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1
Poemas
Da
madrugada
(ensaio sobre a
loucura)
J.Last
2
Há metafísica bastante em não pensar em
nada.
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Alberto Caeiro
3
A meus amigos que gostam de
julgar-me louco ou incoerente,
digo-lhes que têm total razão. Me
veio, ainda que por acaso, certa
vontade de escrever algo novo, e
inacabado. Conheço-me e sei bem
dos meus anseios.
Provavelmente não acabo isso
E se acabar
Não o terei por completo.
O autor.
4
Ao Mateus
Já que o prometi um novo livro.
5
Sobre o livro
Veja bem, é mais uma madrugada e
eu ando sem sono. Achei que
beber adiantaria, mas não estou
com vontade.
Pensei em continuar a virar-me
de um lado para o outro mas não
posso mais evitar. Todo o livro
será escrito em uma noite.
Algumas horas de insônia por
favor.
Aliás
Quero avisar-lhes que todo erro
meu não será corrigido.
Quero que minhas falhas se
espalhem por linhas
Quero algo cru, tal qual sempre
fui
Afinal se está aí
Aí deve ficar.
6
29/03/2017 – 02:40
Sensato
Eu?
Sou ser quase petulante.
Gosto de incomodar com as letras
que escorrem em papel
Verá muitas
Bom
Pra começar
A cada hora que passa
Mais tenho vontade de sumir
De sonhar
De querer o que o mundo não
quer
Me dar
7
E tudo isso aliado
A uma falta de sentido e rumo.
Veja não há problema em um
poeta não saber qual será o seu
fim
Pois se for o fim
Que seja
Que morra o desgraçado
Ainda que morra sozinho.
Se nasci
Sou sortudo
Se morri
Também
Que tenha eu a chance de morrer
um dia
Pois sei que fins não são mais
do que fins.
8
Não tenho medo dos fins
Não estremeço esperando o meu
tumulo
Nem me importo se terei ou não
um tumulo
Veja bem
Eu não estremeço se esvair-me um
dia
Nem me importo
Quando esse dia virá.
Se há começos
E há fins
Sou meio.
E meio é o que vale pra mim.
9
02:50
Falando em fins eu tenho de
contar que a última vez que
terminei algo de verdade
Foi a
10
02:52
Concertei o relógio da sala
Quando muito menino
Disse ao meu pai
Eu meio franzino
Que o velho relógio da sala não
funcionava mais.
Ele precisava comprar um novo.
Ele
Abismou-se
Disse-me:
– Meu filho não diga asneiras,
teu pai acorda todo o dia às
cinco da manhã pra trabalhar, e
já o tenho a dez anos, meu filho,
e o relógio toca. Como pode?
O relógio não emitia som algum.
Era só um velho relógio.
11
Entendi então que o relógio
funcionava bem
Quem não funcionava
Era meu pai.
12
02:58
Acalme-se amigo
Está tudo bem.
São três horas da manhã
(Ainda
Não são)
Mas poderia muito bem ser outra
hora
Outro dia
Outra qualquer.
Amores vem e vão
E tudo é tão romantizado
Tão lírico
Tão piegas
Que já passou da hora de você
entender
Têm mais
13
Ainda mais
Se vier de você.
Amigo ou amiga
Ainda não sei
Amor não tem gênero
Se tivesse
Seria amor e amora
Pois não tem
E olha
Eu quase esqueci de dizer
Se morrer hoje
E amanhã for amar
Será necrófila a mãe ou o pai de
seus filhos?
Acho que não
É tudo tão fácil
14
Quando acaba
Mas se acaba
É fim.
E fim
É tão sem graça.
Fim é tão sem graça
Que é de graça.
E se é de graça
Qualquer um pode ter.
Viu
Então acalme-se.
15
03:05
Conheci uma senhora
Um dia
Ela vinha caminhando com seus
sapatos altos
Sua enorme bunda
Volumosas coxas
Disse-me
Olha rapaz
Se eu tivesse voltado há anos
Teria dado mais.
Hoje em dia tudo pode
E eu
Só posso fazer o genérico
Atacar os de hoje
Mas sonhando
Ah se eu pudesse voltar
16
Eu dava mais
Com certeza eu dava mais.
Curiosamente eu gostava do jeito
dela caminhar.
17
03:08
Sol
Eu poderia odiá-lo
Pois há beleza em outras coisas.
