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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-graduação em Letras
O DISCURSO PUBLICITÁRIO NO MÍDIUM RÁDIO:
encontro de vozes
Manoel Ricardo Moreira
Belo Horizonte
2014
Manoel Ricardo Moreira
O DISCURSO PUBLICITÁRIO NO MÍDIUM RÁDIO:
encontro de vozes
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Linguística e Língua Portuguesa.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Jane Quintiliano G.
Silva.
Belo Horizonte
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Moreira, Manoel Ricardo
M838d O discurso publicitário no mídium rádio: encontro de vozes / Manoel Ricardo
Moreira. Belo Horizonte, 2014.
93f.: il.
Orientadora: Jane Quintiliano Guimarães Silva
Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Letras.
1. Discurso. 2. Análise prosódica (Lingüística). 3. Publicidade. 4. Persuasão
(Retórica). 5. Radialistas. I. Silva, Jane Quintiliano Guimarães. II. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras. IV.
Título.
CDU: 82.085
Manoel Ricardo Moreira
O DISCURSO PUBLICITÁRIO NO MÍDIUM RÁDIO:
encontro de vozes
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa.
Prof.a Dr.a Jane Quintiliano G. Silva — PUC Minas (Orientadora)
Prof.a Dr.a Juliana Alves Assis — PUC Minas
Prof.ª Dr.ª Ada Magaly Matias Brasileiro (Faculdades Pitágoras, MG)
Prof.ª Dr.ª Arabie Bezri Hermont (PUC Minas – Suplente)
Belo Horizonte, 13 de junho de 2014.
A Deus, fonte da vida, luz e misericórdia.
Aos meus pais, exemplos de luta, perseverança
e vitória.
Aos amores de minha vida, Regina e Matheus,
família fiel e companheiros eternos em todos os
momentos.
AGRADECIMENTOS
À Prof.ª Jane Quintiliano Guimarães, por ser um exemplo de vida, sabedoria,
dedicação e profissionalismo. Minha orientadora e amiga, que acolheu e aceitou a
árdua missão de tornar-me Mestre.
Com muito carinho a todos os professores do corpo docente desta conceituada
instituição de ensino, que grandiosamente contribuíram para a minha formação.
Às secretárias Maria Berenice e Rosária, sempre prontas para atender e dar a devida
atenção, quando necessária.
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da PUC Minas.
À CAPES, pela concessão parcial da bolsa de estudos.
RESUMO
A partir de procedimentos linguísticos, prosódicos e sonoplásticos, vistos como
elementos geradores de sentido e construtores da persuasão, este estudo analisa o
funcionamento discursivo de três peças publicitárias radiofônicas criadas pelo
Sindicato das Empresas de Rádio e TV de Minas Gerais (SERT/MG), e veiculadas
pela Rádio Sucesso FM 101,7, de Barbacena (MG). Mais precisamente, nosso
objeto de estudo é a trama multissemiótica fundada por elementos verbais e não
verbais que constituem cada uma dessas peças. Além disso, considerando-se a
natureza do mídium aqui em estudo, analisa-se um ponto fundamental: a
representação do locutor/radialista. A encenação vocal consiste em uma atividade
discursiva e interacional, mas é, sobretudo, um trabalho cênico, que ex ige do
locutor/radialista uma atuação ou performance sustentada caracteristicamente pela
voz. O quadro teórico-conceitual formulado para abordar esse objeto inspira-se, sob
um viés dialógico, em estudos discursivos e enunciativos advindos da Análise do
Discurso francófona e das Teorias da Enunciação. Aliado a isso, tendo em vista os
objetivos de análise e a natureza do discurso em pauta em termos de sua
materialidade, lança-se mão de estudos da prosódia, cujos colaboradores
consideramos relevantes para alcançar nossa meta, entre eles: Cagliari (1999;
2003), Crystal (1988), Hirst e Di Cristo (1998), Nunes (2000), Morais (2010) e
Scarpa (1999). Para realizar o trabalho de análise, recorremos ao programa
PRAAT, uma ferramenta para análise de voz desenvolvida em 2010 por Paul
Boersma e David Weenink, do Institute of Phonetic Sciences, Universidade de
Amsterdã. Por meio desta pesquisa, foi possível constatar que, para acentuar o
poder de sugestão incorporado nas palavras articuladas pela voz e,
consequentemente, atrair a escuta do auditório/radiouvinte, a prosódia, a trilha e os
efeitos sonoros assumem funções e finalidades ímpares, a fim de signif icar o seu
universo imagético. Além disso, foi possível perceber que o discurso persuasivo
das peças publicitárias, projetando um ethos de suas instâncias de produção,
constrói-se a partir de uma materialidade linguística definida por condições de
produção que se concretizam em formações discursivas, determinado o que pode e
o que deve ser dito no rádio, e revelando a função dialógica que ele exerce como
um sistema de comunicação, seja ele analógico ou digital.
Palavra-chave: Discurso. Persuasão. Ethos. Prosódia. Mídium Rádio.
ABSTRACT
Starting from linguistic, prosodic and related to sound effects procedures, seen as
generating elements of sense and constructors of persuasion, this study analyzes the
discursive functioning of three pieces of radiophonic advertising created by Radio
and TV Companies Syndicate of Minas Gerais (SERT/MG), and broadcasted by
Sucesso FM 101,7 Radio Station, from Barbacena (MG). More precisely, our object
of study is the multi-semiotic scheme founded by verbal and non-verbal elements
that constitute each one of these pieces. Besides, considering the nature of the
medium here being studied, a fundamental point is analyzed: the representation of the
presenter/broadcaster. The vocal acting consists in a discursive and interactional
activity, but it is, above all, a scenic work, that demands from the
presenter/broadcaster an action or performance sustained typically by the voice. The
theoretical-conceptual framework formulated to broach this object gets inspiration,
under a dialogic perspective, in discursive and enunciative studies resulting from the
Francophone Discourse Analysis and from the Enunciation Theories. In addition to
it, considering the objectives of analysis and the nature of the discourse on the
agenda in terms of its materiality, we made use of studies of the prosody, whose
collaborators are considered relevant to reach our goal, among them: Cagliari (1999;
2003), Crystal (1988), Hirst e Di Cristo (1998), Nunes (2000), Morais (2010) e
Scarpa (1999). To realize the work of analysis, we appealed to PRRAT program, a
tool for the analysis of the voice, developed in 2010 by Paul Boersma and David
Weenink, from the Institute of Phonetic Sciences, University of Amsterdam. By
means of this research, it was possible to notice that to accentuate the power of
suggestion incorporated in the words articulated by the voice and, consequently, to
attract the listening of the audience/radio listener, the prosody, the soundtrack and
the sound effects assume functions and unique finalities, in order to signify its
universe of images. Besides, it was possible to perceive that persuasive discourse of
the advertising pieces, projecting an ethos of its instances of production, is
constructed from a linguistic materiality defined by conditions of production which
are accomplished in discursive formations, determining what is allowed and what
must be told on the radio, and revealing the dialogic function that it exerts as a
communication system, it being analogical or digital.
Keywords: Discourse. Persuasion. Ethos. Prosody. Medium Radio.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Cantoras do rádio .......................................................................................... 24
Figura 2 – Emilinha Borba .............................................................................................. 24
Figura 3 – As radionovelas .............................................................................................. 25
Figura 4 – Repórter Esso ................................................................................................. 26
Figura 5 – Verbo-voco-sonoplástico ............................................................................... 59
Figura 6 – PRAAT da peça publicitária “Banho” ........................................................ 62
Figura 7 – PRAAT da Peça publicitária “Banho” ........................................................ 63
Figura 8 – Sistema verbo-voco-sonoplástico ................................................................. 65
Figura 9 – PRAAT da peça publicitária “Lasanha” .................................................... 68
Figura 10 – Organograma ............................................................................................... 70
Figura 11 – PRAAT da peça publicitária “Carro” ...................................................... 72
Figura 12 – produção acústica lexical do fenômeno linguístico “Nossa”,
pronunciado na peça publicitária “Carro” ................................................. 75
Figura 13 – Esquema para a definição da prosódia ..................................................... 77
Figura 14 – PRAAT da peça publicitária “Lasanha” .................................................. 79
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Peça publicitária “Banho” .................................................................. 56
Quadro 2 – Peça publicitária “Carro” ................................................................... 66
Quadro 3 – Peça publicitária “Lasanha” ............................................................... 73
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas
FM – Frequência Modulada
GPR – Grupo de Profissionais do Rádio
OC – Ondas Curtas
OM – Ondas Médias
OT – Ondas Tropicais
Radcom – Radiodifusão comunitária
SBRD – Sistema Brasileiro de Rádio Digital
SBTV-T – Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre
SERT/MG – Sindicato das Empresas de Rádio e TV de Minas Gerais
TIC – Tecnologias da Informação e Comunicação
TV – Sons e imagens
SUMÁRIO
1. INTRODUZINDO A PROPOSTA DE ESTUDO ............................................ 11
2. RÁDIO: UM BREVE HISTÓRICO ................................................................. 21
2.1. A função social do rádio ..................................................................................... 22
2.2. As TIC: conquistas e desafios ............................................................................ 29
3. ENUNCIAÇÃO, DISCURSO PUBLICITÁRIO E CENOGRAFIA .............. 34
3.1. Enunciação: o lugar da intersubjetividade ...................................................... 34
3.2. Discurso publicitário e persuasão ..................................................................... 41
3.3. A cenografia do discurso publicitário .............................................................. 49
4. CENOGRAFIA, ASPECTOS VERBAIS E NÃO VERBAIS NA
CONSTITUIÇÃO DO ETHOS DO MÍDIUM RÁDIO: ORIENTAÇÕES
PARA UM TRABALHO DE ANÁLISE DO CORPUS DA PESQUISA ....... 54
4.1. Entre o “ver” e o “enxergar” – Imagens sonoras e as contribuições de
Barthes ................................................................................................................. 63
4.2. A contribuição da prosódia para a persuasão e o ethos ................................. 69
4.3. Os elementos segmentais e não segmentais e as concepções de Cagliari ...... 75
5. À GUISA DE CONCLUSÃO ............................................................................. 80
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 83
11
1. INTRODUZINDO A PROPOSTA DE ESTUDO
Neste trabalho, o foco de nossa atenção recai sobre a construção e o
funcionamento do discurso publicitário no mundo radiofônico, particularmente em
três peças radifônicas1 criadas pelo Sindicato das Empresas de Rádio e TV de Minas
Gerais (SERT/MG), e veiculadas pela Rádio Sucesso FM 101,7, de Barbacena (MG).
As três peças que compõem o corpus investigado – aqui identificadas por “Banho”,
“Carro” e “Lasanha”, em razão do tema que cada uma delas desenvolve – afiguram-
se como uma trilogia que fez parte de uma campanha estadual, no âmbito de Minas
Gerais, lançada em 2005 pelo Grupo de Profissionais do Rádio 2 (GPR), com o
propósito de valorizar as emissoras mineiras como um espaço de publicidade, e
também os profissionais que trabalham nesse mídium3.
Essas peças foram veiculadas em várias emissoras mineiras, dentre elas, na
Rádio Sucesso FM 101,7, de Barbacena, no período pré-natalino do referido ano. Ao
que se nota, o propósito da emissora era promover a sua própria imagem, dotada de
capacidade e eficiência para divulgar os produtos dos lojistas da cidade, como
objetiva o GPR. As peças foram coletadas com a concessão da diretoria e do
departamento comercial da emissora, que autorizaram a gravação das publicidades
em um CD. O acesso ao estúdio de gravação e transmissão da emissora também foi
autorizado, com o objetivo de conhecer melhor um estúdio de gravação e transmissão
da rádio.
Nosso objeto de estudo é a trama multissemiótica, fundada por elementos
verbais e não verbais que constituem cada uma dessas peças. O quadro teórico-
conceitual formulado para abordar esse objeto inspira-se, sob um viés dialógico, em
1 “Peças radiofônicas” e “peças publicitárias” serão as expressões utilizadas para se fazer referência ao objeto de
pesquisa deste trabalho. Da Silva (2005), em seu artigo intitulado A Peça Radiofônica e a Contribuição de
Werner Klipper, revela que Klipper, teórico do rádio, teatrólogo, dramaturgo e produtor alemão, foi o precursor e
especialista do jogo de rádio, ou seja, da Hörspiel (peça radiofônica), palavra de origem alemã cujo significado
remete à escuta/jogo. 2 Trata-se de uma empresa jurídica de direito privado constituída em 22 de julho de 1999. Com sede em São Paulo, o GPR é uma associação sem fins lucrativos, que tem como objetivo maior promover e valorizar o rádio e
seus profissionais mediante cursos de qualificação e aperfeiçoamento. E, para alcançar seus objetivos, enaltece o
rádio e os profissionais que atuam no contexto radiofônico em todos os meios de comunicação. Uma de suas
atribuições é fomentar a criatividade e a produção de campanhas publicitárias para o meio. Para mais
informações, ver o site www.gpr.com.br. 3 Terminologia empregada por Maingueneau (2005) para definir o suporte, ou seja, o canal material usado para
veicular uma mensagem não apenas do rádio, mas também dos meios de comunicação em geral. Para o autor,
uma mudança importante no mídium modifica todo o conjunto de um gênero de discurso.
12
estudos discursivos e enunciativos advindos da Análise do Discurso francófona e das
Teorias da Enunciação. Aliado a isso, tendo em vista os objetivos de análise e a
natureza do discurso em pauta em termos de sua materialidade, lança-se mão de
estudos da prosódia, cujos colaboradores consideramos relevantes para alcançar
nossa meta, entre eles: Cagliari (1999; 2003), Crystal (1988), Hirst e Di Cristo
(1998), Nunes (2000), Morais (2010) e Scarpa (1999). Antes, porém, de investir em
uma discussão teórico-conceitual sobre o objeto de estudo, entende-se como
oportuno e importante trazer algumas considerações, ainda que amplas, relativamente
ao lugar e à função do rádio nos cenários político e social brasileiro.
Na sociedade contemporânea, tecnologicamente complexa como a nossa, os
meios de comunicação social exercem, em grande escala, uma forte influência sobre
a população. Para Rubim (2001), isso se deve à cultura midiatizada, o que está
associado ao capitalismo. Esse sistema econômico, mediante a tecnologização e a
globalização das comunicações, por meio da linguagem publicitária, transformou a
informação, a notícia e o entretenimento em mercadorias para fomentar o consumo.
Hoje, o estatuto mercadológico, regido pela oferta de produtos fabricados por
empresas que necessitam vender exacerbadamente, encontrou no rádio, na TV, na
impressa escrita, na internet e na webradio um suporte ideal para ser o “promotor” da
chamada lógica do consumo.
Nessa conjuntura econômica, entram em cena gêneros discursivos próprios
desse universo mercantilista que interferem direta ou indiretamente na economia
mundial. Diante dessa ordem social, Rocha (1990) adverte que há dois domínios
fundamentais que regem o sistema mercantilista: a produção e o consumo. Para o
autor, enquanto na produção o homem é “rei”, no consumo, ele se torna “escravo”.
Se, por um lado, o consumismo fundamenta-se na troca, por outro, a produção
relaciona-se diretamente com a publicidade. Rocha (1990, p. 67) acrescenta ainda
que “a publicidade omite os processos objetivos de produção, é uma linguagem que
cala o produto e fala do bem de consumo. E o social se transforma num objeto
imerso em fábulas e imagens.”
É justamente nesse universo estabelecido entre produção e consumo que novas
representações de compra e venda, e, portanto, de poder, a todo o momento, são
elaboradas e adquirem um potencial altamente persuasivo por meio do (e com o)
13
discurso publicitário. O rádio, para atender aos anseios do mundo globalizado,
fazendo uso de inúmeras ferramentas tecnológicas e de sua linguagem radiofônica,
trava, hoje, um confronto obstinado com a concorrente TV para assegurar seu espaço
midiático, no qual, aliás, durante um bom tempo ele reinou absoluto no Brasil.
Entretanto, com o advento da internet e da webradio4, tal confronto tem ficado ainda
mais acirrado, estendendo-se também para essas mídias.
Apesar das conquistas tecnológicas de comunicação à longa distância e dos
avanços obtidos em pesquisas relacionadas ao universo digital, visando a ampliação e
fusão de emissoras e a sofisticação de aparelhos eletrônicos (de uso doméstico ou
não), o rádio perpetua, sem sombra de dúvidas, e está muito presente no cotidiano
dos brasileiros. Esse mídium tem procurado se afigurar como um forte investimento
publicitário. Para Meditsch (1998, p. 15), “a era intelectual eletrônica redefine a
função do rádio informativo.” Se, na década de 1990, o referido autor já demonstrava
uma visão futurista em decorrência dos impactos das novas tecnologias, que ,
segundo ele, iriam ocasionar significativas mudanças não só nas configurações, mas
também nos formatos, no modo de produzir e no conteúdo do mídium rádio, imagine
hoje, em pleno século XXI, com o advento da internet e , por conseguinte, da
webradio?
Ao empregar a terminologia mídium, Maingueneau (2001; 2005) adverte que
não se trata apenas de associá-la ao suporte 5 ou canal de veiculação de uma
mensagem, como se concebia no quadro de algumas teorias da comunicação. Mais
que isso, o mídium, dada suas condições de produção e circulação, reveste-se de uma
complexidade associadas às velhas e novas tecnologias e instituições, que
4 No Capítulo 2, faremos uma explanação mais detalhada e abrangente em relação à Webradio e ao impacto
desse mídium no universo radiofônico tradicional. 5 Para Marcurschi (2003), a noção de suporte não está relacionada ao simples sentido estabelecido pelos
Dicionários Aurélio e Houaiss, que, apesar de correto, não é suficiente para suprir o sentindo atribuído neste
trabalho e estabelecido pelo autor. Diante disso, nos filiarmos às concepções de Marcuschi (2003), para quem o
suporte de um gênero é como um locus físico ou virtual agregado a um formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado, no caso, o discurso publicitário radiofonizado. Segundo
Maingueneau (2005), o suporte de um gênero, no sentido estrito (oral, escrito, manuscrito, televisivo,
radiofônico etc.), é a base material que adquire um formato específico que suporta, fixa, mostra e veicula um
texto. Para Maingueneau (2005), os textos se realizam em algum gênero que comporta uma ou mais sequências
tipológicas, e são produzidos em certo domínio discursivo, que, por sua vez, encontra-se atrelado a uma
formação discursiva, que se fixa em algum suporte pelo qual atinge a sociedade. Percebe-se que, para ambos os
autores, o suporte é uma espécie de base que porta contextos específicos, podendo proporcionar algum tipo se
influência, o que, de certa forma, reflete em diferentes modos e formas de recepção.
14
configuram as instâncias midiáticas e os discursos nelas produzidos postos em
circulação.
Aliado a esse aspecto, enfatizando a mídia radiofônica, Maingueneau (2001 , p.
73) assinala que o locutor, nas interações com o ouvinte, assume um lugar ímpar para
a realização do discurso, uma vez que:
[...] o mídium radiofônico permite à fala introduzir-se individualmente na casa
de qualquer pessoa, surpreendendo-a em sua intimidade familiar. O locutor
não pode mais contar com a cumplicidade do auditório, visto que será ouvido
por todos amigos, inimigos ou indiferentes e que seus ouvintes não precisam
se deslocar para ouvi-lo.
O autor destaca, ainda, que o rádio, para fazer cumprir suas metas, objetivos
institucionais, interacionais e garantir sua sustentabilidade no universo
tecnologicamente midiático, tem criado modelos publicitários dinâmicos, criativos e
complexos em sua elaboração discursiva. Ou seja, na construção de textos
publicitários, segundo Cagliari (1999), imbrica-se um sistema multissemiótico
formado por correlatos acústicos, lexicais e não lexicais que constituem um rico
material de análise. A linguagem auditiva do rádio pode ser delimitada, segundo
Meditsch (2001), como um sistema semiótico complexo, composto por subsistemas,
como a palavra veiculada pelo suporte (rádio) pronunciada através do discurso do
locutor repleto de constituintes prosódicos que revelam o timbre, a altura, a
intensidade e a duração da fala. Ou seja, são elementos linguísticos e paralinguísticos
que se somam à trilha sonora e demais efeitos sonoplásticos, todos responsáveis pela
efetivação do funcionamento das Hörspeils (peças radiofônicas), constituindo um
sistema multissemiótico, em que cada um desses componentes exerce uma série de
convenções preestabelecidas.
