Poiesis 11 Utopiaantropofagica

Embed Size (px)

Citation preview

  • 135

    Uto

    pia

    antr

    opof

    gic

    a da

    s ra

    zes

    do

    Bra

    sil

    Utopia antropofgica das razes do BrasilUtopia antropofgica das razes do BrasilUtopia antropofgica das razes do BrasilUtopia antropofgica das razes do BrasilUtopia antropofgica das razes do BrasilLuiz Guilherme Vergara

    Brbaros, crdulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais.

    Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional.

    A cozinha, o minrio e a dana. A vegetao. Pau-Brasil.1

    Oswald de Andrade

    A convergncia e divergncia entre arte, instituio e vida so focos de um debate que seprolonga da antropofagia utpica e a Poesia Pau-Brasil de Oswald de Andrade, passa atravs dasrazes do Brasil em Sergio Buarque de Holanda, ressurgindo como esttica existencial recitada nosmanifestos internacionais da contra-cultura e anti-arte ps anos 60, ou da passagem da arte concretapara a experincia Neoconcreta. As indagaes crticas debatidas neste artigo giram em torno doque e como os museus de arte ou centros de cultura contempornea podem responder ao legadodas prticas estticas e ticas emergentes a partir dos anos 60, considerando como microgeografiasda esperana a complexidade e as utopias antropofgicas das razes do Brasil?

    Arte Contempornea, Instituies - Museus, Estudos Culturais, Geografia da Arte, Construtivismoe Esttica Existencialista, Educao e Cidadania

    *****LLLLLuiz Guilherme de Barros Fuiz Guilherme de Barros Fuiz Guilherme de Barros Fuiz Guilherme de Barros Fuiz Guilherme de Barros Falcao Valcao Valcao Valcao Valcao Vergaraergaraergaraergaraergara Doutor pelo Programa de Arte e Educao do Departamento de Arte daNew York University, Estados Unidos. Atualmente diretor do Museu de Arte Contempornea de Niteri, Professor do Programa dePs-Graduao em Cincia da Arte da UFF e Coordenador do curso de graduao em Produo Cultural da UFF.

  • 136

    Revi

    sta

    Poi

    sis,

    n.

    11,

    p.1

    35-1

    52,

    no

    v. 2

    008

    Unidade (tri)parUnidade (tri)parUnidade (tri)parUnidade (tri)parUnidade (tri)partida x microgeografias da esperana: artida x microgeografias da esperana: artida x microgeografias da esperana: artida x microgeografias da esperana: artida x microgeografias da esperana: arte, instituio e sociedadete, instituio e sociedadete, instituio e sociedadete, instituio e sociedadete, instituio e sociedade

    A Unidade Tripartida de Max Bill, no como forma plstica ou escultura de bronze, mas pelafigura simblica da banda de moebius pode servir como sada potica fragmentao cultural ouisolamentos recprocos entre o dentro e fora na relao arte / vida / instituies civilizantes. Estacombatida ciso lembra tambm o aniversrio de 50 anos das buscas e rupturas da ExperinciaNeoconcreta (1959) na direo da vida. A unidade ou identidade cultural brasileira tripartida primeiramente, entre Europa, frica e os nativos deste paraso. Assim expressaram as primeirasgeraes modernistas pela metfora canibalista da utopia antropofgica de Oswald de Andrade,na busca de rompimentos de fronteiras ou convergncias entre escola e floresta(caosmose criativa).Outras vozes se seguiram escavando os conflitos nas razes do Brasil. Sergio Buarque de Holandadesenha o eterno desconforto de ser brasileiro na genealogia das instituies civilizantes europias,que se transplantam da velha civilizao para este den do novo mundo. Neste sentido, ao secomentar os rituais civilizantes de Carol Duncan, se recordam as distncias entre velho continente eas razes utpicas brasileiras de conjugao bipolar entre escola e floresta. A histria da arte parao Brasil no pode abrir mo de sua geografia antropofgica, que se repete em nossos arquitetosutpicos, Reidy e Niemeyer, nas suas invenes de museus abertos para o paraso, ou nos nossoseducadores como Paulo Freire. Estas notas sobrepem-se modernismo ao ps-modernismo brasileiro,como confronto utpico concreto de uma necessria antropofagia de razes, de multiplicaorizomtica contnua entre paraso, floresta e instituio cultural civilizante. Esta arqueologia da criaoartstica brasileira se faz atravs de uma cartografia de tenses contemporneas, sem ignorar osistema partido e tripartido, alm de trs continentes, aqui e agora, entre formas e poticas da arte,rituais civilizantes nas instituies e das festas na sociedade (parangol) que ainda busca por suaconvergncia e unidade.

    Ao completar 50 anos, o Movimento Neoconcreto em 2009 confronta a todos com uma grandecobrana cultural: como o legado daqueles transbordamentos poticos em direo a uma convergnciaexistencial entre arte e vida foram cultivados para uma reformulao tica das instituies, com ocompromisso de circulao e comunicao de novos modos de percepo junto s novas geraes estratgias de ser transgresso e construo, floresta e escola? Nesta indagao se busca umaarqueologia crtica da criao artstica, com bases nas nossas utopias antropofgicas, sem abrir mode um olhar de dentro das demandas por um processo permanente de re-significaes dos espaospblicos de arte contempornea. Os anos 60 levaram esta ruptura com a forma/espao puro parauma dimenso poltica e tica nas bases defendidas no Esquema da Nova Objetividade de HelioOiticica (1967)2. O reconhecimento de um grande labirinto de polifonias artsticas foi muito bem

  • 137

    Uto

    pia

    antr

    opof

    gic

    a da

    s ra

    zes

    do

    Bra

    sil

    articulado atravs do Programa Ambiental Parangol de Oiticica, onde as exigncias conceituaisse ampliavam para uma esttica existencial3, sob as coordenadas de uma geografia crtica de aesanti-institucionais e anti-museus. Enquanto atitude e forma se mesclavam nas proposies deacontecimentos coletivos, intervenes urbanas advogavam por territrios abertos de rituais decidadania crtica, potica e cultural, porm ainda sim, para tribos fechadas. A sada dos espaoseruditos dos museus e roteiros tradicionais da arte deflagrada internacionalmente. Oiticica encontrana Mangueira, uma nova paisagem para romper com os aprisionamentos e molduras institucionaisda histria da arte. Lygia Clark4 busca no corpo relacional uma cartografia e mapa de resgate dasubjetividade. Emblematicamente, ao final da dcada de 60, Gerchman pega o nibus para Iraje Antonio Dias, j nos anos 70, vai da Itlia para o oriente explorando novas geografias da arte.Todos esses casos so parte de uma insatisfao existencial que traz para a arte uma fuso intrnsecacom a vida enquanto estratgia de ser5, como explora Jonathan Fineberg.