Esses que dizem
Dias cinzas são tediosos
Não sabem o tédio
Que tenho
Ao ouvi-los dizer isso.
Gosto de dias cinzas
Eles me fazem pensar que a vida
É a vida
Pura e simplesmente assim.
Você pode odiar o sol
Mas não pode viver sem ele
18
Igualmente
Sem os dias de chuva
Nada iria nascer.
É isso.
Gosto dos dias cinzas
Porque eles vêm
Cercado de certeza.
Virão sempre
Quando precisam vir.
Eu
Com toda minha incoerência
Vivo a tentar fugir.
É melhor assim.
19
03:13
As moscas
você já viu as moscas
voando?
Estão quase sempre em bandos
Mas mesmo as sozinhas
Sempre buscam um espécie de
certeza.
Um erro
E elas perdem a vida.
Um simples equívoco
E elas deixam de existir.
Eu vivo cercado de moscas
Por todos os lados
Aqui mesmo
Há muitas moscas
20
Querem que você se organize
Mas querem te desorganizar.
Falam em momento certo
Mas nem sabem sobre certeza
Fazem-nos odiar
Lutar
Até o amor
Eles querem nos tirar.
Imagine
Eu poeta
Sem amor
Viveria por aí buscando
Lixo
Como uma mosca
Voando em cima dos outros
Tentando o momento certo
21
Para não ir parar debaixo de
uma sola de sapato
Ou uma palma qualquer.
Muitas moscas voam e zumbem
Muitas delas aprenderam a falar
Escolheram lados
E matam-se
Por certo
Extinguiram-se por completo se
tivessem a chance
e eu
sou poeta.
Quem sabe o que isso significa?
Eu não.
Eu nem consigo matar uma mosca.
22
03:21
Já fazia bastante tempo
Que eu não me sentia assim
Agora que faz
Já não sei se sinto.
Vinguei a minha tola alma
Procurando sentido em coisas
simples
Como beber
Fumar
Fingir que gosto das pessoas
É tudo fingimento.
Na verdade
Talvez eu sinta
23
Mais do que o de costume
E as pessoas fingem bem.
Dão respostas criativas a
perguntas difíceis
Quando a vida
Não exige resposta.
Você pode até responder as
perguntas
Mas provavelmente
Perderá a sua vida para isso
E talvez
Tivesse sido mais fácil
Apenas viver.
Que se dane de onde viemos
24
Pois se viemos
Estamos aqui.
Que se explodam deuses
Religiões
Não há nada certo
(E tudo que for assim pensado
Será mera mitologia um dia
Tudo é mitológico
Eu sou ser mitológico
Vou virar cinzas
E talvez minha existência
Nem seja lembrada).
E se vamos nós
A algum lugar
Que seja.
25
Mas se for
Vai ser depois
Não agora
Não hoje.
Hoje
Eu só quero
Não fazer sentido algum.
26
03:32
Querem
Criar robôs por aí
Desses mais modernos
Cercados de outros
Que imploram suas misericórdias
E clamam
Por sua atenção.
Ligue a sua televisão
Olhe bem pra ela
É a mesma.
Ela pode mudar de canal
Mas é a mesma.
27
Somos feitos de carne
Mas não somos consumidores
De nós mesmos
Porque alguém nos disse
Para não engolir o humano.
Mas o ser
Já não é mais questão.
Robôs modernos
Quero um
Para ir até a minha televisão
E trocar o canal quando estiver
com preguiça.
Mas para isso
Já existe o controle.
Acho que nós perdemos o controle
28
Afinal de contas
Não vemos nós que ela não muda
Ela continua sempre a mesma.
29
03:37
Sobre a minha morte
Penso que ninguém pensa
E se pensa
Finge que não.
Afinal de contas
Em meu velório
Quantas pessoas irão?
Aliás
O que vestirão.
De certo preto
Que por sinal
Gosto muito.
Mas quero
Que bebam vinho
30
Vinho que hoje
Não bebo mais
E quero que leiam meus poemas
Não para relembrar
Mas porque gostam
Ah
E se não gostam
Peço que leiam outra coisa
Ou não leiam
Que bebam até vomitar!
(Podem vomitar no tumulo prometo
que não reclamo
Até porque defunto não sabe
desaprovar
Ou
Não conhece muito bom
vocabulário.)
