a atrair investimentos maiores e novas fontes de capital, sobretudo, financeiro internacional, imobilirio e comercial, resultando em mudanas em sua dinmica econmica. Ainda, as prprias transformaes ocorridas no Brasil, com uma poltica de articulao do territrio, promoveram (tanto quanto so induzidas por) novas relaes entre as cidades na rede hierrquica urbana, implicando em conexes em diferentes escalas e uma maior fluidez entre esses espaos no que tange circulao de capital, mercadorias e indivduos (SANTOS, 2012).

    se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informao ou formao desinteressada, sua participao social voluntria ou sua livre capacidade criadora aps livrar-se ou desembaraar-se das obrigaes profissionais, familiares e sociais. (1973, p.37). 5 Essa regionalizao foi criada pelo Governo do Estado da Bahia, pelo decreto de Lei n 10.571 de 14 de

    novembro de 2007, como ferramenta de gesto com objetivo de identificar prioridades temticas definidas a partir da realidade local, possibilitando o desenvolvimento equilibrado e sustentvel entre as regies. So ao todo 27 Territrios de Identidade, constitudos a partir da especificidade de cada regio. Sua metodologia foi desenvolvida com base no sentimento de pertencimento e sugere s comunidades, atravs de suas representaes, participao na gesto. Disponvel em: < http://www.seplan.ba.gov.br/territorios-de-identidade/capa> Acesso em Jul/2013.

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    Essas dinmicas tm fomentado alteraes na forma e na estrutura dessas

    cidades reorientando a organizao espacial das mesmas, sobretudo, no que tange alocao de bens e servios urbanos. Com base nesses pressupostos, as questes voltadas mobilidade e acessibilidade urbanas se fazem notrias em Vitria da Conquista, sobretudo, quando as desvinculamos do "lugar comum e empreendemos uma anlise sobre outras dimenses do cotidiano, como a vida privada, o lazer.

    Por isso mesmo, nossa anlise buscou entender, atravs do discurso dos citadinos, como se d a prtica do lazer nessa cidade que mostra um paradoxo entre o uso dos espaos formalizados no mbito do planejamento para tal prtica e espaos que no so totalmente mediados pelo capital na cidade produzida, majoritariamente, por essa lgica, em que se d de modo mais amplo e satisfatrio, segundo nossos entrevistados6.

    Como ferramenta metodolgica, optamos por utilizar entrevistas semiestruturadas7, pois, como destacamos anteriormente, pela subjetividade que nos impe tal anlise essa ferramenta foi a que melhor se adequou aos nossos propsitos. Com as mesmas buscamos, entre outros aspectos, caracterizar nosso sujeito, seu

    6 Informaes obtidas em pesquisa de campo, na cidade de Vitria da Conquista/BA, 2014.

    7 Total de 16 entrevistas, dentro dos perfis elaborados no mbito de GAsPERR - Grupo Acadmico

    Produo do Espao e Redefinies Regionais. Pelos vnculos acadmicos com nosso orientador, tomamos contato com o Projeto Temtico, financiado pela Fapesp, denominado Lgicas econmicas e prticas espaciais contemporneas: cidades mdias e consumo, ao qual, porm, no temos vnculo formal por essa investigao estar circunscrita a um conjunto de cidades do sudeste brasileiro.

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    padro socioeconmico, as suas possibilidades para realizar o lazer. Nossos apontamentos esto organizados, alm dessas consideraes iniciais, num bloco no qual abordaremos a questo central dessa proposta, qual seja, analisar as prticas desses sujeitos sociais e compreender sua participao na produo do espao urbano de Vitria da Conquista.

    REFLEXO METODOLGICA SOBRE AS PRTICAS ESPACIAIS DO LAZER EM VITRIA DA CONQUISTA/BA8

    A discusso sobre metodologias de pesquisa na Geografia aqui destacada por se tratar de um importante momento de reflexo sobre o que fazemos em campo, dos instrumentos utilizados, tcnicas, posturas, enfim, adentrar nos interstcios da pesquisa para demonstrar todos os seus procedimentos. Questionamentos levantados por Turra Neto (2011), ao discorrer sobre suas experincias no mbito da pesquisa qualitativa, destacou a necessidade de refletirmos sobre como fazemos o campo e dos processos que compreendem esse momento, que o antecede e o procede.

