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Política de gênero faz a diferença – Berlim, outubro de 2007 “Política de gênero faz a diferença”: O futuro da política feminista e da democracia de gênero na Fundação Heinrich Böll Barbara Unmüßig, Conselho Executivo Tradução Caroline Corso 1

“Política de gênero faz a diferença”: O futuro da política ... · Em comparação com a situação das mulheres ainda na primeira metade do século XX, vivemos uma transformação

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Política de gênero faz a diferença – Berlim, outubro de 2007

“Política de gênero faz a diferença”:O futuro da política feminista e da democracia de

gênero na Fundação Heinrich Böll

Barbara Unmüßig, Conselho Executivo

Tradução Caroline Corso

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Política de gênero faz a diferença – Berlim, outubro de 2007

Introdução

A política de gênero, assim como as análises e estratégias feministas, ocupa um lugar central e permanente no trabalho da Fundação Heinrich Böll, tanto em suas atividades na Alemanha e no exterior quanto na promoção de estudos e no desenvolvimento da própria organização. Ela é uma de suas características políticas mais importantes. No que diz respeito ao desenvolvimento organizacional, a Fundação tornou-se precursora e serve de exemplo para muitas outras entidades.

“… temos orgulho [da tarefa de interesse comum que é a democracia de gênero na Fundação Heinrich Böll], pois tais estruturas são dificilmente encontradas em outras organizações

mistas. No entanto, não há nenhuma razão para que abandonemos o processo de desenvolvimento da Fundação à sua própria sorte.“

Feita em 1999, essa afirmação de Gunda Werner - idealizadora do modelo de democracia de gênero da Fundação Heinrich Böll – é o lema resultante de uma reflexão profunda sobre nossas estratégias e o foco político da política de gênero, bem como sobre a sua consolidação institucional na Fundação Heinrich Böll.

Parte essencial de nossa cultura política é avaliar se nossa orientação em matéria de política de gênero está no caminho correto, perante os novos desafios sociais e econômicos. Exercemos algum tipo de influência sobre o discurso da política de gênero? Como fundação política, somos capazes de gerar novos impulsos em termos de política de gênero e de promover uma maior justiça entre os sexos – no plano mundial? Concluindo: como podemos tornar realidade o nosso modelo de democracia de gênero dentro de nossa própria organização, dentro da cultura corporativa?

Para respondermos estas questões, começamos, no ano passado, a realizar uma série de discussões e a levar a cabo mudanças importantes. Unimos duas unidades: a “Unidade de Coordenação Democracia de Gênero” e o “Instituto Feminista” (que até então trabalhavam separadamente) em uma organização e unidade de trabalho comuns. Com isso, pretendemos nos tornar politicamente ainda mais fortes e trabalhar as tensões entre o feminismo e a democracia de gênero de maneira conjunta e produtiva. O “Instituto Gunda Werner para o Feminismo e a Democracia de Gênero” (GWI na sua sigla em alemão), fundado recentemente, tem como objetivo demonstrar que faz uma grande diferença para o trabalho de educação política analisar determinados temas a partir da perspectiva de gênero, gerando assim novos impulsos para as ações políticas.

Ao mesmo tempo em que isso foi sendo feito, a Fundação Heinrich Böll submeteu a sua política de igualdade, de justiça entre os gêneros e de promoção das mulheres no seu trabalho internacional a um amplo balanço. Durante uma oficina estratégica, o departamento internacional recebeu novas orientações para o futuro.

Com este documento-base pretendemos:

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em primeiro lugar: dedicar-nos aos desafios políticos em matéria de política de gênero, perante os quais se encontram nossas atividades na Alemanha e no exterior, renovando nossa autoimagem, bem como nosso modelo de democracia de gênero.

em segundo lugar: proporcionar um perfil mais claro às nossas orientações programáticas, definir objetivos e tarefas e colocar-nos de acordo quanto aos conceitos e aos instrumentos da política de gênero.

O Conselho Executivo da Fundação adotou “diretrizes programáticas” e declarou a política de gênero como ação de interesse comum, mas também como temática independente. Isso será reforçado no trabalho na Alemanha e no exterior, assim como no desenvolvimento organizacional mediante programas concretos e recursos financeiros e humanos correspondentes.

Como nenhum outro documento estratégico da Fundação Heinrich Böll, este foi discutido intensamente com colaboradores e colaboradoras de quase todos os departamentos, bem como com os seus grêmios voluntários (Conselho Administrativo, Conselho de Mulheres, Assembleia Geral de Membros, Conselho de Especialistas Norte-sul e de Estudantes, assim como com o fórum Männer). A maioria das muitas sugestões e complementos que nos foram feitos foi incorporada a esta versão final do documento-base sobre o futuro da política feminista e da política relativa à democracia de gênero na Fundação Heinrich Böll.

A todos aqueles que colaboraram na sua elaboração, gostaríamos de expressar o nosso imenso agradecimento.

A. Os desafios da política de gênero

I Os êxitos da política para as mulheres

Mediante processos políticos e mudanças econômicas radicais, as relações entre os sexos começaram a se transformar. Na Alemanha, Europa e em todo o mundo, as relações sociopolíticas e a igualdade jurídica das mulheres puderam avançar graças à influência dos movimentos de mulheres e da teoria e prática feministas.

Desde os anos 1980, a “estatização” da política para as mulheres vem gerando um grande número de leis, regulamentos, resoluções das Nações Unidas, políticas supranacionais (União Europeia) e nacionais na maioria dos países com o objetivo de estabelecer a igualdade entre os gêneros.

Tais mudanças políticas e sociais, bem como as transformações econômicas e culturais provocadas pelos processos da globalização, criaram em todos os lugares uma grande variedade de formas de vida e trabalho.

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Assim, mulheres de todo o mundo conquistaram espaço em termos econômicos e políticos, dando um gigantesco passo a frente no mercado de trabalho: 40% da população ativa em todo o mundo é composta hoje por mulheres – há 30 anos era apenas a metade. Grandes avanços em direção à igualdade de gênero também são observados na área educacional. Mediante iniciativas da sociedade civil e estatais por mais igualdade para as mulheres, a situação legal delas também melhorou.

Sem dúvida, a Plataforma de Ação de Beijing da Conferência Mundial sobre a Mulher de 1995 foi um marco internacional para a política de gênero, em que, pela primeira vez, a categoria Gênero foi introduzida no âmbito da política internacional. Com ela, reconheceu-se que os papéis atribuídos aos gêneros e às relações que estes cultivam entre si estão incorporados nos contextos sociais, políticos, econômicos e culturais e, assim, passíveis de transformação.