31
e quero muitos que se conheçam
ali
e ali
Comessem alguma coisa.
Nunca gostei de fins
E começos são meramente
necessários
Quero que sejam o que eu fui
Quero muito
Que façam
E depois
Vão embora.
Deixem-me sonhar sozinho
A sete palmos da terra.
32
Aos que questionam os horários
talvez eu não consiga lembrar
bem o porque mas adormeci
Ainda não comi nada
Levantei-me e volto a escrever.
A noite ainda não acabou
Não para mim.
33
15:19
Orgulho
Imagino o quão orgulhoso
Alguém pode ser
Por ser normal
Criam-se datas
Hasteiam-se bandeiras em
mastros
Orgulho de ser normal!
Mas veja
Você é o comum
Normal
É ser o que quiser
E se não quiser ser
Melhor ainda.
Vagamos em meio aos absurdos
Você diz
34
Eu tenho orgulho!
Orgulho de que?
De ser aceito desde que nasceu?
Admirável o homem que nasce e
não quer ser homem
Ou a mulher que um dia
Decide sumir
E reaparecer como outro alguém
Nenhum ódio será capaz de calar
o amor
Quando ele for infinito
Verdadeiro.
E se for
Tudo bem seja
Mas não seja sendo orgulhoso
35
Pois orgulho vem acompanhado do
ódio de alguém
E se nunca foi odiado
Não sabe como é.
É como estar perdido
Às vezes
Tem gente que não suporta
E deixa de existir
Quando deveria ter orgulho.
Mundo triste
Deveríamos ser menos
Apenas
Ser menos.
36
20:20
Ironicamente
Volto eu a frente disso
Para dizer que as horas são
iguais.
Eu sou o mesmo
E o mundo lá fora
Continua a girar
Mas é o mesmo.
Ainda que muitos morram
Ele continuará a girar
Ainda que eu morra
Ele continuará
E continua
Então o que é mais relevante?
Eu?
Você?
37
A menina que está sozinha
Sendo abusada pelo pai?
A tristeza que existe nas ruas?
O medo de quem se esconde nas
casas?
Tudo é tão relevante
E discutido
E muitos querem liderar
Querem mudar
E falam em mudanças
Mas lá fora continua noite
E a esfera cheia de almas
Continua a girar no espaço
Continua
Por mais que se acaba
Continua.
38
20:13
Significados
Vivemos uma vida
Atrás de significados.
Até das poesias
Querem significados
Fazem tanto para encontrar o
poeta e pedir
Qual o significado?
Eu digo sempre
Se não sabes agora
Então
Não tem.
Quando souber
Terá.
39
Nunca redigi uma linha sequer
para mim.
Se existe
Então é sua
Então é seu
Então
Eu que pergunto
Qual o significado?
E se não tiver
Bom
Então pouco importa.
40
20:17
Os poetas
Gostam de falar sobre a morte
Não do jeito
Que os outros falam
Esses
Falam com medo
Falam como se quisessem espantá-
la
Nós
Somos apreciadores da morte
Afinal
A morte
Virá a todos
E nós
Não merecemos qualquer tipo de
preferência.
41
Que venha
Se vier
Traga consigo a certeza
Que fiz o que deveria fazer.
Estava eu onde deveria estar
E amei
O quanto poderia amar.
Se não fui correspondido
Pois que seja
Deve-se apreciar a tristeza
De um amor escondido.
Se houve alguma coisa
Que eu deveria ter feito
Então
Eu vivi errado
Pois se não fiz
42
Não importa
Vivem os poetas
Das linhas tortas
Mas que sempre estarão ali.
Adeus
Que digam a mim um adeus breve
Tranquilo
Sem muito pesar
Afinal de contas
Se me amou uma vida inteira
Foi tempo suficiente
Se não for
Azar
Nada mais pode ser feito.
Que viva sempre o sujeito
Da forma que mais lhe agradar.
43
Onde pensar
Deve estar
Onde gostar
Deve ficar
E se quiser mudar de rumo
Presta-se a caminhar
Mas não pare
Não antes de chegar o fim.
E quando chegar
Aceite.
Todo mundo morre
E os poetas
Não querem ser especiais.
A imortalidade de um escritor se
dá nas linhas que ele deixou
para trás.