Aqui, juntamente à proposta de Meditsch (2001), acreditamos ser coerente nos
filiarmos à Rojo (2009), que, ao discorrer sobre a gênese da palavra “multi”, nos
revela que ela está associada ao contexto estabelecido pelas tecnologias da
comunicação e da informação, gerando, assim, a multiculturalidade, que, para a
autora, é a marca das sociedades globalizadas, ou seja, a mola propulsora de
letramentos contemporâneos, múltiplos, intersemióticos, haja vista o emprego de
novas tecnologias digitais que requerem de seus usuários cada vez mais
competências leitoras e produção de significados. Segundo a autora, essa notável e
15
inovadora transformação dos suportes midiáticos, sobretudo o/no rádio, possibilita a
criação de textos que se constituem por meio de uma multiplicidade de linguagens,
entre elas, os sistemas linguísticos lexicais e não lexicais que exigem do receptor
(radiouvinte) muito mais do que uma simples audição (leitura) para abstrair um
sentindo, assegurando uma melhor resposta para a emissora em relação ao ethos que
constrói. Rojo (2009) complementa dizendo que a multimodalidade, a multissemiose,
ou a multiplicidade de linguagens propiciam a renovação do conceito de letramento.
Considerando-se a natureza do mídium aqui em estudo, analisa-se um ponto
fundamental: a representação do locutor/radialista. A encenação vocal consiste em
uma atividade discursiva e interacional, mas é, sobretudo, um trabalho cênico, que
exige do locutor/radialista uma atuação ou performance sustentada
caracteristicamente pela voz. Assim, para Abdalla Júnior (2005, p. 141), o
profissional do rádio é um “encenador vocal”, tendo em vista os efeitos de fala que
envolvem a locução e a interpretação carregados de constituintes prosódicos que
revelam o timbre, a altura, a intensidade e a duração da fala do locutor/radialista.
Em se tratando de publicidade radiofônica, pode-se dizer que, no processo de
sua edição (refletida na gravação), um plano de produção complexo se impõe na
feitura de cada uma das peças radiofônicas. Nessa produção, diferentes aspectos e
procedimentos multissemióticos se entrelaçam: sejam os linguísticos (na construção
formal e textual do discurso); sejam os suprassegmentais 6 (prosódicos, acústicos,
gerados pela locução da voz do locutor/radialista, a enunciação do texto); seja a
trilha sonora7 (seleção de fragmentos musicados que buscam envolver o ouvinte de
forma a fazê-lo sentir, ouvir, inconscientemente ou não, uma musicalidade que
6 Embora esse termo seja discutido com mais vagar no Capítulo 4, seção 4.3, adianta-se que, para Massini-
Cagliari (2003), ele não deve ser empregado como sinônimo de prosódia. O termo suprassegmental está mais
relacionado à fonética e fonologia para os elementos segmentais, ou seja, para o sistema prosódico lexical, para
os aspectos de produção relacionados à fonologia cognitiva. 7 Trilha Sonora (ou sonoplastia) é um termo técnico próprio do universo do sistema de radiodifusão para designar a trilha sonora e os efeitos, ruídos, entre outros elementos sonoros produzidos e que são ouvidos nas
peças publicitárias em análise. Segundo Jung (2004), na década de 1960, no alvorecer do teatro radiofônico no
Brasil, a terminologia surgiu com o intuito de retratar nos estúdios de gravação das emissoras de rádio os efeitos
sonoros, ruídos e trilhas sonoras que acompanhavam as locuções. Segundo Ortiz e Marchamalo (2005), a
sonoplastia abrange todas as formas sonoras e permite que o áudio amplie os sentimentos e as emoções do
radiouvinte. Por ser um poderoso recurso comunicativo, é muito usado em outros mídiuns. Atualmente, a trilha
sonora é normalmente conhecida como BG, e deve ser rigorosamente adequada à cena de enunciação, de modo
que não prejudique a voz do locutor radialista ou televisivo.
16
contribui para compor a cena em pauta e aplicar-lhe um dado efeito de sentido); seja,
ainda, o chamado trabalho de sonoplastia efeitos especiais).
Em suma, a nosso ver, todos esses aspectos, de natureza distinta, não se
apresentam uns em uma relação aos outros como meramente completares, mas, sim,
como elementos verbais e não verbais constitutivamente imbricados na feitura das
peças publicitárias, isto é, do discurso em pauta, para levar a efeito o objetivo em
mente. Dessa perspectiva, considerando-se as múltiplas nuances que organizam e
constituem tal atividade discursiva, o trabalho de editação (e gravação) de uma
publicidade radiofonizada não é feito de improviso, sem preparação ou estudo, tanto
da parte do locutor/radialista quanto de outros técnicos profissionais, partícipes dessa
tarefa ou projeto. Admitindo-se tal fato, interessa-nos ressaltar que, no rádio, a fala
do locutor/radialista adquire qualidades vocálicas e propriedades dinâmicas de voz
importantes para a construção do texto e os efeitos de sua veiculação, o que, segundo
Gomes e Dantas (2010), pode despertar sentimentos que vão além do simples gosto
de ouvir rádio. Segundo esses autores, mesmo na ausência da imagem (do elemento
visual), a fala do locutor/radialista, impregnada de ricos elementos prosódicos, pode
“evocar situações próprias do imaginário do ouvinte.” (GOMES; DANTAS, 2010, p.
186).
A articulação entre as dimensões textual-discursiva e prosódica pauta-se no
pressuposto de que as palavras, do ponto de vista da materialidade acústica, em
situações de comunicação, expressam sentimentos e afetos do falante no ato da
enunciação. Nessa direção, Morais (2010) aponta que a intencionalidade do uso da
linguagem na produção do discurso, os recursos prosódicos e seus contornos
entonacionais são mobilizados pelo locutor/radialista para capitalizar a atenção, o
envolvimento e a adesão da audiência.
Para Irvine (2001), por exemplo, as modalidades da fala apresentam variações
que ocorrem tanto intrassujeito (no próprio locutor/radialista) quanto intragrupo (na
audiência, considerando a singularidade de cada ouvinte). As trocas interacionais
diárias, as mais comuns em nossas relações sociais, nas quais se emprega a fala,
geralmente, são espontâneas e revelam, pela voz e alocução do locutor/radialista,
traços entonacionais eivados de subjetividade. No rádio , isso é notório. A fim de
assegurar a audiência, constrói-se uma trama interacional mediada por um discurso
17
mais próximo, doméstico e envolvente entre o locutor/radialista e o
auditório/radiouvinte. A alocução ganha contornos que lembram os de uma conversa
supostamente íntima e amigável.
A interação entre o auditório/radiouvinte e o locutor/radialista, mediada pela
voz, pela fala de um sujeito que está à frente de um microfone, contando histórias do
cotidiano, promovendo informação, prestando serviços, fazendo entretenimento,
divulgando produtos a serem consumidos e/ou formando opinião, parece pautar-se,
estrategicamente, numa relação simétrica, mas, curiosamente, jurídica em relação à
responsividade do auditório/radiouvinte. Isto é, na grande maioria dessas interações,
busca-se instaurar um vínculo entre o auditório/radiouvinte e o locutor/radialista, que
nasce da escuta de uma voz que, diariamente, entra nos lares, escritórios, carros e
tantos outros espaços em que o rádio estiver ligado e sintonizado, compartilhando
emoções, informações, entretenimento e fazendo companhia a milhões de brasileiros.
Sobre essa questão, Nunes (2000, p. 58), em uma pesquisa investigativa sobre
o papel da voz no rádio, afirma que “o rádio, por suas características intimistas,
acaba estabelecendo uma ilusão de proximidade com quem o utiliza. A voz vai se
tornado familiar, cativando o ouvinte, sugerindo ideias, convencendo as pessoas .”
Cria-se, conforme a autora, uma sintonização fina entre locutor /radialista e
auditório/radiouvinte, demandando deste, porque toda escuta é ativa, uma adesão ou
compromisso com a figura do locutor/radialista, um sentimento e/ou comportamento
que parece sugerir uma certa cumplicidade, pois “a voz, a distância, age no corpo do
radiouvinte.” (NUNES, 2000, p. 92).
Sensível a essa realidade forte na nossa cultura e focalizando a temática da
publicidade radiofônica, especialmente, a do comercial da rádio sobre o “poder” do
rádio em ações publicitárias, este estudo, inscrito numa abordagem discursiva, filiada
à Análise de Discurso proposta por Maingueneau (2001; 2005; 2008), às Teorias da
Enunciação, de Benveniste (2005; 2006), bem como às concepções relativas aos
processos interacionais advindos de Bakhtin/Voloshinov (1992; 2006), tem como
interesse central desenvolver uma análise integrada dos elementos textual-
discursivos e prosódicos constitutivos da trama multissemiótica de três peças
publicitárias radiofonizadas, enfatizando a formação do ethos do SERT-MG, do
mídium rádio e da emissora responsável pela veiculação das peças publicitárias.
18
Como o objeto em estudo não se constitui apenas de elementos verbais, mas
também de elementos vocais e acústicos, para a construção do quadro teórico -
conceitual e metodológico desta investigação, recorreu-se também às contribuições
da Prosódia, para empreender uma leitura mais fina das peças em exame, no que toca
à fala do locutor/radialista, isto é à sua locução.
Não muito diferente de outras cidades do interior do Brasil, o rádio em
Barbacena, além de ser um mídium de maior poder de penetração e abrangência em
suas classes sociais, também assume um importante papel socioeconômico, uma vez
que não há nenhuma emissora de TV local. Isso o faz um meio de comunicação por
excelência, o que não quer dizer que o sistema de radiodifusão da referida cidade não
esteja sujeito às transformações tecnológicas advindas do universo informatizado e
digital que regem a economia globalizada.
Para levar a efeito os objetivos deste estudo no que se refere aos aspectos
metodológicos e analíticos, a escolha do corpus em exame não é arbitrária.
Primeiramente, em termos históricos, investiga-se um fenômeno midiático,
contextualmente situado, que ganha uma particularidade no cenário de uma
sociedade global, em que se conjugam o micro e o macrossistema midiático em
vigência em uma cultura da comunicação, da informação e da tecnologia complexa,
como nos alerta Canclini (1999). Em segundo lugar, tendo em vista esse fato e por
razões de ordem analítica, o foco de nossa investigação, traçado a partir da escolha
da trilogia em pauta, dadas as suas condições de produção e circulação, explica-se
pela singularidade desse fenômeno espaciotemporial na cidade de Barbacena (MG),
visto no processo da produção do sentido e da função exercida pela prosódia para a
construção do ethos que se revela no discurso publicitário do corpus em análise.
Em suma, como a publicidade comercial busca sempre uma reação – a compra
– e, para isso, procura um envolvimento com a audiência, mediado por um trabalho
de persuasão, este estudo se volta para verificar, no discurso das peças em exame,
relativamente ao modo de dizer, a sua trama textual e enunciativa, focalizando um
conjunto de elementos linguísticos e procedimentos entonacionais que constituem a
composição dos enunciados que se prestam a dar “vida” às publicidades. Integrado a
isso, embora não exatamente como objeto de análise, buscaremos realçar a ação da
sonoplastia. Os elementos inscritos nessa trama se mostram como pistas, rastros , que,
19
como estratégias, compõem a cena enunciativa das peças publicitárias investigadas e
contribuem para persuadir o consumidor, no caso, os supostos empresários que
poderiam eleger a Rádio Sucesso FM 101,7 para divulgar seus produtos.
Para realizar o trabalho de análise do material vocal, prosódico, recorremos ao
programa PRAAT, uma ferramenta para análise de voz desenvolvida em 2010 por
Paul Boersma e David Weenink, do Institute of Phonetic Sciences, Universidade de
Amsterdã. Esse programa foi obtido gratuitamente, por download, pela página
oficial: http://www.praat.org.
Com base nesse programa como uma ferramenta metodológica e à luz do
referencial teórico em pauta, este estudo propõe como objetivo uma análise integrada
dos elementos textual-discursivos e prosódicos constitutivos da trama
multissemiótica de três peças publicitárias radiofonizadas, enfatizando a formação do
ethos instituído em três publicidades radiofônicas criadas pelo Sindicato das
Empresas de Rádio e TV de Minas Gerais (SERT/MG).
Desse objetivo norteador do estudo, propõem-se como desdobramentos os
seguintes objetivos específicos:
a) descrever e analisar os principais mecanismos enunciativos verbo-voco-
sonoplástico que entram na constituição do quadro cênico das peças em
exame;
b) identificar e analisar os sistemas multissemióticos gerados no corpo das
peças publicitárias, tendo em vista os efeitos de sentido que o discurso
publicitário nelas atualizado pretende alcançar;
c) investigar os correlatos acústicos (prosódicos) lexicais ou não lexicais e
acentuados e não acentuados que podem (ou não) interferir no trabalho de
persuasão e na construção do ethos do SERT/MG, do mídium rádio e da
emissora Rádio Sucesso FM 101,7, no quadro cênico agenciado pelas
publicidades em exame, recorrendo à ferramenta software PRAAT;
d) apresentar, por meio do software PRAAT, os principais gráficos que
possam descrever e demonstrar a qualidade vocálica e as propriedades de
dinâmica de voz, a fim de apontar a relevância dos fenômenos prosódicos
20
nas três peças radiofônicas, bem como a sua função e importância no
trabalho persuasivo desse discurso.
Imbuídos dessa tarefa, tentaremos cumprir os propósitos estabelecidos
amparados por uma metodologia que dê condições de manter um diálogo entre os
objetivos, o suporte teórico e a análise do objeto.
Posto isso, esta dissertação organiza-se por um plano estrutural dividido em 5
capítulos. O Capítulo 2 descreve, de modo sucinto, o percurso histórico do rádio,
destacando o período áureo, sua função social e os desafios e conquistas do rádio
diante das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). O Capítulo 3 descreve
o quadro teórico-conceitual, estabelecendo um diálogo entre a Análise do Discurso
francófona e as Teorias da Enunciação. Tendo em vista a natureza dos objetivos
traçados, fez-se necessário agregar também uma fundamentação teórica relativa aos
conceitos prosódicos. Na sequência, à luz dos pressupostos teóricos elencados, no
Capítulo 4, apresenta-se uma análise de determinados elementos verbais e não
verbais das três peças publicitárias radiofônicas que constituem a trama
multissemiótica sustentada pela performance da voz do locutor/radialista em plena
atividade discursiva e interacional. O Capítulo 5 propõe uma reflexão sobre os
resultados das análises realizadas.
21
2. RÁDIO: UM BREVE HISTÓRICO
Para refletir sobre a linguagem radiofônica no domínio da publicidade, e
compreender sob que condições históricas e políticas a propaganda instaura-se no
rádio, este capítulo apresenta um rápido percurso pela história do rádio no Brasil, o
que nos possibilitará contextualizar em que momento em nossa sociedade esse
mídium ganhou prestígio e reconhecimento social, político e econômico.
A radiofonia brasileira demorou muito para se consolidar e se tornar presente
no cotidiano da sociedade brasileira. No princípio, em 1923, o rádio não tinha
programação estabelecida e muito menos profissionais especializados, por isso os
programas eram feitos de forma amadora, fator preponderante para não demandar
credibilidade. Segundo Jung (2004), as notícias radiofonizadas eram retiradas dos
principais jornais impressos do país e lidas naturalmente sem a mínima adaptação
para tal mídium.
O rádio não era um meio de comunicação democrático e popular, mas seleto.
Os ouvintes pertenciam a uma classe mais abastada, eram contribuintes financiadores
e responsáveis pelos passos primários do rádio no Brasil nos anos de 1920. Essas
pessoas representavam uma elite, detinham poder e status social, por conseguinte,
dividiam os custos dos transmissores porque apostavam nas novidades propostas
pelos conceitos da época. Como acontece na atualidade em relação a algumas mídias
sociais, o rádio na década de 1920 era privilégio de poucos.
Entretanto, apesar de muitos percalços, o rádio conseguiu romper as primeiras
barreiras. Segundo o publicitário Manuel Leite (1990), no final de 1930, o país já
contava com uma rede de rádio difusora em sociedade que contabilizava 21
emissoras, todas patrocinadas pela alta classe do país. O aparelho não era um meio
de comunicação de massa, mas, sim, algo de valor possuído por poucos, e
simbolizava ostentação. A programação determinada pelos patrocinadores era
pautada por óperas, músicas clássicas e concertos de piano.
Em troca do entretenimento oferecido pelo custeio dos transmissores, as
emissoras se comprometiam em citar os nomes das empresas eletrônicas que lhes
prestavam manutenção. Segundo Jung (2004), percebeu-se que o fato de divulgar,
durante a programação, o nome das empresas que ofereciam tais serviços, era um
22
diferencial que refletia positivamente no percentual de vendas de equipamentos
eletrônicos. O mesmo acontecia com os colaboradores que, sem interesses lucrativos,
emprestavam os discos de vinil para fazer a programação musical. No dia seguinte,
os ouvintes procuravam em lojas de departamentos os discos que continham as
músicas tocadas no rádio para comprá-los. Para Leite (1990), essas constatações
foram essenciais para promover e repensar uma nova modalidade e concepção do
rádio.
De tudo isso, o que merece destaque foi a estratégia empregada por Roquette
Pinto 8 , um apaixonado pelo rádio, que coordenava o clube de associados e
patrocinadores responsáveis pelas emissoras. Ao ler as principais notícias veiculadas
na mídia impressa e transformá-las em linguagem radiofônica, Roquette Pinto
propiciou à sociedade da época perceber que o mídium radiofônico poderia oferecer
muito mais do que um restrito entretenimento musical e informacional. Roquette
acreditava que o texto verbal, manifestado pela linguagem radiofônica por
intermédio do radialista, deveria ser a essência fundamental desse meio de
comunicação.
2.1. A função social do rádio
Mesmo diante de muitos contratempos políticos e dificuldades financeiras,
mas ciente da função que o rádio exerceria na sociedade, Roquette Pinto não poupou
esforços para fundar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que, apesar de rudimentar,
já contava com a concorrência da Rádio Clube do Brasil. Segundo Jung, (2004), em
1930, as emissoras se espalharam para outros Estados. Em meio à grande expansão e
com o objetivo de acompanhar as tendências ditadas pela radiodifusão por quase todo
o território brasileiro, em 1931, fundou-se, em São Paulo, a Rádio Record, marco e
modelo de uma nova emissora, que tinha como proposta renovar os conceitos do
meio comunicativo, observando a ordem mercadológica e comercial.
8 Roquette Pinto é considerado o precursor da radiodifusão no Brasil. No início de 1923, convicto da importância
da educativo-cultural do rádio, sensibilizou com suas ideias o presidente da Academia Brasileira de Ciências, e
fundou, em 20 de abril daquele mesmo ano, a primeira estação de rádio no Brasil, a Sociedade Rádio do Rio de
Janeiro, instituição de caráter basicamente educativo-cultural. Anos depois, para não transformá-la em um
veículo comercial, Roquette Pinto preferiu doá-la ao Ministério da Educação e Cultura. Nascia, assim, a atual
Rádio MEC, em 1927. Para saber mais: www.fm94.rg.gov.br.
23
A Rádio Record teve como fomento o decreto-lei nº 21.111, assinado por
Getulio Vargas, que regulamentava a propaganda comercial no rádio, fixando um
limite de 10% da programação da emissora (JUNG, 2004). Não demorou muito e, em
1934, as emissoras foram obrigadas a elaborar sua programação destinando 20% aos
interesses comerciais. Gerando seus próprios recursos, as emissoras investiram em
novos profissionais, preparando-os não só para exercer a locução, mas também para
realizar programas de auditório. Diante dessa inovadora concepção radiofônica,
constatou-se que era preciso reformular o quadro de funcionários, incluindo músicos
e cantores, pois os comerciais eram veiculados ao vivo pelos próprios
apresentadores. Mais tarde, essa modalidade recebeu o nome de testemunhal 9. Da
mesma forma que os testemunhais, os jingles 10 foram modalidades que
potencializaram o rádio.