Com o auxílio do instrumento do gender mainstreaming – consagrado na Plataforma de Beijing como abordagem estratégica – instituições estatais, organizações internacionais e empresas devem questionar os estereótipos atribuídos aos gêneros tanto na esfera privada como no espaço público e realizar mudanças em um sentido emancipatório. A novidade aqui foi o fato de esse instrumento focar explicitamente na dinâmica existente entre mulheres e homens. Por essa razão, a eliminação das desigualdades e das relações não democráticas entre os sexos deve ser também tarefa dos homens. Dessa maneira, eles passam a ser, pela primeira vez, destinatários da política de gênero, uma inovação, embora ainda falte muito para ser considerado um êxito. A implementação do instrumento do gender mainstreaming, provido de sua intenção radical original, é frequentemente bloqueada política e financeiramente, não é levada a sério ou é exercida tecnocraticamente com restrições. Até hoje, o seu potencial quanto à política de gênero não conseguiu se desenvolver plenamente em nenhuma sociedade.

II Política de gênero e política para as mulheres: desafios a superar

Em comparação com a situação das mulheres ainda na primeira metade do século XX, vivemos uma transformação quase que revolucionária. Contudo, apesar dos indiscutíveis avanços obtidos tanto na Alemanha quanto em nível internacional, ainda falta muito para que sejam eliminadas as hierarquias, as diferenças de poder e as relações de domínio entre os sexos.

Discriminação, preconceito e violência são ainda fatores característicos da vida de milhões de mulheres em todo o mundo. Não há praticamente documento ou conferência internacional (sobre mulheres) que não confirme o aumento da desigualdade estrutural entre os gêneros em várias sociedades. Elas continuam sendo excluídas dos processos de decisão políticos. A sua situação política é precária. Apesar do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, as diferenças econômicas em detrimento das mulheres pouco diminuíram. Isso se deve, entre outros motivos, ao fato de as mulheres, em uma porcentagem muito maior em relação aos homens, trabalharem em condições de precariedade e em meio período, bem como em áreas mal remuneradas. No entanto, os

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homens também se veem mais do que nunca afetados pelo desemprego e a marginalização. Características dessa situação são, por exemplo:

- A ainda existente diferença e hierarquia entre os gêneros na divisão do trabalho em muitos setores econômicos, na política, no meio científico, na administração pública e na vida privada.

- O acesso desigual das mulheres a diferentes recursos (tais como educação, meios de comunicação, serviços de saúde, recursos financeiros públicos, terra, mas também recursos “naturais”).

- A diferença salarial entre os sexos, sobretudo no que diz respeito à remuneração desigual por trabalho igual ou equivalente. Em toda a Europa, a renda média das mulheres é 15% inferior à dos homens. Em termos mundiais esta diferença chega a 30%.

- Em comparação com os homens, as mulheres (em todo o mundo) ocupam-se o dobro do tempo com trabalhos não remunerados, cuidando dos filhos, familiares e da casa e também com trabalhos comunitários. A imagem dominante da masculinidade é a do homem como responsável principal pela renda familiar, excluído da lida doméstica e da educação dos filhos. Até hoje, pouco mudou no que diz respeito à divisão sexual do trabalho.

- A participação desigual nos processos democráticos de formação de opinião e decisão política e no exercício de cargos em partidos e na administração pública.

- A violência contra as mulheres. Em todos os casos de violência doméstica registrados mundialmente, 95% das vítimas são mulheres. Na Alemanha e na Europa, as migrantes são as mais afetadas.

- A adoção de padrões tradicionais de comportamento e identidade sexuais (como o conceito de família heterossexual) e a discriminação de orientações sexuais fora da norma heterossexual.

A política de gênero é hoje tão relevante e necessária quanto era no passado, mesmo que a sociedade e o contexto sociocultural sejam atualmente diferentes. As relações e as hierarquias entre os gêneros estão estreitamente ligadas às transformações políticas, sociais e, sobretudo, econômicas. Mesmo que as conjunturas de poder e interesse estejam em constante transformação, são justamente as estruturas hierarquizantes entre os gêneros as que permanecem profundamente enraizadas nas instituições e organizações da sociedade.

Simultaneamente, a continuidade das assimetrias de poder entre os sexos tornou-se frágil. Elas são diferentes entre os sexos e dentro de cada grupo de gênero. A simples divisão entre homens poderosos e mulheres frágeis já chegou há muito tempo ao seu limite.

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As abordagens estratégicas e políticas com vista a alcançar os objetivos da democracia e da igualdade de gênero precisam estabelecer constantemente novas relações entre as complicadas interações entre Estado, economia e sociedade e as relações entre os gêneros, analisando as diversas conjunturas que, em parte, se contradizem.

Ao mesmo tempo (e isso é o que a Fundação Heinrich Böll reivindica), as estratégias políticas devem posicionar-se claramente contra as estruturas de poder e exploração e, a partir dessa perspectiva, tomar iniciativas políticas a favor de um grupo (por exemplo, empenhando-se pelos direitos dos homossexuais ou fortalecendo exclusivamente mulheres na sua auto-organização).

Apesar de possuírem características estruturais semelhantes, para cada sociedade - com seus contextos cultural, socioeconômico e político próprios - deve-se identificar estratégias e temas centrais específicos. Isso pressupõe análises profundas da situação no local quanto à política de gênero e coloca a Fundação perante a tarefa de também fomentar métodos de análise correspondentes.

III A relevância da política de gênero no plano internacional

O ex-secretário geral das Nações Unidas, Kofi Annan, constatou em 2002 durante a apresentação do “Relatório das Nações Unidas sobre as Mulheres, a Paz e a Segurança”, que: “em nenhuma sociedade, as mulheres possuem o mesmo status que os homens”. No entanto, cabe mencionar que nem a própria ONU é capaz de contrariar esta realidade de forma decisiva em nível político, nem mesmo dentro de sua própria estrutura organizacional. Um bom exemplo disso são precisamente os objetivos do milênio (ODM), insuficientes quanto à política para as mulheres, ficando muito atrás das demandas políticas da Plataforma de Ação de Beijing. Também nas propostas para a reforma das Nações Unidas encontram-se poucas abordagens programáticas para a obtenção de novos impulsos internacionais para a política de gênero.

Por parte da ONU não há, neste momento, nenhum tipo de iniciativa, nenhum projeto de referência orientado para o futuro ao qual organizações internacionais de mulheres ou redes ativas na área de política de gênero possam se referir como acontecia com as conferências sobre mulheres da ONU desde os anos 1970 até Beijing em 1995. Para as Nações Unidas, é muito mais importante defender o status quo perante os ataques do campo político neoconservador e das redes e organizações religiosas fundamentalistas.