    Cildo MeirelesMalhas da liberdade - parte da mostra Poticas do InfinitoMuseu de Arte Contempornea de Niteri, 2005Foto da Diviso de Educao do MAC-Niteri

  • 138

    Revi

    sta

    Poi

    sis,

    n.

    11,

    p.1

    35-1

    52,

    no

    v. 2

    008

    Nesta abordagem se prope como utopia invertida das microgeografias da esperana, umaaproximao entre esttica existencial e a convocao geografia crtica de aes de razes utpicas,se entrelaando com o que define Milton Santos como natureza do espao, ecloso de sistemas defluxos sobre estruturas fixas. O existencialismo, que tambm inspirou a reviso da geografia de MiltonSantos, estava presente como instrumento conceitual e filosfico para os artistas que passaram atransitar atravs de fluxos de disporas multiculturais diante do desbunde das dcadas de Guerra Fria,Vietnam e as ditaduras militares na Amrica Latina. Geografia e histria da arte se convergem parauma esttica ou potica existencial. Os desafios polticos destes anos de chumbo eram confrontadospor vontades construtivas coletivas, foras utpicas imanentes, anti-monumentais, gerando uma novaanima artstica relacional diante da desanimao poltica; estratgias de luta pela desalienao crticaperante a sociedade de glamour e espetculo que domina e entorpece via alienao social.

    Esta atmosfera de clausura poltica versos espetculo fecundou uma forte reao artstica deengajamento anti-institucional por parte de uma gerao de propositores de novas formas depercepo e participao tico-esttica, dando lugar tambm ao resgate de razes mltiplas dacultura brasileira na sua prpria antropofagia utpica (se utilizando termo de Oswald de Andrade).Mais uma vez, pode se reconhecer a contaminao dos valores eruditos da arte pela realidadesocial e, da mesma forma que nasceram os ideais de antropofagia para o modernismo nos anos 20,o Brasil ps-moderno, sem ter tido tempo de amadurecer suas estruturas institucionais modernistas,redescobre suas riquezas nos paradoxos de seu imaginrio. Das passagens entre modernizaoimportada e a experincia Neoconcreta nasce uma dcada (anos 60) ou segunda gerao brasileirade utpicos antropofgicos.

    Este cenrio de dilemas confronta uma imprevisvel potncia das formas arquitetnicasmonumentais da gerao de Niemeyer com a necessidade da antropofagia criativa brasileira derazes, anti-monumental, repleta de erupes de novas poticas do espao vivencial. Doconstrutivismo da arquitetura modernista dos anos 40 s geraes existenciais /experimentais deartistas ps-anos 50, so formados os primeiros laboratrios de experimentao e percepoexistencialista fenomenolgica, onde tambm se fecunda o novo papel do espectador-participante.Porm, no saldo desta histria de 50 anos, se soma com sinal negativo, a fragilidade das instituiesculturais, museus e centros de circulao e multiplicao desta inusitada criao artstica brasileira.

    De que maneira o legado destas geraes, na sua ousadia antropofgica pode ser continuado,propondo uma nova natureza ambiental, tica e existencial para a experincia artstica, sem quetambm no se leve em conta o seu abrigo potico? Ao redefinir o papel do espectador, os artistastambm apontam novos rumos para a funo, identidade e misso dos espaos culturais comoMario Pedrosa6 defendia, para-laboratrios de percepo e conscincia crtica e potica contempornea.

  • 139

    Uto

    pia

    antr

    opof

    gic

    a da

    s ra

    zes

    do

    Bra

    sil

    Rigo23Abertura na auto-estrada, 2007, mostra no Museu de Arte Contempornea de NiteriFoto da Diviso de Educao do MAC-Niteri

    A des-unidade desta geografia de aes artsticas est trs vezes partida: entre a potica quesalvaguarda os discursos artsticos; as instituies enfraquecidas de recursos humanos, que tende aengessar as foras e aspiraes esttico-existencialistas pelo culto positivista aos objetos; e a sociedade excluda do entendimento do seu papel fundamental como parte de uma conscincia (floresta)que fertiliza a complexidade hbrida das razes da cultura brasileira.

  • 140

    Revi

    sta

    Poi

    sis,

    n.

    11,

    p.1

    35-1

    52,

    no

    v. 2

    008

    Os cinqenta anos da experincia Neoconcreta a serem concludos em 2009 vo exigir umareviso pblica ou prestao de contas pela defasagem entre a vanguarda que inaugurou um Brasilps-moderno, alm das fronteiras do pedestal e moldura, e as instituies civilizantes que deveriamser responsveis pela circulao desses saberes ticos para uma utopia de razes antropofgicas dacidadania cultural.

    O legado dessa condio antropofgica utpica est posto como desafio comunicativo quesejam entendidos como ticos - de se recuperar uma unidade tripartida: sejam nas cadeias derelaes entre as experincias curatoriais, a arquitetura ou estruturas semnticas fixas, e a composiode sistema de fluxo de aes artsticas junto a um pblico diversificado. Da criao recepocriativa o lugar da arte e cultura de confronto permanente, lembrando as fronteiras entre instituio(escola) e floresta (antropofagia). Neste territrio de fluxos e fixos, se fazem e refazem perspectivasestruturalistas e existencialistas; se sobrepem idias e exerccios experimentais da liberdade da artes aspiraes arquitetnicas modernistas da gerao de Niemeyer ou de Affonso Eduardo Reidy.Nos sonhos antropofgicos de uma gerao para outra, a sabedoria das florestas invade os museus(escolas), a existncia invade a arte o museu se tornou mundo.