    Souza (2007) trata duma postura enraizada na Geografia de cultivar uma espcie de viso de sobrevoo, em que se analisam as sociedades e seus espaos quase sempre do alto e de longe para evidenciar que h diferentes modos de ver a realidade que nos cerca. De modo que preciso articular as duas estratgias para uma leitura mais ampla e crtica da realidade, isto , uma leitura de fenmenos e processos em seu conjunto, no deixando de lado o mergulho nas especificidades dos mesmos.

    Adentrar nas especificidades dos fatos sociais supe uma relao de proximidade com os sujeitos, pois, alm da anlise do mundo em que vivem, devemos pensar em como esses sujeitos vivem o mundo, das conexes que estabelecem, das influncias refletidas em seu meio particular. Ao ampliar a viso sobre as aes empregadas por eles, possamos ampliar, tambm, nossa observao, assim como, ter uma abordagem mais crtica (WERLEN, 2000).

    Tal condio pode ser possibilitada na medida em que o pesquisador se prepara teoricamente para desenvolver uma atividade de campo articulada sua base terica. Isso tambm foi destacado por Werlen (2000) ao afirmar que, no desenvolvimento da pesquisa, preciso articular a teoria e a empiria, pois, o trabalho de campo uma parte do processo que em si, j pressupe uma base terica. Alm de bem embasados teoricamente Kayser (1985) indicou a necessidade de uma viso poltica como forma de ajudar a leitura da realidade que se deseja analisar, ratificando que o trabalho de campo um meio e no o objetivo em si da pesquisa.

    Assim, cabe voltar a nossa ateno para o que pensamos ser o trabalho de campo, ou melhor, para o que fazemos em campo. Turra Neto (2011) alertou para o prejuzo de se fazer um campo sem reflexo, sem questionar sobre como elaboramos nossas estratgias de pesquisas, como nos relacionamos com os sujeitos, de como trabalhamos com as informaes, da nossa postura diante da realidade analisada. No evidenciar os detalhes dessa construo pode levar ao descrdito do pesquisador e da cincia que representa. Uma ferramenta de compreenso da sociedade contempornea deve ter a capacidade de confrontao de realidades contraditrias como uma forma de ver o que h de concreto nessa realidade.

    8 Esse debate foi realizado no mbito da disciplina Metodologia de Pesquisa Qualitativa para a

    Geografia ministrada pelo prof. Dr. Ncio Turra Neto, no Programa de Ps-graduao em Geografia da FCT-UNESP, 2013.

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    Nesse propsito, abordaremos as contradies no uso entre os espaos concebidos no planejamento da cidade para o lazer e aqueles onde a apropriao de fato acontece. Implicando em mudanas na sociabilidade entre esses sujeitos em virtude duma produo desigual de espaos voltados prtica do lazer que compreende modos distintos de acessibilidade aos mesmos e no interao entre diferentes grupos sociais no plano da apropriao.

    Tomamos como ferramenta principal o uso de entrevistas semiestruturas aliada utilizao de enquetes. Estas funcionaram como uma primeira aproximao com os sujeitos para apreender as prticas espaciais relacionadas ao lazer pelos inquiridos a partir de outras fontes e referncias, enquanto representao/expresso quantitativa, porm, sem se limitar a anlises estatsticas. Foram ao todo, 270 enquetes9 aplicadas no centro principal da cidade, em reas pericentrais e perifricas, em que os inquiridos indicaram os principais espaos formalizados no mbito da cidade onde o lazer se realiza.

    Temos, assim, um maior fluxo direcionado ao bairro Felcia onde se localiza o shopping center Conquista Sul, segundo os inquiridos, este empreendimento identificado como sendo o principal espao de lazer da cidade. As justificativas para a escolha do shopping como opo de lazer vo desde a oferta de infraestrutura s questes de segurana, alm de afirmaes de que no existe outra opo de lazer na cidade.

    Outros espaos destacados foram as avenidas Olivia Flores, no bairro Candeias e Frei Benjamim, no Bairro Brasil e, o centro principal, no bairro Centro (Figura 2) os quais expressam uma nova lgica na produo dos espaos de lazer e, juntamente com o shopping Conquista Sul, resultam do processo de desconcentrao de atividades e estabelecimentos que vem ocorrendo nessa cidade, seja pela atuao do capital imobilirio, ansiando por mais investimentos e novas estratgias que lhes garantam a reproduo do capital; do poder pblico municipal, esfera representativa do Estado, agindo no parcelamento, gesto e dotao de infraestrutura, alm de priorizar aes voltadas para o lazer em espaos formalizadas no mbito da cidade e/ou no interior do bairros, no incitando a interao entre diferentes grupos sociais.