Em termos internacionais, não há previsão sobre quando poderemos contar com maiores impulsos para a política de gênero. Para a institucionalização da política para as mulheres (e seus direitos) e por uma maior participação política e econômica delas, os documentos assinados pelos governos de todo o mundo, tais como a Plataforma de Ação de Beijing, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) ou a Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, continuam sendo importantes pontos de referência para o trabalho, também futuro, da Fundação Heinrich Böll com seus parceiros, redes regionais e suprarregionais.

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1. Democracia e política de gênero

A promoção da igualdade pelo enquadramento jurídico, bem como o avanço de outras medidas de institucionalização da política de gênero, seguem sendo o campo de atividade central da Fundação Heinrich Böll nas suas atividades no exterior, constituindo, assim, parte integral do nosso trabalho em prol da democracia.

• Institucionalização da política de gênero e da política para as mulheres: a adoção de leis nacionais e a ratificação de convenções pressupõem uma melhoria das condições de igualdade jurídica para as mulheres e de implementação dos direitos humanos. Em muitos países, o princípio do gender mainstreaming já foi introduzido. Com isso, por lei, alcançou-se mais igualdade para as mulheres no mundo. No entanto, este processo está ainda longe de ser concluído. Além disso, em todo o mundo, as discrepâncias entre o enquadramento jurídico e o que de fato vem sendo feito na prática estão aumentando. Por essa razão, as capacidades de implementação política e administrativa nos parlamentos e na gestão pública devem ser reforçadas em todos os níveis. Em muitos países, alcançou-se uma melhora da participação política, econômica e social das mulheres com a ajuda de medidas de discriminação positiva (cotas nos partidos, parlamentos, na economia e em universidades). O objetivo da Plataforma de Beijing de introduzir uma massa crítica nas estruturas de decisão política, composta por pelos menos 30% de mulheres, ainda está longe de ser alcançado, permanecendo uma tarefa a ser cumprida. Para superar a resistência aberta e latente contra os direitos das mulheres, profundamente enraizada em muitas sociedades, são necessárias campanhas públicas e políticas.

• As lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) são especialmente sujeitos à discriminação: em aproximadamente 85 países a homossexualidade é proibida por lei, e em nove é punida com a pena de morte. Em todo o mundo, os transexuais são perseguidos com violência e prisões arbitrárias, sendo obrigados a se enquadrar nos padrões sexuais tradicionais. A negação dos direitos fundamentais e a discriminação sofrida no dia a dia são comuns mesmo nos países europeus. Campanhas e iniciativas políticas, em cooperação com os projetos de LGBT existentes em muitos lugares, são necessárias para combater a perseguição e a discriminação sistemática de lésbicas, gays e transgêneros. Em muitos países, a Fundação Heinrich Böll é frequentemente a única organização estrangeira que apoia estas campanhas e redes.

• Religião, igualdade de direitos e política: um grande desafio para a implementação da igualdade de direitos e dos direitos humanos é o crescimento dos movimentos religiosos e político-religiosos. Os paralelos entre os diferentes sistemas jurídicos - direito moderno, direito religioso e direito tradicional – têm efeito negativo especialmente sobre a situação legal das mulheres. Isto se deve ao fato de, por exemplo, em muitos países, o direito conjugal e de família serem regidos pelo direito religioso. Um fator comum entre os sistemas jurídicos com caráter religioso é a atribuição rígida de papéis e identidades sociais em função do sexo, aos quais ambos os sexos se encontram literalmente “cativos”.

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Para a ação do Estado, a prioridade deve ser dada ao secular direito de família e matrimônio, cuja base consiste na igualdade entre homens e mulheres. No entanto, no contexto jurídico-religioso há também vários líderes espirituais muçulmanos, cristãos e judaicos moderados e, principalmente, mulheres que lutam por uma interpretação emancipatória e feminista do direito religioso para, a partir de sua perspectiva, conciliar religião, igualdade de direitos e feminismo. As abordagens locais e regionais que defendem uma reforma ou a modernização do direito tradicional e/ou religioso podem servir como elemento de união com as intervenções políticas a favor de mais direitos para as mulheres. O desafio, nesse caso, será identificar os limites da liberdade religiosa e cultural, além de estabelecer uma relação entre os direitos individuais. A proibição de medidas contraceptivas, a obrigação imposta às mulheres de cobrir o corpo, a defesa por parte do homem da honra familiar, casamentos forçados e mutilação genital marcam claramente os limites religiosos e culturais que violam os direitos individuais de mulheres e homens.

A Fundação Heinrich Böll irá trabalhar a questão da interdependência entre religião, política e as relações entre os gêneros mais intensamente do que vem fazendo até hoje e promoverá análises que englobarão as religiões e as regiões afetadas.

2. Política de gênero e economia

Os processos econômicos da globalização, com suas assincronias e rupturas, provocam efeitos muito diversos nas vidas de homens e mulheres, sendo frequentemente contraprodutivos para o sexo feminino. Eles alteram os sistemas sociais, culturais e econômicos de diferentes modos. Hoje em dia, por um lado, o acesso das mulheres ao mercado de trabalho é muito maior que antigamente. Isso lhes proporciona novas liberdades e maior poder de autodeterminação. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as mulheres representam 60% da população ativa pobre em termos mundiais. Por outro lado, devido à crescente precariedade do trabalho remunerado, os homens têm a sua autoestima profundamente abalada.

A migração torna-se feminina: mais do que nunca, as mulheres procuram novas formas de ganharem a vida no mercado mundial. A migração – até hoje um domínio muito mais masculino – tornou-se há muito feminino. No plano mundial, as mulheres atualmente representam a metade dos 180 milhões de migrantes. A sua procura não se dirige apenas aos setores de cuidados a outras pessoas, mas também ao trabalho assalariado. Nesse caso, são principalmente as empresas multinacionais e seus fornecedores que oferecem vagas com salários extremamente baixos e, frequentemente, condições de trabalho e vida indignos.

A nova divisão do trabalho de cuidados a outras pessoas: a desigualdade entre os gêneros não existe apenas em relação ao trabalho assalariado, mas também no que diz respeito ao trabalho de cuidados. Em grande parte, este tipo de trabalho é realizado por mulheres e não é remunerado. Isso se deve, entre outras razões, ao fato de ele não parecer compatível com a imagem masculina predominante.

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Homens e mulheres resolvem este problema de compatibilidade empregando diaristas, babás e cuidadoras - frequentemente migrantes - por um salário baixo. Hoje em dia, a nova divisão do trabalho de cuidados é uma realidade em todo o planeta. Contudo, ela não se dá entre homens e mulheres, mas sim por meio de uma cadeia de serviços composta por mulheres muito distintas entre si, provenientes dos mais diferentes países, classes sociais e culturas.

Fortalecendo as competências econômicas: um tema importante para a política internacional de gênero é a compreensão da ambivalência dos processos econômicos da globalização no que diz respeito às relações entre os gêneros e à sua introdução nos processos de tomada de decisão econômicos.