    Rituais de utopia civilizantes para as razes antropofgicas brasileiras: geografiaRituais de utopia civilizantes para as razes antropofgicas brasileiras: geografiaRituais de utopia civilizantes para as razes antropofgicas brasileiras: geografiaRituais de utopia civilizantes para as razes antropofgicas brasileiras: geografiaRituais de utopia civilizantes para as razes antropofgicas brasileiras: geografiade aes arde aes arde aes arde aes arde aes ar tsticaststicaststicaststicaststicas

    A realidade que produz estas razes antropofgicas a mesma que se inscreve na utopia doBrasil, impregnada de desigualdade social, partida tambm entre floresta de violncia e excluso eos instrumentos de humanizao /civilizao. A utopia da arte, tambm da resistncia de negaresta negatividade, enfrentar o paradoxo da modernizao e ps-modernidade, citando Vera Zolberg7

    como oferecer uma experincia de elite para todos? Desta adversidade vivemos manifestaOiticica, o que pode ser ainda expresso como questionamentos da possibilidade ou impossibilidadedos museus (instituies civilizantes) abrigarem a produo artstica experimental aberta para todasas camadas sociais.

    A arte como ao utpica concreta se expande como estruturas poticas de relaes interativase semnticas com o espao-arquitetura. Ao se tornar campo aberto de relaes espao-temporais,sua potncia pode ser identificada como potica do infinito poieticas8 de mltiplas leituras/leitores.A culminncia destas tendncias para o espao relacional o que pode ser visto tambm comocampo expandido da geometria para a geografia do objeto para os sistemas de ao. Estes princpiosconceituais j encontrados na experincia Neoconcreta so tambm reformuladores de um legado

  • 141

    Uto

    pia

    antr

    opof

    gic

    a da

    s ra

    zes

    do

    Bra

    sil

    de prticas artsticas que se realizam como mudanas nos modos de percepo, no papel eparticipao do espectador. Este legado que inaugura paradigmas ticos e estticos emergentes daps-modernidade, constitui tambm as bases conceituais para a funo e misso dos lugares dacultura e arte na sociedade, no como as torres de pureza dos cubos brancos, mas como territriosde vivncias de re-significaes antecipatrias de novos estados de conscincia e percepo domundo contemporneo. Da tambm, podem ser vistos como microgeografias de esperana etransformao utopias antropofgicas de razes - grassroots utopia9.

    Ao se pensar na relao tencionada entre produo artstica contempornea e seus abrigos, osmuseus e centros culturais, prope-se uma abordagem que considere as re-significaes econtaminaes mtuas entre cultura e sociedade, como um processo sistmico dentro de uma realidadeainda bastante desequilibrada, como esta da desigualdade social brasileira. Para se pensar sobre oproblema do isolamento e alienao dos espaos culturais ligados produo artstica contempornea,prope-se abordar a experincia artstica como ritual de utopia antropofgica de razes para mltiplasleituras e leitores. Nestas bases para um aprendizado existencial surgem paradigmas tico-esttico doengajamento arte/vida, rituais mobilizadores de estados artsticos, que tanto se volte para a existnciaquanto transcendncia fluxos de conscincia potica e histrica.

    Geografia da arGeografia da arGeografia da arGeografia da arGeografia da arte carte carte carte carte cartografia de paradoxostografia de paradoxostografia de paradoxostografia de paradoxostografia de paradoxos

    In this sense sculpture had entered the full condition of its inverse logic and had become pure negativity: thecombination of exclusions. Sculpture, it could be said, had ceased being a positivity, and was now the categorythat resulted from the addition of the not-landscape to the not-architecture.10 Rosalind Krauss

    Dentre estes paradoxos da unidade tripartida brasileira se convergem floresta e escola, assimcomo geografia, paisagem, espao e arquitetura. Ao mesmo tempo, a produo artsticacontempornea se expande enquanto campo relacional sistmico, de encontros de foras opostas. Oestruturalismo se curva para o existencialismo, mas sem deixar de se fazer parte das bases de rupturae vrtices dos territrios de experincias artsticas em campos expandidos, como exerccios de re-significao de lugares de afetividade. Respondendo aos dilemas de uma nova escultura apresentadospor Krauss, Milton Santos pode ser fonte de uma reviso ainda por ser feita em termos de naturezado espao, incluindo as relaes entre sistemas de objetos, estruturas fixas e aes fluxos:

    A idia de forma-contedo une o processo e o resultado, a funo e a forma, o passado e o futuro, o objeto e osujeito, o natural e o social. Essa idia tambm supe o tratamento analtico do espao como um conjuntoinseparvel de sistemas de objetos e sistemas de aes.11

  • 142

    Revi

    sta

    Poi

    sis,

    n.

    11,

    p.1

    35-1

    52,

    no

    v. 2

    008

    Os museus de arte contempornea so fundados sob o mesmo paradoxo conceitual de lugarde encontros de opostos, extremamente crtico para sua identidade e funo, ainda no resolvida:como apresentar os objetos de seus acervos diante da expanso das teorias relacionais da estticae da comunicao, da cognio sistmica e intersubjetiva, das abordagens culturais, e da geografiade fluxos e aes? Como livrar suas colees de serem tratadas como coisas-obras, acompanhadasde receiturios e estratgias de instalaes, como relquias cujos valores e significados esto ligados compilao de informaes, saberes a priori baseados em experincias histricas congeladas dopassado? Como re-inaugurar os museus de arte como campos abertos aos rituais utpicosantropofgicos do agora/presente como templos contemporneos ou fruns sem excluir a florestade percepes da criao artstica na vida, sem perder sua complexidade brasileira (parangol) natranscendncia/infinitude na matria e experincia potica?