Não faltou apoio político para que, em 12 de setembro de 1936, fosse
inaugurada, no Rio de Janeiro, a Rádio Nacional, emissora pioneira de grande
alcance. Conquistando audiência, prestígio e glamour, ela arrebatou para os estúdios
os principais nomes da música popular brasileira, como Ângela Maria, Ari Barroso,
Orlando Silva, Emilinha Borba, Marlene, Carmem Miranda, Francisco Alves,
Vicente Celestino, e muitos outros. Para Jung (2004), ser artista ou cantor de rádio na
época era sonho de muitos. Fazer parte do elenco de uma emissora como a Rádio
Nacional era garantia de sucesso e fama em todo o país. Tal período, denominado de
9 Terminologia empregada pelos profissionais de rádio, e será discutida especificamente no Capítulo 3, seção 3.4. 10
Para Mello Vianna (2004, p. 30), há alguns aspectos recorrentes que merecem ser considerados no que se
refere ao jingle e ao spot: “O jingle diferencia-se do spot por se tratar de uma peça publicitária que transmite a
mensagem principalmente através de uma melodia cantada, cuja letra geralmente é composta pelos principais
conceitos da marca anunciada, do slogan e, possivelmente, do telefone ou endereço do anunciante. Pode
apresentar, além da voz cantada, um texto breve interpretado por um locutor – que em geral encerra a peça –
denominado assinatura. O jingle, assim como o spot, não está necessariamente associado a um programa
patrocinado pelo anunciante, podendo ser veiculado em qualquer horário da programação de uma rádio.” Mello
Vianna (2004) esclarece, ainda, que spot é uma terminologia muito recorrente no contexto publicitário
radiofônico, constituído de fala, trilha musical e efeitos sonoros, podendo ser classificado em duas categorias:
spot dramatizado e spot informativo. O primeiro, segundo Mello Vianna (2004), é uma peça publicitária que recorre a simulacros do cotidiano ou de situações oníricas, fantásticas, capazes de envolver o produto ou o
serviço anunciado. “Essas situações estão relacionadas com o repertório do ouvinte, sugerindo-lhe sentido por
meio de elementos sonoros, como a performance de voz, efeitos sonoros, música, silêncio e tratamento técnico.
Esses elementos cumprem funções diversas: criar personagens, ambientes e cenários sonoros.” (MELLO
VIANNA, 2004, p. 162). Já o segundo, como o próprio nome diz, tem um caráter informativo, por isso funda-se
unicamente na performance do locutor, que, excepcionalmente, faz uso de recursos sonoros. Nessa modalidade,
o locutor “se apresenta como um sujeito especialista no assunto que informa, destaca o conceito da marca, as
qualidades e benefícios do produto sem representar nenhum papel.” (MELLO VIANNA, 2004, p. 162).
24
Era de Ouro do Rádio Brasileiro, foi um marco histórico no sistema de comunicação
radiofônico. A seguir, apresentamos imagens que ativam algumas reminiscências
dessa época:
Figura 1 – Cantoras do rádio
Fonte: Silva (2014)
Figura 2 – Emilinha Borba
Fonte: Silva (2014)
25
Outro grande feito da Era de Ouro do Rádio foi a primeira radionovela do
país, intitulada “Em busca da felicidade”, lançada pela Rádio Nacional, em 1941.
Surgia, então, uma forma de entretenimento dinâmico, capaz de aguçar o imaginário
do auditório/radiouvinte. Segundo Castro (2012), não se pode negar que as
radionovelas lançadas na Era de Ouro do Rádio foram essenciais para provocar
mudanças e propor novas configurações de programas de auditório que despontavam
na época.
Figura 3 – As radionovelas
Fonte: Silva (2014)
A figura acima, de certa forma, contribui para confirmar o fascínio das
famílias pela dramaturgia radiofônica, que ficavam paralisadas, atônitas diante do
rádio. Mesmo sem muitos recursos tecnológicos, se comparados aos tempos
modernos, a sonoplastia, somada à voz, era capaz de propor um entretenimento
notório, que ativava a imaginação dos radiouvintes, o que era inovador para a
realidade da época.
26
A Era de Ouro do Rádio no Brasil funda-se numa trilogia cuja programação
abrangeu programas de auditório, radionovelas e o Repórter Esso, programa especial
lançado durante a II Guerra Mundial, que tinha como meta “cobrir” os fatos
acontecidos em relação à Guerra, obviamente, sob o ponto de vista dos aliados. Com
o slogan “A Testemunha Ocular da História”, o Programa ficou no ar até 1968. Tal
programa foi um marco ousado, inovador, fundamental para conquistar a
credibilidade do jornalismo do rádio brasileiro. O Repórter Esso, segundo Castro
(2012), foi, sem dúvida, referência para muitos estudantes de jornalismo e até mesmo
para a TV.
Figura 4 – Repórter Esso
Fonte: Silva (2014)
Com uma grade de programas que envolvia diversos gêneros culturais,
entretenimento e informação, a Rádio Nacional conquistou as massas, demonstrando
um grande poder de penetração. No dia 8 de março de 1940, tornou-se a primeira
27
emissora privatizada, sendo a emissora oficial do governo brasileiro. Não obstante,
com a chegada da TV, na década de 1950, o rádio perdeu artistas, profissionais e
poder de influência, devido à transferência das verbas publicitárias. Visando retomar
o seu espaço e potencial no mercado e no meio comunicativo, as emissoras de rádio
ousaram ao elaborar uma nova estrutura de programação, agora, contando com o
jornalismo, o esporte e o entretenimento. Os artistas de renome ou no início de
carreira lançavam seus discos e tinham preferência pelos programas de auditórios,
pois os cachês eram maiores. Entretanto, eles contavam com as emissoras de rádio
para tocar suas músicas, já que a proximidade entre o rádio e o ouvinte era muito
maior, considerando que nem todos tinham aparelhos de TV em casa.
A partir dos anos 1990, o rádio se digitaliza e, assim como todos os meios de
comunicação de massa, sofre fortes influências e mudanças com o impacto das novas
tecnologias e da globalização. Vive-se, no universo radiofônico, um período de
descobertas, desafios e conquistas tecnológicas relacionadas ao advento da Rede
Mundial de Computadores. No Brasil, mudanças significativas foram realizadas no
que se refere à transmissão, recepção de informação e entretenimento ofertados pelas
mídias tradicionais. Segundo Zuculoto (1998), fez-se acreditar que, mediante a
grande variedade de canais de informação, o discurso social promovido pelos novos
mídiuns seria plural e, em decorrência dessa pluralidade, seriam mais democráticos.
Mas isso não passou de uma utopia, corrobora a autora.
Na visão de Zuculoto (1999), apesar de a sociedade estar inserida nas
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) 11 , falta muito para que a
comunicação, de fato, cumpra o ideal de atender aos anseios e direitos da sociedade
no que se refere à circulação informacional. No entanto, de acordo com Ford (1999),
direta ou indiretamente, as TIC tem interferido na circulação e democratização da
11 “As Tecnologias da Informação e Comunicação ou TIC correspondem a todas as tecnologias que interferem e mediam os processos informacionais e comunicativos entre as pessoas, e podem ser entendidas como um
conjunto de recursos tecnológicos integrados entre si, que proporcionam, por meio das funções de hardware,
software e telecomunicações, a automação e a comunicação dos processos de negócios, da pesquisa científica e
de ensino e aprendizagem. As TIC são utilizadas em diversas maneiras e em vários ramos de atividades, podendo
se destacar nas indústrias (processo de automação), no comércio (gerenciamento e publicidade), no setor de
investimentos (informações simultâneas e comunicação imediata) e na educação (processo de ensino
aprendizagem e Educação a Distância). Pode-se dizer que a principal responsável pelo crescimento e
potencialização da utilização das TIC em diversos campos.” (WIKIPÉDIA, 2014) .
28
informação, facilitando, modernizando e ofertando muito mais velocidade à produção
e transmissão de informações.
Para Dantas (1996), tanto a história da descoberta da radiofusão quanto as
pesquisas que retratam o seu desenvolvimento mostram que as tecnologias
informacionais estão intimamente imbricadas aos interesses políticos, militares e
econômicos dos estados nacionais. Dantas (1996) destaca que a rede mundial de
computadores e os novos suportes que dela se originam – aqui, fazemos uma ressalva
à webradio12 e às emissoras de rádio consideradas “tradicionais”, mas que também já
utilizam a internet para veicular seus programas e produtos – são novos mecanismos
para o capital processar e transmitir informação: a informação que lhe serve e lhe
interessa. De acordo com o autor,
[...] todas essas inovações resultam de investimentos feitos diretamente pelas
grandes corporações, por agentes financeiros privados ou pelo Estado,
investimentos estes orientados para a busca de soluções técnicas que tornem
cada vez mais rápido, eficiente e barato o transporte da informação que
interessa ao capital. (DANTAS, 1996, p. 49).
Não há dúvidas de que grande parte das emissoras de rádio brasileiras já
aderiu aos implementos tecnológicos de digitalização e tem consciência da
importância desses recursos, uma vez que o público radiouvinte está mais exigente.
Para atendê-lo, explica Dantas (1996), os mídiuns radiofônicos precisam acompanhar
e se adequar às tendências propostas pelas mídias sociais, e claro, ao perfil do
auditório/radiouvinte. Percebe-se que a era da sociedade tecnológica, apesar de
informacional, continuará dessocializando a função dos meios de comunicação. Para
Zuculoto (1999), até mesmo as mídias tradicionais, principalmente, o secular rádio,
estão devendo à humanidade o uso do espaço e o cumprimento do importante papel
social que deveriam desempenhar. Na visão de Castells (1999), a mediamorphosis13
pode manter e até ampliar os excluídos do processo notório proposto pela Federação
12 Webradio, conforme explica Prata (2008, p. 2), “é uma emissora radiofônica que pode ser acessada por meio
de uma URL (Uniform Resource Locator), um endereço na internet, não mais por uma frequência sintonizada no
dial de um aparelho receptor de ondas hertzianas tradicional.” 13 Cunhada por Roger Fidler (1997), metamorphosis está diretamente ligada aos processos de transformação dos
meios midiáticos, haja vista as imposições políticas, comerciais e evolucionais da sociedade e dos aparatos
tecnológicos. Ao identificar os fenômenos que interferem no processo de sobrevivência e transformação dos
mídiuns, Fidler (1997) os denomina como midiamorfose, que, para ele, significa coevolução, coexistência,
metamorfose, propagação, sobrevivência, oportunidade, necessidade e atraso na adoção.
29
Nacional dos Jornalistas (FENAJ) de se respeitar o interesse público a que deve estar
sujeita a área das comunicações e suas práticas.
A função social das mídias social e tradicional, segundo Brittos (2009),
deveria centralizar-se, acima de tudo, na capacidade de desempenhar um ideal mais
democrático das sociedades, criando na esfera pública a precípua participação em
assuntos cívicos referentes às identidades nacional e cultural, promovida e mediada
pela linguagem através da expressão dialogal exercida pelos sistemas de
comunicação. Mas, diante da lógica do consumo, esses sistemas evidenciam o
modelo mercantilista para viabilizar recursos sem perder o foco dos benefícios
advindos, ou seja, o aumento do acesso aos meios de comunicação. Na visão de
Brittos (2009, p. 26), “isso exige de qualquer empresa, de qualquer indústria, uma
redefinição de sua estrutura de operações e fontes de receita para manter-se no
mercado.”
A grande questão é que, atendendo a esses objetivos, muito se perde no ideal
de construir um sistema comunicacional verdadeiramente democrático, capaz de
atender aos interesses da sociedade em termos de circulação e pluralidade. Se não
fosse por essa meta, e, sobretudo, pelo poder de influência que os mídiuns sociais e
tradicionais exercem, eles poderiam se tornar poderosos mecanismos
transformadores, cuja força produtiva e geradora de interação social seria fator
importante para uma democracia.
Não só o rádio, mas também os demais mídiuns deveriam ser instrumentos
“amplificadores” de mais ações sociais, ações comunicativas capazes de conduzir e
propiciar, acima de tudo, a ascensão do homem moderno em seu espaço público. De
acordo com Zuculoto (1999, p. 3), mesmo estando em falta com as funções sociais
que deveria desempenhar em comparação com outros mídiuns, o rádio “é o veículo
que apresenta mais possibilidade e facilidade para cumprir a função social da
comunicação. Isto porque reúne grandes condições para tanto.”
2.2. As TIC: conquistas e desafios
Apesar de a humanidade está inserida na mediamorphosis, segundo Zuculoto
(1998, p. 2), dificilmente pode-se dizer que “a comunicação está mais perto de
30
cumprir sua função, seu ideal. O ideal de se democratizar e realmente atender aos
interesses e direito da sociedade em termos de circulação e pluralidade da
informação, de não existirem excluídos tanto da recepção quanto da transmissão.”
(ZUCULOTO, 2004, p. 1).
Sobre isso, Meditsch (1998), nove anos após o período de implantação da rede
mundial de computadores no Brasil, já advertia que, por consequência da “era
intelectual eletrônica”, o rádio sofreia sérias configurações no que se refere ao
formato e ao modo de produzir e veicular conteúdo. Pelo visto, muito se concretizou,
mas a democratização midiática ainda está distante de se cumprir. Em uma entrevista
concedia a Egypto (2001), do Observatório da Imprensa, Medistch afirma que
[...] o rádio se tornou a interface sonora da sociedade com este mundo de informação. Uma interface que poderia estar ao alcance também dos excluídos,
mas não é exatamente o que ocorre numa segmentação orientada apenas pelo
mercado: esta tende a reproduzir e aprofundar a exclusão.
Segundo Prata (2008), a adesão do homem contemporâneo ao universo
tecnológico, de certa forma, propiciou rupturas e adequações no que se refere à
linguagem midiática. Para a pesquisadora, o mundo tecnológico instaura e impõe
dois marcos divisores na história da radiofonia. O primeiro se deu na década de
1950, com o advento da TV; o segundo, tema de grande relevância, configura-se na
implantação da webradio, um novo modelo de radiofonia que teve início no Brasil a
partir de 1998, cujo diferencial centra-se na construção de emissoras de rádio com
existência apenas na internet. Prata (2008) pontua que a dinamicidade evolutiva
desse processo, denominado “radiomorfose”, demanda a necessidade de novas
pesquisas, tendo em vista a reconfiguração dos gêneros e os novos modelos
interacionais propostos pelo rádio.
Para Piovesan (2004), a webradio possibilitou novos formatos interativos, uma
vez que o radiouvinte internauta tem a oportunidade de elaborar sua própria
programação. Já o anunciante pode contar com a inserção de banners para mostrar
seus produtos. Com a facilidade de poder contar com novas ferramentas
proporcionadas pela tecnologia informacional no universo midiatizado, a ideia de
“fique ligado” pode ser entendida muito mais a fundo que uma simples configuração
perceptiva e afetiva que demanda uma nova geração imbuída de conhecimentos que
31
vão além da capacidade de codificar e decodificar elementos linguísticos básicos do
processo de comunicação.
Diante da necessidade de se constituir como sujeitos idealizadores e
assumirem de modo real o seus papéis nas mais variadas instâncias comunicativas,
emergem emissoras de rádio, que, além de argumentativas e consensuais, produtoras
de normas e sentidos, e associadas a um contexto intersubjetivo de livre discussão,
são repletas de elementos multissemióticos capazes de oferecer ao
auditório/radiouvinte um referencial estético diferenciado, em que as paixões podem
ganhar formas e valores discursivos que propiciam interações que vão muito além do
ver e enxergar, do ouvir e escutar.
Para a realidade contemporânea, as peças radiofônicas / publicitárias, sob a
égide da emoção como um aspecto poderoso das operações mentais, ganham força e
poder. Desde os anos de 1990, por meio do processo de digitalização do áudio, as
emissoras de rádio brasileiras vêm sofrendo mudanças significativas, que
proporcionaram melhorias em relação à qualidade da produção e transmissão de
áudio. As inovações não param e, com a criação de emissoras de rádio virtuais, as
transmissões via internet tem possibilitado um acesso muito maior às informações.
Para Piovesan (2004), o rádio na internet deixa de ser unissensorial e torna-se
híbrido, ao oferecer além de música, textos e imagens, e, com isso, o acesso a
informações complementares por meio de hipertextos (links), que, por sua vez,
facilitam o acesso a outros textos e imagens. Além disso, nas palavras de Piovesan
(2004, p. 47), “o rádio alcança as pessoas por meio de estímulos sonoros que entram
pelos ouvidos, mas que permeiam todo corpo e afetam todos os sentidos. Sendo
assim, trata-se de uma experiência envolvente, holística, total e apaixonante cheia de
sabores, cheiros, cores e imagens.
Nas sociedades contemporâneas, fontes competitivas e, muitas vezes,
contraditórias de informações propostas pelos meios de comunicação de mas sa
disputam a atenção do indivíduo para fornecer-lhe definições e instruções sobre qual
comportamento deve ser imitado, que regras de ação devem ser seguidas, que
sentidos e discursos são verdadeiros, enfim, o mundo midiático vem se configurando
como uma poderosa ferramenta formuladora e criadora de opiniões, saberes, normas,
valores e subjetividades. Se, na década de 1930, o rádio já apresentava, ainda que
32
embrionários, impactos na vida cotidiana das pessoas, hoje, aliado aos outros meios
de comunicação de massa, ele interfere, forma e transforma a realidade, as
motivações e os modos de pensar e de agir do homem.
Nesse discurso, em que se cruzam relatos de fatos históricos e informações
relativas ao advento da era informacional tecnológica sobre o rádio no Brasil, este
trabalho focaliza esse mídium como mediador de um dos processos comunicativos
mais presentes na sociedade. Obviamente, por trás da caixa de ressonância, em que
perpassam as tradicionais ondas hertzianas14 e/ou a webradio associadas aos suportes
não convencionais agregam-se componentes linguísticos e paralinguísticos, bem
como correlatos acústicos lexicais e não lexicais que revelam aspectos prosódicos e
estilísticos presentes nas três peças radiofônicas aqui analisadas.
Nesse construto multissemiótico, são estabelecidas regras normativas da
entonação das palavras que carregam a expressão dos sentimentos e afetos do falante
reveladas no ato da enunciação. Presentes em extremos distintos, mas mediados pelas
ondas sonoras do rádio, enunciador (locutor/radialista) e coenunciador
(auditório/radiouvinte) interagem, se comunicam e se tornam próximos, rompendo
muitas barreiras socioculturais. Em oposição aos apontamentos de Zuculoto (1999),
Brittos (2009, p. 196) ressalta que
[...] o consumo e a presença dos aparatos tecnológicos, especialmente da
internet e da televisão (com todos os hibridismos construídos entre e com
esses meios), vem modificando o modo como os indivíduos estão se
comunicando, se relacionando e construindo novos conhecimentos, sendo a
informação e a comunicação encaradas como elementos essenciais nesse
processo.
Como afirma o pesquisador, objetivando alcançar novas metas, o governo
caminha, ainda em passos lentos, na busca por estímulos e incentivos para a inserção
14 Ondas hertzianas – Expressão técnica empregada pelo Sistema de Radiodifusão para fazer referência ao sinal
de captação e transmissão de vídeo ou áudio por meio de ondas eletromagnéticas. Atualmente, as novas
tecnologias proporcionaram o avanço desse sistema que hoje é realizado por fibra de carbono, sistema ótico e
digital. Para o Ministério das Comunicações, segundo Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações do Brasil, radiodifusão é o serviço de telecomunicações que permite a transmissão de sons
(radiodifusão sonora), ou a transmissão de sons e imagens (televisão), destinados ao recebimento direto e livre
pelo público. Segundo Nunes (2000), a radiodifusão é a propagação de sinais de rádio, televisão, telex, telefone e
internet. Tanto a TV quanto o rádio usam o sistema de radiodifusão para receber sinais e transformá-los em
áudio-vídeo ou áudio, respectivamente. A diferença está em como a informação é codificada, mas não é apenas
isso: a inserção das TIC, segundo o Ministério das Comunicações, afetou diretamente todos os mídiuns
tradicionais. No Brasil, a era tecnológica contribuiu muito para a implantação do sistema digital de radiofusão
sonora.