Análises desse tipo ainda são raras. O aprofundamento do conhecimento sobre os efeitos dos processos de decisão econômicos e políticos em questão de política de gênero —seja no setor da política comercial, do trabalho e de investimentos – é um campo de ação importante do trabalho internacional da Fundação Heinrich Böll. Queremos, em especial, fortalecer as capacidades das mulheres para que estas possam exercer maior influência sobre os processos de tomada de decisão nacionais e internacionais. Para isso, são necessárias capacidades e redes que possam analisar as consequências das políticas de gênero e da política do Banco Mundial ou da Organização Mundial de Comércio (OMC) para ambos os sexos. Um projeto-chave é a realização regular de cursos de verão internacionais sobre o tema “Engendering Macroeconomics” [Macroeconomia sob a Perspectiva de Gênero].

3. O papel das mulheres na política de paz e na resolução de conflitos

As políticas externa e de segurança continuam sendo setores predominantemente masculinos. Dentro dos próprios conceitos de prevenção e resolução de conflitos, é difícil integrar coerentemente a dimensão de gênero à origem de conflitos e à sua resolução. Com esse foco temático, a Fundação Heinrich Böll quer integrar a perspectiva de gênero sistematicamente em todas as questões relativas à “guerra e paz”. Uma tarefa ambiciosa e muito difícil. No entanto, os primeiros êxitos de nosso trabalho de longa data já foram registrados.

• Resolução 1325 das Nações Unidas: as mulheres são agentes na resistência contra a guerra e conflitos armados, na resolução e prevenção de conflitos, embora não queiramos com isso dizer que as mulheres sejam mais pacíficas que os homens. Nas redes feministas e empenhadas no trabalho de política para mulheres, o interesse por temas e conceitos de política externa e segurança voltou a crescer nos últimos anos. Essas redes voltaram a reivindicar energicamente os seus direitos de serem representadas nas decisões políticas relativas à guerra e à paz. Em regiões de crise e conflito, as mulheres manifestam-se e reivindicam os seus direitos de participação política nas medidas de prevenção de conflitos, de manutenção da paz e na resolução de conflitos do pós-guerra.

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Nesse caso, elas referem-se também à resolução 1325 das Nações Unidas, aprovada em 2000. Essa resolução é um importante marco no caminho em direção a uma política de paz e segurança. Pela primeira vez na história das Nações Unidas, o Conselho de Segurança da ONU estabeleceu uma norma jurídica internacional vinculativa com respeito à participação das mulheres nas decisões sobre guerra e paz e sobre uma política de segurança sensível aos temas de gênero.

As redes feministas reivindicam vigorosamente aos governos que esses implementem a resolução 1325 e desenvolvam planos de ação concretos para integrar os instrumentos da resolução efetivamente também nos conceitos da resolução de conflitos. A Fundação Heinrich Böll é, na articulação em toda Alemanha e União Europeia, pioneira e um dos principais agentes no que diz respeito à tentativa de implementação da resolução 1325 no plano internacional, por exemplo, através de exemplos concretos.

A política de gênero é para a Fundação, e em todas as regiões onde atua, um tema central concernente à democracia e à justiça.

Além da política climática e energética, a política de gênero é um foco eminente do nosso trabalho regional. Diferente de outras fundações políticas, a Fundação Heinrich Böll possui um perfil claro em matéria de política de gênero no seu trabalho internacional e empenha-se continuamente por reforçá-lo.

IV A importância da política de gênero na Alemanha: entre o “backlash” e o novo feminismo

Durante muito tempo, os temas relativos ao feminismo e à democracia de gênero na Alemanha eram considerados antiquados e supérfluos. A ideia subjetiva de que precisamente as mulheres jovens cresceram sem sofrer com a discriminação é característica dessa percepção. Por muito tempo, as abordagens feministas ou que reivindicassem mais igualdade política para as mulheres eram vistas como algo ultrapassado e, inclusive, ridículo. No entanto, é inquestionável que projetos de vida que conciliam, por exemplo, trabalho e família ou trabalho e vida privada tornaram-se algo natural para meninas e mulheres jovens. Harmonizar profissão com família ou vida privada tornou-se algo perfeitamente comum para as mulheres jovens.

Da mesma maneira, rapazes e homens buscam cada vez mais papéis e modelos sociais diferentes dos tradicionais. O processo de emancipação que permite outros papéis que não os tradicionais tornou-se também um elemento essencial da individualização da nossa sociedade e da diferenciação de estilos de vida. Tudo isso se reflete no comportamento de homens e mulheres (jovens) – sobretudo nas sociedades ocidentais e na classe média de todo o mundo.

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Os argumentos dos estudiosos em assuntos de gênero também tomam um rumo semelhante1. Nos tempos modernos, a relação entre os gêneros, organizada de maneira especificamente hierárquica, foi se dissolvendo cada vez mais de dentro para fora, já que esta foi perdendo a sua base normativa: a divisão sexual do trabalho. Com isso, o feminismo cumpriu o seu papel histórico, alcançou os seus objetivos, passando a ser desnecessário.

Porém, verifica-se desde algum tempo o retorno do feminismo e da luta pela justiça entre os gêneros nos palcos políticos e nos diferentes discursos. Voltou-se a discutir publicamente qual poderia ser o significado de justiça entre os gêneros. De repente, voltamos a refletir sobre a razão de, precisamente, nós alemães, em comparação com outros países europeus, termos resultados tão ruins em relação ao número de mulheres no mercado de trabalho, de representantes femininas na direção de empresas e em altos cargos universitários. Esse problema, visto como um déficit da modernização, encontra repercussão nos temas políticos atuais e nos meios de comunicação.

No debate sobre uma nova política familiar, os aspectos relativos à política de gênero também são levados em consideração. A compatibilidade entre família e trabalho deve ser benéfica tanto para homens quanto para mulheres. Cabe aqui ressaltar o mérito da [antiga] ministra da Família alemã, Ursula von der Leyen, ao tentar também debater publicamente o papel dos homens, o que raramente aconteceu no passado.

Licença maternidade/paternidade, vagas em creches e escolas em tempo integral. Tudo isso provocou e ainda provoca um debate acirrado não apenas nos setores conservadores e religiosos da sociedade, mas também dentro dos partidos cristão-democratas.