    Estas no so questes novas. Pode-se encontr-las nos registros e crticas dos artistas europeusdo sculo XIX dos museus como sarcfagos da arte. preciso fazer convergir reflexes e aesque esto embasando uma esttica e comunicao relacional de bases construtivistas entre existnciae infinito (processo e transcendncia), que se inspiram nas vanguardas da arte e do pensamento dosculo XX. Nesta abordagem, especial ateno dada ao conceito de ritual civilizante nos museusde arte de Carol Duncan12, como chamada para uma mudana de atitude perceptiva, tomadacomo moldura vivencial de tempo e espao, fundamental para a inaugurao ou potencializaode um olhar pensante encarnado na experincia do corpo, o leitor mvel. Prope-se a imagem dabanda de moebius, de dobradura13 ou desdobramento revertvel entre o dentro e o fora doindivduo, assim como da instituio, prdio arquitetura e paisagem, como relao dialtica depassagens recprocas entre arte e no-arte, no mais concentrada nos objetos, mas sim nos estadosperceptivos ou atitudes imaginativas infinito em ambas as direes. Tanto Deleuze como FelixGuattari se debruam no campo de transio e mudanas de paradigmas. Guattari explora justamenteo movimento do infinito:

    a criatividade intrnseca ao novo paradigma esttico exige redobras mais ativas e mais ativantes desse infinitouma primeira dobragem casmica consiste em fazer coexistir as potncias do caos com a da mais altacomplexidade. (p.140).14

    Sem dvida, as praticas artsticas que embasam a passagem entre moderno e contemporneo sefundam na coexistncia entre caos e complexidade, entre floresta e escola, em vrios sentidos e direes,principalmente nas suas dimenses fenomenolgicas da subjetividade conscincia em jogo. Da,sua experincia de recepo e percepo pblica se constitui primeiramente pelo paradoxo doestranhamento, da aproximao entre banal e extraordinrio, do dentro e fora do sujeito/instituio.

  • 143

    Uto

    pia

    antr

    opof

    gic

    a da

    s ra

    zes

    do

    Bra

    sil

    Os museus de arte contempornea precisam ser reinventados como territrios de paradoxosde uma unidade tripartida laboratrios de utopias microscpicas de razes, de encontro entreexerccios de liberdade artstica e cada indivduo, sem perder a sua descoberta do todo, seupertencimento sociedade. A questo principal como realinhar constantemente a atuao destasinstituies com os pensamentos de uma revoluo contnua do conhecimento (contra sua alienaoe encastelamento) como centros avanados de experincias civilizantes territrios de metamorfoseda imaginao e reflexo crtica espaos e templos de liminalidade.

    A expanso do objeto para o espao pode ser acompanhada por diferentes leituras, e da paraa tica e estticas relacionais, ou como aqui apresenta-se como geografia da arte. Existe umaequivalncia entre o conceito de territrio existencial de Guattari e o campus de experincias que Hlio Oiticica chamou de den (por acaso um paraso utpico/pr-histria). Reinventar o museupelo chamado exerccio experimental da liberdade t-lo como territrio do futuro concreto utopia ou entre lugares, pois que tambm seja entre-tempos (liminal) de conscincia expandida.Os desafios da vida pblica dos museus de arte hoje se equivalem s vrias unidades tripartidas quese tensionam entre: arte, cultura e sociedade; arte, histria e potica; arte (exerccio da liberdade),instituio e recepo; arte, mercado e poltica. Nestas conjugaes triangulares a obra de artecircula entre sua origem na poitica e seu destino na histria, lembrando o Tratado para uma NovaCincia de Giambatista Vico15. Para Vico a poiesis fator inaugural de saberes que constri alinguagem, a filosofia e novas histrias. Da mesma forma, se desdobram da criao artstica asinstituies pblicas, as colees particulares, as bienais e museus, formando os caminhos decirculao e geografias desta cincia da arte. A geografia da arte se organiza como mtodo deabordagem sistmica que envolve a poltica e economia da produo cultural, como qualificao deespaos de ao fixos e fluxos - que regem todos os vrtices desses tringulos: produo, fruioe histria. A vitalidade desta geografia da arte est no fortalecimento das relaes entre produoartstica, circulao de saberes e histria. Arte, como Ernst Bloch defende pela sua funo utpica16,atua geograficamente como matria concreta de transformao e formao de subjetividades, florestae escola, atingindo dimenses antecipadoras de saberes ainda no conscientes da esfera individual,coletiva e social da sua condio inaugural ou poitica.

    Os museus (lugares) de arte no Brasil podem ser pensados como instituies com basesparadoxais j apontadas desde as primeiras dcadas do sculo passado por autores como SrgioBuarque de Holanda17 e Oswald de Andrade18. Ambos apontam seus olhares crticos para asinstituies representantes dos portais civilizantes para o modernismo, com tenses contraditrias

  • 144

    Revi

    sta

    Poi

    sis,

    n.

    11,

    p.1

    35-1

    52,

    no

    v. 2

    008

    ligadas, por um lado, s suas origens eurocntricas, resultantes de um longo processo dedesenvolvimento (e crise) da razo iluminista, por outro, s demandas de re-significaes edesalienao junto realidade e razes brasileiras. O confronto do novo mundo com uma velhacivilizao elaborado por Holanda a partir de uma indagao sobre os limites de adaptao entrepadres civilizantes europeus trazidos por suas instituies parte de um sistema de evoluo prpriode outro clima e de outra paisagem.

    Trazendo de pases distantes nossas formas de convvio, nossas instituies, nossas idias, e timbrando emmanter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorvel e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossaterra. (Ibid. p.19)

    Mais potico ou metafrico Oswald, em Poesia Pau-Brasil (1924), compe com um emblemticojogo de imagens as crises de identidade.

    A Poesia Pau-Brasil uma sala de jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata resumida das gaiolas,um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente.