33
das TIC, principalmente, no âmbito da educação. Segundo Brittos (2009), no que se
refere à área comunicacional, a migração dos aparatos tecnológicos analógicos para o
digital tem ocorrido de modo acelerado, o que oferece ganhos em produtividade,
eficiência e confiabilidade, tendo em vista o potencial de armazenamento de dados.
Essas são algumas contribuições advindas das TIC, que muito irão favorecer a
construção e a divulgação do conhecimento.
34
3. ENUNCIAÇÃO, DISCURSO PUBLICITÁRIO E CENOGRAFIA
No quadro das reflexões deste trabalho e para fundamentar a análise das peças
radiofônicas em exame, procuramos compreender o discurso radiofônico de caráter
publicitário sob um enfoque que contempla, numa relação articulada, as dimensões
enunciativa e persuasiva da linguagem e a cenografia que envolve o discurso das
peças em exame. Nessa direção, para abordarmos a relação do locutor/radialista com
língua e com o discurso, um ponto de partida que elegemos é o da enunciação. Para
isso, recorremos aos estudos da teoria da enunciação, que será aqui abordada tanto
por Benveniste (1989; 2005; 2006) quanto por Bakhtin/Voloshinov (1992; 2006),
estudiosos que, embora guardem posicionamentos teóricos específicos, dão -nos
contribuições, cada um à sua maneira, para focalizar a ação do eu em relação ao tu.
3.1. Enunciação: o lugar da intersubjetividade
Começamos por dizer que a linguagem é uma atividade que envolve e constrói
o lugar da (inter)subjetividade, posição defendida por Benveniste (1976, p. 289), que
postula que
[...] a linguagem é, pois, a possibilidade da subjetividade, pelo fato de conter
sempre as formas linguísticas apropriadas à sua expressão; e o discurso
provoca a emergência da subjetividade, pelo fato de consistir de instâncias
discretas. A linguagem de algum modo propõe formas “vazias” das quais cada
locutor em exercício de discurso se apropria e as quais refere à sua “pessoa”,
definindo-se ao mesmo tempo a si mesmo como eu e a um parceiro como tu.
Ainda, para esse linguista, “o emprego da língua trata-se de um mecanismo
total e constante que afeta a língua inteira. [...] A enunciação é este colocar em
funcionamento a língua por um ato individual de utilização.” (BENVENISTE, 1976,
p. 82). Desse ponto de vista, entendemos que o locutor/radialista, na construção do
discurso publicitário radiofonizado, na produção da propaganda, se define como o
sujeito que coloca a língua em funcionamento e dela se apropria, isto é, age com e
sobre ela nos eventos interacionais. Nessa concepção, o ato de enunciar implica a
emergência de um EU e um TU que se mostram, linguística e discursivamente, na
materialidade dos enunciados. Resumidamente, nas palavras de Benveniste (1974 , p.
35
85), “como forma de discurso, a enunciação coloca duas figuras igualmente
necessárias, uma, constituindo a fonte e, a outra, o alvo da enunciação. É a estrutura
do diálogo.”
A dimensão enunciativa da linguagem está intrinsecamente implicada com a
sua dimensão (inter)subjetiva. Isso porque, como explica Benveniste (1974, p. 286),
[...] a consciência de si mesmo só é possível se experimentada por contraste.
Eu não emprego eu a não ser dirigindo-me a alguém, que será na minha
alocução um tu. Essa condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa, pois
implica em reciprocidade – que eu me torne tu na alocução daquele que por
sua vez se designa por eu.
É, sob essa perspectiva, pressupondo a relação (inter)subjetiva como condição
para a enunciação, que Benveniste oferece a este estudo ferramentas conceituais e
metodológicas para empreendermos uma leitura do corpus em exame. Nessa direção,
tendo em vista a natureza do material analisado, entende-se aqui que é através de
uma linguagem multissemiótica, isto é, “verbo-voco-sonoplático”, nos termos de
Silva (1999), que se constrói a enunciação, e, portanto, se instaura o fenômeno da
intersubjetividade: os indivíduos que fazem parte do processo comunicativo
radiofônico – o locutor/radialista e o auditório/radiouvinte) –, ao assumirem o lugar
do EU nessa troca dialógica, afiguram-se como TU, tornando-se sujeitos, figuras
enunciativas. Como explica Benveniste (1989, p. 87): “o que caracteriza a
enunciação é a acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou
imaginário, individual ou coletivo.”
A essa perspectiva, procuramos associar as contribuições do dialogismo, que
também toma como objeto de estudo a enunciação sob o viés sócio histórico. Nessa
abordagem, a atenção ao fenômeno da linguagem e da língua está voltada para a
relação do homem, ser histórico, com a sociedade. É nesse sentido que, para
Bakhtin/Voloshinov (2006, p. 116),
[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser
substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o
locutor. A palavra dirige-se ao interlocutor: ela é a função da pessoa desse
interlocutor: variará se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não.
36
A enunciação é uma atividade fundamentalmente dialógica. Se, para
Benveniste, a dialogicidade da língua está inscrita no processo de enunciação, que é
pautado pela emergência de EU e do TU, para Bakhtin/Voloshinov (2006), essa
condição ultrapassa a dimensão linguística, tendo em vista o caráter histórico da
enunciação. A enunciação só se realiza no curso da comunicação verbal,
contextualmente situada, em que elementos extralinguísticos – os fatores sociais,
culturais, ideológicos, por exemplo – orientam a interlocução entre o EU e TU. Nessa
abordagem, a relação entre o EU e o TU é mediada pela palavra/enunciado, na qual
se cruzam outras palavras/enunciados, outras vozes/discursos. É com a (e através da)
palavra que o sujeito se define em relação ao outro. A palavra é o territó rio comum
do locutor e do interlocutor, pressupondo-se, da parte do interlocutor, uma
compreensão responsiva, uma atitude que se instaura na alteridade discursiva
(BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2006).
Sob essa visão, buscamos compreender a enunciação presente nas peças
publicitárias em exame como uma atividade dialógica, interacional, condicionada por
fatores sociais, históricos e ideológicos – como se expôs no Capítulo 2 – que
regulam, direta ou indiretamente, o dizer do locutor e a sua recepção. A enunciação é
uma forma de colocar a língua em funcionamento, como preconiza Benveniste, mas ,
nessa atividade, entrecruza-se um conjunto de valores e crenças. Dessa perspectiva,
percebe-se que a enunciação do discurso publicitário, no caso das peças radiofônicas,
consiste na efetivação da atividade linguageira, multissemiótica, em que o linguístico
se conjuga com outros sistemas semióticos para atualizar um discurso que tem como
alvo, em termos de interlocução, o pretenso consumidor. Mediante essa enunciação,
que se materializa na voz do locutor/radialista, em articulação com o verbal e o não
verbal do discurso, buscam-se despertar estímulos sensoriais no auditório/radiouvinte
que vão além da mera audição dos enunciados radiofonizados Há, nessa enunciação,
um trabalho discursivo da parte do locutor/radialista e, portanto, da emissora do
rádio, que opera com o jogo de persuasão para conferir ao que é dito, ou seja, ao
discurso publicitário ali em produção e circulação, uma credibilidade. Sob esse viés,
resumidamente, operamos com o posicionamento segundo o qual a enunciação, no
âmbito das peças radiofônicas, implica colocar a língua em funcionamento (por parte
do locutor/radialista), mas também mobilizar outros tantos sistemas semióticos
37
relacionados à prosódia, à voz e sua impostação, ao ritmo e à sonoplastia, que
integram a tessitura do discurso.
Em suma, para falar de enunciação, considerando o campo aqui investigado,
demanda-se operar, numa relação de convergência, as contribuições de Benveniste e
de Bakhtin/Voloshinov, vez que enunciar é uma atividade dialógica que pressupõe
colocar a língua em funcionamento e, junto a isso, conforme os efeitos de sentido
que se busca provocar, manipular outras linguagens, que integram, num sentido
amplo, a sintaxe do discurso em processo de produção e de recepção, instância aqui
pressuposta.
É importante considerar que a enunciação do discurso radiofônico das peças
publicitárias em exame está vinculada a uma teia de processos de produção que
envolvem inúmeros atores, suas ações e artefatos de linguagem, sustentando e
viabilizando a atuação do locutor/radialista, como, por exemplo, o operador de som,
o sonoplasta, os operadores de áudio da mesa, o programador da trilha sonora e o
redator do texto escrito a ser oralizado pelo radialista. Para a composição das peças
radiofônicas, a enunciação, em eventos concretos de interação social, reveste -se de
complexidade ao colocar em funcionamento múltiplas linguagens. O
locutor/radialista, nessa cena, afigura-se como um orquestrador de sistemas
multissemióticos, assumindo performances enunciativas conforme o papel social que
encena. Isso se reflete nos modos de dizer, de enunciar, como procuraremos mostrar
no Capítulo 4. Nesse trabalho de orquestração, que envolve o que Maingueneau
(2001; 2008) chama de cenografia, o locutor/radialista tem em mãos não só um texto
escrito a ser oralizado, mas também diferentes aparatos tecnológicos que permitem
agregar à sua voz sistemas extralinguísticos, extraverbais, que estão presentes e
compõem os modernos estúdios de gravação e transmissão. Segundo Gomes e Dantas
(2010, p. 185),
[...] a linguagem radiofônica, bem o sabemos, reúne elementos da oralidade,
muitos de natureza paralinguística. Sendo a linguagem falada, ainda que, ao
narrar, o locutor venha a se apoiar em texto escrito, o espaço simbólico que daí
resulta, permite a inserção de componentes que vão além do simples gosto por
ouvir rádio. Na ausência de imagens eletrônicas, o rádio passa a evocar
situações próprias do imaginário do ouvinte.
38
Conforme se verifica no corpus analisado (conferir o CD anexo), a linguagem
nas peças publicitárias radiofonizadas consegue exercer uma função pré-determinada
pelos seus idealizadores, porque está inserida em um “quadro cênico”
(MAINGUENEAU, 2001; 2008) construído por múltiplos mecanismos sensoriais,
cuja finalidade é atuar como recursos de persuasão que também objetivam imitar
situações “reais” do cotidiano do auditório/radiouvinte.
Para reiterar essa reflexão, encontramos em Fiorin (2003) a discussão segundo
a qual o enunciador (o locutor/radialista) faz uso de estratégias argumentativas e de
outros procedimentos da sintaxe discursiva para criar efeitos de sentido da verdade
ou da realidade com vistas a convencer o seu interlocutor. Todo esse processo se
efetua pela enunciação do locutor/radialista por meio das ondas sonoras analógicas
ou digitais do sistema de rádio. Tais condições de produção são especificidades
impossíveis a outros mídiuns, mesmo porque eles fazem uso de outras linguagens,
suportes e espaços, que demandam outras estratégias e objetivam alcançar outro
público (MERAYO PÉREZ, 1992).
Nesse sentido, frizamos que, com o seu alto potencial de sugerir e, ainda, com
a sua capacidade de propor imagens semiotizadas, o rádio estreita e estabelece
vínculos afetivos capazes de suscitar uma sensação de intimidade com o
auditório/radiouvinte que escuta a mensagem nos mais variados contextos, nos quais
há uma luta assirrada para atrair a adesão do auditório/radiouvinte (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2005). Isso porque o locutor/radialista “sabe” o que está
acontecendo quando participa de um evento discursivo, e tem, ao participar dele,
intenções que ele busca tornar conhecidas, bem como objetivos a concretizar. Essa
reflexão nos leva novamente a Bakhtin/Voloshinov (1992, p. 279), para quem
[...] todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão
sempre relacionadas com a utilização da língua. A utilização da língua efetua -
se em forma de enunciados [...]. O enunciado reflete as condições específicas e
a finalidade de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e
por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua –
recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas também, e sobretudo, por
sua construção composicional.
Nessa abordagem dialógica, conforme se apreende na obra do Círculo de
Bakhtin, especialmente na Estética da Criação Verbal (1992), enunciado equivale a
gênero discursivo, discussão que aqui não será desenvolvida, mas assumimos, com
39
Bakhtin (1992), que todo gênero discursivo participa de uma relação humana, de uma
atividade humana. Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao
uso da linguagem, sendo que o caráter e as formas desse uso são tão multiformes
quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade
nacional de uma língua.
A perspectiva bakhtiniana enfatiza também que as relações estabelecidas entre
os signos possuem uma carga ideológica e estão vinculadas a múltiplas linguagens,
semioses, que envolvem as vozes sociais que se fazem ouvir. Reconhece-se que isso
não é diferente nas peças publicitárias radiofonizadas, isto é, as vozes sociais ou
discursos da esfera publicitária, articulada com os discursos da esfera comercial, que
intenta vender algo, e com os discursos de outrem, como os da vida cotidiana, ecoam
na voz do locutor/radialista. Nesse sentido, para o trabalho de análise do objeto em
estudo – propagandas radiofônicas, que pertencem ao gênero da esfera da
publicidade –, é preciso que se considere não apenas a singularidade do material
linguístico articulado a outras linguagens presentes nas peças, portanto, nos textos,
mas também o modo como as vozes se engendram, se articulam, para construir
efeitos de sentido no auditório/radiouvinte.
Nessa direção, entendemos, com Bakhtin/Voloshinov (2006), que o
auditório/radiouvinte não tem como tarefa apenas a mera missão de decodificar,
reconhecer a forma utilizada no processo comunicativo instaurado, mas também
compreender a complexidade desse processo num contexto situado, compreender sua
significação numa enunciação particular, no caso, nas peças publicitárias, produzidas
e postas em circulação em um momento em que o rádio está em plena concorrência
com outras mídias.
Sob esse viés, o locutor/radialista é responsável pela produção e manifestação
da palavra radiofonizada. Mas, nessa interação, como preconiza Bakhtin/Voloshinov
(2006), a palavra apresenta-se sobre duas faces: tanto pelo fato de que procede de
alguém quanto pelo fato de que se dirige para alguém, constituindo-se o produto da
interação do locutor (o radialista) e do receptor (o auditório/radiouvinte). A palavra,
manifestada pela voz do locutor, “adquire dimensões e carga de entoação e estilo
interior, ainda que rudimentar.” (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2006, p. 107).
40
Resumidamente, nessas diferentes formas de semiose, por meio de um sistema
“verbo-voco-sonoplástico” (SILVA, 1999), enuncia-se um discurso imbricado de
múltiplas linguagens e vozes, próprias de um sujeito discursivo que mobiliza uma
série de recursos linguísticos, mas que também conta com outras semioses e faz
escolhas dentro do complexo processo discursivo. No processo construtivo das peças
radiofônicas publicitárias, muitos são os fatores que se articulam e operam como
elementos preponderantes da interpretação. O plano escrito, a enunciação do locutor,
as intenções dos sujeitos idealizadores, o contexto histórico-social, o público
radiouvinte utilizam como suporte radiofônico o mídium da esfera da comunicação
social.
Falar de interação implica, portanto, relacioná-la à força produtiva de
enunciados em que se atualizam recursos expressivos e linguísticos, bem como
outras semioses, como as estratégias discursivas que integram a composição dos
textos dos gêneros de discurso. Não se trata apenas de regras, normas e restrições
estabelecidas ou relacionadas à estrutura de uma língua, mas, sim, de elementos,
recursos linguísticos que o enunciador disponibiliza para levar a efeito seus
objetivos, suas intenções. Dentro dessa perspectiva dialógica e enunciativa, cumpre -
se o postulado de Benveniste (1976) de que é pela linguagem que o homem se
realiza, constrói a sua identidade, e de que é por meio dela que o homem se constitui
como sujeito de suas práticas discursivas.
Percebe-se que as estratégias que envolvem os processos discursivos são
amplas, e que ligadas a elas encontra-se uma complexidade ímpar que as teorias da
linguagem procuram analisar. Isso porque, na perspectiva aqui adotada, sabe-se que
um discurso não se reduz simplesmente à mera função comunicativa. Assim, para
concluir essas considerações, importa ressaltar que, na concepção de linguagem aqui
adotada, não se trata de conceber a língua como um instrumento de veiculação de
conhecimentos, informações, mensagens, por meio de recursos de diferentes ordens e
suportes. Trata-se, sim, de assumir a linguagem como condição necessária para a
enunciação, o que implica concebê-la também como uma atividade fundamental e
constitutiva para o processo de interação entre dois ou mais indivíduos. Nessa
perspectiva, admite-se que o agir interacional e discursivo do homem
contemporâneo, embrenhado nas tecnologias da informação e comunicação, não se
41
limita apenas ao nível de produção e interpretação de discursos verbais, sejam
escritos ou orais, mais que isso, ele, em suas práticas de linguagem, está mergulhado
em uma diversidade discursiva e semiótica que envolve os processos de produção,
circulação e recepção da linguagem.
É sob essa perspectiva que este estudo busca compreender o trabalho
persuasivo do discurso publicitário nas peças radiofônicas aqui em exame, temática
que, agora, passamos a refletir na seção abaixo.
3.2. Discurso publicitário e persuasão
Para refletir sobre a relação entre argumentação e persuasão, este estudo se
vale dos estudos da chamada Nova Retórica. Para isso, começamos por salientar
alguns posicionamentos desenvolvidos a partir da releitura que Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2005) fazem da Retórica Clássica, para a qual a argumentação é a
arte da persuasão aplicada ao modelo ideal do raciocínio lógico e formal. Na
perspectiva desses autores, a argumentação é um meio de promover uma adesão do
público-alvo por intermédio da não coação. Pensamento de grande valia, uma vez
que se alcança a adesão do destinatário mediante suas próprias convicções. Desse
modo, o discurso seria como uma importante ação argumentativa, o que efetuaria a
interação entre orador e auditório, emissor e destinatário.
Sob esse prisma, apropriamo-nos de alguns conceitos-chave do Tratado da
Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), com o objetivo de formular
uma fundamentação teórica e conceitual para a análise aqui empreendida.
Obviamente, não se pode negar o legado deixado pelo classicismo, todavia o estudo
da argumentação da Nova Retórica volta-se para as técnicas discursivas, buscando
provocar e/ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que lhes são apresentadas.
Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), toda argumentação se desenvolve
em função de um auditório. Nessa direção, a Teoria da Argumentação não vê a
retórica com uma disciplina isolada, autônoma, mas construída no discurso. Fora
dele, segundo os autores, torna-se inviável estudá-la. Na visão Perelman e Olbrechts-
42
Tyteca (2005), dar-se-á ênfase ao orador 15 – no caso deste estudo, ao
locutor/radialista –, que encarna a figura de autor do discurso e exerce a função de
conquistar, provocar o auditório – no caso deste estudo, o radiouvinte. Para Amossy
(2005, p. 19), na arte de persuadir, o orador, para cumprir sua tarefa, une-se “ao
conjunto dos meios verbais destinados a obter ou reforçar a adesão do auditório às
teses submetidas a seu assentimento.” Nessa relação, “o orador tem a missão de se
adaptar ao auditório, portanto, de fazer uma imagem dele e, correlativamente, de
construir uma imagem confiável de sua própria pessoa, em função das crenças e
valores que o orador atribui àqueles que o ouvem.” (AMOSSY, 2005, p 19),
O processo interacional estabelecido pelos sujeitos interactantes se efetua
necessariamente por meio do discurso, que tem a capacidade de conceber a imagem
que os sujeitos fazem um do outro. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 16)
pontuam que,
[...] quando se trata de argumentar, de influenciar, por meio do discurso, a
intensidade de adesão de um auditório a certas teses, já não é possível
menosprezar completamente, considerando-as irrelevantes, as condições
psíquicas e sociais sem as quais a argumentação ficaria sem objeto ou sem
efeito. Pois toda argumentação visa à adesão dos espíritos e, por isso mesmo,
pressupõe a existência de um contato intelectual.
Percebe-se que a enunciação, corporificada na palavra oralizada no rádio,
revela um discurso publicitário marcado por fortes indícios de práticas do cotidiano.