A polêmica chegou a todos os níveis da sociedade. A sua magnitude vai desde a reivindicação por um “novo feminismo" (DIE ZEIT, [jornal alemão]) passando por um “feminismo conservador” (Ursula von der Leyen) até uma “volta aos afazeres domésticos”. Há muito que a discussão vem sendo também dominada pela retórica e polêmica antifeministas. Da mesma maneira, o jornal FAZ e a revista DER SPIEGEL tentaram - com malícia, imputações e afirmações ideológicas retiradas do fundo do baú - ridicularizar os progressos emancipatórios alcançados nos últimos anos e qualificá-los como uma luta feminina já há muito tempo ultrapassada e, ao mesmo tempo, hostil para com os homens. Aqui, medos são mobilizados e agressões atiçadas propositadamente. Parece evidente que as noções de masculinidade transmitidas no passado devem continuar sendo defendidas. Algumas afirmações polêmicas chegam ao ponto de afirmar que o novo feminismo e também a nova política familiar do governo alemão torna impossível para os homens serem verdadeiros homens e para as mulheres serem verdadeiras mulheres. Tais contribuições lamentavelmente afastam-se de qualquer discussão diferenciada sobre os futuros campos de trabalho da política de gênero.

1Sabine Hark: “Dissidente Partizipation - Eine Diskursgeschichte des Feminismus” [“Participação dissidente – Uma história do discurso feminista”] Frankfurt 2006.

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Para além dos debates, devemos nos preocupar com o que está sendo feito, em termos práticos, para uma política de maior igualdade entre os gêneros na Alemanha: quais são as iniciativas políticas lançadas pelo governo alemão que visam eliminar a discriminação, a desigualdade e os estereótipos? Como é o “novo feminismo” de cunho conservador?

• Abordagens políticas por mais igualdade, normalmente voltadas para a compatibilidade entre família e trabalho e, portanto, subordinadas ou substituídas completamente pela política familiar. Um exemplo disso é a licença maternidade/paternidade que, pelo menos, contempla também os homens/pais como público-alvo. Seu objetivo é, por um lado, o aproveitamento ideal da mão-de-obra qualificada tanto masculina quanto feminina e, por outro, o aumento da taxa de natalidade entre os cidadãos com maior nível de formação.

• A política destinada à promoção das mulheres é publicamente pouco visível ou concentra-se em grande parte na promoção da carreira profissional delas. Recursos financeiros em nível dos estados federados alemães e de outros países europeus para promover as mulheres são reduzidos ou cancelados por completo.

• Iniciativas criadas por leis contra a discriminação salarial sofrida pelas mulheres, uma lei federal pela igualdade entre homens e mulheres dirigida ao setor econômico ou a favor de um visto de permanência para mulheres migrantes independente de seu cônjuge não estão no programa.

• Instrumentos inovadores como o gender mainstreaming, caracterizado pelo seu potencial de alinhar os interesses de iniciativas e medidas políticas de todas as instituições e organizações com os objetivos da equidade entre os gêneros (iniciativas e medidas estas contempladas no Tratado de Amsterdã), são reduzidos mais uma vez pelo governo alemão à categoria de “política de equidade como prática preventiva”.

• Conceitos e campanhas políticas que poderiam contribuir para uma mudança fundamental da ordem ultrapassada entre os gêneros, das atribuições sociais de "masculino" e "feminino”, bem como da escala de valores e da hierarquia sociais vinculados a essas ficam por fazer ou não são considerados pelas ações dos governos.

• Instrumentos políticos vinculativos como quotas e, mais do que nunca, medidas políticas estruturantes que visem à dissolução das relações de dependência econômica e emocional entre os casais, garantindo uma existência independente, praticamente não têm chance nenhuma. Pelo contrário, os instrumentos da política social e fiscal mantêm o modelo tradicional de casamento e família, como, por exemplo, a obrigação de assistência dos cônjuges ao cônjuge que receba seguro-desemprego e a partição fiscal entre os cônjuges que se torna, conforme a ideologia de família propagada, em uma partição fiscal familiar.

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• Parte integral da política de gênero é a análise ativa e conjunta do papel atribuído a meninos e homens em função de seu sexo. Há muito se tornou evidente que também os meninos e homens são afetados negativamente por uma política de educação, saúde ou de trabalho insensível à questão de gênero. Segundo estatísticas, violência (autores e vítimas), vandalismo, dependência química e criminalidade são problemas predominantemente masculinos. Uma reflexão intensa sobre a "crise da masculinidade" exige, em geral, uma mudança de perspectiva política sensível às questões de gênero e, sobretudo, também exemplos masculinos que abracem a questão política e publicamente.

• Parte integral da política de gênero são os conceitos de família que garantem o reconhecimento jurídico e social e o tratamento igual de grupos familiares homossexuais.

Os desafios e campos de ação esboçados aqui, pertencentes a uma política de gênero orientada para o futuro, são em grande parte ignorados pelo governo alemão. O entrelaçamento dos instrumentos da política familiar com os objetivos da política de equidade ajudaria a melhorar os déficits de modernização da nossa economia (mais trabalho remunerado para mulheres) e a diminuir os problemas demográficos do futuro. Estes “objetivos de eficiência” serão de grande benefício a todas as mulheres e a todos os homens. No entanto, também é visível que a política atual do governo alemão não possui uma fórmula que proporcione mais justiça para uma parte marginalizada da população, que continua sujeita à discriminação jurídica e salarial, o que, na sociedade alemã, afeta majoritariamente as mulheres.

As abordagens de empoderamento para mulheres, meninas, homens e meninos “mais vulneráveis” e as exigências especiais de mulheres, meninas e meninos são cada vez mais colocadas de lado em favor de uma política para poucos, útil à nossa competitividade econômica no mundo e fácil de ser integrada em nossa sociedade. Por essa razão, o “novo feminismo” ou o “feminismo conservador” é também criticado como “feminismo setorial de classe média”, que não contempla problemas discriminatórios como a divisão sexual do trabalho, violência, sexismo, racismo, exclusão jurídica e política.

A política de gênero da Fundação Heinrich Böll, com seu modelo de democracia de gênero (veja abaixo), aposta em um conceito que tenta fazer jus às diferentes realidades de mulheres e homens em todo o mundo, eliminando as relações de poder e domínio entre os gêneros e tornando realidade os direitos humanos para ambos os sexos.

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B. A política de Gênero da Fundação Heinrich Böll

I O modelo de democracia de gênero

Perante os desafios políticos, econômicos e culturais, esboçados acima, em matéria de política de gênero, o modelo de democracia de gênero da Fundação Heinrich Böll – adotado por ocasião da criação da atual fundação – está mais atualizado do que nunca e, desde então, não perdeu nada de sua força explosiva dentro da sociedade, devido ao questionamento que provoca sobre a existência de discriminações jurídicas, econômicas e sociais, injustiças e relações hierárquicas. Com isso, não queremos aplanar as diferenças entre os sexos, mas sim reivindicar os mesmos direitos e oportunidades para pessoas diferentes.