    Nenhuma frmula para a contempornea expresso do mundo. Ver com olhos livres.

    Temos a base dupla e presente a floresta e a escola. A raa crdula e dualista e a geometria, a algebra e a qumicalogo depois da mamadeira e do ch de erva-doce. Um misto de dorme nen que o bicho vem peg e de equaes.

    Esta unidade tripartida pode ser revista tambm pela abordagem de Flix Guattari, onde omeio ambiente, as relaes sociais e subjetividade humana, formam trs eixos simultaneamenteatuantes, tanto na produo artstica contempornea, como tambm na sua recepo. Estes eixosestticos e ticos podem servir como indicadores qualitativos para uma poltica de ao/reflexo deum ecomuseu ou museu da conscincia contempornea, pelo legado das revises e reinvenesartsticas ps-moderna. Aqui se aponta para a recuperao de uma unidade tripartida na qual a re-significao do museu de arte contempornea passe por uma convergncias entre geografia, umanova ecosofia, e o legado das utopias modernas e ps-modernas. As mudanas de paradigmas domoderno para o contemporneo devem ser incorporadas como trajetria tico-esttica da forma-objeto para o espao-atitude e gesto de produo experimental artstica livre, reconhecendo naparticipao e no coletivo o comprometimento com um programa ambiental no sentido de Guattari.19

    Nesta abordagem, os exemplos da produo artstica contempornea e a arquitetura de Niemeyerpara o MAC-Niteri, servem justamente como elementos desestabilizadores de uma ordem floresta-

  • 145

    Uto

    pia

    antr

    opof

    gic

    a da

    s ra

    zes

    do

    Bra

    sil

    escola que necessita constantemente se reinventar a ordem cujo primado de carter cientificista oupositivista do conhecimento, mata resumida das gaiolas da Poesia Pau-Brasil, a instituio museusherdada do velho mundo. A identificao de necessidades de mudanas entre o primado das moldurase cnones historicistas nos museus, para a condio de laboratrio de percepo-experincia, denunciaa ausncia de uma nova ordem mais abrangente, que no deixe escapar as dimenses intrinsecamenteevolutivas, criativas e autoposicionantes dos processos de subjetivao. Estas instituies pblicas damemria passam a ser tambm de produo de uma conscincia expandida para e com os modos depercepo e criao da arte contempornea. Da, sim, laboratrios da conscincia contempornea, osMACs devem se tornar usinas de imaginao e preservao de um patrimnio da criao artstica,mais imaterial do que material, das vanguardas do moderno e ps-moderno, forjando novosparadigmas que sero, de preferncia, de inspirao tico-esttica. As utopias do antimuseu seconvergem com as vises anti-arte e existencialistas de Hlio Oiticica o museu o mundo. Da seaponta para uma demanda conceitual pela re-significao dos museus como territrios (ou laboratrios)de experincias participativas, ecomuseus da arte contempornea, alinhando o Programa Ambientalde Oiticica como uma pedagogia existencial voltada recomposio de uma abordagem relacionalentre o socius com psique e com o meio ambiente.

    A preocupao com a subjetividade e os territrios existenciais so contribuies de Guattarique apontam para o papel da ecologia social, mental e ambiental interligadas sob a gide tico-esttica de uma ecosofia. Isto implica em tomar o legado das utopias como mobilizador dasexperincias artsticas, para se pensar arte como territrio do futuro presente nos (anti)museus. Oponto focal desta re-significao se desloca para um compromisso com a prpria misso dupla dosmuseus templos/forum, mdulos de subjetivao ou territrios existenciais, como centros deengajamento experincia e tenso que rompam com ancoramentos do passado e proponhamestados de percepo e recepo abertos da formao da subjetividade, o individual e o coletivopara a projeo do futuro.

    Confrontos entre floresta e instituies: iniciao aos rituais civilizantesConfrontos entre floresta e instituies: iniciao aos rituais civilizantesConfrontos entre floresta e instituies: iniciao aos rituais civilizantesConfrontos entre floresta e instituies: iniciao aos rituais civilizantesConfrontos entre floresta e instituies: iniciao aos rituais civilizantes

    com a oportunidade de se publicar um dos principais artigos de Carol Duncan sobre as relaesentre museus-cidade e seus rituais civilizantes, que estas reflexes buscam articular os desafios dosmuseus de arte e a condio partida da cultura brasileira, sem unidade ou fragmentada. Ao sepropr uma unidade tripartida se reconhece ainda uma vontade construtiva capaz de fazer convergir osvetores da arte instituio e a experincia/sociedade. As relaes entre arquitetura, espao urbano e os

  • 146

    Revi

    sta

    Poi

    sis,

    n.

    11,

    p.1

    35-1

    52,

    no

    v. 2

    008

    rituais de experncia esttica apontados por Duncan foram e so at hoje extremamente ricos ao sepensar casos como MAC de Niteri, MAM do Rio de Janeiro e o Centro de Arte Hlio Oiticica.20

    A visita a um espao pblico de manifestao artstica previsto dentro de uma malha urbanasegundo os padres europeus do sculo XIX, pode ser tomada como um ritual civilizante no sentidode Carol Duncan. Este ritual envolve o conceito de liminality de transformao de estado deateno, de passagem para um tempo-espao intensamente suspenso do mundo externo quepode ser associado a uma experincia esttica, museu-cidade. Da Duncan aplicar este conceito depassagem/transformao aos exemplos dos palcios que se tornaram museus a partir do sculoXVIII, protegidos por parques e praas, onde percursos urbanos e configuraes arquitetnicaspromoviam uma longa caminhada atravs da qual o sujeito iria purificando a sua percepo at asua entrada no templo da experincia esttica. Podemos lembrar comparativamente o MAM-RJ e oprprio MAC-Niteri, cujas arquiteturas invocam uma moldura ampliada diante de vises de paraso,o primeiro com o parque do aterro diante da enseada com vistas para o Po de Acar, e o outrocom a prpria viso da paisagem ampliada da Baa de Guanabara.