44
20:27
Ainda sobre a morte
Quero que quando morra
Todos venham me visitar
Todas as lembranças
Dos amores de escola
De todo o medo
Da vergonha
Do primeiro beijo
Da primeira vez que o peito
bateu forte por alguém.
Junto com os amores de escola
Virão meus animais de estimação.
Meu porco
Virá de certo grunhindo
Afobado
45
Deitará de barriga para cima
E eu
Terei de cocá-lo
Majestosamente para que ele se
sinta satisfeito.
Depois
Virão os outros
Já na adolescência
Trazendo as mesmas bebidas
baratas
Escondidas
Dizendo-me:
Veja, temos trago! Não há mais
tristeza.
E não há tristeza alguma
Pois estão todos ali
46
Todos
Um pouco depois
Vem os da faze adulta
Os escritores
Pedirão que eu os ajude
A escrever
Que eu contribua
Que eu me junte a eles em uma
noite boemia
E eu direi sim
Sim
Sim
Eu amo a noite
Eu amo o sexo
Eu amo o cheiro das flores
E sim
47
Virá também a flor
As várias flores
Virão a mim
E eu poderei cheirá-las
Todas elas
Depois
Virão meus filhos
Netos
Ou quem sabe
Eu não tenha tempo para isso ...
Então
Deixo-os
E me despeço
Peço para que voltem pois a eles
Terá um fim esperando também
48
E será lindo
Será tão lindo
Poder morrer um dia.
Espero estar vivo até lá
Pois morrer
Nunca teve a ver
Com perder a vida.
49
20:37
Sonhei com você essa noite
No sonho
Sua voz soava como um açoite
E minha pele
Marcada em carne viva
Exposta
Todas as feridas
Que um dia você me deixou.
Estremeci
Ao ver teus olhos de carmim
e via
saltando sangue e cordas
e sapos
50
baratas e ratos
saíam todos de mim
e tudo aquilo me sufocava
em minha frente você estava
e me perguntava
coisas sem sentido:
quanto tempo você vai demorar?
Ou até:
Por que não percebeu que eu
estava fingindo?
E depois você caminhava
E eu por mais que tentasse
Nunca te alcançava.
Então você dobrou uma rua
51
E meu peito
Voltou a se fechar
Você sorrindo disse-me:
É aqui que eu vou ficar.
Então entrou em um lugar
Não era uma casa
Mas se fosse
Não saberia identificar
Era um desejo
Louco
E o que eu vejo
A porta permanecia aberta
Para mim entrar.
Então tive de acordar.
52
E quando acordei senti toda
A dor que sentia
Enquanto estava a sonhar.
Coitados
Nós somos pobres coitados
Eu e os demais que por aí
Escrevem ou cantam
Ou falam de amor.
Se querem dormir não dormem
E quando conseguem
Sonham
E quando acordam
Tudo acabou.
Mas desde o início
Tudo acabou.
53
20:47
As cidades estão cheias
Mas ficam mais vazias
A cada novo dia.
Reparei
Que a fome faz a barriga
Roncar
A sede
Nos faz ficar fracos
O cansaço
Nos deixa bambos
E a necessidade
Faz um homem enlouquecer.
54
Quem nessas ruas
Tão grande
Que cruzam de um lado ao outro
Dessa imensa cidade
É capaz de sentir empatia
Por alguém que vagueia
A procura de emprego.
Mesmo que você possa ajudar
Você não vai
Estamos divididos
Esperamos que o indivíduo
resolva matar para podermos
julga-lo
Só pra poder condená-lo a morte.
E é imensa
55
A cidade sem cor
Sem alma.
É enorme
É gigantesca
A falta de sentimento
A falta de amor.
Já não existe amor entre as
pessoas
Existe interesse
Até o que falam que é amor
É interesse.
A cidade é tão grande
Mas nós nos apequenamos.
E quem diria
Quantos amanhã vão enlouquecer
Não por necessidade
56
Não
A loucura é a necessidade
Nessa cidade.
Ou você enlouquece ou morre.
Ou então
Você vira mais um
Nessa imensa cidade
Sem alma alguma.
57
08:57
pouco
A barriga ronca
Ele olha para a sua melhor
amiga
Roubam umas laranjas na estrada
Ela sorri
E ele corresponde.
Se ele chorar ela chora
E ele não quer vê-la chorar.
Foi o acaso que uniu os dois
E ele
É capaz de tantas outras coisas.