De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), as práticas sociais são vistas
como condições motivadoras que influenciam o autor, servindo-lhe como aquisição
de experiência, podendo ser usadas em determinadas trocas argumentativas, em que o
autor exercerá seu potencial discursivo, transmitindo-as a um auditório
correspondente. Nessa perspectiva, como já discutido, as peças publicitárias não
podem ser destituídas do contexto social, do campo de atividade que as produzem,
15 Orador e auditório são termos apontados por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) que aqui são tomados como
equivalentes a locutor/radialista e radiouvinte, respectivamente. Na visão apresentada pelos autores, “o orador
tem a convicção de que todo indivíduo é constituído de um auditório universal e mediado por ele constrói suas
teses que pretende ser validadas.” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 69). O auditório particular,
na verdade, apresenta características advindas do auditório universal, ou seja, mesmo em suas particularidades
esse auditório particular constitui-se num modelo que por si só foi constituído de práticas sociais ditadas pelos
valores de vanguarda (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005).
43
dos sujeitos nelas envolvidos, do orador (locutor/radialista) e do
auditório/radiouvinte.
No contexto radiofônico, os sujeitos envolvidos nesse processo comunicativo
apresentam e representam crenças, valores, verdades, mentiras e conflitos que podem
ou não reforçar e modificar determinadas normas, conceitos e valores relativos ao
discurso em pauta. Dessa perspectiva, as mídias sociais, por meio de seus discursos,
se mostram um dos principais responsáveis, na sociedade contemporânea, por muitos
comportamentos da vida pública, do cotidiano, na medida em que elas, por meio de
seus discursos, podem despertar necessidades e/ou desejos de diferentes ordens,
incutindo na sociedade conceitos, tendências e valores, como o ato de consumir, que
é visto como uma necessidade e um meio para a sobrevivência. Pode-se dizer que
esse aspecto, de caráter atitudinal e ideológico, apresenta-se como um fator que se
inscreve nas condições de produção do discurso publicitário. Sobre isso, na
concepção de Steinberger (2005), as práticas do cotidiano se fazem presentes não só
nos mídiuns emergentes, mas também nos signos representativos, que se tornam
poderosos dispositivos ideológicos, repletos de significados vistos e vivenciados
pelos sujeitos, o que os insere cada vez mais em um cenário globalizado e
tecnológico, fazendo jus à ideia de que hoje estão em evidência o poder e os
interesses de um mercado que fomenta o consumo. Para instigá-lo, fazê-lo acontecer,
nada mais propício que a publicidade, melhor dizendo, o discurso publicitário. Nesse
sentido, como já dito, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) apontam que a retórica
está associada às técnicas de argumentação, tendo como mola propulsora o discurso.
Assim, como afirma Amossy (2005), o argumento carrega consigo a força do
discurso, que, atualmente, tem o respaldo da A.D. e da Pragmática, que não só
redefiniram a Retórica como a arte de persuadir, mas também apresentam
“ferramentas” que, se bem operadas, capacita o analista a compreender e explicar
como o discurso se torna eficaz.
Na construção do trabalho argumentativo, voltado para os efeitos de uma
persuasão, os sujeitos envolvidos no processo argumentativo não deixam de
evidenciar suas posições sociais, seus aspectos psicológicos. O orador
(locutor/radialista), ao fazer uso de uma linguagem multissemiótica, detém um
aparato para persuadir, por meio do qual se podem “excitar as paixões, emocionar
44
seus ouvintes, de modo que se determine uma adesão suficientemente intensa, capaz
de vencer ao mesmo tempo a inevitável inércia e as forças que atuam num sentido
diferente do desejado pelo orador.” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.
52).
Vistas nessas condições, as peças publicitárias radiofonizadas são inseridas
numa prática de linguagem na qual os sujeitos exercem o potencial da linguagem
para trocar universos argumentativo-discursivos, inovando, principalmente, o
conceito de ouvir rádio, e demonstrando a nova configuração da publicidade no
mídium radiofônico para divulgar um bem de consumo, convencer e mover a ação da
compra.
Avançando nessa discussão, recorre-se também a Lysardo-Dias (2005, p. 25),
que, em seu estudo sobre o discurso publicitário e as Representações Sociais, afirma
que a publicidade, para promover a ação de compra, na sua origem, se mostrava
como “um discurso eminentemente informativo no sentido de apresentar e descrever
as características e qualidades do produto ou serviço anunciado. A publicidade
centrava-se na apresentação do produto, sua utilidade e seus benefícios, visando sua
exibição e valorização.” Para cumprir tais metas, o ponto fulcral era incentivar o
consumo fomentado pelo desenvolvimento industrial. Em contrapartida, a
pesquisadora explica que o fato de a publicidade ter apenas o caráter informativo,
descritivo e qualitativo de um produto, pouco satisfatório e insuficiente, tendo em
vista o excesso de produção das empresas que tinham como meta fomentar o
consumo. Em outros termos, havia grandes quantidades de produtos para serem
anunciados, mas os discursos publicitários afiguravam-se pouco eficazes para atender
a uma nova lógica do consumo imposta pelo mercado.
Relativamente a essa dicotomia, segundo Lysardo-Dias (2005), constatou-se,
nas agências de publicidades, que mais que informar, apresentar e descrever as
características e qualidades do produto ou serviço anunciado para persuadir um
suposto consumidor, impunha-se como necessário reorientar, reconstruir as
estratégias publicitárias, visando às novas tendências do mercado, e claro, às
exigências do público-alvo. Isso porque, nas palavras da autora,
[...] o interesse cada vez maior em aumentar o consumo devido à concorrência
crescente desencadeou uma reorientação das estratégias publicitárias: ao invés
45
de se organizarem em torno da “simples” informação sobre o produto, elas
começaram a explorar procedimentos para atingir o inconsciente do
consumidor. (LYSARDO-DIAS, 2005, p. 25).
A autora acrescenta, ainda, que o discurso publicitário, centrado apenas na
modesta apresentação de um determinado produto ou ideia, superpõe um discurso
figurativo voltado para as representações do sujeito que pretende seduzir. Assim,
[...] o valor do produto deixou de ficar restrito à sua função utilitária, uma vez
que ele começou a ser focalizado como capaz de satisfazer os desejos do
consumidor. Esse consumidor passou a ser abordado como um ser social e não
mais como mero comprador cioso apenas das qualidades objetivas do produto
a ser adquirido. Isso não significa que a finalidade do anúncio publicitário
mudou, seu objetivo permanece o mesmo: promover a ação de compra.
Mudaram os seus mecanismos de configuração, tendo em vista que a
publicidade alcançou um caráter simbólico por não mais se restringir à
apresentação dos aspectos funcionais do produto anunciado. (LYSARDO-
DIAS, 2005, p. 26).
A procura dessa outra forma de dizer do discurso publicitário está diretamente
relacionada ao ato de persuadir, cujos efeitos se refletem no consumo. Para isso,
novos mecanismos são engendrados. Segundo Maingueneau (1998), as estratégias de
persuasão, bem como os mecanismos que compõem o discurso publicitário, devem
associar o produto a um corpo em movimento, a um estilo de vida, a uma maneira de
habitar o mundo. Dessa perspectiva, Lysardo-Dias (2005, p. 26) afirma que
[...] se, por um lado, a publicidade está inserida em um circuito comercial de
compra/venda, por outro, ela desempenha um papel cultural, na medida em
que (re)constitui determinadas cenas da vida cotidiana e mobiliza certos
universos de referência, (re)produzindo estilos de vida ao associar o produto à
satisfação de desejos.
Nesse circuito comercial de compra e venda, estão inseridos tanto o
enunciador do produto, refletido na figura do locutor/radialista, quanto o público-
alvo, o suposto consumidor, o ouvinte, que são figuras das peças radiofônicas que
constituem o complexo quadro das condições de produção dos discursos em questão.
Do ponto de vista da interlocução, para se alcançar algum efeito de sentido e,
portanto, persuasivo, a escolha de estratégias e mecanismos constituintes dos
discursos publicitários presentes nas três peças aqui analisadas pode ser entendida
como reflexo das mudanças históricas e culturais da sociedade, isto é, da própria
mudança que a atividade comercial de compra/venda tem sofrido em termos de
46
significação social. Essas alterações, obviamente, também estão relacionadas aos
novos modelos midiáticos que, de certa forma, impõem determinados padrões
comunicativos próprios de cada mídium. Nas palavras de Lysardo-Dias (2005, p. 29),
[...] essa configuração está também condicionada pelo suporte escolhido para
sua veiculação, suporte que não se efetiva como um simples “canal de
transmissão”, mas que determina, pela própria natureza, uma forma de organização e constituição dos sistemas semióticos disponíveis conforme o
público consumidor daquele veiculo.
Sobre isso, Maingueneau (1991) vai nos dizer que os elementos constituintes
do discurso, de modo específico o discurso publicitário , também articulam
mecanismos enunciativos próprios da textualidade e do espaço institucional, isto é,
do universo social em que estão inseridas tanto o orador quanto o auditório. Nessa
direção, retomando Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a liberdade e/ou a
criatividade com que lida o orador (o locutor/radialista) no trabalho de sua
argumentação, estão implicadas, a um só tempo, com as condições sócio históricas
do mídium e os propósitos que alimentam o consumo. Tendo em vista que o trabalho
de produção das peças radiofônicas é uma ação de sujeitos (publicitários, SERT-MG,
(órgão de fomento do sistema de rádio), o locutor/radialista que enuncia é mais um
dos elos desse processo, que, em seu trabalho de argumentação, faz uso de recursos
linguísticos verbais, oralizados, próprios do sistema radiofônico para alcançar os
objetivos tanto do SERT-MG quanto da própria emissora.
Nesse trabalho discursivo, voltado para persuadir o ouvinte, tem-se um
sistema linguístico e um sistema paralinguístico, que se unem a outros elementos de
sonoplastia e trilha sonora estritamente ligados às condições de produção, circulação
e recepção do discurso publicitário atuante nas peças. Assim, o discurso que emana
das ondas sonoras radiofonizadas intenta um efeito persuasivo, sedutor, convincente,
que busca suscitar a compra do produto anunciado. Esse discurso de nada valerá se
não houver um plano de composição capaz de reunir todos esses constituintes,
fazendo-os funcionar discursiva e retoricamente, mostrando-se eficiente para “fisgar”
o auditório/radiouvinte através de um produto, uma ideia, um conceito que lhe é
oferecido, por meio da eficiência e qualidade da publicidade radiofônica.
O funcionamento discursivo que envolve e faz articular o complexo processo
comunicativo de uma publicidade, independentemente de ser radiofonizada ou não,
47
deixa evidente que a mídia é uma poderosa ferramenta de comunicação social, que
tem grande poder de persuasão. A mídia social faz valer o seu papel de oradora, nas
palavras de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), operando como um suporte físico,
objetivo, estruturado para conduzir, levar, transmitir o discurso ao auditório, que se
encontra nos mais variados lugares geográficos e contextos sociais.
Nessa perspectiva, podemos dizer que o locutor/radialista tem um conjunto de
estratégias e recursos estilísticos que influenciam as reações do
auditório/radiouvinte, principalmente, quando este é específico. No caso deste
estudo, tal auditório se define como os pretensos empresários, lojistas da região,
público-alvo que se busca atingir para publicar seus produtos. Conforme explicam
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 131-133),
[...] de todo modo o orador constitui, para cada auditório, um sistema de
referências que serve para testar as argumentações. [...] Uma das preocupações
do orador será tornar presente, apenas pela magia de seu verbo, o que está
efetivamente ausente e que ele considera importante para a sua argumentação,
ou valorizar, tornando-os mais presentes, certos elementos efetivamente
oferecidos à consciência.
Ao se deparar com as exigências mercantilistas, que querem freneticamente
vender, ativar o consumo, o mercado publicitário tem a missão de tornar familiar um
produto e, principalmente, diferenciá-lo da concorrência. Com esse propósito,
constrói-se um discurso com uma linguagem específica, capaz de revelar ao seu
público-alvo valores, crenças, atitudes e/ou comportamentos que levam ao consumo
do produto à venda. Mas, para dar conta desse processo interlocutivo e persuasivo
que se instaura entre os interlocutores, a publicidade, na construção de seu discurso,
recorre a lugares comuns, opiniões, informações relacionadas ao repertório do
universo do público-alvo, com a perspicácia de despertar as paixões do
auditório/radiouvinte, como se será discutido mais adiante.
Segundo o departamento comercial da referida emissora_ Rádio Sucesso 101,7
_ , as peças publicitárias radiofônicas mostram ao auditório/radiouvinte, sobretudo,
empresários, rede de comércios e lojistas, não só o potencial de abranger e persuadir
do rádio, mas também a facilidade que esse mídium tem de propor a mensagem de
modo eficiente. Para a direção da referida emissora, a adesão à campanha do SERT-
MG teve como princípio não apenas o fomento e o poder de agente anunciante do
48
mídium rádio; mas além disso, a valorização do rádio e dos profissionais que nele
atua. Nesse sentido, os idealizadores (publicitários, SERT-MG), certos dos seus
objetivos discursivos, formulam, elaboram publicidades radiofonizadas que associam
sensações eufóricas de prazer, beleza, sedução e satisfação, aproveitando o potencial
sugestivo do rádio apesar de ele ter apenas o som como significante.
A congruência desses mecanismos sensoriais se funde em um plano
organizacional de elementos linguísticos, paralinguísticos e sonoplásticos próprios
do discurso publicitário, que tem como objetivo fazer-crer e levar o
auditório/radiouvinte ao consumo, à adesão de uma ideia ou à compra de um produto,
no caso aqui em estudo, o espaço publicitário para divulgar o seu produto no
contexto das festividades natalinas.
Sobre esses aspectos, Rezende (2005) também nos conduz a refletir que tais
armas se fundem na persuasão, no convencimento de um auditório específico, alvo
de oradores que mobilizam estratégias compatíveis com a finalidade desejada. Com
as poderosas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), apesar de o público-
alvo (auditório/radiouvinte) não poder visualizar com seus próprios olhos o mundo
real, ele é estimulado, instado a buscar, a ver e a ouvir o mundo que lhe é sugerido.
Nesse cenário, a realidade passa a existir para ele como “a representação da
representação”. Por meio dessa superposição e valorização de imagens, cores,
palavras e sons, ou seja, dos elementos multissemióticos que se fundem e se revelam
numa linguagem multimodal, percebe-se que as estratégias discursivas do rádio, da
TV, da internet e da webradio têm variado consideravelmente, tanto em função das
mudanças históricas e culturais da sociedade quanto em função da própria atividade
mercadológica regida pelas TIC, fontes seguras de sobrevivência do mundo
empresarial globalizado.
Nesse processo argumentativo e persuasivo, do universo radiofônico, há um
elo forte e preponderante existente entre o locutor/radialista e o
auditório/radiouvinte, que é a voz, esse aparato fisiológico. É ela que ressoa na caixa
acústica, sendo transmitida por ondas eletromagnéticas. Mas a voz não está sozinha,
tendo em vista o trabalho da sonoplastia. Por meio desses recursos, surgem imagens
semiotizadas não prontas, mas que, no curso da enunciação, são construídas pelo
locutor/radialista de modo persuasivo, para envolver o seu auditório/radiouvinte.
49
Desse modo, pode-se dizer que a voz é um dos grandes desafios do rádio,
dadas as suas condições objetivas e materiais, sobretudo no que tange ao discurso
publicitário, já que ela se apresenta como um elemento que integra o trabalho da
persuasão, sendo um dos principais meios para envolver o ouvinte. Nesse sentido,
retomando Perelman e Olbrechts-Tyteca, (2005, p. 19), no rádio,
[...] não basta falar ou escrever, cumpre ainda ser ouvido, ser lido. Não é
pouco ter a atenção de alguém, ter uma larga audiência, ser admitido a tomar a
palavra em certas circunstâncias, em certas assembleias, em certos meios. Não
esqueçamos que ouvir alguém é mostrar-se disposto a aceitar-lhe
eventualmente o ponto de vista.
3.3. A cenografia do discurso publicitário
Pela ótica de Maingueneau (2008, p. 64), a linguagem oralizada, que se
manifesta pela voz dos sujeitos enunciadores, apresenta um tom, uma voz, que
“atesta o que é dito” através das cenas enunciativas instituídas. Elas adquirem uma
vocalidade peculiar relacionada ao caráter e à corporalidade do enunciador, isto é,
para Maingueneau (2008), a vocalidade está diretamente relacionada a uma
caracterização do corpo do enunciador (não ao corpo do locutor extradiscursivo),
mas ao “fiador”, que atesta o que é dito por meio de seu tom, referente à voz, ao
discurso, seja ele escrito ou oral.
Entretanto, para o auditório/radiouvinte e para o analista de discurso, a
vocalidade não está condicionada apenas à concepção retórica clássica do ethos
ligada à oralidade, ou seja, à dimensão verbal do “fiador”, dos sujeitos idealizadores.
Nessa perspectiva, adequando os postulados de Maingueneau (2008) às peças
publicitárias radiofônicas, ousamos dizer que “fiador” é a voz que se faz ouvir pelas
ondas sonoras do rádio. A voz, na verdade, segundo Maingueneau (2008), é uma
instância subjetiva e, por isso, diz respeito ao conjunto de representações coletivas,
de estereótipos de uma determinada sociedade. Tal abordagem torna-se um grande
diferencial, pois, visto sobre essa perspectiva, o ethos não está atrelado apenas à
dimensão verbal, mas também a determinantes físicos e psíquicos do “fiador”, por
meio das representações coletivas (MAINGUENEAU, 2008).
Nesse sentido, ao “atestar o que é dito”, a SERT/MG e a Rádio Sucesso FM
101,7 não almejam revelar o caráter do locutor radialista, das personagens atuantes
50
na emissão das três peças publicitárias, mas, sim, do tom da voz radiofonizada dos
sujeitos que enunciam o discurso argumentativo, para construir uma imagem, ou seja,
o ethos da instância de produção e da própria emissora, mostrando que o rádio é tão
eficiente quanto a TV para atender aos objetivos de um discurso publicitário.
Cabe esclarecer que “tom”, termo usado por Maingueneau (2008), refere-se
também à linguagem oralizada, elemento que estabelece uma ligação linear com o
rádio. Ele associa-se à cenografia, constituída por um planejamento textual, na qual a
escolha de determinadas palavras, condizentes com um campo semântico específico,
ajuda a compor a textualização do corpus em análise e a construção do ethos da
emissora e do SERT/MG.
Para Maingueneau (2008), a cenografia é um dos constituintes da tríplice cena
de enunciação16, que, segundo o autor, se articula com a cena englobante e a cena
genérica. No que se refere à cenografia, Maingueneau (2008, p. 70) propõe a
seguinte concepção:
A cenografia é a cena de fala que o discurso pressupõe para poder ser
enunciado e que, por sua vez, deve validar através de sua própria enunciação:
qualquer discurso, por seu próprio desenvolvimento, pretende instituir a
situação de enunciação que o torna pertinente. A cenografia não é, pois, um
quadro já construído e independente do discurso, mas aquilo que a enunciação instaura progressivamente como seu próprio dispositivo de fala.
Na perspectiva de Maingueneau (2008), à concepção de ethos relacionam-se
questões complexas que ultrapassam a dimensão verbal, as quais não foram
esclarecidas pela retórica aristotélica. Apesar de suas contribuições, o pesquisador
não deixa de revelar sua preocupação diante do fato de ainda não ter conseguido
explanar alguns problemas referentes ao ethos. Sob esse viés, pode-se dizer que o
locutor/radialista, ao enunciar um discurso, também constrói a cenografia , à qual
deve firmar-se progressivamente. Assim, não se pode negar que o discurso
argumentativo e a cenografia são constituintes responsáveis para “descortinar” um
16 Segundo Maingueneau (2008, p. 70), a cena de enunciação é composta por três cenas: a cena englobante, a
cena genérica e a cenografia: “a cena englobante atribui ao discurso um estatuto pragmático, ela o integra em um
tipo: publicitário, administrativo, filosófico... A cena genérica é a do contrato associado a um gênero ou a um
subgênero de discurso: o editorial, o sermão, o guia turístico, a consulta médica... A cenografia, não é imposta
pelo gênero, mas é construída pelo próprio texto: um sermão pode ser enunciado por uma cenografia professoral,
profética, amigável etc. A cenografia é a cena de fala que o discurso pressupõe para poder ser enunciado e que,
por sua vez, deve validar através de sua própria enunciação.”