Questionar e mudar, no sentido emancipatório, os papéis estereotipados atribuídos em função do sexo, tanto na vida política quanto privada, é o objetivo central da implementação desse modelo. A análise das relações entre os gêneros e dos impactos que decisões políticas e empresariais causam sobre estes são um instrumento decisivo em direção a uma política de igualdade emancipatória.

A democracia de gênero como objetivo visionário significa que

• um grande número de modelos e projetos de vida são reconhecidos e considerados equivalentes;

• a atribuição de posições sociais, divisão do trabalho, distribuição de renda e concessão de poder não são determinadas pelo gênero;

• estruturas patriarcais e relações de poder na vida privada e pública devem ser superadas;

• a diversidade de identidades sexuais, de formas de expressão e orientação sexuais são reconhecidas jurídica e socialmente.

Esse modelo deve ser compreendido igualmente como visão sociopolítica e princípio de organização. A democracia de gênero é um conceito normativo que postula direitos iguais, chances iguais, acesso aos recursos econômicos e ao poder político iguais para homens e mulheres. Participação é a condição para a mudança e a transformação de relações injustas (entre os gêneros). Com isso, a Fundação Heinrich Böll criou, de forma teórica, boas condições para desenvolver, sob a perspectiva da política de gênero, os seus próprios focos políticos e campos de ação no seu trabalho nacional e internacional, na promoção de estudos, na política pessoal e orçamentária.

A política feminista e democrática do ponto de vista de gênero visa questionar e trabalhar todos os campos políticos quanto aos seus efeitos sobre a relação entre os gêneros. Como

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resultado, a democracia de gênero exige nada mais nada menos que a renovação de todas as estruturas sociais que reproduzam as injustiças e os modelos estereotipados entre os sexos. Por isso, implementar a democracia de gênero e enchê-la de vida significa para a Fundação Heinrich Böll

um dever de todos!

II Tarefas e estratégias para a democracia de gênero

O esboço dos desafios e transformações políticos, econômicos e culturais, com os quais o trabalho de formação da Fundação Heinrich Böll se vê confrontado, deixa claro que as questões de gênero e a política de igualdade entre os gêneros não podem mais ser desenvolvidas unicamente a partir da “perspectiva dos afetados” e de interesses uniformes, como era o caso no auge do movimento feminista. Por essa razão, temos de examinar com maior intensidade as condições para a realização de ações e intervenções que levam em consideração as questões da política de gênero, o que significa nomear de maneira mais incisiva os vários conflitos de objetivos, conflitos esses resultantes de nosso envolvimento nos desenvolvimentos sociais, econômicos e tecnológicos. Apenas com o conceito de “mulheres” é difícil abranger a totalidade da população feminina, o mesmo sucede com o termo “homens” em relação à população masculina.

O que tem uma diretora de escola, solteira, alemã em comum com a sua empregada doméstica filipina, que limpa a sua casa para poder pagar a educação de seus filhos que ficaram no seu país de origem? O que tem uma sem-terra brasileira em comum com uma policial do Rio de Janeiro? O que tem um agente financeiro em Londres em comum com um desempregado em Berlim ou um refugiado africano no Marrocos? Esses exemplos descrevem divisões (novas) do trabalho e remetem-nos ao fato de que as atribuições sociais de "masculino" e "feminino" não correspondem mais tão naturalmente aos respectivos sexos.

O feminismo, como qualquer outra política de gênero emancipadora, significa ir mais além da dualidade dos gêneros e das atribuições típicas feitas a estes. A isso se inclui também o cruzamento da categoria de análise “gênero” com outras características de diferenciação como classe social, origem étnica, orientação sexual e religião/orientação religiosa. Com isso, questiona-se novamente e sob outro prisma a compreensão que temos do conceito de igualdade de oportunidades. Elas poderiam proporcionar pontos de reflexão para modelos alternativos que devem ser ou continuar sendo desenvolvidos. Por esta razão, deve-se dar continuidade ao debate intenso e produtivo sobre a relação de gênero e diversidade e o seu entrelaçamento mútuo.

Intervenção com instrumentos da política de gênero: para obter a aprovação da sociedade, a política de gênero precisa recorrer a temas relevantes do ponto de vista sociopolítico e lançar questões importantes para o futuro. Por exemplo, nos seguintes âmbitos: política de saúde, mudanças demográficas, previdência social, sistema jurídico, política de

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conhecimento e biopolítica, política de segurança e paz, políticas de emprego e mercado de trabalho, políticas mundiais econômicas, financeiras e de educação.

Esses campos políticos, extremamente disputados, requerem uma intervenção por parte da política de gênero e do feminismo. Aqui, mulheres e homens têm de fazer valer os seus direitos de se organizar politicamente com equidade de gênero e apresentar alternativas.

Um objetivo do trabalho da Fundação Heinrich Böll é, de acordo com o nosso modelo, consolidar uma ampla compreensão sociopolítica da política de gênero e organizar a sua aplicação. Para tal, precisamos de competência de gênero e de um novo conhecimento sobre as questões de gênero para que possamos introduzir aspectos de gênero às questões importantes para o futuro. Aquele que queira desafiar e exercer influência sobre o mainstream político, precisa, por um lado, de análises sensíveis às questões de gênero e, por outro, de aliados e redes sociais. A política de gênero com o objetivo de alcançar a democracia de gênero é um processo de negociação social pelo poder e recursos. Isso pressupõe redes e alianças fortes e com poder de intervenção a fim de gerar uma mobilização.

Empoderamento e gender mainstreaming: para compreender os fundamentos da política de gênero da Fundação Heinrich Böll quanto ao seu trabalho na Alemanha e no exterior, é preciso entender as suas várias abordagens estratégicas paralelas. Fomentamos e fortalecemos – conforme a análise política e a prioridade dada em matéria de política de gênero – interesses políticos e redes especificamente femininas (e masculinas), ou seja, estratégias de empoderamento clássicas, bem como abordagens de democracia de gênero e transversais. Com isso, gender mainstreaming torna-se uma das várias estratégias que estamos implementando com êxito há muito tempo em nosso trabalho na Alemanha e no exterior. Nossa abordagem própria de democracia de gênero visa colocar explicitamente ambos os sexos na mira do trabalho político quando tratada, em diferentes campos temáticos, a questão da relação entre os gêneros. Assim, a Fundação estará sempre descobrindo novos territórios e deixando uma marca especial por onde passa. Com o “Ladies Lunch” [Almoço de Mulheres] e o “Forum Männer” [Fórum Homens], a Fundação estabeleceu dois formatos que proporcionam a troca de ideias e a possibilidade de networking especificamente sobre a questão de gênero.

Formando alianças: entre as nossas várias estratégias está a criação de alianças clássicas no campo da política para as mulheres, bem como de novas alianças, incluindo especialmente novos agentes.