Mas os sonhos são gigantes
E não há fome
Ou dor
58
Ou cansaço
Que irá parar qualquer um deles.
Mas se pudessem
Desistiam ali mesmo.
Quem ensinou o homem a lutar
contra o próprio homem
Foi Deus?
Foi o homem?
Eu vivo sem acreditar no divino
Mas acredito no homem
Se não fosse por isso
Não continuaria o menino a
sorrir
Para que a menina não chore.
59
Estão em pedaços
Estão lutando a tanto tempo
Nessa guerra chamada vida
Que já se esqueceram de como é
Ser feliz.
É bem mais fácil acabar tudo
agora
Mas nem eles irão fazer
Nem eu.
Afinal
Sou eu quem crio as palavras
E por elas
Eu me derramo.
Quem ensinou as pessoas aterem
esperança?
60
Foram os deuses
Ou foram os homens?
Acho que nenhum dos dois.
Acho que ainda não ensinaram.
A esperança é uma descoberta.
É uma forma de remédio
Para que você não enlouqueça
E tente matar outros homens.
61
21:05
Viagem
Adoro viajar na chuva
E ver os pingos de chuva
Caírem e se derramarem em uma
janela
De um ônibus qualquer.
Lá fora
As imagens são distorcidas
E os homens
São monstros
E os carros
São irrelevantes
Suas marcas
Modelos
62
E cores
Pois são chuva
Pois são agua escorrendo no
vidro.
Eu ponho minha cabeça encostada
E sinto ela bater
Ouço o barulho
E logo quero abri-la
Mas temo molhar-me.
Temo
Ainda que a ame
Eu prefiro que ela fique lá fora.
Acho que já vi tantos assim
Amando
Mas mantendo-se distante
63
Distante da possibiidade
De mar verdadeiramente.
De aproveitar verdadeiramente
De se molhar
Pois já estão
Com frio
E o frio
Veio de outras chuvas
E o medo
Veio de gente
Que não se importou.
Desse eu tenho pena.
Ainda que não abra minha janela
Quando finamente chegar
Vão notar
Que não trouxe nenhum guarda-
chuva.
64
21:12
Eles pedem
Pra você sorrir
Pra você fingir
Pedem pra você sair
E também
Para você ficar.
Eles dizem quando você tem que
andar
Ou até
Parar.
Eles mandam quando você paga
E quando ganha
O quanto ganha
65
E quem irá te pagar.
Eles te obrigam a vestir gravata
Ternos
E até o martelo
Que você vai usar.
Eles te obrigam
A usar saia
Sapato
E quando veem um buraco
Podem até
Te obrigar a pular
Sua casa não é sua
Seu carro não é seu
66
Suas coisas
Não são suas
Sua vida não lhe pertence mais ...
Mas
Ainda assim
Você passa por alguém
Sem emprego
Sem dinheiro
Sem casa
Sem carro
Sem dignidade
E vira o rosto.
Sua vida não é mais sua
Então respeite
Quem decidiu viver.
67
21:19
Coisas
E outras coisas
Se a maçã não tivesse caído
Na cabeça de alguém
Voaríamos nós pelo céu
Até as nuvens
De algodão doce.
Se um idiota
Não tivesse levado um choque
Com uma pipa
Estaríamos nós
Todos reunidos
Em volta de uma mesa
68
A luz de velas
Conversando
E nos importando.
Se você não precisasse comprar
tanto
Sentaria do lado de alguém
Que nada tem
E o ouviria atentamente.
É assim
A culpa das coisas
São outras coisas.
Somos perfeitos em culpar
alguém
Eu mesmo
Vou culpar o cansaço agora
69
Por ter de dar um fim
Quando queria
Continuar
Até amanhã de manhã.
70
21:32
Eu queria
Querer poder ajudar as pessoas
Mas sou incapaz
De me ajudar
Quem dirá fazer qualquer coisa
Para ter um sorriso de alguém.
E o meu sorriso?
Importa?
O poeta
É dono de linhas tristes
Deveria fazê-las felizes
Deveria saber mentira
Mas não pode
Mentira não é poesia
71
É ficção.
Poesia é a verdade
Seja ela como for
E eu
Sou incapaz de roubar sorrisos
Escrevendo
Mas talvez bebendo
Eu consiga.
Então
Que você tenha a sorte
De me conhecer
Quando não estiver com um monte
de folhas por aí
Pois se assim for
Talvez você venha a chorar.