    A leitura que Carol Duncan faz para a experincia esttica nos museus de arte como espaos derituais civilizantes, se conceitua pela vivncia liminal de mudanas de estados perceptivos do visitanteno seu percurso, atravs dos seguidos afastamentos entre os rudos da cidade at a entrada aosanturio das obras de arte. Desde os registros do sculo XIX reunidos por Duncan, o museu de artej considerado como um territrio sagrado de suspenso do tempo-espao pela experinciaesttica. Esta abordagem que se amplia para a relao museu-cidade, pode contribuir para a questoparadoxal das relaes entre arte contempornea, arquitetura e sua institucionalizao nos museus,e mais ainda para a cultura brasileira de fragmentao entre floresta e escola, caos e complexidade.Esta relao de liminalidade, entre o espao de pureza e suspenso para a experincia estticadentro dos museu e o caos do cotidiano das cidades contemporneas, foi tencionada pelosmovimentos e manifestos ps anos 60. A descoberta do mundo, enquanto campo expandido daarte ao longo do sculo 20, rompeu molduras, como especialmente expressa Helio Oiticica no seuPrograma Ambiental/Parangol. Porm cabe pensar aqui, como a condio de percepo expandida,estados artsticos de transfigurao do lugar comum, ainda podem ser entendidos como rituais deliminalidade talvez, no na busca do civilizante, mas do estado de conscincia potica-selvagem.A experincia da cidade passou a ser incorporada como suporte expandido desta condio liminalda produo e percepo da obra de arte para alm das molduras tradicionais das institues. Damesma forma, a geografia do entorno das instituies, tais como o Centro de Arte Hlio Oiticica na

  • 147

    Uto

    pia

    antr

    opof

    gic

    a da

    s ra

    zes

    do

    Bra

    sil

    Elida TesslerA arte no horizonte do provvel: homenagem a Haroldo Campos

    Parte da mostra Poticas do Infinito, Museu de Arte Contempornea de Niteri, 2005Foto da Diviso de Educao do MAC-Niteri

    Praa Tiradentes, ou paisagem na qual se inscreve o MAC em Niteri, ou MAM no Rio de Janeiro,devem ser potencializadas como parte de um sistema de signos e palimpsestos que compem umterritrio histrico e semntico de percepes ampliadas com a qual tambm jogam os artistascontemporneos. A atrao para fora das molduras que impulsionou a produo artstica do sculoXX, hoje se atualiza pela sua dimenso existencial e tica to presente nas aes/intervenes urbanas,agenciamentos scio-culturais de lugares especficos. Porm no deixam de invocar relaes rituaisde leitura e transformaes perceptivas incorporando estados de engajamentos e liminalidade,alinhando as prticas artsticas contemporneas a uma ateno ambiental sistmica e no objectual

  • 148

    Revi

    sta

    Poi

    sis,

    n.

    11,

    p.1

    35-1

    52,

    no

    v. 2

    008

    Elida TesslerA arte no horizonte do provvel: homenagem a Haroldo CamposParte da mostra Poticas do Infinito, Museu de Arte Contempornea de Niteri, 2005Foto da Diviso de Educao do MAC-Niteri

    (atomista). Estes estados artsticos no deixam de ser de razes antropofgicas e utpicas das quaisse renem sob o conceito de geografias de aes.

    Duncan elabora uma crtica histrica razo e civilizao europia, envolvendo a origem daexperincia esttica nos museus de arte com um deslocamento conceitual, rompendo ou transferindoa alienao dos objetos dos palcios aristocrticos e dos altares das catedrais, para juntos modelaremum espao de suspenso e estesia. A moldura institucional da luxria dos sales ou da f da Igreja substituda para servirem aos rituais de conhecimento, segundo ordens e valores iluministasinternacionais/universais. A re-significao do sagrado pela liminalidade de potncia esttica embasasua reviso sobre as experincias civilizantes nos museus de arte.

  • 149

    Uto

    pia

    antr

    opof

    gic

    a da

    s ra

    zes

    do

    Bra

    sil

    Nesta abordagem sobre o embate entre arte contempornea e instituio pode se pensar, noparalelo arquitetnico/urbano entre templo e museu, que inspirou a aproximao dos rituais civilizantesde Duncan21 com o redimensionamento do sagrado pela experincia esttica. Mas tambm, vale aose considerar como parte da expanso dos campos de intencionalidade da produo artsticacontempornea, as relaes (ritualsticas) do espectador na suspenso liminal envolvendo corpo-espao,olhar e conscincia (potica e histrica). Conjugam-se demandas por mudanas de atitude comterritrios simblicos e culturalmente demarcados por palimpsestos, superposies de percepesantagnicas de camadas semnticas transtemporais. Para os abrigos poticos contemporneos,mesmos que temporrios, vale tambm o paralelo com os territrios de rituais liminalidade - comoestratgias artsticas relacionais de transformaes perceptivas, formulaes propostas de estadosartsticos espao-temporal compartilhados, que manifestam-se quase que hermeticamente parainiciados, como fluxos de conscincia potica, envolvendo o resgate de um jogo entre subjetividade esociedade, experincia esttica e histria da arte, mas tambm, do corpo sensvel de um leitor mvel,imerso no tecido de escritas entre caos e sistemas comunicativos complexos entre floresta e instituio.