Mulheres com boa formação profissional, cujas demandas de crescimento profissional e liderança dentro de empresas, no meio científico, nos meios de comunicação social e nas instituições estatais são cada vez mais intensas, procuram possibilidades de se articularem politicamente. São essas mulheres, hoje com muito mais empenho do que no passado, que devem ser integradas nas iniciativas políticas que reivindicam, sobretudo, mais direitos e mais possibilidades de participação das menos privilegiadas. Novas formas de solidariedade são necessárias para com mulheres mais vulneráveis e com menos capacidade de

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negociação se quisermos um novo feminismo, um feminismo que não seja favorável apenas àquelas de classe média, mas a todas as mulheres no mundo.

A Fundação procura ativamente aliados entre os ativistas homossexuais, especialmente nos países em desenvolvimento, que se encontram em um ambiente político extremamente difícil.

Nesse meio tempo, também os homens em todo o mundo, em diferentes funções, começaram a romper com os antigos estereótipos de gênero e a renunciar aos seus velhos privilégios. Contemplá-los como agentes autônomos no discurso de gênero e não como meros auxiliares na execução da política para mulheres é uma condição importante para uma aliança desse tipo. Diversas pontes já vêm sendo criadas pela Fundação a fim de proporcionar o "diálogo entre os gêneros" e alianças futuras.

Além disso, trata-se de introduzir a perspectiva de gênero em organizações e redes sociopolíticas mistas e pertencentes a um determinado setor – seja no âmbito da política social, climática internacional ou no trabalho de movimentos sociais.

O intercâmbio internacional de estratégias e experiências em questões jurídicas e de implementação sobre assuntos da globalização, significado da religião e dos direitos das mulheres etc., é uma tarefa à qual a Fundação se dedica, especialmente através de sua rede e estrutura de parceiros.

III A relação entre a democracia de gênero e o feminismo dentro da Fundação Heinrich Böll

Durante o período de fusão das três fundações em meados dos anos 1990, a Fundação decidiu criar a “Unidade de Coordenação de Trabalho em Conjuntopara Democracia de Gênero" e fundar também um pequeno "Instituto Feminista". Até então, essas entidades eram espaços onde “certamente” discutia-se sobre política de gênero e política feminista.

Ao mesmo tempo, todos os departamentos e “prestadores de serviços” foram solicitados a implementar o modelo de política de gênero como ação de interesse comum em suas respectivas áreas de trabalho e responsabilidade. Esse processo ocorreu de maneiras e graus de intensidade diversos, por exemplo, através de trabalhos de consultoria e cursos de formação (dentre eles, treinamento em questões de gênero, assistência e manuais). No entanto, nunca se discutiu a forma como ambas abordagens políticas, a feminista e a de democracia de gênero, se relacionavam entre si e quão complexa era a sua interdependência. Ambas as abordagens eram meramente descritas como discursos paralelos.

Com a fusão dessas duas unidades no novo Instituto Gunda Werner [Gunda Werner Institut] queremos ressaltar o fato de as duas abordagens se complementarem produtivamente e ao mesmo tempo possuírem um significado especial.

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Com a criação do “Instituto Feminista” [Feministisches Institut], como unidade organizacional autônoma (consagrada no estatuto), a Fundação Heinrich Böll, que passou por um processo de fusão recentemente, reconhece explicitamente as raízes feministas do movimento verde. Consistentemente na mira da teoria e prática da política feminista estão as causas das desigualdades entre o que é “masculino” e “feminino” no que toca a distribuição do poder, o status social e jurídico e o acesso aos recursos econômicos. Embora não haja uma teoria feminista homogênea e nem conceitos, objetivos e estratégias político-feministas incontestáveis, todas as formas de feminismo criticam radicalmente as estruturas e as normas criadas pela sociedade.

Nesse sentido, o feminismo é parcial. Ele toma partido das mulheres, com todas as suas diferenças e rupturas. Ele articula interesses femininos e reivindica a assimilação de uma perspectiva feminista.

Um objetivo utópico do feminismo é, e continuará sendo, a transformação radical das relações hierárquicas entre os gêneros. Do ponto de vista da Fundação Heinrich Böll e perante o princípio dominante de masculinidade hegemônica, esse objetivo, historicamente, de forma alguma foi atingido.

A masculinidade hegemônica não descreve apenas a subordinação da mulher ao homem, mas também as relações de domínio entre os homens. O que inclui o desprezo sistemático da homossexualidade e de comportamentos supostamente femininos. A análise das relações entre os gêneros requer um olhar preciso sobre ambos os sexos.

Nesse contexto – conforme a análise inicial - as perspectivas e práticas feministas e específicas para mulheres, bem como aquelas que refletem a política masculina e não sejam heterocentristas devem ser fortalecidas e fomentadas.

Com isso, a Fundação Heinrich Böll quer destacar as diferentes estratégias possíveis para se alcançar o objetivo da democracia de gênero. Contudo, para a Fundação, as análises e práticas feministas são um elemento central de produção de saltos políticos, discursos e uma forma de pressão para provocar transformações. Análises e estratégias feministas com propósitos radicais, mas também medidas de promoção especial de mulheres e da articulação entre elas, bem como de seu empoderamento manterão sua posição de destaque e receberão os recursos necessários da Fundação Heinrich Böll.

C. O Instituto Gunda Werner para o Feminismo e a Democracia de Gênero

Até o momento, as políticas de gênero e feminista estavam organizadas em duas unidades separadas – na “Unidade de Coordenação Democracia de Gênero” e no “Instituto Feminista”. Da fusão dessas duas unidades surgiu o Instituto Gunda Werner para o Feminismo e a Democracia de Gênero (GWI – na sua sigla em alemão), onde documentamos para a Fundação e para a sociedade a convivência produtiva entre as abordagens feministas e da democracia de gênero na elaboração política das relações e hierarquias entre os sexos. Não se trata aqui de uma situação do tipo "das duas uma", mas sim de estratégias

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complementares que, dentro do possível, devem ter como base a análise de gênero. Com o Instituto dispomos de melhores condições para elaborar construtivamente perspectivas diferentes e, às vezes, também controversas. Aqui, podemos unir nossas forças e ao mesmo tempo beneficiar-nos mutuamente de perfis políticos e redes criadas nos últimos anos.

No entanto, o “Instituto Gunda Werner para o Feminismo e a Democracia de Gênero” pode apenas tratar questões e campos de ação seletos, que dizem respeito à democracia de gênero. Para isso, ele recebe recursos pessoais e financeiros especiais.

O Instituto Gunda Werner, contudo, não substitui o trabalho em conjunto que é a democracia de gênero.