Mas se isso te fizer sorrir
72
Então bem
Muito prazer!
Sou poeta
O rei dos fracassados.
73
14:38
Sobre o rei dos fracassados
Hoje decidi caminhar
E tropecei
Decidi que iria até a rua
Ver os lindos raios de sol
Choveu
Mas choveu muito.
Finalmente quis eu
Mas o mundo não quis
E sempre foi assim
Ora eu tinha
E me tiravam
Ora eu queria
E não me davam
74
Então
Decidi que me tornaria bom
Em ser ruim
E isso
Me torna o mais eficaz
Dos ineficazes.
Destino cruel e sorrateiro o meu
Quando amei
Não me amaram
Quando amaram
Algo atravancou-me
Assim
Sou um fracasso
Nessa coisa de viver.
75
De certo
Quando morrer
Espero pelo menos isso
Ter a chance de fazer certo.
Ou será que quando finalmente
bater eu as minhas sujas e
surradas botas
A morte virá e dirá
Parabéns!
Você foi selecionado
Entre os sortudos que não têm o
direito de descansar.
Daí perco eu a compostura
E grito alto
Sou o rei
Rei dos fracassados!
76
14:52
A vida é dura
Para as boas pessoas.
O insuportável
O lastimável
O exagerado
O inaceitável
O mais inacreditável
Torna-se real.
É tudo real.
Você sangra
Para saber que está vivo
E as pessoas te veem sangrar
E sorriem
Como uma mãe sorri para um bebê.
77
E se a criança sangrar
Eles sorriem também.
Afinal de contas
Não somos nós todos crianças?
O homem sentado na calçada sem
ter o que comer
É uma criança.
A garota com suas marcas
Abandonada pelos pais
É criança
O menino
Que gosta de outros meninos
É criança
Merda
Eu sou uma criança!
Somos todos crianças!
78
Todos bebês
Todos precisamos de amor
Droga!
Precisamos amar mais
Precisamos andar por aí
Abraçando quem precisa ser
abraçado
Dando uma chance
A quem não teve nada
Estendendo a mão
A quem negaram qualquer membro
Precisamos ser mais
Precisamos ser
Precisamos ...
Mas é engraçado pra você
Eu te faço rir
79
15:13
Entre o céu e o inferno
Vivemos todos.
Entre o amendoim
E a noz
Entre eles
E nós
Entre esquerdas
E direitas
Entre ex-quedas
E direitos
Entre tantos
E tão poucos
Entre puritanos
E os considerados loucos
80
E os que são loucos
Vivemos nós preenchendo metades
Morrendo na flor da idade
Colhendo flores até tarde
E vendo enterros de verdades.
Somos poucos
Quando muitos
Somos muitos
Aos poucos
Somos libertadores de ideias
E aprisionadores de mentes
Somos sufocadores de gritos
E protestadores calados.
81
Somos santos
E pecadores
Somos independentes
Ou dependentes de amores.
Somos tudo
Tantos
E ao mesmo tempo
Somos nada.
O ser é tão pequeno diante do
mundo
Mas nossos egos são gigantescos.
O que temos de melhor esquecemos
E o que mostramos
Pode ser comprado.
82
Que seja
Tantos por aí são de outros há
tanto tempo
Apenas defina seu preço.
Alguém estará disposto a
comprar.
83
15:49
Poema rápido
Quem deixar sua mente livre
Vagando por aí
Corre o risco de tê-la capturada
por alguém
E acredite
Mentes aprisionadas valem
milhões.
84
15:52
Outras perguntas
Ando me perguntando
Será que alguém dá ouvidos a
mim?
Nós poetas
Parecemos arrogantes.
Escrevemos para quem não nos
conhece
E esperamos ser entendidos.
Mas e se simplesmente
Nos ignorarem?
Todavia
Nenhum poeta
Ainda que não conheça muitos
85
Não teme ser ignorado.
O maior medo do poeta
É ser mal interpretado
Pois que deixem-nos pelos cantos
Com nossas linhas tortas
Mas jamais diga o que não saiu
de mim.
De um sujeito desses
Tudo que sai deve sair
E o que fica guardado
Continuará lá
Esperando sua vez
Rasgando-lhe peito a dentro
Até ter sua chance de sair.