    Microgeografias da Esperana & Utopias inverMicrogeografias da Esperana & Utopias inverMicrogeografias da Esperana & Utopias inverMicrogeografias da Esperana & Utopias inverMicrogeografias da Esperana & Utopias inver tidas de razes - Ptidas de razes - Ptidas de razes - Ptidas de razes - Ptidas de razes - Paradigmasaradigmasaradigmasaradigmasaradigmasemergentes da tica da paremergentes da tica da paremergentes da tica da paremergentes da tica da paremergentes da tica da participao e estticas eticipao e estticas eticipao e estticas eticipao e estticas eticipao e estticas existenciaisxistenciaisxistenciaisxistenciaisxistenciais

    Paralelo expanso conceitual que envolve a produo artstica contempornea suas leiturastambm passam a lanar mo da geografia, dos mtodos interpretativos etnogrficos da antropologiae dos estudos culturais. Enquanto se identificam parmetros ticos e estticos emergentes, umadimenso existencial ou relacional se adere aos sistemas simblicos que se articulam nos discursosartsticos contemporneos. Assim, dialeticamente fazem e refazem as vises e expresses poticasde uma poca. Interessa reconhecer como e quais atributos dessa esttica existencial emergenteso potencializados aos seus limites, tais como, o corpo, espao-tempo, conscincia, linguagem esubjetividade, como parte das tramas poticas com as quais a produo crtica e artsticacontempornea alimenta os desafios comunicativos entre arte/instituio e vida/sociedade. MiltonSantos do outro lado das disciplinas estticas se aproxima pela tica social do espao:

    Pode-se pensar numa dialtica entre a sociedade e o conjunto de formas espaciais, entre a sociedade e a paisagem?Ou a dialtica se daria exclusivamente entre sociedade e espao? a sociedade, isto , o homem, que anima asformas espaciais, atribuindo-lhes um contedo, uma vida. S a vida passvel desse processo infinito que vai dopassado ao futuro, s ela tem o poder de tudo transformar()22

  • 150

    Revi

    sta

    Poi

    sis,

    n.

    11,

    p.1

    35-1

    52,

    no

    v. 2

    008

    A busca da essncia e existncia atravs do conceito de espao, ou geografia de aes, podeser contada atravs de diferentes abordagens estticas e ticas da cultura contempornea. A conquistado espao participativo construda desde as vanguardas russas do incio do sculo passado, aindasoam como desafio para as instituies pblicas de arte. O legado de livre experimentao artsticareivindica das instituies uma condio de laboratrios de antecipaes utpicas segunda umaordem concreta e existencial aqui e agora. O que significa reconhecer que no se pode fundarparadigmas ticos para a revoluo permanente da arte sem que estes sejam parte da reinvenode suas instituies. Convergir arte e cincias sociais no uma fcil tarefa, mas necessria. Asutopias ps-modernas de engajamento entre arte e vida, ou de uma viso expandida para ospatrimnios culturais visam atingir o intangvel do legado humano, a subjetividade e formao deuma conscincia engajada no mundo da ser microscpica, de razes. fazendo convergir estesvetores existenciais, ticos e estticos para uma unidade tripartida, que a experincia artstica secompleta como laboratrio de relaes humanas, onde o terceiro vrtice a sociedade.

    Uma utopia antropofgica de resgate de razes na vida pela arte equivale ao seu devir comoconscincia em ao auto-renovadora. No se deve abrir mo da funo utpica da arte. Da mesmaforma, no pode se separar o laboratrio de criao artstica de suas instituies e abrigos poticos,mas sim continuamente reinvent-los - antropofagicamente. Paradoxalmente, sua imanncia etranscendncia est na sua insero de futuros no presente, na formao de novas redes de fluxossimblicos nos tecidos das relaes scio-culturais, alinhando a terra-concreta da experincia aodevir da conscincia potica e histrica, antecipatria de novas formas cognitivas e sensoriais.

    Ao mesmo tempo, que essas utopias antropofgicas de razes brasileiras se dobram e redobramentre vanguardas modernas e ps-modernas, entre geraes de arquitetos e artistas, vai seentrelaando a histria e geografia da arte e dos museus (instituies civilizantes), seres das florestas,museus e academias do Brasil. Nesta paisagem de atravessamentos culturais e conceituais, o quevale para os estudos por uma nova condio dos patrimnios culturais tangveis e intangveis, valetambm como parte dos desafios da misso de todos os museus e espaos pblicos para a artecontempornea. Lembrando o quanto se pode perder da funo utpica da arte, quando no formais causadora de novas formas de devir entre sujeito e sociedade, caos e complexidade, memriae conscincia, caso no sejam constantemente resgatadas e salvaguardadas a origem e destinoritualstico (da liminalidade) da experincia artstica como superposio entre floresta e escola.

  • 151

    Uto

    pia

    antr

    opof

    gic

    a da

    s ra

    zes

    do

    Bra

    sil

    NotasNotasNotasNotasNotas1 ANDRADE, Oswald de. Manifesto Pau-Brasil.2 OITICICA, Hlio. Espao. In. Aspira ao Grande Labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 19863 FINEBERG, Jonathan. Art Since 1940. Strategies of Being. New York: Harry Adams Inc., 1995. Fineberg desenvolve neste

    livro um mapeamento da produo artstica desde os anos 40 a partir de suas relaes com os pensadores Existencialistas.4 BRETT, Guy. Brasil Experimental. Arte/vida: Proposies e Paradoxos. Rio de Janeiro: Contra Capa, 20055 O Existencialismo gerou o que Fineberg chamou de mudana a partir do: both structuralism and american formalist

    criticism centered on the material object, unlike existentialism, which concentrated on the nature and response of the subject.6

    Sartre and Heidegger were considered by Fineberg the philosophers of engagement, strategies of being, giving the historicalground for his existential focus. fineberg registra como retomada existencialista as poticas ps anos 50 que trazem a produoartstica para uma aproximao direta com a vida, o corpo e a subjetividade, principalmente no que concerne uma fenomenologiaexistencial de foco na experincia do espectador. In. Tese de doutorado no publicada. VERGARA, Luiz Guilherme. In Search OfMission And Identity For Brazilian Contemporary Art Museums In The 21st Century. Study Case: Museu De Arte Contemporneade Niteri. Nova Iorque, New York University, 2006.