De acordo com o seu modelo, o objetivo do Instituto é apoiar e promover a emancipação e a igualdade social de homens e mulheres em todos os setores da sociedade.

Os objetivos do Instituto Gunda Werner:

• analisar estratégias de poder, formas de comunicação e planos de ação na política e sociedade, a partir da perspectiva de gênero e contrariar tendências excludentes e discriminatórias,

• introduzir novas perspectivas feministas e de democracia de gênero na política e sociedade, além de fomentar o debate dentro dela;

• apoiar e dinamizar o intercâmbio entre as abordagens científicas feministas, a política para mulheres e homens, a política de gênero e as perspectivas de pesquisa, bem como novas abordagens de trabalho emancipador de mulheres e homens;

• fomentar a participação política das mulheres em geral e especialmente a de pessoas com competência de gênero;

• contribuir ativamente para a sensibilidade e a competência de gênero de mulheres e homens, sobretudo em posições de liderança e com poder de decisão;

• desenvolver cursos de formação profissional contínua e assessoramento, oferecendo-os dentro e fora das instituições;

• buscar, promover e ampliar novas possibilidades conceituais de comunicação e formação para mulheres em nível nacional e internacional;

• desenvolver propostas que convençam os homens da importância da política de gênero, contemplem suas visões e os envolvam como agentes;

• criar espaço para o desenvolvimento de um projeto de sociedade no qual a convivência sem hierarquia entre homens e mulheres esteja no centro das atenções;

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• contribuir para a criação e ampliação de redes nacionais e internacionais de mulheres e homens, bem como de atividades feministas e no âmbito da democracia de gênero;

• promover a nova geração feminista e consciente da importância das questões de gênero nos setores da ciência e política – e com isso promover a produção de conhecimento;

• enfrentar ativamente a discriminação de lésbicas, homossexuais e transgêneros, e acabar com o silêncio que envolve os modos de vida homossexuais.

O perfil do trabalho do Instituto Gunda Werner:

Os pontos centrais do trabalho do Instituto Gunda Werner encontram-se num perfil de trabalho elaborado a médio prazo e incorporado às reuniões de planejamento das atividades nacionais e internacionais.

Atualmente dedicamo-nos aos seguintes pontos temáticos centrais:

• garantia de uma existência autônoma como chave e condição fundamental para a construção de relações justas entre homens e mulheres e com igualdade de direitos;

• políticas de gênero na Europa, no sentido de um intercâmbio transnacional de experiências sobre abordagens de conceitos políticos emancipadores e transformadores que visem, por um lado, criar impulsos para o contexto alemão e, por outro, encontrar novas opções de ações e estratégias, tendo em mente a política da União Europeia (UE), bem como uma articulação com o projeto da UE “Em forma para o gender mainstreaming – ultrapassando as barreiras entre os gêneros de leste a oeste”;

• continuação das atividades em benefício de uma política de paz e segurança a partir da perspectiva feminista e de gênero com foco especial sobre a aplicação da resolução 1325 das Nações Unidas no plano internacional,

assim como

• garantia e ampliação de espaços de pensamento e reflexão (de públicos-alvo específicos) como, por exemplo, o Ladies Lunch, o Forum Männer ou os diálogos internacionais em prol da discussão sobre o futuro das políticas feministas e de democracia de gênero.

D. Política de gênero - uma tarefa em comum

As ações de interesse comum e as políticas transversais são um grande desafio para todas as organizações – também para a Fundação Heinrich Böll. Elas requerem um enfoque fundamentalmente diferente daquele usado na prática política e institucional usuais.

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Democracia de gênero como ação transversal e de interesse comum pressupõe competência de gênero, ou seja, conhecimento sobre a importância das relações de gênero e suas consequências nos diversos campos políticos. A categoria “gênero” é um critério (talvez não o único) pertencente à análise e à solução de problemas sociais, econômicos e políticos. Por essa razão, a competência de gênero das colaboradoras e colaboradores é uma qualificação-chave que reencontramos, entre outros, no modelo da política de pessoal.

A diversidade dos gêneros em todas as situações e fases da vida e na sua totalidade de experiências é levada a sério e constitui a base para todas as reflexões. Os objetivos não se esgotam na produção de uma relação entre os gêneros equilibrada do ponto de vista qualitativo.

A política de gênero tem consequências para todas as áreas sociais: para a organização do trabalho e da economia, de modelos de vida e família, da previdência social e da tributação, da educação e ciência, da pesquisa e tecnologia. Aqui queremos avançar com discussões programáticas sobre objetivos, papéis e campos de ação. Trata-se, nesse caso, também de formas de cooperação entre o novo Instituto Gunda Werner, o departamento responsável pelas atividades na Alemanha e as associações universitárias. Uma repolitização da questão de gênero na República Federal da Alemanha é necessária. No entanto, esta repolitização resultará apenas se formularmos a questão de gênero sob condições modificadas, analisarmos os desenvolvimentos, apresentarmos os novos problemas e procurarmos novas abordagens – tanto em nível nacional quanto internacional.

No trabalho na Alemanha e no exterior, na promoção de estudos ou na área de relações públicas trata-se constantemente de cumprirmos a exigência da política de gênero como um dever de todos.

A realização periódica de inventários e avaliações são condições fundamentais para a análise de experiências e para tornar produtivo o trabalho de educação política da Fundação. Além dos desafios políticos apresentam-se questões práticas e de método: qual será o tamanho do esforço analítico que deveremos envidar? Quais são os recursos que eu deverei empregar?

... e no desenvolvimento organizacional

A Fundação Heinrich Böll serve de exemplo para outras organizações no que diz respeito à implementação da democracia de gênero e/ou da perspectiva de gênero. Por essa razão, o seu apoio e consultoria são frequentemente solicitados. A Fundação desenvolveu e testou um grande número de orientações para ações e ferramentas (módulos, manuais para treinamento em questões de gênero, guias etc.).

Nas instalações da Academia Green Campus, voltada para cursos de formação profissional contínua, seguiremos oferecendo consultoria e desenvolvendo atividades orientadas para as questões de gênero. Entre elas estão, por exemplo, módulos de competência de gênero

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no âmbito de gestão política, bem como consultoria para organizações e associações que queiram introduzir e implementar o gender mainstreaming.

Para o desenvolvimento organizacional, a produção de dados e estatísticas a partir da perspectiva de gênero (estatística de pessoal, orçamento etc.), bem como normas claras estipuladas pela direção são condições indispensáveis. O grupo diretivo Democracia/Diversidade de Gênero, coordenado pela direção, apoia o processo de inclusão da perspectiva e diversidade de gênero nas atividades de formação, no desenvolvimento de pessoal e organizacional, no trabalho de consultoria para gerências, bem como na avaliação e concepção de atividades de formação contínua profissional para colaboradores.

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