51
fiador, cuja figura o auditório deve construir com base em indícios textuais de
diversas ordens.
Em relação a isso, Maingueneau (2008) enfatiza o caráter e a corporalidade do
fiador, que assume funções distintas, mas necessárias à construção do ethos, que
surge dialogicamente do fiador. Nesse cenário, em que se cruzam tais seguimentos
constituintes da persuasão, surge, para Maingueneau (2008), a grande questão de
saber os limites e as amplitudes do discurso para a construção do ethos. Nesse
sentido, Maingueneau (2008, p. 61) apresenta a seguinte inquietação:
Há sempre elementos contingentes em um ato de comunicação, em relação aos
quais é difícil dizer se fazem ou não parte do discurso, mas que influenciam a
construção do ethos pelo destinatário. [...] se deve relacionar o ethos ao
material propriamente verbal, atribuir poder às palavras, ou se devem integrar
a ele elementos como a vestimenta do locutor, seus gestos, e, eventualmente, o conjunto do quadro da comunicação. O problema é mais delicado se
considerarmos que o ethos, por natureza, é um comportamento que, enquanto
tal, articula verbal e não verbal para provocar no destinatário efeitos que não
decorrem apenas das palavras.
Como mediador desses argumentos, que geram efeitos ethóticos17, tem-se o
discurso publicitário radiofonizado, que é permeado de inúmeras informações
elaboradas por um sistema linguístico e paralinguístico intrínseco a uma sonoplastia.
A junção desses sistemas nos leva a refletir que a formulação do ethos do SERT/MG
e da emissora Rádio Sucesso FM 101,7, de Barbacena (MG), responsável imediata
pela veiculação das publicidades, não se centra apenas na enunciação, nas palavras
oralizadas que se revelam nas peças publicitárias.
À luz dessa concepção, defendemos a ideia de que a construção do ethos no
presente corpus está associada também à performance do locutor/radialista e das
personagens institucionalizadas que atuam diretamente na veiculação das
publicidades. Mas não é somente isso, na perspectiva dos fenômenos prosódicos,
pode-se dizer que as múltiplas linguagens empregadas nas peças publicitárias
adquirem um dinamismo não só em favor dos ideais propagandísticos, como também
17 Termo empregado por Dascal (2005), para quem a concepção de ethos não se constitui apenas pelo caráter do
orador, como propõe a retórica clássica, mas também pela veracidade dos argumentos. O autor defende que, se a
percepção de um caráter projetado afeta a avaliação de um argumento pelo auditório, então, as propriedades do
caráter são absolutamente relevantes para a credibilidade e a plausibilidade do argumento do locutor.
52
para a construção do ethos. A contribuição da prosódia para a construção do ethos
será explorada no Capítulo 4, em que se dedicará à análise do corpus em pauta.
Maingueneau (2008) propõe que a análise do ethos seja discutida em uma
dimensão discursiva integrada ao estudo da interlocução, que leva em conta os
sujeitos envolvidos no processo comunicativo, no cenário e no objetivo da troca
verbal. Nessa trilogia, Maingueneau (2005, p. 126) defende a seguinte proposta:
O ethos está condicionado à cena de enunciação, ela própria considerada na
distribuição dos papéis implicados pelo gênero de discurso e pela cenografia.
Assim, o ethos dos pragmáticos, na linha de Aristóteles, constrói-se na
interação verbal e é puramente interno ao discurso, enquanto o dos sociólogos
se inscreve em uma troca simbólica regrada por mecanismos sociais e por
posições institucionais e por posições institucionais exteriores.
No encalço desse dinamismo multissemiótico radiofonizado, ecoa um discurso
argumentativo que se firma pela seguinte tese: no rádio, quem ouve não “vê”, mas
“enxerga tudo”. Percebe-se que nas três peças as cenografias se constituem por
representações sociais, estereótipos que a enunciação do locutor /radialista contribui
para promover muito mais que efeitos ethóticos.
Sobre essa reflexão, encontramos, em Menezes (2006, p. 87), uma posição que
pode contribuir para ampliar essa discussão:
A partir do momento em que argumentamos acerca de um objeto do mundo,
estamos agindo sobre alguém, buscando inseri-lo em um quadro específico de
crenças e convenções possíveis no interior de uma determinada comunidade de
fala. Quer dizer, além do aspecto quantitativo das relações argumentativas no
cotidiano, ressalta-se sua constitutividade como fator fundamental de
convergências, na articulação e rearticulação de vínculos da vida social.
Nessa linha de discussão, retomamos Amossy (2005, p. 120), que afirma:
Na realidade, o poder das palavras deriva da adequação entre a função social
do locutor e seu discurso: o discurso não pode ter autoridade se não for
pronunciado pela pessoa legitimada a pronunciá-lo em uma situação legítima,
portanto, diante dos receptores legítimos. É assim [...] com todas as formas de
discurso que circulam em uma sociedade.
Dessa perspectiva é que se procura abordar a posição segundo a qual os
sujeitos envolvidos nas três peças radiofônicas estão inseridos em uma lógica de
troca, na verdade, o locutor/radialista e o auditório/radiouvinte são agentes sociais
53
que fazem com que o discurso publicitário radiofonizado assuma uma função
dialógica interacional e institucional. Pressupomos, ainda, que, na perspectiva
interacional, a eficácia do discurso radiofônico jamais pode ser efetivada fora da
troca que envolve os participantes. Consequentemente, esse complexo processo é
indissociável das posições ocupadas pelos sujeitos.
54
4. CENOGRAFIA, ASPECTOS VERBAIS E NÃO VERBAIS NA
CONSTITUIÇÃO DO ETHOS DO MÍDIUM RÁDIO: ORIENTAÇÕES
PARA UM TRABALHO DE ANÁLISE DO CORPUS DA PESQUISA
Este capítulo tem como objetivo central apresentar a análise das três peças
radiofônicas que compõem o corpus deste estudo. Tais peças, como já apresentado,
são exemplares do discurso publicitário produzidos no domínio rádio, e buscam
assegura a credibilidade desse mídium como um espaço legítimo e eficaz de
publicidade.
Assim, podemos verificar que as cenografias propostas para cada uma das
peças radiofonizadas 18 aqui em análise não revelam de imediato ao
auditório/radiouvinte que pretendem veicular uma publicidade. O
auditório/radiouvinte, num primeiro momento, não ouve uma cena genérica própria
de textos publicitários radiofônicos a qual está habituado a ouvir. Partindo dessa
estratégia, os sujeitos idealizadores da campanha publicitária – o Grupo de
Profissionais do Rádio (GPR) –, constroem uma cenografia ímpar, refinada, diferente
dos quadros cênicos mais comuns a esse tipo de discurso.
Ousaríamos dizer que se trata de uma cenografia incomum para o mídium
radiofônico, mas justificável mediante os propósitos ideológicos pretendidos, entre
eles, pode-se destacar o confronto estabelecido, a princípio, entre dois mídiuns: o
rádio e a TV. Essa “luta” midialógica não consiste apenas na conquista do
auditório/radiouvinte, ou na venda de um espaço de divulgação negociável no
departamento comercial da emissora, mas na imagem do SERT/MG e da Rádio
Sucesso FM 101,7. Em contrapartida, isso só é ratificado no momento em que a
enunciação constrói uma cenografia própria que se associa a um discurso publicitário
radiofonizado. As publicidades apresentam um argumento que adquire características
persuasivas na fala oralizada, como demonstra o seguinte slogan do SERT/MG
(2005):
[...] Viu? No rádio é assim: você não vê, mas enxerga tudo! Fique ligado!
Anuncie no rádio! Uma iniciativa: Grupo de Profissionais do rádio.
18 Essas peças publicitárias encontram-se nas faixas 1,2 e 3 do CD anexo.
55
Na perspectiva de Maingueneau (2001, p. 87),
[...] a fala supõe uma certa situação de enunciação que, na verdade, vai sendo
validada progressivamente por intermédio da própria enunciação. Desse modo,
a cenografia é ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ele engendra;
ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-lo, estabelecendo
que essa cenografia onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para
enunciar como convém.
Tendo em vista os sujeitos envolvidos no processo comunicativo, o cenário e
os objetivos da troca verbal, o rádio, ciente de que é “meio cego”, nos termos de
Silva (1999), constrói, num primeiro estágio, cenografias não necessariamente
próprias do mídium rádio. Acima de qualquer suspeita, tanto o auditório /radiouvinte
quanto o analista de discurso, ao ouvirem as três peças publicitárias, se deparam com
cenografias que os conduzem a outros quadros cênicos.
O auditório/radiouvinte se vê induzido a acionar sua memória discursiva,
reminiscências de suas representações e práticas do cotidiano, para entender a
mensagem oralizada no rádio. Institui-se, então, uma cenografia, mas há uma
ilegitimidade, não em relação à proposta, mas, talvez, em relação ao mídium rádio,
ou ao que o auditório/radiouvinte está habituado a ouvir. Entretanto, até o final de
cada peça, essa ilegitimidade será descartada.
As cenografias instituídas empiricamente nos fazem lembrar a mídia
televisiva, em que se predomina a imagem, ou seja, a linguagem oral está
subordinada à imagem. Ao ativar essas lembranças no auditório, constrói -se uma
cenografia própria da TV, o que pode ser útil para justificar o predomínio dos textos
narrativo-descritivos. Tais indícios nos oferecem certo respaldo para dizer que o
quadro cênico oralizado que chega ao imaginário do auditório/radiouvinte transporta-
o para uma cenografia de novela, ou algo relacionado ao gênero. Para um
auditório/radiouvinte mais experiente, seria um regaste à Era de Ouro do Rádio,
época em que as novelas eram radiofonizadas, ou a certos programas memoráveis de
crônicas policiais narradas pela voz inconfundível do repórter Gil Gomes.
Chama-nos atenção o fato de a linguagem oralizada das publicidades ser capaz
de atuar no imaginário do auditório/radiouvinte, fazendo-o confrontar limites
estabelecidos entre o real e o imaginário, por meio de uma cenografia, que simula o
espetáculo próprio da TV. Mas não apenas isso: se o ethos tem uma natureza
56
comportamental, até que ponto podemos considerar a atuação do que é verbal e não
verbal para provocar no auditório/radiouvinte efeitos que não decorrem apenas de
palavras? Vejamos (ouçamos) a peça intitulada Banho.
Quadro 1 – Peça publicitária “Banho”
Fonte: SERT/MG (2005) – CD anexo, faixa 1.
Nota-se que a cenografia apresenta um discurso característico da dramaturgia.
O dispositivo essencial da instauração do quadro cênico é a voz. Ela é responsável
por veicular enunciados curtos, tomadas de cena relacionadas às ações das
LOCUTOR TRILHA SONORA EFEITOS SONOROS
Loc. 1 – Ela é linda!
Cabelos loiros, longos e
sedosos. Ela abre a porta,
e entra no boxe. A água
cai molhando os cabelos. Ela derrama o xampu na
palma da mão. Os cabelos
agora estão cheios de
espuma. A espuma começa
a escorrer. Os cabelos são
enxaguados. Ela fecha a
água, se enrola na toalha, e
sai. De repente, a toalha
cai.
Música de sedução
coerente com a cena de enunciação. Voz
masculina, grave, pausada,
sedutora. Predomínio de
ênfase na entonação e em
determinados trechos e
palavras.
Sonoplastia – Porta do box abrindo; torneira abrindo;
água; espuma; torneira
fechando; porta do box
abrindo.
Person. Uh! Quê? A mina
é homi, tô fora! Ausência de trilha sonora. Sem sonoplastia
Loc. 1 – Viu? No rádio é
assim: você não vê, mas
enxerga tudo!
Música que sugere uma
gargalhada, indicando o
fim da publicidade, ou o propósito de “conduzir” o
auditório/radiouvinte a
enxergar o que não se vê,
no caso, um homem, não
uma mulher.
Sem sonoplastia
Loc. 1 – Fique ligado!
Anuncie no rádio! Uma
iniciativa: Grupo dos
Profissionais do Rádio.
Ausência de trilha sonora. Sem sonoplastia
57
personagens. Diante desses aspectos, no rádio, nada se efetiva sem a linguagem
oralizada, e ela, com certeza, não está sozinha. Silva (1999, p. 41) explica que, no
rádio “nada que não seja voz participa; tudo que é emitido por suas ondas sonoras é
resultado do combate verbo-voco-sonoplástico no qual texto e voz se entrelaçam
simultaneamente com outros signos também sonoros.”
Retomando a exposição acima, diríamos que todos esses elementos estão
associados às ações cronologicamente desenvolvidas em relação ao tempo verbal e
ao espaço. O discurso das peças é simples, de fácil entendimento, e mantém
perfeitamente um vínculo com a cenografia. Maingueneau (2008 p. 52) esclarece que
“a linguagem não só está investida, mas está apropriada ao universo de sentido que o
discurso pretende impor. A cenografia implica certo uso de linguagem e é igualmente
indissociável dele.”
Como se vê, a cenografia emerge da articulação de mecanismos que são muito
bem selecionados, próprios do sistema “verbo-voco-sonoplástico” e perfeitamente
adaptáveis ao mídium rádio. Eles tramitam no repertório comunicativo do
auditório/radiouvinte, e muitos advém de formações discursivas midialógicas.
Considera-se que esse auditório faz parte de uma sociedade moderna inserida em um
universo em que atuam e são construídas inúmeras representações sociais. Para
Moscovisci (1972), essas representações sociais midialógicas podem ser definidas
como entidades que circulam e se articulam o tempo todo através do uso da
linguagem ou de gestos do cotidiano. Segundo o autor, “essas representações são
dinâmicos conjuntos de formas de apreensão e expressão do que é vivenciado no
cotidiano que orientam o comportamento, reconstituem elementos do meio ambiente
e compõem uma rede de relações em que o corpus está vinculado.” (MOSCOVISCI,
1972, p. 33).
Dessa perspectiva, o SERT/MG constrói peças publicitárias que retratam
quadros cênicos por meio de uma linguagem oralizada, que expressa constituintes
verbo-voco-sonoplásticos próprios de situações imagéticas da realidade. A grande
diferença é que as imagens radiofonizadas das três peças publicitárias não aparecem
prontas como na TV. Eis um grande diferencial não só do corpus em análise, mas do
mídium rádio. Em relação a isso, Gomes e Dantas (2010, p. 193) destacam que, “no
rádio, o ouvinte ‘faz a imagem’; na televisão, o espectador ‘é obrigado a aceitar a
58
imagem’.” Esses argumentos justificam o emprego de elementos multissemióticos
(linguísticos, prosódicos e sonoplásticos), que atuam em uníssono na construção da
tese expressa no slogan das três peças publicitárias radiofonizadas:
[...] Viu? No rádio é assim: você não vê, mas enxerga tudo! Fique ligado!
Anuncie no rádio! Uma iniciativa: Grupo de Profissionais do rádio
(SERT/MG, 2005).
Para Pignatari (1987, p. 156), na linguagem radiofônica, “as palavras não mais
significam o que delas se espera, porque já não são mais palavras. Elas adquirem
feições icônicas – e eu insisto na ideia de que as feições-sonoras são feições-
icônicas, como podemos observar na música, no canto, no ruído e na fala.”
Claramente, a voz assume uma função indiscutível no mídium rádio. Ao ser
transmitida pelas ondas eletromagnéticas, que ressoam por meio de um suporte , caixa
acústica, a linguagem oralizada adquire feições-icônicas, nos termos de Pignatari
(1987), que compõem a cenografia imagética, permitindo ao auditório radiouvinte
“fazer a imagem” (GOMES; DANTAS, 2010). Silva (1999, p. 41-42), complementa
essa reflexão ao afirmar que:
[...] músicas, efeitos sonoros, silêncio e ruídos são incorporados em uma
sintaxe singular ao próprio radio adquirindo nova especificidade, ou seja, estes
elementos perdem sua unidade conceitual à medida que são combinados entre
si a fim de compor uma obra essencialmente sonora como o “poder” de sugerir
imagens auditivas ao imaginário do ouvinte.
À luz dessas considerações, percebe-se que muitos são os mecanismos que
atuam e são responsáveis pelo funcionamento discursivo do nosso corpus. Não
obstante, faz-se necessário entender que, por trás desse funcionamento propiciado
pelos sistemas verbo-voco-sonaplásticos, agrega-se uma semântica discursiva que
torna o corpus um construto complexo que exige competências leitoras tanto do
locutor/radialista quanto do auditório/radiouvinte. Para Vianna (2009), as
publicidades radiofonizadas podem ser comparadas a uma produção simbólica, que,
por meio de uma mensagem unisensorial, vale-se de elementos sonoros na tentativa
de fazer uma associação com o repertório do auditório/radiouvinte, estabelecendo,
com isso, “imagens multissensoriais”, nos termos de Vianna (2009). Como objetivo
de auxiliar nossa reflexão, vejamos a figura abaixo:
59
Figura 5 – Verbo-voco-sonoplástico
CONSTITUINTES MULTISSEMIÓTICOS
AUDITÓRIO/RADIOUVINTE
Fonte: Elaborada pelo autor.
Essa figura, elaborada com base nos estudos realizados, nos dá respaldo para
dizer que o discurso publicitário presente nas peças radiofônicas articula -se aos
constituintes multissemióticos, proporcionando ao auditório/radiouvinte a criação de
Mídium Rádio Peças
radiofônicas
Verbo-voco
Interpretação do locutor
Sonoplastia
Trilha
Efeitos sonoros
60
imagens. Observa-se que a soma de todos os constituintes – formados por texto,
vozes, trilha musical, efeitos sonoros, silêncio e edição técnica – são geradores da
“imagem sonora”, nos termos de Balsebre (2005), da persuasão e do ethos. Em suas
fundamentais teóricas sobre as peças publicitárias de rádio, Balsebre (2005, p. 27)
define o discurso radiofônico como:
[...] um conjunto de formas sonoras e não sonoras representado pelos sistemas
expressivos das palavras, da música, dos efeitos sonoros e do silêncio, cuja
significação vem determinada pelo conjunto dos recursos técnicos-expressivos
da reprodução sonora e o conjunto de fatores que caracterizam o processo de
percepção sonora e imaginativa-visual dos ouvintes de rádio.
Diante do discurso publicitário, deparamo-nos com uma materialidade
discursiva carregada de determinados vestígios que se fazem ouvir/escutar,
ver/enxergar, dentro de cenografias constituídas de elementos multissemióticos,
atuantes e ativos, em favor de uma textualidade corporificada e específica. Para
realizar o trabalho de análise do material verbo-voco-sonoplástico retratado na
Figura 3, abaixo, e nas demais figuras, recorreu-se ao programa PRAAT, uma
ferramenta para análise de voz desenvolvida por Paul Boersma y David Weenink, do
Institute of Phonetic Sciences, Universidade de Amsterdã, em 2010. Esse programa
foi obtido gratuitamente por download, a partir da página oficial
http://www.praat.org.
Nas figuras 3 e 4, nos quadros abaixo, analisamos dois fragmentos acústicos
retirados da peça publicitária "Banho". Elas revelam as variações, as intensidades e a
dinâmica das vozes que se enunciam nas três peças. Na media em que a narração
descritiva se efetiva pela linguagem oralizada, pelo ato de ouvir o auditório -
radiouvinte constrói gradativamente um conjunto significativo, subjetivo e
imaginário propostos pelo discurso publicitário radiofonizado.
Nesse construto percepto acústico salientamos a congruência estabelecida
entre a estrutura linguístico textual e a prosódia. Ela, a prosódia, segundo Crystal
(1998), Cagliari (1999), Nunes (2000) e Moraes (2010), tem como foco a entonação
e variação de voz no contexto da linguagem falada. Obviamente, não se pode negar
que os respectivos estudiosos propõem abordagens diferenciadas. Entretanto, faz-se
necessário ressaltar que os mesmos consideram a linguagem oral como um processo
de interação verbal o qual a prosódia assume a função de propor reflexões
61
relacionadas à natureza da expressividade dos constituintes lexicais e não lexicais
que compõem a significação do discurso.