86
16:09
Vozes
Ouço uns cochichos aqui e ali
Dizem que o homem está louco.
Das coisas que ele diz
Fazem pouco
E riem do pobre coitado
Chamam-no de debilitado
E aos gritos:
Ele está louco!
Vai o tumulto apressado.
Passam pelo o que ele diz
Sem prestar muita atenção.
Ele pede
87
Não darão
Ele implora
Nem se importa a multidão.
Seguem a passos largos
Muitos cargos
A manter
Seguem todos tão apressados
Não se calam
Vão dizer
É louco!
É louco!
É pouco.
Coitado do pobre indivíduo.
Se os que correm
88
Tivessem lhe dado ouvido
Não cairiam logo à frente
No gigantesco precipício.
Pobres homens
Tão pobres.
Que não ouvem
Nem quem quer lhes ajudar.
89
01:50
Raiva
Quem consegue controlar minha
fúria
Nesses tempos sem amor.
Não é que não haja amor no
mundo
Não
Isso seria o fim
E não é o fim
Digo-lhes sobre mim
Não há amor dentro do peito.
Do meu peito.
E a isso
Culpo a vida
90
Culpo o tempo
O cansaço.
Caminhei quilômetros e mais
quilômetros de peito aberto
Veias pulsantes
Sangue e carne a mostra e disse:
Toma!
Em seguida entreguei o baú de
nervuras
A quem não se importou.
Então
Após tal maratona
Desisti.
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Nem sei se desisti.
Acho que só
Cansei.
É isso
Aposentei todas as coisas
Que me faziam feliz.
Agora sou trapo
Resto
Sobrou-me algo e foi o cansaço.
Acho que o que se sobra
Depois de tanto dar
É o cansaço.
E isso é inevitável.
92
Se escreve é porque fracassou.
Se fracassou
Sobrou o cansaço
E algum resto
Para poder seguir fazendo
linhas
Rimas
Ou algo sem nexo.
É perigoso demais fazer isso
Então já aviso de antemão
Aos que querem se aventurar
Na poesia
Não há vitoriosos.
Somente os que desistiram
E o cansaço
Isso há de sobra.
93
02:04
Tempo
O tempo
Na poesia
É relativo.
Diria até facultativo.
Não se trata de heresia
É que nas linhas
Há fantasia
Que nas verdades
É demasia
Ou nas mentiras
Se escondia.
94
Nunca verás
Filho da poesia
Vagando com muitas certezas
Ganha de cortesia
Absurda frenesia
Seguida de muita tristeza.
Mas nunca é absoluto.
De beirar o absurdo
O que o poeta faz.
Cria-se e logo jaz
Sentado em algum canto
Fumando e lembrando o tanto
Que já fora feliz.
95
E o tempo
Esparramou-se
E espalhou-se
Em algum momento.
É
Portanto
Algo que nem mesmo os tantos
Conseguirão prever.
Por isso
A poesia é movida disso.
Hoje escreve
Mas não é hoje.
Amanhã se escreve
Mas nem pode lembrar.
Assim
Vive-se ao se suicidar
96
E os valores
Das palavras e seus amores
Perdem-se de seus criadores
Até alguém que vai acreditar.
Real ou imaginário?
Ninguém vai delimitar.
97
Pós livro.
Caro leitor
Se chegas-te até aqui
És vencedor.
Eu
Que não vou dizer
É o fim
Mas é
Mesmo sendo
Talvez não seja ...
Isso está muito confuso
Então vou resumir
É o fim
Por enquanto
Mas quem me garante que minha
insônia
Não me tomará outras vez?
98
Bem provável que sim
Daí
Eu trago algo a mais.
Alguma coisa
Que me consumirá por horas
Mas que não passará disso.
O fim deve ser assim
Melhor terminar sem fim
Melhor acabar sem um termino.
É isso
Fim é meramente fim
Infelizmente
Nunca é só isso pra mim.
99
Biografia
Adriel Marques é um escritor brasileiro
de 23 anos, natural de Lajeado, no estado
do Rio Grande do Sul. Começou a escrever
ainda nos tempos de escola, e alguns anos
mais tarde, resolveu criar um heterônimo
chamado J.Last. Diferente de um
pseudônimo, J.Last tem vida e morte bem
definidas, e difere muito da forma
original na qual Marques costumava a
escrever.
Este mesmo livro foi escrito em apenas
quatro horas.
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