    7 PEDROSA, Mrio. Poltica das Artes Textos Escolhidos I. Otlia Arantes (org ). EDUSP, SP8 ZOLBERG, Vera. An elite experience for everyone: Art museums, the public, and Cultural Literacy. In SHERMAN, Daniel

    J. e ROGOFF, Irit. Museum culture: histories, discourses, spectacles. Minneapolis, EUA: University of Minnesota Press, 1994.9 Poiticas: usada como no sentido que Haroldo de Campos muito bem explorou as mltiplas tendencies na produo

    artstica contempornea, com especial ateno aos problemas da criao das vanguardas.10 Grassroots utopia (utopia de razes): conceito elaborado na Tese de Doutorado. New York University (2006) usado com

    referncia a Grassroots Globalization de Appadurai. In. APPADURAI, Arjun. Globalization. London: Duke University Press, 2003.11 KRAUSS, Rosalind. The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. Massachusetts: The MIT Press, 1985.

    In this sense sculpture had entered the full condition of its inverse logic and had become pure negativity: the combination ofexclusions. Sculpture, it could be said, had ceased being a positivity, and was now the category that resulted from the addition ofthe not-landscape to the not-architecture. Neste sentido a escultura entrou na condio plena de sua lgica invertida e setornou pura negatividade: a combinao de excluses. Escultura, poderia ser ditto, deixou de ser uma positividade, e passa a seragora uma categoria resultante da adio da no-paisagem a no-arquitetura. Traduo livre.

    12 SANTOS, Milton. A Natureza do Espao. So Paulo: Edusp, 2002. (p. 103)13 DUNCAN, Carol. Civilizing Rituals. Inside public art museums. London: Routliedge, 199614 DELEUZE, Gilles. A Dobra. Leibniz e o Barroco, Papirus Editora, Campinas, SP, 2000, atravs deste estudo sobre o Barroco

    e Leigniz, consti uma densa configurao entre o dentro e o fora , alma e matria, pela dobra. Certamente no caber aqui seaprofundar, mas apenas cit-lo como uma das referncias para uma pedagogia entre existncia e infinito atravs da experinciaartstica.

    15 Felix Guattari, Caosmose. Um novo paradigma esttico, editora 34, Rio de Janeiro, 2000 : evidente que a arte nodetm o monoplio da criao, mas ela leva ao ponto extremo uma capacidade de inveno de coordenadas mutantes. Olimiar decisivo de constituio desse novo paradigma esttico reside na aptido desses processos de criao para se auto-afirmarcomo fonte existencial, como mquina auto-poitica. (p.135).

  • 152

    Revi

    sta

    Poi

    sis,

    n.

    11,

    p.1

    35-1

    52,

    no

    v. 2

    008

    16 VICO, Giambatista. The First New Science. UK: Cambridge University Press, 2002.17 Funo utpica da arte no sentido de Ernst Bloch antecipadora de valores ainda no conscientes, sonhar diurno. In.

    BLOCH,Ernst. The Utopian Function of Art and Literature. Selected Essays. Massachusetts: The MIT Press, 1996.18 HOLANDA, Sergio Buarque. Fronteiras da Europa. In. Holanda, Sergio Buarque. Razes do Brasil. So Paulo: Editora

    Schwarz, 2002.19 DE ANDRADE, Oswald. Manifesto da Poesia Pau-Brasil. In. De Andrade, Oswald. A Utopia Antropofgica.So Paulo:

    Editora Globo S.A., 2001. Originally published in the Correio da Manh, 18 de maro de 1924.20"a nova referncia ecosfica indique linhas de recomposio das prxis humanas nos mais variados domnios. Em todas

    as escalas individuais e coletivas, naquilo que concerne tanto vida cotidiana quanto reinveno da democracia no registrodo urbanismo, da criao artstica, do esporte etc. trata-se, a cada vez, de se debruar sobre o que poderiam ser os dispositivosde produo de subjetividade, indo no sentido de uma usinagem pela mdia, sinnimo de desolao e desespero. Como tal, omuseu adere rede urbana como espao tambm de construo de uma pedagogia capaz de inventar seus mediadoressociais produo de existncia humana em novos contextos histricos.

    Deslocando a ecosofia de Guattari para ampliar os horizontes potenciais de atuao e desalienao dos espaos culturais,prope-se tomar a experincia artstica como catalisadora em escala micro como tambm macrossocial. Quanto mais explodemcategorias determinsticas de percepo e saber mais a produo artstica contempornea se torna campo de foras dereconstruo ou reflexo coletiva do ser-em-grupo. Sua dimenso interativa reflexiva parte de uma diversificao empotica, materiais e estratgias ambientais, mas se conclui com contedos simblicos da nossa poca. Ao sujeito se oferececomo vetor de subjetivao, experincias de aprendizagem de si mesmo. laboratrio para uma pedagogia existencial decruzamento entre eu-ns-outros, no sentido de voltar a interioridade reversivelmente entre o dentro e o fora, o particular e opblico.

    21 O caso da arquitetura do MAC-Niteri de Niemeyer, ao resgatar os dilogos com a paisagem natural presentes tambmno MAM-RJ, de Affonso Eduardo Reidy, aproxima pocas e utopias diferentes, superpondo ideais arquitetnicos modernistascom paradigmas emergentes da arte contempornea, de abertura da obra para alm da moldura, e sua desmaterializaoenquanto objeto para a experincia de processos de significao espao-ambientais. As intuies concebidas por estes arquitetos,inauguravam tambm vises de territrios de trocas simblicas em geografias abertas entre cultura e natureza, de reversespermanentes entre o dentro e o fora da floresta-escola.

    22 Duncan, em sua abordagem de rituais cvicos, aponta o Louvre como marco histrico para o surgimento de um novoespao pblico identificando o indivduo com o orgulho e o poder do Estado. Do sculo XIX ao XX a febre de museus comosmbolos de soberania nacional se espalhou os objetos e sales da aristocracia foram didaticamente reorganizados segundo arazo iluminista. Os bens do Estado nos museus pblicos de arte cumpriam sua misso civilizante de dar ao cidado burgus aoportunidade de iluminao pelo conhecimento da evoluo da histria cultura contada pelos seus tesouros.

    23 SANTOS, Milton. A Natureza do Espao. So Paulo: EDUSP, 2002.