Nessa linha de reflexão, os quadros das figuras 3 e 4, objetivam explanar e
fazer compreender que prosódia e linguagem oralizada são ciências distintas, mas
que dialogam e são capazes de fornecer contribuições conceituais possibilitando-nos
entender que as palavras expressas estão carregadas de sentido e afetos do locutor
revelada no ato da enunciação. Tais palavras, para a prosódia, apresentam aspectos
entonacionais de produção e de percepção relacionados à atitude e expressividade do
locutor/radialista.
Ao submeter trechos das três peças publicitárias radiofonizadas ao programa
PRAAT, conseguimos obter a Frequência Fundamental (F0) da linguagem oralizada.
A (F0) corresponde à vibração das pregas vocais por segundo, responsável pelo
aumento do pitch (ponto de expressão, tom e melodia) das palavras no ato da
enunciação, o que é em termos técnicos, os correlatos acústicos lexicais e não
lexicais. O pitch é à variação e a intensidade da altura e dinâmica da voz, responsável
para estabelecer a intenção do discurso. Ele, o pitch, pode ser grave ou agudo e está
associado à duração das palavras nas frase podendo sofrer variações tendo em vista
as vozes que anunciam.
Analisando o fragmento "...a espuma começa a escorrer, os cabelos são
enxaguados..." SERT-MG (2005), conseguimos obter a seguinte imagem através do
programa PRAAT. figura 6.
62
Figura 6 – PRAAT da peça publicitária “Banho”
Fonte: Elaborada pelo autor
Como podemos ver na figura acima, o áudio produzido pela voz do locutor é
representada pelo espectograma de cor preta. Nele temos não só a representação dos
constituintes prosódicos, mas também os efeitos sonoplásticos. Já os espectogramas
de cor verde e cor azul, representam a Frequência Fundamental (F0), ou seja,
respectivamente a intensidade e a altura da variação da dinâmica da voz. Ao ouvir as
publicidades, de modo específico no recorte feito pelo programa PRAAT, na figura
4, podemos constatar pela audição a presença de parâmetros acústicos físicos
acentuado pela voz aguda, a duração e o ritmo das palavras, e os picos e vales,
proeminências entoacionais que oferecem contribuições significativas para a
construção do discurso publicitário radiofonizado.
Uh...! Quê? Tô fora! A mina é homi! (SERT/MG, 2005).
63
Figura 7 – PRAAT da Peça publicitária “Banho”
Fonte: Elaborada pelo autor.
Analisar esses processos e entendê-los como constituintes do funcionamento
discursivo das peças publicitárias é uma questão crucial. Certo de que esse processo
se efetiva em uma prática social, Maingueneau, (2008 p. 51) argumenta que “a
instância de produção encontra os dispositivos apropriados pelos quais o discurso
publicitário radiofonizado encena seu próprio processo comunicativo. Essa
encenação é inseparável do universo do sentindo que a linguagem oralizada procura
impor.” Assim, é impossível não visualizar que tais cenografias deixam à mostra para
o analista o caráter e a corporalidade de um fiador idealizado pela instância de
produção. Em outras palavras, o que emerge, segundo Maingueneau (2001, 2006,
2008) e Amossy (2005), é um ethos discursivo preocupado em satisfazer os objetivos
da emissora de Rádio Sucesso FM 101,7 e do SERT/MG, sem jamais deixar que se
cumpra a missão de atender aos anseios do auditório/radiouvinte.
4.1. Entre o “ver” e o “enxergar” – Imagens sonoras e as contribuições de
Barthes
As concepções expostas não deixam dúvidas sobre a função exercida pela
imagem. Mas o que realmente nos chama atenção é o fato de ela, no discurso
Time (s)30.38 35.1150
100
Inte
nsity (
dB
)
30.3790489 35.1126649PROPAGANDA_1_-_BANHO
50
60
70
80
90
100
64
publicitário radiofonizado, se instaurar em uma dimensão mental. Para nós, é
inconcebível abordar esse tema sem fazer honrosas considerações a Barthes (1964),
precursor dos estudos imagéticos. A imagem, presente nos discursos publicitários, é,
para ele, o objeto precípuo dos seus estudos. O autor argumenta que, na publicidade,
a significação da imagem é claramente intencional: “a mensagem publicitária é
franca, ou pelo menos, enfática.” (BARTHES, 1990, p. 28). No que se refere à
Retórica da Imagem, Barthes (1990, p. 31) esclarece que se trata de um “sistema que
adota os signos de outro sistema, para deles fazer seus significantes, é um sistema de
conotação; podemos, pois desde já, afirmar que a imagem literal é denotada, e a
imagem simbólica é conotada.”
No presente estudo, defendemos a ideia de que os sistemas verbo-voco-
sonoplásticos formam significantes que objetivam comunicar, construir sentidos
sígnicos. Podemos dizer que essa concepção se aplica perfeitamente às três peças
publicitárias radiofonizadas aqui em análise, uma vez que nelas se imbricam
constituintes multissemióticos que adquirem corporalidade cognitiva, poder de
sedução, de chamar a atenção do radiouvinte, fazendo-o ficar “ligado” na cenografia
proposta.
Barthes (1964) oferece dois princípios básicos relacionados à simultaneidade
que ocorre entre texto e imagem: a ancoragem e o revezamento. Para ele, na
ancoragem, “o texto dirige o leitor através dos significados da imagem e o leva a
considerar alguns deles e a deixar de lado outros. [...] A imagem dirige o leitor a um
significado escolhido antecipadamente.” (BARTHES, 1964, p. 38-41). Já no
revezamento, “o texto e a imagem se encontram numa relação complementar. As
palavras, assim como as imagens, são fragmentos de um sintagma mais geral e a
unidade da mensagem se realiza em um nível mais avançado.” (BARTHES, 1964, p
38-41).
Acreditamos ser mais pertinente para o corpus deste estudo o princípio de
revezamento, uma vez que, segundo Barthes (1964), a ancoragem é própria do jornal
impresso, de publicidades e de revistas que trabalham com imagens fixas. Quando se
ouvem as três peças publicitárias, a linguagem oralizada aciona imagens mentais
próprias do universo móvel do radiouvinte. Na concepção de Iser (1996, p. 79),
“apenas a imaginação é capaz de captar o não dado, de modo que a estrutura do
65
texto, ao estimular uma sequência de imagens, se traduz na consciência receptiva do
leitor.”
Para Barthes (1964), o princípio de revezamento pode ser visto de modo mais
atuante nas charges, histórias em quadrinhos e dramaturgia teatral ou televisiva,
gêneros em que as linguagens escritas ou orais e imagéticas estabelecem uma relação
de complementaridade. Entende-se, nesse sentido, que a linguagem oralizada das três
peças publicitárias são veiculadas de modo coerente e respeitam uma sequência, uma
performance vocal relacionada às concepções teóricas oferecidas pela prosódia,
possibilitando associações de efeitos sonoros que são incutidos no imaginário do
radiouvinte.
Tendo em vista que a imagem não é um sistema de linguagem que faz parte do
mídium radiofônico tradicional, é por meio da linguagem oralizada que o
auditório/radiouvinte é capaz de enxergar aquilo que ele não vê. Realizando um
paralelo, o “não dado”, nos termos de Iser (1996), é da ordem do ver, ou seja, o que
não se pode ver pelo rádio. Em contrapartida, a linguagem oralizada empregada nas
três peças radiofônicas é da ordem do enxergar, devido ao seu potencial de agenciar
todo um sistema “verbo-voco-sonoplástico”, como diz Silva (1999). A Figura 4
objetiva explanar melhor essas dicotomias:
Figura 8 – Sistema verbo-voco-sonoplástico
Fonte: Elaborada pelo autor.
66
A partir do slogan “[...] Viu? No rádio é assim: você não vê, mas enxerga
tudo! Fique ligado! Anuncie no rádio! Uma iniciativa: Grupo de Profissionais do
rádio”, temos a proposição de uma tese, que é sustentada por cenografias instituídas
ao longo da enunciação. Mesmo sendo um discurso publicitário radiofonizado, a
cenografia multissemiótica proporciona ao auditório/radiouvinte enxergar, mesmo
que ele não veja. A cenografia multissemiótica é, na verdade, todo o sistema sonoro,
ou seja, a “imagem sonora” responsável por criar o espaço de imagens invisíveis,
mas que não deixam de ser “reais” no imaginário do auditório/radiouvinte. Nesse
quadro, é possível não ver, mas enxergar pela escuta. É justamente nessas duas
instâncias – ver e enxergar –, advindas de estereótipos, que são instauradas as
estratégias de persuasão e construído o ethos do SERT/MG e da Rádio Sucesso FM
101,7, tornando possível cumprir a função das publicidades.
Quadro 2 – Peça publicitária “Carro”
Fonte: SERT/MG (2005) – CD anexo, faixa 2.
LOCUTOR TRILHA SONORA EFEITOS SONOROS
Person. Esse é seu carro?
Nossa! Eu não acre-di-to. É
vermelho, é conversível, tem
bancos de couro, doze cilindros e quase tre-zen-
tos/ca-va-los! Vai de zero a
cem em menos de seis segundos. Ai, eu não acredito,
você tem um igualzinho ao do
Magno. Ai meu Deus... , eu sempre quis andar numa
máquina dessas, ai que
emoção!
Som de balada.
Voz feminina. A voz
apresenta uma variação aguda e
intensidade alta.Trabalha-se
bem a questão do ritmo, velocidade da fala e o tempo
determinadas sílabas.
Sonoplastia – Efeitos de carros, buzinas, pessoas
reclamando... Som de carro
tentado dar a partida.
Loc. 1 – Viu? No rádio é assim: você não vê, mas
enxerga tudo!
Voz masculina. Predomínio
da variação melódica grave e intensidade baixa.
Valorização do ritmo das
palavras na fala.
Ausência de trilha sonora.
Loc. 1 – Fique ligado!
Anuncie no rádio! Uma
iniciativa: Grupo dos Profissionais do rádio.
Voz masculina, variação melódica grave e intensidade
baixa.
Enfatiza-se a valorização do mídium rádio, e do SERT-
MG.
Trilha sonora que sugere uma
gargalhada irônica dando a entender o quanto se perde
quando não se utiliza o rádio
como canal publicitário.
67
Nesse quadro analítico, as considerações barthesianas nos ajudam a
compreender que, em um discurso publicitário, no caso, radiofonizado, a linguagem
oralizada, carregada de impressões prosódicas, é o sistema linguístico responsável
também pela construção da mensagem persuasiva. Ela é o elemento fundamental para
comprovar que o discurso oralizado é a base essencial; nela está intrínseca a imagem
sonora, que permite ao auditório/ouvinte, através das ondas hertzianas do rádio,
enxergar o que não vê. Segundo Barthes (1990, p. 42), “a imagem sem palavras
existe, sem dúvida, mas com uma intenção paradoxal, em alguns desenhos
humorísticos; a ausência da palavra encobre sempre uma intenção enigmática .”
Com o objetivo de exemplificar a fundamentação acima, selecionamos
também um fragmento de um correlato não lexical dessa publicidade, denominada
Lasanha. Logo no início da publicidade, temos apenas o tilintar de um sino,
sugerindo que a lasanha está pronta para ser servida. A escolha desse fenômeno
acústico não lexical foi motivada pelo fato de ele estar “isolado”, mas fazer parte da
cena de enunciação. Trata-se de um efeito sonoro que não está imbricado em
nenhuma trilha sonora, o que, de certa forma, nos permitiu analisá-lo melhor através
do software PRAAT, que revelou a ausência de espectrograma e, respectivamente, de
qualidade vocálica e propriedades de dinâmica de voz. Mas, mesmo assim, foi
possível detectar a intensidade desse fenômeno. Observe-se que os constituintes não
lexicais exercem funções importantes não só no processo de persuasão, característica
marcante do gênero, mas também na construção dos efeitos ethóticos da instância de
produção e da própria emissora de rádio.
Nessa linha, não podemos abrir mão de dizer que esses correlatos acústicos
não lexicais corroboram significativamente para o funcionamento discursivo das três
peças publicitárias radiofonizadas. Como seriam as peças em questão sem eles? Elas
teriam o mesmo efeito e a mesma carga de sentido? Retomando Barthes (1990, p.42),
certamente, as peças publicitárias sem a presença dos correlatos acústicos não
lexicais teriam grandes chances de veicular mensagens paradoxais, enigmáticas , o
que poderia comprometer a persuasão e os efeitos ethóticos estipulados.
68
Vejamos a Figura 5, que retrata o efeito sonoro do sino, correlato acústico não
lexical da publicidade intitulada Lasanha:
Figura 9 – PRAAT da peça publicitária “Lasanha”
Fonte: Elaborada pelo autor.
Como se descreve no espectograma abaixo, temos apenas a variação da
intensidade grave e aguda do sino. O quadro da figura 6, não revela a presença de
variação melódica, pois não existe esse correlato acústico lexical, apenas a
sonoplastia do sino.
Quando nos referimos à imagem retratada, constituída pela linguagem
oralizada das emissões radiofônicas, não estamos analisando-a apenas pela
perspectiva da visão física – a qual, no rádio, não se pode fazer ver –, mas, acima de
tudo, pelo viés do fazer enxergar, que se relaciona aos padrões mentais articulados
por meio de recursos prosódicos e sensoriais convocados e interligados pela voz. Por
isso, defendemos a ideia de que a função peculiar da trilha e dos efeitos sonoros
(correlatos acústicos não lexicais) é fazer com que o auditório/radiouvinte, no seu
espaço mental e cognitivo, construa imagens internalizadas – visuais, auditivas,
gustativas, sedutoras, olfativas e táteis –, à medida que a cenografia se constrói pela
enunciação.
Time (s)
0.0914 0.977550
100
Inte
nsi
ty (
dB
)
0.0913970106 0.97754257
PROPAGANDA_3_-_LASANHA
69
Para concluir esta secção, recorremos a Richard (1985, p. 2), que explica:
Utilizar uma escritura radiofônica eficaz seria fazer uso de todos os meios de
expressão tecnicamente possíveis como artifício para criar a ilusão de corpos,
objetos e aparências para persuadir sobre a existência, a realidade. Essa
persuasão torna-se possível pelos poderes de sugestão da imagem sonora. A
audição, único sentido solicitado (pelo rádio) é levado a suprir os limites
sentidos da percepção. [...] as imagens fônicas tornam visíveis personagens
precisos. [...] aquele que fala alimenta a imaginação de cada um, os sons produzem equivalências visuais sobre os ouvintes, principalmente quando eles
têm determinada intenção calculada.
4.2. A contribuição da prosódia para a persuasão e o ethos
A construção do ethos das três peças publicitárias, em termos prosódicos,
conta com a qualidade vocálica e as propriedades de dinâmica de voz dos sujeitos
(locutores/radialistas) que atuam na enunciação. Para Amossy (2005), esses sujeitos
são como “porta-vozes” autorizados para agirem sobre o auditório/radiouvinte
através das palavras. Por essa ótica, o locutor/radialista detém o poder e, em seus
enunciados, apresenta a carga ideológica do SERT/MG e da Rádio Sucesso FM
101,7.
O discurso oralizado do corpus só se efetiva a partir do momento em que o
auditório/radiouvinte reconhece a capacidade que o locutor /radialista tem de fazê-lo
acreditar na tese de que no rádio ele não vê, mas, por aquilo que se oferece, pode
leva-lo a enxergar. Mas, para isso, a performance do locutor/radialista, articulador
das emissões, apoia-se na estrutura fisiológica de sua voz. Trata-se de um “tom”
(MAINGUENEAU, 2008) oralizado plenamente intrínseco aos aspectos prosódicos
presentes nas três peças publicitárias.
Ao ouvir a enunciação radiofonizada, o auditório/radiouvinte depara-se com
um discurso ideológico expressivo e intencional. Essa qualidade perceptoacústica,
característica do locutor/radialista que está por trás do microfone, pode ser percebida
conforme a expressividade de sua fala (CAGLIARI, 2009). Esse processo dialógico
interacional e institucional é estabelecido por meio de correlatos acústicos
segmentais lexicais e não lexicais19.
19 Correlatos acústicos segmentais lexicais e não lexicais – Terminologia empregada por Hirst e Di Cristo (1998)
para estabelecer dicotomias entre o sistema linguístico e o sistema paralinguístico.
70
Tendo como referência as concepções teóricas de Hirst e Di Cristo (1998),
elaboramos um organograma, na tentativa de compreendermos melhor a atuação dos
parâmetros prosódicos no corpus. A princípio, poderíamos dizer que os estudos
prosódicos, segundo os teóricos supracitados, estabelecem uma relação plena entre o
sistema linguístico e o sistema paralinguístico. O primeiro é da ordem dos correlatos
segmentais acústicos lexicais; já o segundo refere-se aos correlatos acústicos não
lexicais, não segmentais. Neste último, instauram-se os constituintes sonoplásticos.
Vejamos o organograma:
Figura 10 – Organograma
Fonte: Elaborada pelo autor.
Com base no organograma proposto, é possível compreender que os estudos
prosódicos estão interligados a três sistemas operacionais que são responsáveis
diretos pelo funcionamento e veiculação das peças publicitárias, a saber: o sistema
linguístico verbal, o sistema linguístico não verbal e a sonoplastia. Es ses
componentes prosódicos nos conduzem a concluir que os objetivos traçados pelo
SERT/MG e pela Rádio Sucesso FM 101,7 estão subordinados à performance do
locutor/radialista e das personagens que atuam na veiculação das emissões, bem
como ao sistema sonoplástico. Sendo assim, pode-se afirmar que, para a Análise do
Discurso, segundo Maingueneau (2008), as três peças publicitárias se enquadram
PROSÓDIA
SISTEMA LINGUÍSTICO
VERBAL
SISTEMA
PARALINGUÍSTICO- NÃO VERBAL
PERCEPÇÃO:
Frequência Fundamental - Qualidade Vocálica
PRODUÇÃO: duração, intensidade (sonoridade)
SISTEMA SONOPLÁSTICO:
Trilha sonora e efeitos
71
numa dimensão discursiva integrada ao estudo da interlocução, que leva em conta os
sujeitos envolvidos no processo comunicativo estabelecido pelo mídium rádio, pelo
cenário, pelos interesses ideológicos estabelecidos pela troca verbal e,
principalmente, pelos componentes prosódicos que atuam diretamente na cena de
enunciação. Conforme pontua Maingueneau (2008, p. 61), “há sempre elementos
contingentes em um ato de comunicação, em relação aos quais é difícil dizer se
fazem ou não parte do discurso, mas que influenciam a construção do ethos pelo
destinatário.”
Ao contrário do que propõe Maingueneau (2008), defendemos a ideia de que ,
no corpus em análise, os elementos, até então considerados contingentes em outras
situações comunicativas, assumem no mídium radiofônico uma posição peculiar. A
linguagem oralizada é o fator preponderante e a ela se agregam correlatos acústicos
lexicais e não lexicais que se unem e incidem através da voz do locutor/radialista,
que, por meio da enunciação, faz ecoar um discurso multissemiótico capaz de exercer
influência sobre o auditório/radiouvinte.
Sendo assim, torna-se claro que o “agir do rádio” sobre o auditório/radiouvinte
não se concretiza por meio de um simples discurso oralizado, ou por meio de uma
situação comunicativa comum do dia a dia, pelo contrário, o discurso radiofônico do
corpus em análise insere-se em um complexo quadro de troca verbal oralizada que
requer determinadas regras para ativar o funcionamento discursivo das três peças
publicitárias. Em meio a esse imbricado processo comunicativo, temos ciência de
que certos quesitos foram realizados e que são fundamentais para se chegar à
persuasão, bem como à prova do ethos, que, nos termos de Declercq (1992, p. 48),
[...] mobiliza tudo o que, na enunciação discursiva, contribui para emitir uma
imagem do orador destinada ao auditório. Tom de voz, modulação da fala,
escolha das palavras e dos argumentos, gestos, mímicas, olhar, postura,
adornos, etc. São outros tantos signos, elocutórios e oratórios, vestimentas e
símbolos, pelos quais o orador dá de si mesmo uma imagem psicológica e
sociológica.
A fim de aplicar as contribuições advindas do quadro conceitual exposto,
retiramos das peças radiofônicas publicitárias determinados correlatos acústicos
lexicais e os analisamos pelo software PRAAT. Nesse programa, inserimos trechos
das três peças publicitárias e as submetemos a determinados procedimentos para
72
constatar a importância dos fenômenos prosódicos na construção da persuasão e dos
ethos.