    9 Foi relevante nessa definio a referncia bibliogrfica de Girardi e Silva(1981) Quantificao em

    Geografia e Miyazaki (2007). Utilizamos a seguinte regra para estratificao da populao total e chegar ao nosso indicador: n: 336,987.0,5.0,5 _ = n: 84246,75____ = n=270

    336,987. D+0,5. 0,5 311,58026897371

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    Ademais, representantes da iniciativa privada (associaes/entidades) que

    buscam desenvolver suas aes em espaos privados, ou no ambiente de trabalho do pblico alvo ou na prpria empresa. Tambm, os empresrios que gerenciam o transporte pblico coletivo, pois, organizam, espacialmente, a cidade para exercer seu poderio condicionando a populao a itinerrios, horrios e estruturas de pontos, por exemplo, que no condizem com as necessidades de deslocamento cotidiano, especialmente, quando se trata do lazer e de dias no teis.

    Noutra perspectiva, analisamos as informaes obtidas atravs de entrevistas semiestruturadas que nos indicaram novos questionamentos, pois, a representao do lazer formalizado na cidade que se destacou em nossa primeira aproximao (enquetes) no foi demasiado expressiva quando enfocamos as questes subjetivas dos sujeitos entrevistados. Elementos destacados pelos prprios entrevistados como satisfao, gozo, possibilidade de escolha, tempo, econmico, companhia, lugar, acessibilidade, evidenciaram outras modos e espaos onde o lazer se realiza e que no integram, diretamente, a lgica de consumo capitalista.

    As entrevistas semiestruturadas foram desenvolvidas apoiando-nos em Colognese e Melo (1998) que, apesar de no defenderem uma normatizao para a situao de entrevista, indicam algumas precaues na relao com o entrevistado, pois, so contextos e realidades diferenciadas, o que pode gerar, por exemplo, uma desigualdade no dilogo pela diferena de posies sociais; interpretao contrria de termos do discurso do entrevistado, bem como, de termos utilizados pelo pesquisador que no so compreensveis pelo entrevistado (e vice-versa); observar a resposta do pesquisado, pois, assim como no existem perguntas neutras, as respostas tambm no so e; o cuidado de no criar um clima intimidador, constrangedor.

    Os mesmos autores afirmam que o trabalho com esse tipo de metodologia no se encerra em campo. No momento ps-campo recomendam identificar todo o material pesquisado, verificar se todos os processos foram realizados de acordo ao

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    roteiro estabelecido, registrar possveis falhas, questes no respondidas, contradies, etc. Ademais, verificar os registros das observaes, de gravaes, de transcrev-las, os documentos escritos para, a partir desse momento, comear a produzir e analisar os dados.

    Buscando uma forma de melhor tratar as informaes que obtivemos atravs das entrevistas, orientamo-nos pelas proposies de Gibbs (1980) de sistematizar os dados em categorias organizando as informaes de acordo um tema. Esse autor pormenorizou esse processo de tratamento dos dados referindo-se, entre outros, a uma hierarquia de codificao para ordenar os temas e manter um mesmo padro (codificao) durante todo o processo. Essa alternativa de organizao de dados j em si, uma anlise do material pesquisado, auxiliando nas comparaes e leituras crticas desses dados, passando do plano descritivo a um nvel de anlise mais elevada com o intuito de apreender os fenmenos que cercam a realidade pesquisada.

    Por meio das entrevistas que realizamos10, percebemos outros espaos na cidade, alm os destacados nas enquetes, que figuram como verdadeiros refgios para nossos entrevistados seja da rotina estressante do trabalho, dos problemas relativos vida privada, como tambm, para entretenimento, informao, sade, bem estar, fazer novas amizades. Foram esses alguns dos pontos listados por nossos entrevistados, os quais buscam espaos, muitas vezes alternativos para t-los, conforme representado na Figura 3.

    Outro fator que nos chamou a ateno a frequncia com que nossos entrevistados realizam tais aes, pois, ao relatar o uso do espao do shopping, por exemplo, as indicaes de frequncia so de uma ou duas vezes ao ms11. Entretanto, o lazer realizado nos espaos destacados no mapa indica uma frequncia, majoritariamente, semanal. Isso se deve, entre outros aspectos, s possibilidades de acesso (no restrito a questes de infraestrutura, mas tambm, ao econmico, social, etc.), a possibilidade de realiz-lo coletivamente, de sair em maior nmero de pessoas (no caso de famlias, por exemplo,12); por gozarem da presena do outro sem estigmas e perfis determinados.