Sendo assim, no quadro da figura 8, retiramos da peça publicitária Carro um
correlato acústico lexical para verificar a Frequência Fundamental (F0)20, que está
elevada devido à intensidade e à duração da voz no momento da enunciação.
Juntamente com esses fatores, é inegável a função exercida pela qualidade vocálica e
pelas propriedades da dinâmica da voz. Nesse sentido, a Frequência Fundamental
(F0) releva a alteração da intensidade vocálica por se tratar de uma voz feminina,
onde há a valorização do agudo, a expressividade e o ritmo da fala. Apesar de alguns
prosodistas fazerem distinções referentes à prosódia de produção e percepção,
percebe-se, aqui, que há uma ligação entre os correlatos acústicos:
Figura 11 – PRAAT da peça publicitária “Carro”
Fonte: Elaborada pelo autor.
20 De acordo com Hisrt e Di Cristo (1983), a Frequência Fundamental (F0) corresponde ao número de ciclos vibratórios das pregas vocais que ocorrem por segundo. Ela é a responsável pelo aumento do pitch (ponto de
expressão, tom, melodia) dos correlatos acústicos lexicais. Segundo Barbosa (2009), na linguagem oral
radiofonizada, a entoação é a variação entre o grave e o agudo (pitch) durante o enunciado, e a sensação de pitch
é controlada pela variação da Frequência Fundamental (F0). Os picos e os vales da curva de F0 marcam as
proeminências entoacionais. As características da entoação são percebidas de acordo com o contexto, sendo que,
normalmente, o aumento de F0 e de intensidade são interpretados como o início da frase, e o aumento de
duração, como o final da frase. Para Gonçalves (2000), as variações de altura (pitch) constituem o principal
correlato físico para a percepção da estrutura entoacional das sentenças.
75
500
100
200
300
Pit
ch (
Hz)
Time (s)
0 3.286
1.64298186
Sound_2_wav_-_NOSSA
73
Segundo Morais (2010), na maioria das vezes, a prosódia é estudada por meio
de seus correlatos acústicos, mas muitos estudos demonstram a opção pelos aspectos
da percepção: atitudes/emoções do comunicador. Nessa linha, Scarpa (1999, p. 8)
destaca que os parâmetros de altura, intensidade, duração da sílaba, pausa e
velocidade da fala, bem como os sistemas de tom, entonação, acento e ritmo
[...] tornam o estudo da linguagem uma peça fundamental para os
estudos prosódicos, e despertam fascínio, uma vez que são colocados
em evidência correlatos acústicos lexicais e não lexicais representados no corpus pela engenharia do som. (SCARPA, 1999, p. 8).
Nas três peças publicitárias, esses parâmetros e sistemas estão intrínsecos à
trilha sonora e, juntamente com ela, funcionam como uma espécie de plano de fundo,
de cenário, ajudando a compor a cena de enunciação. Ao serem empregados pela
instância de produção, esses parâmetros e sistemas oferecem indícios sonoplásticos
que corroboram com a linguagem segmental oralizada, confirmando as imagens
auditivas e reforçando a tese de que no rádio “você não VÊ, mas ENXERGA tudo!”
(SERT/MG, 2005).
Quadro 3 – Peça publicitária “Lasanha”
LOCUTOR TRILHA SONORA EFEITOS SONOROS
Loc. 1 – A lasanha sai
fumegando do forno. O queijo
gratinado, o molho denso e
borbulhante. Ela pega a faca,
corta um pedaço com todo
cuidado para não desmontar a
lasanha. O queijo estica, a fatia
é colocada no prato. Ela sente o
aroma, pega o garfo e coloca
delicadamente o primeiro
pedaço na boca.
Ausência de trilha sonora.
Voz masculina, forte e pausa.
Narrativa descritiva minuciosa
valorizada pela variação
melódica baixa associada a uma
intensidade grave. Há o
predomínio da valorização de
algumas palavras-chave.
Som de sino. Som de
borbulhas, dando a ideia de que
a lasanha está no forno. A
lasanha sai fervendo do forno.
Efeitos sonoros de talheres no
prato.
Person. – UHHHHH... AI...
TÁ MUITO QUENTE, TÁ
QUEIMANDO MINHA
BOCA!
Acentuação da voz feminina.
Predomínio de alta
expressividade valorizada por
uma intensidade aguda e
vocalidade alta.
Ausência de trilha sonora.
Loc. 1 – Viu? No rádio é
assim: você não vê, mas
enxerga tudo!
Voz masculina. Predomínio da
variação melódica grave e
intensidade baixa. Valorização
do ritmo das palavras na fala.
Ausência de trilha sonora.
74
Fonte: SERT/MG (2005) – CD anexo, faixa 3.
Lançando mão desses recursos não segmentais sonoplásticos, a enunciação do
discurso publicitário radiofonizado das três peças em questão adquire efeitos
surpreendentes no processo cognitivo imagético. E esses efeitos, quando bem
empregados, vão muito além da difícil tarefa de conquistar a adesão do auditório. A
trilha sonora, os efeitos e os ruídos assumem a sublime missão de contribuir também
para a cenografia.
A Figura 9, a seguir, apresenta a produção acústica lexical do fenômeno
linguístico “Nossa”, pronunciado na peça publicitária Carro. Nela, podemos ver
indícios da expressividade alongada devido à duração enunciativa da sílaba. O
grande diferencial desse correlato acústico segmental é a presença do espectrograma.
Através dos recursos oferecidos pelo software PRAAT, foi possível apontar os
aspectos fisiológicos das pregas vocais que atuam controlando a entrada e a saída de
ar para a produção da voz. A cor mais escura e intensa no espectograma indica
menos saída de ar para pronúncia de determinadas palavras. Esse fenômeno
fisiológico, segundo Cagliari (2009), é responsável pela Frequência Fundamental
(F0), revelando a qualidade vocálica e as propriedades da dinâmica da voz:
Loc. 1 – Fique ligado! Anuncie
no rádio! Uma iniciativa:
Grupo dos Profissionais do
rádio.
Voz masculina, variação
melódica grave e intensidade
baixa.
Enfatiza-se a valorização do
mídium rádio, e do SERT-MG.
Trilha sonora que sugere uma
gargalhada irônica dando a
entender o quanto se perde
quando não se utiliza o rádio
como canal publicitário.
75
Figura 12 – produção acústica lexical do fenômeno linguístico “Nossa”,
pronunciado na peça publicitária “Carro”
Fonte: Elaborada pelo autor.
4.3. Os elementos segmentais e não segmentais e as concepções de Cagliari
As publicidades radiofonizas do corpus deste trabalho estão inseridas em um
quadro fenomenológico que compõe o nosso objeto de estudo, e são pertinentes para
demonstrar as funções entonacionais apontadas por estudiosos prosodistas. Num
contexto socioeconômico, cultural e globalizadado, sem sombra de dúvida, é imensa
a gama de gêneros discursivos que circulam nas instâncias comunicativas e ganham
dinamismo nas manifestações linguageiras pronunciadas pelo homem
contemporâneo.
Com isso, pode-se dizer que os aspetos prosódicos, bem como as teorias que
fazem alusão a tais concepções não se referem única e exclusivamente às
publicidades em estudo. Antes mesmo de ir ao ar, em sua dimensão cognitiva,
escrita, e oralizada, o discurso que será radiofonizado passa por um processo laboral
que será refletido plenamente na textualização. Para Hernandes (2006, p. 97), “a
textualização não é algo ínfimo, mas muito complexo, uma vez que o processo de
Time (s)
0 3.2860
5000
Fre
quen
cy (
Hz)
1.64298186
Sound_2_wav_-_NOSSA
76
edição das publicidades reúne estrutura sintática, fluxo temporal, falas, trilha sonora,
silêncio e ruídos.” Percebe-se que, somente no contexto da linguagem falada, ou seja,
na situação plena de fala, se manifestarão, segundo Cagliari (2009), os componentes
fonéticos denominados de “qualidade vocálica” e “propriedades da dinâmica” da voz.
O autor revela que, “quando uma pessoa fala, ela pode ser reconhecida mesmo que
não seja vista, porque sua fala tem características individuais que a torna distinta da
voz das outras pessoas. A qualidade de voz tem sua origem em fatos anatômicos e
em fatos articulatórios.” (CAGLIARI, 2009, p. 127).
Como se vê, somente no momento da pronúncia, da enunciação oralizada, a
voz do locutor radialista entrará em cena e revelará fenômenos prosódicos referentes
aos aspectos entonacionais de produção, percepção e medidas acústica. Essas três
frentes epistêmicas, segundo Hirst e Di Cristo (1983), são norteadoras dos estudos
entonacionais. Sob o olhar desses dois pesquisadores, associados a Hart, Collier e
Cochen (1990), faz-se necessário ressaltar que, devido à complexidade
epestemológica que envolve tais dimensões, nem sempre é possível compreender e
analisar os fenômenos prosódicos nas três dimensões. Não sendo contrário aos
postulados acima, acreditamos ser mais pertinente às nossas pretensões analíticas
focalizar a prosódia na perspectiva dos correlatos acústicos e de alguns fatores
perceptivos relacionados às atitudes e expressividades dos locutores/radialistas.
Como ponto norteador dos pressupostos acima, apresentamos um esquema para a
definição da prosódia, cuja fonte inspiradora advém dos postulados de Hirst e Di
Cristo (1998):
77
Figura 13 – Esquema para a definição da prosódia
Fonte: Elaborada pelo autor, com base em Hirst; Di Cristo (1998).
Nesse ponto, surge uma inquietação investigativa, e dela emerge a importância
de encontrar respostas para os processos interacionais em que se inserem as três
peças publicitárias. A manifestação vocal, permeada por elementos multissemióticos,
evidencia a presença de qualidades vocálicas e de propriedades dinâmicas da voz,
inserindo os estudos prosódicos no centro de nossas reflexões como uma ciência
contemplativa da expressão, que busca contribuir para a construção do sentido
ethótico e o efetivo funcionamento discursivo do corpus.
Assim, os estudos prosódicos contemplam, ao mesmo tempo, os aspectos
abstratos entonacionais e a variação de voz no contexto da linguagem falada, ambos
presentes no corpus. No contexto da linguagem falada, Kerbrat-Orecchioni (1991-
1994) defende que, desde a retórica, a linguagem oral é concebida como um processo
de interação verbal, o que contribui para que a prosódia assuma uma função essencial
ao atuar como um constituinte para a significação do discurso. Segundo a autora, em
um processo interacional entre dois ou mais falantes, são várias as formações
ideológicas e discursivas que fazem parte da atividade de linguagem, e a prosódia
está presente no sistema cognitivo abstrato, ou no sistema de parâmetros físicos
manifestados na oralidade discursiva do corpus.
FONÉTICA
ASPECTO: COGNITIVO
FONOLÓGICO
Sistemas prosódicos lexicais:
Acentos, tom, quantidade.
Sistema prosódico não lexical: Entonação propriamente dita.
ASPECTO: FÍSICO
ACÚSTICO
Parâmentros prosódicos
Frequência fundamental - F0
Intencidade, duração da sílaba, caracterísitcas espectrais.
78
Diante desses pressupostos, podemos afirmar que, na linguagem oralizada
radiofônica, a sonoridade multissemiotizada que chega aos ouvidos do
auditório/radiouvinte tem como elemento norteador a fala. Ela contém não somente
elementos segmentais próprios de uma prosódia lexical, mas também, e não menos
importantes, elementos não segmentais referentes à prosódia não lexical. Os
elementos segmentais ou não segmentais estão intrínsecos e constroem a cadeia
sonora responsável pela efetivação do sentido do discurso publicitário das peças em
análise.
Nesse sentido, o SERT/MG, no uso de suas atribuições de instância de
produção, veicula o discurso publicitário radiofonizado permeado por elementos
multissemióticos que exercem a função de ajudar o auditório/radiouvinte a
interpretar esse discurso. Tendo em vista o contexto das três peças em questão,
encontramos um conjunto de sistemas uníssonos que se articulam, e, por meio deles,
determinadas marcas fonatórias são identificadas na manifestação da fala. Para Hirst
e Di Cristo (1998), esse processo é denominado de entoação, já apresentados nos
quadros acima, e está diretamente ligado às variantes oferecidas pela F0 (Frequência
Fundamental). A F0 é um parâmetro físico que engloba outros correlatos acústicos,
como a duração das sílabas e as pausas. Uma das grandes contribuições para os
estudos prosódicos oferecida por esses autores, além de notórios esclarecimentos, é a
concepção de parâmetros entonacionais (co)relacionados aos níveis cognitivos e
físicos. Para os autores, ao se inserir num mesmo quadro esses seguimentos
fenomenológicos, cria-se a possibilidade de melhor compreender a prosódia.
Outra contribuição de grande relevância para os estudos da prosódia são os
postulados apresentados por Scarpa (1999). Ao focalizar a linguística
contemporânea, esse autor visualiza e define os estudos prosódicos como um
fenômeno epistêmico preocupado em analisar os correlatos acústicos dos fonemas
além dos parâmetros lineares. Para ele, isso justifica o fato de se poder usar
indiscriminadamente as expressões “elementos prosódicos” ou “elementos
suprassegmentais”, o que, para muitos, é motivo de grande confusão em termos
classificatórios e, até mesmo, aplicativos. Não obstante, esse conflito é quebrado por
Scarpa (1999), quando ele afirma que os correlatos acústicos lexicais e os elementos
prosódicos, ou seja, os correlatos acústicos não lexicais, são interdependentes. Nesse
79
aspecto, muitos pesquisadores acreditam ser mais coerente o emprego do termo
“prosódia”, refutando a terminologia “suprassegmental”.
Ao propor que esses correlatos acústicos segmentais lexicais sofrem alterações
devido à impostação da voz manifestada na linguagem oralizada, Cagliari (1999)
postula que a voz apresenta determinados parâmetros acústicos físicos,
características espectrais, que podem ser demonstradas por árisis (picos) e tésis
(vales). Trata-se de um perfil vocálico detectado pelo software PRAAT. No quadro
da figura 11, temos a análise feita de um correlato acústico lexical de um fragmento
retirado da peça publicitária Lasanha. Nele é possível verificar a aplicação prática da
proposta de Cagliari (1999). Segundo o pesquisador, essa qualidade vocálica, somada
à propriedade de dinâmica da voz, são constituintes prosódicos que nos possibilita
compreender melhor a performance e o perfil sonoro dos oradores atuando
plenamente por meio da enunciação das/nas três peças publicitárias radiofônicas.
A Lasanha sai fumegando do forno [...] (SERT/MG, 2005).
Figura 14 – PRAAT da peça publicitária “Lasanha”
Fonte: Elaborada pelo autor.
Time (s)
0.6991 3.525
Pit
ch (
Hz)
100
150
200
300
5000.699079493 3.52521105
PROPAGANDA_3_-_LASANHA
80
5. À GUISA DE CONCLUSÃO
Verifica-se que a atividade discursiva inscrita nas publicidades radiofonizadas
faz parte não apenas das possibilidades criadas pelo universo do rádio, mas também
da vida de inúmeros brasileiros que representam e compõem o auditório de
radiouvintes. A mágica sonoplastia que ressoa do suporte acústico, ao se unir à voz,
transforma-se e faz do rádio um meio de comunicação único, cujos discursos
produzidos ganham uma cenografia própria, construída para mostrar a sua
credibilidade e eficácia no mundo midiático.
A formatação dos elementos multissemióticos, mediante uma sintaxe
radiofônica capaz de concatenar esses mecanismos, desperta fascínio. Há uma
complexa necessidade de o analista de discurso tentar compreender e desvendar o
sistema organizacional que perpassa o mídium radiofônico. Em toda a estrutura
dialógica do corpus, não é possível ver, mas, sim, ouvir (escutar) e enxergar a
culminância de sentidos, que revela a função interacional e institucional da
linguagem radiofonizada.
Diante das reflexões estabelecidas e fundamentadas por um suporte teórico
adequado, é correto afirmar que as várias imagens auditivas previamente
selecionadas que incorporam a linguagem oralizada atuam em uníssono para obter a
persuasão e promover o ethos dos idealizadores. Portanto, para acentuar o poder de
sugestão incorporado nas palavras articuladas pela voz e, consequentemente, atrair a
escuta do auditório/radiouvinte, a prosódia, a trilha e os efeitos sonoros assumem
funções e finalidades ímpares para significar o seu universo imagético.
É incontestável que os quadros cênicos usam como estratégia o emprego da
narrativa descritiva para “impor” a cenografia. Nesse aspecto, as três peças são
homogêneas. Isso porque elas objetivam atingir várias classes sociais por meio das
ondas do rádio. Visando esse propósito, a instância de produção constrói, ao longo da
enunciação, quadros cênicos distintos, mas que se assemelham em termos de
cenografias. Os contextos, bem como a enunciação que deles emergem, são
articulados especificamente de acordo com os seus respectivos quadros cênicos.
Torna-se claro que, alterando as cenografias, logicamente, mudam-se também os
mecanismos multissemióticos, já que a instância de produção (SERT/MG e Rádio
81
Sucesso FM 101,7) acredita no poder de abrangência do mídium rádio, em seu poder
de atingir várias classes sociais, em contextos diversificados. Parte-se do pressuposto
de que o auditório/radiouvinte está no escritório, no carro, em casa, na empresa, na
loja, no bar, na internet, e até mesmo, assistindo pela TV, pois, em muitos estúdios
de rádio, há câmeras instaladas que permitem ao auditório/radiouvinte, além de
ouvir, visualizar o locutor/radialista em plena atuação.
Outro fator importante é que as três peças deixam determinadas marcas da
oralidade, principalmente, no slogan, no qual o discurso publicitário adquire uma
performance plena e, a princípio, direciona-se para um auditório/radiouvinte
“específico”. Ciente desse hipotético perfil de auditórios/radiouvintes, os
idealizadores acreditaram ser mais promissor construir cenas enunciativas usando um
discurso que elucida situações “comuns”, próprias do cotidiano do referido público.
Partindo do pressuposto de que não se tem a certeza de onde esse público está,
os sujeitos idealizadores pensaram não necessariamente no empresário a quem o
discurso se direciona. Nessa perspectiva, o mais viável foi construir quadros cênicos
que retratam certos espaços, induzindo a pensar que tanto o rádio quanto o
auditório/radiouvinte podem estar em qualquer lugar se o aparelho estiver ligado.
A abrangência desse mídium radiofônico, bem como sua versatilidade está
diretamente vinculada às possibilidades advindas das TIC, através de programas
sofisticados disponíveis nos estúdios das emissoras. No rádio, esses aparatos
tecnológicos, quando usados e operados de modo correto, tornam possível enxergar
aquilo que não se vê.
Pensando assim, o auditório “se depara” com uma “loira sedutora” que muitos
homens gostariam de ver tomando banho; um carro esportivo com um garotão na
entrada de uma danceteria se exibindo para uma garota na frente dos colegas; e, por
último, o tilintar de um sino que "avisa" a uma garota que a lasanha está pronta e
pode ser servida. O que mais surpreende, além da discursividade e textualidade das
emissões radiofônicas, é o refino com que todas as peças foram elaboradas, o que faz
uma grande diferença. Nesse jogo radiofônico, em que se articulam múltiplas
linguagens que promovem o “ver” e o “enxergar”, mediadas pela enunciação
oralizada, revela-se a presença de um sistema linguístico, paralinguístico e
82
sonoplástico que prioriza as vertentes da realidade e da ficção, atuando em função da
persuasão e do ethos.
Por fim, a perspectiva da Análise do Discurso, cujas concepções teóricas
possibilitaram as reflexões aqui empreendidas, revelou ser impossível analisar o
corpus considerando-o como um material discursivo advindo de um construto
linguístico fechado. Pelo contrário, o discurso persuasivo emanado das peças
publicitárias, projetando um ethos de suas instâncias de produção, constrói-se a partir
de uma materialidade linguística definida por condições de produção que se
concretizam em formações discursivas, determinado o que pode e o que deve ser dito
no rádio, e revelando a função dialógica que ele exerce como um sistema de
comunicação, seja ele analógico ou digital.
83
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