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    Como tambm as anotaes do pesquisador sobre o momento da entrevista, onde so percebidos os gestos, expresses, falas, maneiras de tratar o tema proposto que ampliam nossa compreenso sobre o fato estudado. 11

    Dado varivel a depender do perfil do entrevistado (renda, localizao da residncia, meios de transporte disponveis, quantidades de pessoas envolvidas, geralmente, o lazer em famlia ou amigos, etc.) 12

    81,25% dos nossos entrevistados respondem total ou parcialmente pela renda familiar, que em mdia compe-se de 3 a 4 membros. Fonte: pesquisa de campo/2014 entrevistas semiestruturadas.

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    Desse modo, a prtica do lazer tambm se d em espaos, no

    exclusivamente, tomados pela lgica do capital, em que a apropriao acontece pelo uso e em coletividade. Assim, h fatores nessa anlise que nos levam a considerar e a olhar novas possibilidades de uso que conferem a esses sujeitos outras condies de apropriao numa cidade em que o fruto da sua produo lhes negada. Negao aos servios bsicos, a uma vida qualificada, vivncia e sociabilidade, a possibilidade do encontro e no do confronto, pequenas experincias que amenizam o cotidiano deteriorado a que esto submetidos, mesmo que em espaos da cidade por eles inventados.

    Figura 3: Modelo grfico de representao do deslocamento . Vitria da Conquista/BA, 2014.

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    CONSIDERAES FINAIS

    Destacamos o importante e necessrio debate sobre as metodologias de pesquisa em Geografia no intuito de motivar tal reflexo da qual derivam as mincias relativas ao campo que podem qualificar nosso trabalho como pesquisador. Mas, sobretudo, fazer com que ns, Gegrafos, comumente to emblemticos em pesquisas de campo, nos atentemos para as aes que empreendemos ao construir e desenvolver nossas pesquisas, pois, diz respeito nossa responsabilidade profissional, social e cientfica.

    Como observamos, o uso de metodologias qualitativas enquanto estratgia de pesquisa, pode no auxiliar a compreender fenmenos e processos de modo mais analtico, adentrar nos interstcios da vida social requer profunda reflexo algo que a situao de entrevista pode nos fornecer pelo contato com o sujeito e com sua vivncia. Assim, em nosso caso especfico, com base nas informaes obtidas atravs das entrevistas semiestruturadas, entendemos que a prtica do lazer pode se d enquanto ato de apropriao em espaos da cidade que no esto totalmente revestidos pela lgica capitalista em que o uso pode acontecer coletivamente como condio de apropriao individual.

    REFERNCIAS COLOGNESE, S. A.; MLO, J. L. B. de. A tcnica de entrevista na pesquisa social. Cadernos de Sociologia: Porto Alegre, 1998, v. 9, 143 159p. DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. So Paulo: Editora perspectiva, 1973. GIBBS, G. Anlise de dados qualitativos. Porto Alegre: ArtMed, 2009. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica). Sidra: Banco de dados agregados. Disponvel em: , acesso em agosto de 2014. KAYSER, B. O. Gegrafo e a Pesquisa de Campo. Seleo de Textos. n 11. So Paulo: Teoria e Mtodo. Associao dos Gegrafos Brasileiros, 1985, 93-104p. LEFEBVRE, H. La production de lespace. 4. ed. Paris: ditions Anthropos, 2000. LEFEBVRE, H. Espao e poltica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. LGICAS ECONMICAS E PRTICAS ESPACIAIS CONTEMPORNEAS: CIDADES MDIAS E CONSUMO. Projeto Temtico, financiado pela Fapesp. MARRE, J. A. L. A construo do objeto cientfico na investigao emprica. Cascavel: Seminrio de Pesquisa do Oeste do Paran UNIOESTE, 1991. (Digitado) SANTOS, J. Aes do Estado e o papel das cidades mdias baianas nos planos da urbanizao capitalista. In: DIAS, P. C; SANTOS, J. (Orgs.) Cidades mdias e pequenas: contradies, mudanas e permanncia. 1. ed. Salvador: SEI/EGBA, 2012. v. 1. 250p.

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